Biopirataria e Apropriaçao Dos Conhecimentos Tradicionais Um Estudo de Caso Dos Indios Wapixana de...

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS ESCOLA SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AMBIENTAL WALKER SALES SILVA JACINTO BIOPIRATARIA E APROPRIAÇÃO DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS: UM ESTUDO DE CASO DOS ÍNDIOS WAPIXANA DE RORAIMA. MANAUS 2012

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS ESCOLA SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AMBIENTAL

WALKER SALES SILVA JACINTO

BIOPIRATARIA E APROPRIAÇÃO DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS: UM ESTUDO DE CASO DOS ÍNDIOS WAPIXANA DE RORAIMA.

MANAUS 2012

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS ESCOLA SUPERIOR DE CIÊNCIAS SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO AMBIENTAL

WALKER SALES SILVA JACINTO

BIOPIRATARIA E APROPRIAÇÃO DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS: UM ESTUDO DE CASO DOS ÍNDIOS WAPIXANA DE RORAIMA.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental no Programa de Mestrado Interinstitucional da Universidade do Estado do Amazonas e Universidade Federal de Roraima como parte dos requisitos exigidos para obtenção do título de Mestre em Direito Ambiental. Orientador: Dr. Renildo do Carmo Teixeira

MANAUS

2012

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J12b 2011

Jacinto, Walker Sales Silva Biopirataria e apropriação dos conhecimentos tradicionais: um estudo de caso dos índios Wapixana de Roraima / Walker Sales Silva Jacinto. -- Manaus, 2012.

139 p. Orientador: Prof. Dr. Renildo do Carmo Teixeira. Co-orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Marinho Cirino.

Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Amazonas, Programa de Pós-Graduação em Direito Ambiental,2012.

1.Direito-dissertação.2. Bio-sociodiversidade. 3. Biopirataria. 4.Conhecimentos tradicionais..I.Universidade do Estado do Amazonas - UEA. II.Cirino, Carlos Alberto Marinho. III.Título.

CDU 504.5(=1-82)(811.4)(034)

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WALKER SALES SILVA JACINTO

BIOPIRATARIA E APROPRIAÇÃO DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS: UM ESTUDO DE CASO DOS ÍNDIOS WAPIXANA DE RORAIMA.

Dissertação aprovada pelo Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas, por meio da Comissão Julgadora abaixo identificada. Manaus, 02 de março de 2012. Prof. Dr. Renildo do Carmo Teixeira Universidade do Estado de Roraima Prof. Dr. Serguei Aily Franco de Camargo Universidade do Estado do Amazonas Prof. Dr. Maria das Graças S. D. Magalhães Universidade Federal de Roraima

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AGRADECIMENTOS Agradeço aos meus pais, que me ensinaram o valor dos estudos; Ao meu amor, Lilian, pela paciência e compreensão diante dos meus momentos de ausência para dedicação à pesquisa; Ao amigo Roberto Santana, colega de trabalho e de mestrado, pelo incentivo e apoio na pesquisa de campo; À amiga, Fernanda Nascimento, colega de trabalho e de mestrado, pela parceria na Fundação Estadual do Meio Ambiente e apoio no mestrado; À amiga Vanéssia, pelo incentivo à produção científica e por me abrir os olhos para a importância da interdisciplinariedade; À Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Roraima – FEMARH-RR, meu local de trabalho, nas pessoas do presidente Luis Emi de Sousa Leitão e Diretor Wagner Severo Nogueira, pelo apoio à pesquisa e ao mestrado; Aos meus ex-alunos do curso de Segurança Pública da Universidade Estadual de Roraima –UERR, na pessoa de Carla Domingues; À Universidade do Estado de Roraima – UERR, onde lecionei. À Faculdade Cathedral, em Boa Vista, onde lecionei; À tuxaua Corina da Silva Gomes, e ao vice-tuxaua Valqui Gomes de Oliveira, da Comunidade Alto Arraia, pela compreensão, receptividade e apoio na pesquisa de campo; Às comunidades Alto Arraia, Tabalascada, Malacacheta e todas as comunidades Wapixana da Região da Serra da Lua; Ao Senhor Norberto Cruz da Silva, da comunidade Tabalascada, antigo Coordenador Geral da Serra da Lua, pela entrevista e relatos da comissão formada para a busca de soluções no Brasil e Guiana para a questão do cunani e do biribiri ; Ao atual Coordenador Geral das Lideranças Indígenas da Região da Serra da Lua Senhor Simião Messias; Ao tuxaua Basílio da Comunidade Jacamim e à tuxaua Luzineide da Comunidade Malacacheta, ambas comunidades da Região da Serra da Lua; À Funai, Coordenação Regional em Boa Vista, na pessoa do coordenador André dos Santos Vasconcelos; Ao servidor Jânio da Funai, que orientou acerca da pesquisa de campo; Ao meu orientador do mestrado prof. Dr. Renildo do Carmo Teixeira e ao co-orientador Prof. Dr. Carlos Alberto Marinho Cirino, pela paciência e orientações Ao Prof.Dr. Sílvio José Reis da Silva do Museu Integrado de Roraima – MIRR, que muito me orientou, na dissertação mesmo não sendo meu orientador oficial. À Prof. Dr. Patrícia Velho, diretora do Museu Integrado de Roraim – MIRR, pela oportunidade de participação, como palestrante, da quinzena ambiental realizada em junho de 2011, onde pude expor ideias da minha dissertação, além de ampliar minhas atividades de crédito complementar do mestrado. Às instituições que propiciaram a conclusão do meu mestrado NECAR/UFRR/UEA; Ao Coordenador Prof. Dr. Alberto Martin Martinez Castañeda; Ao Coordenador Prof. Dr. Serguei Aily Franco Camargo;

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Aos meus pais Jairo e Heleni; E ao meu amor Lilian.

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Como quase todas as outras instituições permanentes – a religião, a arte, a ciência, o estado, a família –,

o direito está envolvido em um processo de aprender a sobreviver sem as certezas que o geraram.

(CLIFFORD GEERTZ, 1998, p. 328)

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RESUMO

Trata-se de um projeto de pesquisa intitulado “biopirataria. análise da bio-sociodiversidade da amazônia brasileira e apropriação dos conhecimentos tradicionais” que abordou a análise de alguns elementos envolvendo a bio-sociodiversidade como a biopirataria, bioprospecção, com duas hipóteses: a criminalização da biopirataria e a cooperação, benefício ou patente conjunta. Constatou-se, por pesquisas, que produtos considerados tipicamente brasileiros tiveram seus nomes registrados em escritórios de patentes dos Estados Unidos, União Europeia e Japão. Também ocorreram registros de patente dos seus princípios ativos ou derivados. Os nomes “cupuaçu”, “cupuaçu vital” “açaí”, “rapadura”, “escapulário” estiveram e alguns ainda estão presentes em escritórios de registro de patentes e marcas destes países. Verificou-se, no entanto, medidas preventivas adotadas pelo Governo brasileiro. É importante analisar o impacto na preservação do interesse mercadológico na bio-sociodiversidade. A diversidade cultural e biológica poderia constituir-se em novos interesses do mercado diante da possibilidade de criação de novos produtos. Outro aspecto importante é que o reconhecimento e proteção intelectual dos conhecimentos tradicionais poderiam levar a uma maior interação entre os grupos detentores destes conhecimentos e o mercado produtivo de novos produtos e tecnologias, gerando economia de tempo e dinheiro em pesquisas. Focou-se a pesquisa em um estudo de caso em Roraima da notícia de uma apropriação de conhecimentos tradicionais dos índios Wapichana que habitam Roraima e o país vizinho Guiana no que tange ao uso do “cunani” e “biribiri” ou “semente do tipir”, cujo princípio ativo foi patenteado em três países conforme pesquisas antropológicas, notícias da mídia e verificação feita junto a comunidades Wapixana de Roraima, na Região da Serra da Lua, onde constatou-se in loco o uso tradicional do cunani e a busca da comunidade por uma solução do problema do patenteamento. Palavras-chave: Bio-sociodiversidade. Biopirataria. Conhecimentos tradicionais. Direitos Autorais Coletivos. Bioprospecção

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ABSTRACT

This is a research project entitled "biopiracy. analysis of bio-sociodiversidade da amazônia brasileira and appropriation of traditional knowledge "that addressed some analysis involving elements such as biopiracy, bioprospecting bio-sociodiversidade, with two assumptions: the criminalisation of biopiracy and cooperation, benefit or joint patent. It was noted, by surveys, which typically Brazilians had their products considered registered names in patent offices of the United States, European Union and Japan. Also there were patent records of its active principles or derivatives. The names "cupuaçu", "cupuaçu" vital "," Acai "rapadura", "and some scapular" were are still present in offices patent and trademark registration in these countries. There was, however, preventive measures adopted by the Brazilian Government. It is important to analyze the impact on the preservation of marketing interest in bio-sociodiversidade. Biological and cultural diversity could become new market interests the possibility of creation of new products. Another important aspect is that the intellectual recognition and protection of traditional knowledge could lead to greater interaction between the groups owners of these knowledge and productive market of new products and technologies, generating savings in time and money in research. Focused research on a case study in Roraima news owned traditional knowledge of Wapichana Indians who inhabit Roraima and Guyana's neighbor country with regard to the use of counani, biribiri or tipir seed, whose active ingredient was patented in three countries as anthropological research, media reports and findings from Wapixana communities of Roraimain the region of Serra da Lua, where it was found on the spot the traditional use of counani and the search for community in a solution of the problem of patenting. Keywords: Bio-sociodiversity. Biopiracy. Traditional knowledge. Collectives Copyright. Bioprospecting

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Tabela 1 - Patente do “cupucu” nos Estados Unidos e demais dados. 22 Tabela 2 - Dados do procedimento de solicitação do registro de derivados do cupuaçu como xampus, cosméticos perante escritório de registros e patentes americano.

23

Tabela 3- Registro do termo “cupuacu vital” no “United States Patent and Trademark Office”.

24

Figura 1 - Curva de Kuznets Ambiental 44 Figura 2 - A curva ambiental de Kuznets (The environmental Kuznets curve) 45 Figura 3 - curva de Kuznets e o meio ambiente. 46 Figura 4 – Mapa do sistema de mapeamento de língua mundial - Wapichana em Roraima e Guiana

65

Figura 5 - Mapa de Terras Indígenas da Região da Serra da Lua em Roraima – 2007

78

Figura 06 - Malocas da Região Indígena da Serra da Lua – 2007 79 Figura 7 – ciclo básico em quatro fases de investigação-ação. 85

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LISTA DE ANEXOS

ANEXO A – AMOSTRA DA PESQUISA JUSTIFICATIVA, MÉTODO; TERMO DE LIVRE CONSENTIMENTO; QUESTIONÁRIO DA ENTREVISTA; MEDIDAS DE PROTEÇÃO DE RISCO E CONFIDENCIALIDADE

104

ANEXO B – FIGURAS COOPERATIVA DE AÇAI; AÇAIZEIRO SENDO COLHIDO; WAPIXANA MOSTRANDO SEMENTE DO TIPIR; IMAGENS DA COMUNIDADE INDÍGENA ALTO-ARRAIA; IMAGEM DA TUXAUA E VICE-TUXAUA DA COMUNIDADE ALTO-ARRAIA

109

ANEXO C – DADOS DA COMUNIDADE INDÍGENA ALTO-ARRAIA CONFORME CARNEIRO 2007

116

ANEXO D – AUTORIZAÇÕES PARA INGRESSO EM TERRA INDÍGENA PARA PESQUISA - AUTORIZAÇÃO DA FUNAI-RR ATRAVÉS DO COORDENADOR REGIONAL; AUTORIZAÇÃO DA TUXAUA DA COMUNIDADE ALTO-ARRAIA

118

ANEXO E – RELATÓRIO DA XXIX ASSEMBLEIA REGIONAL DE LIDERANÇAS INDÍGENAS DA REGIÃO DA SERRA DA LUA 2011 – POSTADO CONFORME RECEBIDO, SEM AJUSTES OU ALTERAÇÕES

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 13 1.1 ASPECTOS GERAIS 14 1.1.1 Aspectos históricos e gerais 15 1.1.2 Casos de biopirataria: cupuaçu, açaí, escapulário, rapadura 16 2 DISCUSSÕES ACERCA DA BIOPIRATARIA 27 2.1 MEDIDAS PREVENTIVAS 27 2.2 RACIONALIDADE AMBIENTAL 27 2.3 ESTRATÉGIA COLONIALISTA E VISÃO DE VANDANA SHIVA 32 2.4 PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA 36 2.4.1 Caráter fragmentário e subsidiário do direito penal 39 3 A IMPORTÂNCIA DA PRESERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE E DISCUSSÕES SOBRE A BIOPIRATARIA

41

3.1 ENTENDENDO O TERMO DESENVOLVIMENTO 41 3.2 ENTENDENDO A SUSTENTABILIDADE 43 3.3 SUSTENTABILIDADE ECOLÓGICA 49 4 LEGITIMIDADE PARA TRATAR DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS DOS ÍNDIOS E DEFESA DOS SEUS DIREITOS

52

4.1 EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO SOBRE OS ÍNDIOS E O MEIO AMBIENTE

53

4.2 OUTRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS INDÍGENAS

54

4.3 CONTRAPONTO ACERCA DA BIOPIRATARIA, CONHECIMENTOS TRADICIONAIS E PROPRIEDADE INTELECTUAL SEGUNDO OZÓRIO JOSE M. FONSECA

54

4.4 CONVENÇÃO Nº. 169 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT)

57

4.5 A IMPORTÂNCIA DA CONVENÇÃO SOBRE A DIOVERSIDADE BIOLÓGICA (CDB) E O ACESSO AO PATRIMÔNIO GENÉTICO

58

4.6 APROPRIAÇÕES E DIMENSÕES DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE

61

4.7 BIODIVERSIDADE, ESTIMATIVA ECONÔMICA E O MERCADO MUNDIAL

64

4.8 BIOPIRATARIA: CONHECIMENTOS TRADICIONAIS DOS ÍNDIOS WAPICHANA

65

4.9 PROPOSTAS 67 5 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL 73 5.1 FUNDAMENTAÇÃO LEGAL 74 5.2 A ETNIA WAPIXANA 75 6 BIOPIRATARIA – CASO DOS ÍNDIOS WAPIXANA DE RORAIMA 77 6.1 COMUNIDADE INDÍGENA MANUÁ-PIUM 77 6.2 PESQUISA AÇÃO 81 6.3 CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DA PESQUISA-AÇÃO 84 6.4 AUTORIZAÇÃO FEITA NA ASSEMBLEIA GERAL DAS COMUNIDADES DA REGIÃO DA SERRA DA LUA

86

6.5 RELATO DO SR. NORBERTO CRUZ DA SILVA E O RELATÓRIO DA SUA COMITIVA À GUIANA

88

6.6 AMOSTRAGEM DE PESQUISA REALIZADA NA COMUNIDADE INDÍGENA ALTO ARRAIA

90

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 92 REFERÊNCIAS 95 ANEXOS 102

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1 INTRODUÇÃO

O presente estudo teve como objetivo analisar aspectos econômicos da apropriação

dos conhecimentos tradicionais para o Governo brasileiro, e especificamente da Região

Amazônica e o Estado de Roraima.

Influenciou a escolha do tema a constatação de que diversos conhecimentos

tradicionais e indígenas são utilizados pelo mercado e devolvidos ao mesmo sob a proteção de

registros e patentes, não havendo o devido reconhecimento da participação dos grupos que

forneceram com seus conhecimentos tradicionais.

Pesquisas apontam que estes conhecimentos ocasionam uma enorme economia de

dinheiro e anos de pesquisas, assim, incentivando-se com a participação no resultado das

vendas destes novos produtos, a “partilha” destes conhecimentos seria de grande interesse

para o mercado e para o consumo, todavia, com sua devida regulação para evitar um risco à

preservação da biodiversidade.

Optou-se por delimitar a problemática do tema para não aprofundar na questão da

patente de patrimônio da cultura tradicional, por ser assunto ainda não resolvido pelas novas

vigentes como o TRIPS e a Convenção de Biodiversidade, sendo neste momento, inoportuna

maiores digressões da questão no presente estudo.

Apesar da delimitação do tema no aspecto patrimonial, pretende-se contribuir com a

questão, expondo a proposta de cooperação entre os detentores de conhecimentos tradicionais

e as indústrias no que tange a bioprospecção.

Pretendeu-se, portanto abordar um estudo de caso relacionado à apropriação de

conhecimentos tradicionais dos índios Wapixana da região do Estado de Roraima e do país

fronteiriço Guiana, no que tange ao uso do fruto do biribi e cunani. (ANEXO B)

Além da pesquisa bibliográfica, no estudo de caso foram empregados questionários

fechados, com objetivo de confirmar o conhecimento do cunani e biribiri (tipir) pelos

Wapixana em Roraima através de amostragem das respostas na comunidade Alto Arraia, em

Manuá-Pium, Região da Serra da Lua, Município de Bonfim-RR, além de entrevista.

(ANEXO A)

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1.1 ASPECTOS GERAIS

Pesquisas apontam que a biodiversidade tem um valor econômico imensurável e pode

gerar milhões de empregos e fonte de grande desenvolvimento regional em especial na

Amazônia.

Estima-se que a biodiversidade brasileira valeria R$ 4 trilhões no total, dos quais

metade corresponde ao tesouro natural da Amazônia (TOWNES,p.7, sd).

Outro dado relevante refere-se à informação de que o Brasil perde anualmente mais de

US$ 3 bilhões com a biopirataria, segundo Pamplona; Cunha; Prado (2007, p.12).

Há propostas doutrinárias pela criminalização da biopirataria no Brasil, sendo que

tramita no Congresso Nacional projetos de lei nesse sentido.

Por outro lado, alguns pesquisadores propõem a cooperação como solução à

problemática da Biopirataria, ou seja, união entre detentores de conhecimentos tradicionais e

industriais, que teriam economia de tempo e dinheiro investidos em pesquisas, garantindo

uma contrapartida aos grupos cooperadores.

Pesquisas empíricas apontam que alguns acordos foram celebrados no Brasil em

relação a direitos autorais e quanto a conhecimentos tradicionais.

Dentre os acordos judiciais envolvendo casos de conhecimentos tradicionais, pode-se

citar o caso envolvendo uma empresa de cosméticos “Natura” e as quebradeiras de coco do

Nordeste, outro o acordo judicial celebrado (perante a Justiça Federal Seção Judiciária do

Pará) entre a empresa Natura e uma Associação que representa os feirantes do Mercado Ver-

o-peso em Belém do Pará.

Sobre os conhecimentos tradicionais dos Wapixana, que foram analisados no presente

trabalho, o tipir (biribiri) tem efeitos anti-concepcionais, anti-hemorragicos e abortivo e a

planta “cunani” é usada na pesca.

Estes produtos acima citados, de uso tradicional dos Wapixana, foram catalogados

pelo químico Conrado Gorinsky, com a ajuda das comunidades indígenas e, posteriormente

teve-se as patentes requeridas nos Estados Unidos, Europa e Grã-Bretanha, como invenção

própria.

Foram analisados os instrumentos jurídicos atuais e sua capacidade ainda insuficiente

para assegurar direitos a propriedade intelectuais de populações tradicionais como as

indígenas.

Procurou-se em pesquisa qualitativa e quantitativa confirmar o uso do cunani e biribiri

pelos Wapixana.

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Através de entrevistas e pesquisas in loco realizado na comunidade Manuá-Pium, bem

como dados coletados da Assembleia Geral da Lideranças Indígenas da Região da Serra da

Lua constatou-se o conhecimento do cunani e biribiri pelos Wapixana de Roraima, bem como

a espectativa e anseio por solução quanto ao caso do patenteamento destes produtos.

1.1.1 Aspectos históricos e gerais

Desde a época do descobrimento do Brasil, riquezas do Ecossistema pátrio são

exploradas e comercializadas sem que houvesse preocupação com os devidos benefícios

locais e de proteção do meio ambiente, bem como do esgotamento dos recursos naturais,

como o caso do pau-brasil que já foi abundante no Brasil colonial.

Fonseca (2011, p.261) aborda este momento histórico e sua relação com a apropriação

de recursos biológicos:

Embora a apropriação e transferência de recursos biológicos e de conhecimento tradicional seja uma prática iniciada pelos primeiros navegadores e colonizadores, o vocábulo biopirataria só apareceu na linguagem ambientalista em 1993, em um documento da então ONG Rafi, hoje ETC-Group (WWW.etcgroup.org) com o significado de: ‘apropriação de conhecimento e de recursos genéticos de comunidades de agricultores e comunidades indígenas por indivíduos ou por instituições que procuram o controle exclusivo do monopólio sobre esses recursos e conhecimentos’. (grifo nosso).

Denota-se que Fonseca (2011) relata a prática de condutas que hoje seriam

consideradas biopirataria desde a época das grandes navegações do séc. XVI, todavia, naquela

época não se tinha essa concepção e conceito de biopirataria, termo do séc. XX.

Colonizadores portugueses ofereciam espelhos, rosários em troca do ouro que os

silvícolas pareciam saber onde encontrar. Na memorável carta de Pero Vaz de Caminha

encontram-se menções sobre essa relação.1

No séc. XVI, os livros de André Thevet (1557)2 e Jean de Léry (1578)3, relataram

aproximações de portugueses e franceses com os indígenas com objetivos explícitos de

1 Viu um deles umas contas de rosário, brancas; fez sinal que lhas dessem, e folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço; e depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para a terra e novamente para as contas de para o colar do Capitão, como se dariam ouro por aquilo. Isto tomávamos nós nesse sentido, por assim o desejarmos! Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto não queríamos nós entender, por que lho não havíamos de dar! E depois tornou as contas a quem lhas dera. E então estiraram-se de costas na alcatifa, a dormir [...].” (Pero Vaz de Caminha. Carta a El Rei D. Manuel. Porto Seguro, Ilha de Vera Cruz, 1º de maio de 1500). 2 André Thevet (1503-92) foi um monge franciscano. O monge viajante passou pouco mais de três meses na colônia da Baía de Guanabara. De volta à França, renegou qualquer solidariedade com os protestantes e publicou, em 1557, um relato de sua viagem ao Brasil: Les Singularités de la France Antarctique. 3 Histoire d’un Voyage Fait en la Terre du Brésil, de Jean de Léry. Jean de Léry (1534-1613).

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exploração comercial de madeira e as chamadas drogas do sertão, que eram especiarias

extraídas do chamado sertão brasileiro na época das entradas e das bandeiras.

Nos séculos seguintes, a biodiversidade brasileira sempre foi afetada por políticas

fundamentalmente voltadas para a exploração econômica como a exploração da borracha na

Amazônia, fordlândia, Jarí entre outras.

Nos anos do governo militar, a ideologia “integrar para não entregar” levou estradas,

vilas e cidades para locais inóspitos da Amazônia. Época em que se inicia a construção da

Transamazônica.

Nos tempos atuais, essa realidade tomou novas proporções ao se tratar do termo

biodiversidade. Conceito este dentre outros, que cuidam do meio-ambiente começaram a ser

elaborados e discutidos na primeira Convenção Internacional do Meio-Ambiente em

Estocolmo em 1972. Posteriormente, o Brasil também sediou semelhante Convenção na

ECO-92, realizada no Rio de Janeiro em 1992.

Conhecimentos de comunidades tradicionais do Brasil acerca de produtos oriundos da

fauna e flora nacionais têm sido utilizados por diversas indústrias e laboratórios sem a

permissão destas comunidades, nem o respeito à propriedade intelectual e sem que nenhum

direito lhes seja resguardado ou garantido.

No final do século XIX, sementes de seringueiras que foram levadas e plantadas na

Malásia, causaram a falência da produção brasileira da borracha face ao surgimento da

concorrência naquele país.

Todavia, na época, não se pensava em biopirataria ou conhecimentos tradicionais, ou

mesmo de diversidade biológica, sendo estas idéias desenvolvidas, acredita-se que no século

XX (Fonseca, 2011), como mencionado acima.

Segundo Nascimento (2010), o termo biodiversidade foi utilizado pela primeira vez na

obra organizada por Wilson e Peter, editada pela National Academy Press, em 1988 nos

Estados Unidos e a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e

Desenvolvimento (CNUMAD), em 1992 no Rio de Janeiro, passou-se a usar os termos

diversidade biológica e biodiversidade nos debates ambientais.

Em relação ao termo biodiversidade, Lewinsohn traz a informação de que o referido vocábulo foi utilizado pela primeira vez na obra organizada por Wilson e Peter, que foi editada, inicialmente, pela National Academy Press, em 1988, em Washington, Estados Unidos. A partir da divulgação da referida obra e, principalmente, com a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – CNUMAD, ocorrida em 1992, no Rio de Janeiro, a expressão diversidade biológica

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e sua abreviação biodiversidade passaram a ser empregadas com bastante frequência, embora advirta Lewinsohn que não há unanimidade entre os estudiosos quanto ao alcance do aludido termo científico. (NASCIMENTO, 2010; p.23)

Outros estudos de caso, perante a Justiça Federal do Brasil, Seção Judiciária do Pará,

envolve um acordo judicial homologado, envolvendo bioprospecção, sendo os detentores de

conhecimentos tradicionais e, parte no processo, os feirantes do Mercado Ver-o-peso de

Belém-PA e como parte antagônica a empresa Natura.

No caso envolvendo os feirantes e a empresa Natura, a empresa admitiu ter lançado

uma linha de produtos apropriando-se dos conhecimentos tradicionais dos feirantes em ervas

e produtos da natureza, com anteriores entrevistas, garantindo com o acordo participação no

resultado das vendas destes produtos.

Conforme Ávila, (2006) os debates envolvendo biotecnologia e direitos da

biodiversidade na década de 1990, período que antecedeu a ECO-92 no Rio de Janeiro,

ocasionou na aparição de diversos movimentos indígenas de vários países a reivindicarem

seus direitos intelectuais coletivos.

No mesmo sentido (LITTLE, 2002; p.197) assegura que:

(...) os chamados “conhecimentos tradicionais” foram uma categoria relativamente recente no vocabulário do movimento indígena e vêm sendo encarados como uma fonte real de recursos estratégicos, que podem estabelecer novas relações entre Estados nacionais e povos indígenas. Para tanto, utilizariam-se da interface entre a ciência ocidental e as ciências locais e seus conhecimentos, tão cobiçados no mundo ocidental.

Pode-se exemplificar com a já mencionada fruta do biribiri4 usada há gerações como

anticoncepcional pelos índios Wapixanas, tendo sido registrada pelo laboratório canadense

Biolink estimando-se um retorno financeiro de cerca US$ 2,5 milhões ao ano em royalties.

(TOWNES, p.9, sd)

No caso da apropriação dos conhecimentos tradicionais dos Wapixanas, a “semente do

tipir” ou biribiri (Octotea radioei), também conhecida como “Palm Grove” (pelos

Wapichanas5 da Guiana) e o “cunani” de uso daquela etnia, foi apresentada ao químico

4 Biribiri: as sementes são usadas há séculos pelos índios uapixanas como anticoncepcional. O laboratório canadense Biolink patenteou o princípio ativo e desenvolve pesquisa com a substância para tratar a aids. Disponível em < http://pib.socioambiental.org/c/noticias?id=9405> Acessado em 24 nov.2010. 5 A etnia tem duas formas de escrita “Wapichana” e “Wapixana”, as duas formas estão corretas. A primeira, foi a forma usada até a década de 70, posteriormente passou-se a usar a escrita da segunda forma, o mesmo ocorreu com a etnia “Makuxi” - “Macuxi”; “Yanomami” - “Ianomami”. Townes, Nelson. A biopirataria em Rondônia. Pesquisadores estrangeiros estão levando plantas e cobras no Vale do Guaporé. Revista Momento Brasil,v.4, n.44,p7, sd.

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Conrad Gorinsky que patenteou os produtos como descobertas e invenção própria, em três

países.6

Este entrevero é relatado por Ávila (2006), que fez uma pesquisa “in loco” em

Roraima, Guiana, Brasília e transcreve o relato de Clóvis Ambrosio Wapichana no Seminário

Internacional sobre Biodiversidade, realizado no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília.

(...) Os Wapichana, meu povo, habitam parte do lavrado no Brasil e na Guiana Inglesa (...). Por termos conhecimento comuns sobre a vegetação, tanto no Brasil quanto na Guiana Inglesa, utilizamos uma planta de nome cunani, na pesca. Também conhecida por tipir ou coração verde em nossa medicina tradicional. Muitos de nossos parentes nem imaginam que os conhecimentos podem representar para as indústrias. E foi por isso que o químico Conrad Gorinsky, filho de uma índia Wapichana com um alemão (...) pesquisou o cunani e o tipir promentendo que ajudaria as comunidades com medicamentos. Nunca o fez (...). O senhor Conrad Gorinsky já patenteou o cunaniol e o rupuni nos Estados Unidos, Europa e Grã-Bretanha. Ele vem buscando contato junto às multinacionais para explorar as ‘descobertas’(...). (WAPICHANA, 1999, apud ÁVILA 2006)

Carvalho (1999) relata ainda outros casos de apropriação de conhecimentos

tradicionais de povo indígena, mencionando acordos firmados com etnias indígenas na

Bolívia e Equador. Tais acordos podem servir como paradigmas para possíveis acordos no

Brasil, onde, como veremos adiante, terá tutela da União, pela Fundação Nacional do ìndio

(FUNAI), sendo os acordos homologados judicialmente ter trâmite perante a Justiça Federal,

com a intervenção do Ministério Público Federal em todos os atos (art. 231 e 231 da

Constituição Federal de 1988).

O caso do Acre, relatado pela Promotora Patrícia Amorim Rêgo, é uma história que conheço, porque estive na região. Lá chegou um senhor alemão, um executivo aposentado da Volkswagen, preocupado com a saúde indígena e, mediante contatos com a Bayer, começou a distribuir medicamentos para, logo em seguida, pedir às populações que criassem canteiros com suas plantas tradicionais. A moeda de troca, nesse caso, foi à miséria. Estamos num patamar muito primário, pelo menos não tenho notícia de um acordo, no Brasil, como os firmados com os povos indígenas da Bolívia ou mesmo do Equador. Para mim, não há nada parecido em discussão no Brasil. Isso é muito sintomático da situação de paupérie com que a questão indígena é tratada pelo Estado brasileiro; é muito revelador do abandono da questão. (Carvalho, 1999)

Essa apropriação dos conhecimentos tradicionais por missionários religiosos, no

passado, também é relatada por Shiva (2001). 6 Patentes n. US 5.569.456 (United States Patent) e EP610060A1 (EPO – Escritório Europeu de Patentes) para o rupununies; EP 610059A1 (EPO – Escritório Europeu de Patentes) e US 5786358 (United States Patente) para o poliacetileno conhecido com cunaniol. Todas estas patentes constam como inventor o Sr. Conrad Gorinsky. U.S Patente n.5.569.456 – invenção sobre os “alkaloids” e “bisbenzylisoquinoline alkaloids and derivates” (...) denominado “rupunine C37 H40 06 N2”;

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Segundo Shiva (2001), essa apropriação dos conhecimentos tradicionais de grupos

indígenas sobre plantas medicinais, antigamente feitas por missionários, atualmente foi

substituída por grandes indústrias farmacêuticas.

Essas afirmações nos permitem uma reflexão no sentido que, assim como nem toda

missão religiosa tem finalidades diversas da fé, como a apropriação dos conhecimentos

indígenas; da mesma forma nem toda pesquisa envolvendo recursos biológicos tem fins de

biopirataria.

Pode-se dizer que o reconhecimento ou não dos conhecimentos tracionais de uma

comunidade e sua participação no resultado das pesquisas é um fator que determina a

apropriação indevida deste conhecimento ou não.

Esse contraponto e alerta para a não generalização e cuidados com xenofobismos

podem ser encontrados nas ponderações de Fonseca (2003) adiante exposto.

Há uma forte necessidade de se orientar, informar, organizar grupos detentores dos

conhecimentos dos efeitos dos produtos da biodiversidade brasileira para viabilizar a sua

exploração econômico-sustentável7 se for do interesse destes grupos, mas com

reconhecimento e tutela dos direitos intelectuais coletivos que ainda carece de norma jurídica

eficaz.

A exploração da nossa biodiversidade por grupos estrangeiros, sem que se pague

nenhum royalty, pode ser denominada de biopirataria ou usurpação de produtos oriundos da

biodiversidade nacional.

Pode-se dizer que a biopirataria é facilitada pela falta de associações regionais que

preservem e explorem economicamente seus conhecimentos tradicionais propiciando casos

como o do medicamento CAPTOPRIL, que tem o princípio ativo oriundo do VENENO DA

COBRA JARARACA que foi descoberto por cientistas brasileiros, todavia, um laboratório

estrangeiro desenvolveu o medicamento e explora o produto economicamente sem

reconhecimento ou participação do Brasil nestes resultados.(grifo nosso)

Denominado conhecimento tradicional de um povo pode implicar em vários anos

economizados em pesquisa laboratoriais, e também enorme economia financeira com isto.

7Define-se pela continuidade dos investimentos econômicos, das pesquisas tecnológicas e da exploração de matéria-prima, de tal forma que se leve em consideração não só o presente, mas também as gerações futuras. As diferentes nações têm procurado encontrar os meios de atingir a formula, como explorar sem destruir ou, pelo menos, diminuir os impactos ambientais. Disponível em:: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Biosfera#O_Desenvolvimento_Sustent.C3.A1vel> . Acesso em 24 nov.2010.(grifo nosso).

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1.1.2 Casos de biopirataria: cupuaçu, açaí, escapulário, rapadura

Foi noticiada, pela imprensa, a recente disputa que o Brasil teve em torno do cupuaçu

que foi patenteado por empresas do Japão. O cupuaçu (Theobroma grandiflorum), uma árvore da mesma família do cacau, cuja semente é fonte de alimento na Amazônia, está no centro de uma polêmica envolvendo organizações não-governamentais (ONGs), produtores do Acre, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Itamaraty e a gigante japonesa Asahi Foods Co Ltd. Tudo começou quando a Amazonlink, uma ONG que apóia produtores locais na comercialização de derivados de cupuaçu, como geléias e bombons, se preparava para fechar um contrato de venda com uma empresa na Alemanha, no final do ano passado. Já no final dos entendimentos, eles nos disseram que o negócio só se consumaria se o nome cupuaçu não aparecesse no produto, já que a marca cupuaçu estava registrada na União Européia pela Asahi Foods, desde o ano passado", conta Michael F. Schmidleher, presidente da Amazonlink. A mesma empresa japonesa, soube-se posteriormente, tinha igualmente registrado a marca cupuaçu nos Estados Unidos e no Japão. Uma investigação mais apurada revelou que a Asahi Foods também tinha patenteado o método de extração de óleo e gordura da semente e processo de produção do cupulate, uma espécie de chocolate elaborado a partir da fruta, no Japão e União Européia, entre os meses de outubro de 2001 e julho de 2002. Em 1998, o uso do extrato de cupuaçu para a composição de cosméticos já tinha sido registrado pela Body Shop Internacional. A patente da empresa japonesa, no entanto, pode guardar semelhança com outra depositada pela Embrapa, no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), em 1990, relativa ao "Processo de obtenção de cupulate em pó e em tabletes meio amargo com leite brando a partir de sementes de cupuaçu".8

Observa-se que a Embrapa no Brasil já possuía uma patente depositada no Instituto

Nacional de Propriedade Industrial (INPI), em 1990 e a empresa japonesa Asahi Foods

depositou patente semelhante na União Européia e Japão, havendo também registro da marca

“cupuaçu” nos EUA e Japão.

Este caso chamou atenção do Brasil, principalmente do Ministério do Meio Ambiente,

na época, ocupado pela então Ministra Marina Silva, para necessidade de ajustar as normas

legais para proteção da bio-sóciodiversidade.

(...) A história veio a público no início deste ano, levantando suspeitas de que, apesar das medidas de proteção previstas na Medida Provisória nº 2.186 - 16, sobre o acesso ao patrimônio genético e o conhecimento tradicional associado, o Brasil segue exposto às ações de biopirataria. "É importante que este caso do cupuaçu chame a atenção para o problema maior da biopirataria", diz a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente. O ministério, ela adianta, está encaminhando a criação de um grupo de trabalho interministerial e inter-institucional para analisar o registro de marcas e depósito de patentes do cupuaçu. Esse grupo, ela diz, vai conjugar "esforços e conhecimentos nos campos da pesquisa agronômica e genética, da propriedade intelectual, proteção dos direitos e interesses difusos e coletivos", assim como da cooperação internacional. A ministra também

8 Disponível em: <http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=2060&bd=1&pg=1&lg=>. Acesso em: 06 abr.2011.

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pretende acelerar a aprovação de medidas de proteção da biodiversidade. (...). Agora, no comando do ministério, Marina Silva tem planos de ampliar a composição do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen), criado pela Medida Provisória, para incluir representantes de entidades científicas, da sociedade civil, de comunidades indígenas e locais, para, juntos, propor ao Congresso um encaminhamento para a conversão da Medida Provisória em lei. Outra idéia que está sendo estudada é a de desarquivar os projetos de lei sobre a matéria que ainda estão na Câmara dos Deputados, produzir um substitutivo de consenso e submeter a nova versão à aprovação do Congresso. A expectativa, sublinha, é que, ainda este ano, seja possível promulgar uma "verdadeira" Lei de Acesso aos Recursos Genéticos (...).9

O Brasil, através do seu corpo diplomático conseguiu reverter à situação do registro do

“cupuaçu” pela empresa japonesa.

O termo “cupuaçu” constava no Registro de Marcas e Patentes dos Estados Unidos

sob o número 2729413, número de série 75476260 (protocolo do requerimento), tendo sido

cancelado em 23 de fevereiro de 2005, conforme tabela:

9 Disponível em <http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=2060&bd=1&pg=1&lg=>. Acesso em 06 abr.2011.

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Tabela 1 - Patente do “cupucu” nos Estados Unidos e demais dados. Word Mark CUPUACU Goods and Services

(CANCELLED) IC 030. US 046. G & S: , CHOCOLATE CANDIES. FIRST USE: 20011118. FIRST USE IN COMMERCE: 20011118

Mark Drawing Code (1) TYPED DRAWING Serial Number 75558710 Filing Date September 23, 1998 Current Filing Basis 1ª

Original Filing Basis 1B

Published for Opposition November 23, 1999

Registration Number 2729413

Registration Date June 24, 2003 Owner (REGISTRANT) Asahi Foods Co., Ltd. CORPORATION JAPAN Shimotsuya-Kitaino

1 Kumiyama-cho, Kuse-gun, Kyoto JAPAN 613-0035 Attorney of Record SIMOR L. MOSKOWITZ Type of Mark TRADEMARK Register PRINCIPAL Live/Dead Indicator Cancellation Date February 23, 2005 Fonte: UNITED STATES PATENT AND TRADEMARK OFFICE. Disponível em < http://www.uspto.gov/trademarks/index. jsp>. Acesso em 06.04.2011>. Acesso em: 06 abr.2011. Disponivel em: < http://tess2.uspto.gov/bin/showfield?f=doc&state=4006:4sj960. 2.2>. Acesso em: 06 abr.2011.

Perante o mesmo escritório de registro de patentes americano, consta o requerimento

de nome “cupuacu” relacionado a derivados como xampus, cosméticos (...) com número de

série 75476260 que não chegou a ser registrado, ocorrendo-se a desistência em 01 de maio de

1999, anteriormente a conclusão do registro.

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Tabela 2 - Dados do procedimento de solicitação do registro de derivados do cupuaçu como xampus, cosméticos perante escritório de registros e patentes americano. Word Mark CUPUACU Goods and Services

(ABANDONED) IC 003. US 001 004 006 050 051 052. G & S: perfumes, soaps, shampoos, cosmetics, non-medicated toilet preparations; hair colourants, hair conditioners, hair dyes, hair lotions or hair styling preparations; deodorants; depilatories; antiperspirant preparations; non-medicated talcum powder for toilet purposes; sun-tanning preparations (cosmetics); non-medicated massage preparations; bath additives, bath oils or bath salts, not for medical purposes; shaving preparations; dentifrices; essential oils; beauty masks, facial packs, nail care preparations, nail varnish; pumice stone, cotton sticks; cotton wool for non-medical purposes; scented articles all for perfumery purposes, potpourri, powder-impregnated paper for cosmetic use, abrasives for personal use

Mark Drawing Code (1) TYPED DRAWING

Serial Number 75476260 Filing Date April 29, 1998 Current Filing Basis 1B

Original Filing Basis 1B

Owner (APPLICANT) Body Shop International Plc, The CORPORATION GREAT BRITAIN Watersmead, Little Hampton West Sussex UNITED KINGDOM BN17 6LS

Attorney of Record LESLIE BERTAGNOLLI

Type of Mark TRADEMARK Register PRINCIPAL Live/Dead Indicator DEAD

Abandonment Date May 1, 1999

Fonte: UNITED STATES PATENT AND TRADEMARK OFFICE. Disponível em < http://www.uspto.gov/trademarks/index. jsp>. Acesso em: 06 abr.2011 Disponível em: < http://tess2.uspto.gov/bin/showfield?f=doc&state=4006:4sj960. 2.3>. Acesso em: 06 abr.2011.

Todavia, o nome “CUPUACU VITAL” está registrado no escritório de registros e

patentes dos Estados Unidos, como marca de uso comercial, ainda em vigor, pela empresa

Calais Naturals. A solicitação foi publicada para eventual oposição em 07 de julho de 2009,

porém o registro foi efetuado em 09 de março de 2010 e permanece ativo, conforme consta na

tabela abaixo:

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Tabela 3- Registro do termo “cupuacu vital” no “United States Patent and Trademark Office”. Word Mark CUPUACU VITAL Goods and Services

IC 005. US 006 018 044 046 051 052. G & S: Dietary and nutritional supplements. FIRST USE: 20091006. FIRST USE IN COMMERCE: 20091006

Standard Characters Claimed

Mark Drawing Code (4) STANDARD CHARACTER MARK

Trademark Search Facility Classification Code

LETTER-3-OR-MORE UACU Combination of three or more letters as part of the mark

Serial Number 77691170 Filing Date March 14, 2009 Current Filing Basis 1ª

Original Filing Basis 1B

Published for Opposition July 7, 2009

Registration Number 3759132

Registration Date March 9, 2010

Owner (REGISTRANT) Calais Naturals LLC LIMITED LIABILITY COMPANY DELAWARE 11380 Propserity Farms Rd., Suite 221E Palm Beach Gardens FLORIDA 33410

Attorney of Record Daniel S. Polley

Disclaimer NO CLAIM IS MADE TO THE EXCLUSIVE RIGHT TO USE "CUPUACU" APART FROM THE MARK AS SHOWN

Type of Mark TRADEMARK Register PRINCIPAL Live/Dead Indicator LIVE

Fonte: UNITED STATES PATENT AND TRADEMARK OFFICE. Disponível em < http://www.uspto.gov/trademarks/index. jsp>. Acesso em: 06 abr.2011 Disponível em: < http://tess2.uspto.gov/bin/showfield?f=doc&state=4005:5r5lh0. 2.1>. Acesso em: 06 abr.2011.

Além do cupuaçu, foi feito o registro da marca “Açaí” no Japão pela empresa K.K.

Eyela Corporation em 2003. O referido registro foi cancelado por ordem do escritório de

registro de marcas do Japão. Atribui-se este êxito à embaixada brasileira no Japão.

O açaí (Euterpe precatoria) é um tipo de palmeira, muito comum na região

amazônica, especificamente no Norte do Brasil, cuja polpa do fruto é utilizada para produzir

sucos, sorvetes, etc., contendo alto valor nutricional.

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O açaí é, de novo, brasileiro. A frutinha típica da Amazônia estava desde 2003 registrada no Japão como marca de propriedade da empresa K.K. Eyela Corporation. No início do mês, o Departamento de Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente informou que o registro da marca “açaí” foi cancelado por ordem do Japan Patent Office, o escritório de registro de marcas do Japão. A decisão não é definitiva - cabe ainda um recurso da empresa, dentro de um prazo de 30 dias. Caso a empresa não reivindique a marca, o caso estará encerrado. “Isso criou um problema moral e econômico para o País. Se algum produtor quisesse exportar açaí para o Japão, teria de inventar outro nome ou pagar royalties para a dona da marca”, explica Eduardo Veléz, diretor de patrimônio genético do Ministério do Meio Ambiente. Segundo Veléz, isso estava sendo usado “de forma perversa” como barreira não tarifária. O Ministério do Meio Ambiente credita a vitória aos esforços da embaixada brasileira no Japão, que vem desenvolvendo um trabalho envolvendo também outros dois ministérios - Relações Exteriores e Indústria e Comércio - para alertar os escritórios de registros de marca ao redor do mundo sobre o registro indevido de componentes da biodiversidade nacional. Entre as ações, o governo formulou uma extensa lista com três mil nomes científicos de plantas da biodiversidade brasileira, que, com as denominações populares, chega a cinco mil nomes, e distribui para escritórios de registro de marcas no mundo inteiro. 'É uma ação preventiva, que vai facilitar nossa defesa, caso apareça outro caso como este', diz Otávio Brandelli, chefe da divisão de Propriedade Intelectual do Ministério das Relações Exteriores. OPORTUNIDADE Para os produtores de açaí, a decisão abre a possibilidade de se explorar um novo mercado, o Japão. O açaí brasileiro é bem aceito em mercados como os Estados Unidos e a Europa, mas ainda pouco conhecido dos japoneses.

Importante observar a medida preventiva adotada pelo Governo brasileiro em registrar

uma lista da biodiversidade nacional no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI).

Também a rapadura teve seu registro feito por uma empresa alemã chamada Rapunzel.

Todavia, o governo brasileiro requereu a retirada da patente de forma amigável.

Em 1996, a empresa alemã Rapunzel depositou no registro de patentes de seu país e dos Estados Unidos a marca "rapadura" para o doce de açúcar orgânico. O governo brasileiro só tomou conhecimento do fato em dezembro de 2004, quando acionou as embaixadas do Brasil nos dois países para que solicitassem à empresa o abandono voluntário do registro da marca, considerado ilegal segundo a Convenção de Paris e o Acordo sobre Aspectos de Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips). Rapadura é um nome genérico e necessário de um produto tipicamente brasileiro, o que torna o registro indevido como marca. Segundo Otávio Brandelli, secretário da Divisão de Propriedade Intelectual do Itamaraty, há interesse da Rapunzel em um acordo amigável, o que evitaria ações administrativas ou judiciárias como ocorreu no caso do cupuaçu em 2004, quando a empresa japonesa perdeu no Japão e na União Européia o direito à marca, abandonando-a também nos EUA. (Inovação Uniemp, 2006)

Os casos exemplificados de registro marcas com nome de produtos in natura

tipicamente brasileiro ou patentes de seus derivados não são únicos. Trata-se de um rol

crescente que demonstra a necessidade de medidas preventivas por parte do Ministério do

Meio Ambiente, Ministério das Relações Exteriores, do Governo brasileiro.

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(...) ESCAPULÁRIO O caso do açaí não é único. Vários produtos tipicamente brasileiros, como cupuaçu, rapadura e até escapulário - pequeno cordão com imagens de santos, usado no pescoço - já foram registrados indevidamente como marcas fora do País. O cupuaçu, por exemplo, estava registrado como marca em três países - Alemanha, EUA e Japão. Após intensas negociações, o Brasil obteve ganhos nos três países e conseguiu cancelar o registro em 2004. Segundo Otávio Brandelli, do Ministério das Relações Exteriores, atualmente existem 20 processos de apropriação de nomes como marcas em negociação pelo Itamaraty.10

10 Rede de Tecnologia Social – RTS. Disponível em <http://www.rts.org.br/noticias/destaque-4/noticias-gerais/brasil-consegue-recuperar-a-patente-da-marca-acai>. Acesso em: 06 abr.2011.

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2 DISCUSSÕES ACERCA DA BIOPIRATARIA

2.1 MEDIDAS PREVENTIVAS

Diante do requerimento do registro de “cupuaçu”, “açaí”, “rapadura”, “escapulário”,

segundo informações do Secretário do Itamaraty Otávio Brandelli, o Governo brasileiro está

tomando medida preventiva para evitar novas patentes de produtos genuinamente brasileiros

com elaboração de uma lista contendo um rol destes produtos brasileiros.

A referida lista, encontra-se à disposição de todos os interessados no Instituto

Nacional de Propriedade Industrial (INPI).

O Secretário Otávio Brandelli, do Itamaraty, informa que se está providenciando uma lista de denominações da biodiversidade brasileira que não devem ser registradas por nenhuma empresa, seja no Brasil ou no exterior. A medida visa evitar o patenteamento de nomes brasileiros de produtos genéricos ou da biodiversidade, sob alegação de desconhecimento. A lista encontra- se no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) para que sejam feitos os cruzamentos entre os nomes e a classificação internacional dos produtos. É permitido usar o nome de um produto se for para outro, de outra natureza. O exemplo mais conhecido é a marca de computadores Apple; para maçãs, a marca jamais seria aprovada. . (Inovação Unicamp, 2006)

Convêm também ressaltar uma notícia vinculada pelo informativo da Ordem dos

Advogados do Brasil (OAB FEDERAL), no qual uma associação formada pelos feirantes do

mercado ver-o-peso de Belém, estado do Pará conseguiu obter ressarcimento econômico pelo

uso não autorizado de seus conhecimentos dos efeitos de plantas e raízes na indústria de

cosméticos.

Segundo o informativo da OAB Federal, a empresa NATURA reconheceu que fez

produtos com base nos conhecimentos dos feirantes, sendo que lançaram novos produtos logo

após consultas feitas com os feirantes.

Perante a Justiça Federal a empresa fez um acordo judicial para dar participação dos

valores obtidos nas vendas destes produtos para a associação dos feirantes do mercado ver-o-

peso. Belém (PA), 03/07/2006 – Um momento histórico na valorização dos conhecimentos tradicionais ocorreu no Pará, quando a empresa de cosméticos Natura admitiu o uso de informações fornecidas por vendedoras de ervas na feira do Ver-o-Peso, em Belém. A empresa comprometeu-se a assinar o primeiro contrato de participação de benefícios na história do País. O acordo foi anunciado em reunião da qual participaram representantes da empresa, da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Pará, do grupo de ervas do Ver-o-Peso, Ministério

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Público do Estadual do Pará, Ministério Público Federal e da 4ª Câmara do MPF. A OAB-PA esteve representada pela presidente da Comissão de Bioética e Proteção do Biodireito, Eliane Moreira.”11.

Casos como este têm sido observado e noticiado, todavia há uma carência de

pesquisas científica sobre o tema.

A citada biodiversidade e o conhecimento acerca de seus produtos é um patrimônio

de grande relevância econômica-social e deve-se discutir e expor meios de protegê-las. Uma

conscientização cumulada com orientações e políticas públicas para a formação de

associações de grupos campesinos e regionais seria a forma de preservar e retribuir estes

grupos pela transmissão de seu saber, bem como propiciaria uma fonte de sustento para suas

famílias e um grande desenvolvimento regional.

Seria favorável ao desenvolvimento regional, fornecer fonte de implementação de

associações e grupos econômicos brasileiros que obtenham renda de conhecimentos e

produtos da biodiversidade nacional, de maneira auto-sustentável.

As referidas associações e cooperativas trariam os reflexos positivos na diminuição

da biopirataria, desfalque à propriedade material (fauna e flora) e imaterial (propriedade

industrial, conhecimentos dos povos antigos) que ocorrem no Brasil.

Ressalta-se que produtos que são elaborados com respeito à legislação ambiental,

meio-ambiente e recursos naturais costumam ter uma valorização maior no exterior, no que

denomina-se valor agregado ao produto.

Esses pequenos grupos organizados em associações e cooperativas podem alcançar

na exportação de seus produtos uma fonte de recursos financeiros que não pode ser

desprezada.

Considerações feitas por Fonseca (2003) apontam duas possíveis medidas

preventivas para a biopirataria:

O combate a biopirataria, que é aqui definida como atividade idealmente ilegal e moralmente condenável, parece ser uma questão puramente policial. As causas, como em qualquer atividade criminosa, é que precisam ser combatidas ou anuladas e, no caso específico da retirada ilegal de organismos, a prevenção só tem dois caminhos: 1) fazer primeiro, investindo pesadamente em Ciência e Tecnologia e anulando as discrepâncias regionais na alocação de recursos; 2) negociar e implantar, efetivamente, um Acordo Internacional, que proíba o patenteamento de substâncias cuja origem não esteja perfeitamente identificada. Para o primeiro mecanismo não temos recursos nem pessoal qualificado, e para o segundo não temos força política nem prestígio internacional real.

11 Disponível em: < http://www.oab.org.br/noticia.> Acessado em 24 nov.2010.

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Denota-se que, segundo Fonseca (2003), as medidas preventivas não são de fácil

solução, tanto no sentido de combater criminalmente a biopirataria quanto nas medidas

sugeridas de investimento em Ciência e Tecnologia e um Acordo Internacional que proíba

que as substâncias identificadas no país sejam patenteadas no exterior.

A medida proposta por Fonseca (2003), conforme constatou-se em pesquisa prévia do

Projeto, parece apresentar maior aceitação dentre os pesquisadores biólogos, botânicos dentre

outros de áreas correlatas à biopirataria em detrimento a proposta de criminalização da

biopirataria.

2.2 RACIONALIDADE AMBIENTAL

No que tange a biodiversidade a ciência e a tecnologia para o seu uso sustentável, em

uma análise geral, os países ricos em biodiversidade, em regra, tem poucos recursos

financeiros, poucos investimentos em pesquisas, em ciência e tecnologia.

Contrariamente, os países pobres em biodiversidade são ricos em recursos financeiros

e em investimentos em ciência e tecnologia.

Sobre a conservação da diversidade biológica no Brasil que é signatário da Convenção

sobre Diversidade Biológica, os Indicadores de Desenvolvimento Sustentável (IDS) do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do ano de 2010, assim divulgam:

Justificativa A conservação da diversidade biológica compreende a proteção da variabilidade em vários níveis, como os ecossistemas e os hábitats, as espécies e as comunidades, os genomas e os genes. A Convenção sobre Diversidade Biológica, ratificada pelo Brasil em 1994, determina várias responsabilidades, entre as quais a identificação e o monitoramento de ecossistemas e hábitats, espécies e comunidades que estejam ameaçadas, genomas e genes de importância social e econômica.12

A justificativa do IBGE menciona a abrangência da preservação da diversidade

biológica ou biodiversidade, ressaltando que inclui-se a preservação de ecossistemas, hábitats,

espécies, comunidades, genomas e genes. Ou seja, além da fauna, flora, também

microorganismos, como fungos, e seu habitat e ecossistema devem ser preservados.

O referido Indicador do IBGE do ano de 2010 ainda atribui a um grupo de 12 países

no qual se insere o Brasil a característica de ter uma megadiversidade, ou seja, este grupo

12 BRASIL, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Indicadores de Desenvolvimento Sustentável – IDS, 2010, p.136-137.

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detêm 70% da biodiversidade do planeta. Isto demonstra a necessidade de monitorar e

controlar nosso patrimônio biológico.

Justificativa (...) O Brasil está incluído entre os países dotados da chamada megadiversidade, grupo de 12 nações que abrigam 70% da biodiversidade total do planeta. À importância de âmbito global da conservação da biodiversidade no Brasil, soma-se a sua relevância para a economia do País. Entre as espécies vegetais de maior importância econômica destacam-se aquelas de uso medicinal, objeto de intenso extrativismo (na maioria das vezes predatório) e alvo de biopirataria. Este indicador é um dos mais adequados para o monitoramento e avaliação da proteção da biodiversidade na escala de espécies e biomas e, associado a outros indicadores, informa sobre a eficácia das medidas conservacionistas13 (grifo nosso).

Importante observar que ao final deste trecho da justificativa do IBGE, menciona-se,

com base em seus dados estatísticos, que as espécies vegetais de uso medicinal são de maior

importância econômica, sendo alvo de biopirataria.

Leff (2009) analisa o que chama de “dívida ecológica” dos países do Primeiro e

Segundo Mundos, do Norte, em detrimento da exploração do Sul, da “pilhagem”, devastação

dos recursos do mundo “subdesenvolvido” que, na sua visão esvazia seus potenciais

produtivos e deteriora seus recursos ambientais.

Considera-se que há uma “dívida ecológica” dos países desenvolvidos pela

apropriação da natureza por “etnobioprospecção” e direitos de propriedade intelectual,

registros e patentes, sobre os direitos de propriedade dos recursos naturais, posse, uso e

conhecimento tradicional destes e dos Povos do “Terceiro Mundo” das Comunidades

Indígenas e das Comunidades Tradicionais como os Quilombolas, Caiçaras, etc.

Essa dívida não deveria ser paga com uma mera compensação econômica pelo dano

sofrido, mas por uma valorização dos conhecimentos tradicionais sobre a sócio-

biodiversidade, uma participação nos resultados obtidos com a comercialização dos produtos

obtidos da natureza, conforme a proposta econômica para a biopirataria já citada.

Nesse sentido, Leff (2009, p.38-39), em outras palavras apresenta um movimento

ambientalista de alguns povos indígenas, grupos sociais em prol dessa participação na

produção e nos valores agregados com a natureza. (...) Pedem que haja compensação justa para os governos e as comunidades do Terceiro Mundo no negócio da biodiversidade (...) Eis a razão por que alguns povos indígenas, grupos sociais e indivíduos estejam se distinguindo desses processos de valorização e negociação, e que uma parte importante – embora ainda silenciosa – do movimento ambientalista se manifeste

13 BRASIL, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Indicadores de Desenvolvimento Sustentável – IDS, p.137.2010.

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por meio de lutas de resistência e de dessujeitamento da globalização. Estas lutas mostram muito mais sua decisão de legitimar novos direitos culturais, ambientais e coletivos do que a disposição de negociar uma compensação pelos danos sofridos como resultado do impacto ecológico ou a aceitar uma distribuição dos benefícios da comercialização da natureza.

Na visão de Leff (2009), os países do Sul ou “subdesenvolvidos” ricos em

biodiversidade, sofrem com a subvalorização de seus recursos naturais, que são utilizados

para manter o desenvolvimento industrial, financeiro e consumista do Norte, países

desenvolvidos.

Nesse contexto, o autor propõe o que chama de “racionalidade ambiental” sendo uma

reformulação do processo produtivo, baseado no potencial produtivo da natureza, somada à

ciência e a tecnologia moderna, identidades culturais, dos povos e suas relações homem-

natureza.

Nesse contexto de desenvolvimento relacionado ao respeito ao meio ambiente, deve-se

observar diferentes prismas do termo “desenvolvimento sustentável”.

Clemente et all (2007, p.291) aponta três focos de desenvolvimento sustentável:

¿Qué se entiende por Desarrollo Sostenible? Es la actividad económica y social que satisface las necesidades de la generación presente sin afectar la capacidad de las generaciones futuras de satisfacer sus propias necesidades. Se debe lograr a tres niveles: Sostenibilidad Económica: crecimiento industrial, agrícola, pesquero, ganadero, turístico, remuneración de empleo, contribuciones a la comunidad, satisfacción de las necesidades de los hogares. Sostenibilidad Ecológica: aire y agua limpios, conservación de recursos, preservación de la biodiversidad. Sostenibilidad Social: beneficio público, equidad social, participación, mantenimiento de estado de bienestar (grifo nosso).

Sachs (1993) aponta cinco dimensões de Ecodesenvolvimento: a) Sustentabilidade

Social; b) Sustentabilidade Econômica; c) Sustentabilidade Ecológica; d) Sustentabilidade

Espacial; e) Sustentabilidade Cultural.

Propõe-se com isso revisar essa dívida dos Países Desenvolvidos com a natureza e

com os Povos da América Latina, do Terceiro Mundo com a racionalidade ambiental

conforme Leff (2009, p.40-41): (...) leva a repensar as condições e potenciais para um desenvolvimento sustentável, fundado numa racionalidade ambiental. Diante da racionalidade econômica e instrumental que domina o processo de globalização, a racionalidade ambiental se funda em novos princípios éticos, valores culturais e potenciais produtivos. A globalização econômica está gerando uma retotalização do mundo sob o valor unidimensional do mercado, superexplorando a natureza, homogeneizando culturas, subjugando saberes e degradando a qualidade de vida das maiorias. A racionalidade ambiental gera uma reorganização da produção baseada no potencial produtivo da natureza, no poder da ciência e da tecnologia modernas e nos processos de

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significação que definem identidades culturais e sentidos existenciais dos povos em diversas formas de relação entre os seres humanos e a natureza. (...) Este é o grande desafio, o da dívida que se mantém agrilhoada ao desenvolvimento autodeterminado, democrático e sustentável dos povos da América Latina e do Terceiro Mundo. Um desafio que obriga a questionar os mecanismos de submissão que nos mantêm em dívida permanente, como apêndices dependentes da ordem mundial.

Acerca dos mecanismos de submissão dos povos da América Latina e do Terceiro

mundo suscitado por Leff (2009), em sua exposição acima, nos leva a refletir sobre a

preocupação que muitos Países Desenvolvidos têm em relação ao rompimento deste vínculo

de submissão e o impacto sofrido no Ecossistema.

Além da perda de reserva de matéria prima barata para sua indústria, outra

preocupação presente é a estimativa de que se grande parte dos países em desenvolvimento

atingiram determinada expansão econômica e produtiva poderiam causar um colapso no

planeta com problemas de aquecimento global e escassez de recursos.

Essas preocupações com a equidade social, igualdade na distribuição de rendas

relacionadas e os efeitos no meio ambiente são citadas por Leff (2009, p. 127).

O movimento ambiental abre novas vias para alcançar a sustentabilidade ecológica e justiça social (...). Hoje em dia, diante dos padrões prevalecentes de consumo, a equidade converte-se num despropósito. Só em pensar que cada indivíduo dos países pobres (China, Índia, por exemplo) pudesse ter acesso a um carro e um refrigerador, faria estourar o planeta!

Com essas observações Leff (2009) conclui pela impossibilidade de se atingir a

equidade no consumo globalizado, onde também atuam grupos ecologistas do Norte que

pouco contribui para atenuar a pressão e a ânsia das massas menos favorecidas em elevar seus

padrões de renda e consumo.

2.3 ESTRATÉGIA COLONIALISTA E VISÃO DE VANDANA SHIVA

Na análise da biodiversidade, conhecimentos de populações tradicionais, soberania do

país e domínio sobre seu patrimônio biológico e genético, é importante mencionar o uso de

questões sobre a política indigenista e ambientalista de forma distorcida, como subterfúgios

para encobrir outros interesses.

Esses outros interesses seriam a preservação de reservas naturais de biodiversidade

para o mundo industrial desenvolvido, apropriando-se da riqueza biológica e genética mais

abundante na Amazônia, e em países em desenvolvimento do que nos países ricos e

desenvolvidos.

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Nesse sentido, Cruz (2009, p.91) observa que:

Ao lado de preocupações legítimas quanto à degradação ambiental que se verifica na região, especialmente quanto ao desmatamento para utilização do espaço antes florestado com a formação de pastagem para a pecuária, a ocupação da Amazônia vem sendo contida sob o argumento de que precisa ser preservada. Vários exemplos podem ser citados como indicadores de que o manto da ambientalsimo/conservadorismo encobre muito mais que as justificáveis preocupações do meio ambiente.

Na verdade, o bionômio política indigenista – política ambientalista é utilizado fartamente como argumento para encobrir o principal objetivo de manter a intocabilidade da Amazônia, transformando-a em depósito de recursos naturais para utilização futura, no interesse da expansão do capital internacional, e em região mitigadora do imenso processo de poluição produzida pelo mundo industrial/desenvolvido (CRUZ, p.91, 2009).

Não se trata aqui de afirmar que a política indigenista e ambientalista é tendenciosa,

pelo contrário, reconhece-se sua importância e interesses sérios e legítimos, o que se alerta é

que muitas vezes essas bandeiras são levantadas por falsos ambientalistas e indigenistas com

interesses escusos e diversos do propagado, ou seja, biopirataria, bioprospeção, apropriação

de conhecimentos tradicionais.

Cruz (2009, p.91-93) cita alguns fatores que o levam a concluir pelos reais interesses

dos países desenvolvidos na preservação da Amazônia acima apontados. 1) Os dois últimos estados criados pela Constituição Federal de 1988, Roraima e Amapá restaram até hoje engessados quanto ao processo de ocupação de seus territórios por faltar aos respectivos governos locais os instrumentos necessários para tanto (...). Sem recursos fundiários tanto Roraima como Amapá ficam impedidos de proverem a ocupação de seus territórios, mesmo que através de processos racionais, ambientalmente adequados; 2) Sem recursos fundiários os dois estados ainda enfrentam desde as últimas décadas do Século passado um crescente processo de perda de territórios incorporáveis ao processo produtivo (agropecuário ou mineral) através da criação de imensas reservas indígenas e áreas de preservação permanente. No caso de Roraima, essas áreas somam hoje cerca de 70% da área territorial do estado. (...). 3) Quando do processo de ocupação da Amazônia promovido pelo governo militar nos anos 60/70/80 do Séc. XX, pequenos e grandes produtores podiam utilizar, via desmatamento, até 50% de sues lotes. Posteriormente mudanças no Código Florestal Brasileiro reduziram esse índice para 20%. No caso da agricultura familiar, cujos lotes têm tamanho modal de 60 ha, isto significa que os produtores deste segmento teriam em torno de 12 há para explorar. Dado o baixíssimo nível de tecnologia mecânica ou química vigente na região, essa exigência legal torna a exploração desses lotes inviável para agricultura ou pecuária; 4) Inviabilizadas enquanto agricultoras, milhares de famílias de pequenos produtores escolhem entre migrar para os centros urbanos regionais ou virarem massa de manobra nas mãos das organizações não governamentais que as organizam em torno da exploração extrativista em áreas de ocupação coletiva. Nas duas vertentes o resultado é reduzir o ritmo de exploração da Amazônia; 5) A população urbana da Amazônia representa hoje cerca de 70% da população regional.(...) a população da Amazônia vive atualmente predominantemente nas cidades. (...) Assim, as formas preconizadas e implementadas de ocupação da Amazônia pelo Estado Nacional foca essencialmente os chamados povos da floresta que representam menos de 10% da população regional;

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6) Esse foco do Estado Nacional nos chamados povos da floresta seja os indígenas ou as populações tradicionais ligadas ao extrativismo vegetal, obedece à lógica de tornar a Amazônia inexplorada. (...); 7) O espaço amazônico é heterogêneo diferentemente da ideia que se prega sobre a região. Nos vários subespaços regionais existem ecossistemas de floresta densa, floresta de transição e, inclusive grandes áreas desflorestadas, representadas pelas savanas de Roraima, Amapá, da região do Marajó (Pará), e mesmo no Amazonas. (...); 8) Assim, em todas as manifestações de prepostos do Estado nacional sobre as recentes discussões quanto ao aumento da produção de etanol pelo Brasil, tem sido recorrente a afirmação do governo federal de que a Amazônia estaria fora de cogitações como espaço para o desenvolvimento desse esforço na produção de biocombustíveis. Refletindo esse caráter de subalternidade ao interesse de países industrializados/desenvolvidos, recentemente o presidente brasileiro foi a Europa para garantir que o Brasil não irá produzir etanol na Amazônia.

As reflexões expostas por Cruz (2009), sobre o falso interesse dos países

industrializados/desenvolvidos na preservação da Amazônia coadunam com o que foi exposto

anteriormente sobre a não opção dos cientistas e pesquisadores brasileiros pela criminalização

da biopirataria, pois, “blindar” a biodiversidade Amazônia para ninguém usar, iria preservá-la

para que? Por qual interesse? Para quem?

Por outro lado, reitera-se a proposta apresentada nesta dissertação de fomentar a

participação da patente, ou integração das comunidades tradicionais e seus conhecimentos

sobre a biodiversidade no sistema de patentes ou participação nos lucros dos produtos feitos

com suas informações, dentre outras vias econômicas.

Vandana Shiva é uma ambientalista e ativista respeitada em todo o mundo por

trabalhar em movimentos sociais junto a populações rurais da Índia, seu país, e também

abordar o assunto Biopirataria da perspectiva dos países em desenvolvimento, explorado e

dominado pelos países densenvolvidos.

A autora critica o sistema de patentes e propriedades intelectuais adotados e

defendidos pelos países desenvolvidos, entendendo que trata-se de novos instrumentos de

dominação e apropriação em detrimento de países subdesenvolvidos.

Com a devida licença ao posicionamento da autora, o registo de patentes e a

propriedade intelectual não são o problema, mas o modo como são utilizados. É preciso

disciplinar a propriedade intelectual, dar créditos a quem merece, garantir seus “royalties” e

participação nos resultados de produtos criados a partir da biodiversidade utilizada por

populações tradicionais.

O processo de colonização das Américas e sua dominação representou a dilapidação

de metais e pedras preciosas (ouro, prata, diamante) dos países colonizados e extermínio de

grande parte da população local.

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Na era das grandes navegações (início da Idade Moderna) a Europa impôs seu

domínio sobre o mundo. O comércio consistia no envio de matéria prima das colônias para as

metrópoles.

Com a revolução industrial, os países colonizados continuaram a ser meros

fornecedores de matéria prima para serem transformados em produtos manufaturados nos

países industrializados.

O conhecimento da biotecnologia fez com que surgisse um novo modelo de

dominação que se renovou desde os tempos da colonização das Américas.

Shiva (2001) expõe ainda uma preocupação com a biotecnologia como instrumento de

dominação e critica o reconhecimento dos direitos de propriedade intelectual desenvolvido

com base no acordo geral sobre propriedade intelectual no âmbito da Organização Mundial do

Comércio, sugerindo que o sistema de patentes seria um novo instrumento de conquista e

exploração.

Segundo Shiva (2001, p.28), estes direitos de propriedade intelectual seriam ilegítimos

pelas seguintes razões: a) trata-se de apropriação indevida da biodiversidade e dos

conhecimentos tradicionais; b) a patente leva à presunção falsa de que o produto foi criado

pelo detentor do registro.

A ativista indiana entende que a violência e pilhagem praticadas por países

desenvolvidos são os novos instrumentos de dominação utilizados por àqueles países para

gerar riquezas e colonizar a natureza por meio de novas tecnologias (SHIVA, 2001, p.97).

Shiva (2001), como ativista que trabalha com as populações rurais pobres da Índia

(país em desenvolvimento), valoriza o que é construído pelo povo, e deseja que as riquezas

dos países em desenvolvimento não sejam objeto de cobiça e apropriação internacional, Shiva

(2001, p.92):

A biodiversidade é um recurso do povo. Enquanto o mundo industrializado e as sociedades afluentes deram as costas à biodiversidade, os pobres no Terceiro Mundo dependem continuamente dos recursos biológicos para obter comida, cuidar da saúde, extrair energia, fibras e construir moradias.

Demonstrando uma preocupação com o processo exploratório feito através da

biotecnologia e patentes a ambientalista indiana faz sua crítica quanto ao que chama de

ideologia do poder dominante e assim expõe: “Os que são explorados tornam-se criminosos,

os que exploram reivindicam proteção. O Norte tem que ser protegido do Sul para poder

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continuar seu roubo ininterrupto da diversidade genética do Terceiro Mundo” (SHIVA, 2001,

p.81).

O pensamento de Shiva (2001) revela uma realidade que ocorre com a biotecnologia e

registro de patentes, como o caso da biopirataria contra os índios Wapixana, objeto deste

estudo, no qual o químico Konrad Gorinsky extraiu a fórmula e composição química do

cunaniol (tradicionalmente utilizado pelos Wapixana) e registrou em três países como se fosse

invento seu.

Todavia, não se pode pensar que todo o sistema de propriedade intelectual seja um mal

ou um meio de apropriação da biodiversidade, como seria errado pensar que todo movimento

indigenista e ambientalista encobre interesses de bioprospecção.

Reitero o entendimento e a proposta de que a melhor solução seria a moralização e o

controle do registro de patentes, além de fomentar criação de mecanismos sociais, judiciais,

comerciais, que preservem a biodiversidade dos países e respeitem o conhecimento

tradicional de sua população, fomentem sua participação nos lucros dos produtos elaborados

com base no conhecimento tradicional.

Como medida preventiva pode-se adotar o cadastro de produtos da biodiversidade em

banco de dados nacionais, que, no caso do Brasil poderiam ser feitos pelo EMBRAPA ou

INPA, sendo que, além do produto, poder-se-ia anotar, em outra etapa, as populações

tradicionais que utilizam do produto da biodiversidade.

2.4 PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA

A proposta econômica no lugar da criminalização como medida de combate à

biopirataria ganha força no Princípio Penal da Intervenção mínima, também conhecido como

Subsidiariedade ou Princípio da “ultima ratio”, ou seja, segundo este princípio, o Direito

Penal deve ser insurgir apenas nos casos em que os demais ramos do Direito são insuficientes

para solucionar a questão.

Em outras palavras, quando o Direito Civil, Direito Constitucional, Direito

Econômico, por exemplo, for insuficiente para lidar com a prática da biopirataria, somente

assim deve-se pedir auxílio do Direito Penal.

Sobre o Princípio da intervenção mínima Nucci (2007, p.42-43) expõe:

(...) II – constitucionais implícitos: a) princípio da intervenção mínima (ou da subsidiariedade): quer dizer que o direito penal não deve interferir em demasia na vida do indivíduo, retirando-lhe autonomia e liberdade. Afinal, a lei penal não deve

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ser vista como a primeira opção (prima ratio) do legislador para compor os conflitos existentes em sociedade e que, pelo atual estágio de desenvolvimento moral e ético da humanidade, sempre estarão presentes. Há outros ramos do Direito preparados a solucionar as desavenças e lides surgidas na comunidade, compondo-as sem maiores traumas. O direito penal é considerado a ultima ratio, isto é a última cartada do sistema legislativo, quando se entende que outra solução não pode haver senão a criação de lei penal incriminadora, impondo sansão penal ao infrator. Como bem assinala Mercedes García Arán ‘o direito penal deve conseguir a tutela da paz social obtendo o respeito à lei e aos direitos dos demais, mas sem prejudicar a dignidade, o livre desenvolvimento da personalidade ou a igualdade e restringindo ao mínimo a liberdade’(Fundamentos y aplicación de penas y medias de seguridad en el Código Penal de 1995, p.36). Caso o bem jurídico possa ser protegido de outro modo, deve-se abrir mão da opção legislativa penal, justamente para não banalizar a punição, tornando-a, por vezes, ineficaz, porque não cumprida pelos destinatários da norma e não aplicada pelos órgãos estatais encarregados da segurança pública (...).

Ainda sobre o Princípio da intervenção mínima há decisões do Superior Tribunal de

Justiça que a admitem, conforme exemplifica Cunha (2009, p.11-12) citando uma dessas

decisões, que, por sua vez, citam precedentes e embasamento teórico do citado Princípio.

a) Desnecessidade de atuação do Direito Penal.

STJ/362 – Apropriação indébita. Princípio da subsidiariedade. A recorrente (uma contadora) comprometeu-se a desembaraçar a obtenção de benefício previdenciário devido à vítima. Para tanto, recebeu a quantia de quinhentos reais com o fito de quitar, junto ao INSS, contribuições atrasadas, o que, ao cabo, deixou de fazer. Também deixou de protocolar o próprio pedido administrativo para a concessão de auxílio-doença, obrigando a vítima a aguardar por mais um ano pelo benefício. Diante disso, viu-se denunciada e condenada pela prática da apropriação indébita (art. 168, §1º, III do CP). Isso posto, a Turma, ao continuar o julgamento e seguir o voto-vista do Min. Nilson Naves, entendeu, tal como o Tribunal de Justiça, que as relações aqui descritas bem podem ser resolvidas na esfera cível, pois o Direito Penal, tal como afirmou Roxin, é desnecessário quando se possa garantir a segurança e a paz jurídica através dos Direitos Civil e Administrativo, ou mesmo por medidas preventivas extrajurídicas. Assim, por maioria, a Turma não conheceu do recurso especial. O voto vencido da Min. Jane Silva dava provimento ao especial para restabelecer a sentença condenatória, ao entender que esse entendimento do Tribunal de Justiça não encontra amparo no ordenamento jurídico pátrio, visto que resultaria em efetiva e ilegal negativa de vigência ao citado artigo do CP. Precedentes citados: HC 36.985-MG, DJ 10/10/2005; HC 39.599-MG, DJ 25/5/2006, e HC 93.892-SP, DJ 30/06/2008. REsp 672.225-RS, Rel. originária Min. Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), Rel. para acórdão Min. Nilson Naves, julgado em 7/8/2008. (grifo do autor).

Bitencourt (2004, p.11-12), considera o princípio da intervenção mínima como um

limitador do poder incriminador do Estado ou mesmo do arbítrio do legislador.

O princípio de legalidade impõe limites ao arbítrio judicial, mas não impede que o Estado – observada a reserva legal – crie tipos penais iníquos e comine sanções cruéis e degradantes. Por isso, impõe-se a necessidade de limitar ou, se possível, eliminar o arbítrio do legislador. O princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado

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bem jurídico. Se outras formas de sansão ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada foram suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais. Por isso, o Direito Penal deve ser a ultima ratio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do Direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria sociedade. (...) Resumindo, antes de se recorrer ao Direito Penal deve-se esgotar todos os meios extrapenais de controle social. Apesar de o princípio da intervenção mínima ter sido consagrado pelo Iluminismo, a partir da Revolução Francesa, “a verdade é que, a partir da segunda década do século XIX, as normas penais incriminadoras cresceram `desmedidamente a ponto de alarmar os penalistas dos mais diferentes parâmetros culturais. (grifo do autor).

Havia um Projeto de Lei que pretendia alterar a Lei n¶ 9.605, de 12 de fevereiro de

1998 (Lei dos Crimes Ambientais) para quadruplicar a pena de prisão e multa para os crimes

contra a fauna cometidos por estrangeiros.

Trata-se do Projeto de Lei n. 4.225, de 06 de outubro de 2004 de autoria do ex-

Deputado Carlos Rodrigues. O referido projeto buscava alcançar atividades que se

enquadrariam no conceito de biopirataria, pois, a lei de crimes ambientais tipifica com o

crime a captura de animais silvestres sem a devida autorização.

A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos

Deputados, rejeitou o projeto no dia 17 de maio de 2006 a pedido do relator, o Deputado

Federal, José Sarney Filho, que também foi relator da Comissão Parlamentar de Inquérito

(CPI) da Biopirataria. A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável rejeitou na quarta-feira (17) o Projeto de Lei nº 4.225/04, de autoria do ex-Deputado Carlos Rodrigues. A proposta pretende alterar a Lei nº 9.605/98 (Crimes Ambientais) para quadruplicar a pena de prisão e a multa em crimes contra a fauna cometidos por estrangeiros. O alvo do projeto é a chamada biopirataria, já que a lei ambiental também qualifica como crime a captura de animais sem expressa autorização legal. A rejeição ao projeto foi pedida pelo relator, Deputado Sarney Filho (PV-MA). Na opinião dele, a elevação da pena para crimes como o de biopirataria não reduzirá esse tipo de infração. Um dos motivos, segundo o relator, é que a multa prevista no projeto é sempre inferior aos lucros da atividade ilegal. Cestas básicas Além disso, segundo o relator, a pena de prisão nem sempre é aplicada em crimes ambientais no País. "Mesmo que o estrangeiro venha a ser condenado, o que não é comum, a pena que recebe, geralmente, é de prestação de serviços à comunidade ou de distribuição de cestas básicas", disse Sarney Filho. Ele também questionou a juridicidade de outro ponto do projeto, que prevê a expulsão imediata do estrangeiro do País, após o cumprimento da pena. Segundo Sarney Filho, esse aspecto precisa ser mais bem analisado, pois o Brasil é signatário de convenções de direitos humanos que podem proibir esse tipo de punição. (...)14

14 DIALEX de 22 de maio de 2006, editora Consulex, Ano XXIV, ed. 96, Brasília, segunda-feira, 22 de maio de 2006. Fonte: Agência Câmara

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Segundo Sarney Filho, a elevação da pena não evitará a biopirataria, já que a multa

imposta ainda é bem inferior ao lucro obtido com a atividade ilícita. Além disso, conforme o

relator, a pena de prisão nem sempre é aplicada nos crimes ambientais, sendo substituídas por

“(...) prestação de serviços à comunidade ou distribuição de cestas básicas”.

Argumenta ainda que o Projeto de Lei n. 4.225/2004 ao prever a expulsão do

estrangeiro após o cumprimento da pena, pode contrariar convenções de direitos humanos, na

qual o Brasil é signatário.

Essa rejeição ao Projeto de Lei 4.225/2004 corrobora com a teoria da intervenção

mínima do direito penal, acima citado, pois o agravamento da pena não impediria o

cometimento do ilícito face os lucros obtidos na atividade ilegal.

Ainda que se estipule penas privativas de liberdade ao invés da restritivas de direito,

ou seja, ainda que se impute ao acusado de biopirataria o efetivo encarceramento, iria-se

ocupar ainda mais o sistema prisional do país, sem, contudo, um resultado comprovado na

diminuição do índice de ocorrências de crimes ambientais.

Referido Projeto de Lei foi submetido ao Plenário e a Comissão de Constituição e

Justiça, mas não foi aprovado, não ocorrendo à alteração da lei dos crimes ambientais nos

termos propostos.

2.4.1 Caráter fragmentário e subsidiário do direito penal

Pode-se defender a solução da biopirataria pela via economia em detrimento da via da

criminalização pelo caráter fragmentário e subsidiário do Direito Penal, que refletem o mesmo

conceito de intervenção mínima, subsidiariedade e ultima ratio, conforme Capez (2005, p.5-6,

19, 21): Caráter fragmentário do Direito Penal: caráter fragmentário quer dizer que o Direito Penal só pode intervir quando houver ofensa a bens fundamentais para a subsistência do corpo social. Caráter subsidiário significa que a norma penal exerce uma função meramente suplementar da proteção jurídica em geral, só valendo a imposição de suas sanções quando os demais ramos do direito não mais se mostrem eficazes na defesa dos bens jurídicos. Isso quer dizer que a sua intervenção no círculo jurídico dos cidadãos só tem sentido como único e último recurso para a proteção do bem jurídico. Esse caráter fragmentário conduz à intervenção mínima e subsidiária, cedendo a ciência criminal a tutela imediata dos valores primordiais da convivência humana a outros campos do direito, atuando somente em último caso (ultima ratio). O Direito Penal age apenas quando os demais ramos do direito e os controles formais e sociais tiverem perdido a eficácia e não forem capazes de exercer essa tutela. (...) e) Intervenção mínima: assenta-se na Declaração de Direitos do Home e do Cidadão, de 1789, cujo art. 8º determinou que a lei só deve prever as penas estritamente necessárias.

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A intervenção mínima tem como ponto de partida a característica da fragmentariedade do Direito Penal (...). A intervenção mímina tem, por conseguinte, dois destinatários principais. Ao legislador o princípio exige cautela no momento de eleger as condutas que merecerão punição criminal, abstendo-se de incriminar qualquer comportamento (...). Ao operador de Direito recomenda-se não proceder ao enquadramento típico, quando notar que aquele pendência pode ser satisfatoriamente resolvida com a atuação de outros ramos menos agressivos do ordenamento jurídico (...).

Outro argumento que corrobora para uma solução econômica para a questão da

biopirataria, está no fato de que a proteção isolada da biodiversidade sem a fiscalização

efetiva, contingente suficiente de pessoas nos órgãos ambientais, polícia federal e do meio

ambiente, orientação dos detentores de conhecimento tradicional, tente a aumentar a

clandestinidade, a usuarpação, pilhagem e não traz uma solução efetiva.

A título de comparação, o mesmo ocorre no caso de aumento de reservas e unidades

de proteção ambiental sem uma proteção efetiva e políticas públicas, conforme esclarece

Sachs (2000, p.68):

A multiplicação de reservas sem os meios necessários para a sua proteção autoderrotada. As pessoas retiradas das reservas ou impedidas de nelas entrarem para coletar os produtos florestais de que sempre dependeram consideram isso uma violação do seu direito à vida. Reagem invadindo essas reservas, que, deste modo, tornam-se em todos os sentidos áreas de livre acesso, res nullis presa fácil da pilhagem.

Apesar da criminalização ser uma hipótese plausível, em respeito ao princípio da

intervenção mínima, no presente trabalho, far-se-á uma exposição com predominância

econômica da questão.

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3 A IMPORTÂNCIA DA PRESERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE E DISCUSSÕES SOBRE A BIOPIRATARIA

Os países industriais do hemisfério norte têm a maior fonte de recursos, todavia menor

quantidade de recursos naturais e biodiversidade em relação aos países do hemisfério sul, em

desenvolvimento.

Diante dessa vantagem econômica, é grande a tendência de apropriação da

biodiversidade e dos conhecimentos de populações tradicionais dos países menos

desenvolvidos economicamente.

A biodiversidade de um país faz parte de seu patrimônio, de sua riqueza, sendo

importante preservá-la, pois, é fonte de medicamentos, produtos farmacêuticos, genéticos, etc.

Além de preservar essa riqueza da biopirataria é importante preservá-la do desenvolvimento,

isto é, do desenvolvimento desregrado, predatório.

Neste contexto, é importante analisarmos a ideia do desenvolvimento sustentável e de

algumas teorias elaboradas sobre o assunto.

Georgerscu-Roegen (1971) expõe sobre a lei da entropia em sua crítica da economia

convencional, sendo aplicável à denominada economia ecológica.

A lei da entropia foi adaptada pelo autor da teoria clássica da termodinâmica dos

processos próximos ao equilíbrio para o processo econômico, com manifestação empírica na

perda irrecuperável da matéria e energia útil, no sistema ecológico e também no processo

econômico.

Pode-se aplicar a entropia como lei-limite da natureza que permite enfrentar a

“resistência em reconhecer nossas limitações em relação ao espaço, ao tempo, à matéria e à

energia” e a busca por uma fonte de energia inesgotável que propiciaria o crescimento sem

limites (Georgescu-Roegen, 1971). Essas questões serão retomadas e abordadas adiante.

3.1 ENTENDENDO O TERMO DESENVOLVIMENTO

A ideia de desenvolvimento de forma sustentável surgiu nas sociedades organizadas

de forma paulatina.

É importante ressaltar que desenvolvimento não se confunde com crescimento

econômico e segundo Veiga (2008), o primeiro tem três diferentes focos:

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a) o primeiro foco trata do desenvolvimento como crescimento econômico que na

época das Grandes Navegações, no século XVI era buscado pelas metrópoles através de suas

colônias.

A medida do desenvolvimento, sob este primeiro contexto, atualmente se daria através

de índices, como Produto Interno Bruto (PIB).

b) o segundo foco trata do desenvolvimento como uma ilusão, utopia, crença, mito ou

mesmo manipulação ideológica.

c) o terceiro foco relaciona desenvolvimento com qualidade de vida, inovando-se e

diferenciando-se das referências e dos índices até então aplicados para constar o nível de

desenvolvimento dos países.

Constatou-se que o crescimento econômico de alguns países semi-industrializados ou

em desenvolvimento, durante a década de 1950 não refletiu em maior capacidade aquisitiva

de bens por suas populações mais pobres, tampouco, em redução de taxas de analfabetismo ou

maior acesso aos serviços de saúde. Esses dados estimularam reflexões sobre o tema.

Assim, O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) lançou o

primeiro relatório de Desenvolvimento Humano em 1990, dele constando o “Índice de

Desenvolvimento Humano” (IDH), que é uma forma de evitar o uso exclusivo do critério

econômico (segundo foco), como sinônimo de desenvolvimento sustentável.

Pode-se dizer que o IDH demonstra a diferença entre rendimento e bem estar.

O PNUD publica anualmente, desde 1990, um Relatório sobre Desenvolvimento

Humano.

O desenvolvimento, sob este terceiro prisma, vai além do crescimento econômico,

englobando outras informações como expectativa de vida, mortalidade infantil, acesso à saúde

e educação, dentre outros indicadores de qualidade de vida.

Neste sentido exsurge da obra de Veiga (2008, p.85):

Na concepção de Sen e de Mahbud, só há desenvolvimento quando os benefícios do crescimento servem à ampliação das capacidades humanas, entendias como o conjunto das coisas que as pessoas podem fazer, na vida. E são quatro as mais elementares: ter uma vida longa e saudável, ser instruído, ter acesso aos recursos necessários a um nível de vida digno e ser capaz de participar da vida da comunidade.

Assim, o Prêmio Nobel Amartya Sen aperfeiçoou e contribuiu com o Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e seu Índice de Desenvolvimento Humano

(IDH), sendo que o Relatório sobre o Desenvolvimento Humano, do PNUD (Programa das

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Nações Unidas para o Desenvolvimento), de 2004 aduz que as pessoas são as verdadeiras

riquezas das nações.

O mencionado Relatório sobre o Desenvolvimento Humano de 2004 enfatiza que o

desenvolvimento depende da maneira como os recursos gerados pelo crescimento econômico

são utilizados – se para fabricar armas ou para produzir alimentos, se para construir palácios,

obras “faraônicas” ou fornecer água potável, além de fatores que independem de rendimento

como igualdade entre homem e mulher, participação política, etc.

O relatório sobre o desenvolvimento humano de 2004 apresenta grande quantidade de

indicadores em seu índice (33 quadros e quase 200 indicadores), sendo bastante abrangente.

Em 1991 o PNUD criou um índice da liberdade humana e em 1992 um índice de

liberdade política, porém não durou um ano, em vista a dificuldade de quantificar

adequadamente estes aspectos do desenvolvimento, face sua complexidade.

Os índices da liberdade humana e liberdade política da PNUD, portanto, em sua forma

original, caíram em desuso, todavia não foram esquecidos, mas tradados de forma mais

extensivas nos relatórios de desenvolvimento humano da PNUD dos anos posteriores.

Assim, em 2002 o Relatório dedicou-se ao tema democracia e em 2004, ao tema da

liberdade cultural.

Segundo Sachs (2000), desenvolvimento e direito humanos ganharam destaque na

metade do século XX, para superar as lembranças da Grande Depressão (1929) e da Segunda

Guerra Mundial.

O já citado autor propõe que a conscientização ambiental é mais recente, apesar de

parcialmente atribuída ao efeito produzido pela bomba atômica de Hiroshima e a descoberta

de que a humanidade alcançara poder tecnológico suficiente para destruir o planeta.

3.2 ENTENDENDO A SUSTENTABILIDADE

São três as teses que procuram explicar a sustentabilidade, sendo as duas primeiras

totalmente antagônicas e a terceira um meio termo.

a) Primeira tese – uma fábula panglossiana - considera a conservação ambiental e o

crescimento econômico passíveis de serem aplicados conjuntamente, sem atritos.

O crescimento econômico só prejudicaria o meio-ambiente até um determinado

patamar de riqueza aferida, pela renda per capita. A partir daí, o crescimento passaria a

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melhorar a qualidade ambiental. (nesse sentido, há a seguinte tese macroeconômica “fazer o

bolo crescer para depois distribuí-lo melhor”, cujo maior expoente no Brasil é Antônio Delfim

Neto).

Ilustra esta tese a “curva ambiental de Kuznets” (Simon Kuznets), por analogia à curva

em “U” invertido proposta em meados dos anos 1950 pelo terceiro ganhador do prêmio Nobel

de Economia, em 1971 (esta diz que o desenvolvimento faz-se inicialmente à custa do

aumento das desigualdades sociais, mas a coesão surge depois de consolidado o

desenvolvimento).

Figura 1 - Curva de Kuznets Ambiental Fonte: CARVALHO, Terciane Sabadine; ALMEIDA, Eduardo. A hipótese da curva de Kuznets ambiental global: uma perspectiva econométrico-espacial. Estud. Econ., São Paulo, v. 40, n.3, Set. 2010.

Segundo esta teoria, o desenvolvimento faz-se inicialmente em prejuízo ao meio

ambiente, mas a coesão surge após consolidado o desenvolvimento, ou seja, chegar-se-ia ao

equilíbrio ambiental.

Sobre a teoria de Kuznets e a curva ambiental em “U” invertido dispõem Arraes; Diniz

e Diniz (2006, p.525-547):

A relação entre crescimento econômico e distribuição da renda pessoal em formato de “U–invertido”, observada inicialmente por Kuznets (1955) para os EUA, Grã-Bretanha e Alemanha, tem sua explicação fundamentada essencialmente no diferencial de rendimentos na transição de uma economia agrícola para uma

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economia industrial, como reflexo da diferença dos produtos marginais do trabalho entre os dois setores. A idéia básica era que a distribuição de renda tem que ser pensada como uma combinação da distribuição de renda da população rural e urbana, onde esta última, apesar de deter uma renda média mais alta, apresenta maior concentração do que a primeira (...). (...) na década de 1990 surgiram várias evidências empíricas em contrário ensejando, por sua vez, explicações teóricas que sustentavam formatos da relação entre desigualdade e crescimento diferentes daquela prevista por Kuznets. Apesar dessa controvérsia, também na década de 1990, a curva de Kuznets passou a ser referência para explicar a relação de como a poluição ambiental em suas várias formas evolui em razão do crescimento econômico. O formato da curva é explicado através de dois argumentos. A porção ascendente reflete o progresso natural do desenvolvimento econômico, passando-se de uma economia agrária “limpa” para uma economia industrial “poluída” e para uma economia de serviços “limpos” (Arrow et al, 1995). Enquanto a porção descendente seria o mecanismo das economias desenvolvidas (...). exportarem processos de produção intensivos em poluição para economias menos desenvolvidas (Suri; Chapman, 1998). Daí, alguns autores, como Beckerman (1992), defenderem que, ao longo do processo de crescimento, a melhor, senão a única, maneira para se atingir qualidade ambiental na maioria dos países é tornando-se rico.

O indicado caminho da qualidade ambiental amparado na riqueza do país se deu pelo

entendimento de que a capacidade econômica de investimento em ciência e tecnologia seria

suficiente para criar novas fontes de energia, energia limpa e combater à poluição gerada.

Figura 2 - A curva ambiental de Kuznets (The environmental Kuznets curve) Fonte: Disponível em <http://450.aers.psu.edu/development_environment. cfm>. Acesso: 23 maio 2010.

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Figura 3 - curva de Kuznets e o meio ambiente. Fonte: Disponível em <http://hastaporahinomas.blogspot.com/2008/09/la-curva-de-kuznets-

medioambiental.html>. Acesso em: 09 out.2011.

Em maio de 1995 foi lançado um periódico científico de economia: o The

Quarterly Journal of Economic(“QJE s), com algumas páginas que abordam a relação

crescimento econômico e meio ambiente (p.353-77).

No citado periódico, Gene M. Grossman e Alan B. Krueger (“Economic growth and

the environment”. The quarterly Journal of Economic, v..11, n.2, p.353-77, maio, 1995; “Ten

Inverted-U: What does it mean?” Environment and Development Economics, 1996, (1): 119-

22) examinando a relação entre o comportamento da renda per capita e os quatro tipos de

indicadores de deterioração ambiental (poluição atmosférica urbana, oxigenação de bacias

hidrográficas, contaminação fecal e por metais pesados) concluem que as fases de desgraça e

recuperação ambiental estariam separadas por um ponto de mutação que se situaria em torno

de 8 mil dólares de renda per capita.

b) Segunda tese – uma fatalidade entrópica – entende que o desenvolvimento

fatalmente resulta em deterioração ambiental. Tem como expoente Nicholas Georgescu-

Roegen (GEORGESCU-ROEGEN, Nicholas. “The entropy law and the economic problem”.

In Herman Daly (ed) Toward a steady-state economy. S. Francisco: Freeman, 1973), que

defendia a tese desde 1971, tendo lançado o alerta sobre o inexorável aumento da entropia

(energia livre e presa).

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O referido economista usou conceitos da termodinâmica para explicar sua tese,

assinalando que as atividades econômicas gradualmente transformam energia em formas de

calor tão difusas quanto inutilizáveis.

Segundo Georgescu (1971), a energia está sempre em transição, inicialmente

disponível, passa para não disponível, pois, uma vez utilizada, parte da energia de baixa-

entropia (livre) se torna de alta entropia (presa). Para atingir um equilíbrio, a humanidade tira

da natureza os elementos de baixa entropia para compensar a alta entropia que causa.

O crescimento econômico exigiu a extração da baixa entropia contida no carvão e no

petróleo (combustíveis fósseis).

No entendimento de Georgescu (1971), um dia a humanidade voltará a explorar de

maneira mais direta a energia solar (pode-se acrescentar também outras fontes, como energia

eólica). O que não implica em contrariar o segundo princípio da termodinâmica, o que um dia

exigirá a superação do crescimento econômico.

O autor acredita ainda que em dado momento a humanidade deverá apoiar a

continuidade de seu desenvolvimento na retração, isto é, com decréscimo do produto, em um

caminho inverso do percorrido nos últimos dez mil anos.

Denota-se, neste contexto, uma visão de retração. O economista entende o crescimento

como encurtamento de expectativa de vida da espécie humana que estaria fadada a um

período curto, porém excitante, com o conforto que o desenvolvimento traz.

Segundo Veiga (2008, p.112), Georgescu morreu sob descrédito em 1994, todavia,

suas idéias continuam orientando programas de pesquisa:

(...) Até referências a Gerogescu pasaram a ser evitadas a partir de 1976, quando o paradigmático manual pedagógico de Paul Samuelson, Economia, dedicou meia dúzia de linhas para avisar que o autor do célebre Analytical Economics (Harvard University Press, 1967) se embrenhara pela obscura ecologia, uma disciplina que, naquela conjuntura, ainda era tão suspeita para os economistas quanto à quiromancia.

c) Terceira tese – conotação política - um ponto de equilíbrio entre as duas primeiras –

Desde 1987 a expressão “desenvolvimento sustentável” começou a se legitimar e

institucionalizar, sendo referido como “conceito político” e “conceito amplo para o progresso

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econômico e social” em um relatório elaborado por Gro Harlem Brundtland15, então

presidente da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento.

Este relatório apresentado em 1987, perante a Assembléia Geral da ONU, intitulou-se

“Nosso futuro Comum”, foi um documento político que procurava alianças para a

concretização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento

que ocorreria em 1992 no Rio de Janeiro – a “Rio-92”.

O surgimento da expressão em sua conotação política nasceu de um debate na década

de 1960 (principalmente americano), que polarizou o “crescimento econômico” versus

“preservação ambiental” aliados ao temor da “explosão demográfica”, da guerra nuclear e os

testes nucleares.

O economista Robert M Solow ganha o prêmio Novel em 1987, pela sua contribuição

à teoria do crescimento econômico (mesmo ano do Relatório Brundtland). Em sua teoria a

natureza jamais seria sério obstáculo à expansão.

Para Solow (2000), qualquer recurso natural limitado na biosfera ao processo

produtivo, acabará sendo substituído com a ajuda da tecnologia e das invenções.

Por novas invenções, pode-se citar como exemplo, a substituição de recursos não

renováveis, como energia advinda de carvão e petróleo por energia limpa oriunda dos ventos e

luz do sol (eólica e placas solares).

Destes conceitos, denota-se que os produtos que não agridem o meio-ambiente tem um

valor agregado à sua produção, sendo este um valor acrescido pelos gastos com pesquisas e

tecnologia para sua produção que tenham ao mesmo tempo qualidade e não agridam as fontes

renováveis.

Nesse sentido, Benchimol (2001, p. 21) enfatiza que foi a partir da conferência de

Estocolmo de 1972, que criou-se através da conferência das Nações Unidas o novo conceito

de que os países deveriam incorporar aos seus bens e produtos valores e padrões não apenas

econômicos, mas também ambientais, sociais e políticos.

São os denominados produtos verdes, que exigem custos maiores e, muitas vezes

menor produtividade e nem sempre os mercados aceitam pagar, pois, essas despesas não

conseguem, em regra ser repassadas ao consumidor.

15Our Commom future, Gro Harlem Brundtland (org.), Oxford University Press, 1987.

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Os produtos orgânicos ou biológicos têm sempre elevados preços, pois demandam

maiores gastos em pesquisa, ciência, extensão, invenção, tecnologia e habilidade maior para

descobrir técnicas menos agressivas e mais brandas para não ferir os parâmetros

ambientalmente corretos.

Segundo Benchimol (2001), essa questão dos valores agregados aos produtos verdes

procura distinguir o processo de crescimento que significa ficar maior, para desenvolver e

ficar melhor. Ou seja, produção em desenvolvimento poderá ficar maior, porém melhor,

menos agressiva, incorporando valores extra-econômicos como sociais, biológicos, físicos,

políticos, sociais e éticos.

A preservação da capacidade produtiva para futuras gerações exigirá mudanças

importantes na maneira de se medir o desempenho das economias, incorporando cálculo dos

PIBs E PNBs “verdes”, que Solow (2000) prefere chamar de produtos interno ou nacional

“líquido”.

3.3 SUSTENTABILIDADE ECOLÓGICA

Desenvolvimento sustentável é o processo que melhora as condições de vida das

comunidades humanas, e, ao mesmo tempo, respeita os limites da capacidade de carga dos

ecossistemas. União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais

(IUCN 1991)).

São cinco as dimensões do ecodesenvolvimento, segundo Sachs (1993): a)

Sustentabilidade social; b) Sustentabilidade econômica; c) Sustentabilidade ecológica; d)

Sustentabilidade espacial; e) Sustentabilidade cultural.

Sobre a sustentabilidade social, o autor informa que é aquela baseada em um tipo de

desenvolvimento baseado em um crescimento orientado por uma visão do que é bom para a

sociedade, com objetivo de construir uma civilização do “ser” com maior equidade e

distribuição do “ter”, da renda com redução das desigualdades sociais.

A sustentabilidade econômica visa uma gestão mais eficiente dos recursos com fluxo

regular do investimento público e privado através da superação de certas condições externas e

fatores negativos como relações adversas de troca, barreiras protecionistas de países

industrializados, limitações de acesso à ciência e tecnologia.

A sustentabilidade ecológica pode ser fomentada com alguns mecanismos citados por

Sachs (1993):

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1. “aumento da capacidade de carga da Espaçonave Terra por meio da engenhosidade”, ou, em outras, palavras, intensificar o uso dos recursos potenciais dos vários ecossistemas com um mínimo de dano e com propósitos socialmente aceitos. 2. Limitação do consumo de combustíveis fósseis e outros recursos esgotáveis ou prejudiciais ao meio ambiente substituindo pelas denominadas “fontes limpas” Sustentabilidade espacial – voltada para a uma configuração rural – urbana mais equilibrada e a uma melhor distribuição territorial de assentamentos humanos e atividades econômicas, com ênfase nas seguintes questões: a) concentração excessiva nas áreas metropolitanas; b) destruição de ecossistemas frágeis, mas vitalmente importantes, por processos de colonização descontrolados; c) promoção de projetos modernos de agricultura regenerativa e agroflorestamento, operados por pequenos produtores, proporcionando para isso o acesso a pacotes técnicos adequados, ao crédito e aos mercados; d) ênfase no potencial para industrialização descentralizada, associada a tecnologias de nova geração (especialização flexível), com especial atenção às indústrias de transformação de biomassa e ao seu papel na criação de empregos rurais não-agrícolas; nas palavras de papel na criação de empregos rurais não-agrícolas; nas palavras M.S. Swaminathan, “uma nova forma de civilização, baseada no uso sustentado de recursos renováveis, não é apenas possível, mas essencial” (in MCNEELY et al. p.10); e) estabelecimento de uma rede de reservas naturais e de biosfera para proteger a biodiversidade. Sustentabilidade cultural - Em busca das raízes endógenas dos modelos de modernização e dos sistemas rurais integrados de produção, privilegiando processos de mudança no seio da continuidade cultural e traduzindo o conceito normativo de ecodesenvolvimento em uma pluralidade de soluções particulares, que respeitem as especificidades de cada ecossistema, de cada cultura e de cada local.

Leff (2006, p.202) analisando a entropia, o desenvolvimento sustentável ressalva a

importância de buscar uma produtividade ecotecnológica. A construção de sociedades sustentáveis significa a necessidade de construir um paradigma de produtividade ecotecnológica – incluindo sua expressão nas teorias e práticas agroecológicas e agroflorestais - , capaz de transformar a racionalidade econômica dominante através da ativação de novos princípios produtivos fundados na produtividade ecológica sustentável do planeta. Além dos mecanismos compensatórios propostos pelo Protocolo de Kioto, essa nova racionalidade produtiva, partindo do potencial fotossintético do planeta e da produtividade neguentrópica da biomassa, seria capaz de absorver os excedentes de produção de gases de efeito estufa gerados pelo processo econômico que, guiado por sua inércia de crescimento e por sua incapacidade de submeter-se às condições de equilíbrio ecológico, acelera a marcha em direção à morte entrópica do planeta. Isso leva à necessidade de se avaliar o potencial para sustentar uma população humana que muito possivelmente chegará a 12 bilhões ao longo deste século, sem acelerar as tendências ao esgotamento dos recursos não renováveis, o incremento da contaminação dos serviços ambientais e da emissão de gases de efeito estufa com seus efeitos no aquecimento global do planeta.

Dentre os mecanismos compensatórios propostos pelo Protocolo de Kioto encontram-

se o crédito de carbono. Assim os países que não possuem mais grandes áreas ecológicas para

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preservar ou tenham maior dificuldades em reduzir seus índices de poluição, podem adquirir

créditos em prol do meio ambiente mundial.

O processo neguentrópico (entropia negativa)16 está relacionado à matéria vegetal,

biológica e ecológica, sendo a fotossíntese seu processo mais significativo, conforme Leff

(2006, p.198-202):

A fotossíntese é o processo neguentrópico mais significativo pra a construção de uma bioeconomia como um paradigma positivo fundado no potencial produtivo da natureza. Mesmo sendo certo que a fotossíntese do planeta Terra não reverte a entropia global do universo, é determinante na dinâmica ecológica da biosfera, incluindo o processo econômico. (...) A produção de entropia em qualquer organismo vivente na terra – a morte entrópica em qualquer organismo vivente na terra – a morte entrópica de cada indivíduo – assim como a morte entrópica do universo correspondem a processos diferenciados em escala, tempo e significado em relação à formação neguentrópica de biomassa através da fotossíntese. (...) Devemos, pois, distinguir entre o processo neguentrópico pelo qual se forma a matéria vegetal de outros processos de auto-organização biológica e ecológica – a evolução biológica, a sucessão ecológica, o metabolismo dos organismos vivos -, e diferenciá-los dos processos técnicos industriais que degradam a energia útil disponível e geram alta entropia em forma de calor, contaminação e dejetos. Nos sistemas ecológicos, uma maior ordem, complexidade e estabilidade se associa à produção ecológica, enquanto os sistemas tecnológicos aparecem como produtores de entropia apesar de suas possíveis retroalimentações cibernéticas e da reciclagem de materiais e energia. Se os sistemas tecnológicos tendem a maximizar a degradação entrópica, os sistemas ecológicos funcionam como ordem produtiva neguentrópica. (...) A questão fundamental na perspectiva de se alcançar um estado de sustentabilidade da vida e da produção no planeta Terra está no equilíbrio entre a formação neguentrópica da biomassa e na degradação da massa e energia nos processos metabólicos dos seres vivos, das cadeias tróficas dos ecossistemas e na transformação tecnológica nos processos produção. (...) Para dar bases teóricas e operativas a esse novo paradigma produtivo é necessário construir o conceito de produtividade ecotecnológica a partir dos sentidos do conceito de entropia no campo da bioeconomia e das estruturas dissipativas. (...) Isso levaria à criação de um novo paradigma de produção que incorpora tanto as condições entrópicas de um todo processo de transformação de massa e energia como o processo neguentrópico de formação de biomassa a partir dos processos fotossintéticos da biosfera, para basear neles uma produção sustentável de valores de uso para satisfazer necessidades humanas culturalmente diferenciadas. Esse fato foi evitado tanto pela ecologia – mais preocupada com a produtividade primária dos ecossistemas, a conservação da biodiversidade, os processos de desflorestamento, a emissão e diluição dos gases de efeito estufa – como pela bioeconomia – preocupada com a degradação entrópica do processo econômico – e pela economia ecológica, interessada em atribuir preços às funções de sumidouro das matas.

Essa busca por um novo paradigma produtivo denominado “produtividade

ecotecnológica” leva a uma reflexão sobre as falhas das pesquisas ecológicas e bioeconômicas

em formar esse novo paradigma de sustentabilidade.

16 Neguentropia pode ser definido como entropia negativa, como função que representa o grau de ordem e de previsibilidade existente num sistema.

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4 LEGITIMIDADE PARA TRATAR DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS DOS ÍNDIOS E DEFESA DOS SEUS DIREITOS

Poder-se-ia questionar como seriam feitos acordos com grupos indígenas detentores de

conhecimentos tradicionais? Como fomentar a cooperação dos indígenas em pesquisas

envolvendo a bio-sóciodiversidade se não são sujeitos de direito? Como proceder se os índios

não têm capacidade civil?

A resposta encontra-se disciplinada na Constituição Federal de 1988, no seu artigo 231

que confere à União a tutela dos seus bens e direitos e no artigo 232 que reconhece a

legitimidade das comunidades indígenas para ingressar em juízo com obrigatoriedade de

intervenção do Ministério Público em todos os atos.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. (...) Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.

Extrajudicialmente os direitos indígenas podem ser tutelados através de Órgãos da

Administração Pública Indireta vinculados à União como a Fundação Nacional do Índio

(FUNAI). Judicialmente, a Procuradoria Federal, Órgão da Advocacia Geral da União, tem a

legitimidade para propiciar o atendimento jurídico aos indígenas do Brasil.

Procuradoria realiza mais de 400 atendimentos jurídicos aos indígenas do Amazonas 26 de Janeiro de 2011 Balanço realizado pela Procuradoria Federal no Estado do Amazonas (PF/AM), órgão da Advocacia-Geral da União, mostra que, nos últimos três meses, mais de 400 atendimentos jurídicos foram realizados aos indígenas do Amazonas. O atendimento nesse período faz parte de um termo de cooperação técnica firmado entre a Procuradoria, a Defensoria Pública do Estado e da União e a Secretaria Estadual de Povos Indígenas (Seind) para possibilitar atendimento jurídico gratuito aos indígenas da região. Entre as demandas mais comuns estão assuntos referentes a homicídios, lesões corporais, pensões alimentícias, benefícios previdenciários que envolvem aposentadoria e pensão por morte indígena, além de questões fundiárias. Para a procuradora federal Eliane de Almeida Seffair, que presta atendimento jurídico aos indígenas, "uma das maiores conquistas proporcionadas pelo

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atendimento jurídico centralizado é a redução das distâncias e as facilidades oferecidas pela Seind" (ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, 2011).17

4.1 EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO SOBRE OS ÍNDIOS E O MEIO AMBIENTE

O art. 4º do Estatuto do Índio, Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, considera os

índios como grupos isolados, em vias de integração e integrados. Nesse prisma, visualiza-se

os índios como uma comunidade em transição do isolamento à integração onde se tem a ideia

que a etapa final de integração representa o fim de cada cultura indígena ou dos próprios

grupos.

A Constituição Federal de 1988 trouxe o reconhecimento de multietnicidade e

pluralidade cultural, ou seja, reconheceu-se o direito de ser diferente e de ter esta diferença

respeitada.

O direito à diferença cultural foi corroborado pelas disposições da Agenda 21 (Rio,

1992) e pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O elo entre a tutela do meio ambiente e a proteção da pessoa humana, (índios e não

índios) está representado e estipulado na Carta Magna, em seu artigo 225: “Todos têm direito

ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à

sadia qualidade de vida (...)”.

Referido dispositivo constitucional relaciona a importância da tutela ao meio ambiente

com a sadia qualidade de vida.

O meio ambiente é concebido com bem do povo que deve ser tutelado para que seja

preservado para presentes e futuras gerações. O direito dos índios serem diferentes e serem

respeitados por estas diferenças não implica em inferioridade de direito, ao contrário, não se

poder negar-lhes os direitos inerentes a qualquer cidadão brasileiro ao mesmo tempo que

deve-se respeitar e garantir-lhes diversos direitos face suas peculiaridades.

17 Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/noticias/ultimas_noticias/2011/01/procuradoria-realiza-mais-de-400-atendimentos-juridicos-aos-indigenas-do-amazonas/?searchterm=SECRETARIA INDÍGENA>. Acesso em: 01 abr.2011.

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4.2 OUTRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS INDÍGENAS

Como já exposto, o conhecimento tradicional da biodiversidade pode representar

grande economia de tempo e de dinheiro em pesquisas com medicamentos, com cosméticos.

Fonseca (2003) observa que possivelmente estes conhecimentos tradicionais dos

povos indígenas e outras populações tradicionais sobre a fauna e flora não incluem

substâncias derivadas dos fungos e bactérias.

O referido autor não cita referências científicas, todavia, sua observação é coerente,

pois, o conhecimento tradicional dos povos indígenas, em regra, é advém de várias gerações

passadas, com observações e experimentos de produtos da natureza, sem uso de equipamentos

de laboratório como microscópios, microscópios eletrônicos, etc. (Fonseca, 2003):

Todos que conhecem, ou pelo menos tiveram um contato mais próximo com a vida e a cultura do hinterland amazônico, sabem que a única esperança de cura para os males que atingem os desassistidos habitantes do interior da Amazônia, são as plantas e o conhecimento dos pagés, raizeiros e benzedeiras. Vêm deles, que acumulam grande parte do conhecimento das populações indígenas e tradicionais, a quase totalidade das indicações sobre essas substâncias, embora, no caso de fungos e bactérias, talvez essa afirmativa não seja verdadeira, já que os habitantes seculares da região, nunca tiveram muita intimidade com o uso de organismos microscópicos.

4.3 CONTRAPONTO ACERCA DA BIOPIRATARIA, CONHECIMENTOS TRADICIONAIS E PROPRIEDADE INTELECTUAL SEGUNDO OZÓRIO JOSE M. FONSECA

Conforme Fonseca (2003), não obstante o potencial farmacológico do bioma

amazônico, há um discurso político, emotivo e místico acerca do poder terapêutico das

plantas amazônicas.

O resgate histórico das discussões sobre este tema, ocorridos sob influência emotiva ou político-ideológica, mostra que só se conseguiu produzir argumentos voltados para afirmações míticas e místicas sobre o poder terapêutico das plantas amazônicas. E assim, de equívoco em equívoco, foi se construindo um binômio filosófico-imaginário, que atribui um poder miraculoso aos chás e infusões, difícil de ser cientificamente comprovado.

Para o autor, apesar de reconhecer a problemática da falta de regulamentação

específica sobre acesso e uso do patrimônio biológico genético e do conhecimento tradicional

associado, faz um contraponto no sentido de que muitos produtos tradicionalmente utilizados

carecem de uma comprovação científica sobre sua eficácia.

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Em outras palavras, não poderia todo chá, infusão ou ervas tradicionalmente utilizados

ser reconhecidos como produtos terapêuticos, sem que haja comprovação científica da

eficácia dos mesmos. (FONSECA, 2003):

(...) É claro que a ciência mantém uma grande expectativa sobre os organismos amazônicos e, no caso de medicamentos, os olhares têm um brilho de esperança maior, quando se direcionam para os microorganismos. Ainda que não se tenham comprovações inequívocas, acredita-se que muitos organismos amazônicos produzem princípios ativos, potencialmente eficazes no tratamento de certas patologias.

Em outra abordagem, Fonseca (2003) aponta a importância de associar os

conhecimentos tracionais à ciência e a tecnologia.

No entanto, para que essas substâncias bioativas, (diga-se, de passagem, quase todas tóxicas), sejam incorporadas a fórmulas de medicamentos com aceitação mundial, é necessária a participação de um enorme contingente de cientistas, executando pesquisas de elevadíssimo nível científico e tecnológico, com garantia de financiamento de longo prazo. O fato é que, para produzir um medicamento que figure nas farmácias do mundo, são necessários 20 a 30 anos de pesquisa, e um investimento cujo montante varia de algumas centenas de milhões a cerca de um bilhão de dólares.

Sobre esse prazo estimado para a produção de medicamentos, reitero (conforme já

exposto) que o mesmo pode ser reduzido através de informações de detentores de

conhecimentos tradicionais da biota amazônica, conforme já exposto, pois a pesquisa partiria

dos produtos que são tradicionalmente usados, ao invés de buscar-se aleatoriamente pela

natureza um princípio ativo.

Em suas ponderações, Fonseca (2003) afirma a necessidade de separar a discussão

científica acerca da apropriação de conhecimentos tradicionais, dos discursos políticos,

emocionais.

Para muitos, é difícil entender as razões que levam o noticiário da mídia e algumas entidades ambientalistas a fazerem uma conexão direta e determinística entre plantas e remédios, entre saúde e biota amazônica, entre recursos biológicos e indústria farmacêutica. Essa distorção equivocada, além de sugerir uma única utilidade para os organismos ainda aduba o terreno para a proliferação de discussões emocionais e ideológicas, que são extremamente perigosas e totalmente inadequadas para o equacionamento correto do problema. Essa passionalidade que surge nos debates sobre a prática de biopirataria, acaba por direcionar, via de regra, uma parcela de culpa para as instituições oficiais de ensino e pesquisa, mais especificamente para os cientistas e pesquisadores que nelas trabalham. Isso, além de revelar um evidente despreparo intelectual dos denunciantes e constituir uma calúnia injuriosa e maledicente, ainda faz ressurgir uma prática que se julgava definitivamente abolida, pelo menos nos meios intelectualizados: de o denunciado ter que provar sua inocência.

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Essas ponderações feitas pelo autor, também serve de alerta para que não se trate toda

pesquisa envolvendo o bioma nacional como potencial caso de biopirataria. Pode ocorrer que

a falta de tecnologia e número insuficiente de profissionais qualificados, justifiquem a

necessidade de envio de material para laboratórios localizados no exterior, conforme Fonseca

(2003):

Na Amazônia, especialmente, onde as instituições ainda estão inadequadamente instrumentalizadas5, e o número de pesquisadores qualificados é insuficiente para atender a demanda por conhecimento científico6, a solução mais inteligente é promover o fortalecimento delas, seja através da divulgação de sua importância, seja procurando incentivar o estabelecimento de convênios, acordos, e parcerias nacionais e internacionais. A sociedade precisa saber que a atividade de pesquisa envolve, obrigatoriamente, a remessa de amostras para o exterior, onde laboratórios modernamente equipados, sem similar no Brasil fazem, rotineiramente, análises sofisticadas, imprescindíveis para resolver problemas científicos de importância vital. Para entender bem essa questão, é preciso lembrar que, felizmente, a ciência foi a primeira atividade humana globalizada e que, graças a isso, o conhecimento flui pelo mundo para ser, paulatinamente, aperfeiçoado. Essa agregação de saberes é que permite o surgimento de inovações tecnológicas, que resolvem os problemas de infra e super estrutura, até mesmo dos países sem muita ciência e tecnologia. Cientistas, pesquisadores e diretores de instituições oficiais de ensino e pesquisa são servidores públicos com responsabilidade pessoal e social, que não usam (salvo raríssimas exceções) meios escusos para exercer a honrosa missão (...).

Essas ponderações não significam que o autor não aceita e problemática da

biopirataria, mas apenas faz uma ressalva para não se chegar a extremismos ou xenofobismos

de tratar toda pesquisa que envolva atividades no exterior como ato de biopirataria. Toda

pesquisa deve ter respeitada a propriedade intelectual.

A problemática da apropriação indevida do conhecimento tradicional é real, ainda que

se deixem os extremismos de lado, deve-se ter cautela e fiscalização, mas na medida justa.

Nesse sentido Fonseca (2003) elucida:

É clara a necessidade de incrementar a fiscalização nos aeroportos de forma a poder apreender, se possível, todo o material biológico indevidamente retirado dos nossos sistemas naturais. O que não se deve é transformar cada prisão de acusados, contraventores ou criminosos, em uma verdadeira histeria de políticos da turma do “eu acho”, que se aproveita desses fatos para inflamar seus eleitores, sabendo que isso toca, profundamente, o ufanismo inculto e provoca arroubos de patriotismo insano.

Há de se proteger o bioma e o patrimônio genético, mas “sem patriotismos insanos”

nas palavras de Fonseca (2003), e sim, com uma fiscalização séria, capacitada, treinada, tendo

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apoio dos órgãos governamentais e conhecimento científico, bem como o uso de tecnologia.

Exemplifica Fonseca (2003):

No rio Negro, aqui usado como exemplo emblemático, existe, de forma abundante, uma espécie de bactéria denominada Chromobacterium violaceum, que foi um dos primeiros organismos a terem seu genoma eterminado no Brasil. Sua importância está ligada à produção de violaceina, uma substância bioativa altamente promissora, que está sendo objeto de estudos avançados para sua utilização como antibiótico e na terapia de algumas outras patologias. Um estudo sobre sua incidência natural, realizado em 1976, revelou que essa espécie representava, aproximadamente, 60% da microflora bacteriana do rio Negro, e esse trabalho foi apresentado na XXIXª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, realizada em São Paulo, em 1977. Esse dado biológico da maior importância, não é levado em conta pelos patrulheiros da biodiversidade, quando barcos e navios brasileiros e estrangeiros, que aqui aportam, autorizados ou não, enchem seus tanques com enormes quantidades de água in natura, do Negro e do Solimões-Amazonas. (grifo nosso).

4.4 CONVENÇÃO Nº. 169 DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT)

A Convenção n.169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas

e Tribais foi celebrada em Genebra em 27 de junho de 1989.

Essa Convenção é um importante texto que objetiva garantir aos povos indígenas o

direito de serem consultados sobre a utilização de seus conhecimentos tradicionais, além de

participarem do planejamento de projetos e lucros deles resultantes.

A mesma foi incorporada ao corpo normativo do Brasil, sendo aprovada pelo

Congresso Nacional em 20 de junho de 2002, pelo Decreto Legislativo 143, entrando em

vigor em 25 de julho de 2002, promulgada no país pelo Decreto 5.051 de 19 de abril de 2004,

publicado em 20.04.2004, data em que efetivamente passou a vigorar no Brasil. (“Art. 3o Este

Decreto entra em vigor na data de sua publicação”. Decreto 5051 de 19 de abril de 2004).18

18 Decreto n.5051, de 19 de abril de 2004. Promulga a Convenção n.169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, adotada em Genebra, em 27 de junho de 1989. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, Considerando que o Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto Legislativo no 143, de 20 de junho de 2002, o texto da Convenção no 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, adotada em Genebra, em 27 de junho de 1989; Considerando que o Governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação junto ao Diretor Executivo da OIT em 25 de julho de 2002; Considerando que a Convenção entrou em vigor internacional, em 5 de setembro de 1991, e, para o Brasil, em 25 de julho de 2003, nos termos de seu art. 38; DECRETA: Art. 1o A Convenção no 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, adotada em Genebra, em 27 de junho de 1989, apensa por cópia ao presente Decreto, será executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém.

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Segundo o art. 15 da Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho

(OIT), os direitos dos povos indígenas aos recursos naturais existentes nas suas terras, aí

abrangida à utilização, administração e conservação, deverão ser especialmente protegidos, e

afirma que, na hipótese de os recursos existentes nas terras pertencerem ao Estado, os

governos devem estabelecer procedimentos de consulta para determinação de eventual

prejuízo aos povos interessados.

Ainda sobre a responsabilidade dos Estados acerca dos direitos sociais e econômicos

dos Povos Indígenas o art. 2 da Convenção n.169 da OIT dispõe:

Artigo 2º 1. Os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade. 2. Essa ação deverá incluir medidas: a) (...) b) que promovam a plena efetividade dos direitos sociais, econômicos e culturais desses povos, respeitando a sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, e as suas instituições; (...)

Conforme analisado acima, a biodiversidade representa um alto valor no mercado

industrial no mundo. Assim, a apropriação dos conhecimentos tradicionais sobre a

biodiversidade dos Povos Indígenas implicam em violação de interesses e direitos

econômicos destes, merecendo a tutela dos Governos nos termos do artigo 2º, 2, “b” da

Convenção n.169 da OIT.

4.5 A IMPORTÂNCIA DA CONVENÇÃO SOBRE A DIOVERSIDADE BIOLÓGICA (CDB) E O ACESSO AO PATRIMÔNIO GENÉTICO

A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) foi assinada pelo Brasil durante a

ECO/92 (Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento –

realizada entre 03 a 14 de junho de 1992) no Rio de Janeiro.

A CDB estabelece regras e princípios internacionais de proteção à biodiversidade,

tendo sido promulgada no Brasil pelo Decreto n. 2.519, de 16 de março de 1998, quando é

oficialmente incorporado às normas jurídicas brasileiras.

Art. 2o São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão da referida Convenção ou que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição Federal.

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A proteção ambiental proposta pela CDB enfatiza dois focos: acesso aos recursos

genéticos e a biossegurança, conforme Varella e Plantiau (2004).

O conceito de biodiversidade da CDB está estipulado no seu art. 2º englobando a

variedade de organismos vivos englobando fauna, flora e microorganismos de ecossistemas

terrestres e marinhos, ecossistemas aquáticos complexos19.

Quanto ao conceito de recursos biológicos, da mesma Convenção, está compreendido

os recursos genéticos, organismos ou partes, populações, ou outro componente biótico de

ecossistemas, com real ou potencial valor e utilidade.

Dentre os conceitos trazidos pela CDB, extrai-se que os recursos biológicos englobam

também os recursos genéticos, conforme observam e exemplificam Stefanello e Dantas (2010,

p.152-153): Interessante frisar que o conceito de recursos biológicos da CDB engloba também os recursos genéticos. (...). (...) queremos fizer que, num primeiro olhar, todo recurso genético está contido num recurso biológico. Assim, por exemplo, hipoteticamente se determinada planta contém um princípio ativo que é eficaz como anti-inflamatório, em tese, quando alguém se apropria desta planta, estará se apropriando também das suas informações genéticas. Todavia, isso não acontece de forma tão simples como parece. Deve-se lembrar que as plantas costumam ter inúmeros elementos em sua composição. Além disso, geralmente leva-se décadas para identificar e isolar qual dos elementos da planta em questão atua como anti-inflamatório.

Essa reflexão sobre o recurso biológico e do recurso genético pode ser usada no estudo

de caso da biopirataria praticada contra os Wapixana de Roraima. No caso em questão, o

pesquisador inglês Konrad Gorinsky, usou dos conhecimentos tradicionais daquela

comunidade indígena das propriedades do “cunani” e usa utilização na pesca e extraiu seu

componente químico, o “cunaniol” e patenteou.

Da mesma forma, o pesquisador isolou o princípio ativo do beri-beri ou “green-heart”

comum e muito utilizado pelos Wapixana da Guiana como anticoncepcional e anti-

hemorrágico e após patentear esse recurso genético, vendeu a patente para um laboratório

Canadense que comercializa um anticoncepcional à base deste princípio ativo.

Ao apropriar-se de uma planta e tranformá-la em um medicamento ou produto

farmacêutico, o meio utilizado é a biotecnologia que assim foi conceituada no art. 2. da CBD:

“Biotecnologia significa qualquer aplicação tecnológica que utilize sistemas biológicos,

19 BRASIL, Presidência da República. Decreto n.2.519, de 16 de março de 1998. Promulga a Convenção sobre a Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro, em 5 de julho de 1992. Brasília, 1998. CDB, art. 2. “Diversidade biológica significa a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas.”

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organismos vivos, ou seus derivados, para fabricar ou modificar produtos ou processos para

utilização específica.”.

A utilização dos conhecimentos tradicionais de grupos como os Wapixana,

quilombola, caiçara, etc, por pesquisadores é prática que merece ser bem disciplinada e

regulamentada, pois, ocorre de forma não usual.

Nesse sentido, Stefanello e Dantas (2010, p.153):

Deve-se destacar que os pesquisadores não costumam sair procurando plantas aleatoriamente na natureza. Na grande maioria das vezes usam o conhecimento tradicional das populações para facilitar o processo de bioprospecção, realizando estudos sobre os usos das substâncias utilizadas pelas comunidades tradicionais e indígenas, cuja regulamentação jurídica deste acesso se dá (com muitas lacunas) pela Medida Provisória 2186-16/2001.

Sobre a consumação, o momento da apropriação do recurso genético de uma planta

utilizada tradicionalmente por um grupo, Stefanello e Dantas (2010, p.153) observam:

Por isso, em nosso entender, o fato de alguém ter a posse de uma planta (entenda-se recurso biológico) que contém um princípio ativo com potencial anti-inflamatório, não quer dizer, necessariamente, que está ocorrendo a apropriação do recurso genético propriamente dito, uma vez que isso só irá ocorrer, em tese, quando se realizar a devida identificação, isolamento e acesso ao princípio ativo (entenda-se recurso genético) procurado.

Mesmo que a consumação da apropriação dos recursos genéticos ocorram com a

devida identificação, isolamento do princípio ativo do recurso biológico, o tempo e o dinheiro

economizados com pesquisas deste princípio ativo, que, não ocorreriam de forma aleatória,

mas com base em informações de conhecimentos de populações tradicionais, por si só,

justificariam uma contrapartida econômica para estes grupos e populações tradicionais que

contribuíram com a pesquisa.

Sobre os conhecimentos tradicionais das populações indígenas, como os Wapixana, e

as comunidades locais, referentes ao uso sustentável da diversidade biológica e de suas

inovações, a CBD estipula expressamente sua proteção, bem como, incentiva a repartição dos

benefícios auferidos destes conhecimentos, como se observa no artigo 8, alínea “j” da

Convenção. Artigo 8 Conservação in situ Cada Parte Contratante deve, na medida do possível e conforme o caso: (...) j) Em conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável da

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diversidade biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a repartição eqùitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas; (...)

Assim, a CDB procura conciliar os interesses científicos com os conhecimentos

tradicionais, procurando evitar a apropriação destes conhecimentos sem a devida repartição

dos lucros.

4.6 APROPRIAÇÕES E DIMENSÕES DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE

Segundo Derani (2003), o patrimônio ambiental possui elementos apropriáveis, sendo

esta apropriação diversa da propriedade privada. Relata, ainda, que há diversas formas de

apropriação que geram ou não direito de propriedade, sendo a apropriação pela posse a mais

antiga delas.

Assim, os bens ambientais também seriam apropriáveis sendo esta apropriação uma

ação humana de tomada de um bem para satisfação de uma necessidade ou mera vontade.

Para apropriar-se de um bem ambiental não é necessário ter seu domínio ou

propriedade sobre o bem, pois o acesso pode se dar de forma precária e temporária visando

identificar algum princípio ativo de uma planta, animal ou fungo ou qualquer elemento da

biota. Conforme Derani (2003, p.70):

O direito de acesso, como obtenção de informação sobre o bem, independe da detenção do domínio concreto e de sua fruição. Um aspecto imaterial do bem pode ser transmitido e transferido sem que se altere o domínio e não se interfira na fruição.

No que tange à propriedade, os direitos referentes à sua titularidade estão elencados no

art. 1228 do Código Civil Brasileiro, que faculta ao proprietário usar, gozar e dispor da coisa,

e reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Quanto à posse, há duas grandes teorias originárias da Alemanha. A teoria de subjetiva

da posse de Savigny e a teoria objetiva da posse de Ihering, sendo esta última adotada pelo

direito brasileiro.

A teoria subjetiva da posse de Savigny é a posse que se dá pela presença de dois

elementos, quais sejam, corpus; animus. Quando há apenas um dos elementos o corpus temos

apenas uma detenção, esta se eleva à posse quando também está presente o animus que ‘é a

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vontade de possuir o bem para si (elemento subjetivo), nesse sentido, Gonçalves (2009, p.43)

esclarece:

Para SAVIGNY, o corpus identifica somente a detenção. Esta se eleva a posse quando se lhe acrescenta o animus específico, ou seja, animus domini ou animus rem sibi habendi (vontade de possuir pra si). Também só existe detenção se há apenas vontade de possuir para outrem ou em nome de outrem, como no caso de locação, comodato, usufruto etc.

Todavia, nosso direito brasileiro adotou a teoria objetiva da posse de Ihering, sendo a

posse determinada pela conduta do dono que age como se o bem fosse seu, ou conforme o art.

1.196 do Código Civil exerce alguns dos poderes inerentes à propriedade (os descritos no

artigo 1228, acima citados: usar, gozar, dispor ou reaver de terceiros). Conforme expõe

Gonçalves (2009, p.40-41):

Para IHERING, cuja teoria o nosso direito positivo acolheu, posse é conduta de dono. Sempre que haja o exercício dos poderes de fato, inerentes à propriedade, existe a posse, a não ser que alguma norma diga que esse exercício configura a detenção e não a posse. (...) Complementa o quadro o art. 1.208, prescrevendo: “Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade”. Portanto, o conceito de posse resulta da conjugação dos três dispositivos legais mencionados.

Esta distinção de propriedade, posse e denteção se faz importante na análise de

apropriação de bens ambientais e no estudo de caso dos conhecimentos tradicionais dos índios

Wapixana de Roraima.

No caso dos Wapixana, os mesmos detêm a posse da planta cunani (recurso

biológico), que contém o princípio ativo cunaniol (utilizado na pesca). Não implica em dizer

que já estão apropriados do recurso genético do cunani ou do biribiri (que tem efeitos

anticoncepcionais), pois, este só se dará com a identificação ou apropriação do recurso

genético do cunani e do biribiri.

Infelizmente, apesar de possuírem os recursos biológicos, os recursos genéticos

(cunaniol e o princípio ativo do biribiri) foram apropriados pelo pesquisador Konrad

Gorinsky.

Nas palavras de Derani (2003), acessar significa apropriar-se. No exemplo citado,

acessar significa isolar os elementos das plantas, efeitos medicinais, isolando-os.

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O direito de acesso, como obtenção de informação sobre o bem, independe da

detenção do domínio concreto e da sua fruição. Um aspecto imaterial do bem pode ser

transmitido e transferido sem que se altere o domínio e não se interfira na fruição.

Quanto à distinção entre o acesso ou apropriação e o domínio e propriedade do bem

Derani (2003, p.73) expõe com bastante propriedade:

Emerge desta dissociação uma peculiaridade relativa ao poder de transmitir e transacionar sobre o direito de acesso. Como já dito, não se transaciona o bem, mas o seu conteúdo informativo. Poder-se-ia pensar que logicamente este conteúdo estaria sob o pode do detentor do bem, como imanente à propriedade ou como a ela acessório, na hipótese mais frágil. Ocorre que nenhuma destas formas tradicionais é pensada no caso do direito de acesso. Nem o conhecimento é um acessório da propriedade do bem, nem necessariamente o detentor do bem é detentor do conhecimento. Quem detém o bem não detém necessariamente o conhecimento, assim como as informações sobre um bem independem da relação de domínio do bem.

Denota-se que os recursos biológicos compreendem os recursos genéticos, conforme

conceito da CBD. Uma vez acessada essa informação, ela passa a ser apropriável, não mais

dependendo do recurso biológico, mas passando a integrar a propriedade intelectual.

Nem todo detentor do bem detém o conhecimento do uso medicinal ou cosmético do

produto biológico ou genético. Todavia, no caso do biribiri e do cunani os Wapixana são

detentores do conhecimento tradicional destes recursos genéticos.

Há gerações, o biribiri e o cunani são utilizados como anti-inflamatório;

anticoncepcional; como instrumento de pesca. Portanto, são detentores dos recursos

biológicos e da utilidade destes produtos.

As medidas previstas na CBD procuram mitigar a denominada dependência mútua

assimétrica que ocorre em virtude do desequilíbrio econômico e político entre países do Sul

(ricos em biodiversidade) e do Norte (ricos em recursos financeiros), principalmente o art. 8,

alínea, “j” da Convenção que estipula “consentimento prévio fundamentado dos países de

origem dos recursos genéticos e a repartição dos benefícios gerados pelas atividades de

bioprospecção”.

Na verdade, procura-se harmonizar os conflitos entre o conhecimento científico e o

conhecimento tradicional, apropriação dos saberes sem a repartição dos lucros auferidos.

Oportuno relembrar o caso dos feirantes do mercado ver-o-peso em Belém no Pará. A

empresa Natura apropriou-se do conhecimento dos feirantes quanto ao uso de plantas e ervas

lançando uma linha de produtos baseadas nestes conhecimentos.

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Todavia, foi homologado um acordo na Justiça Federal, Seção Judiciária do Pará, na

qual a empresa se comprometeu a dar uma participação das vendas destes produtos aos

feirantes.

4.7 BIODIVERSIDADE, ESTIMATIVA ECONÔMICA E O MERCADO MUNDIAL

A biodiversidade é grande fonte de recursos para a indústria farmacêutica que podem

ser divididos em sintéticos, naturais e derivados20; fitofarmacêuticos; biotecnologia, etc.,

podendo-se por isso, fazer uma mensuração econômica do mercado mundial da

biodiversidade.

Segundo Barata (1995), os produtos farmacêuticos movimentam US$ 250 bilhões no

mundo, os cosméticos USS 120 bilhões, num total de US$ 370 bilhões. O consumo de

matérias-primas são estimadas em 10% deste valor.

Kubicek (1998) estima em US$50 bilhões o mercado mundial de biotecnologia, com

mais de 50% deste montante apenas no setor agrícola. Os Estados Unidos seriam os

dominadores deste mercado, com muitos transgênicos no mercado, muitas instituições e

investimentos em Ciência e Tencnologia.21

Abrantes (2002, p.71) expõe o grande investimento de empresas farmacêuticas no

mundo em produtos naturais e menciona fusões que influenciariam o futuro das empresas

brasileiras que produzem estes tipos de produtos.

Em 1994, metade das 250 principais empresas farmacêuticas no mundo desenvolviam projetos na área de produtos naturais. Há quinze anos nenhuma delas tinha projetos nesta área. As aquisições, acordos, joint-ventures e outros tipos de associações praticadas no momento pelas empresas farmacêuticas demonstram a importância desse mercado. Em todo o mundo as grandes firmas estão adquirindo as pequenas e competentes firmas de fitofármacos, herbal drugs. Para Barata (1995), o futuro das empresas brasileiras de produtos naturais certamente será afetado por este processo.

Assim, denota-se os detentores de conhecimento tradicional ainda que não tenham

laboratórios para isolar o princípio ativo dos produtos da biodiversidade utilizados para fins

medicinais ou cosméticos, sem dúvida, merecem participação o reconhecimento sobre sua

propriedade intelectual.

20 Pode-se dividir os produtos farmacêuticos da seguinte forma: sintéticos (50%); naturais ou derivados (25%); outros (25%), (Barata, 1995). 21 KUBICEK, Q. B. O panorama da biotecnologia nos EUA. Biotecnologia, Ciência e Desenvolvimento, n.01, 1998 (entrevista).

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Este reconhecimento é merecido, pois, propiciam ao mercado, ainda que através de

terceiros, novos produtos, sendo estes produtos elaborados com menos tempo e menos

dispêndio de investimentos em pesquisas, graças aos conhecimentos tradicionais.

4.8 BIOPIRATARIA: CONHECIMENTOS TRADICIONAIS DOS ÍNDIOS WAPICHANA

É importante observar que a denominação “Guiana Inglesa” utilizada na transcrição

acima da fala de Clóvis Ambrósio Wapichana deve ser evitada, devendo-se chamar o país

vizinho apenas de “Guiana”, pois não é mais colônia da Inglaterra, desde a década de 60, por

isso, desde então não se utiliza mais a expressão “Guiana Inglesa”, mas tão somente

“Guiana”.

Figura 4 – Mapa do sistema de mapeamento de língua mundial - Wapichana em Roraima e Guiana Fonte: “Data courtesy of the World Language Mapping System”22.

A planta “cunani” ou “semente de tipir” ou “coração verde”, são chamados pelos

Wapichana que habitam a Guiana de “green heart”. No país vizinho, os não índios tem como

idioma oficial o inglês. O inglês falado naquele país sofre influência linguística de idioma

Macuxi (etnia indígena), sendo diferente, em suas particularidades, do inglês falado na

Inglaterra, Estados Unidos e outros países. 22 Disponível em: <http://llmap.org/language/wap/static_map.png?width=350&height=350>. Acesso em: 07 abr.2011.

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Outros relatos somam-se às informações prestadas por Clóvis Ambrósio Wapichana

sobre a apropriação dos conhecimentos tradicional dos Wapichana pelo químico Conrad

Gorinsky.

(...) já levaram um bocado dali, faz tempo quando eu morava lá na serra, levaram um bocado até semente levaram de cunani. Lá, não sei quem era, parece que era os americanos, pra lá sei lá. Aqui na Serra da Tabalascada (...) (D. Maria, Tabalascada, 15-12-2000 apud Ávila,2006)).

Segundo Ávila (2006), Gorinsky para ter aceitação dos Wapichana e participação

destes em suas pesquisas como informantes ou “catadores de plantas” utilizava-se de duas

estratégias: benefício individual (renda irrisória por dia trabalhado) e promessa de benefício

coletivo (perspectiva de melhorias de saúde para as aldeias, com fornecimento gratuito de

medicamentos.

(...) I was at school and he (Gorinsky) was. Then he (gone out) work on this things. He went and come back and, when he come back, I know that was the Corad who promised people, who tanking leaves, seeds… and making with it, drugs. And if he is successfully on it he will help us… Since that we never hear or heard about him… (Sra. Louise, Sand Creek, 31-12-2000, apud Ávila,2006).

Sobre a acusação de apropriação dos conhecimentos tradicionais do Wapichana,

segundo Carvalho (1997), Conrad Gorinsky demonstra conhecer o assunto em uma entrevista,

todavia, não admite pagar royalties aos indígenas invocando uma série de razões para isso. A opinião do próprio Conrad Gorinsky aparece pouco, não sabemos muito o que ele acha sobre esta acusação que está carregando. Em uma entrevista realizada por Mário César Carvalho, este diz que o químico conhece bem a convenção da diversidade biológica, sabe de suas proposições, mas não admite pagar royalties aos indígenas por uma série de razões, passando pelo preconceito e crença na incapacidade deles administrarem dinheiro e também pela possibilidade destes benefícios desviados nos caminhos burocráticos. (CARVALHO, 1999).

Denota-se que há certo reconhecimento por parte de Conrad Gorinky sobre os

conhecimentos tradicionais dos Wapixana. Mas também há uma negação quando invoca

razões para não pagar aos representantes daquela etnia nenhuma participação nos benefícios

recebidos pelo registro do biribiri e cunani.

Em entrevista feita com Norberto Cruz da Silva, Wapixana, antigo Coordenador Geral

da Região da Serra da Lua, o mesmo afirma que em 1999 formou uma comitiva, e com esta

foi até Guiana.

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Na Guiana, relatou ter contactado “os parente”23 de lá e que algumas primas do

pesquisador Conrad Gorinky, que ainda tinham contato com as comunidades Wapixana,

alegavam que a “invenção” era apenas dele (Gorinky).

A entrevista do Sr. Norberto Cruz da Silva será transcrita adiante, com outras

informações.

4.9 PROPOSTAS

Basicamente pode-se trabalhar com duas soluções para o problema da biopirataria e

apropriação dos conhecimentos tradicionais, quais sejam: a) proposta de criminalização da

biopirataria e, alternativamente; b) proposta da cooperação (foco econômico).

Conforme já citado, os recursos biológicos citados na Convenção sobre a Diversidade

Biológica (CDB) englobam os recursos genéticos.

Assim, por exemplo, uma planta com princípio ativo medicinal utilizado por uma

comunidade tradicional, tem seu recurso genético apropriado quando o princípio ativo desta

planta é isolado, identificado e, posteriormente, registrado ou patenteado.

Todavia, sabe-se que os cientistas não fazem pesquisas aleatoriamente em organismos

vivos, sistemas biológicos e seus derivados em busca de novos medicamentos, produtos

farmacêuticos ou cosméticos, pois, demandaria muito tempo e dinheiro, por isso, é comum

utilizarem-se dos conhecimentos tradicionais de grupos como populações indígenas, para isso.

Nesse sentido, Stefanello e Dantas (2010, p.153):

Deve-se destacar que os pesquisadores não costumam sair procurando plantas aleatoriamente na natureza. Na grande maioria das vezes usam o conhecimento tradicional das populações para facilitar o processo de bioprospecção, realizando estudos sobre os usos das substâncias utilizadas pelas comunidades tradicionais e indígenas, cuja regulamentação jurídica deste acesso se dá (com muitas lacunas) pela Medida Provisória 2186-16/2001.

Nesse prisma, face a economia de tempo e dinheiro auferida, e pela participação e

contribuição da população tradicional nesse resultado, justo seria sua participação nos lucros

ou na patente, ou mesmo um ressarcimento financeiro por esta “contribuição”.

A Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), corrobora com esta proposta

econômica sobre a problemática da biopirataria, de forma expressa, em seu artigo 8.

23 O termo “parente” é comumente utilizado para designar todos os Wapixana, independentemente da distância geográfica, do país (Brasil ou Guiana), como exemplo desta transcrição: “A área tava demarcada, aqui tinha muito peixe e caça. Era onde morava o Tuxaua, no centro. Os nossos parentes sabendo que nós estamos aqui, o pessoal veio da Guiana, Manoá. Viemos andando do Moskow, não tinha estrada, ela chegou em 1985.” (CARNEIRO, 2007, p.56, grifo nosso).

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Artigo 8 Conservação in situ Cada Parte Contratante deve, na medida do possível e conforme o caso: (...) j) Em conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservar e manter o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e à utilização sustentável da diversidade biológica e incentivar sua mais ampla aplicação com a aprovação e a participação dos detentores desse conhecimento, inovações e práticas; e encorajar a repartição eqùitativa dos benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas; (...)

Denota-se que a CDB tenta harmonizar os interesses dos cientistas com suas pesquisas

com o respeito aos detentores de conhecimentos tracionais, evitando conflitos, procurando

evitar a apropriação destes conhecimentos sem a devida repartição dos lucros.

O artigo 15 da Convenção estipula respeito à soberania do país sobre seus recursos

naturais, tema que envolve também os recursos genéticos derivados da biodiversidade

nacional.

Nurit Bensusan (2005, p.49) discorre sobre o dever de repartipação de benefícios entre

um país que acessa a biodiversidade do outro e este último.

(...) em geral, a convenção diz que o país que acessa componentes da biodiversidade em outro deve obter o consentimento explícito do país onde o acesso se dará; deve envidar esforços para que a pesquisa se faça nesse país e com sua participação; e deve repartir, de forma justa e equitativa, os benefícios advindos desse acesso.

A proposta da criminalização no plano interno se daria com definição de conduta(s)

que envolve(m) a biopirataria e a tipificação, ou seja, inserção no ordenamento jurídico

brasileiro por meio de lei federal e no plano internacional por Tratados e Convenções.

Atualmente, não há um conceito jurídico pronto sobre biopirataria. A princípio, a Lei

de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98) previa o crime de biopirataria em seu artigo 47, mas

citado artigo foi vetado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, com a justificativa

de considera-lo muito abrangente.24

O vetado art. 47 da Lei 9.605/98 previa pena de detenção de um a cinco anos, ou

multa, ou ambas as penas, cumulativamente, para quem praticasse a seguinte conduta:

“exportar espécie vegetal, germoplasma ou qualquer produto ou subproduto de origem

vegetal, sem licença da autoridade competente”. 24 Razões do veto (art. 47 da Lei 9.605/98): “O artigo, na forma como está redigido, permite a interpretação de que entidades administrativas indeterminadas terão que fornecer licença para a exportação de quaisquer produtos ou subprodutos de origem vegetal, mesmo os de espécies não incluídas dentre aquelas protegidas por leis ambientais. A biodiversidade e as normas de proteção às espécies vegetais nativas, pela sua amplitude e importância, devem ser objetos de normas específicas e uniformes. Ademais, existem projetos de lei nesse sentido em tramitação no Congresso Nacional.” (Presidência da República Federativa do Brasil, Mensagem n.181 de 12 de fevereiro de 1998.)

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O Projeto de Lei 7.211/02 sobre o tema foi resultado da CPI da BIOPIRATARIA que

teve como relator José Sarney Filho, encerrada em 2006.

Santilli (2006, p.85) assim define biopirataria:

(...) é a atividade que envolve o acesso aos recursos genéticos de um determinado país ou aos conhecimentos tradicionais associados a tais recursos genéticos (ou a ambos) em desacordo com os principais estabelecidos na Convenção sobre Diversidade Biológica, a saber: - a soberania dos Estados sobre os seus recursos genéticos, e – o consentimento prévio e informado dos países de origem dos recursos genéticos para as atividades de acesso, bem como a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados de sua utilização.

Santilli (2005, p.71) apresenta ainda o seguinte conceito:

(...) é relativamente bem aceito o conceito de que a biopirataria é a atividade que envolve o acesso aos recursos genéticos ou aos conhecimentos tradicionais a eles associados (ou a ambos) em desacordo com os princípios da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB).

Sobre a apropriação dos conhecimentos tradicionais, Santilli (2006, p.204-205) expõe:

(...) há uma apropriação indevida e injusta – coibida pela Convenção sobre

a Diversidade Biológica – de um recurso que pertence a outro país e às suas comunidades locais, por meio do uso de um instrumento legal – o direito de propriedade intelectual, especialmente a patente -, consagrado pelas legislações nacionais e internacionais.

Quando se trata utilização de conhecimentos tradicionais e povos indígenas, citada

autora menciona a necessidade de aprovação e participação destes nos benefícios em respeito

a CDB, (SANTILLI, 2005, p.71-72):

(...) Quando a atividade envolve conhecimentos, inovações e práticas de povos indígenas e populações tradicionais, a CDB estabelece a necessidade de que a sua aplicação se dê mediante a aprovação e a participação de seus detentores e a repartição, com estes, dos benefícios. Assim, a fiel observância aos princípios da CDB implica tanto a consulta aos países de origem dos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados – como expressão de sua soberania em face de outros países – quanto à consulta aos povos e populações tradicionais detentores dos recursos genéticos situados em seus territórios e dos conhecimentos tradicionais a eles associados.

O que se observa em estudos de caso como o da biopirataria dos Wapixana em

Roraima é que a observância da CDB no que tange a prévia autorização dos países que

tenham produtos de biodiversidade em seu território geográfico utilizados por terceiros, tem

maior facilidade de ser observado do que a mesma permissão aos grupos indígenas.

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Assim como aborda Santilli, há quem aponta soluções para a biopirataria nas leis de

propriedade intelectual, como cultivares, patentes, copyright, licença de tecnologia.

Outras soluções têm sido consideradas, como a do registro de espécies, por sistemas próprios de cada país, antes que elementos genéticos da sua composição venham a ser patenteados. As leis de copyright referem-se à reprodução de obras de arte, de material escrito ou visual. Os mecanismos de licenciamento de tecnologia, como o de patentes, tratam de direitos individuais e não coletivos. Especialistas recomendam tentar todas as opções: cultivares, patente, copyright e licença tecnológica, embora tais instrumentos não sejam adequados às necessidades e concepções das populações tradicionais. O Brasil nos últimos anos promulgou a lei de proteção de cultivares, atualizou a lei de direitos autorais, que não considera invenção os materiais biológicos, mesmo isolados, embora permita a patente dos trangênicos. Os bens culturais também são difíceis de proteger contra abusos e descaracterizações, pois é preciso, ao mesmo tempo, encorajar novas criações, apoiar a disseminação, adaptações em obras de autor, e condicionálas à autorização das autoridades nacionais e das comunidades. Esforços têm sido feitos para aumentar garantias às minorias, por intermédio da World Intellectual Property Organisation, com sede em Genebra (Gray, 1991; Nijar, 1999).

No que tange a proposta de criminalização da Biopirataria, a mesma foi debatida em

uma Comissão Parlamentar de Inquério - CPI da Biopirataria - cujo relator foi o Deputado

José Sarney Filho, sendo uma das recomendações finais da CPI finalizar a tramitação do

Projeto de Lei 7.211/02 que prevê o tipo penal de Biopirataria.

Assim, consta dentre as recomendações do relator da mencionada CPI da Biopirataria

(CPIBIOPI): (...) Finalizar a tramitação do Projeto de Lei 7.211/02, que prevê o tipo penal de biopirataria, assegurando que ele seja apenado com sanções penais severas, e que se permita aos operadores da fiscalização dispor de todas as ferramentas investigativas necessárias; Tipificar como crime a apropriação dos conhecimentos tradicionais de comunidades locais; Definir a titularidade do patrimônio genético, finalizando-se as discussões em torno da PEC 618/98, de modo a consagrar o patrimônio genético como bem da União, assegurada a previsão de repartição de benefícios envolvendo Estados, Municípios e comunidades tradicionais.25

A questão da biopirataria ganhou expressão e força nos debates internacionais a partir

da Convenção sobre a Biodiversidade Biológica, abordando-se a soberania dos Estados sobre

os seus recursos genéticos, a repartição dos benefícios oriundos do uso destes recursos e a

apropriação dos conhecimentos tradicionais associados.

25 Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Biopirataria (CPIBIOPI). Câmara dos Deputados. Presid. Antônio Carlos Mendes Thame, Rel. Dep. José Sarney Filho. Centro de Documentação e Informação. Brasília, 2007, p. 464. Disponível em <http://www.camara.gov.br/internet/comissao. Acessado em 23 mar. 2011.

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Quanto à hipótese de combate a biopirataria pela cooperação e motivação ganha força

com propostas de valorização de pesquisas sem destruição ambiental, bem como modelos

como a socialfloresty da Ásia.

No mesmo sentido, o Projeto de Emenda Constitucional nº. 618/98 acima mencionado,

no relatório final da CPIBIOPI, parece favorecer a proposta de “cooperação” no combate à

biopirataria pela menção do Projeto à repartição de benefícios à comunidades tradicionais.

Em relação aos conhecimentos tradicionais, Morán (1990) propõe a valorização destes

pelas pesquisas de forma a propiciar seu uso de forma sustentável.

Alguns ecólogos propõem que, com a valorização desses conhecimentos pela pesquisa, poder-se-ia desenvolver in situ formas de aproveitamento econômico vantajosas, sem destruição ambiental, com potenciais avanços na química e na farmacologia, por meio de substâncias alcalóides, fungicidas e herbicidas; no aproveitamento de fibras e frutos de palmeiras, combinado com adensamento florestal. A extração de produtos renováveis, como indicam as práticas indígenas, deveriam ser consideradas, apesar do declínio de seu uso, como a seringa, a castanha-do-pará, os frutos de palmeiras e a pesca tradicional. Ao contrário, a agricultura intensiva, devido à perda de fertilizantes, não tem conseguido na Amazônia resultado econômico duradouro.

Moran, Oliveira e Ab’Saber, citados por Mauro Leonel, relatam algumas experiências

realizadas em comunidades na Amazônia, inspiradas na socialfloresty asiática na qual se

busca um aproveitamento do conhecimento tradicional pelo mercado econômico.

Experiências, como as asiáticas em socialforestry, com culturas perenes e

anuais, consorciadas com espécies florestais, inspiradas na diversificação da cultura tradicional, começam a ser realizadas na Amazônia, como seringa com pastagem; pupunha com cacau; espécies para a produção de papel com milho e feijão. Os lucros do gado são baixos, os da madeira em tora não são sustentáveis, o que tornaria o extrativismo e o manejo diversificado do modelo tradicional potencialmente competitivo, conservando a floresta em pé. Em tal proposta aliar-se-ia preservação com objetivos sociais, permitindo o acesso ao mercado desejado por muitos desses agrupamentos e orientando os colonos. A população permanente no interior da Amazônia é menor hoje do que a das populações indígenas anteriormente à colonização, salvo nos surtos localizados de acampamento, como o do garimpo. Os sobreviventes indígenas ainda são maioria da população residente no interior em vários municípios da região Norte, sobretudo quando somados aos ribeirinhos e extrativistas influenciados pelos primeiros habitantes (Oliveira, 1988; Morán, 1990; Ab’Saber, 1996).26

As riquezas da biodiversidade e os conhecimentos tradicionais podem se tornar fontes

de riquezas para comunidades roraimenses, como os cosméticos à base de produtos naturais,

26 LEONEL, Mauro. Bio-sociodiversidade: preservação e mercado. Estud. av., São Paulo, v. 14, n. 38, Apr. 2000 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142000000100019&lng=en&nrm=iso>>. Acessado em 12 Mar. 2011. doi: 10.1590/S0103-40142000000100019.

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artesanato (como o usado com semente da Jarina), medicamentos à base de plantas e ervas,

entre outras formas de fomento.

À Administração Pública, Direta e Indireta, pode direcionar sua política pública para a

proteção e utilização da bio-sóciodiversidade em prol do desenvolvimento sustentável, tendo

por base conhecimentos tradicionais de grupos em Roraima, todavia é preciso que a

propriedade intelectual deste conhecimento tradicional seja respeitada.

Apesar de, atualmente, não haver um conjunto normativo eficaz para tutelar os

conhecimentos tradicionais coletivos, sendo insuficientes a Convenção 169 da OIT, a

Convenção sobre a Biodiversidade (CDB), o registro de patentes, as propostas de participação

nos resultados ou outras devem ser consideradas para se ter um reconhecimento e retribuição

justa dos detentores de conhecimentos tradicionais.

Afinal, como já dito, os detentores de conhecimentos tradicionais economizam tempo

e dinheiro das indústrias em pesquisas indicando onde e o que pesquisar.

Inicia-se a divulgação do ecoturismo em Roraima, porém ainda não se aborda a

questão da biopirataria e o apoio a grupos roraimenses para uso dos seus conhecimentos

tradicionais. EMBRAPA, IBAMA, SEBRAE entre outros entes podem contribuir de forma

mais ostensiva na questão.

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5 O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

O grande desafio do Brasil e dos países da América do Sul é garantir seu

desenvolvimento, preservando as fontes de recursos naturais para as presentes e futuras

gerações.

Nesse Sentido a Constituição brasileira prevê que:

Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

O surgimento da expressão “desenvolvimento sustentável”, nasceu de um debate na

década de 1960 que polarizou “crescimento econômico” versus “preservação ambiental”,

aliados ao temor da “explosão demográfica”, da guerra nuclear e os testes nucleares.

Em 1972, em Estocolmo, na Suécia, a discussão ambiental ganhou projeção mundial.

Mas apenas em 1987, perante Assembléia Geral da ONU, foi lido o relatório intitulado

“Nosso Futuro Comum”, cujo relator foi Gro Harlem Brundtland, quando o termo

“desenvolvimento sustentável” se consolidou.

Clemente et alli (2007, p.291) apontam 3 focos de desenvolvimento sustentável:

¿Qué se entiende por Desarrollo Sostenible? Es la actividad económica y social que satisface las necesidades de la generación presente sin afectar la capacidad de las generaciones futuras de satisfacer sus propias necesidades. Se debe lograr a tres niveles: Sostenibilidad Económica: crecimiento industrial, agrícola, pesquero, ganadero, turístico, remuneración de empleo, contribuciones a la comunidad, satisfacción de las necesidades de los hogares. Sostenibilidad Ecológica: aire y agua limpios, conservación de recursos, preservación de la biodiversidad. Sostenibilidad Social: beneficio público, equidad social, participación, mantenimiento de estado de bienestar. (grifo nosso)

Pode-se, ainda, vislumbrar cinco dimensões do Econdesenvolvimento, segundo Sachs

(1993): a) Sustentabilidade Social; b) Sustentabilidade Econômica; c) Sustentabilidade

Ecológica; d) Sustentabilidade Espacial; e) Sustentabilidade Cultural.

Importante notar que o desenvolvimento sustentável, deve incorporar todo diálogo de

integração econômica e social internacional.

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5.1 FUNDAMENTAÇÃO LEGAL

Temos dentre os principais mecanismos internacionais que podem ser utilizados para

acesso aos conhecimentos tradicionais no âmbito nacional e internacional, a Convenção sobre

Biodiversidade (CBD); a Organização Mundial de Propriedade Intelectual; a Organização

Mundial do Comércio (OMC) e o Acordo de TRIPs; a Convenção 169 da Organização

Internacional do Trabalho (OIT).

Segundo Silveira (2009, p.66) temos também a Organização do Tratado de

Cooperação Amazônica firmado em 14 de dezembro de 1988 pelo “Protocolo de Emenda ao

Tratado de Cooperação Amazônica”, em Caracas, na Venezuela a par da Secretaria

Permanente em Brasília constituiu uma Instituição “dotada de personalidade jurídica, sendo

competente para celebrar acordos com as Partes Contratantes, com Estados não-Membros e

com outras organizações internacionais”.

No direito brasileiro, temos e sistema de registro de patentes (Lei n. 9.279, de 14 de

maio de 1996), porém, para Marcelo Dias Varela27, o sistema de patentes, disciplinado por

esta lei é prejudicial aos conhecimentos tradicionais associados e à proteção do meio

ambiente, pois lhes falta os requisitos para a patente, quais sejam, os critérios da novidade,

individualidade, exclusividade e temporariedade.

A Constituição Federal de 1988 estipula em seu art.225 o direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Trata-se de um direito

difuso, ou seja, que tem um número indeterminado de tutelados, abarcando não só um direito

humano, mas o seu próprio habitat, o nosso Planeta.

A visão antropológica do Direito Ambiental, defendida por alguns autores como os

professores doutores Edson Damas da Silveira e Sandro Nahmias Melo defendem que o fim

da preservação é o próprio homem. Assim, a preservação dos recursos naturais, das riquezas

culturais devem ter como objetivo beneficiar o próprio homem, de forma sustentável.

O art. 225, §1º da Carta Magna traz a proteção constitucional para os conhecimentos

tradicionais dos povos indígenas e outros grupos que muitas vezes se utilizam da

biodiversidade para se expressar, sendo objeto de proteção a riqueza cultural destes povos.

27 VARELLA, Marcelo Dias; FONTES, Algumas ponderações sobre as normas de controle ao acesso dos recursos genéticos. In: Meio Ambiente. Brasília. ESMPU, 2004. 396p. /VARELLA, Marcelo Dias. Algumas ponderações sobre as normas de controle do acesso aos recursos genéticos. In: CUREAU, Sandra (Org.). Série Grandes Eventos. Brasília: ESMPU, 2004. p. 121-157. Vol. 1.

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Acerca dos direitos dos povos indígenas do Brasil, o art. 231 e seguintes da

Constituição da República oferece sua tutela especificamente.

O patrimônio genético que também merece tutela, sendo alvo, muitas vezes de

biopirataria, está definido no art. 7.º, I, da Medida Provisória 2.186-16/2001, e pressupõe: A informação de origem genética, contida em amostras do todo ou de parte de espécime vegetal, fúngico, microbiano ou animal, na forma de moléculas ou substâncias provenientes do metabolismo destes seres vivos e de extratos obtidos destes organismos vivos ou mortos.

Por seu turno, o art. 2º da CBD (Convenção sobre Biodiversidade) assim define

biodiversidade: Art. 2.º - Diversidade biológica significa a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas.

Por se tratar de uma matéria que tem relação interdisciplinar, pois envolve estudos da

área de Direito, Biologia, Sociologia, Antropologia, Economia, por exemplo, outros

dispositivos constitucionais podem ser aplicados para tutelar a bio-sociodiversidade, como a

garantia do direito de propriedade (art. 5.º, XXII e XXIII), a propriedade intelectual (art. 5.º,

XXIX), os princípios da ordem econômica e financeira (art. 170), a proteção dos índios (arts.

231 e 232), dentre outros.

É importante ressaltar que não existe um dispositivo Constitucional específico para

coibir a biopirataria, tampouco proteger a biodiversidade. Na esfera infra-constitucional, há

alguns projetos de lei que tratam sobre biopirataria, todavia não há um consenso conceitual

entre os mesmos, dificultando a aprovação e conversão em lei, pois sem os limites da

definição legal, não há falar em tipificação.

5.2 A ETNIA WAPIXANA

O presente trabalho aborda um estudo de caso dos índios Wapixana de Roraima,

assim, importante falar-se um pouco sobre esta etnia.

Sobre os Wapixana, assim expõem Melo; G.R. Shaefer; Vale Júnior; Francelino,

(2010, p.222), Grupo de indígena de filiação Aruak, os Wapishana habitam predominantemente a região da Serra da Lua, ao logo dos rios Tacutu e Uraricoera região do Taiano, e também com ocorrência nas Regiões do Amajarí, Contigo (baixo) e Surumu (Coudreau, 1887), considerados por Lobo D’Almada (1861) em 1787, os Wapishana

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eram o maior grupo indígena do rio Branco. Em suas atividades econômicas desde os tempos coloniais, já se registravam cultivo das roças, pesca, caça e fabricação de instrumentos de trabalho, cultivando mandioca, milho, tabaco, cana de açúcar, banana, ananás, inhame, batata doce e abóbora (CIRINO, 2000).

Atualmente os Wapixana do Brasil são reconhecidos como uma etnia pacífica,

civilizada e bem esclarecida das questões dos não índios. Em contato com as comunidades e

as lideranças dos Wapixana da Região da Serra da Lua durante Assembleia Geral realizada,

revelou-se grande poder de organização, formadores de opiniões como professores entre eles.

Artigos antropológicos como de Ávila (2006) indicam que a mesma descrição se

aplica aos Wapixana do país vizinho Guiana. Sendo que naquele país eles tem contado com o

apoio da APA - Ameridians Peoples Association (Baines, 2006).

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6 BIOPIRATARIA – CASO DOS ÍNDIOS WAPIXANA DE RORAIMA

O antropólogo Carlos Alberto Cirino pesquisando a evangelização na língua

Wapichana, este em contato com aquela etnia na região da Serra da Lua em Roraima,

visitando as Malocas (aldeias) Malacacheta e Jacamin.

Em 1996, o citado antropólogo entra em contato com malocas Wapixana do Jacamin,

Marupá e Wapun.

As pesquisas in loco bem como bibliográficas realizadas por Cirino (2008, p.117)

resultou na obra: “A ‘boa nova’ na língua indígena: contornos da evangelização dos

Wapischana no século XX” na qual expõe o caso de biopirataria ocorrido:

Em 1997, a imprensa nacional noticia o registro da patente, no Reino Unido, de uma substância com poder anticoncepcional que utilizava conhecimento dos índios Wapischana. A substância é conhecida entre os Wapischana pela designação de “rupununine”, extraída da semente do biribiri. O pedido de reconhecimento da descoberta é feita pelo químico britânico Conrad Gorinsky, nascido em Roraima, filho de índia Wapsichanna com um cidadão britânico, que teria deixado a região com 17 anos.

Cirino (2008) menciona a notícia da imprensa nacional do registro de patente da

substância utilizada pelos Wapischana, vinculada na mídia nacional.28

6.1 COMUNIDADE INDÍGENA MANUÁ-PIUM

Em 19 de abril de 2011 foi feita uma pesquisa qualitativa, junto à Comunidade

Indígena Alto Arraia – Terra Indígena Manuá-Pium, Região da Serra da Lua, Município de

Bonfim, onde as lideranças indígenas autorizaram a entrevista e forneceram as informações

solicitadas.(ANEXO C)

28 Em suas referências bibliográficas encontra-se o Jornal Folha de São Paulo, edição de 02/06/1997, p.6, cad.1 que anuncia: “FUNAI vai pedir anulação de patente” onde se comprova a divulgação do caso na mídia nacional.

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Figura 5 - Mapa de Terras Indígenas da Região da Serra da Lua em Roraima – 2007 Fonte: CARNEIRO, João Paulo J. A. A morada dos Wapixana. Atlas toponímico da região indígena da Serra da Lua – RR. Dissertação ( Mestrado), Universidade de São Paulo, USP, 2007.

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Figura 06 - Malocas da Região Indígena da Serra da Lua – 2007 Fonte: CARNEIRO, João Paulo J. A. A morada dos Wapixana. Atlas toponímico da região indígena da Serra da Lua – RR. Dissertação ( Mestrado), Universidade de São Paulo, USP, 2007.

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A Tuxaua Corina da Silva Gomes permitiu as entrevistas, bem como o Vice-Tuxaua

Valqui Gomes de Oliveira (sobrinho da atual Tuxaua), e ao ex Tuxaua Leonardo Herinque

Gomes (pai da atual tuxaua). (ANEXO D).

Cientes da biopirataria ocorrida envolvendo os Wapixana e o químico Conrad

Gorisnky, a tuxaua da comunidade prestou as informações sobre o caso e autorizou a pesquisa

com a condição de que o resultado da pesquisa e cópias da dissertação fossem

disponibilizadas para a Comunidade, e também para o núcleo Insikiran na Universidade

Federal de Roraima.

Entrevista: Corina da Silva Gomes – Wapichana, atual tuxaua da comunidade.

1) Nasceu na comunidade? (Alto Arraia)

Sim

2) Estuda na Comunidade? Qual o nível?

Corina - Universidade Federal de Roraima – UFRR, Curso de Licenciatura

Intercultural Instituto Insikiram, nível superior.

3) Língua materna falada.

Corina - Wapichana.

4) Fala a língua materna na comunidade?

Corina - Sim, todos falam.

5) Conheceu o “biribi”?

Corina: Ouviu falar. Tem na Guiana.

6) Conheceu o “cunani”.

Corina: Aqui tem “cunaní”. Usamos as folhas da planta. Você coloca num buraco na

terra, soca, depois põe num saco e leva para a beira do rio. Não pode colocar muito cunani na

água senão mata o gado que vai beber água.

Entrevista – Leonardo Henrique Gomes (Wapichana, ex-tuaxaua).

1) O senhor foi o antigo tuxauxa, não quis mais continuar a liderança?

Leonardo: Muita responsabilidade, a idade vai pesando também.

2) Conheceu o “biribiri”?

Sim, eu conheci. Tem muito na Guiana, aqui (Comunidade Alto Arraia, Região Serra

da Lua, Bonfim/RR) não tem.

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3) Sabe da história de Conrad Gorinsky? Um químico alemão que patenteou produtos

usados pela sua etnia?

Era um inglês, ele esteve na Guiana, ouvi falar sim.

O artigo científico de Ávila (2006) menciona que Conrad Gorinsky era um químico,

filho de um alemão com uma índia Wapixana. Este fato também é relatado por (Cirino, 2009),

segundo Cirino, Gorinsky era inglês e registrou a biribiri no Reino Unido.

Entrevista – Valqui Gomes de Oliveira (Wapichana, Vice-Tuxaua).

1) O senhor é o Vice-Tuxaua? O que faz o vice-tuxaua?

Valqui: É o responsável pela comunidade quando a Tuxaua não está.

(o entrevistado, que acompanhou as outras entrevistas, não respondeu outras perguntas

sobre o “biribiri” e o cunani, pois já haviam sido respondidas pelos outros entrevistados.)

No início da entrevista, a Tuxaua Corina, perguntou a seu pai, na língua mãe sobre o

“biribiri”. O antigo Tuxaua, após responder algo na língua nativa, explicou para o autor que

só tem na Guiana, que só viu por lá.

Pôde-se perceber o uso da língua materna em outra ocasião, quando a tuxaua

conversou com algumas crianças que estavam próximo na língua materna, o “Wapixana”.

A tuxaua explicou que a pronúncia de “Wapixana” na língua materna tem um som

mais acentuado no “xa”.

Questionado sobre a planta, a tuxaua informou que não havia por perto, que estavam

no roçado e não poderia ir buscar, nem mostrar naquele momento.

6.2 PESQUISA AÇÃO

Durante as pesquisas, nos encontramos com algumas lideranças indígenas Wapixana

na FUNAI em sua sede Regional de Boa Vista, Roraima.

Notou-se grande interesse dos tuxauas como o da comunidade Jacumim, Região da

Serra da Lua, e outros no objeto da pesquisa que trata de assunto de interesse dos Wapixana.

Ao tomarem conhecimento do projeto e de que o mesmo visava formalizar um

documento científico que é uma dissertação de mestrado, as próprias lideranças sugeriram a

participação do autor em uma Assembleia das comunidades para a discussão do tema.

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Assim, a autorização e interesse inicial da comunidade indígena Wapixana Alto

Arraia, em Manuá-Pium, Região da Serra da Lua, Município de Bonfim, Roraima, ganhou

uma dimensão maior.

O tema do projeto que abordava um estudo de caso dos Wapixanas quanto ao cunani e

biribiri foi levado ao conhecimento da Assembléia Geral da Região da Serra da Lua ocorrido

entre 22 e 25 de novembro de 2011, na Maloca Malacacheta, com 18 tuxauas e suas

respectivas comunidades.

Na Assembleia as lideranças e a comunidade deliberaram e votaram em processo de

democracia direta e participativa na concordância ou não com a pesquisa.

A maioria entendeu que a abordagem do cunini e biribiri, sua patente, é a busca de

solução quanto ao reconhecimento do conhecimento tradicional dos Wapixana iria trazer

benéficio para toda a comunidade, no sentido de oportunizar material de apoio científico

(dissertação de mestrado), para que reivindicassem solução aos órgãos governamentais como

a FUNAI.

Foi mencionado também, a importância de não deixar o assunto cair no esquecimento.

Assim, por maioria de votos, a Assembleia Geral autorizou a pesquisa.

Uma observação importante foi feita pelo Coordenador do Conselho Regional da

Região da Serra da Lua, Sr. Simião, ao mencionar que o cunani é conhecido e encontrado em

todas as comunidades da Região da Serra da Lua ali presentes, sendo o biribiri comum entre

os “parente” da Guiana.

Esse relato, consentido entre os presentes corrobora com a informação de que o cunani

e o biribi são produtos tradicionalmente utilizados pelo povo Wapixana.

Retomando a discussão da pesquisa-ação e o reflexo da pesquisa no pesquisado, no

caso concreto pôde-se constatar que o interesse e a autorização inicialmente circunscrita na

Comunidade Alto Arraia, ampliou-se para todas as comunidades da Região da Serra da Lua e

suas 18 lideranças e adultos ali presentes que votaram e tomaram decisão própria.

A discussão da pesquisa em si na Assembleia Geral demonstrou que o interesse ia

além de apenas uma comunidade, atingiu todas as comunidades da Região da Serra da Lua.

Por fim, por maioria de votos, autorizaram a pesquisa, como será dito adiante.

Essa interação dos pesquisados com a pesquisa e a busca de soluções remete a

reflexões sobre a pesquisa-ação.

Engel (2000), tratando do tema, expõe um conceito de pesquisa-ação:

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A pesquisa-ação é um tipo de pesquisa participante engajada, em oposição à pesquisa tradicional, que é considerada como “independente”, “não-reativa” e “objetiva”. Como o próprio nome já diz, a pesquisa-ação procura unir a pesquisa à ação ou prática, isto é, desenvolver o conhecimento e a compreensão como parte da prática. É, portanto, uma maneira de se fazer pesquisa em situações em que também se é uma pessoa da prática e se deseja melhorar a compreensão desta.

Aplicando-se este conceito no caso dos índios Wapixana, denota-se que há um

interesse prático na situação pesquisada, ou seja, os próprios pesquisados buscam um

entendimento sobre o sistema de registro de patentes, que fundamentou as patentes do cunani

e do biribirí, e possíveis soluções para quebrar a patente, pois discordam do registro.

Tripp (2005), por seu turno analisa a dificuldade de se conceituar pesquisa-ação.

É difícil de definir a pesquisa-ação por duas razões interligadas: primeiro, é um processo tão natural que se apresenta, sob muitos aspectos, diferente; e segundo, ela se desenvolveu de maneira diferente para diferentes aplicações. Quase imediatamente depois de Lewin haver cunhado o termo na literatura, a pesquisa-ação foi considerada um termo geral para quatro processos diferentes: pesquisa-diagnóstico, pesquisa participante, pesquisa empírica e pesquisa experimental (Chein; Cook; Harding, 1948).

Sobre a finalidade da pesquisa-ação Engel (2000), assim aborda a questão:

A pesquisa-ação surgiu da necessidade de superar a lacuna entre teoria e prática. Uma das características deste tipo de pesquisa é que através dela se procura intervir na prática de modo inovador já no decorrer do próprio processo de pesquisa e não apenas como possível conseqüência de uma recomendação na etapa final do projeto.

Pode-se buscar a compreensão do termo pesquisa-ação analisando-se o prisma dos

seus pioneiros, o momento histórico, social, em que foi desenvolvida, sobre a origem e seus

pioneiros expõe Engel (2000):

Um dos pioneiros da pesquisa-ação foi o psicólogo alemão Kurt Lewin (1890-1947) 29. Na década de 1960, na área de Sociologia, rapidamente ganhou terreno a idéia de que o cientista social deveria sair de seu isolamento, assumindo as consequências dos resultados de suas pesquisas e colocá-los em prática, para interferir no curso dos acontecimentos. Além de sua aplicação em ciências sociais e psicologia, a pesquisa-ação é, hoje, amplamente aplicada também na área do ensino. Nela, desenvolveu-se como resposta às necessidades de implementação da teoria educacional na prática da sala de aula. Antes disso, a teoria e a prática não eram percebidas como partes integrantes da vida profissional de um professor, e a pesquisa-ação começou a ser implementada com a intenção de ajudar aos professores na solução de seus problemas em sala de aula, envolvendo-os na pesquisa. Por exemplo, possibilitava avaliar empiricamente o resultado de crenças e práticas em sala de aula. Neste sentido, este tipo de pesquisa é, sem dúvida, atrativa pelo fato de poder levar a um resultado específico imediato, no contexto do ensinoaprendizagem.

29 KURT, Lewin. Die lösung sozialer konflikte. Bad Nauheim, 1953.

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Além disto, a pesquisa-ação em sala de aula também se revelou como um instrumento eficiente para o desenvolvimento profissional dos professores.

TRIPP (2005), também relata Kurk Lewin (1946) como um dos pioneiros da

pesquisa-ação, como sendo também o primeiro a publicá-la, todavia, aponta outros possíveis

autores na Alemanha de 1913.

Muitas vezes, atribui-se a criação do processo a Lewin (1946). Embora pareça ter sido ele o primeiro a publicar um trabalho empregando o termo, pode tê-lo encontrado anteriormente na Alemanha, num trabalho realizado em Viena, em 1913 (Altrichter, Gestettner, 1992). Versão alternativa é a de Deshler e Ewart (1995) que sugerem que a pesquisa-ação foi utilizada pela primeira vez por John Collier para melhorar as relações inter-raciais, em nível comunitário, quando era comissário para Assuntos Indianos, antes e durante a Segunda Guerra Mundial e Cooke (s.d.) parece oferecer vigoroso apoio a isso. A seguir, Selener (1997) assinala que o livro de Buckingham (1926), Research for teachers [Pesquisa para professores], defende um processo reconhecível como de pesquisa-ação. Assim sendo, é pouco provável que algum dia venhamos, a saber, quando ou onde teve origem esse método, simplesmente porque as pessoas sempre investigaram a própria prática com a finalidade de melhorá-la.

Assim denota-se que apesar de controversa autoria do tema pesquisa ação, parece

haver um consenso quanto ao pioneirismo de Kurk Lewin (1946) que, ainda que não fosse o

primeiro a desenvolver o tema, foi um dos primeiros e teria sido o primeiro a publicá-la.

6.3 CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DA PESQUISA-AÇÃO

Segundo Engel (2000), a pesquisa-ação tem as seguintes características:

- O processo de pesquisa deve tornar-se um processo de aprendizagem para todos os participantes e a separação entre sujeito e objeto de pesquisa deve ser superada. - Como critério de validade dos resultados da pesquisa-ação sugere-se a utilidade dos dados para os clientes: as estratégias e produtos serão úteis para os envolvidos se forem capazes de apreender sua situação e de modificá-la. O pesquisador parece-se, neste contexto, a um praticante social que intervém numa situação com o fim de verificar se um novo procedimento é eficaz ou não. - No ensino, a pesquisa-ação tem por objeto de pesquisa as ações humanas em situações que são percebidas pelo professor como sendo inaceitáveis sob certos aspectos, que são suscetíveis de mudança e que, portanto, exigem uma resposta prática. Já a situação problemática é interpretada a partir do ponto de vista das pessoas envolvidas, baseando-se, portanto, sobre as representações que os diversos atores (professores, alunos, diretores etc.) têm da situação. - A pesquisa-ação é situacional: procura diagnosticar um problema específico numa situação também específica, com o fim de atingir uma relevância prática dos resultados. Não está, portanto, em primeira linha interessada na obtenção de enunciados científicos generalizáveis (relevância global). Há, no entanto, situações em que se pode alegar alguma possibilidade de generalização para os resultados da pesquisa-ação: se vários estudos em diferentes situações levam a resultados semelhantes, isto permite maior capacidade de generalização do que um único estudo.

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- A pesquisa-ação é auto-avaliativa, isto é, as modificações introduzidas na prática são constantemente avaliadas no decorrer do processo de intervenção e o feedback obtido do monitoramento da prática

Tripp (2005, p.445-446) faz uma distinção entre a pesquisa-ação e a investigação-

ação, sendo esta última de forma variada e diversificada, sendo uma instrumentalização da

primeira. É importante que se reconheça a pesquisa-ação como um dos inúmeros tipos de investigação-ação, que é um termo genérico para qualquer processo que siga um ciclo no qual se aprimora a prática pela oscilação sistemática entre agir no campo da prática e investigar a respeito dela. Planeja-se, implementa-se, descreve-se e avalia-se uma mudança para a melhora de sua prática, aprendendo mais, no correr do processo, tanto a respeito da prática quanto da própria investigação.

Assim, segundo Tripp (2005) verifica-se que investigação-ação é um termo genérico

acerca dos vários meios de se fazer a pesquisa-ação. O autor expõe ainda o seguinte

fluxograma básico quanto à investigação-ação:

Diagrama: representação em quatro fases do ciclo básico de investigação-ação.

Figura 7 – Ciclo básico em quatro fases de investigação-ação. Fonte:TRIPP, David. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Trad. Lólio Lourenço de Oliveira. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.31, n.3, p.443-446, set./dez. 2005.

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Tripp (2005, p.446) explica o diagrama apresentado:

A maioria dos processos de melhora segue o mesmo ciclo. A solução de problemas, por exemplo, começa com a identificação do problema, o planejamento de uma solução, sua implementação, seu monitoramento e a avaliação de sua eficácia. Analogamente, o tratamento médico também segue o ciclo: monitoramento de sintomas, diagnóstico da doença, prescrição do remédio, tratamento, monitoramento e avaliação dos resultados.

Aplicando-se o ciclo do diagrama da investigação ação de Tripp (2005), ao estudo de

caso dos Wapixana, notamos que a solução do problema da patente do cunani e biribiri

começa com a identificação do mesmo.

No caso o problema consiste no fato dos produtos terem sido patenteados sem o

reconhecimento ou participação dos Wapixana nos benefícios oriundos desta patente.

Como monitoramento tem-se conhecimento de artigos antropológicos registrando a

problemática, bem como a notícias de que a FUNAI iria tomar providências quanto a quebra

da patente conforme divulgado no jornal Folha de São Paulo em 1997.

Todavia, parece haver falta de efetivo monitoramento no deslinde da questão, pois os

próprios Wapixana, em Assembleia admitem que os esforços e medidas divulgados desde

1997, continuam sem respostas.

Ainda não se chegou na fase de implementação ou tratamento, pois, a Assembleia tem

o entendimento de que algo deve ser feito, que deve-se acionar Órgãos Governamentais como

a FUNAI para as devidas providências. Mas ainda não se tem resposta de nenhum Órgão

Oficial quanto alguma medida tomada ou iniciada.

A própria comunidade, com a organização demonstrada para discutir, deliberar e

buscar uma solução irá encontrar o “tratamento” que entenderem melhor para a Comunidade e

seus interesses.

6.4 AUTORIZAÇÃO FEITA NA ASSEMBLEIA GERAL DAS COMUNIDADES DA REGIÃO DA SERRA DA LUA

Conforme já mencionado, alguns tuxauas Wapixana demonstraram interesse no tema

da pesquisa e falaram para apresentar o tema na Assembleia Geral da Região da Serra da Lua

que foi realizado na comunidade Malacaxeta, Município de Cantá-RR, nos dias 22 a 25 de

novembro de 2011.

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O autor se dirigiu ao local da Assembleia, na Malacaxeta, onde estavam presentes 18

tuxauas e suas comunidades, todas da Região da Serra da Lua, etnia Wapixana.

Primeiramente foi estabelecido contado com a tuxaua Lucineide, que atende por

“Neide”, da comunidade anfitriã (Malacaxeta), depois com o Coordenador Simião (Simião é o

Coordenador do Conselho Regional da Região da Serra da Lua, sendo uma liderança de toda a

Região da Serra da Lua).

Foi deixado com a tuxaua Luzineide, conhecida por Neide e com o Coordenador

Simião cópias do projeto, certidões sobre o mestrado e a aprovação no exame de qualificação,

dentre outros documentos que esclareciam e demonstravam a seriedade e finalidade

acadêmica do projeto.

Determinou-se que o autor deveria expor por breves minutos o tema, os objetivos, a

metodologia, os tipos de perguntas e a pesquisa que pretendia fazer com a comunidade Alto

Arraia.

Procedeu-se conforme orientado, feita a exposição do projeto, respondido os

questionamento, anunciaram que iriam deliberar sobre a autorização para a pesquisa, sendo

que o expositor deveria retornar na sexta-feira (dia 25 de novembro de 2011), para obter o

resultado, positivo ou negativo.

No dia 25 de novembro, ao retornar à Assembleia, houve nova exposição do assunto,

novos questionamentos e a Assembleia votou da maneira como se fazia nos primórdios da

Democracia na Grécia antiga, ou seja, pelo voto aberto, mas não só por homens como na

antiga Democracia Grega, mas por homens e mulheres adultos da comunidade.

Respondendo um questionamento, foi esclarecido, como no primeiro dia, e

confirmado que não se iria extrair amostra de planta, de sangue, de animais. A pesquisa seria

meramente do ponto de vista jurídico, quanto à propriedade intelectual do conhecimento

tradicional do cunani e do biribiri.

Este esclarecimento final quanto ao não uso de amostras pareceu ter sido importante

na decisão final sobre a autorização ou não da pesquisa.

Assim, por maioria de votos, feitos no “malocão” onde se reuniram todos em

Assembleia, contabilizou-se a maioria dos votos aprovando a pesquisa.

O resultado foi registrado em ata que foi assinada por todos os presentes e, conforme

informado seria enviado para a FUNAI e para o Conselho Indígena de Roraima (CIR).

Sobre o CIR, oportuno citar Baines (2004, p.65-98), que expõe sobre seu surgimento e

também sobre um Órgão similar Ameridians Peoples Association (APA) no país vizinho

Guiana:

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No Brasil, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) se consolidou a partir do movimento indígena nos anos de 1970, iniciado com apoio da Igreja Católica. Enfrentando hostilidades constantes, os povos indígenas, a partir de escritórios em cidades com advogados indígenas e outros profissionais em lidar com o Estado, estão conseguindo grandes avanços no reconhecimento dos seus direitos e estabelecendo novas relações com os Estados nacionais. Na Guiana, a Amerindian Peoples Association (APA), criada em1991, e reconhecida desde 1992, vem ganhando força política em relação a direitos territoriais. Entre as quatro principais organizações indígenas em nível nacional, a APA vem ganhando mais visibilidade nesta região.

Denota-se uma grande organização social e democrática entre os Wapixana tanto do

Brasil quanto do país vizinho Guiana, com organismos sociais como o CIR no Brasil e APA

na Guiana.

Logo após a Assembleia Geral da Região da Serra da Lua ter aprovado a pesquisa, o

antigo Coordenador do Conselho Regional da Região da Serra da Lua, Sr. Norberto Cruz da

Silva, Wapixana da Comunidade indígena Tabalascada, trouxe apontamentos e informações

sobre a busca por solução quanto ao patenteamento do cunani e biribiri já feita e ainda sem

respostas.

6.5 RELATO DO SENHOR NORBERTO CRUZ DA SILVA E O RELATÓRIO DA SUA COMITIVA À GUIANA

Conforme mencionado, após a autorização das comunidades da Região da Serra da

Lua acerca da pesquisa da presente dissertação e sua abordagem ao estudo de caso dos

Wapixana, o Sr. Norberto Cruz da Silva, antigo Coordenador do Conselho Regional da

Região da Serra da Lua, trouxe informações que vivenciou sobre o tema.

O Senhor Norberto, relatou que em 1999 os Wapixana em Roraima tiveram contato e

apoio de Marina Silva, na época Senadora da República.

O mesmo relatou que conversou com Marina Silva sobre o cunani e biribi e esta os

ajudou a divulgar o assunto e também com recursos para formarem uma comitiva a ir para

Guiana tratar do assunto (patente do cunani e biribiri, buscar informações sobre o caso, etc.)

naquele país.

Dentre a mídia em que foi divulgada, cita-se e emissora de televisão Rede TV. Cirino

(2000) menciona a divulgação no jornal Folha de São Paulo em 1997.

A comissão visitou a Guiana em 04 de maio de 1999 e era composta dos seguintes

integrantes:

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1-Norberto Cruz da Silva – Wapixana, Coordenador Regional da Região da Serra da

Lua;

2 – Paulo Pacararú – Assessor Jurídico do CIR (Conselho Indígena de Roraima);

3 – Alan Douglas – Professor e Tradutor – Maloca Manoá;

4- Geraldo Douglas – Guia da Comissão – Maloca Manoá;

5- Evandral B. do Vale – Motorista do CIR30

Continuando seu relato, uma vez constituída a comissão, “seu Leandro da

Malacacheta” colheu cunani, dissolveu na água e mostrou como se usa para a equipe.

Chegando na Guiana, entraram em contato com a comunidade Sant-Greek, tendo sido

apresentados ao Senhor Moacir Barreto (representante dos Wapixana na Guiana) que disse ser

o prefeito.31

O Senhor Moacir Barreto disse à comitiva que não conhecia nada sobre o

patenteamento, mas informou que teria um encontro de lideranças em Lethem (município da

fronteira com o Brasil, por Roraima).

Assim, o Senhor Moacir autorizou a comitiva ir até a maloca Sant Greek, contatou a

polícia para “assinar autorização” da entrada da comitiva.

Uma vez autorizados, passaram pelo rio Rupunune e chegaram ao local da reunião

onde encontraram os seguintes líderes: Benedit James, Edoardo Midael, Johnny Moses, Zita

B. Bonjam, Rocky Mario, Lionel M. Birney.

Foi informado que a palavra “biribiri” é um nome usado pelos não índios e que o

termo wapixana para o produto tradicionalmente usado por eles, sendo comum na região da

Guiana é o “tipir”.32

A comitiva ouviu informações da Sra. Louise Ramphanil que afirmou conhecer

Conrad Gorinsky, que talvez o mesmo tenha nascido em “Good Hope”, abaixo de Lethem.

Informou ainda que os pais de Gorinsky era estrangeiro, sendo que ela acha que é

alemão e a mãe uma “parente” wapixana.

Ramphanil relatou que o pai de Gorinsky o tinha enviado para estudar na Inglaterra,

onde este se formou e depois voltou.

30 Os nomes, informações e denominação da maloca de alguns integrantes da comitiva estão relatados conforme anotados pelo Sr. Norberto Cruz da Silva no seu relatório de viagem. 31 Apesar de não explicar o termo, acredita-se que seja o termo que usam para a liderança local indígena, semelhante aos tuxauas em Roraima. Artigos antropológicos mencionam o termo inglês: “charman”. 32 biribiri na língua mãe wapixana é chamado de tipir. (com pronúncia acentuada na sílaba “pir” ao final)

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Retornando à comunidade, já formado (conforme continuação do relato) Conrad disse

à comunidade que queria fazer pesquisa sobre plantas medicinais e prometeu que se tudo

desse certo, “traria de volta para o povo Wapixana”.

Teria convocado pessoas para ser ajudante. A Sra. Louise Kamphanil informou que

conheceu três pessoas que o ajudaram, que passaram seus conhecimentos. Relata que

Gorinsky levou o material e nunca mais voltou com remédios.

Kamphanil informa ainda que, uma vez a irmã de Gorinsky esteva na maloca. Nessa

ocasião, perguntaram para ela sobre Conrad Gorinsky e ela teria dito que ele estava atarefado

e que o medicamento que ele estava usando foi descoberto por ele próprio.

Essas são as informações mais significativas que o Senhor Norberto Cruz da Silva

relatou e passou das suas experiências pessoais e anotações da busca por soluções e

integração com os Wapixana da Guiana (que chamam de “parentes”).

Ao final, demonstrou que apesar dos esforços da época, desde 1999, os Wapixana

ainda aguardam uma resposta sobre o patenteamento do cunani e biribirí (tipir na língua

wapixana).

6.6 AMOSTRAGEM DE PESQUISA REALIZADA NA COMUNIDADE INDÍGENA ALTO ARRAIA

Em pesquisa realizada com moradores da comunidade indígena Alto Arraia, em

Manuá-Pium, Região da Serra da Lua, Município de Bonfim-RR, sendo os mesmos da etnia

Wapixana, chegou-se a uma conclusão significativa acerca do conhecimento do cunani e do

biribiri.

O Questionário aplicado (conforme anexo) cita o conhecimento do cunani e do biribiri

e numa amostragem de 30% (trinta por cento) da população da Comunidade (População Alto

Arraia 136 habitantes - Cirino, 2009, p.84, tabela 1).

Na pesquisa realizada no primeiro bimestre de 2012, mediante aplicação de

questionários (questionário em anexo)’ constatou-se do total de entrevistados (30% da

população33) 100% (cem por cento) conheciam o cunani e sabem como utiliza-lo,

demonstrando ser comum a sua utilização.

Uma porcentagem menor, 2%(dois por cento) conhecem o biribiri (tchipiiz34),

confirmando não ser comum naquela região.

33 População total de 136 habitantes na comunidade Alto Arraia, segundo CIRINO (2009). 34 Escrita na língua Wapixana. Em português escreve-se tipir.

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Os dados coletados confirmam as declarações do Sr. Simião, Coordenador da Região

da Serra da Lua, durante a Assembleia Geral dos dias 22 a 25 de novembro, quando afirmou

que todas as comunidades da Região da Serra da Lua ali presentes tinham o cunani, mas o

biribiri seria comum e de uso dos Wapixana da Guiana.

Quanto a presença do biribiri ou tipir (na língua Wapixana) na Guiana, a declaração do

Coordenador da Região da Serra da Lua coaduna com as informações de Avila (2006).

Constatou-se também, durante as entrevistas, que o cunani seria bastante presente na

comunidade Jacumim.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de não haver atualmente solução para o problema da biopirataria relacionada

à apropriação de conhecimentos tradicionais, especialmente de populações indígenas, como

os Wapixana, muito se avançou no sentido de coibir essa prática.

A Convenção 169 do OIT, artigo 8, alínea “j” prevê o respeito à biodiversidade dos

países e também do conhecimento de sua população tradicional.

O reconhecimento do conhecimento de uma população tradicional merece uma

regulamentação ou um novo instrumento jurídico que tutele esse bem jurídico imaterial.

É sabido que o registro de patentes só reconhece invenções e inovações individuais.

Todavia o respeito da biodiversidade nacional já é um avanço, visto que nos países ricos em

biodiversidade, há quem diga que o patrimônio genético representa valor material superior

que as jazidas de minérios e pedras preciosas, como ouro e diamante, presente no subsolo.

Nesse contexto, novamente lembra-se o caso dos Wapixana, objeto do estudo de

caso, cujo biribiri, que tem propriedades medicinais, como anti-hemorrágico,

anticoncepcional e até abortivo, foi biopirateado, ou seja, apropriado indevidamente e

patenteado, sendo que um laboratório canadense, “Biolink”, produz um anticoncepcional com

base em seu princípio ativo.

Há o discurso da criminalização, com proposta de tipificar a biopirataria. Essa

proposta ganhou força na CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Congresso Nacional

Brasileiro, do ano de 2006, cujo relator foi José Sarney Filho, resultando em Projeto de Lei

com a proposta de criação de lei nesse sentido.

Todavia, a criminalização ainda não traria uma solução total. Poder-se-ia diminuir,

mas não extinguir com a prática de apropriação desses conhecimentos tradicionais. Talvez

com algum resultado quanto à preservação do patrimônio genético e imaterial no país. Mas

ainda sem resposta para a tutela dos direitos de grupos detentores de conhecimentos

tradicionais.

Assim, a criminalização seria um paliativo, na visão que prega o uso do direito penal

como ultima ratio, ou seja, como última esfera, defendida pelo princípio da intervenção

mínima, quando o direito civil, comercial e outros ramos do direito foram insuficientes,

poder-se-ia melhorar as questões que atentem contra o patrimônio nacional, mas não é

solução para os grupos detentores de conhecimento tradicionais.

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O brocardo jurídico suum cuique tribuere teria melhor alcance com remédios

jurídicos de conteúdo econômico ou cível. Nesse sentido, a proposta de participação nos

resultados dos produtos elaborados com a ajuda e informações dos detentores de

conhecimentos tradicionais, parece ser uma solução mais ampla.

Dentre desta proposta econômica, a medida preventiva de um cadastro prévio de

produtos da biodiversidade nacional, é de grande ajuda, tendo sido utilizado na solução e na

quebra da patente do “cupulate” que estava com uma empresa japonesa “Asian Foods” e

graças ao empenho da embaixada brasileira no Japão, obteve-se a quebra da patente.

A patente conjunta, ou participação nos lucros dos produtos derivados dos princípios

ativos obtidos da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais também é possível

conforme se verificou no acordo dos feirantes-ver-o-peso de Belém-PA e a empresa Natura.

Opcionalmente pode ser atribuído um valor específico para compensar o

fornecimento das informações como ocorreu com as quebradeiras de côco no Piauí e a

empresa Natura.

No estudo de caso do Wapixana em Roraima, denota-se que a etnia tem grande

interesse no assunto, querem uma solução, mas não sabem como ou quem pode lhes dar uma

resposta definitiva aos seus anseios.

Representantes da etnia já estiveram na Capital Federal, nas Cortes Superiores e

pediram ajuda da FUNAI e demais Órgãos Governamentais, todavia, ainda não há notícias

sobre quebra da patente do cunani (cunaniol) e biribirí, tampouco, notícias de alguma medida

adotada pela FUNAI ou Procuradoria da República.

Durante as pesquisas, notou-se fomentação de discussões e buscas de soluções, nesse

sentido, denota-se que a teoria da pesquisa-ação, tem visíveis resultados, ou seja, durante a

pesquisa, o grupo pesquisado, começa a pensar e fomentar possíveis ações que possam ser

adotadas para atender seus anseios.

No caso pesquisado os anseios dos Wapixana de Roraima era ter reconhecimento dos

seus conhecimentos tradicionais do uso do cunani e beribirí, cujos princípios ativos foram

patenteados pelo pesquisador Conrad Gorinsky, como invenção individual deste, apesar da

ajuda obtida dos Wapixana, sendo reconhecida tal ajuda pelo pesquisar, que mesmo assim,

nega-se a pagar qualquer valor como royalties.

Denota-se que o sentimento dos Wapixana quanto ao caso estudado, tem um misto

de ingratidão e traição, visto que o pesquisador tinha sangue Wapixana, pois sua mãe era da

comunidade daquela etnia da Guiana.

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A quebra da Patente ou reconhecimento dos conhecimentos tradicionais e

participação da comunidade no resultado final do anticoncepcional feito com o princípio ativo

do biribirí é uma medida que se impõe necessária para dirimir conflitos decorrentes da

biopirataria e mesmo fazer justiça contra essa e outras possíveis apropriações de

conhecimentos tradicionais.

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REFERÊNCIAS

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ANEXOS

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ANEXO A – AMOSTRA DA PESQUISA JUSTIFICATIVA, MÉTODO; TERMO DE LIVRE CONSENTIMENTO; QUESTIONÁRIO DA ENTREVISTA; MEDIDAS DE PROTEÇÃO DE RISCO E CONFIDENCIALIDADE TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - TCLE BIOPIRATARIA E APROPRIAÇÃO DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS: UM ESTUDO DE CASO DOS ÍNDIOS WAPIXANA DE RORAIMA

Declaro que fui satisfatoriamente esclarecido pelo pesquisador Walker Sales Silva Jacinto, em relação a minha participação no projeto de pesquisa intitulado BIOPIRATARIA E APROPRIAÇÃO DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS: UM ESTUDO DE CASO DOS ÍNDIOS WAPIXANA DE RORAIMA, cujo objetivo é tratar da biodiversidade e problemática da apropriação de conhecimentos tradicionais e as propostas de solução, das quais a criminalização e a cooperação, sendo a primeira pelo meio coercivo, na seara do direito penal e a segunda pelo meio da compensação, do incentivo, sendo o foco econômico. Contribuir o tema, abordando um caso local, “Waipixanas e a Biopirataria” no qual dois produtos naturais utilizados pelos índios Waipixanas que residem em Roraima e na Guiana, sendo ao beriberi e o cumani tiveram patentes requeridas pelo químico Goransky, filho de alemão com uma indígena Waipixana, que alegou ter sido o único inventor e descobridor Hdos conhecimentos passados pela comunidade Waipixana. Os dados serão coletados através de entrevistas de membros da comunidade indígena Alto-Arraia em Manuá-Pium, Região da Serra da Lua, Município de Bonfim/RR, registradas em gravador de voz e transcritas no formulário de perguntas em anexo do projeto. Existe um risco ao em comentar os conhecimentos tradicionais da comunidade em relação ao cunani e beriberi. Seria o risco de atrair pesquisadores mal intencionados para tentar se apropriar do conhecimento de outros produtos tradicionalmente utilizados pelos Wapixana. Esse risco pode ser reduzido com a notificação dos Órgãos Oficiais de fiscalização como Polícia Federal, IBAMA. O resultado das pesquisas serão disponibilizados para toda a Comunidade, as eventuais despesas decorrentes da participação na pesquisa serão integralmente ressarcidas pelo pesquisador Walker Sales Silva Jacinto que poderá ser acionado pela FUNAI administrativamente ou pela Procuradoria da República, judicialmente. Uma cópia do TCLE ficará com o sujeito (pesquisado/entrevistado) e outra com o pesquisador. Estou ciente e autorizo a realização dos procedimentos acima citados e a utilização dos dados originados destes procedimentos para fins didáticos e de divulgação em revistas científicas brasileiras ou estrangeiras contanto que seja mantido em sigilo informações relacionadas à minha privacidade, bem como garantido meu direito de receber resposta a qualquer pergunta ou esclarecimento de dúvidas acerca dos procedimentos, riscos e benefícios relacionados à pesquisa, além de que se cumpra a legislação em caso de dano. Caso haja algum efeito inesperado que possa prejudicar meu estado de saúde físico e/ou mental, poderei entrar em contato com o pesquisador responsável e/ou com demais pesquisadores. É possível retirar o meu consentimento a qualquer hora e deixar de participar do estudo sem que isso traga qualquer prejuízo à minha pessoa. Desta forma, concordo voluntariamente e dou meu consentimento, sem ter sido submetido a qualquer tipo de pressão ou coação. Eu, ____________________________________________, após ter lido e entendido as informações e esclarecido todas as minhas dúvidas referentes a este estudo com o Professor _____________________________, CONCORDO VOLUNTARIAMENTE, _____________________________________________ participe do mesmo.

Local (cidade), data: _________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ Nome e assinatura (do pesquisado ou responsável) ou impressão datiloscópica Eu, Walker Sales Silva Jacinto, declaro que forneci todas as informações referentes ao estudo ao paciente.

Para maiores esclarecimentos, entrar em contato com os pesquisadores nos endereços abaixo relacionados:

Nome: Walker Sales Silva Jacinto Endereço: Av. Ville Roy, n. 4935 Bairro: São Pedro Cidade: Boa Vista UF: RR Fones: (95)2121-9281 ; (95) 9145-4362 e-mail: [email protected]

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ALTERAÇÃO DO QUESTIONÁRIO DE ENTREVISTAS

Justificativa: Analisando melhor o questionário, considerando também as considerações do Parecer do Comitê de Ética e Pesquisa – CEP/UFRR processo n. 111006, o pesquisador entendeu que o formulário anterior que indagava nos itens 9 e 13 sobre uso de medicamentos de árvores e a localização causaria uma exposição de risco aos conhecimentos tradicionais dos Wapixana entrevistados. Referida informação sobre os medicamentos utilizados não são necessários a pesquisa que é sobre o cunani e beribéri, não havendo necessidade de mencionar novos produtos

Formulário de entrevistas 1) Nasceu na comunidade? (Alto Arraia)

_________________________________________________________________________

2) Estuda na comunidade? Qual nível?

_________________________________________________________________________

3) Língua materna falada?

_________________________________________________________________________

4) Fala a língua materna na comunidade?

_________________________________________________________________________

5) Conheceu o “biribirí”?

___________________________________________________________________________

6) Conheceu o “cumani”?

___________________________________________________________________________

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AMOSTRA DA PESQUISA, JUSTIFICATIVA, MÉTODO

A coleta de informações para o desenvolvimento do protocolo de pesquisa intitulado

BIOPIRATARIA E APROPRIAÇÃO DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS: UM

ESTUDO DE CASO DOS ÍNDIOS WAPIXANA DE RORAIMA, de autoria de Walker

Sales Silva Jacinto (mestrando), discente(s) do curso de Mestrado em Direito Ambiental, será

preservada a privacidade e a privacidade e a confidencialidade de tais documentos e dos seus

sujeitos.

A amostra da pesquisa será feita na comunidade indígena Alto Arraia cuja população

estimada em 136 habitantes (Cirino, 2009) 35. Os mesmos possuem acesso à energia elétrica

da linha de Guri, distribuída pela Companhia Energética de Roraima – CER (fonte: Folha de

Boa Vista, 19.09.2008).

Considerando que a pesquisa é qualitativa e não quantitativa, pretende-se aplicar o

questionário submetido ao Comité de Ética e Pesquisa a cerca de 10% da população ou ao

menos às lideranças.

Será gravado em áudio, por meio de gravador de voz, sendo posteriormente transcrito.

Não serão transcritas outras informações relevadas que não tenham relação com o

questionário (confidencialidade).

A justificativa da amostra é demonstrar in loco, na comunidade Alto Arraia, o

conhecimento e uso tradicional do cunani e biribiri.

A comunidade terá acesso ao resultado da pesquisa e a futura dissertação de mestrado

que constitui documento científico que fica à disposição da comunidade para suas demandas e

reivindicações.

A pesquisa corroborar com dados e artigos antropológicos de que o cunani e biribiri é

de uso tradicional dos Wapixana, apesar de ter sido patenteado por um químico, o Sr. Conrad

Gorinsky como invenção individual deste.

Características da população:

Segundo Diniz (1972) os Wapixana e os Macuxi constituem povos com uma longa

história de colonização e contatos intensivos e contínuos com os regionais dos dois países

(Brasil e Guiana) por mais de dois séculos, sendo caracterizados pela população regional de

Roraima como “índios civilizados” e “caboclos” (Diniz, 1972, p. 124)36.

35 CIRINO, Carlos Alberto Marinho Cirino. A “Boa Nova” na língua indígena. Contornos da evangelização dos Wapischana no século XX. Ed.UFRR, 2009. 36 DINIZ (1972) apud BAINES, Stephen G. Revista de Estudos e Pesquisas. FUNAI, Brasília, v.1, n.1, p.65-98, jul.2004.

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A Comunidade Alto Arraia, faz parte do Manua-Pium, Região da Serra da Lua,

Município de Bonfim.

Dados da Comunidade segundo pesquisa de Carneiro (2007) 37: Topônimos: Alto Arraia Topônimo em Wapxinana: Dybaruw ‘u Dukuit Município: Bonfim – RR Origem linguística: Portuguesa Estrutura Gramatical: Adjetivo + Substantivo Ano de fundação: 1980 Limites: Faz parte do Manoá-Pium Etimologia: o quantitativo alto + peixe cartilaginoso, rajiformes. Contexto Oral: “Eu que fundei a maloca aqui, nós morávamos no Moskow, tinha uma pessoa apenas lá, o fazendeiro botou fogo na minha casa, aí o papai falou vamos embora, para onde a funai está demarcando, 6 de janeiro de 1980 chegamos aqui. A área tava demarcada, aqui tinha muito peixe e caça. Era onde morava o Tuxaua, no centro. Os nossos parentes sabendo que nós estamos aqui, o pessoal veio da Guiana, Manoá. Viemos andando do Moskow, não tinha estrada, ela chegou em 1985. Aí o irmão Francisco contrui a igreja em São Francisco em 1985, aí mudamos por causa da estrada, e ficou igreja de São Francisco. Só a Católica aqui. Como Moskow não estava demarcada, ele resolveu viu aqui para o mirxizal.” Dados do Informante: Henrique Gomes Natural de/Etnia: Chiia (Guiana)/wapixana Data de nascimento: 06/08/1941 Pai: Leonardo Gomes Mãe: Irene Gomes Local e data da coleta: Malocão do Alto Arrraia, 24 de agosto de 2006 Coordenadas Geográficas: Nº 02 51.299 Wº 60 12.555 – 107 mt

População Wapischana (Cirino, 2009, p.84, tabela 1)38: Região: Maloca População Serra da Lua Jacamin 312

Marupá 200 Água Boa 58 Wapun 123 Malacacheta 427 Canauanin 340 Moscou 130 Tabalascada 282 Alto Arraia 136 Cumarú 162 Jabutí 176 Sapo 100 Pium 302

Todo o referido é verdade. Boa Vista, 21 de novembro de 2011. Walker Sales Silva Jacinto

Universidade Federal de Roraima – UFRR Campus Paricarana

Boa Vista - RR 37 CARNEIRO, João Paulo J. A. A morada dos Wapixana. Atlas toponímico da região indígena da Serra da Lua – RR. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, USP, 2007. 38 CIRINO, Carlos Alberto Marinho, 2010.

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MEDIDAS DE PROTEÇÃO DE RISCOS E CONFIDENCIALIDADE

Diante do risco de expor os conhecimentos tradicionais da comunidade Wapixana Alto Arraia e com essa exposição tornarem-se vítima de apropriações de conhecimentos tradicionais como o que ocorreu com o biribiri e cunani. Deve ser adotada as seguintes medidas:

1) Ainda que o pesquisador Walker Sales Silva Jacinto tome conhecimento do uso de outros produtos da biodiversidade pelos Wapixana, não serão divulgados, com exceção do cunani e biribiri que são objetos da pesquisa;

2) Não será divulgado a localização exata do cunani e biribi, para evitar que seja apropriados por não índios, por pesquisadores mal intencionados;

3) Não será divulgado informações sobre outros produtos da biodiversidade utilizados pelos Wapixana, que não sejam o cunani e biribiri.

4) Serão notificados os Órgão Oficiais de fiscalização e proteção dos índios no Brasil. a Polícia Federal, o Ministério Público Federal, a FUNAI, IBAMA, FEMARH/RR (Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Roraima), para conhecimento do tema e prevenção.

Declaro, também, que o procedimento proposto, na pesquisa assegura a

confidencialidade dos dados e garante a privacidade dos sujeitos, bem como a proteção da sua

imagem, impedindo o estigma e a utilização das informações em prejuízo de terceiros e da

comunidade. Preservando, ainda, a auto-estima e o prestigio dos envolvidos, tudo utilizando,

apenas, para os fins propostos no protocolo de pesquisa.

Todo o referido é verdade. Boa Vista, 21 de novembro de 2011. ______________________________________________ Walker Sales Silva Jacinto Universidade Federal de Roraima – UFRR Campus Paricarana Boa Vista – RR

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ANEXO B – FIGURAS COOPERATIVA DE AÇAI; AÇAIZEIRO SENDO COLHIDO; WAPIXANA MOSTRANDO SEMENTE DO TIPIR; IMAGENS DA COMUNIDADE INDÍGENA ALTO-ARRAIA; IMAGEM DA TUXAUA E VICE-TUXAUA DA COMUNIDADE ALTO-ARRAIA Cooperativa de produtores de açaí (PA)

Fonte: Jornal O Liberal, Belém, fev.2007

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Açaizeiro sendo colhido39

Fonte: Dias, J., 2011

39 Disponível em <http://www.amazonlink.org/biopirataria/recursos_biologicos/acai.jpg>. Acesso em: 07 abr.2011.

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Ìndia wapixana Evelyn Gomes na Guiana mostrando o “tipir” cuja raspa estanca hemorragias, impede infecções, além de servir como anticoncepcional, conforme a tradição do seu povo.

Fonte: Rede de Tecnologia do Rio de Janeiro. Responsável: Disponível em < http://www.redetec.org.br/inventabrasil/rupu.htm>. Acesso em: 07 abr.2011.

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Comunidade Indígena Alto Arraia – Terra Indígena Manuá-Pium, Região Serra da Lua, Município de Bonfim.

Fonte: Autoria propria,2011.

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Comunidade Indígena Alto Arraia – Terra Indígena Manuá-Pium, Região Serra da Lua, Município de Bonfim.

Fonte: Autoria propria,2011. Comunidade Indígena Alto Arraia – Terra Indígena Manuá-Pium, Região Serra da Lua, Município de Bonfim.

Fonte: Autoria propria,2011

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Comunidade Indígena Alto Arraia – Terra Indígena Manuá-Pium, Região Serra da Lua, Município de Bonfim/RR.

Fonte: Autoria propria,2011

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Tuxaua Corina da Silva Gomes e do Vice- Tuxaua Valqui Gomes de Oliveira. Durante pesquisa na Comunidade Indígena Alto Arraia – Terra Indígena Manuá-Pium, Região Serra da Lua, Município de Bonfim/RR.

Fonte: Autoria propria, 2011.

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ANEXO C – DADOS DA COMUNIDADE INDÍGENA ALTO-ARRAIA CONFORME CARNEIRO 2007

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ANEXO D – AUTORIZAÇÕES PARA INGRESSO EM TERRA INDÍGENA PARA PESQUISA - AUTORIZAÇÃO DA FUNAI-RR ATRAVÉS DO COORDENADOR REGIONAL; AUTORIZAÇÃO DA TUXAUA DA COMUNIDADE ALTO-ARRAIA

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ANEXO E – RELATÓRIO DA XXIX ASSEMBLEIA REGIONAL DE LIDERANÇAS INDÍGENAS DA REGIÃO DA SERRA DA LUA 2011 – POSTADO CONFORME RECEBIDO, SEM AJUSTES OU ALTERAÇÕES.

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