Bob Lester e Sua Trajetória Inventada - 14-02-2016 - Ilustríssima - Folha de S

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    Bob Lester e sua trajetria inventada

    FABIO BRISOLLAilustraoELISA VON RANDOW

    14/02/2016 02h04

    RESUMOBob Lester passou dcadas construindo para si um passado de sucessoacompanhando a estrela Carmen Miranda. Com a narrativa que no correspondia realidade, enganou a mdia e conquistou a simpatia de pesquisadores e de gente influente.

    Alm de criar um personagem e sua fama, inventou ainda seu declnio e sua misria.

    Elisa von Randow

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    No auge, Bob Lester sapateou em shows e filmes ao lado de Carmen Miranda. Fez partedo Bando da Lua, a trupe musical que acompanhou a estrela brasileira nos EstadosUnidos. Foi amigo de Frank Sinatra e Doris Day. Aprendeu a danar com Fred Astaire.Chegou ao topo do "showbiz" mundial entre os anos 1930 e 1940.

    O ator e comediante Bob Hope, que despontava em Hollywood naqueles tempos, foi quemo batizou na vida artstica. Sugeriu-lhe adotar o pseudnimo Bob Lester em substituio aoprosaico Edgard de Almeida Negro de Lima, nome que constava em seu RG.

    Na juventude, Edgard foi jogador de futebol. Nascido em Santa Maria, no Rio Grande doSul, defendeu as redes do Riograndense, um time da regio. Disputou partidas decisivascontra equipes internacionais como o Pearol, do Uruguai. Orgulhava-se de ter sido umparedo intransponvel em duelo com Heleno de Freitas, o eterno craque do Botafogo.

    Ao trocar a chuteira pelo sapato de dana com chapa de metal na sola, Edgard virou Bob,fez fortuna e amigos como o cantor Roberto Carlos e o playboy Jorginho Guinle. Por muito

    tempo, morou no Copacabana Palace, o icnico hotel fundado pela famlia deste ltimo.Essa rotina de "superstar" seria subitamente interrompida por um acidente de automvelque matou mulher, filhas e a me de Bob Lester. Traumatizado, abandonou os palcos.Meses depois, ao esboar um retorno, as portas se fecharam. Perdeu tudo. Chegou amorar nas ruas. Passou a se apresentar em caladas e praas como o largo da Carioca,no centro do Rio.

    Essa a saga de Bob Lester, conforme ele mesmo repetiu incontveis vezes ao longo davida, at morrer no ltimo dia 6 de novembro, aos 99 anos.

    Por mais de quatro dcadas, os altos e baixos dessa dramtica trajetria foram relatadosem jornais como "Correio da Manh", "ltima Hora", "Jornal do Brasil", "O Globo", "OEstado de S. Paulo" e a Folha, e em revistas como "O Cruzeiro", "Manchete", "Fatos eFotos", "Contigo" e "Veja".

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    S que, nos acervos das publicaes citadas, no h uma reportagem, nem uma notasequer, dedicada especificamente ao perodo de glria louvado por Bob Lester.

    No h, nem em texto, nem em foto, um nico registro de show ou apresentao dele noBando da Lua. No h uma imagem que seja, mesmo de arquivo pessoal, ao lado daamiga Carmen Miranda.

    Por uma simples razo: Bob Lester nunca fez parte do Bando da Lua, jamais se

    apresentou, mesmo que por uma noite, com o grupo e tampouco danou ao lado daPequena Notvel. Seu grande feito foi ter criado uma histria que repetiu exausto, atque ela adquirisse, por um caminho tortuoso, contornos de verdade.

    HOLLYWOOD

    Na biografia "Carmen", o jornalista e escritor Ruy Castro deu a dimenso exata do sucessomundial alcanado pela artista. Ao lado dela, os integrantes do Bando da Lua participaramde um musical na Broadway, fizeram uma temporada de shows no hotel Waldorf Astoria,de Nova York, e foram escalados para filmes em Hollywood.

    Em 1939, o grupo que seguiu com Carmen para os EUA tinha seis integrantes. Mas aprimeira formao do Bando da Lua somava sete componentes: Aloysio de Oliveira (violoe voz), Helio Jordo Pereira (violo), Ivo Astolfi (banjo), Oswaldo Eboli, o Vadeco(pandeiro), e os irmos Stenio Ozorio (cavaquinho), Affonso Ozorio (ritmista) e ArmandoOzorio (violo).

    Eram jovens de classe mdia, com idades entre 15 e 21 anos, vizinhos no bairro doCatete, zona sul carioca, quando tudo comeou, em 1930. Nessa trajetria, por razesdiversas e em momentos distintos, alguns optaram por sair.

    Danilo Verpa-13.mar.2013/Folhapress

    Bob Lester posa em frente a estao Julio Prestes, no centro de So Paulo

    Armando Ozorio foi o primeiro a deixar a trupe. Temia ver o grupo perder a identidade aose vincular a Carmen Miranda.

    Em decorrncia de baixas posteriores, passaram pelo Bando da Lua Garoto (AnbalAugusto Sardinha), Nestor Amaral, Zezinho (Jos do Patrocnio de Oliveira), Vadico(Oswaldo Gugliano) e Laurindo de Almeida.

    Aloysio de Oliveira que foi namorado de Carmen decidiu sair em 1942. A partir da, ogrupo, que ainda mantinha da formao original Affonso e Stenio Ozorio, adotou outronome at 1949, quando ressurgiu ao lado de Carmen Miranda, com a volta de Aloysio deOliveira ao conjunto.

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    Essa ltima formao reuniu ainda Lulu (Alusio Ferreira, violo), Harry Vasco de Almeida(ritmista), Russinho (Jos Ferreira Soares, pandeiro) e Walter Pinheiro (violo), que teveuma rpida passagem pelo grupo.

    O Bando da Lua chegou ao fim definitivamente em 1955, aps a morte de CarmenMiranda.

    J Bob Lester surgiu no incio da dcada de 1970, quando foram publicadas na imprensa

    as primeiras notcias a seu respeito.INFORTNIO

    Em 28 de fevereiro de 1970, o jornal "Correio da Manh", do Rio de Janeiro, apresentouuma reportagem com o ttulo "Vou recomear". O texto narrava o infortnio do amigo deCarmen Miranda que terminou fazendo shows nas areias de Ipanema.

    "S preciso de uma oportunidade", dizia Bob Lester.

    A revista "O Cruzeiro" entrou no mesmo tom e publicou, no ms seguinte, a reportagem

    "Bob Lester, a difcil luta pela volta"."A m sorte de Bob Lester" foi o ttulo do texto publicado pela Folhaem dezembro de1973. O primeiro pargrafo mencionava "o Bob Lester do Bando da Lua, que ao lado deCarmen Miranda fez muito sucesso nos Estados Unidos".

    Entre as dezenas de reportagens que se multiplicaram na imprensa desde ento, algumaschegaram a mencionar as contradies e, por vezes, a questionar trechos inverossmeisnos depoimentos de Bob Lester, como as aulas de sapateado que teria tido com Fred

    Astaire. Mas, ressalvas parte, a meno "ex-integrante do Bando da Lua" foi seperpetuando. E isso era tudo o que Bob Lester queria.

    Passou a andar pela cidade sempre com uma pasta preta de plstico com recortes dejornais debaixo do brao. Ao contar sua histria para estranhos, ele apresentavareportagens que validavam, ao menos na referncia sobre o Bando da Lua, sua condiode ex-dolo da msica brasileira.

    Em 20 de abril de 1978, o jornal "O Globo" publicou uma carta de Hlio Jordo Pereira,violonista da primeira formao do Bando da Lua. No trecho mais contundente, eleafirmava:

    "Toquei violo neste conjunto e tambm fiz parte do coro vocal durante dez anos

    consecutivos, dos quais trs nos Estados Unidos, onde participei de dois espetculosmusicais em Nova York, programas de rdio, discos e trs filmes com Carmen Miranda.Durante todo este tempo (sete anos no Brasil e trs nos Estados Unidos) nunca vi nemouvi falar de Bob Lester, que se diz ex-integrante do Bando da Lua."

    Elisa Von Randow

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    Hlio decidiu escrever a carta aps ler a reportagem "Ex-integrante do Bando da Lua hoje um mendigo", publicada no jornal carioca em 7 de maro daquele ano.

    "O que mais deixava meu pai incomodado era constatar que algum tentava se apropriardo trabalho dele", diz FolhaRonald Ribeiro Ozorio, filho de Stenio, cavaquinista do

    primeiro Bando da Lua, morto em 1993. Ele frisa o desagrado de seu pai mostrando reportagem uma carta escrita por Stenio, com data de 10 de maro de 1978, tambm emreao ao texto publicado em "O Globo".

    Na missiva, Stenio afirmava que Bob Lester "deturpava verdades histricas no campo damsica popular", alm de "ferir sentimentos alheios". Na concluso, o msico ressaltavaque os componentes do Bando da Lua jamais deixariam um ex-companheiro viver comomendigo nas ruas do Rio.

    "Sou o ltimo componente vivo do Bando da Lua. E posso afirmar categoricamente queBob Lester jamais fez parte do grupo, jamais trabalhou com Carmen Miranda", diz Folha,

    por telefone, Jos Ferreira Soares, 89, o pandeirista Russinho, que fez parte da ltimaformao do Bando da Lua.

    Desde a dcada de 1950, ele mora no Mxico, onde construiu um hotel aps deixar amsica. De sua casa de frente para o mar na cidade de Ensenada, no Estado de BajaCalifornia, ele recorda a descoberta relativamente tardia do parceiro de grupo que nuncateve.

    "Soube pela primeira vez de Bob Lester quando ele se apresentou como ex-integrante doBando da Lua no programa do J Soares", lembra o pandeirista.

    Depois da entrevista ao "Programa do J", transmitida pela TV Globo em 2 de novembrode 2009, Russinho recebeu a ligao do ritmista Harry Vasco de Almeida, seu ex-colegade palco. "Harry tambm ficou muito irritado com tudo isso. Ns sabemos quem fomos e oque fizemos. Se fosse verdade, no iramos esquecer um companheiro desta forma", dizRussinho.

    No "Programa do J", Bob Lester mostrou as fotos do Bando da Lua que costumavacarregar na pasta preta de plstico.

    A primeira delas era um retrato dos sete componentes da primeira formao do conjunto,todos em fila e vestidos de branco.

    Lester identificou-se como o segundo da fila. Era Stenio Ozorio.

    Em outra imagem, indicou que ele seria o sujeito de palet preto, ajoelhado em uma fotodo Bando da Lua com Carmen Miranda. Tratava-se de Armando Ozorio.

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    Tambm no se intimidou quando J exibiu no telo uma cena do filme "Uma Noite no Rio"(1941), na qual Carmen, devidamente paramentada, danava acompanhada por seusmsicos.

    "Eu sou o que est tocando afuch perto da Carmen", disse Bob Lester ao apresentador.Falso novamente. O msico que empunhava o instrumento de origem africana era AffonsoOzorio.

    "Nessa entrevista, ele chamou Vadeco de Badeco. Ivo Astolfi ele citou como se fossemduas pessoas diferentes, o Ivo e o Astolfi. Ele no sabia nem identificar os componentesdo Bando da Lua", diz Ruy Castro Folha.

    J Soares percebeu o desconhecimento de seu entrevistado.

    Chegou a fazer piada, quando Lester apontou em uma foto Nanai, msico que jamais fezparte do Bando da Lua: "Mas ele est alto, o Nanai. Nanai no era baixinho?"

    Ruy Castro pesquisou mais de 5.000 documentos para escrever "Carmen", que saiu pelaCompanhia das Letras em 2005. Em nenhum deles encontrou nem indcios da participao

    de Bob Lester em evento associado cantora.

    "Ele dizia que sapateava no Bando da Lua. S que esse era um grupo de msicos.Nenhum deles jamais sapateou em volta da Carmen", comenta Ruy Castro.

    No dia 9 de novembro passado, poucos dias aps a morte do integrante fictcio do Bandoda Lua, o jornalista resumiu, em sua coluna pgina 2 da Folha, o que sabia sobre Lester.Ele havia dado anteriormente, em entrevistas, declaraes pontuais sobre o tema.

    "Nunca escrevi sobre Bob para no prejudic-lo. Mas o fato de eu saber a verdade oassustava. Abordou-me no Museu Carmen Miranda: 'Seu Ruy, preciso comer, o que vou

    fazer?'", contava na coluna.

    O pesquisador musical Ricardo Cravo Albin foi mais adiante na manuteno do mito emnome da sobrevivncia do homem. Enquanto Bob Lester viveu, por diversas vezes, saiuem defesa dele. Em mais de uma entrevista, disse que ele teria participado do Bando daLua em apresentaes pontuais.

    Falando Folha, Cravo Albin faz a correo no que havia dito at ento: "Ele nunca fezparte, em nenhum momento, do Bando da Lua. Sempre soube disso, mas, porcomiserao, eu afirmava que ele tinha participado do grupo".

    "Sei que um pesquisador no pode agir assim. Mas no me arrependo. Fiz isso para queele pudesse sobreviver", acrescenta.

    Foi na dcada de 1980 que Bob Lester conheceu Cravo Albin. Contou-lhe sua melanclicahistria e a partir da comeou a procur-lo com regularidade. Ao fim de cada visita, opesquisador sempre contribua com algum trocado que tivesse na carteira.

    "Ele vivia numa corda bamba entre a mentira e a verdade. Acredito que ele se convenceude que aquela mentira era verdade e isso o alimentou nos ltimos anos de vida", avaliaCravo Albin.

    O pesquisador parece no ter dvidas, porm, de que Bob Lester fosse um genunoartista.

    "Ele tinha uma presena cnica impressionante para algum com cem anos", disse ele,que assistiu a apresentaes de Lester no bar Cariocando, no Catete.

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    "No ltimo show [em fevereiro de 2015], eu estava ao lado do Miele. Ns dois choramos.Foi muito comovente", recorda.

    Na programao cultural dos jornais do Rio, Bob Lester raramente aparecia. A nicatemporada regular de shows registrada nos arquivos do "Jornal do Brasil" ocorreu entreabril e julho de 1973. Nesse perodo, ele foi uma das atraes contratadas pelachurrascaria Rinco Gacho da Tijuca, na zona norte carioca.

    JET SETDe sua imaginao brotou ainda a amizade com o playboy Jorginho Guinle, milionrio quenos anos 1930 e 1940 circulava com desenvoltura pelo jet set internacional.

    Em 2010, Bob Lester sugeriu posar para a foto de uma reportagem no terrao doCopacabana Palace, onde dizia ter morado "por anos" com o aval de Jorginho Guinle.

    Na poca, a direo do hotel no autorizou a produo do ensaio porque constatou queno havia registro algum de que ele tivesse morado por l. Nem mesmo como hspede,por uma noite que fosse.

    Diversas vezes, no entanto, ele esteve no hotel. Chegava sempre no horrio do almoo eprocurava por Cludia Fialho, ento relaes-pblicas do Copa. Ela se comoveu quandoouviu o relato do danarino pela primeira vez.

    "Ele contava histrias do Bando da Lua e da Carmen Miranda. Com o tempo, percebi queele fantasiava um pouco. Mesmo assim, era uma pessoa encantadora. Sempre que ia mevisitar, eu o convidada para almoar no refeitrio dos funcionrios", lembra Cludia.

    Curiosamente, Bob Lester jamais falou com a RP do Copa sobre a amizade com JorginhoGuinle.

    "Ele era muito inteligente. Sabia que no havia condio de sustentar comigo essa histria.Tanto que Jorginho estava sempre pelo hotel na poca em que Bob ia me visitar, e ele

    jamais me pediu para falar com Jorginho", recorda ela, que sempre dava algum dinheiropara o danarino ao fim de cada visita.

    Em outro hotel da praia de Copacabana, o Rio Palace (atual Sofitel), Bob Lester armouuma viglia que durou dias, em 1980, espera de Frank Sinatra. Chegou com a pasta derecortes de reportagens e comeou a contar sua histria aos jornalistas de planto,escalados para acompanhar a rotina de Sinatra na semana que antecedeu o show noestdio do Maracan.

    Seu drama comoveu alguns reprteres a tal ponto que eles fizeram uma vaquinha paracomprar um traje adequado para o msico que desejava reencontrar o amigo Sinatra."Sabe, eu s queria uma chance", repetia Bob Lester.

    No chegou nem perto do astro americano. Mas, segundo reportagens de "O Estado de S.Paulo" e da revista "Veja" publicadas poca, ele foi reconhecido por Shepard Coleman,baixista de Sinatra. O msico se aproximou e deu um abrao apertado em Bob Lester.Depois saiu rpido, sem travar qualquer dilogo sobre o passado.

    A reportagem do "Estado" descreveu a reao do brasileiro aps o encontro: "Calas

    presas na cintura por um barbante, descalo, rasgado, sujo, Lester sentou-se numa mesade botequim e chorou".

    HERANA

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    Em um armrio da Socinpro (Sociedade Brasileira de Administrao e Proteo dosDireitos Intelectuais), no centro do Rio, est toda a herana de Bob Lester: um relgio, umpar de culos escuros, documentos em nome de Edgard de Almeida Negro de Lima e apasta de plstico preta com fotos e recortes de jornais.

    Nos registros do passado, no h uma s foto da prole, da mulher ou da me, as vtimasdo acidente fatal de automvel.

    Ele sempre apresentou verses contraditrias sobre sua tragdia pessoal. Em umaentrevista, dizia ter perdido duas filhas no acidente. Na seguinte, lamentava a morte detrs filhas, alm da mulher. Em outra, revelava que perdera duas filhas, a mulher e a me.

    A histria de Edgard, assim como a de Bob Lester, tambm repleta de interrogaes. Acomear pela origem dele em Santa Maria.

    "Ele no tinha o menor sotaque gacho. Cheguei a perguntar se ele nasceu mesmo no RioGrande do Sul, mas ele se irritou. Disse que eu estava desconfiando dele", conta Folhao msico carioca Luiz Henrique, 43, que conviveu com Bob Lester a partir de 2005.

    A ltima verso da pasta preta era um compilado de recortes de revistas a respeito depersonalidades como Frank Sinatra, Pixinguinha, Carmen Miranda e at mesmo Lady Di eo prncipe Charles. Cabe ressaltar que ele no aparecia em nenhuma das imagenscitadas.

    Havia ainda uma foto com a seguinte identificao, escrita a mo: "Minha casa emRealengo".

    O imvel em questo uma residncia modesta situada no subrbio carioca, na zonaoeste da cidade. Por l, mora a famlia de Laurentina Ramos Martins.

    "O Bob era irmo da minha av", diz Alessandra Martins, 34, neta de Laurentina. "Mas aquiem casa todo mundo sempre chamou ele de Nilton. Ningum sabe de onde saiu essenome, Edgard."

    Nilton filho de Maria do Carmo Ferreira, que no morreu em acidente de carro, mas decausas naturais, em 1988, aos 91 anos.

    Ele teve dois irmos: Valdemar, j morto, e Laurentina. Com a sade debilitada, ela aindano soube que Nilton morreu.

    A famlia sempre viveu na regio de Realengo. exceo de Nilton, que desapareceu por

    anos, durante perodo que coincide com o apogeu e a queda de Bob Lester.

    "Ele dizia ter perdido mulher e duas filhas num acidente. Mas a gente nunca acreditounessa histria. At porque ele nunca falava nada sobre elas", acrescenta AlessandraMartins.

    Ela conta que gostava de conversar com Bob ou Nilton, os dois nomes que costumavausar. Descreve o tio-av como um sujeito brincalho, sempre de bom humor.

    Diz que gostaria de buscar a pasta preta com as recordaes de Bob Lester, mas explicaque no tem como provar que parente dele: "Todos os documentos esto em nome de

    Edgard. No h nada em nome de Nilton".

    Nos ltimos anos, o contato entre eles passou a ser mais espordico, porque Niltonpreferia morar em penses no centro do Rio e ficar mais prximo das praas e ruas ondese apresentava.

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    "Ele amava danar. Quando estava aqui, sapateava no meio da sala. Nem tudo mentira",pondera Alessandra.

    Na sua percepo, Bob Lester assumiu um "tamanho muito grande" para si prprio. Pelaconvivncia, ela disse ter uma noo um pouco mais precisa de quem ele foi realmente."E, mesmo assim, era difcil saber o que era mentira ou verdade. A vida dele foi uma meiaverdade."

    FABIO BRISOLLA, 41, jornalista da Folhano Rio.ELISA VON RANDOW, 41, ilustradora.

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