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1 Breve panorama histórico da imigração no estado de São de Paulo e o fluxo migratório boliviano na região 1 Roberta de Morais Mazer (UFABC/ São Paulo) Resumo: O artigo busca apresentar um breve panorama das imigrações internacionais no estado de São Paulo através de dados, as mudanças desses fluxos e relacioná-los à conjuntura nacional. Apesar de ser brevemente comentada as movimentações populacionais no país desde o momento de sua descoberta, o período aqui considerado tem início em 1870 e vai até a década de 80 do século XX, momento em que mudanças na conjuntura internacional trazem novas variáveis ao estudo das migrações. A partir desse momento a análise volta-se para os fluxos migratórios dentro do cone sul e, mais especificamente, o fluxo de bolivianos em direção ao Brasil, considerando suas características e como elas diferem da imigração até então observada. Palavras-chave: Imigração; São Paulo; bolivianos Em 1500 o território que hoje pertence ao Brasil era povoado por 1 a 3 milhões de índios e coberto por floresta em quase sua totalidade (Levy, 1974). Os primeiros a chegarem aqui foram os portugueses, que foram os responsáveis por tomar posse da terra em nome do rei de Portugal e estabelecer a colonização que atendesse seus interesses. Assim, nos primeiros anos após a descoberta do Brasil, temos as migrações de colonização (Sassen, 1988). Esse movimento populacional era feito da metrópole em direção à colônia, e era visto como fundamental. Apesar das altas taxas de natalidade observáveis na Europa como um todo, sua taxa de mortalidade ainda não havia sido controlada, e o continente se via em constantes lutas, o que fazia com que população fosse vista como um recurso escasso, que não apresentava excedente para ser “mandado” a outros locais. Por isso os enviados à essa colônia eram os presos e os indesejáveis (Levy, 1974). “Population was indeed a valuable and scare resource in the context of slow demographic growth, labor-intensive production, labor-intensive warfare, and the increasing economic and strategic importance of settling uncolonized areas. (Sassen, 1988, p. 32)” Ao longo do século XVI Portugal mantinha outras colônias que produziam açúcar e, no Brasil, a metrópole decide produzir o mesmo. Assim, aumenta a necessidade de 1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN.

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Breve panorama histórico da imigração no estado de São de Paulo e o fluxo

migratório boliviano na região1

Roberta de Morais Mazer (UFABC/ São Paulo)

Resumo: O artigo busca apresentar um breve panorama das imigrações internacionais no

estado de São Paulo através de dados, as mudanças desses fluxos e relacioná-los à

conjuntura nacional. Apesar de ser brevemente comentada as movimentações

populacionais no país desde o momento de sua descoberta, o período aqui considerado

tem início em 1870 e vai até a década de 80 do século XX, momento em que mudanças

na conjuntura internacional trazem novas variáveis ao estudo das migrações. A partir

desse momento a análise volta-se para os fluxos migratórios dentro do cone sul e, mais

especificamente, o fluxo de bolivianos em direção ao Brasil, considerando suas

características e como elas diferem da imigração até então observada.

Palavras-chave: Imigração; São Paulo; bolivianos

Em 1500 o território que hoje pertence ao Brasil era povoado por 1 a 3 milhões de

índios e coberto por floresta em quase sua totalidade (Levy, 1974). Os primeiros a

chegarem aqui foram os portugueses, que foram os responsáveis por tomar posse da terra

em nome do rei de Portugal e estabelecer a colonização que atendesse seus interesses.

Assim, nos primeiros anos após a descoberta do Brasil, temos as migrações de

colonização (Sassen, 1988). Esse movimento populacional era feito da metrópole em

direção à colônia, e era visto como fundamental. Apesar das altas taxas de natalidade

observáveis na Europa como um todo, sua taxa de mortalidade ainda não havia sido

controlada, e o continente se via em constantes lutas, o que fazia com que população fosse

vista como um recurso escasso, que não apresentava excedente para ser “mandado” a

outros locais. Por isso os enviados à essa colônia eram os presos e os indesejáveis (Levy,

1974). “Population was indeed a valuable and scare resource in the context of slow

demographic growth, labor-intensive production, labor-intensive warfare, and the

increasing economic and strategic importance of settling uncolonized areas. (Sassen,

1988, p. 32)”

Ao longo do século XVI Portugal mantinha outras colônias que produziam açúcar

e, no Brasil, a metrópole decide produzir o mesmo. Assim, aumenta a necessidade de

1 Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN.

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população que servisse como mão de obra. Por isso uma nova maneira de solucionar essa

escassez foi buscada: a organização de transferências de pessoas de um território para

outro. Com isso teve início o tráfico de negros da África2, continente onde Portugal já

possuía colônias, em direção ao Brasil.

Merrick e Graham (1981) concluem que do início do século 18 até princípios do

século 19, a população brasileira passou de 300 mil para mais de 3 milhões,

resultado da imigração portuguesa e da importação de escravos; “foi o período de

mais rápido crescimento relativo da população do Braasil” (p.30). (Baeninger,

2012, p.12-13)

A partir de 1550 até 18503 qualquer negro que entrasse nesse território era visto

como sendo apenas “bagagem”, pertences ou propriedades. Apesar de haver controvérsias

em relação a esse número, estima-se que cerca de três milhões de negros chegaram ao

Brasil4 (Levy, 1974).

Tabela 1 – População livre e escrava: Grandes regiões, Brasil, 1854, 1872, 1887

Os primeiros a chegarem no Brasil enquanto migrantes não ligados à Portugal

foram os suíços, que fundaram a colônia de Nova Friburgo, em 1819. O estabelecimento

dessas pessoas é o que marca o começo do processo de colonização com imigrantes

europeus. (Seyferth, 2007)

Os outros estrangeiros estabelecidos no Brasil após a abertura dos portos

decretada por D. João VI em 1808 estavam ligados a atividades comerciais. As

estatísticas sobre eles são pouco precisas, pois não eram considerados imigrantes.

2 Essa população provinha de regiões que não necessariamente tinham excedentes populacionais, já que era feita a partir das colônias já detidas, e se caracterizava como migração forçada, pois não havia a escolha de migrar. 3 Em 4 de Setembro de 1850 foi assinada a Lei Eusébio de Queiróz pelo ministro de mesmo nome, proibindo o tráfico de escravos. 4 Alguns dos negros que foram traficados e/ou seus descendentes voltaram para a África após a Lei dos Sexagenários , de 28 de Setembro de 1885, mas sobre isso ainda há poucas informações (Levy, 1974).

REGIÕES NORTE NORDESTE SUDESTE SP MG RJ SUL C.OESTE TOTAL POPULAÇ. LIVRE

1854 206.093 3.077.212 2.206.940 382.269 984.392 801.248 283.436 243.161 6.016.842 1872 304.410 4.158.151 3.125.616 680.742 1.669.276 716.120 628.002 203.493 8.419.672 1887 449.889 5.645.305 5.389.873 1.216.602 28.864.995 1.191.644 1.335.013 301.146 13.121.226

POPULAÇ. ESCRAVA

1854 43.907 655.588 846.512 117.731 317.760 398.752 95.264 21.839 1.663.110 1872 28.437 480.409 891.306 156.612 370.459 341.576 93.335 17.319 1.510.806 1887 10.534 205.243 482.571 107.329 191.952 169.909 16.882 8.188 723.418

% POPULAÇ. ESCRAVA NO TOTAL

1854 17,56 17,56 27,72 23,55 24,40 33,23 25,16 8,24 21,66 1872 8,54 10,36 22,19 18,70 18,16 32,29 12,94 7,84 15,21 1887 2,29 3,51 8,22 8,11 6,28 12,48 1,25 2,65 5,23

Fonte: Baeninger, 2012

3

Os registros apontam para a existência de aproximadamente quatro mil

estrangeiros – na maioria espanhóis, franceses, ingleses e alemães – antes de

1822. (ibidem, p.15).

A partir de 1822, por causa da Independência do Brasil, é que o estabelecimento

de alguns colonos é buscado como forma de ocupar terras, levando o império a tentar

estabelecer algumas colônias oriundas da Europa5 em determinadas regiões do país, de

forma estratégica. A colônia alemã de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, em 1824, foi

considerada a primeira a ser bem sucedida, apesar dos diversos problemas enfrentados

por essa população. (ibidem)

Em 1830 foi sancionada uma lei que proibia qualquer tipo de gasto governamental

com a colonização por grupos estrangeiros dentro do Império. Isso levou à queda da

migração e da colonização até 1834, quando as províncias foram encarregadas de

promover sua colonização (Seyferth, 2007). Assim, em 1872, são registrados 389.459

estrangeiros de nacionalidades diversas (Levy, 1974).

Em 1850 o tráfico de negros foi proibido e a Europa apresentava um crescimento

populacional significativo. Foi a partir da Abolição da Escravatura que a imigração

internacional ganhou força (Baeninger e Sales, 2000). A necessidade de mão de obra na

lavoura cafeeira é o que levou ao incentivo da imigração, já que a população nacional não

estava disponível a ser mobilizada enquanto mão de obra proletária. (Pacheco e Patarra,

1997). Essa política imigratória permitia que os estrangeiros suprissem a necessidade do

país por mão de obra e aliviasse pressão demográfica nos países de onde essas pessoas

saíam, além de possibilitar o desejado branqueamento da população brasileira ou da

miscigenação da população “de cor” que até o momento representava a maior parte das

pessoas que residiam no país (Sales et al, 2013). Assim,

1850 é, realmente, um divisor quando se leva em conta os interesses do Estado

na imigração europeia para fins de colonização. O modelo colonial foi

considerado diferente e separado do regime escravista – uma política voltada para

a imigração. (...) As mudanças produzidas em 1850 (...) garantiram a

continuidade do processo imigratório, especialmente porque também abriram

mais espaço às empresas particulares de colonização (Seyferth, 2007, p.18-20).

A imigração em massa só acontece no Brasil entre 1887 e 1914, quando chegam

ao Brasil cerca de três milhões de imigrantes. Nesse período os estrangeiros que mais

chegam aqui são, em ordem numérica, os italianos, portugueses e espanhóis (Seyferth,

5A preferência pela migração europeia, em detrimento da migração interna, fazia parte de uma política de branqueamento da população do Brasil, já que essa era vista como superior à população negra, índia e miscigenada que existia no país então.

4

2007). O ponto culminante da imigração europeia ocorreu nas duas últimas décadas do

século XIX: entre 1877 e 1903 entraram no Brasil aproximadamente dois milhões de

imigrantes, predominando a migração italiana, que alcançou quase metade desse total

(Pacheco e Patarra, 1997).

As principais nacionalidades da imigração subsidiada foram a italiana, com 1,5

milhão de pessoas, a portuguesa, com 1,2 milhão, espanhola, com 574 mil e a crescente

entrada de outras nacionalidades, que entre 1872 e 1879 representavam 58 mil imigrantes

para mais de 200 mil entre 1920 e 1929 (Baeninger, 2012).

Tabela 2 – Entrada de Imigrantes Internacionais. Estoque de Imigrantes Internacionais

e População Total. Brasil 1930-1959

PERÍODO TOTAL DE ENTRADAS PORTUGUESES JAPONESES ITALIANOS ALEMÃES ESPANHÓIS OUTROS 1930-1939 332.768 102.743 99.222 22.170 27.497 12.746 68.390 1940-1949 114.085 45.604 2.828 15.819 6.807 4.702 38.325 1950-1959 583.587 241.579 33.593 91.931 16.643 94.693 104.629

TOTAL 1.030.440 389.926 135.643 129.920 50.947 112.141 211.344

ANOS POPULAÇÃO BRASILEIRA

ESTOQUE DE ESTRANGEIROS

POPULAÇÃO TOTAL

PROPORÇÃO POPULAÇÃO ESTRANGEIRA NO TOTAL (%)

1920 29.069.644 1.565.961 30.635.605 5,11 1940 39.752.979 1.406.342 41.159.321 3,42 1950 50.730.213 1.214.184 51.944.397 2,34

Baeninger (2012) defende a ideia de que teria sido difícil para o Brasil competir

na busca de imigrantes sem a política governamental de subsídios a esse deslocamento, e

essa, por sua vez, só foi possível devido à prosperidade da economia nacional no período

em que ela foi promovida, e de não coincidir com períodos prósperos da economia

americana, argentina e italiana. Assim, entre 1900 e 1920 a taxa de estoque de imigrantes

no Brasil alcançaria 11%.

Fonte: Baeninger, 2012

5

Figura 1 – Entradas anuais de estrangeiros no Brasil (1872-1972)

Um dado que ainda deve ser considerado, de acordo com Seyferth (2007) é o

índice de fixação desses imigrantes em território brasileiro. A autora aponta que entre

1819 e 1959o coeficiente de fixação é de 40%, o que representa que quase metade dos

estrangeiros que chegam ao Brasil deixaram o país. Parte considerável dos migrantes de

fins do século XIX e início do XX retornaram aos seus países de origem (Lattes e Lattes,

1996).

2.1. Imigração no estado de São Paulo

Entre as últimas décadas do século XIX e o início dos anos 1970, o Brasil recebeu

cinco milhões de estrangeiros, sendo que dois milhões e oitocentos mil deles se dirigiram

ao estado de São Paulo (Levy, 1974). Em 1890 a população paulistana era de cerca de

65.000 habitantes, passando para 240.000 em 1900 e atingindo 560.000 em 1920

(Pacheco e Patarra, 1997).

Fonte: Levy, 1974

6

Figura 2 – Imigrantes entrados no Brasil e no Estado de São Paulo (1872-1972)

No caso particular desse estado, a economia cafeeira cresceu rapidamente,

proporcionando um excedente de capital que permitiu, entre outras coisas, subsidiar a

imigração que respondeu à necessidade de mão de obra e melhorias em infraestrutura,

como expansão das redes ferroviárias, urbanização e industrialização.

Analisando a figura 2 podemos perceber que há períodos de maior e de menor

migração em direção a essa região do país. O primeiro deles se dá com o fim da escravidão

e o início do uso de trabalho livre assalariado, o crescimento da cultura cafeeira, início

dos subsídios para estímulo das imigrações e a entrada de grandes contingentes italianos6,

que sofreu uma drástica redução devido as restrições do governo da Itália da migração

para o Brasil, em 19027. O segundo período é o do Convênio de Taubaté8, que buscou

revalorizar o café, com intensa imigração espanhola e portuguesa e o início da japonesa.

Esse fluxo voltou a declinar devido ao início da Primeira Guerra Mundial. Após a guerra,

as lavouras cafeeiras começam a serem recuperadas, outros setores da economia

6 Vale lembrar que as pessoas que aqui chegavam eram oriundas de regiões nem sempre que já haviam se tornado um Estado-nação unificado, podendo haver classificações a partir da língua ou etnia que não corresponde corretamente à nacionalidade. “Os poloneses, por exemplo, figuram nos registros oficiais a partir de 1918, mas há indicações da presença de poloneses nas regiões coloniais do sul desde fins da década de 1860, e um número significativo deles entrou no Brasil na década de 1890, classificados como russos” (Seyferth, 2007, p.21-22). 7Em 1902 o governo italiano promulga o decreto Prinetti, que proibia a imigração para o Brasil, devido às más condições que seus cidadãos enfrentavam no Estado de São Paulo. A isso somou-se a crise que a cafeicultura passou no início do século, levando à redução da migração italiana a partir desse período. (Levy, 1974). 8 O Convênio de Taubaté foi um acordo firmado entre os governadores do estado de São Paulo, Minas Gerais e Rio de janeiro para proteger a produção brasileira de café, que passava por um momento de preços baixos com grandes safras.

Fonte: Bassanezi et al, 2008

7

começam a se desenvolver, e há a entrada de portugueses, japoneses e migrantes do leste

europeu. É nesse terceiro período que deixa de haver subsídios para a entrada de

estrangeiros por parte do governo paulista, há a crise global de 1929 e a superprodução

do café em 1930 e temos, ainda, as restrições impostas pelo governo brasileiro, através

das cotas e da política de nacionalização, que pretendia a assimilação. O quarto período

tem início após a Segunda Guerra Mundial, onde as restrições do governo Vargas, que

serão discutidas adiante, são afrouxadas e apresenta um volume migratório menor que os

três anteriores, tendo o café perdido sua importância relativa para o mercado de trabalho,

e “a imigração para essa lavoura e para trabalhos braçais diminui sua proporção em favor

dos operários, dos técnicos industriais e dos quadros intermediários necessários à

expansão do setor fabril.” (Bassanezi et al, 2008, p. 20). A partir de 1961 as imigrações

continuam, mas se mantém em níveis mais baixos se comparadas a esses períodos aqui

citados.

Figura 3–Imigrantes entrados no Estado de São Paulo, segundo a nacionalidade

(1872 – 1971)

Até 1854 ainda há pouca expressão da população imigrante, o tráfico foi proibido

em 1850, mas isso não impedia que a mão de obra escrava já adquirida fosse usada9, o

que fazia com que ela ainda estivesse presente em regiões tradicionais de cultivo de café.

Em 1874 foi realizado o primeiro recenseamento na província de São Paulo, e nele foram

9 A Lei do Ventre Livre foi aprovada em 28 de Setembro de 1871, a Lei dos Sexagenários em 28 de Setembro de 1885 e a Lei Áurea apenas em 1888.

Fonte: Bassaneziet al, 2008

8

contabilizados 837.354 paulistas, enquanto as pessoas de outras nacionalidades

contabilizavam cerca de 17 mil. Essas informações não podem ser comparadas, de forma

adequada, com as informações existentes em 1854, pois elas se apresentavam escassas e

incompletas. Nesse censo foi constatado que os maiores grupos eram os de portugueses e

alemães, nessa ordem. Nele foram computados 6.867 portugueses, 3.812 alemães, 1.185

italianos e 4.703 pessoas de outras nacionalidades. Entre 1854 e 1886, apesar de já terem

sido recenseados, os estrangeiros ainda aparecem como pouco significativos à população

do Estado de São Paulo10, sendo, respectivamente, 6.757 (1,6% da população total) e

36.821 (4,2%). (Bassanezi et al, 2008).

No censo de 1886 já é possível observar maior diversidade nas diferentes

nacionalidades encontradas no estado de São Paulo. Nesse momento os italianos e

espanhóis são os dois maiores grupos, representando, respectivamente, 36% e 27% dos

estrangeiros. Apesar disso, a Proclamação da República, em 1889 fez com que o

recenseamento planejado para ser realizado em 1890 não acontecesse. Em 1900 um censo

foi realizado, mas a falta de recursos e de pessoas qualificadas para realizar tal tarefa fez

com que ele fosse abandonado, e a parte que foi concluída não se encontra integralmente

disponível para consulta. Apesar disso, esse censo relata a existência de 478.417

estrangeiros no estado, representando 21% da população local (Bassanezi et al, 2008).

Figura 4 - População estrangeira segundo a nacionalidade (1886)

10 O total de estrangeiros contados no Brasil no censo de 1872 é de 389.459 (Levy, 1974).

Fonte: Bassanezi et al, 2008

9

Entre 1904 e 1930 há um grande fluxo migratório, quando entram no país 2.142.781

estrangeiros, resultando numa média anual de 79.000 pessoas (Levy, 1974).

Figura 5 – População estrangeira (% no total da população) (1920)

Durante a Primeira Guerra Mundial, entre os anos de 1915 a 1918 o número de

imigrantes no Brasil e, consequentemente, no estado de São Paulo foi reduzido

significativamente: a média anual de entradas no país foi de 27.000 pessoas. Após esse

período a imigração é retomada no Brasil, sofrendo algumas modificações em relação aos

países de origem dessas pessoas.

O recenseamento de 1920 mostra que a presença estrangeira em território paulista

se mostrava muito marcante. Não só pelo seu volume, mas também porque as

famílias imigrantes em idade produtivas e reprodutivas de seu ciclo vital

representaram um papel significativo no crescimento vegetativo da população

paulista, que praticamente dobrou entre 1900 e 1920. (Bassanezi et al, 2008, p.

50)”

10

Figura 6 – população estrangeira segundo nacionalidade: Estado de São Paulo 1920

Em 1920, 205.245 imigrantes se encontravam na capital paulista, sendo eles

35,5% da população local e 25% de toda a população estrangeira total do estado. Nesse

período os municípios que ainda atraiam a maior parte dessas pessoas o fazia devido às

plantações de café que ainda se encontravam em expansão. Apesar da redução de seus

números, os italianos ainda representavam o maior grupo no período, sendo 48,1% das

entradas no estado, seguidos pelos espanhóis, que somavam 20,6%, e dos portugueses,

com 20,1%. A migração japonesa que teve início em 1908, começa a aparecer e se

destacar em 1920, representando 3% dos migrantes no estado (ibidem) e, já na década de

30 o grupo representava o segundo maior contingente do país (Seyferth, 2007).

A partir da segunda metade dos anos 192011, os japoneses aumentam suas

entradas, somando 50.573 pessoas. Em 1927, São Paulo, que ainda era o único estado a

subsidiar a migração, deixa de fazê-lo. Além disso, em Dezembro de 1930 as primeiras

medidas restritivas à imigração são públicas. A Constituição de 1934 determinou que

A entrada de imigrantes no território nacional sofrerá as restrições necessárias à

garantia da integração étnica e capacidade civil do migrante, não podendo porém,

a corrente imigratória de cada país exceder, anualmente, o limite de 2% sobre o

número total dos respectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos 50

anos. (Sales et al, 2013, p.14).

Essas cotas eram calculadas a partir do total de imigrantes no país, contado a partir de 1

de Janeiro de 1884 a 31 de Dezembro de 1933. As restrições vão aumentando, se tornando

obrigatório o aprendizado do português e proibido o uso de outras línguas (Levy, 1974).

11“Foi considerável a entrada de imigrantes estrangeiros entre 1926-1960 em São Paulo ainda respondendo por 26,3% dos trabalhadores que entraram no estado nesse período.” (Baeninger, 2012, p. 26).

11

Nos anos 1920 e 1930 o Brasil já não se mostra como um país muito atrativo como

vemos em períodos anteriores. Durante a Era Vargas os japoneses passam a representar

um pouco mais da metade das entradas no estado. O censo de 1934 contabilizou 931.691

estrangeiros12 no país, enquanto no estado de São Paulo 14,5% da população13 era de

imigrantes. Em 1934 há 287.690 estrangeiros vivendo na cidade de São Paulo, o que

representava 30,9% de todos os imigrantes em território paulista (Bassanezi et al, 2008).

Os fluxos migratórios em direção ao Brasil começam a sofrer reduções devido às

crises econômicas, tanto a crise mundial quanto a crise do café, da política restritiva

presente durante o Governo Vargas e da Segunda Guerra Mundial (Patarra e Baeninger,

1989).

A Constituição de 1934, ao instaurar o artigo 121, parágrafo 6 que “a entrada de

imigrantes no território nacional sofrerá as restrições necessárias à garantia da

integração étnica e capacidade civil do imigrante, não podendo porém, a corrente

imigratória de cada país exceder, anualmente, o limite de 2% sobre o número total

dos respectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos 50 anos”, havia

limitado a entrada dos imigrantes e passado à União a competência de legislar

sobre os assuntos mais gerais da imigração (Salles et al, 2013).

A essa redução devemos acrescentar a II Guerra Mundial quando, entre 1939 e 1945, o

número de entradas no Brasil diminui.

Em 1940 é possível observar uma redução na proporção de estrangeiros em São

Paulo. Nesse momento há grande preocupação em conhecer a população estrangeira que

tem origem tanto do cenário internacional quanto das políticas nacionalistas internas,

restringindo as entradas no país, nacionalizando escolas étnicas, proibindo a circulação

de jornais em outras línguas, promovendo a intolerância com outras origens,

principalmente a alemã e japonesa, que eram vistas como inimigos.

Se mostrava imperativo diluir o caráter étnico presente nas zonas de colonização

estrangeira, e uma forma de fazer isso foi impondo o ensino de português, com

professores brasileiros e a imposição de determinado material didático para isso. Assim,

nesse ano os estrangeiros representavam 11,3% da população paulista.

Em 1940, o Município de São Paulo permanecia não apenas como o polo de maior

atração de estrangeiros, como viu aumentada a proporção desses no conjunto do

estado, embora os números absolutos demonstrassem um declínio desse

segmento na população paulistana. Eles somavam 285.469 pessoas,

12 Isso representa 100.000 pessoas a mais que em 1920. 13 Em 1920, 18,1% da população do estado de São Paulo eram estrangeiros.

12

representando 37,5% de todos os estrangeiros em territórios paulista. (Bassanesi

et al, 2008, p.71)

Figura 7 – População estrangeira e brasileira naturalizada – origem (1940)

De 1942 a 1945 há, em média, a chegada de cerca de 2.000 estrangeiros por ano

(Levy, 1974), sendo que nos anos seguintes, ao final do conflito, também há poucas

entradas no país (Bassanesi et al, 2008). A constituição de 1946 reduz as restrições à

imigração que vigoravam anteriormente, e, durante os anos 1950 acompanhada pela

reordenação do mundo, a migração em direção ao Brasil ressurge, apesar de não ser tão

significativa quanto no passado. Nesse período o cultivo do café já não se mostrava tão

importante à economia do país, e a indústria e colonização agrícola se tornam os

principais destinos dos estrangeiros já presentes no Brasil e dos que chegavam aqui.

Em 1950 temos a continuação da redução no número de estrangeiros do estado de

São Paulo. Nesse ano foram somados 627.43414 estrangeiros, o que representa 6,9% da

população total. As “outras nacionalidades” passam a representar uma parcela

significativa das entradas no país, superando as alemã, espanhola e japonesa e ficando

pouco atrás das portuguesa e italiana (ibidem).

Entre 1950 e 1980, a partir do ponto de vista demográfico, a população brasileira

podia ser classificada como “fechada”, pois seu crescimento decorria, grosso modo, da

diferença entre nascimentos e óbitos, “sendo irrelevante, do ponto de vista quantitativo,

o reduzido número de estrangeiros que adentraram o país depois da Segunda Guerra, bem

como também reduzido número de brasileiros que se dirigiam a outros países.” (Patarra,

2005, p. 358).

14 O que representa 130.000 mil imigrantes a menos na região que em 1940.

Nacionalidade Totais

Homens Mulheres Total

Alemã 17.975 16.515 34.490 Espanhola 67.796 62.478 130.274

Italiana 123.069 111.481 234.550 Japonesa 72.536 59.680 132.216

Portuguesa 97.760 67.782 165.542 Outras 62.430 54.500 116.930

Totais 441.566 372.536 814.102

Fonte: Bassanezi et al, 2008

13

Figura 8 – População estrangeira segundo nacionalidade (1950)

A maior concentração de imigrantes continua a ser na cidade de São Paulo:

Figura 9 – População estrangeira (1950)

Durante os anos 1960, com a ditadura no Brasil e em outros países da América

Latina, a imigração no país volta a declinar, com entradas apresentando números

extremamente baixos se considerados os períodos anteriores. Durante essa década cerca

de 3 mil brasileiros deixaram o país como exilados políticos (Baeninger e Sales, 2000).

Nas últimas décadas do século XX uma mudança ocorre no país: os brasileiros passam a

emigrar em direção ao Japão, Estados Unidos e alguns outros países europeus, eos

imigrantes que aqui chegam são, principalmente, coreanos, bolivianos e angolanos

(ibidem).

Durante a década de 1970 temos no estado de São Paulo 703.526 estrangeiros

contabilizados. Esse número representa uma queda de 110.576 pessoas a menos no local

se comparado a 1940, reforçando a ideia do declínio da imigração no estado e no país.

Fonte: Bassanezi et al, 2008

14

Considerando-se que em 1970 a população total no estado de São Paulo era de

17.670.013 pessoas, fazendo com a população estrangeira fosse de 3,9% da população

paulista. Sendo assim, os portugueses representam 30,4% do total de estrangeiros, os

japoneses 16,6%, os italianos 15,4%, os espanhóis 13,4%, os alemães 3,3% e as outras

nacionalidades representam 20,9% do total.

Tabela 3 – População de nacionalidade estrangeira no estado de São Paulo, segundo

algumas nacionalidades no censo de 1970

Apesar da redução estatística que a imigração sofre durante as décadas de 1960 e

1970, na década seguinte os movimentos migratórios globais aumentam devido à

conjuntura internacional15, e, da mesma maneira, as entradas no Brasil aumentam. É a

partir da década de 80 que fica mais claro que, em âmbito nacional, a emigração se

apresenta em maior número do que a imigração. “De país historicamente grande receptor

de imigrantes estrangeiros, parecia que o Brasil estava se convertendo em forte expulsor

da população. (Carvalho, Campos, 2006, p.55)”.

Atualmente o Brasil não se mostra mais um centro de imigração, nem global nem

regionalmente. Em 2000 o país contava com 700.000 imigrantes, o que representa 0,4%

da população total. Desses, 21% chegaram aqui entre 1995 e 2000. O estado de São Paulo

concentra 29% do total dos estrangeiros do país e 5% do total da população nacional,

enquanto na sua capital o número de imigrantes representa 1,9% da população total

(Sauchaud e Fusco, 2012).

2.2. Migrações a partir dos anos 1980

A partir de meados da década de 1980, no contexto da globalização e

reestruturação produtiva os fluxos migratórios globais invertem sua direção: eles passam

a ter origem no Sul em direção ao Norte, e a mesma tendência pode ser observada no

15 As mudanças trazidas pelo processo de reestruturação produtiva, implicando novas modalidades de mobilidade do capital e da população em diferentes partes do mundo e a expansão do capitalismo. (Patarra, 2005). Cf. HARVEY, D. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança social. São Paulo: Edições Loyola, 1992.; BAENINGER, Rosana. Notas acerca das migrações internacionais no século 21. In: BAENINGER, R. (org.). Migração internacional. Campinas: Núcleo de Estudos de População – Nepo/Unicamp, 2013.

PORTUGAL ITÁLIA ESPANHA ALEMANHA JAPÃO OUTRAS

TOTAL ESTRANGEIROS

SÃO PAULO 214.021 108.633 94.477 23.082 116.566 146.747 703.526 BRASIL 437.983 152.801 130.122 51.728 154.000 302.488 1.229.122

Fonte: Levy, 1974

15

Brasil (Trigo, 2014). No Brasil, por volta de década de 1970, e principalmente durante os

anos 1980, o caráter atrativo da imigração ultramar já apresentava sinais de declínio,

enquanto aumentava a distância socioeconômica dos países mais desenvolvidos (Patarra,

2005). Essas “novas” migrações, ao menos em suas intenções, pretendiam serem fluxos

temporários, e eram pensadas de tal maneira que a ideia de regresso ocupa um lugar

central, tanto do ponto de vista da sociedade receptora quanto dos próprios migrantes. A

evolução da tecnologia nesse momento permite que seja possível aos migrantes manterem

contato com suas famílias e comunidade de origem mais facilmente. Portanto, ao pensar

nos fluxos migratórios atuais, deve-se levar em conta as lógicas de circulação de capital,

de mercadorias e de ideias que acompanham a migração em si mesma (Faret, 2010).

As mudanças sofridas pelos fluxos migratórios globais foram consequências do

aperfeiçoamento dos meios de comunicação e transporte; a difusão das imagens de um

determinado estilo de vida, algo que veio a influenciar padrões de consumo em diversas

áreas pelo globo; o aumento das lógicas de mobilidade e de fluxos em um mundo

globalizado; a necessidade de multiplicar estratégias frente a crises e a adaptação a

condições de entrada, estadia ou acesso a mercados de trabalho sempre flutuantes.

No Brasil a década de 1980 foi marcada pela abertura política e econômica após

a ditadura, crise e pelo início da reestruturação produtiva, processo esse que se efetiva

nos anos 1990 (Silva, 2008).

Os anos 80 e 90 foram marcados pelo processo de reestruturação econômica pelo

qual passaram os países do cone sul. Este processo caracterizou-se pela abertura

e desregulamentação das economias e pela crescente flexibilização das relações

trabalhistas (Sala e Carvalho, 2008).

Também a partir de década de 1980 há a intensificação da imigração de forma

indocumentada, o que fez com que nas últimas décadas desse mesmo século as estatísticas

nacionais não refletissem os reais números de estrangeiros dentro do país. Assim, a partir

desse período começa a ter maior visibilidade a imigração latino-americana e a presença

africana, de coreanos e chineses se mostra significativa (Seyferth, 2007).

Os primeiros registros sobre a saída de brasileiros tiveram início em 1996, e

estimativas entre meados da década de 80 até esse ano variam de 1.042 milhão a 2.480

milhões de pessoas. Dados levantados pelo Ministério de Relações Exteriores junto aos

consulados e embaixadas brasileiras mostram que, em 1996, 1.419.440 brasileiros

encontravam-se fora do país (Patarra, 2005). Em 2000, segundo estimativas do Itamaraty,

havia cerca de 2 milhões de brasileiros residindo em outros países. (Brzozowski, 2012).

16

Em 2012, de acordo com estimativas do Itamaraty, 2.547.079 brasileiros estavam vivendo

em outros países.

Ao longo do século XX, considerando-se os dados levantados pelos censos16, é

possível observar no Brasil um declínio no número de estrangeiros. Em 1980 havia 912

mil residentes provenientes de outros países. Em 1991 esse número caiu para 767.78117,

e 651.226 em 2006, representando cerca de 0,38% da população total do país (Patarra,

2005). Em 2013, de acordo com a Polícia Federal, o Brasil abrigava cerca de 940 mil

imigrantes com visto. Os oriundos do Mercosul, por sua vez, representavam mais de um

quinto desses estrangeiros, um total de 237.31818.

2.3. Migração internacional na América Latina

A migração internacional oriunda de outros países para a América Latina possui

três fases importantes. A primeira vai de 1880 a 1930, e é caracterizada pela entrada de

estrangeiros oriundos de outros continentes, tanto escravos oriundos da África quanto

trabalhadores assalariados provenientes da Europa. O segundo período compreende a

crise de 29 e a Segunda Guerra Mundial, sendo, portanto, reduzido o número de

estrangeiros que chegaram à região. Em compensação é nesse momento que podemos ver

em vários países o êxodo rural redistribuindo a população. A última onda de imigração

na região começa na década de 1960. Nesse período a região já quase não atrai imigrantes,

se tornando, principalmente, uma região expulsora de pessoas. Além disso, é a partir desse

momento que a migração intra regional tem “início” (Lattes e Lattes, 1996).

A maior parte dos estudiosos da América Latina concordam que os principais

determinantes desses deslocamentos dentro da região são: situação agrária, modernização

da agricultura e crescimento urbano, rápido crescimento demográfico, aumento dos níveis

escolares, mudanças nos valores culturais e o desenvolvimento de aspirações individuais,

grandes diferenças no padrão de vida entre diferentes países, instabilidade política, redes

16 Vale lembrar que é a partir desse momento que cresce a migração indocumentada, fazendo com que o censo não consiga refletir a real quantidade estrangeiros no país (Seyferth, 2007). 17 “Outro aspecto que vale a pena destacar na atual fase da globalização é a concentração dos destinos migratórios nos países desenvolvidos. Em 1960, a maioria dos migrantes internacionais residia nos países em desenvolvimento. Em 2000, 63% (110 milhões) de todos os migrantes registrados (e provavelmente uma proporção bastante mais elevada dos migrantes não registrados e documentados) residiam nos países desenvolvidos.” (Martine, 2005, p. 9). 18 Dados disponíveis em http://oestrangeiro.org/2013/05/22/exclusivo-os-numeros-exatos-e-atualizados-de-estrangeiros-no-brasil-2/.

17

entre locais de origem e destino, aumento da interdependência entre países e a melhora

das comunicações e transporte (idem).

Ainda que não seja possível concluir que as correntes migratórias dentro da

América do Sul não se alteraram no último decênio, alguns números apontam para essa

mudança. A Venezuela experimentou um aumento de seu número de migrantes oriundos

dessa região, sendo 81% de colombianos. Esses apresentaram também forte presença no

Equador e no Panamá, principalmente de mulheres. A imigração em direção ao Chile,

principalmente de peruanos, foi importante durante os anos 90, chegando ao ponto de

maior presença de estrangeiros em toda sua história. Em 1970 cerca de 759 mil pessoas

oriundas de países do Mercosul residiam em países diferentes de seu local de nascimento,

enquanto em 1980 esse número para mais de um milhão, e chega a aproximadamente 1,2

milhão em 1990 (Patarra, 2005).

É durante as décadas de 1970 e 1980 que o número de migrantes oriundos do Cone

Sul no Brasil se torna mais significativo: o número de naturais desses países aumentou de

102.757 para 118.612 entre 1991 e 2000, passando de 13,4% para 17,3% do total dos

imigrantes no país. Em 2000 os argentinos, bolivianos, chilenos, paraguaios e uruguaios

estavam entre as dez nacionalidades que apresentavam maior quantidade de residentes no

Brasil. Em 2013, dos 237.318 estrangeiros oriundos do Mercosul Ampliado19, 50.240

eram bolivianos e 42.202 vieram da Argentina.

Tabela 6 – População Imigrante Internacional segundo país de nascimento

Brasil 1981 - 2000

19 O Mercosul Ampliado é constituído dos Estados Membros e Associados: Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai, Venezuela, Bolívia, Chile, Peru, Colômbia, Equador, Guiana e o Suriname.

PAÍS DE NASCIMENTO IMIGRANTES (N° ABSOLUTO) DISTRIBUIÇÃO RELATIVA (%) INCREMENTO RELATIVO (%) 1981-1991 1990-2000 1981-1991 1990-2000 1981-1991/1990-2000

TOTAL 89.235 98.514 100,00 100,00 9,42 Mercosul 18.303 23.068 20,51 23,41 20,56 Argentina 8.879 8.005 9,95 8,12 -10,92 Paraguai 5.319 11.692 5,96 11,86 54,51 Uruguai 4.105 3.371 4,60 3,42 -21,77

Mercosul Ampliado 35.747 37.727 40,06 38,30 5,25 Chile 6.864 2.060 7,69 2,09 -233,20

Bolívia 8.022 7.615 8,99 7,72 -5,34 Peru 2.558 4.984 2,86 5,05 48,64

América do Sul/Central 5.209 6.763 5,83 6,86 22,98 América do Norte 8.029 9.008 9,00 9,14 10,87

Europa 24.532 22.874 27,49 23,21 -7,25

18

O fluxos migratórios dentro da América Latina são muito diferentes entre si, mas,

no geral, os movimentos de curta distância são compostos por pessoas menos qualificadas

do que aqueles que se direcionam para os países desenvolvidos.

Tabela 7 – Taxas de crescimento médio anual dos imigrantes, por sexo, segundo países

de origem (1991 – 2001)

PAÍSES DE ORIGEM 1991-2000

Homens (%) Mulheres (%)

Argentina 1,5 0,1 Bolívia 3,0 2,9 Chile -1,7 -2,3

Paraguai 4,6 4,8 Uruguais 1,0 1,5

Total 1,6 1,6

2.4. A imigração boliviana

Desde o final do século XIX podemos observar bolivianos morando em diversas

cidades brasileiras, especialmente na região fronteiriça entre os dois países. Nos arquivos

censitários históricos o primeiro registro de entrada de um nacional da Bolívia é de 1938,

quando foram contabilizadas 38 entradas. Já no ano seguinte temos 40 entradas de

bolivianos no país, o que representa um número baixo se comparado a outros grupos do

mesmo período, como alemães, italianos e portugueses. Durante os anos 1930 e 1940 as

entradas desse grupo se mostra pouco expressiva, acompanhando a redução da imigração

no Brasil (Xavier, 2010). Há algumas explicações diferentes sobre seu início, mas, de

acordo com Silva (1997)20, tal movimento de pessoas teve início na década de 5021,

20 A tese mais difundida (senão a única) a respeito dos bolivianos no Brasil é a de Silva (1997), e ecoou em diversos outros trabalhos sobre o mesmo grupo. 21 Em 1958 um acordo bilateral Brasil-Bolívia foi firmado, e possuía objetivos diversos, como a exploração de petróleo, a demarcação de fronteiras entre os dois países, transporte ferroviário, comércio, intercâmbio cultural, entre outros, e foi denominado “Ata Roboré”. Além disso, durante os anos 1950 houve um projeto de cooperação científica entre os dois países em Física. Nas décadas de

África 2.517 4.466 2,82 4,53 43,64 Ásia 18.205 12.361 20,40 12,55 -47,28

Japão 3.361 4.822 3,76 4,89 30,30 Oceania 45 260 0,05 0,26 82,69

Outros/Sem especificação 635 233 0,71 0,23 -172,53

Fonte: Patarra, 2005

Fonte: Sala e Carvalho, 2008.

19

através de estudantes universitários bolivianos que vinham para o Brasil através de

intercâmbios entre faculdades. Após o período de intercâmbio, alguns desses estudantes

procuravam emprego no Brasil e permaneciam aqui, já que conseguiam empregos

melhores do que conseguiriam em seu país natal. É possível que seja a partir desses

acontecimentos que o país passou a ser tido como um local economicamente melhor que

a Bolívia, e o imaginário popular fez com que tal visão sobre o Brasil se mantivesse

mesmo após tantas histórias de imigrantes que fracassaram em alcançar seu sonho, já que

a decisão de emigrar é sempre feita a partir de ideias positivas sobre o local de destino

(Silva, 2005).

O número de bolivianos que chegam ao Brasil se mantem baixo até 1980, quando

há um grande aumento: nesse ano temos 12.980 entradas desse país.

Tabela 8 – Migrantes residentes no Brasil segundo país de origem e década de

chegada, 1970-2000

É, ainda, a partir desse momento que o perfil do migrante boliviano que chega ao país

muda, e isso está relacionado à migração coreana. Em 1962 a primeira leva de migrantes

oriundos da Coréia do Sul chega ao Brasil com apoio do governo dos dois países. A

princípio eles vinham para trabalhar no campo, mas com o tempo muitos desses coreanos

passaram a se instalar em São Paulo e a trabalhar no setor de confecções. Esse fluxo

migratório para o Brasil se torna tão intenso que em 1969 ambos os governos impõem

restrições à esse fluxo. Por isso, como estratégia de inserção no Brasil, era uma prática

comum os coreanos se dirigirem à Bolívia ou ao Paraguai22, onde ficavam alguns meses

e depois se dirigiam ao Brasil ou à Argentina com vistos de turistas emitidos pelo primeiro

país em que estiveram, e aqui permaneciam de forma indocumentada. Esses migrantes

1930 e 1940 entraram 261 bolivianos. Em 1947 temos 256 entradas de oriundos desse país, em 1948 temos 306, em 1949 há uma redução para 129 entradas. Já entre 1950 e 1951 há registro da chegada de 855 bolivianos ao Brasil, período que coincide com o acordo. Após isso as entradas voltar a declinar, havendo, em 1969, apenas 45 entradas (Xavier, 2010, p. 44-45) 22 A Bolívia era usada como residência temporária pelos coreanos que desejavam se dirigir ao Brasil e o Paraguai era usado temporariamente por aqueles que desejavam ir para a Argentina (Silva, 2009).

País de nascimento 1970 1980 1990 2000 Bolívia 10.712 12.980 15.691 20.398

Argentina 17.213 26.633 25.468 27.531 Uruguai 13.582 21.238 22.143 24.740 Paraguai 20.025 17.560 19.018 28.822

Peru 2.410 3.789 5.833 10.841 Chile 1.900 17.830 20.437 17.131

Fonte: Xavier, 2010.

20

coreanos passam, então, a se aproximar dos bolivianos e muitas vezes os traziam para

trabalhar no mesmo ramo que esses coreanos se inseriam: o da costura. É a partir de 1975

que as oficinas de costuras de coreanos começam a se multiplicar em São Paulo. Isso teria

certa influência na mudança de perfil do migrante boliviano que se dirigia ao Brasil, bem

como no tipo de atividade econômica na qual os bolivianos se inseriam, e inserem, no

Brasil, já que eles passaram a substituir a mão de obra recém chegada da Coréia

(Baeninger e Sales, 2000; Silva, 1998).

Hoje em dia o estado de São Paulo mostra-se como um dos lugares prediletos

dos migrantes bolivianos que entram no Brasil. Em 2000, 50,1% dos bolivianos residentes

no Brasil moravam no estado de São Paulo. Dentro do estado a Região Metropolitana de

São Paulo conta com 44% dos bolivianos, e a cidade de São Paulo com 38% do total de

bolivianos residentes no país23. A região central da cidade de São Paulo é a primeira

escolha de muitos desses migrantes. Isso porque a região pode se mostrar como uma

“porta de entrada” da cidade: um local para se estabelecer os primeiros contatos no Brasil

além de ser a região em que se concentra a maior parte das oficinas de costura e muitos

desses migrantes preferem morar próximo aos seus locais de trabalho.

Muitos dos bolivianos que se encontram em São Paulo são indocumentados.

Sendo assim, existem diversas estimativas sobre seu número. As coletas de dados oficiais

geralmente não conseguem abarcar aqueles que não possuem status legal no país, mas,

por outro lado, as estimativas da Igreja Católica e de organizações sócio-culturais

geralmente são superestimadas já que essas buscam visibilidade e reconhecimento

perante a sociedade local. A Pastoral de São Paulo, em 2008, estimou em 80.000 o número

de bolivianos residentes no Brasil, enquanto, no mesmo ano, a Polícia Federal afirmou

existirem 32.416 bolivianos no país, e o Censo de 2000 computou 20.015 (Silva, 2008).

23 Tais números são fornecidos com base no Censo de 2000, porém tratam-se de estimativas, já que há no Brasil diversos migrantes ainda indocumentados.

21

Figura 12 – População Latino-americana na Região Metropolitana de São Paulo a partir

dos dados do Censo de 2010

2.5. Considerações finais

Por muito tempo o Brasil foi um país de imigração, com o número de estrangeiros

representando cerca de 6% da população total do país em 1900 e 21% da população do

estado de São Paulo. No entanto as migrações internacionais assumem novas

características a partir da acumulação flexível, da internacionalização da economia e da

“compressão do espaço-tempo” (Harvey, 1992, p. 140). O país deixa de ser um local

atrativo para, a partir da década de 80, se tornar um local de emigração. Apesar disso, há,

a partir desse momento, uma crescente importância dos movimentos populacionais dentro

da América Latina, não tanto por seu volume, mas por sua diversidade e implicações; a

atual fase do capitalismo impulsiona novas transferências populacionais e novas formas

de mobilidade espacial, impactando nas metrópoles e cidades cuja posição geográfica e

competitividade atraem novas indústrias e inicia um processo de transformação (Patarra,

2005). É nesse quadro que podemos situar a migração de bolivianos para o estado de São

Paulo, fluxo que através dos anos tem apresentado maior volume já se apresentando como

o maior grupo estrangeiro oriundo da América Latina.

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