Bertha Becker - Novas Territorialidades Na Amazônia Desafio Às Políticas Públicas CRH

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    Bol. Mus. Para. Emlio Goeldi. Cienc. Hum., Belm, v. 5, n. 1, p. 17-23, jan.- abr. 2010

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    Novas territorialidades na Amaznia: desafio s polticas pblicasNew territorialities in the Amazon: a challenge to public policies

    Bertha Koiffmann BeckerI

    Resumo: O ensaio apresenta os conceitos de territorialidade e gesto do territrio, propondo estudos que aprofundem oconhecimento sobre o processo de transformao territorial contemporneo na Amaznia, questionando o planejamentogovernamental com base no conceito de macrorregio e argumentando a respeito da necessidade de serem formuladaspolticas pblicas para escalas geogrficas adequadas aos processos sociais territorial izados. No caso da Amaznia, as polticase o planejamento governamental devem levar em considerao dois vetores de transformao regional, que expressama estrutura transicional do Estado e do territrio contemporneos, o vetor tecno-industrial e o vetor tecno-ecolgico.

    Palavras-chave:Territrio. Territorialidade. Gesto do territrio. Polticas pblicas. Planejamento governamental. Amaznia.

    Abstract:This essay discusses concepts of territoriality and territorial management and proposes new studies to obtain a deeperunderstanding about the process of contemporary territorial transformation in the Amazon. It questions governmentalplanning based on the concept of macro-regions, and argues for the necessity of public policies formulated for geographicalscales adequate to territorialized social processes. In the case of the Amazon, government policies and planning shouldtake into consideration two vectors of regional transformation which express the transitional contemporary structure of

    the State and of territory: the techno-industrial vector and the techno-ecological vector.Keywords:Territory. Territoriality. Territorial management. Public policies. Government planning. Amazonia.

    I

    Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Geocincias. Departamento de Geografia. Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil([email protected]).

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    INTRODUO1

    Os segundo e terceiro quartis do sculo XX forammarcados pelo forte poder dos Estados Nacionais nainduo da economia. Para tanto, desenvolveram oplanejamento centralizado, que, em nvel espacial, tevecomo escala tima de ao a macrorregio. A metade unificao do mercado domstico e a necessrianegociao com as elites regionais explicam a primaziada macrorregio como fundamento da organizao dossistemas espaciais nacionais.

    O Brasil no fugiu regra. Pelo contrrio, foi umcaso exemplar da interveno do Estado na economia e no

    territrio, com base no planejamento macrorregional. E aAmaznia foi uma regio prioritria para a integrao nacionalnos anos 1965-1985, como do conhecimento de todos.

    bem diversa a situao atual. Novas territorialidadesvm emergindo no mundo em diferentes escalas, pondoem cheque no s a primazia da macrorregio para oplanejamento, como o prprio Estado como nica fonte depoder. Tal processo vem, certamente, ocorrendo no Brasil,onde pouco analisado, e, no entanto, vem se formando.

    A elaborao de polticas pblicas no novo momentohistrico exige que se aprofunde o conhecimento sobreo processo de transformao territorial que ocorre na

    Amaznia hoje. Esse o objetivo deste texto. Para tanto,numa primeira sesso, discutem-se brevemente fatoresque causam a reestruturao econmica e territorial. Nasegunda sesso, apresentam-se conceitos inovadoressobre territrio e territorialidade. Na terceira e ltima, so

    feitas observaes sobre a questo na Amaznia.

    GLOBALIZAO E NOVA FORMA DO ESTADODois processos interrelacionados impulsionam a globalizao:a revoluo cientfico-tecnolgica, especialmente na micro-eletrnica e na comunicao, e a crise/reestruturao docapitalismo e da economia mundial.

    A revoluo tecnolgica um processo de mudanacaracterizado por uma nova forma de produo baseadana informao e no conhecimento como as maiores fontesde produtividade. Esse processo especfico de produo,

    fundamentado na inovao permanente, no constituiapenas uma nova tcnica de produo, mas tambm umanova forma de produo e, portanto, de organizao socialque ocorre no contexto da reestruturao do sistemaeconmico (Castells, 1989).

    A essncia do novo modelo pode ser identificadapor algumas tendncias associadas ao vetor cientfico-

    tecnolgico moderno, que correspondem a uma novaestrutura de poder e a novas estratgias espaciais, aindaque elas se manifestem, com feies variadas, como partesde um processo desigual e combinado:1 - A crescente internacionalizao da economia capitalista

    a tendncia mais global, conduzida pelas corporaesmultinacionais. No se trata mais apenas de suaextenso planetria e de um mercado unificado, mas

    tambm de total interdependncia das economiasnacionais em nvel do capital, do trabalho e doprocesso produtivo, e da emergncia de uma novadiviso internacional do trabalho, em que naese pases deixam de ser as unidades econmicas danova realidade histrica.

    2 - As estratgias planetrias. Tal internacionalizao assegurada por um crescimento interativo entreelementos dissociados de conjuntos de escalaplanetria, controlveis por meio da comunicao. Aescala planetria de atuao possvel pela redefinioda relao capital-trabalho, decorrente do aumentoda produtividade, com grande reduo dos custosdo trabalho pela automao e pela segmentao daproduo. O desenvolvimento tecnolgico da produoe do transporte e a estandardizao de processosprodutivos tornam a corporao independente do

    1

    Este ensaio tem origem na conferncia pronunciada pela autora na abertura das atividades do Instituto Nacional de Cincia e Tecnologiaem Biodiversidade e Uso da Terra na Amaznia, no Museu Paraense Emlio Goeldi, Belm, Par, em 12 de maio de 2009.

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    seu ambiente imediato, permitindo-lhe tirar partidoda diversidade do espao e combinar recursosem escala planetria. Fica, assim, facilitada a divisoespacial do trabalho, dissociando-se espacialmenteas operaes e a produo de alto nvel, que exigem

    trabalho altamente qualificado e se localizam em reaslimitadas as cidades mundiais , das operaes derotina, que, utilizando trabalho no qualificado, podemse estabelecer em variada gama de localidades, emconstrues gigantescas cuja justaposio vida localimplica profundas clivagens ambientais e sociais.

    3 - A nova forma do Estado. O fortalecimento do poderdas corporaes representa a perda de poderpelo Estado, na medida em que os pases deixamde ser as unidades econmicas da realidadehistrica e ele perde o controle sobre o conjuntodo processo produtivo, fato agravado nos pasessubdesenvolvidos pela dvida externa. Sob condiesde menor autonomia estatal, amplia-se sobremaneiraa fragmentao do espao nacional pela apropriaoe gesto privada de grandes parcelas, que, vinculadasa um espao transnacional, so relativamenteautnomas (Becker, 1983, 1984, 1989).

    A hipercentralizao do poder nas multinacionais,associada ao domnio do vetor cientfico-tecnolgicomoderno, a uma nova escala e a um novo ritmo deinstrumentalizao do espao e do tempo, tende a retirardas sociedades a capacidade de autorregulao. No entanto,outros movimentos configuram-se; esto relacionados organizao e resistncia sociais em todas as escalas deanlise, no sendo contemplados nas questes que focalizama macrofsica do poder, dominante na escala global.

    Em contrapartida tamanha reconverso do espao,os movimentos reivindicatrios para seu uso tornam-se um

    fenmeno mundial. No se resumem s reivindicaes portrabalho, mas pelo espao inteiro, pela vida cotidiana. Nocerne desses movimentos existe um conflito agudo peloespao e, no espao, a oposio entre o que se tornou valorde troca e o que permanece com valor de uso, de usos

    mltiplos do espao vivido pela populao. Nesse contexto,a questo territorial comea a se colocar para cada um e para

    todos: coletividades, vilas, regies e naes (Lefebvre, 1978).A geopolt ica do Estado-Nao, da corporao

    econmica e/ou militar esconde os conflitos existentes emtodos osnveis relacionais e constitui um fator de ordem,privilegiando o concebido em relao ao vivido. No entanto,o Estado e o capital no so entidades, e sim relaes sociais.

    A anlise das relaes multidimensionais de poder em todosos nveis se impe para superar o determinismo da concepounidimensional do poder e a dicotomia concebido/vivido(Raffestin, 1980; Becker, 1983). No momento em que seprivilegiam as relaes multidimensionais do poder, privilegia-se a prtica espacial e o territrio, no mais apenas do Estado-Nao, mas dos diferentes atores sociais.

    Resgatando as questes acima, levando emconsiderao a multidimensionalidade do poder e combase em nossa prpria prtica de pesquisa, possvel proporhipteses sobre o significado estratgico do territrio e deseu controle, bem como sobre as escalas em que este atua.

    TERRITRIO E TERRITORIALIDADEConsiderando necessrio reconhecer modos e intensidadesdiversos da prtica estratgica espacial, importantedistinguir territorialidade e gesto do territrio, duas facesconflitantes de um s processo de reorganizao polticado espao contemporneo (Becker, 1988).

    SIGNIFICADO DA TERRITORIALIDADEa) O territrio o espao da prtica. Por um lado, um

    produto da prtica espacial: inclui a apropriaode um espao, implica a noo de limite umcomponente de qualquer prtica , manifestandoa inteno de poder sobre uma poro precisa doespao. Por outro lado, tambm um produtousado, vivido pelos atores, utilizado como meio parasua prtica (Raffestin, 1980);

    b) A territorialidade humana uma relao com o espao

    que tenta afetar, influenciar ou controlar aes

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    por meio do reforo do controle sobre uma reageogrfica especfica, isto , o territrio (Sack, 1986). a face vivida do poder;

    c)A terr itor ialidade manifesta-se em todas as escalas,desde as relaes pessoais e cotidianas at as

    complexas relaes sociais. Ela se fundamenta na

    identidade e pode repousar na presena de um

    estoque cultural que resiste reapropriao doespao, de base territorial;

    d) A malha territorial vivida uma manifestao das relaesde poder, da oposio do local ao universal, dosconflitos entre a malha concreta e a malha abstrata,concebida e imposta pelos poderes hegemnicos.

    SIGNIFICADO DA GESTO DO TERRITRIOa) Gesto um conceito associado modernidade: a

    prtica estratgica, cientfico-tecnolgica, que dirige,no tempo, a coerncia de mltiplas decises e aespara atingir uma finalidade;

    b) A gesto eminentemente estratgica: segue umprincpio de finalidade econmica expressa emmltiplas finalidades especficas e um princpiode realidade das relaes de poder, isto , deabsoro de conflitos, necessrio consecuo desuas finalidades. Envolve no s a formulao dasgrandes manobras o clculo das foras presentes ea concentrao de esforos em pontos selecionados, como a dos instrumentos, das tticas e das tcnicaspara sua execuo;

    c) A gesto cientfico-tecnolgica. Para articularcoerentemente mltiplas decises e aes necessriaspara alcanar as finalidades especficas e dispor as coisasde modo conveniente, instrumentalizou o saber dedireo poltica, de governo, desenvolvendo-se,hoje, como uma cincia;

    d) Como estratgia cientificamente formuladae tecnicamentepraticada, a gesto um conceito que integra

    elementos de administrao de empresas e elementos

    da governamentalidade (Foucault, 1979);

    e) A gesto tende a se identificar com a logstica, no sentidoda poderosa preparao de meios e da velocidadede sua atuao, a qual se refere no apenas rapidezcomo tambm projeo para o futuro;

    f) A gesto do territrio a prtica estratgica, cientfico-tecnolgica, do poder no espao-tempo.

    AS ESCALAS DE ANLISE: UMA PROPOSTAA macrof s ica do poder o Estado, a corporaomultinacional, a ordem militar dominou os processos daescala global, planetria, e no atua apenas nela, mas em

    todos os outros nveis, no podendo, por esse motivo,ser isolada de processos ocorrentes nas demais escalas.

    A escala geogrfica, como princpio de organizao, um princpio integrador, focalizando os vrios processosem curso de maneira integrada, bem como a forma comose manifestam em diferentes ordens de grandeza.

    Lacoste (1976), partindo do princpio de que cadafenmeno tem sua escala adequada de anlise, e como intuito de evitar a subjetividade e a arbitrariedade nademarcao de partes de espao por vezes fetichizadas,como foi o caso da regio e do Estado vistos, por muito

    tempo, como nicas escalas de anlise prope que asescalas sejam estabelecidas segundo ordens de grandezamedidas em quilmetros.

    Considerando, contudo, que necessria umabase terica para definir e articular as escalas, e segundoa discusso anteriormente efetuada, proponho queas ordens de grandeza sejam definidas por nveissignificativos de territorialidade e/ou gesto do territrio,arenas polticas, expresses de uma prtica espacialcoletiva fundamentada na convergncia de interesses,ainda que conflitante e momentnea, e cuja articulaocom os demais nveis se faz por meio de conflitos e desua superao, isto , das relaes de poder.

    Como princpio organizador de anlise geopoltica,as escalas geogrficas, entendidas como arenaspolticas dinmicas e articuladas, permitem quebrar

    compartimentaes fossilizadas do espao. E no se trata

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    apenas do Estado e da regio. Trata-se tambm, porexemplo, da viso obsoleta do Terceiro Mundo.

    O CONTEXTO AMAZNICO CONTEMPORNEO

    A revoluo na microeletrnica e na comunicao gerouum novo modo de produzir baseado no conhecimento ena informao, configurando uma nova diviso territorialdo trabalho e uma nova geopoltica. A Amaznia passoua ser vista, em grande parte, como rea a ser preservadana medida em que o novo modo de produzir a valorizacomo capital de realizao atual ou futura.

    Simultaneamente, a lgica cultural dos movimentossociais e ambientalistas, embora por outros interesses desobrevivncia, convergem para a lgica de preservao,gerando esdrxulas alianas com organizaes nogovernamentais (ONGs) e agncias internacionais. Paraos diferentes nveis de produtores, contudo, a natureza a base para obter riqueza e melhores condies de vida,assim como para a sociedade brasileira, em geral.

    Se tais conflitos de valores se materializaram emintensas disputas por terras e territrios entre 1965-1985, hoje, eles configuram diferentes projetos para odesenvolvimento regional. A dcada de 1980 foi perdidaem termos econmicos na Amrica Latina, mas no o foiem termos sociais. A sociedade civil se organizou comonunca antes verificado, e os diferentes segmentos sociaispassaram a demandar uma poltica capaz de dinamizara regio. Projetos alternativos surgiram, constituindoembries de novas territorialidades.

    Os conflitos das dcadas de 1970 e 1980 se transfiguraram,hoje, em diferentes projetos de desenvolvimento, cuja

    demanda se efetua sob formas diversas, pacficas ou no.A coalescncia de projetos resulta em dois vetores detransformao regional, que expressam a estrutura transicionaldo Estado e do territrio (Becker, 1995).

    O vetor tecno-industrial (VTI), herdeiro da economiade fronteira, rene projetos de atores que vm assumindomaior expresso em face crise do Estado, interessados

    na mobilizao de recursos naturais (sobretudo minrios

    e madeira) e de negcios: bancos nacionais e empresasregionais, nacionais privadas e estatais e internacionais,individualmente ou em joint ventures. A esses atores sealiam segmentos das Foras Armadas, com seu projetode manuteno da soberania nacional.

    So diferentes as demandas do vetor tecno-ecolgico (VTE), que envolve projetos preservacionistase projetos conservacionistas. Os primeiros so frutos deinteresses distintos: a legtima conscincia ecolgica, que

    visa preservar o mundo natural como estoque de vida, e ageopoltica ecolgica, que visa preserv-lo como reserva de

    valor. Suas metas coincidem com os interesses dos projetosconservacionistas, alternativas comunitrias de baixo paracima, que, para sobrevivncia, se aliam a redes sociais

    transnacionais. Os principais atores do VTE so os governosdo Grupo dos Sete (G-7) e do Brasil, o Banco Mundial,as igrejas e as ONGs, associados a comunidades locais.

    Os projetos conservacionistas correspondema experincias associadas biosociodiversidade da

    Amaznia bem expressando a heterogeneidade regional e representam novas territorialidades resistentes expropriao, sejam os sujeitos ndios, seringueiros oupequenos produtores. Cada uma dessas experincias realizada em um dado ecossistema, utilizado por populaesde origens tnica e/ou geogrfica diferentes, com tcnicas,estrutura produtiva social e poltica, bem como parceriasdiversas. Sua sustentabilidade ainda uma incgnita, embora

    j se reconheam potencialidades diversas.As ex pe ri nc ias prod ut iv as suste nt vei s no

    extrativismo so pioneiras, associadas luta pelacriao de Reservas Extrativistas (RESEXs), verdadeiras

    territorialidades amaznicas. Organizadas em cooperativas,at o momento, contudo, no alcanaram o nvel desustentabilidade almejado, no considerando devidamenteas condies de produtividade do sistema florestal.

    Projetos de produtores familiares so tambmembries de novas territorialidades. Nesse caso, soagrosilvicultores que tiveram influncia do Instituto

    Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA) em

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    sua origem, como projetos de colonizao. Ressaltam osdesmatamentos no vale do rio Acre (Acre), em Rondnia ena rodovia Transamaznica, onde os projetos de colonizao

    foram implantados com um mnimo de organizao.Experincia considerada consolidada o Projeto

    Reflorestamento Econmico Consorciado Adensado(RECA), localizado em Nova Califrnia, na fronteira entreos estados do Acre e Rondnia. A pesquisain loco revelouque ele representa uma inovao bem sucedida quanto sustentabilidade, caminhando para um efetivo Sistema

    Agroflorestal (SAF): representa uma forma de manejodos recursos naturais que mantm a estrutura florestale o sistema ecolgico com trabalho familiar, baseada noreflorestamento consorciado de castanha, cupuau epupunha, e no beneficiamento do cupuau, exportadoem polpa para o mercado interno. A populao doRECA igualmente particular. Trata-se de seringueirose migrantes, sobretudo do Sul do pas, com experinciaagrcola anterior, inclusive como colonos do INCRA emRondnia. Apoio fundamental nova iniciativa foi dadopelo INCRA, na forma de um assentamento rural, epor uma igreja francesa que prov recursos financeirose assistncia tcnica. A organizao social e poltica

    totalmente diversa das RESEXs: os produtores esto

    organizados em grupos de lotes, que tm representaesna administrao central, com regras rgidas definindo ascondies de entrada e de sada da cooperativa.

    A desregulao estimulada pelo vetor ecolgico podesignificar um movimento para nova regulao associado aum desenvolvimento sustentvel mais democrtico e

    flexvel ou, pelo contrrio, um incentivo fragmentao.

    Cumpre ressaltar, por um lado, fato indito e positivono Brasil, qual seja a transferncia de terras devolutas doEstado para uso dos seringueiros, caboclos e ndios em

    formas alternativas de organizao econmica, social eterritorial; por outro lado, em que pese a importnciadessas iniciativas localizadas e embrionrias, por enquanto,na prtica, grande parte do territrio amaznico permanece

    margem do circuito produtivo nacional.

    Certamente, a mais clara territorialidade naregio tem como base as terras indgenas, territrioshistoricamente forjados. Durante sculos negligenciada,a territorialidade indgena vem emergindo nas ltimasdcadas, expressa no seu crescimento demogrfico e emorganizaes associativas, as quais, com apoio de ONGs,

    fazem ouvir suas vozes, tendo conseguido a demarcao desuas terras. Em outras palavras, os ndios transformaram-seem um efetivo ator regional, cuja ao se fundamenta num

    territrio apropriado e delimitado.As incertezas quanto aos modos de transformao

    dos territrios so muitas e maiores ainda em relao Amaznia, dada a sua extenso e a acelerao dadinmica regional. Uma certeza, contudo, deve serconsiderada: o esgotamento da macrorregio comoescala tima de planejamento. O planejamento, para serbem sucedido, deve focalizar problemas bem definidos edelimitados. As novas territorialidades tm, assim, que serreconhecidas como um componente a ser fortalecido parao desenvolvimento regional sustentvel.

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    Recebido: 19/05/2009Aprovado: 26/02/2010