Bertho. a. Ayvu Rapyta Cosmologia Mundo e Modo de Ser Guarani

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II Simpsio Roa Bastos de Literatura: Papel, corpo e imagem ngela Bertho Departamento de Antropologia Social UFSC

Ayvu Rapyta Cosmologia, mundo e modo de ser Guarani Contexto e textos mticos RESUMO Ayvu Rapyta ou Origem da linguagem humana, segundo Lon Cadogan, o compilador destes textos junto lideranas guarani de Monday no Paraguai, evoca o sentido intracultural dessa traduo a origem da poro divina da alma. Os objetivos da comunicao so vrios, primeiro situar o contexto em que foi repassado oralmente por lideranas Guarani ao compilador, em meados do sculo passado e proporcionar uma viso geral de seus temas. O segundo objetivo articular as interpretaes propostas sobre o tema da terra sem mal, tema recorrente nas pesquisas antropolgicas sobre os Guarani desde praticamente um sculo. H quem sugira que o tema se transformou em mito acadmico, h tambm quem veja na recorrncia constante por parte dos Guarani do mesmo, uma ressignificao do que no podem mais tornar realidade. O terceiro objetivo explanar sinteticamente a semntica das trs vias de interpretao sobre o tema da terra sem mal, a saber: a religio e ecologia e a territorialidade. Essas trs faces, antes que fases, interpretativas integram-se interdisciplinarmente, como num espelho, um modo de ser, pensar e agir holstico que abarca o sagrado, o humano e uma natureza, esta sim, mtica porque em falta, transformada e permanentemente buscada. Texto e Contexto Os primeiros textos do corpus que viria a ser denominado de Ayvu Rapyta ( Origem da Linguagem Humana)- Textos Mticos de los Mby-Guarani del Guair foram editados no Paraguai em 1946 por Leon Cadogan na perspectiva das tradies religiosas e msticas. A publicao no Brasil iniciou-se em 1953 at 1959 com a denominao de textos mticos, que permaneceu em sua ltima publicao completa em 1997 no Paraguai. A bibliografia temtica sobre os Guarani compilada por Meli e Muraro (1987) pode sinalizar a importncia de Ayvu Rapyta nas obras antropolgicas1 tanto de Leon Cadogan1

Leon Cadogan teve artigos publicados no Paraguai, Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, Mxico, ustria, Alemanha, E.U.A. Egon Shaden no Brasil, Paraguai,Peru, Inglaterra, Argentina, Alemanha, Frana, E.U.A.

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(Idem, pg 117-132), quanto de Egon Schaden (Idem 288-295), como tambm de Pierre Clastres e Hlne Clastres (Idem: 148-152) sobre os Guarani, at por volta dos anos 80. Cadogan e Schaden mantiveram intenso intercmbio intelectual, sendo que a Revista de Antropologia da USP, da qual Schaden foi um de seus fundadores, publicou o texto integralmente. Os textos foram ditados por um grupo de Guarani a Cadogan, sendo uma transcrio literal, em gratido por sua interveno favorvel, que deu fim a um processo de priso e julgamento de um Guarani acusado do homicdio de um paraguaio, e que consumiu um naco do mesmo como rito de antropofagia. A razo do feito era que o paraguaio em questo, havia ultrajado sua companheira. ...Mario le dijo que yo era merecedor de que se me divulgara las ee por tenonde, las primeras palabras hermosas, por quanto, dijo, los favores que los Mby me deban me hacian acreedor a que se me considerase como miembro de la tribus: ane retar, nande rataypygua ae i: nuestro verdadero compatriota, miembro genuino de nuestros fogones ( Cadogan, 1997: 16). Segundo Cadogan e Schaden, Ayvu Rapyta seria imune de influncias religiosas crists, e para Cadogan a via de acesso a essa tradio oral sagrada pode nos permitir apreciar a poesia e a filosofia guarani em sua beleza e profundidade. Os textos que o compe foram divididos em XVIII captulos cujos temas variam da criao de seu mundo cosmologia e localizao dos parasos terrenais no espao/tempo fundamentos da linguagem da palavra-alma individual. A criao da Primeira Terra, seus quatro deuses e deusas habitantes dos parasos os detentores da palavra, as normas para a sua organizao, a instituio dos guardies dos elementos, os modos de acesso ao conhecimento do sagrado. A psicologia arquetpica de conhecimento xamnico sobre os deuses/deusas, donde provm as almas dos Guarani e que so identificadas pelos xams nomeando cada recm-nascido, ligando-o alma da deidade da qual provm e orientando seu modo de ser individual. O incesto, a transgresso, o dilvio, a criao da Nova Terra com seus deuses menores, a transmisso do conhecimento da boa cincia: medicina- processos de doena e

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cura, inspirao e mensagens dos deuses, nascimento e morte; agricultura - as sementes, os plantios, as estaes, as chuvas; tica - da reciprocidade, da parentela, da conviviabilidade, da relao filial, da conjugalidade, da feminilidade e da masculinidade; do modo de ser e do bom viver. A terra sem mal Talvez o tema, o mito e a polissemia em torno de yvy marey, a terra sem mal seja o elemento identificador da etnia na antropologia e, se Guarani e terra sem mal se conjugaram com muita facilidade nessa rea no sculo XX, no anterior, Guarani conjugouse com o nosso Indianismo de tendncia romntica, com a exaltao dos nativos da terra. Se o romantismo ingls e alemo significou, entre tantas outras significaes, uma crtica s transformaes velozes da Industrializao e suas conseqncias na natureza e na cultura, em especial nas relaes sociais e humanas, a nossa traduo desse movimento, foi o rpido reconhecimento da natureza americana e seus nativos, e os Guarani tornaram-se um cone no campo da Arte. Nesta, a construo da brasilidade, a mistura tnica no isenta de dramas e tramas que inspirou Jos de Alencar na escrita de O Guarani lanado em 1855. A descoberta desse romance pelo msico Carlos Gomes, bolsista real na Itlia no tardou em transformlo em pera. O prprio Jos de Alencar no pde reconhecer seu romance na pera, mas consolou-se pela repercusso que poderia inspirar a sua leitura, e tinha razo. Mas voltemos ao comeo do sculo XX para melhor situar essa mudana no imaginrio brasileiro, do papel representado pelos Guarani. Essa etnia, no obstante ser referida em muitas obras de viajantes e cronistas, foi revelada nascente pesquisa etnogrfica e Antropologia por Kurt Unkel. Imigrante oriundo da Thuringia, posteriormente Alemanha Oriental, nutria intensa curiosidade intelectual por indgenas americanos. Residindo na cidade de So Paulo freqentava o Museu Paulista, dirigido pelo tambm alemo Hernann von Ihering. Colaborou com o Museu em expedies e na primeira oportunidade que teve passou a conviver com um grupo de Apapocuva-Guarani no oeste do Estado de So Paulo. Conviveu com eles durante oito anos com algumas interrupes. Em 1906 foi incorporado

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cerimonialmente etnia com o nome de Nimuendaj, cuja traduo se aproxima de aquele que fez sua prpria morada ou caminho entre ns. Nimuendaju publicou a monografia em 1914 na Alemanha com o ttulo, As Lendas de criao e destruio do mundo como fundamentos da religio dos ApapocuvaGuarani, obra que circulou traduzida do alemo entre especialistas e que s veio a ser traduzida para o portugus em 1987. Para Nimuendaj o lugar do sentido nesta sociedade era o sistema religioso, cujo emblema semntico era a busca da Terra sem mal, yvy marey, emblema que passou a ser recorrente nos estudos da etnia desde ento (BERTHO, 1995). Primeiras interpretaes sobre o tema da terra sem mal yv marey: Desterritorializao, Disperso e Cosmologia Desde princpios do sculo XIX, segundo Nimuendaj ([1914] 1987, p.8-12), comeou entre grupos guarani um movimento religioso entre os pajs, inspirados em vises e sonhos sobre o fim do mundo. Atravs de danas e rituais buscavam a Terra sem Mal. Segundo o autor, alguns a situavam no centro da terra2, mas a maioria dos pajs, situavam-na a leste, alm do mar: Em finais do sculo passado um certo Ipry percorreu as aldeias do interior e incitou os Guarani a se prepararem para com ele caminhar at o mar (...) seu tio havia alcanado o Yv marey diante dos seus olhos e lhe teria confiado o segredo do caminho3 para l (...) muitos bandos me contaram que ele estivera entre eles ( Idem: [1914]1987, p.104).2

Muitos foram os grupos que saram de Mato Grosso em direo ao mar, no s em direo ao litoral paulista, mas tambm paranaense, e muitos pereceram de doenas e misria, outros ainda que chegaram ao oceano convenceram-se da impossibilidade de alcanar a Terra sem Mal e retornaram (NIMUENDAJU, [1914] 1987: 98).3

Grifo meu. Relatando sobre os vrios grupos que saram do Mato Grosso, Nimuendaj (FREI SABINO apud NIMUENDAJU, p. 14-15) situa no Alto Ivahy o grupo do guarani Nimbiarapony que se deslocava a leste em 1890. O alto rio Ivahy rota assinalada do Caminho do Peabir pela arqueologia (Chmyz 1976: 66-90). Tratase de uma rede de caminhos pr-colombianos, objeto de constantes indagaes e pesquisas sobre a territorialidade Guarani, tema que ser ampliado ao longo do texto.

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Segundo Nimuendaju, nas suas conversaes com os Apapocuva (andeva ou Xirip)4, o tema favorito foi o fim do mundo e a salvao, sem que ele houvesse instado a tal (Idem, p. 70). A demanda da terra sem mal comea a ser desenhada para a etnografia nas minuciosas descries feitas a partir de uma vivncia de 1905 a 1913 com vrios grupos que tinham por objetivo chegar costa atlntica. O autor (Idem, p. 98) ficou intrigado especialmente com o episdio de uma lenda da conflagrao universal (Guyraypoy) em que se mencionou a Serra do Mar: cvae (esta) yvyt (serra) parry (do mar) joco (dique). O autor relatou o destino dos grupos vindos do oeste para o leste, como os Taigua (em 1820), e os Oguauva (em 1830). Os Taigua, depois de muitas dificuldades, entre elas a de quase serem feitos escravos no Brasil, estabeleceram relaes amistosas com a populao local. Nimuendaj realizou gestes junto ao governo brasileiro para criar uma reserva indgena para eles a de Ararib5, perto da cidade de Bauru; conseguiu reun-los depois de muita insistncia e negativas. Posteriormente revoltaram-se quando da construo de uma ferrovia numa fileira de tmulos de seus antepassados (Idem, p.10). O Baro de Antonina solicitou ao governo brasileiro um missionrio para os Oguauva e presenteou-os com uma rea por volta de 1845, mas a terra foi invadida e os ndios se dispersaram. Nimuendaju encontrou-os em 1912, conseguindo lev-los reserva de Ararib, pois estavam cansados das epidemias e acossos de toda ordem, mas foram a contragosto. As epidemias continuaram e uma parte deles conseguiu realizar seu plano de chegar ao mar, estabelecendo-se em diversos locais da costa paulista: Itanham na aldeia do Bananal, e em Mongagu e Itariry junto a alguns Taigua (Idem, p.11). Em 1912 Nimuendaju encontrou um grupo de seis guarani paraguaios, segundo o autor autnticos ndios de floresta com arco, flecha, lbios perfurados, sem conhecimento do portugus e falando somente algumas palavras de espanhol (Idem, p.105). Avistou-os num pntano s margens do rio Tiet a l3 Km da cidade de So Paulo. Fez-lhes tambm a proposta de lev-los ao Ararib, mas a nica indagao que faziam era se era a leste ou4

Os Apapocuva saram do extremo sul do Mato Grosso dirigindo-se ao litoral paulista. andeva, Xirip, Kaiow e Mby so as chamadas parcialidades entre os Guarani, esta uma denominao genrica.5

A Reserva do Ararib foi convertida num asilo para os remanescentes indgenas que indigenistas e padres localizavam dispersos pelo Mato Grosso, Paran e Estado de So Paulo.

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oeste, pois tinham como objetivo expresso chegar costa. Com muito esforo levou-os reserva, mas tendo-se ausentado por um perodo e voltado, no mais os encontrou. Dos extensos contatos de Nimuendaju com vrios grupos guarani, e de sua permanncia entre o grupo do ndio Joguyroqu por vrios anos observou: A diferena entre este e os outros bandos to pequena que posso ignor-la. Sempre me admirei que os costumes variassem to pouco num territrio to vasto, do mar serra de Mbaracaj6 (Idem, p. 90). Nimuendaju se referia s danas de pajelana, rituais de batismo e teocracia, nica organizao que alicerava o carter e as concepes dos grupos. Qualquer tentativa de reun-los em colnias ou aldeamentos fracassava. Os Guarani opunham resistncia passiva e por qualquer motivo se dispersavam at encontrarem um grupo solidamente organizado dentro de suas prprias concepes, em torno de seu paj (Idem, p. 76). Escrevendo no comeo do sculo, o autor ainda tinha a percepo, refutada pela arqueologia posterior (NOELLI, 1993), que os Tupi-Guarani7 tinham conquistado todo o litoral em poca recente conquista. Argumentou que se naquele momento a causa de sua expanso era a superioridade blica com relao aos habitantes da costa, nos finais do sculo XIX e comeo do sculo XX, os motivos eram religiosos 8, pois para Nimuendaju era do leste que vinham os maiores perigos. O valor etnogrfico da monografia sobre os Apapocuva se ressentiu da falta de aprofundamento dos eventos histricos do contexto platino, como a Guerra do Paraguai (1864-1870) e a posterior venda de terras e de florestas para o equilbrio das finanas pblicas que se seguiu. Terras vendidas para grandes empresas estrangeiras, nas quais se implantou o extrativismo da erva-mate, laranja silvestre, madeira e criao de gado. Essas atividades impactaram os espaos territoriais indgenas, seu modo de vida e ocorreu o alastramento de uma epidemia de varola, restando quelas populaes o trabalho nos ervais (changa) ou deslocamentos.

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Ser situado a noroeste do Paraguai prxima fronteira do Mato Grosso. Os Tupi (Tupinikins e Tupinambs) dominavam do esturio do Amazonas at Canania e os Guarani (Carijs e Mbys) de Canania at o esturio do Prata.8

O incndio universal, o dilvio, os demnios animais, a dana da pagelana, a ascenso - tudo isso arquindgena - e encontra numerosas analogias em outras tribos (NIMUENDAJU [19l4] 1987, p. 131)

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Metraux ([1928] 1979, p.175-195), a partir do tema da terra sem mal, que Nimuendaju sups como sendo o lugar do sentido e a mola propulsora religiosa da migrao de grupos guarani para a costa atlntica, estabeleceu uma unidade cultural prcolonial entre os heris civilizadores9 dos Tupi e Guarani. O autor tambm rastreou uma srie demigraes registradas por viajantes, cronistas, padres franciscanos e jesutas que estiveram entre os Tupi10, e estabeleceu analogias com os dados Apapocuva (Guarani) e Tembs (Tupi) de Nimuendaj ( apud Metraux, Idem, 1-20). Voltaremos ao tema dos heris civilizadores posteriormente, quando as interpretaes sobre a terra sem mal sero ampliadas sob a perspectiva ecolgica com Meli (1990, p.31-46). No obstante esse recurso analgico ter sido apontado como um problema metodolgico (NOELLI, 1999, p.123-164; POMPA, 2002, p. 9-132), j que Metraux amalgamou dados histricos dos sculos XVI e XVII sobre os Tupi com dados histricos do sculo XX sobre os Guarani, Metraux estabeleceu vnculos mitolgicos entre os entre os Guarani e os Tupi. Comparou vrias migraes registradas entre os Tupi, em especial a ocorrida no Maranho em 1539, com a dos Guarani-Apapocuva de 1912 (NIMUENDAJU [1914], 1987). Entre os Tupi, a partir do relato do cronista Gandavo (apud METRAUX, Idem, p.184), o objetivo da migrao da costa do Maranho at o Peru, era encontrar a terra da imortalidade e do descanso perptuo, uma concepo que Metraux considerou como uma situao particular da terra sem mal. Para Metraux (Idem, p.195) essas migraes foram movimentos messinicos, enquanto fenmenos de aculturao que ocorriam em situaes histricas ameaadoras. A essas crises msticas qualificou, entre os Tupi-Guarani, como a busca de um mundo ideal, uma nostalgia do passado - o mito da terra sem mal. Schaden ([1954] 1960, p.5-23) retomou o trabalho de Nimuendaju e ampliou as informaes sobre as rotas migratrias dos ndios Guarani no Brasil. Os grupos citados por9

Para Metraux (Idem e Susnik (1984-1985, p.71-84) o conceito de heri civilizador ou profeta era caracterstico dos Tupi (Monan, Mara-Monan, Sum, Caraba) e dos Tpi-Garani ( Sum, Grande Pay, Kara), e suas prerrogativas foram ter ensinado o cultivo de muitas plantas teis (agricultura e plantas medicinais), com poderes mgicos sobre os elementos naturais, organizador da vida social e de prticas rituais.10

poca do que ele considerou a invaso europia, e no a descoberta do continente sul americano: Thevet, Cardim, Yves dvreux, dAbbeville, Vaz de Caminha, Nieuhof, Nbrega.

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Nimuendaj (Taigua, Oguauva e Apapocuva) encontravam-se no Itariry e no Bananal (litoral paulista). Acrescentou que outros trs grupos Mby provenientes do leste paraguaio e nordeste argentino (Missiones) atravessaram o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paran, chegando tambm ao litoral de So Paulo nos anos de 1924, 1934 e 1946. Dois destes grupos haviam estado no Esprito Santo, Minas Gerais e no Ararib 11 (interior de So Paulo) e haviam-se dirigido para a aldeia de Rio Branco (litoral paulista), sendo que alguns de seus membros ficaram no Esprito Santo. O terceiro grupo esteve na aldeia de Rio Branco e Itariri e depois se retirou para o Rio Comprido, na Serra do Itariri. Em 1947, Schaden em visita aldeia de Xapec, em Santa Catarina encontrou vrias famlias Mby que: (...) manifestavam a inteno de vir para o litoral, a fim de se reunirem a seus parentes e amigos. Haviam realizado parte da viagem e estavam espera da ordem divina para lev-la a cabo ([1954] 1960, p.13). Diferente de Nimuendaju, que no comeo do sculo, observou uma homogeneidade cultural entre os Guarani, Schaden percebeu que disseminados em pequenos ncleos por uma extensa rea12, se caracterizavam por uma multiplicidade de situaes de contato intertnico, miscigenao e entrosamento ecolgico/econmico com populaes locais, alm de apresentarem intensa mobilidade. Para ele, os andeva, que predominaram no comeo do sculo estavam imbudos do sonho do paraso e que o mundo caminhava para o seu fim. Submetiam-se a prescries de jejum, cantos e danas para ating-lo, mas poca de sua pesquisa constatou que no havia fatores ativantes do mito. Quanto aos Mby, que segundo Schaden ([1954] p.169-170), vieram posteriormente aos andeva, apresentavam forte conscincia grupal em oposio aos portugueses. Sustentou que o mito do paraso entre os Mby desempenhava um papel mais importante que entre os outros subgrupos, com concepes ligadas abundncia de recursos naturais, como caa e frutas, lugar de refgio, segurana e condies de vida ideais. Com relao aos Kaiov, habitando vrias aldeias no sul de Mato Grosso (Dourados, Panambi, Teicu, Taquapiri, Amamba etc) e regies contguas ao Paraguai,11

Segundo Schaden ([1954] 1960, p.16), no Ararib foram realizadas vrias tentativas de trabalho em educao e eficincia econmica, mas os resultados com os Guarani foram insatisfatrios em relao aos Terena, que estavam no mesmo posto indgena.12

So Paulo: vrios pontos do litoral ( Rio Branco, Bananal, Itariri) e no interior a cidade de So Paulo e Bauru (Ararib). Paran: oeste paranaense (Palmeirinha). Santa Catarina : Xapec (Limeira). RS: (Guarita).

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sendo que a maioria destas aldeias estava em reservas mais ou menos extensas sob administrao do SPI13, dedicavam-se caa e lavoura e trabalhavam alguns meses ao ano nos ervais da regio. Para Koenigswald (apud SCHADEN, [1954] 1960, p.12 e 23) at aquela poca no havia notcia de terem chegado ao atlntico, ocorrendo uma nica referncia, a de que em 1908 chegaram ao baixo Rio Tibaji 14, ou seja, sudeste do estado do Paran. Esta citao muito importante para que se possa dimensionar primeiro: o significado do tema da terra sem mal de Nimuendaju, percebido por Schaden como o mito do paraso, e segundo, a concepo de territorialidade guarani associada ao conhecimento dos pajs, detentores do segredo do caminho (conforme nota 3)., em citao de Nimuendaj. Ao relatar a situao de cada rea indgena que visitou, Schaden contextualizou que os Kayov do sul de Mato Grosso da aldeia de Panambi, sofriam o avano da Colnia Federal de Dourados, que loteou a quase totalidade da reserva para distribuio aos colonos. Os lotes seriam divididos entre lavradores nacionais e estrangeiros e que os Kaiov estavam vivendo uma situao dramtica perante a iminncia de ficarem sem reas de caa e plantio. S ficariam em lotes onde houvesse alguma casa de ndio. Schaden (1963, p.79-82) pediu-lhes que desenhassem, e segundo ele, obcecados apresentavam ao etnlogo desenhos representando os lotes por um conjunto de linhas paralelas. Os que seriam destinados aos colonos ostentavam parcas ilustraes, como algum animal, e os destinados a si, cenas movimentadas de cunho religioso, com ndios danando, o mdico-feiticeiro portando seus instrumentos. O autor interpretou a simbologia de vrios desenhos. Um elemento recorrente num desenho era uma linha vertical que se elevava sobre o para- o mar eterno- indicando o caminho das regies celestes. Horizontalmente um trao reforado com duas linhas (rios) que cruzavam o caminho e no final o rosto do sol. Em outro desenho, a cerimnia com danas tendo em torno um traado oval representando a superfcie da terra. Ainda em outro, os pontos cardeias com as sedes das divindades, a eclipse que marcava o fim do mundo(yvy op), os pobres ndios desprotegidos (...) viro dos quatro lados os kavadj vev, os

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Servio de Proteo ao ndio. O baixo rio Tibaji est tambm no roteiro do Caminho do Peabir ( CHMYZ, 1976, p.70)

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cavalos voadores (...) evidente a reminiscncia das palavras jesuticas nessa impressionante imagem do Juzo Final (Idem, p.82). O segundo aspecto de importncia a ser abordado a interpretao mtica realizada pelos autores que privilegiavam a viso religiosa dos Guarani. Nimuendaju considerou que os elementos religiosos arquiindgenas superavam os elementos da religio crist, Schaden associou-os reminiscncias jesuticas que embasavam um certo messianismo indgena, com a idia do fim do mundo e a busca do paraso cristo. Em ambos, a perspectiva culturalista e etnogrfica predomina, como o conceito de aculturao utilizado por Schaden (1963, p.263-276). Conceito de mo dupla, se os indgenas em contato com as populaes regionais se acaboclavam, tambm os descendentes de europeus passavam pelo mesmo processo. Esses retratos etnogrficos nos do pistas para abordagens tericas multidisciplinares como estamos tentando realizar neste trabalho. Para alm do que foi considerado enquanto prerrogativas religiosas influenciadas ou no pelo cristianismo, a cosmologia ou a viso de mundo Guarani parece ter nas personagens dos xams, especialistas convincentes para orientar deslocamentos ou migraes. O caminho para a terra sem mal parece ter mais concretude do que supunham esses autores, e tratava-se dos ramais do Caminho do Peabiru15. Em outras palavras, rotas conhecidas de antigos assentamentos que tinham em alguns xams os depositrios desse saber.

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Reinhard Maack (apud CHMYZ, 1976, p. 69) considerou o Peabir como um caminho transcontinental entre os oceanos Atlntico e o Pacfico: de S.Vicente em So Paulo, atravessando o Paran, o chaco paraguaio e o planalto do Peru e atingindo a costa pacfica. Para Chmyz (1976, p. 66-98) este seria o ramal principal, identificando tambm dois ramais secundrios, do litoral do sul e sudeste brasileiro, ao centro do continente. Um deles, percorrido por Aleixo Garcia e lvar Nues Cabeza de Vaca, situava-se no norte de Santa Catarina pelo Rio Itapocu, perto das atuais cidades de Barra Velha e Araquari. Outro ramal localizava-se prximo das cidades de Iguape e Canania, no estado de So Paulo. Para alguns pesquisadores o Peabir atribudo aos Guarani (LOZANO apud CARDOZO apud CHMYZ, 1976, p.70), para outros, ele obra da expanso incaica a leste do continente, que implicava na assimilao de outras etnias (Capanema apud Galdino, 2002, p. 15-21; Galdino, 2002). Este autor, entretanto considera que essa expanso foi frustrada e impedida pelos Guarani, mas que estes se utilizavam largamente do mesmo, ampliando seus ramais como via de transporte e comunicao. Recentemente Chmyz lanou outra hiptese sobre o Peabir, atribuindo-o aos Itarars (Macrofamlia J) antecessores dos Kaingang, que antecederam os Guarani em territrio paranaense. As evidncias arqueolgicas sugerem 5.000 anos DC para os J e 1.300 DC para os Guarani. Entretanto este autor tambm pesquisou vestgios de caminhos pr-colombianos em Minas Gerais, Gois, Mato Grosso e considera que a complexidade do tema exigir cada vez mais pesquisas arqueolgicas (GABARDO, 2004, p. 20-23).

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Nimuendaju, da mesma forma que sups que os Tupi e os Guarani tivessem recm chegado ao litoral poca da Conquista16, e que a mola propulsora das migraes oeste/leste era religiosa; sups tambm a extino dos Guarani Carij da costa (NIMUENDAJU, [1914] 1987, p. 9). Da perspectiva culturalista, a extino cultural em funo da escravido que estiveram submetidos no Brasil, mas no do ponto de vista de alternativas concretas com que os ndios podiam contar, e de fato contaram, pela via do conhecimento do territrio e das rotas de fuga para o interior do continente. As referncias a idas e vindas pelos caminhos ndios entre o litoral sul e o interior do continente foram constantes nos cronistas (Sanches, [1553] 1942, 11-16) e na documentao jesutica ( Loyola apud Leite, 1954: 263264) mas com a expulso destes ocorreu uma lacuna bibliogrfica que voltou a ser preenchida pela etnografia, com referncias de deslocamentos a partir de 1820 e que se estendeu at por volta de 1950, segundo Nimuendaju e Schaden. Esses autores elucidaram as rotas de diversos grupos que se dirigiam costa no sculo XIX, e terem encontrado vrias delas no XX fazendo claras aluses a um caminho to relevante nas crnicas coloniais (Abreu, [1907[ 1963; Cabea de Vaca [1555] 1999) , no teve relevncia significativa para estes autores. Schaden, no entanto, j vislumbrara no artigo sobre os desenhos Kayov (op.cit) que yvy op o fim do mundo podia-se referir a uma terra factvel, bem mais prxima, mas mesmo assim fez aluso incorporao nativa do paraso cristo, no to factvel e concreto assim. AYVU RAPYTA Os textos mticos dos Mby-Guarani Ayvu Rapyta - compilados por Cadogan ([1959, 1965] 1997), e referenciados por Schaden (1963, p.79-82), so um acesso privilegiado sobre a noo de espacialidade e territorialidade guarani, a relao destas com sua mitologia, e as chamadas migraes. O panteo guarani do grupo estudado por Cadogan (Idem, p. 49), formado por um criador: amand, deus do sol e criador da

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As dataes arqueolgicas aproximadas para a chegada dos guarani na costa atlntica giram em torno de 900 a 1.000 anos, segundo Noelli (1993).

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primeira terra (Yvy Tenond) e de sua esposa, pais de seus futuros e numerosos filhos 17. Na criao da primeira terra: El verdadero Padre amandu, el primero, (...) Cre una palmera eterna en el futuro centro18 de la tierra; cre otra en la morada de Kara (oriente-nascer do sol); cre una palmera eterna en la morada de Tup (poente-por do sol), en el origen de los vientos buenos (norte) cre una palmera eterna; en los orgenes del tiempo-espacio primigenio (sul) creo una palmera eterna; cinco palmeras eternas cre: a las palmeras eternas est asegurada la morada terrenal (CADOGAN 1997, p.49). Para Cadogan, a morada de amand est no centro da terra, a de Tup est no poente (oeste) e a de Kara no nascente (leste). Quanto s direes cardeais norte e sul, o texto refere-se aos ventos, os bons ventos norte e noroeste - que anunciam a primavera, e o vento do sul que anuncia o inverno. Mas Jakaira, cuja funo o cuidado da neblina vivificante, no tem sua localizao explcita. Uma observao do autor poderia elucidar mudanas de localizao dessa deidade: (...) A un indio le he odo decir que, para que se produzca el cambio de estaciones, trocndo-se el invierno en primavera, mudan los dioses los cimientos del espcio originrio19 (CADOGAN, 1997, p. 60). interessante notar que as direes cardeais relacionam-se ao nascer e pr do sol e aos ventos. Nimuendaju salientou numa verso Apapocuva da criao do mundo, o uso do smbolo da cruz:

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Namand Ru Ete e sua esposa Namandu Chy Eter i, Kara Ru Ete e Kara Ru Ete e Kara Chy Eter i, Jaikaira Ru Ete e Jakaira Chy Eter i e Tup Ru Ete e Jakaira Chy Eter i. A cada um de seus filhos e aos filhos destes Nander estabeleceu funes. A Kara Ru Ete, dono do fogo e das chamas, a vigilncia de seu crepitar, a Jakaira Ru Ete o cuidado da fonte da neblina vivificante, a Tup Ru Ete o encargo das guas, rios e do extenso mar (Idem, p.33-64).18

Grifos e parntesis nossos. Nos parnteses so assinaladas as direes cardeais indicadas em notas por Cadogan (1997, p. 59-60) 19 Fica a pergunta: o que pode significar essa mudana?

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(...) anderuvu carrega ainda hoje tal luz em seu peito, ao passo que o sol surge independentemente. Sobre um suporte em forma de cruz, ele d terra o seu princpio. (...) (...) De acordo com uma outra verso, que anos atrs me foi contada pelo velho Oguaiva Pata, ele teria fechado a trilha para o cu por meio de duas penas de arara fincadas maneira de uma cruz de Santo Andr*(...) (NIMUENDAJU, [19l4] 1987, p.49) A nota (*) do tradutor informou que a cruz em questo era em forma de X. Pareceria ento que enquanto ns observamos as direes cardeais em forma de cruz, norte - sul e leste -oeste, os guarani observavam essas direes em forma de X, ou seja a direo oeste e leste Guarani para ns noroeste e suleste. O norte e o sul para ns, corresponde ao nordeste e sudoeste para eles. O tema do paraso foi bastante polissmico entre os autores. Por um lado tentavam traduzir as palavras guarani com conceitos que correspondiam aos ocidentais, por outro os indgenas tentavam se fazer entender pelos antroplogos, acionando cdigos entendveis a estes. Schaden, como vimos anteriormente, viu aculturao crist no conceito de paraso, j Cadogan (Idem, p.67-82) relacionou este conceito s moradas terrenais nos pontos cardeais guarani, apontando para referncias geogrficas. Cadogan (1965, p.30-40), que estudou por muitos anos a mitologia e a religio guarani, indica que o paraso, ou a Terra sem Mal, se encontrava na direo do amanhecer, alm do Oceano Atlntico, onde no haveria morte, enfermidade, feras ou serpentes, mosquitos ou estrangeiros. Local onde poderiam receber seus deuses protetores e frteis terras para cultivar livremente. O cruzamento do grande mar se daria atravs de exerccios espirituais e jejuns que livrariam o corpo das imperfeies humanas e as pessoas da prova da morte. Colocava, todavia, que as migraes aps 1.500 teriam se dado para fugir conquista. Posteriormente Hlne Clastres ([1975] 1978) identificou o ethos migratrio TupiGuarani como um movimento proftico20 e no messinico como apontara Mtraux ([1928] 1979:195), que traduzia o pessimismo de uma cultura que se sabia sem retorno possvel.20

A autora considerou o profetismo na perspectiva intracultural, pela via do xamanismo e no pela via da aculturao crist, como na interpretao de Metraux.

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Para esta autora os Mby possuam uma dupla tica: individual e coletiva. Para alcanar a perfeio era preciso evitar obedecer a regras mltiplas, modos de vida dessemelhantes entre si. Essas dessemelhanas poderiam ocorrer porque a condio humana se abriria para uma natureza animal, ligada carne e ao sangue, derivando em aes ms, violncia e egosmo; e uma alma-palavra-divina, que derivaria em moderao, ateno aos outros, senso de justia, reciprocidade. O respeito tica coletiva seria considerado o comeo da sabedoria, e viver segundo as normas seria manter a coerncia e a unidade, condies de acesso Terra sem Mal. O discurso sobre a terra sem mal foi o de uma civilizao que, sabendo-se mortal, via contudo em si mesma os germens de possveis transformaes. Ento o discurso dos profetas podia exercer sua plena funo crtica. Tais sociedades esto destrudas e foi de fora que veio a destruio: o discurso proftico no pode mais desempenhar a mesma funo (CLASTRES, [1975] 1978, p.111). Uma nova perspectiva analtica surgiu com Branislawa Susnik (1975), que passou a influenciar vrias abordagens interpretativas no sentido mais holstico, sistmico. A autora passou a tratar o tema da disperso (migrao) territorial pr-histrica dos Tupi-Guarani de maneira a abarcar seu dinamismo e sua complexidade. Seu modelo de anlise baseou-se em informaes arqueolgicas, etnohistricas e etnogrficas aliando o enfoque social ao ecolgico, para estabelecer novas hipteses para a expanso: a. crescimento demogrfico; b. busca de novas terras para plantio; c. guerras de conquista de territrios; d. divises atravs de diferenas pessoais e de poder no sistema de parentesco; e. esgotamento ecolgico das terras (solo e vegetao). Iniciou-se com Susnik o tratamento da complexidade, para a compreenso da cultura Guarani. Trilharei a mesma rota dando ateno ao contexto macroeconmico da incorporao das florestas meridionais do sul do continente, que passaram por transformaes em razo do processo de desenvolvimento agrcola tanto no Paraguai, como na Argentina e no Brasil, antes de voltarmos s interpretaes mais recentes. Desflorestao dos territrios tnicos e expanso da agricultura extensiva nas florestas meridionais: sudoeste brasileiro, leste paraguaio, nordeste argentino

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J vimos anteriormente, pela narrativa de Schaden, a desapropriao dos espaos territoriais dos Guarani-Kaiov a partir da criao da Colnia Agrcola de Dourados do Mato Grosso do Sul. Segundo Vietta e Brand (2004, p.220-226), nas dcadas de 1910 e 1920 o governo brasileiro reconheceu aos Guarani-Kaiov oito reservas com 18.124 ha. Em 1943 o objetivo governamental passou a ser o acesso terra de milhares de migrantes de outras regies do pas. Foram repassados no estado 300.000 ha com lotes de 30 ha a cada famlia de colonos, fragmentando as parentelas indgenas, desestruturando as aldeias, provocando uma srie de epidemias e promovendo deslocamentos para reas florestadas. A partir de 1950 fazendas de criao de gado comearam a se instalar na regio promovendo a desflorestao para a criao de pastagens. Os indgenas passaram ento a constituir importante mo de obra para esses empreendimentos at 1970, quando a mecanizao provocou sua dispensa das fazendas e o estado transferiu-os para reservas demarcadas, provocando uma superpopulao e sobreposio de parentelas e lideranas. Posteriormente a criao de oito usinas de acar e lcool absorveram essa populao. Tambm no leste paraguaio, at 1950 a mata nativa foi relativamente conservada em funo do extrativismo de produtos florestais, principalmente madeira e erva-mate, tendo-se intensificado, como j vimos anteriormente, a partir da venda de extensa parcela do territrio paraguaio para equilibrar as finanas pblicas depois da Guerra da Trplice Aliana a conglomerados econmicos paraguaios, argentinos e brasileiros, incluindo interesses de fazendeiros. A economia extrativista forou a recolocao de grupos dispersos de guaraniChirip a se assentarem em grandes comunidades, em terras do governo na periferia dos latifndios e trabalharem nos ervais como assalariados (REED, 1995, p.66). Esse processo levou vrios grupos a se deslocarem tanto para o litoral sudeste brasileiro, como para Misiones na Argentina, regio tambm ervateira no centro e norte (GARLET, 1997: p.7680). A partir da dcada de 60 outros produtos extrativistas promoveram a quebra da hegemonia da erva mate como produto florestal, tendo incio o ciclo intensivo de extrao

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de madeira, extrato de laranja, peles de animais silvestres, gado e couro, que foi acompanhada por intensa imigrao de brasileiros para o leste paraguaio. Mudanas estruturais na prpria economia agrcola do sul e sudeste brasileiros com a introduo de tecnologias, como a mecanizao dos cultivos que consolidou grandes propriedades e que se expandiram em detrimento das pequenas, possibilitando a pequenos produtores minimamente capitalizados comprar terras no Paraguai. Essas mudanas advinham da qualidade das terras (terra roxa) paraguaias, baixo preo e baixssimos impostos, companhias colonizadoras brasileiras com negcios no Paraguai, suporte financeiro com juros baixos em bancos de fomento para agricultura no Paraguai (MENEZES, 1987, p.133-160). A madeira retirada das propriedades quitava os preos das terras ou mesmo ultrapassava seu valor, se o proprietrio dispunha de meios para financiar a derrubada e seu transporte, seno, ao terceirizar a desflorestao, quitando praticamente a metade do valor da propriedade e podia dispor de suporte financeiro paraguaio para investimento na agricultura extensiva. O caf e a soja foram introduzidos, e praticamente 80% das terras paraguaias na fronteira com o Brasil estavam em mos de brasileiros (MENEZES apud LAINO,1977, p.143). Nas reas j desflorestadas iniciou-se o processo de modernizao rural no Paraguai com o modelo agro-exportador induzido com transferncia de tecnologias de ponta: pacote tecnolgico da revoluo verde, com vistas a aumentar a produtividade tais como fomento de maquinaria, insumos industriais. Essa modernizao exigia uma srie de polticas financeiras para os Projetos de Desenvolvimento Rural Integrado (PDRI), que foram definidos por regio e financiados por bancos internacionais, sendo o mais importante o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Associada s polticas financeiras estava a reforma agrria, com venda de terras pblicas e de espaos comunitrios para mdios e grandes produtores. Agregou-se a essa dinmica uma intensa imigrao: colonos alemes, japoneses, ucranianos e germanobrasileiros, que tiveram suas demandas financeiras apoiadas pelos programas de modernizao rural do governo paraguaio em detrimento de pequenos agricultores tradicionais e indgenas. Esse contexto provocou uma transferncia das melhores terras e

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amplos recursos naturais para aqueles setores. s populaes tradicionais restavam as terras mais desgastadas e o conseqente xodo rural (BENITEZ, 1997, p.26-29). Cosmologia Guarani: da religio ecologia territorialidade. Uma Interpretao interdisciplinar

Os primeiros trabalhos antropolgicos sobre os Guarani, como vimos, estabeleceram constantes interrelaes entre o tema da terra sem mal e as migraes. Nimuendaju ([1917] 1987, p.108) levantou a hiptese de que a mola propulsora das migraes fosse a religio; Metraux por sua vez transformou essa hiptese em verificao, fazendo a ligao mtica das migraes dos Guarani no sculo XX, s dos Tupi da costa do Maranho at o Peru no sculo XVI buscando a terra da imortalidade. Com Meli comea uma nova perspectiva interpretativa do tema da Terra sem Mal. Meli (1990, p.33-46) resgatou o significado ecolgico do termo yvy marane (Terra sem mal), atravs da obra do jesuta Montoya, do sculo XVII ([1639], p.363): solo intacto, que ainda no foi edificado, ou solo virgem com rvores de grande porte. Segundo Noelli (1999, p.134), para Meli, ocorreu uma resignificao do mito pelos prprios Guarani, sendo resultado da reduo de seu campo de ao espao-temporal, decorrente da histria de opresso que os teria obrigado a ritualizar, o que no podiam mais transformar em realidade. Em outras palavras, Meli realizou uma integrao entre essas duas abordagens, a saber, entre o mito e a desapropriao continuada de espaos territoriais. Parece ser que estamos diante de um encontro intercultural, cuja melhor aproximao se d pela idia ou conceito de traduo, ou seja, a fuso de motivaes equivalentes entre dois sistemas culturais que pode ser traduzida pela noo de utopia em nossa acepo. O mito da terra sem mal, a partir da desconstruo realizada por Meli, atravs de Montoya, nos indica que a resignificao da terra entre os Guarani, revestiu-se de exacerbao, de uma emergncia e de um valor sem precedentes no ps-conquista. Segundo Meli (Idem), os Guarani chegaram a ocupar as melhores terras das bacias dos rios Paraguai, Paran e Uruguai e o sop da cordilheira andina. O mapa cultural guarani sobrepe-se a um mapa ecolgico, com constantes ambientais. A terra guarani no sendo

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fixa ou imutvel os adapta e por eles adaptada sem deixar desertos atrs de si. A terra no um simples meio de produo econmica, mas imbrica-se a um modo de produo cultural. O significado de teko para os guarani modo de ser, modo de estar, sistema, lei, cultura, comportamento, hbito, condio, costume. Tehok o lugar onde se do as condies para o exerccio do modo de ser de teko. Nesse espao objetivado ocorrem interrelaes entre as dimenses econmicas, sociais e poltico-religiosas. Do Tekoh faz parte: o monte preservado, lugar de coleta, pesca e caa; o monte cultivado e as casas. no jogo entre esses espaos que se define a bondade da terra guarani. Em sua interpretao, o mal da terra para o Guarani, originando-se em um desses espaos, se propaga, como podem ser: a diminuio da fertilidade do solo, instabilidade de fenmenos cataclsmicos (chuva, ventos, chuvas torrenciais). Mas o mal tambm inclui as guerras com o inimigo, o comportamento depredador da colonizao com a destruio das matas, a rarefao da caa. O usufruto da terra que deu lugar propriedade, enfermidade e morte. O caminhar, a migrao sempre dialtica de carncia e plenitude (MELI, 1990, p.41). Ainda segundo o autor, a organizao poltico-religiosa continua atuante na figura do Xam, e a personalidade do Guarani se constri sobre o ideal do Xam e no do guerreiro. esta centralidade que constri a condio da Reciprocidade, da economia da reciprocidade. Se a Terra sem Mal conjuga fatores ecolgicos, tenses e perturbaes sociais e inquietudes religiosas que afetam o modo de ser guarani, o Xam seu intrprete, a sua conscincia. Segundo Chamorro (2004, p.72-75), o que os etnlogos denominam de Xam foi referido nas crnicas como os Kara, cujos atributos eram: feiticeiro, mago, curandeiro. Eram lderes carismticos, muitas vezes itinerantes, atuando sobretudo em perodos de crise em conjuno com os pai, que eram os caciques, e que colocavam disposio nos chefes das famlias extensas. Essa unio ocasional se dava para enfrentar determinados problemas que afetavam a comunidade, como o deslocamento de famlias e bens para uma terra virgem desconhecida Outro aspecto da cultura guarani relacionado com questes propriamente ecolgicas, tem a ver com os chamados heris culturais (CHAMORRO, 2004, p.145) ou heris em abandono de uma terra cansada: civilizadores. Mtraux ([1928] 1979, p.1-17)

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compilou uma srie de denominaes desse personagem nas crnicas histricas dos Tupi e dos Guarani, nestas referiam-se a personagens dotados de poderes superiores, correspondendo a deuses. De uma maneira geral esses personagens traziam o conhecimento de plantas teis e o ensino da agricultura. As espcies mais mencionadas foram: o milho, a mandioca, a batata, a banana e frutos, alm de ensinar-lhes a fabricao de bebida fermentada a partir do milho. Os alimentos introduzidos pelos heris culturais ou civilizatrios passaram a ser considerados sagrados (MOTA, 1992, p.51-52). Os atributos divinos e suas expresses eram e so inspirados em fenmenos da natureza como o som, o brilho, a chama, figurando com os significados de troves, relmpago, rudo da chuva, brilho do sol e da lua. En todo caso, ellas se refieren a la luz, al fuego y al gua, elementos de importancia incalculable para los grupos bsicamente agrcolas, como los guarani. Por medio de estas expresiones evocan en sus cantos el poder vivificador de la lluvia y el Sol en cuyo dominio la comunidad aspira ser constantemente reintegrada (CHAMORRO, 2004, p.145). O lugar do sentido da cultura guarani, que primeiro foi interpretado em sua religio foi ampliando-se num processo de englobamento abarcando tambm os aspectos propriamente ecolgicos, enquanto o suporte biofsico de seu mundo era transformado por

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outra lgica21, alterando o sentido de sua relao com o meio-ambiente e consequentemente com os espaos territoriais que dominavam. Garlet entendeu que o conceito de migrao largamente utilizado pela etnografia a respeito dos deslocamentos guarani no se encaixava nesta categoria, e sugeriu a substituio deste conceito pelo de mobilidade, por ser mais amplo e englobar tanto deslocamentos como a prpria migrao. Esta sendo entendida como sada definitiva de determinado espao, no se coadunaria com o caso guarani, j que existe ida e volta, deslocamentos por tempo determinado como o caso de visitas entre parentes, ou relocalizao em outras regies ou pases. Para o autor, este conceito poderia permitir ainda visualizar a circularidade de grupos pelo territrio considerado como tradicional em busca de melhores condies ecolgicas (GARLET, 1997, p.16). Ao fazer a etnohistria dos Mby no RS, Garlet defendeu a tese de que a perda do territrio original enquanto unidade geogrfica provocou a desterritorializao do Yvy Mbyte o centro do mundo, no Paraguai, expresso corrente de seus informantes na dcada de 90. Para este autor os Mby elaboraram a soluo de ampliar seu territrio atravs da reterritorializao.

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Para Leff (2000, p.260-261), a introduo de modelos tecnolgicos das zonas temperadas tende a diminuir rapidamente a produtividade dos ecossistemas do trpico e a esgotar os seus recursos. A racionalidade do manejo de tipo mediterrneo que existia na Europa e que foi introduzida nas florestas meridionais do continente sul americano implicou em desmatamento para introduo de cereais combinada com a domesticao e criao de animais. Durante o sculo XIV os ecossistemas europeus atingiram a saturao e entre seus efeitos comeou a se instalar a chamada crise da madeira, com substituio dos combustveis vegetais pelos combustveis fsseis, dando-se em primeiro lugar na Inglaterra (Delage [1991] 1993, p.214). Esse sistema agropastoril europeu, j no sculo XVI havia produzido a desertificao de vastos territrios tanto da Itlia como do planalto castelhano (PROUS, 1991, p.569-573), em funo da desflorestao. As culturas das terras altas sul americanas com clima seco tiveram um correlato dessa agricultura de tipo mediterrneo, como no Mxico e no Peru, tambm com cultivos intensivos (milho) e a criao de animais - o peru no Mxico e a lhama no Peru. Mas nas terras baixas de floresta mida predominou o sistema de coivara, com queimadas controladas, ciclagem de nutrientes a partir das cinzas e a possibilidade de reconstituio da mata com a circulao dos roados, em funo do pousio nos espaos territoriais de domnio. Diferente do sistema agropastoril, de domesticao e estabulamento de animais para proteo da agricultura, no sistema agroflorestal os plantios no eram protegidos dos animais silvestres, antes ocorria uma integrao no manejo, pois os animais aproveitavam parte dos plantios e a caa proporcionava os alimentos proticos para os indgenas (PROUS, 1991, p.569-573). A disperso etnohistrica pelos processos de colonizao, a transformao e a fragmentao dos ecossistemas subtropicais imps aos Guarani estratgias de subsistncia constantemente atualizadas e diferenciadas para compensar o empobrecimento florestal, um dos males da terra.

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A reterritorializao ser entendida como uma recolocao no espao (LITTLE, 1994, p.11). Atravs de movimentos migratrios, grupos Mby passam a sair do territrio original em busca de espaos para se recolocarem (GARLET, 1997, p. 17-18). A interpretao de Garlet tentou explicar a mobilidade Mby mais recente, averiguada pela etnografia, cujo censo das parcialidades no litoral brasileiro em 2002 era de 90% de Mby22. Mas existe um problema em seu conceito de reterritorializao, que tentaremos abordar a seguir. Com relao aos Mby no demais recordar as colocaes de vrios cronistas e antroplogos sobre a existncia de guars tanto no litoral paulista - Canania - quanto no litoral catarinense em Mbia - Massiamb, e no interior do estado de Paran e Santa Catarina, baseando-nos em fontes coloniais de jesutas e viajantes. Maria Ins Ladeira (1992, p.47) citou Bertoni, com relao ocupao do litoral de Santa Catarina e So Paulo pelos Mby23, e ampliou referncias com relao viagem de Ulrich Schmidl, pelo Caminho do Peabiru, de Asuno em direo costa Atlntica com guias indgenas, localizando sua ocupao nos sertes, cujo roteiro foi analisado por Maack: O nome do povo dos Biessaie ou Riessaie, encontra-se nos mapas espanhis antigos a oeste da Serra do Mar, no territrio do atual Estado de Santa Catarina, ao norte do Rio Uruguai. H. Plischke (1929, p. 9), indica o nome deste povo no seu esboo de mapa para o relato de Schmidel, na zona entre as nascentes dos Rios Iguau e Uruguai. Para a mesma zona, Romrio Martins (1937, p.45) menciona as tribos Tupi dos Mbiazais, que so idnticas s Biessaie e cujo nome os espanhis aplicam s tribos Tingui (MAACK apud LADEIRA 1992, p. 47; 2001, p. 61).

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Dados do CTI Centro de Trabalho Indigenista.

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Para a autora, alm dos territrios apontados no interior do continente: atuais Brasil, Argentina, Bolvia, Peru, Paraguai e Uruguai, habitavam tambm parte da costa atlntica (LADEIRA, 1992, p. 45-46).

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Garlet (1997, p. 83) criticou Ladeira (1992, p. 45-47), por ter afirmado que a ocupao Mby no litoral antecedia a chegada dos europeus, e no ter apoiado sua afirmao em evidncias arqueolgicas ou histricas consistentes. Considerou, por sua vez que o territrio original dos Mby seria a regio central do Paraguai Yvy Mbyte o centro da terra. No entanto, o recorte histrico empreendido por Garlet e Ladeira no contemplou fontes histricas primrias da documentao jesutica e de alguns cronistas por mim levantados (Sanches, [1553] 1942, 11-16; Loyola apud Leite, 1954: 263-264) que indicaram, uma constante comunicao e intercmbio entre indgenas e exploradores portugueses e espanhis, entre o litoral e o centro do continente pelos caminhos antigos. A existncia dessas rotas de fuga foi efetivamente testemunhada por Sanches (Idem), abrindo a alternativa de se internarem nas florestas interiores, fugindo dos acossos da costa litornea. Garlet (1997, p.42) tambm citou Bertoni para embasar vrios de seus argumentos, mas considerou que a anlise deste autor sobre uma civilizao guarani, apresentaria doses de excesso. E foi justamente nessas consideraes que Bertoni localizou os Mbys no interior ao longo do Rio Iguau e chegando ao litoral. Portanto, o conceito de reterritorializao de Garlet foi no sentido de uma ampliao do territrio Mby, uma realocao ou recolocao no espao a partir do comeo do sculo XX onde se encontravam designados sob a configurao de monteses no Yvy Mbyte centro da terra - e no no sentido que tentarei demonstrar aqui, que ocorreu tambm uma volta a antigos espaos territoriais, anteriores a esse sculo. Com relao a Ladeira (2001), as referncias sobre o Caminho do Peabiru de fato no foram exaustivas, em termos da documentao jesutica e histrica, mas os discursos de seus informantes sobre caminhos foram constantes. Sua referncia ao trabalho de Maack que estudou o itinerrio de Ulrich Schmidl, e que foi considerado por Gonalves (1998, p.12) o trabalho mais rigoroso a respeito dessa viagem, no foi citado por Garlet, mas confirmou a localizao dos Mby realizada por Bertoni, tendo sido reiterada por vrios outros autores posteriormente 24.24

Outros autores sustentam essa mesma tese. Branislawa Susnik (1984-1985, p.99) afirma que existiam populaes cario, mby e arechan na costa atlntica ao comear a conquista hispnica e lusa. Ramn Foguel: la regin de Mbihasa que se extendia en el Brasil, al este del Paraguay hasta cerca de Canana passando por el norte del Rio Iguaz y se prolongaba en Mato Grosso (BERTONI, 1992), (Fogel, 1997, p. 91)

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Pesquisas recentes (NOELLI, 2004, p.19) tm proporcionado a visualizao geogrfica dos stios arqueolgicos Guarani at agora registrados, confirmando a ocupao no domnio da Mata Atlntica do Cone Sul. Susnik ressaltou que os descendentes dos Guarani contemporneos so os chamados monteses (apud REHNFELDT, 2000, p.100), que resistiram relativamente misturados em vrias reas de refugio da Mata Atlntica longe das frentes de colonizao, tanto como a que assinalou Mller (apud GARLET, 1997, p.35; apud SCHADEN, 1963, p.83-84) na cordilheira de Mbaracayu, na fronteira com Paraguai e Brasil, quanto como assinalaram Bartolom (apud REHNFELDT, 2000, p.93) e Wilde (s/d, p.4-5) em Misses, fronteira com Argentina e Brasil. No caso do Brasil, Ladeira (2001, p.112), Brighenti (2001, p.78) e Post Darella (2004, p.132-133), utilizaram o conceito de invisibilidade, para dar conta de uma realidade que as pesquisas etnogrficas constataram a partir de histrias de vida dos informantes Guarani, ou seja, enquanto a Mata Atlntica ainda apresentava regies florestadas no Brasil25, os Guarani mantiveram constante ocupao, mesmo que de maneira discreta, mantendo distncia da sociedade envolvente, tendo-se tornado mais visveis na medida em que a Mata Atlntica foi sendo fragmentada e seus remanescentes cada dia mais ameaados. Essa constatao foi feita tambm por Montenegro (2004, p.7) em Misiones, na Argentina. O que se nota quanto territorializao atual, uma expanso dos limites anteriores registrados no mapa referente aos stios arqueolgicos para reas litorneas, alm do sul do estado de So Paulo. H uma expanso com relao ao que as fontes histricas e arqueolgicas consideraram antigos espaos territoriais guarani, para os litorais do Rio de Janeiro, Esprito Santo e Bahia, como tambm a presena de algumas famlias no Par, Tocantins e Maranho, territrio considerado nas fontes histricas como ocupado apenas pelos Tupi. Ao mesmo tempo, passou-se a uma caracterizao territorial de pulverizao em minsculas ilhas (LADEIRA, 2001, p.111). Esses espaos eram reas relativamente25

Para Post Darella (2004) existem algumas referncias histricas da presena de ndios carij no litoral at finais do sculo XVI e comeo do XVII, mas a autora supe o favorecimento de estratgias de invisibidade devido cobertura florestal ter sido bastante significativa at o comeo do sculo XX. Em 1500 o Estado de Santa Catarina teria 81,50% de cobertura florestal em relao sua rea total, enquanto o Paran apresentaria 84,72%, em 1912 as porcentagens seriam de 78,67% e 83,37%, respectivamente, caindo em 1995 para 17,41% e 8,93%, tambm respectivamente.

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contnuas26, mesmo que esse territrio tradicional na Mata Atlntica comportasse diversas etnias, ou seja um territrio tradicional no exclusivo. Essa expanso pode ser indicativa tanto do empobrecimento da biodiversidade nos espaos florestados tradicionais referidos nas fontes, como da dificuldade nos processos demarcatrios. Mesmo requerendo ainda demarcaes em nome da prpria etnia, encontram-se na atualidade em pequenos espaos em algumas aldeias de seus antigos inimigos Kaingang e Xokleng, nos estados do sul: Paran, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (LADEIRA, 2001, p.111 a). Diversas pesquisas atualizaram a distribuio dos Guarani nas ltimas dcadas, no Rio de Janeiro (LITAIFF, 1996), em vrias configuraes mantendo alianas com os Tupi, com quem compartilham reas numa aldeia do Esprito Santo (CICCARONE, 2001), e no Maranho, segundo Dias Martinez (apud GARLET, 1997, p.58). A autora fez referncias a um grupo que partiu do Rio Grande do Sul e tendo atingido a Bahia, tinha inteno de chegar a Sergipe e Alagoas. Segundo Litaiff (2004, p.15-30), que percorreu aldeias guarani do Esprito Santo ao Rio Grande do Sul, os Guarani afirmam estarem na beira do mar procurando yvy mar eyterra sem mal. Para o autor, as narrativas indgenas que ouviu foram tanto mitos quanto relatos histricos; dividiu ainda os mitos guarani em dois gneros: primeiro, os considerados sagrados, que tratam da criao de Yvy Tenond- a primeira terra e neeng o esprito humano e, segundo, a criao de yvy pyau- a segunda terra, a terra atual. Os relatos histricos foram a conquista da Amrica, a Guerra do Paraguai e os deslocamentos em direo ao litoral brasileiro. A noo de territorialidade para os Guarani oferece uma importante fonte de reflexo em relao s vias de circulao por um amplo territrio. As pesquisas sobre o Caminho do Peabiru e seus ramais, empreendidas pela arqueologia (CHMYZ, 1976), e que posteriormente obtiveram um tratamento histrico mais acurado (GONALVES, 1998), possibitaram ampliar e interrelacionar dados provenientes de discursos indgenas referentes ao Caminho.

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Ainda no existem dados que proporcionem a relao entre datao e ocupao de reas em tempo simultneo.

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Em minha pesquisa de campo27 ao acompanhar o histrico de mobilidade de um grupo Mby liderado por um Kaiov28, para entender o sentido de territorialidade deste grupo, em vrias ocasies perguntei-lhes sobre vyy marey- terra sem mal- mas no obtive resposta, o mximo que ouvi foi terra boa 29. Trata-se de um grupo especialmente inconstante, com intensa mobilidade, mas persistente enquanto agricultores aos moldes tradicionais. Como comum, os Guarani estudam vrias possibilidades antes de se transferirem de um lugar a outro; neste caso, a partir de referncias de seus parentes, o grupo assentou-se em uma rea prxima ao percurso de um ramal do Caminho do Peabiru traado por Chmyz30, a oeste da cidade de Joinville e que o grupo denominou de Itagua Pedra Grande. bastante conhecida entre os antroplogos a nominao de suas aldeias relacionadas a atributos geogrficos e fsicos (toponmia): serras, rochas, rios, etc (LADEIRA, 2001, p. 62; LITAIFF, POST DARELLA, 2000, p. 7). A aldeia foi situada no caminho de um monumento natural conhecido como Castelo dos Bugres, constando em folders e publicaes ambientalistas31. Seriam marcadores toponmicos de uma memria que se atualiza na mobilidade? Finalisando, a supresso das florestas meridionais desse territrio provocou a disperso e a conseqente desterritorializao indgena (GARLET, 1997), seja pelo processo de apropriao colonial com seu extrativismo predatrio, implantao de agricultura extensiva e agropecuria, seja pela modernizao da agricultura a partir de27

Inserida no contexto de minha tese de doutorado (BERTHO, 2005).

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A histria de vida desse lder consta que saiu criana de sua aldeia de Panabizinho no atual MS, poca do loteamento de suas terras para colonos ( SCHADEN, 1963), e ao longo de anos passou por Minas Gerais, esteve entre os Patax na Bahia e desceu a costa, tendo estado em vrias aldeias do litoral paulista e catarinense, sobrepostas a Unidades de Conservao.29

A mesma resposta: vyv por- terra boa, obtive em alguns dilogos nas aldeias. interessante notar que Garlet tambm no fez meno da expresso yvymary- terra sem mal, junto aos Guarani do Rio Grande do Sul que pesquisou na dcada de 90 (1997).30

O percurso assinalado pelo autor dos Comentrios da viagem de lver Nues Cabea de Vaca em 1541, cita o Rio Itabucu. Na traduo para o guarani, ita pedra e puku larga, ou seja Pedra Larga. Fica nas imediaes entre o afluente deste rio: atual Itapouzinho e o Rio Iguau, que a expedio cruzou (HERNANDEZ (1555) 1999, p. 115-165).31

Como por exemplo A Mata Atlntica e Voc - como preservar e se beneficiar da mais ameaada floresta brasileira (SHFFER & PROCHNOW (Orgs.) 2002, p. 10-11)

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meados do sculo XX: mecanizao, insumos e agrotxicos, tendo permanecido um saldo mnimo de remanescentes do bioma Mata Atlntica, que no pas est em torno de 7,3% da rea original. reas essas, fundamentais para os servios ambientais que proporcionam, tais como ciclo hidrolgico, captura de carbono, regulao climtica etc., onde tem sido criadas Unidades de Conservao, em cerca de 2% dos remanescentes. E em parcela desses remanescentes de seu territrio tradicional 32 que tambm parte da populao guarani busca reproduzir seu sistema cultural atravs de uma rede de aldeias com ampla mobilidade, sentindo-se novamente ameaada pela restrio do uso de recursos naturais nas reas ou terras indgenas em que ocorre a sobreposio ou entorno das unidades de conservao (POST DARELLA, LITAIFF, BERTHO, 2004; BERTHO, 2005. As dataes dos stios arqueolgicos esto indicando que os Guarani estavam na regio do Paraguai e Argentina h cerca de 3.000 a 2.000 anos e que uma considervel parcela deles atingiu o litoral atlntico h cerca de 1.000 anos. (NOELLI, 1999: 123-166). Os dados histricos indicam que parcela dos que no foram escravizados no litoral e nos sertes pelos bandeirantes e seus inimigos Tupi, refluram pelos caminhos conhecidos para Yvy Mbyte - o Centro do Mundo- territrio das bacias dos rios Paran e Uruguai (domnios fronteirios entre Paraguai, Argentina e Brasil), onde muitos resistiram em reas estratgicas de refgio33, a escravagistas portugueses, missionrios e encomenderos espanhis. Com o advento de Yvy Op- o fim do mundo, de seu mundo, seja pelo acosso do missionamento, da economia extrativista, do conflito blico da guerra da Trplice Aliana e da destruio de suas florestas pelas constantes frentes de expanso e loteamento de seus guara e tekoh, pela agricultura moderna paraguaia, brasileira e argentina, alguns grupos resistentes assimilao, retornaram paulatinamente, pela bssola de sua memria em busca de espaos territoriais da floresta Atlntica, numa constante recriao de seu mundo.

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Os Guarani habitam uma ampla rede de aldeias no Paraguai, Argentina e Brasil, com histrico de forte mobilidade entre elas.33

Trs destas reas so hoje Unidades de Conservao da Reserva da Biosfera apresentando sobreposies: Parque Estadual da Serra do Tabuleiro/ rea Indgena de Morro dos Cavalos em Santa Catarina/Brasil; Reserva Natural de Mbaracayu/ rea Indgena Mboi Jagua no Paraguai e Reserva da Biosfera de Yaboti/reas indgenas de Tekoa Yma, Tekoa Kapi Yvate (e outras) em Misses, Argentina.

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