Brasiliense

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24 PLANO BRASÍLIA Por: Djenane Arraes | Fotos: Divulgação Capa “B rasiliense é muito frio. Brasileiros de outros locais nor- malmente são mais acolhedores. Não sei exatamente se conta como aspecto cultural, mas é o que acho”, disse Leonardo de Moura Camelo (29), professor do Ensino Funda- mental e brasiliense. As estruturas que formaram a capital federal não apenas moldaram uma cidade diferente de todas as outras. As peculiaridades encontradas aqui também contribuíram para a definição de um povo diferenciado. O brasiliense tem boa escolaridade, sem sotaque definido, às vezes é entendido como frio e viaja bastan- te. Mesmo convivendo com diversas formas culturais, ele ainda permite admirar com o jeito de ser de outros compatriotas. Trata-se de um sujeito ainda com caracterís- ticas indefinidas. “O contato com falares diferentes, com culturas diferentes, está nos fazendo estabelecer um modo de ser que não se alinha majoritariamente com nenhum outro. Nem na fala, nem nas comidas, nem nos modos, nem nas festas”, afirmou a professora Stella Bortoni. Não se sabe ainda como traduzir este bicho-homem social que vive num quadradinho cercado de Goiás por quase todos os lados. Mas há pistas. Uma importante para entender o perfil dos nascidos no Distrito Federal é olhar para o próprio surgimento da cidade. “A cultura brasi- liense é cosmopolita”, disse Stella. “É uma cultura urbana estabelecida dentro de uma época em que o Brasil ainda era essencialmente rural. As peculiaridades da língua e do jeito de ser da população começaram a ser moldadas desde o nascedouro.” Como Brasília não é uma cidade como as outras em sua concepção, os habitantes dela seguem a mesma lógica. Começa pela forma. O projeto urbanístico de Lúcio Costa casado com a visão modernista nos prédios e mo- numentos assinados por Oscar Niemeyer influenciaram a dinâmica da cidade. “Isso foi uma ruptura com o modelo Ibérico de cidade. O centro tradicional cresce em torno de uma igreja matriz, seguida de uma grande praça, onde a população se socializava”, contou Stella. Ao desenhar uma cidade que privilegiava deslocamentos rápidos, Lúcio Costa subverteu a lógica e foi um ponto que marcou a virada do Brasil rural para o urbano em plena década de 1960. Criou-se uma cidade de funcionários públicos, pres- tadores de serviços e comerciantes unidos numa espécie de faroeste caboclo em meio à terra vermelha. Qual foi o bicho que deu? Meio século depois, o Distrito Federal é habitado por mais de 2,6 milhões de pessoas, de acordo com estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É uma população que contribui em 3,8% no PIB brasileiro, escolarizada (14,2% da população tem 15 anos ou mais de estudo), goza de uma região que tem um dos índices de desenvolvimento humano mais elevados do Brasil. Famílias de maior renda per capita vivem no Lago Sul, no Jardim Botânico e no Cosmopolita pela própria natureza Especialistas e jovens nascidos no DF ajudam a traçar o perfil do brasiliense, um povo ainda em formação, mas que mostra ter características únicas

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Quem é o Brasiliense - Revista Plano Brasília

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24 PLANO BRASÍLIA

Por: Djenane Arraes | Fotos: DivulgaçãoCapa

“Brasiliense é muito frio. Brasileiros de outros locais nor-malmente são mais acolhedores. Não sei exatamente se conta como aspecto cultural, mas é o que acho”, disse

Leonardo de Moura Camelo (29), professor do Ensino Funda-mental e brasiliense. As estruturas que formaram a capital federal não apenas moldaram uma cidade diferente de todas as outras. As peculiaridades encontradas aqui também contribuíram para a definição de um povo diferenciado.

O brasiliense tem boa escolaridade, sem sotaque definido, às vezes é entendido como frio e viaja bastan-te. Mesmo convivendo com diversas formas culturais, ele ainda permite admirar com o jeito de ser de outros compatriotas. Trata-se de um sujeito ainda com caracterís-ticas indefinidas. “O contato com falares diferentes, com culturas diferentes, está nos fazendo estabelecer um modo de ser que não se alinha majoritariamente com nenhum outro. Nem na fala, nem nas comidas, nem nos modos, nem nas festas”, afirmou a professora Stella Bortoni.

Não se sabe ainda como traduzir este bicho-homem social que vive num quadradinho cercado de Goiás por quase todos os lados. Mas há pistas. Uma importante para entender o perfil dos nascidos no Distrito Federal é olhar para o próprio surgimento da cidade. “A cultura brasi-liense é cosmopolita”, disse Stella. “É uma cultura urbana estabelecida dentro de uma época em que o Brasil ainda era essencialmente rural. As peculiaridades da língua e do

jeito de ser da população começaram a ser moldadas desde o nascedouro.” Como Brasília não é uma cidade como as outras em sua concepção, os habitantes dela seguem a mesma lógica.

Começa pela forma. O projeto urbanístico de Lúcio Costa casado com a visão modernista nos prédios e mo-numentos assinados por Oscar Niemeyer influenciaram a dinâmica da cidade. “Isso foi uma ruptura com o modelo Ibérico de cidade. O centro tradicional cresce em torno de uma igreja matriz, seguida de uma grande praça, onde a população se socializava”, contou Stella. Ao desenhar uma cidade que privilegiava deslocamentos rápidos, Lúcio Costa subverteu a lógica e foi um ponto que marcou a virada do Brasil rural para o urbano em plena década de 1960. Criou-se uma cidade de funcionários públicos, pres-tadores de serviços e comerciantes unidos numa espécie de faroeste caboclo em meio à terra vermelha.

Qual foi o bicho que deu? Meio século depois, o Distrito Federal é habitado por mais de 2,6 milhões de pessoas, de acordo com estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É uma população que contribui em 3,8% no PIB brasileiro, escolarizada (14,2% da população tem 15 anos ou mais de estudo), goza de uma região que tem um dos índices de desenvolvimento humano mais elevados do Brasil. Famílias de maior renda per capita vivem no Lago Sul, no Jardim Botânico e no

Cosmopolita pela própria natureza

Especialistas e jovens nascidos no DF ajudam a traçar o perfil do brasiliense, um povo ainda em formação, mas que mostra ter características únicas

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Sudoeste/Octogonal. As mais pobres estão concentradas na Cidade Estru-tural e no Itapoã. A maioria vive em casas, sendo que pouco mais de 60% tem residência própria. Só de veículos registrados no DF em 2010 são mais de 1,2 milhão: uma frota grande que causa congestionamentos rotineiros.

Somos tão jovensA população é jovem. A maioria

está na faixa etária dos 15 aos 29 anos. “Os nascidos aqui têm uma forma de viver que criam hábitos de circulação que é do carro, das avenidas, dos par-ques e principalmente da música da diversão e dos bares que não existem da mesma maneira nas outras cida-des”, observou o professor da UnB Vicente Faleiros. São pessoas como Anna Beatriz Lisboa (25), jornalista formada na UnB que passou a vida inteira morando na Asa Sul, mas que no ano passado mudou-se para a parte norte do Plano Piloto. Ela trabalha na mesma instituição em que se graduou e é uma das felizes pessoas que gozam de trânsito tranquilo para trabalhar.

Da mesma sorte goza o professor Leonardo de Moura. Morador do Guará, ele trabalha em Taguatinga e pega o contra-fluxo do trânsito: enquanto uma parte expressiva da

população do DF para o Plano Piloto, onde estão concentradas 45% das oportunidades de emprego. Leonar-do pega o caminho contrário: vai para a segunda região administrativa do DF que mais emprega (10,7%). O único inconveniente que encontra, além da quilometragem, é a agitação quase caótica que caracteriza Taguatinga.

A equipe de reportagem da rádio CBN costuma tuitar informações sobre os engarrafamentos nas prin-cipais vias do DF logo pela manhã. Mensagens que também têm autoria do jornalista e músico Brunno Melo (30), ex-morador do Núcleo Bandei-rantes que atualmente vive em um condomínio de Arniqueiras. O fluxo complexo de automóveis também é cotidiano na vida da professora Leila Alves Medeiros Ribeiro (31). Ela é uma dos milhares do DF que tem no trânsito intenso do DF uma rotina: moradora de Ceilândia, circula por Taguatinga (onde trabalha), vai a Águas Claras e também à UnB.

São quatro perfis diferentes que tem algumas coisas em comum: são brasilienses, gostam da cidade em que vivem, viajam, três deles conhecem o exterior, têm boa escolaridade, são antenados com o mundo virtual, são bons observadores e também possuem

uma visão crítica do local em que vivem. “O Guará é um local relativamente tranquilo e de fácil acesso à maioria das demais localidades do DF”, disse Leonardo. “Podemos en-contrar bons serviços, embora limitados em relação a cidades como Taguatinga, por exem-plo, onde se pode encontrar de tudo: do pão ao automóvel, passando pelos móveis da casa, até o passaporte.”

A menor quantidade de serviços não é problema para o professor de Ensino Funda-mental, que prioriza e gosta da quietude da região admi-nistrativa em que vive. Mal maior, na perspectiva dele, é

testemunhar o avanço desenfreado do comércio. “Tem me incomodado bastante a transformação de residên-cias (às vezes conjuntos inteiros) em estabelecimentos comerciais. Isso desconfigura a cidade e gera um fluxo maior de pessoas para bolsões específicos”, completou.

Guará, cidade que abriga pouco mais de 125 mil pessoas, também é a cidade para onde Leila cogitaria viver pelas mesmas qualidades apontadas por Leonardo. “É uma cidade pró-xima ao centro de Brasilia, mas não perde a característica de cidade saté-lite, que gosto muito”, ressaltou Leila. A moradora da Ceilândia também reconhece coisas boas sobre onde vive. “É periferia, mas muito grande, com comércio local que abastece bem a cidade. A comunidade é bastante antiga e as pessoas amam aqui. Tem muitos nordestinos.”

O censo de comunidade também é forte no Núcleo Bandeirante, onde viveu Brunno Melo. “Moro em Arniqueiras, que é um lugar relativa-mente novo. Não existe ali a força da vizinhança que há no Núcleo Bandei-rante. O Núcleo, aliás, era como se fosse um subúrbio: as pessoas saiam às ruas, conversavam.” De casamento marcado, o músico vive a expectativa de uma nova mudança: desta vez para Águas Claras. Pela primeira vez ele terá a experiência de morar num apartamento, mas encara isso com muito otimismo. “As pessoas andam mais nas ruas, há uma vida noturna efervescente e o comércio é movimentado. O povo sai dos prédios e vive a cidade. Não há tanta necessidade de se sair para o Plano Piloto em busca de lazer.”

Águas Claras chama atenção por ser uma região de perfil jovem: abri-ga, em geral, jovens casais, a classe média formada por muitos concur-sados. Mas não é a única com esse perfil. A Asa Norte, garante Anna Lisboa, também é assim. “Quem está fora de Brasília acha que existe uma homogeneidade de habitantes. Mas

Leonardo de Moura tem prazer em morar no Guará

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a Asa Sul tem moradores mais antigos e é mais tradicional”, garantiu Anna. “É curioso, você costuma ver mais pessoas idosas andando pelas calçadas. A renda por lá talvez seja um pouco maior porque os apartamentos por lá são mais antigos, maiores e mais caros. Na Asa Norte não. Tem muito estudante da UnB e pessoas que passaram em concursos. O perfil é mais jovem.”

Senso de ComunidadeLeonardo não costuma perceber muitas diferenças

entre as cidades e a cultura do DF quando visita outras cidades do país. A maior queixa é quanto a cordialidade, que aqui parece ser menor e mais glacial. O depoimento de Brunno não é tão diferente assim quando compara o calor humano do Núcleo com a ausência de contato com a vizinhança de Arniqueiras. “Quando saí de lá [do Núcleo Bandeirante], houve certo estranhamento. Não pelas pessoas serem mais hostis, como alguns amigos classificariam, mas por serem pessoas diferentes no modo de tratar. Era coisa mais de cidade grande, podemos co-locar assim”, refletiu.

Para o sociólogo Vicente Faleiros, o senso de comuni-dade mais apurado nas cidades mais afastadas do Plano Piloto é uma herança de costumes de uma sociedade rural ou provinda de pequenas cidades. Algo que pode ser bus-cada na origem da ocupação do território do DF. Afinal, foram nas antigas cidades-satélites que os trabalhadores braçais da nova capital se instalaram. Ao passo que o Plano foi ocupado imediatamente pela classe média com-posta por funcionários públicos e profissionais liberais, as antigas satélites foram preenchidas pela parcela mais pobre e rural que não conseguiu se sustentar num espaço com custo de vida mais alto. Como bem lembrou Leila Ribeiro, foram nordestinos.

“O que a gente pode olhar no ponto de vista sociológico é que as pessoas que moram fora do Plano Piloto têm mais relações próximas e familiares que são semelhantes às da zona rural ou das pequenas cidades”, explicou o sociólogo. “Essas pessoas costumam se reunir mais. Vão à casa do outro para comer o tradicional churrasco.” O encontro na casa dos amigos para assar uma picanha e festas de famílias, aliás, foram opções de lazer ressaltadas por Leila Ribeiro. As pessoas conseguem andar à pé em cidades como Taguatinga, Ceilândia e Guará apesar do descuido com as calçadas. As próprias vias estreitas desfavorecem –embora não impeçam –, o tráfico in-tenso de veículos. E por serem lugares que nasceram de forma mais espontânea, são menos setorizados. A mistura e a integração dos indivíduos naturalmente tornam-se maior.

“O Plano Piloto tem um perfil mais individualista. É a cultura do apartamento onde ninguém fala com o vizinho não ser para o bom dia e o boa tarde. As pessoas tem projetos mais individuais de carreiras, de

disputa e também de mobilidade. Os nascidos no Plano têm uma forma de viver que criam hábitos de circulação que é do carro.” O perfil individualista de mobilidade se reflete não apenas na grande frota de automóveis que não consegue ser amenizado por causa de um sistema público de transporte deficiente. A própria Brasília nasceu para se andar de carro. “Lúcio Costa tinha um conceito de cidade diferente que privilegiou o automóvel, que naquela época [anos 1950] estava sendo introduzido. Até a era de Juscelino [Kubitschek] não havia montadoras de au-tomóveis no Brasil. Elas são oriundas daquela época”, disse Stella Bortoni.

Cultura e sotaqueLeila e Anna são adeptas ao Twitter. As duas gostam

de checar as manchetes nesta rede social. Quando se trata de livros, cada uma delas procura aqueles que são foco de interesse profissional. Leila lê muito sobre coisas ligadas à educação. Anna se informa sobre cinema e jornalismo. Brunno ultimamente leu muitas biografias, especialmente de músicos como Tim Maia e Lobão. Leonardo é ligado em quadrinhos. É ávido interessado pelos autores europeus e americanos. Essas pessoas fazem parte de um município diferenciado e de boa escolaridade dentro de um país que lê pouco – apenas 1,8 livro por habitante/ano. O Brasil é apenas o 51° país no ranking de leitura segundo pesquisa divulgada em 2010 da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Outra característica os jovens nascidos do DF que se reflete nestes personagens reais é o deslocamento para outros locais. “Como a renda per capita daqui é alta se comparada com a dos demais estados, o brasiliense con-segue viajar muito”, disse Stella Bordoni. “Nas férias ele costuma visitar parentes, os lugares de origem, ou então procura o mar. O brasiliense foge para o mar.” E para o exterior também.

Leila conhece a Argentina e os Estados Unidos. Encantou-se com o respeito às leis, com a limpeza

Leila Ribeiro deseja exemplo estrangeiro de limpeza e respeito em Brasília

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das cidades e com a possibi-lidade real de consumo, pois os produtos são mais em conta. “É tudo mara-vilhoso. Mas sou brasileira e ainda acredito que isso possa ser possível no nosso país, afinal, sou uma educadora.” Anna Lisboa pas-sou 20 dias em Nova York, co-nhece o Equador e estudou por

alguns meses em Santiago, no Chile. Ficou impressionada com a eficiência do sistema de transporte urbano chileno. “É uma cidade menor do que São Paulo, por exemplo, mas o metrô é mil vezes mais efetivo e vai a todos os lugares. Existem as conexões certinhas com os ônibus. E é um transporte confortável também. Como estive lá estudando, pude entrar na rotina: ia para escola e saía à noite com os amigos. Sempre de transporte público, que era muito organizado.”

Leonardo conhece a Espanha e gostou do que viu. “O povo é acolhedor, o transporte público e demais serviços funcionam de verdade, a comida é ótima e a cultura é fascinante”, elogiou. “Foi incrível, por exem-plo, ver jovens do mundo todo em fila para ver obras de Goya e Velásquez no Museu do Prado. Isso mostra um tipo de pensamento que, infelizmente, não esta-mos acostumados a ver por aqui. Pude ver um povo que se preocupa com a coletividade em situações onde o famoso jeitinho brasileiro não teria vez.”

Essa tendência para viagens dentro e fora do país é apenas um elemento de influencia e informação a mais que naturalmente se é submetido por simplesmente morar numa região de convergências. O brasiliense sofreu diversas influências regionais para no final anular todas elas. “Nós somos cercados por uma rica cultura rural sertaneja. Guimarães Rosa escreveu sobre isso. Mas isso não fincou aqui. Os adultos que vieram de outros estados tendem a conservar seus traços regionais, mas os filhos não”, disse Stella Bortoni. “Não existe uma preocupação no brasiliense comum em preservar a cultura regional. Ele vê isso como folclore, até porque é essencialmente um indivíduo urbano e cosmopolita.”

Isso não se aplica nem ao gosto pela música ser-taneja? Stella Bortoni garante que não. “O governo

sempre contrata duplas do gênero para tocar nos eventos públicos. Mas isso não é uma exclusividade. A música sertaneja é um fenômeno nacional e nós ape-nas refletimos isso. Da mesma forma pode-se falar do [Michel] Teló, que é do Paraná e faz sucesso aqui com o technobrega. Mas há de se considerar que ele virou fenômeno mundial.” O importante, diz a professora, é quando se identifica produções relevantes desses gêneros, o que não é o caso. Apesar da diversidade, a maior expressão musical brasiliense ainda gira em torno do rock, em especial por causa do legado dei-xado pela Legião Urbana e demais bandas dos anos 1980. E o rock é extremamente cosmopolita.

A ausência dos traços que marcam outras regi-ões do país influencia também na construção de um sotaque. Leila percebeu isso. Uma das coisas que mais chamam a atenção dela quando viaja para outras cida-des é a admiração pela pronuncia de certos fonemas e o cantar característico local. “Acho lindo porque não temos esse som lingüístico que marca o lugar. Mas, de acordo com algumas pessoas que conheci de outros lugares, nós temos sim.”

A professora Stella Bortoni, que é lingüista espe-cialista neste tipo de estudo, garante que o sotaque do brasiliense ainda não existe de fato, mas está em plena formação. “Brasília está consolidando um modo de falar que começa a ser identificado por pessoas que não moram aqui. Mas não há, no entanto, traços carac-terísticos em determinados fonemas que identificam uma determinada região. Há características no falar daqui. Só que isso ainda não foi estudado e contras-tado com outros.”

Sem sotaques, sem regionalismos, mas com os olhos voltados para o mundo por meio de uma cultura urbana e cosmopolita. Além do mais, somos (porque esta repórter se inclui no perfil) seres estranhos que tem no carro uma espécie de extensão do próprio corpo tamanha a dependência pelo transporte. Talvez Brasília tenha nos transformados em seres um pouco mais individualistas e frios que a média nacional. É apenas o jeito diferente de ser de nós, brasilienses, e não há nada de errado com isso.

Brunno Melo vai viver uma nova esperiência em Águas Claras