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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO BREVES ANOTAÇÕES SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DO USO DE ALGEMAS GABRIELA PALHANO Itajaí, Junho de 2011

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

BREVES ANOTAÇÕES SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DO USO DE ALGEMAS

GABRIELA PALHANO

Itajaí, Junho de 2011

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

BREVES ANOTAÇÕES SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DO USO DE ALGEMAS

GABRIELA PALHANO

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel

em Direito. Orientador: Professor Msc. Carlos Roberto da Silva

Itajaí, SC, Junho de 2011

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AGRADECIMENTO

Agradeço a Deus pela força espiritual concedida em todos os momentos, aos meus pais, por sua dedicação e amor incondicional, aos amigos e colegas de curso por sua ajuda, cumplicidade e amizade, ao meu Professor orientador, pela ajuda e disposição para que essa meta fosse alcançada.

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais Leonir e Margarete, pelo apoio irrestrito, carinho e compreensão em todos os momentos de minha vida; ao meu irmão Patrick, pelo exemplo de estudo e profissional de sucesso.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do

Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de

toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, SC, Junho de 2011

Gabriela Palhano Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do

Itajaí – UNIVALI, elaborada pel[o] graduand[o] [Nome do Graduando], sob o título

[Titulo da Monografia], foi submetida em [Data] à banca examinadora composta

pelos seguintes professores: [Nome dos Professores ] ([Função]), e aprovada com a

nota [Nota] ([nota Extenso]).

Itajaí, Junho de 2011

Professor MSc. Carlos Roberto da Silva Orientador e Presidente da Banca

Professora Maria Claudia A. de Souza Coordenação da Monografia

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SUMÁRIO

RESUMO .......................................................................................... VIII

INTRODUÇÃO ..................................................................................... 9

CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 12

DA PRISÃO ........................................................................................ 12

1.1 ORIGEM DA PRISÃO COMO PENA CRIMINAL – EVOLUÇÃO HISTÓRICA12

1.2 O ILUMINISMO E A HUMANIZAÇÃO DA PENA .......................................... 15

1.3 CONCEITO E MODALIDADES DE PRISÃO ................................................. 17

1.4 DA PRISÃO PROVISÓRIA E SUAS ESPÉCIES .......................................... 21

1.4.1 Da prisão em flagrante .............................................................................. 23 1.4.2 Da prisão preventiva ................................................................................. 31 1.4.3 Da prisão temporária................................................................................. 33

CAPÍTULO 2 ...................................................................................... 37

DA NECESSIDADE DO USO DE ALGEMAS - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DE SUA UTILIZAÇÃO ................................................... 37

2.1 ETIMOLOGIA, ORIGEM E SIMBOLOGIA DAS ALGEMAS ......................... 37

2.2 ALGEMAS NO SISTEMA JURÍDICO: DO PODER DE POLÍCIA ................. 40

2.3 HISTÓRICO LEGISLATIVO DO USO DE ALGEMAS ................................... 42

2.4 DA PREVISÃO LEGAL DO USO DE FORÇA NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ................................................................................................................. 45

2.5 DO TRIBUNAL DO JÚRI ............................................................................... 48

2.5.1 Da função do jurado .................................................................................. 49 2.5.2 Da regulamentação do uso de algemas em plenário ............................. 54

2.6 DA SÚMULA VINCULANTE Nº 11 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL . 58

CAPÍTULO 3 ...................................................................................... 64

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DA CONSTITUCIONALIDADE DO USO DE ALGEMAS QUANDO PRESENTES AS CIRCUNSTÂNCIAS AUTORIZADORAS .............. 64

3.1 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ........................................................ 64

3.1.1 Caracterização ........................................................................................... 64 3.1.2 Características e funções dos princípios Constitucionais ................... 65

3.2 DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A UTILIZAÇÃO DE ALGEMAS ........................................................................... 68

3.3 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PLENITUDE DE DEFESA E DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E A REGULAMENTAÇÃO DO USO DE ALGEMAS EM PLENÁRIO .................................................................................................... 71

3.4 DA SÚMULA VINCULANTE Nº 11 DO STF E O DIREITO CONSTITUCIONAL À IMAGEM............................................................................................................... 80

3.5 DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROPORCIONALIDADE E A SÚMULA Nº 11 DO STF. ..................................................................................................... 86

3.6 DA CONSTITUCIONALIDADE DO USO DE ALGEMAS QUANDO PRESENTES AS CIRCUNSTÂNCIAS AUTORIZADORAS. ...................................................... 90

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................... 94

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ........................................... 97

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RESUMO

O presente trabalho busca analisar a problemática existente

em torno da utilização de algemas em nosso país, dando ênfase a recente alteração

do Código de Processo Penal, que disciplinou o uso de algemas especificamente no

tocante a presença do custodiado no plenário do Júri; bem como a regulamentação

da questão pelo Supremo Tribunal Federal através de Súmula Vinculante. Haja vista

ser rotineiro, no dia a dia de quem exerce trabalho policial ou milita na área do direito

criminal, o surgimento de dúvidas acerca do algemamento de conduzidos às

delegacias de polícia e aos fóruns. Verifica-se, principalmente, que o aparente

conflito existente entre o poder de polícia, a lei processual e os princípios

constitucionais, mormente o do estado de inocência e o da dignidade da pessoa

humana, não pode ser ignorado; tão pouco à exposição desnecessária da imagem

da pessoa algemada na mídia. Por fim, constata-se que o emprego de algemas,

enquanto importante instrumento na atuação prática policial se justifica em alguns

casos, pois a segurança pública é dever do Estado, e a este devem estar

assegurados os meios que garantam tal mister, razão pela qual os órgãos policias

estão legitimados a empregar os instrumentos necessários para tanto.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto à constitucionalidade

do uso de algemas em nosso ordenamento jurídico, resultando num relatório de

conclusão de curso de graduação em Direito.

As categorias fundamentais para a monografia, bem como os

seus conceitos operacionais serão apresentados no decorrer da mesma.

A escolha do tema se deu em virtude da complexibilidade da

análise do caso concreto no tocante ao uso de algemas, uma vez que tal

instrumento deve ser utilizado com reservas, de forma coerente com o Estado

Democrático de Direito em que vivemos. Trata-se, em verdade, de tema polêmico,

atual e relevante.

Dessa forma, a pesquisa será realizada no âmbito do direito

processual penal e do direito constitucional, discorrendo sobre a possibilidade do

emprego de algemas em circunstâncias excepcionais, o que está de acordo com

princípios constitucionais vigentes em nosso ordenamento jurídico.

Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, com a prisão, sua

evolução histórica como pena criminal, bem como a humanização deste instituto

através do iluminismo. Aborda-se ainda, o conceito e as modalidades de prisão

existentes, adentrando especificamente as espécies de prisão provisória existentes

atualmente em nosso ordenamento jurídico.

No Capítulo 2, tratar-se-á da necessidade do uso de algemas,

fazendo uma breve análise acerca de sua etimologia, origem e simbologia, para

então adentrar no fundamento jurídico que baliza sua utilização, seu histórico

legislativo e a previsão legal do uso de força na legislação pátria.

Faz-se ainda um estudo sobre a recente vedação do emprego

deste instrumento no plenário do júri, bem como acerca da regulamentação do

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emprego de algemas pelo Supremo Tribunal Federal, em decorrência da elaboração

da Súmula Vinculante nº 11.

No Capítulo 3, analisar-se-á a constitucionalidade do uso de

algemas quando presentes as circunstâncias autorizadoras, especificamente em

face dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da plenitude de

defesa, da presunção de inocência e da proporcionalidade. Abordar-se-á também, a

exposição midiática do preso quando algemado e sua relação com o direito a

imagem previsto em nossa Constituição.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,

seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a

constitucionalidade do uso de algemas quando presentes as circunstâncias

autorizadoras.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

O uso de algemas fere o princípio constitucional fundamental

da dignidade da pessoa humana.

A manutenção do emprego de algemas no plenário do júri não

se justifica, tão somente, em razão da falta de segurança no local.

A exposição midiática do preso algemado afronta o direito à

imagem, bem como a dignidade daquele.

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de

Investigação1 foi utilizado o Método Indutivo2, na Fase de Tratamento de Dados o

1 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente

estabelecido [...]. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11 ed. Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2008. p. 83.

2 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 86.

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Método Cartesiano3, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia

é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas

do Referente4, da Categoria5, do Conceito Operacional6 e da Pesquisa Bibliográfica7.

3 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE,

Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.

4 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 54.

5 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 25.

6 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 37.

7 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 209.

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CAPÍTULO 1

DA PRISÃO

1.1 ORIGEM DA PRISÃO COMO PENA CRIMINAL – EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Desde os tempos mais remotos da humanidade, é sabido que

o ser humano, devido a diversas condições de sobrevivência a ele impostas, vivia

em grupos, e não isoladamente. O regramento da conduta dos indivíduos para que a

vida em sociedade fosse possível, ocorria por meio da imposição de normas de

comportamento social. Sua obrigatoriedade, devido ao misticismo predominante à

época, estava assentada no temor religioso ou mágico. Nessas formas primárias de

comunidade, por óbvio, não existia um órgão que exercesse a autoridade coletiva,

portanto, os grupos sociais se formavam e se regravam com total ausência do

Estado.8

A esse propósito, Artemio Zanon9 leciona:

O homem sempre (con) viveu em grupos e estes pautaram suas condutas por normas sociais pertinentes às circunstâncias. A essas normas entendeu-se dar o nome de Direito, no sentido do que é aceito, a partir da convivência de duas ou mais pessoas, como acordo para a manifestação no mundo exterior de algum comportamento – neste sentido pode-se citar Cícero e a criação jurídica do princípio de direito – ubi societas, ibi jus – onde há sociedade, aí há direito.

Com o tempo, cada grupo passou a ter suas normas de

Religião (superstições, a divindade, a ofensa a ela e a aplacação, bem como a idéia

de reparação e de reconciliação, o místico, a magia, o sobrenatural, em uma

8 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967, t. I, p. 54. 9 ZANON, Artemio. Introdução à Ciência do direito penal. 2. ed. Florianópolis: Editora OAB/SC,

2000. p. 101.

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palavra, o sacral), de Moral (costumes, tradições) e seu Direito (inicialmente as

próprias regras tradicionais e costumes ou hábitos de cada época).10

Na ausência de uma autoridade comum, as ocorrências da vida

cotidiana explicavam-se com fundamento na vontade divina, no temor religioso ou

mágico.11

Neste cenário, a violação das normas estabelecidas pelo grupo

gerava o desequilíbrio deste e a punição do autor, se conhecido, sendo esta a

maneira simbólica de destruir a violação, o crime. As sanções mais comuns eram a

humilhação, o desprezo, a expulsão do seio grupal ou o banimento.12

No caso de violação de alguém de um grupo a alguém de outra

entidade grupal, a sanção era a vingança privada. Com a separação de um grupo

em outros grupos é que a vingança surgiu como reação contra a agressão; já existia

uma autoridade e assim punir em nome da comunidade deixa de ser um direito para

tornar-se um dever: punir em nome da comunidade. É a vingança social ou do

sangue.13

Já sob a responsabilidade de um poder público, a punição

constituía forma disciplinada sob a denominação de lei do talião – o jus talionis: a

vingança tem sua medida na intensidade da agressão, do dano causado.14

No momento posterior, sendo o homem animal político, os

grupos passaram a adotar a repressão mediante a composição. Conforme Zanon15:

“Assim chega-se à criação de um sistema jurídico de luta contra o crime, no

interesse da defesa social”.

10 ZANON, Artemio. Introdução à Ciência do direito penal. p. 101. 11 ZANON, Artemio. Introdução à Ciência do direito penal. p. 102. 12 RAIZMAN. Daniel Andrés. Direito penal 1 – parte geral. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 15. 13 ZANON, Artemio. Introdução à Ciência do direito penal. p. 103. 14 AMARAL. Augusto Jobim do. Violência e processo penal: crítica transdiciplinar sobre a limitação

do poder punitivo. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2008. p. 121. 15 ZANON, Artemio. Introdução à Ciência do direito penal. p. 103.

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Ao final, tem-se que todas as entidades grupais, umas mais

delongadamente do que outras, seguiram mais ou menos a mesma evolução: da

perda da paz individual à vingança determinada (contra o autor da conduta

repudiada) ou indeterminada (contra alguém do grupo), à vingança limitada (o

talião), à composição voluntária, à composição legal e, por fim, à pena pública.16

O Código de Hamurabi, datado de 2083 a. C. surge como a

primeira legislação de que se tem conhecimento que separou a Religião do Direito:

nele, a punição penal se apresenta como vingança pública, tendo no talião a regra.17

A base dos sistemas jurídicos atuais é constituída pelo Direito

Romano. Desde a Lei das Doze Tábuas, até os tempos de Justiniano I, época da

decadência do Império Romano, a documentação jurídica é abundante. De início, o

Direito Punitivo Romano tinha cunho religioso, mas em 509 a.C., com a instalação

da República, Religião e Estado separaram-se. Em 500 a. C, tem-se a notícia da

criação do Juízo popular, entidade com competência para julgar. Existia também o

Juízo do Povo, a ele submetido o condenado à morte.18

Na Idade Média, a Igreja, crescendo em domínio e poder,

impunha sua disciplina a fatos considerados crimes praticados por seus membros

(eclesiásticos) e profanos: de início de cunho espiritual e ao depois misto. Era à

aplicação do Direito Canônico. Frisa-se que apesar do rigorismo no combate aos

hereges, deve-se à Igreja contribuição substancial para a repressão criminal e o

fortalecimento da autoridade pública, haja vista ter estabelecido que a pena pública

era a única sanção justa e regular. 19

Nesta época, a Igreja exercia o poder de punir àqueles que

desrespeitassem a mesma através da Inquisição, o tribunal eclesiástico destinado a

defender a fé católica. Para tanto, vigiava, perseguia e condenava aqueles que

16 ZANON, Artemio. Introdução à Ciência do direito penal. p. 103. 17 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema

penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan. p. 89. 18 ZANON, Artemio. Introdução à Ciência do direito penal. p. 107. 19 ZANON, Artemio. Introdução à Ciência do direito penal. p. 109.

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fossem suspeitos de praticar outras religiões ou quem tentasse insurgir-se contra

seus dogmas.20

A esse respeito, Zanon21 discorre:

(...) nesse longo e sombrio período da história penal, a humanidade conheceu as maiores atrocidades nas aplicações das sanções: as desigualdades nas punições (ao nobre e ao plebeu), a pena capital era comum, a forca, a fogueira, a roda, o afogamento, o estrangulamento, a evisceração, as mutilações, ... tudo de acordo com o arbítrio de cada juiz que apurava o fato, condenava e executava.

Isso ocorria porque o processo não era público, inexistia defesa

e a inquisição imperava como único instrumento de apurar a culpabilidade:

conseguia-se do acusado a confissão que se desejava através da tortura. Este

quadro não podia perdurar; e assim vieram as grandes idéias, as reformas

necessárias, a humanização do Direito Penal.22

1.2 O ILUMINISMO E A HUMANIZAÇÃO DA PENA

O Iluminismo, revolução intelectual que se efetivou na Europa,

especialmente na França, no século XVIII, tendo como expoentes Immanuel Kant,

Voltaire, Rousseau, John Locke, dentre outros, representou o auge das

transformações sociais iniciadas no século XIV pelo movimento renascentista.

Destes, derivaram o Antropocentrismo (teoria que considera o homem o centro do

universo) e o Individualismo Renascentista, que, ao incentivarem a investigação

científica, levaram à gradativa separação entre o campo da fé (religião) e o da razão

(ciência), determinando profundas transformações nos modos de pensar, sentir e

agir do homem.23

Defendiam os iluministas, a idéia de explicar todas as coisas

através da razão, da ciência, eis que, assim, o homem poderia alcançar o

20 AMARAL. Augusto Jobim do. Violência e processo penal: crítica transdiciplinar sobre a limitação

do poder punitivo. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2008. p. 132. 21 ZANON, Artemio. Introdução à Ciência do direito penal. p. 110-111. 22 ZANON, Artemio. Introdução à Ciência do direito penal. p. 111. 23 FALCON, Francisco José Calazans. Iluminismo. 4. ed. São Paulo: Ática, 2004. p.24.

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conhecimento pleno, a convivência em harmonia com a sociedade, e, por

conseqüência, sua liberdade individual e a felicidade.24

As novas idéias conquistaram inúmeros seguidores, a quem

levavam luz e conhecimento, motivo pelo qual o movimento chamava-se iluminismo,

e seus criadores, iluministas. A religião e os dogmas derivados desta já não

exerciam o poder de outrora, ensejando, desta forma, o rompimento com as formas

de pensar até então consagradas pela tradição.25

Através do uso da razão para organizar a sociedade, um novo

tempo se inaugurava. A desmistificação da idéia de que Deus estava no centro do

universo, causado pelo impacto do movimento Iluminista sobre os diversos

contextos comunicativos, gerou repercussões diversas. No âmbito do conhecimento

jurídico, é apropriado afirmar que o principal legado iluminista foi à identificação do

direito com a “Lei”, ou seja, no poder transferido da Igreja ao Estado, para que este

exercesse o Direito através da Lei.26

A sociedade passou a reger-se com base em regras sociais

emanadas de um Estado diferente de outrora, era o surgimento do conhecido

“Estado laico”. Anteriormente, quando a Nobreza e o Clero detinham o controle da

sociedade, através do Absolutismo e do Teocentrismo, respectivamente, a prisão

tinha como fim apenas assegurar a tramitação do processo e a posterior aplicação

de sanções definitivas, que quase sempre eram o açoite, o arrastamento, a morte, a

empalação, dentre outras anteriormente citadas. Ou seja, a prisão tinha caráter

meramente provisório, instrumental.27

Com o iluminismo, nasceu o que se convencionou chamar de

humanização da pena. Michel Foucault28, em sua aclamada obra Vigiar e Punir,

discorre sobre o tema:

24 FALCON, Francisco José Calazans. Iluminismo. p.36. 25 FALCON, Francisco José Calazans. Iluminismo. p.37-38. 26 FALCON, Francisco José Calazans. Iluminismo. p.42. 27 ZANON, Artemio. Introdução à Ciência do direito penal. p. 117. 28 FOUCALT, Michel. Vigiar e punir. 36. ed. Petrópolis: Vozes, 2009. p. 217.

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A prisão, peça essencial no conjunto das punições, marca certamente um momento importante na história da justiça penal: seu acesso à “humanidade”. Mas também um momento importante na história desses mecanismos disciplinares que o novo poder de classe estava desenvolvendo: o momento em que aqueles colonizam a instituição judiciária.

Prossegue o referido autor:

No fim do século XVIII e princípio do XIX se dá a passagem a uma penalidade de detenção, é verdade; e era coisa nova. Na passagem dos dois séculos, uma nova legislação define o poder de punir como uma função geral da sociedade que é exercida da mesma maneira sobre todos os seus membros, e na qual cada um deles é igualmente representado; mas, ao fazer da detenção a pena por excelência, ela introduz processo de dominação característico de um tipo particular de poder. Uma justiça que se diz “igual”, um aparelho judiciário que se pretende “autônomo”, mas que é investido pelas assimetrias das sujeições disciplinares. Tal é a conjunção do nascimento da prisão, “pena das sociedades civilizadas”.29

Fato é que o progresso de idéias fez com que o aprisionamento

dos indivíduos deixasse de ter caráter provisório, quando era utilizado apenas

temporariamente para a posterior aplicação de penas mais cruéis e passou a ter

caráter de pena, devido ao próprio avanço da sociedade, que já não admitia mais as

punições horrendas anteriormente aplicadas.

1.3 CONCEITO E MODALIDADES DE PRISÃO

Pode-se entender a prisão como sendo a privação da liberdade

do indivíduo, na hipótese de flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da

autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória

transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de

prisão temporária ou preventiva30.

29 FOUCALT, Michel. Vigiar e punir. p. 217-218. 30 MARTINS, Flávio. Comentários à nova lei de prisões. Disponível em:

www.professorflaviomartins.com.br. Acesso em: 15/06/2011.

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Punir o indivíduo através da prisão permite quantificar

exatamente a pena segundo a variável do tempo. Há uma forma-salário da prisão

que constitui, nas sociedades industriais, sua “obviedade” econômica, permitindo

que ela pareça uma reparação. Retirando tempo do condenado, a prisão parece

traduzir concretamente a idéia de que a infração lesou, mais além da vítima, a

sociedade inteira.31

Atualmente, a prisão é uma exigência à aplicação da lei penal,

bem como necessária para a manutenção da ordem social.

Com relação ao tema, pertinente colacionar o ensinamento de

Foucalt32:

Como não seria a prisão a pena por excelência numa sociedade em que a liberdade é um bem que pertence a todos da mesma maneira e ao qual cada um está ligado por um sentimento “universal e constante”? Sua perda tem, portanto, o mesmo preço para todos; melhor que a multa, ela é o castigo “igualitário”. Clareza de certo modo jurídica da prisão.

A prisão classifica-se em duas modalidades:

Prisão – pena: é a que resulta de sentença condenatória transitada em julgado, que aplica pena privativa de liberdade. Em nosso sistema, a prisão-pena somente existe no âmbito do direito penal, sendo, portanto, de afirmar que a prisão-pena no Brasil é aquela decorrente de sentença condenatória penal transitada em julgado.33

Prisão sem pena: é a que não decorre de sentença condenatória transitada em julgado, não constituindo pena no sentido técnico-jurídico. A doutrina identifica quatro espécies: prisão civil; prisão administrativa; prisão disciplinar e prisão processual (provisória ou cautelar).34

31 FOUCALT, Michel. Vigiar e punir. p. 218. 32 FOUCALT, Michel. Vigiar e punir. p. 218. 33 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 397. 34 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 397.

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A prisão civil é a medida de coação executiva para compelir

alguém ao cumprimento de um dever civil, segundo a Constituição Federal,

ocorrendo apenas no caso de descumprimento da obrigação alimentar, haja vista

não ser mais aplicável no caso do depositário infiel em face da Convenção

Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica da qual o Brasil

é signatário. 35

A prisão administrativa é a medida coativa para compelir

alguém ao cumprimento de um dever de direito público. Subsiste, depois da

Constituição de 1988, nos casos previstos em lei em que é decretada pelo juiz,

como, por exemplo, a do falido para a apresentação dos livros e a do depositário

judicial, nos termos da Súmula 619 do Supremo Tribunal Federal. Não é mais

admitida à prisão administrativa decretada por autoridade administrativa, como as

previstas no Estatuto do Estrangeiro e em certos estatutos de funcionários

públicos.36

A prisão disciplinar existe apenas no âmbito militar (art. 5º, LXI,

da CF). 37

A prisão processual penal, também denominada prisão cautelar

ou prisão provisória, subdivide-se em três modalidades, que serão analisadas

posteriormente, quais sejam:

Prisão em flagrante (arts. 301 a 310 do CPP);

Prisão preventiva (arts. 311 a 318 do CPP);

Prisão temporária (única modalidade de prisão prevista em lei extravagante – Lei n. 7.960, de 21-12-1989.

Na atual conjuntura normativa em vigor em nosso país, a

prisão é permitida, além das hipóteses de flagrante delito e quando houver ordem

escrita e fundamentada do juiz, consubstanciada através de mandado, nos

seguintes casos: (a) crime militar próprio, assim definido em lei, ou infração

disciplinar militar (CF, art. 5º, LXI); (b) em período de exceção, ou seja, durante o

35 GRECO GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 8ed. Saraiva: São Paulo, 2010. p.

250. 36 GRECO GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal.. p. 250. 37 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. .4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 398..

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estado de defesa (CF, art. 136, §3º, I) e durante o estado de sítio (CF, art. 139, II).

Ademais, “a recaptura do réu evadido não depende de prévia ordem judicial e

poderá ser efetuada por qualquer pessoa” (CPP, art. 684). Neste caso, pressupõe-

se que o sujeito esteja regularmente preso (por flagrante ou ordem escrita de juiz) e

fuja. Neste caso, o guarda penitenciário, vendo o prisioneiro em desabalada carreira,

não vai, antes, solicitar uma ordem escrita para a recaptura.38

Fora dessas hipóteses, a prisão de qualquer indivíduo será

inconstitucional. Nesse caso, qualquer pessoa poderá impetrar habeas corpus em

favor do ilegalmente preso, que deverá ser solto imediatamente. Uma vez ciente da

prisão ilegal, a autoridade judiciária terá o dever de determinar seu relaxamento (art.

5º, LXV, da CF). A recusa do juiz em fazê-lo, desde que evidente a ilegalidade da

prisão, pode ensejar responsabilização da autoridade judiciária por crime de abuso

de autoridade (art. 4º, d, da Lei n. 4.898/65) 39

Desta forma, tem-se que, em regra, a prisão somente poderá

resultar: de flagrante delito ou de ordem escrita e fundamentada do juiz competente,

isto é, mediante mandado de prisão.

Este será lavrado pelo escrivão e assinado pela autoridade

judicial, e deve conter: a) nome, dados identificadores e qualificação da pessoa que

deverá ser presa; b) menção da infração penal que motivar a prisão; c) declaração

da fiança arbitrada, se houver possibilidade de arbitrá-la; d) indicação da autoridade

que deverá executar a ordem, que é o oficial de justiça ou a autoridade policial. O

mandado será lavrado com cópia para entrega ao preso, podendo, também, a

autoridade policial reproduzi-lo para a realização de mais de uma diligência.40

No tocante ao momento da prisão, Vicente Greco Filho41

observa:

38 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 294. 39 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 399. 40 GRECO GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. p. 252. 41 GRECO GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. p. 252.

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A prisão poderá efetivar-se a qualquer dia e hora, respeitadas, porém, as restrições decorrentes da proteção constitucional do domicílio (CF, art. 5º, XI). Ou seja, se não houver concordância do morador, salvo em caso de flagrante, a prisão não poderá efetivar-se à noite, entendida esta como o período de falta de luz solar, devendo a autoridade aguardar o amanhecer.

Insta salientar que no ato da prisão, poderá ser utilizada a força

se houver resistência ou tentativa de fuga do preso, lavrando-se, a respeito, auto

subscrito por duas testemunhas, na forma do art. 284 do CPP.42

1.4 DA PRISÃO PROVISÓRIA E SUAS ESPÉCIES

Historicamente, é a mais antiga, haja vista que a prisão só

adquiriu caráter de pena a partir do século XVIII. A prisão provisória (ou processual)

é aquela que ocorre antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, não

tendo por objetivo a punição do indivíduo, mas sim impedir que venha a perpetrar

novos delitos (relacionados ou não com aquele pelo qual está segregado) ou que a

sua conduta interfira na apuração dos fatos e na aplicação da sanção

correspondente ao crime praticado.43

Esta espécie de prisão possui natureza cautelar, ou seja, visa

proteger bens jurídicos envolvidos no processo ou que o processo pode,

hipoteticamente, assegurar.44

Nas palavras de Vicente Greco Filho45:

Isso quer dizer que precisam estar presentes os pressupostos das medidas cautelares, que são o fumus boni iuris e o periculum in mora. O fumus boni iuris é a probabilidade de a ordem jurídica amparar o direito que, por essa razão, merece ser protegido. O periculum in mora é o risco de perecer que corre o direito se a medida não for tomada para preservá-lo.

42 GRECO GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. p. 252. 43 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. .p. 775. 44 GRECO GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. p. 251. 45 GRECO GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. p. 251.

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Conforme o mencionado autor: “Esse direito a preservar, de

regra, é a aplicação da lei penal, mas pode ser a garantia da ordem pública ou a

necessidade da instrução criminal”.46

Quanto à finalidade das prisões cautelares, Edilson Mougenot

Bonfim47 ensina:

As prisões cautelares têm por finalidade resguardar a sociedade ou o processo com a segregação do indivíduo. Daí falar em cautelaridade social, cujo escopo é proteger a sociedade de indivíduo perigoso, e cautelaridade processual, que garante o normal iter procedimental, fazendo com que o efeito transcorra conforme a lei e que eventual sanção penal seja cumprida.

Por esta razão, a prisão provisória deve fundar-se em uma das

cautelaridades acima apontadas, sob pena de ser considerada inconstitucional por

afronta ao princípio da presunção de não culpabilidade (art. 5º, LVII, da CF).48

Do todo, pode-se afirmar que: a prisão provisória não constitui

antecipação de pena, uma vez que inexiste trânsito em julgado de condenação, e

que toda e qualquer prisão cautelar exige a presença dos seguintes requisitos:

indícios suficientes de autoria ou participação – o fumus boni júris; e existência de

risco social ou processual – periculum libertatis, que nada mais é do que a

cautelaridade. A finalidade desta prisão é assegurar o bom desempenho da

investigação criminal, do processo penal ou da execução da pena, ou ainda impedir

que, solto, o sujeito continue praticando delitos.49

Na atualidade, em face das alterações introduzidas pela Lei nº

12.403, de 4 de Maio de 2011, são apenas três as modalidades de prisão

processuais no ordenamento jurídico brasileiro:

46 GRECO GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. p. 251. 47 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 398. 48 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 398. 49 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 398.

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a) Prisão em flagrante

b) Prisão preventiva

c) Prisão temporária

1.4.1 Da prisão em flagrante

A prisão em flagrante é modalidade de prisão cautelar

autorizada expressamente pela Constituição Federal (art. 5º, XI). Independe de

determinação judicial, daí dizer que tem natureza inicialmente administrativa.

Mantida que venha a ser pelo juiz, por ocasião da homologação do auto de prisão

em flagrante, assume natureza jurisdicional. É regida pela causalidade, pois o

flagrado é surpreendido no decorrer da prática da infração ou momentos depois.

Para sua imposição, são irrelevantes aspectos relativos à ilicitude e à culpabilidade,

importando, tão-somente, a prática de um fato com aparência de tipicidade.50

Fernando Capez destaca que: “O termo flagrante provém do

latim flagrar, que significa queimar, arder. É o crime que ainda queima, isto é, que

está sendo cometido ou acabou de sê-lo”.51

Segundo Bonfim52, identifica-se, na prisão em flagrante, três

momentos distintos:

Captura. É o momento em que a pessoa que se encontra em uma das situações de flagrância previstas em lei é detida.

Lavratura do auto. Apresentado o capturado à autoridade competente, se esta reconhecer estarem presentes os requisitos legais para a prisão, deverá lavrar o auto, circunstanciando a prisão em flagrante. O auto de prisão em flagrante constitui verdadeiro título da custódia provisória, servindo também como ato inicial do inquérito policial que investigará a prática dos atos que ensejaram a prisão.

Custódia. Após a lavratura do auto, será o conduzido recolhido ao cárcere.

50 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 777-778. 51 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 17 ed. Saraiva: São Paulo, 2010. p. 307. 52 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 405.

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Entretanto, a prisão em flagrante se perfaz no momento da voz

de prisão.53

Identificam-se três modalidades de flagrante quanto à situação

em que se encontrar o agente no momento de sua captura:

Flagrante próprio (também chamado de propriamente diro, real ou verdadeiro): é aquele em que o agente é surpreendido cometendo uma infração penal ou quando acaba de cometê-la (CPP, art. 302, I e II). Nesta última hipótese, devemos interpretar a expressão “acaba de cometê-la” de forma restritiva, no sentido de uma absoluta imediatidade, ou seja, o agente deve ser encontrado imediatamente após o cometimento da infração penal (sem qualquer intervalo de tempo).54

Frisa-se que inocorre qualquer espaço de tempo entre o início

dos atos de execução ou consumação da infração penal e o momento em que o

agente é surpreendido por terceiros – há imediatidade visual da prática da infração.55

Flagrante impróprio (imperfeito ou quase flagrante). É o que decorre de situação em que o agente é perseguido pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer outra pessoa logo após a prática de fato delituoso, em situação que faça presumir ser autor da infração (art. 302, III).56

A expressão “logo após” tem sentido de relativa imediatividade

entre a consumação da infração e o início dos atos de perseguição. Admite-se, no

flagrante impróprio, o decurso de um certo intervalo de tempo entre a prática do

delito e o início dos atos de perseguição. Quanto à mensuração deste intervalo,

entende-se deva ser o tempo suficiente para que as autoridades competentes

desloquem-se até o local, realizem a colheita dos elementos necessários à

identificação, ao menos física, do suspeito e possam, a partir daí, desencadear a

perseguição. Não se exige que a perseguição esteja ocorrendo com a percepção

visual do agente, pois não é este o sentido da lei. Por perseguição ininterrupta

53 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 405. 54 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 308. 55 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 780. 56 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 406.

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entendem-se as constantes diligências, sem intervalos longos, realizadas pela

autorizada com vistas à localização e prisão do criminoso.57

Flagrante presumido ou ficto (art. 302, IV, do CPP): é aquele que se caracteriza logo depois da prática da infração, sendo encontrado o agente portando instrumentos, armas, objetos ou papéis que indicam, presumidamente, ter sido ele o autor do crime. Aqui não se exige que tenha ocorrido perseguição, podendo ter sido meramente casual a localização do suspeito. Exemplo: ao ser abordado por uma blitz policial, realiza a polícia rodoviária consulta em relação à placa do veículo tripulado pelo suspeito, constatando que fora o mesmo recentemente furtado.58

A expressão “logo depois” permite o decurso de hiato temporal

superior ao do flagrante impróprio entre a prática do delito e o momento em que

localizado o agente. Neste caso, ao contrário da hipótese elencada no inc. III do art.

302 do CPP, não se exige que o agente tenha sido perseguido pela autoridade,

bastando ter sido encontrado nas situações referidas, logo depois do crime.

Contudo, ainda que tenha sido delatado por comparsa (chamamento à autoria), não

há falar em flagrante presumido se o agente não for encontrado nas circunstâncias

referidas – com instrumentos, armas, etc. 59

Em relação às circunstâncias em que se efetua a prisão em

flagrante, pode-se classificá-la em:

Flagrante preparado ou provocado. Ocorre quando a autoridade instiga a prática de um crime de maneira que este é cometido preponderantemente em razão de sua atuação. Para tais situações, estabelece a Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal que “não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação”. A hipótese não configura, destarte, flagrante delito, mas sim crime impossível por obra do agente provocador.60

Situação diversa ocorre quando um traficante de substância

entorpecente procura vendê-la desconhecendo a condição de agente policial do

comprador. Nesse caso, embora o próprio policial tome parte do fato, o vendedor

57 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 779-780. 58 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 780. 59 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 406. 60 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 407.

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será validamente preso em flagrante como incurso na conduta de trazer consigo ou

manter em depósito substância entorpecente, e não pela conduta de vender. Assim,

se o traficante já estiver na posse do entorpecente, sendo que esta não tenha sido

induzida pelo policia, haverá crime e prisão em flagrante válida, pois a conduta

configura nos termos do art. 33 da Lei 11.343/2006, o delito, independentemente da

venda posterior.61

Flagrante esperado: nesse caso, a atividade do policial ou do terceiro consiste em simples aguardo do momento do cometimento do crime, sem qualquer atitude de induzimento ou instigação. Considerando que nenhuma situação foi artificialmente criada, não há que se falar em fato atípico ou crime impossível. O agente comete crime e, portanto, poderá ser efetuada a prisão em flagrante. Esta é a posição do STJ: “Não há flagrante preparado quando a ação policial aguarda o momento da prática delituosa, valendo-se de investigação anterior, para efetivar a prisão, sem utilização de agente provocador” (RSTJ, 10/389).62

Norberto Avena63 exemplifica:

Mediante uma interceptação telefônica autorizada judicialmente, descobre a autoridade policial que determinado navio atracará ao porto com grande carga de entorpecentes camuflada em forma de mercadorias lícitas. Chegando a embarcação e iniciado o descarregamento, aproximam-se os policiais e, constatando a veracidade da informação, procedem à voz de prisão dos traficantes.

Flagrante forjado, urdido, fabricado ou maquiado: é aquele no qual o fato típico não foi praticado, sendo simulado pela autoridade ou pelo particular com o objetivo direto de incriminar falsamente alguém. Caracteriza-se pela absoluta ilegalidade e sujeita o responsável a responder penalmente por essa conduta – abuso de autoridade ou denunciação caluniosa -, conforme se trate ou não o responsável, pela simulação criminosa, de uma autoridade no exercício das funções.64

Nessa hipótese, a polícia ou terceiros forjam elementos

probatórios, dispondo-os de maneira a induzir a autoridade em erro, com o intuito de

61 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 407. 62 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 310. 63 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 788. 64 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 789..

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incriminar determinada pessoa, causando sua prisão. Não há que se falar em

flagrante, uma vez que este pressupõe um crime, que não existe no caso.65

Flagrante retardado (diferido ou protelado): Em regra, a autoridade policial está obrigada a realizar a prisão em flagrante. Entretanto, a prática cotidiana demonstrou que em certas ocasiões essa não é a melhor determinação, pois nem sempre o momento em que a autoridade toma conhecimento da prática do delito é o mais oportuno para a abordagem do agente, notadamente naqueles crimes em que a consumação se protrai no tempo.66

É o que prevê, por exemplo, o art. 2º da Lei 9.034/1995 (Lei do

Crime Organizado), quando faculta a ação controlada, que consiste em retardar a

interdição policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a

ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a

medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação

de provas e fornecimento de informações para a realização da prisão.67

Quanto à prisão em flagrante nas várias espécies de crimes,

oportuno colacionar algumas observações:

Nas infrações permanentes, o agente encontra-se em situação

de flagrante delito enquanto não cessar a permanência (art. 303 do CPP). Isso

porque a consumação desses delitos, ou seja, a prática dos atos que constituem os

núcleos dos respectivos tipos penais prolonga-se no tempo enquanto não cessar a

atividade criminosa. Assim, entende-se perfeitamente possível a prisão em

flagrância de agente horas depois do encontro de substância entorpecente em sua

residência.68

Quanto à possibilidade de ocorrer flagrante nos crimes

habituais – aqueles cujo cometimento depende da prática reiterada de determinados

65 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 407. 66 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 407-408. 67 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 789-790. 68 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 408.

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atos, tais como o exercício ilegal da medicina, o curandeirismo etc. -, a doutrina

possui entendimentos divergentes.69

Primeiramente cabe esclarecer que crimes habituais são

aqueles que não se consumam em apenas um ato, exigindo uma seqüência de

ações para que se perfaça o tipo penal.70

Para a grande maioria da doutrina e também da jurisprudência,

tal espécie de delito não admite a prisão em flagrante, pois, como entende Tourinho

Filho, quando a polícia prende o acusado em flagrante, está surpreendendo-o em

um único ato e o crime considerado habitual não se consuma com uma só ação, e

sim exige a pluralidade de atos.71

Em contrapartida, outros doutrinadores, a exemplo de

Mirabete, compreendem ser possível a prisão em flagrante quando o agente for

surpreendido na prática de um dos atos que compõem a conduta delituosa,

havendo, porém, prova inequívoca de atos anteriores.72

Nos casos de crime continuado, Fernando Capez73 ensina que:

“Existem várias ações independentes, sobre as quais incide, isoladamente, a

possibilidade de se efetuar a prisão em flagrante”.

No tocante ao crime continuado, pertinentes as palavras do

jurista Norberto Avena74:

Observe-se que a conceituação de crime habitual e de crime permanente não possui qualquer relação com a definição jurídica de crime continuado. Os dois primeiros, com efeito, são conceitos relacionados à natureza do crime em face do seu momento consumatório. O último, ao contrário, refere-se à modalidade de

69 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 408. 70 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 786. 71 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 786. 72 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 786-787. 73 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 312. 74 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 787.

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concurso de crimes, cujo reconhecimento se prende a uma seqüência de crimes distintos, cada qual consumado no seu momento próprio, mas que, pela identidade de natureza, proximidade temporal e espacial e semelhança de modos de execução, reputam-se os posteriores como sendo continuação dos anteriores. Para fins de flagrante, na medida em que os delitos que compõem o crime continuado guardam, em termos fáticos, independência e autonomia entre si, cada um deles permite a efetivação da prisão do agente se consubstanciadas quaisquer das hipóteses do art. 302 do CPP.

Nos crimes de ação privada e nos de ação pública

condicionada à representação, a lavratura do auto de prisão em flagrante depende

da autorização da vítima ou de seu representante legal. Nada impede, contudo, que

se realize a captura de quem quer que se encontre em situação de flagrância por

algum desses crimes, até com o intuito de interromper a conduta que constitua

prática criminosa. O Código de Processo Penal não dispõe acerca do prazo que tem

o ofendido ou seu representante legal para autorizar a lavratura do auto. Entende-se

que o prazo máximo é de 24 horas após a prisão, mesmo prazo para a entrega da

nota de culpa ao preso, bem como para a comunicação da prisão ao juiz.75

Em geral, qualquer pessoa que seja surpreendida na prática de

um delito penal poderá ser capturada em flagrante, figurando, desse modo, como

sujeito passivo do flagrante. Existem, entretanto, exceções:

Os menores de 18 anos: os adolescentes e as crianças ficam sujeitos às medidas socioeducativas e às medidas específicas de proteção, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente;

Os diplomatas estrangeiros: por força de tratados e convenções internacionais ratificados pelo Brasil;

O presidente da República: conforme estabelece o art. 86, §3º, da CF;

O condutor de veículo que prestar socorro à vítima, nos casos de acidente de trânsito (art. 301 da Lei n. 9.503, de 23-9-1997);

O autor de infração de menor potencial ofensivo que, após a lavratura do termo, for encaminhado ao Juizado ou assumir o

75 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 409.

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compromisso de a ele comparecer (art. 69, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95);

Todo aquele que se apresentar à autoridade após o cometimento de delito (independentemente do prazo de 24 horas), uma vez que inexiste a modalidade “flagrante por apresentação”.76

Podem ser autuados em flagrante, mas apenas nos crimes

inafiançáveis: os membros do Congresso Nacional (CF, art. 53, §2º), os deputados

estaduais (CF, art. 27, §1º), os magistrados (art. 33, II, da LOMN) e os membros do

Ministério Público (art. 40, III, da LONMP). Conforme previsão do novo Estatuto da

OAB, também “o advogado somente poderá ser preso em flagrante, por motivo de

exercício da profissão, em caso de crime inafiançável” (Lei n. 8.906/94, art. 7º,

§3º).77

No que tange ao sujeito ativo do flagrante, tem-se duas

classificações, ele pode ser: facultativo ou obrigatório.

Facultativo é aquele que pode ser realizado por qualquer

pessoa do povo ao perceber situação de flagrância, inexistindo o dever de realizar a

captura, caso em que a privação de liberdade do flagrado e eventuais

conseqüências físicas que lhe advenham em razão do uso de força (a necessária)

para efetuar a prisão justificam-se na excludente de ilicitude do exercício regular de

direito (art. 23, III, do CP).78

Obrigatório é o flagrante que deve ser realizado pela

autoridade policial e seus agentes que presenciarem a prática de um delito penal,

sob pena de sanção disciplinar e, conforme o caso, responsabilidade penal. A ação,

neste caso, dá-se em nome do estrito cumprimento de dever legal (art. 23, III, do

CP).79

76 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 414-415 77 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 312-313. 78 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 781. 79 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 781.

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1.4.2 Da prisão preventiva

Prisão preventiva é a modalidade de prisão provisória,

decretada pelo juiz a requerimento de qualquer das partes, por representação do

delegado de polícia ou de ofício, em qualquer momento da persecução penal, para

garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução

criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal.80

Como anota Vicente Greco Filho81: “Esses são os motivos ou

fundamentos substanciais para a sua decretação”.

A garantia da ordem pública tem sentido amplo. Não quer dizer

interesse de muitas pessoas, mas interesse de segurança de bens juridicamente

protegidos, ainda que de apenas um indivíduo. Corresponde à necessidade de

resposta criminal a crimes que atentam contra o sentimento social básico de respeito

ao próximo, como crimes praticados com violência desmedida, como contra crianças

indefesas ou idosos ou ainda, para a proteção social contra réu perigoso que poderá

voltar a delinqüir, para a proteção das testemunhas ameaçadas pelo acusado ou a

proteção da vítima.82

Com o intuito de salvaguardar a ordem econômica, a prisão

preventiva é cabível para impedir que o indiciado ou réu continue sua atividade

prejudicial à ordem econômica e financeira, e também garante a credibilidade da

justiça, afastando a sensação de impunidade.83

No que refere à conveniência da instrução criminal, visa

impedir que o agente perturbe ou impeça a produção de provas, ameaçando

testemunhas, apagando vestígios do crime, destruindo documentos, etc. Evidencia-

80 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 417. 81 GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. p. 252. 82 GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. p. 262. 83 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 418.

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se o periculum in mora, pois não se chegará à verdade real se o réu permanecer

solto até o final do processo.84

Para assegurar a aplicação da lei penal, a prisão preventiva

faz-se necessária em nome da efetividade do processo penal, assegurando que o

acusado estará presente para cumprir a pena que lhe for imposta. Dentre as

hipóteses autorizadoras da referida prisão com base nesse requisito, pode-se citar a

fuga do indiciado logo após a prática do delito, não possuir residência fixa, facilidade

de fuga para o exterior, etc.85

Esses fundamentos constituem o que se costuma chamar de

periculum in mora. Este, juntamente com a prova da existência do crime e indício

suficiente de autoria, (art. 312, in fine, do CPP) ou, fumus boni juris, constituem o

binômio fundamental de toda medida cautelar, e, portanto, fazem-se necessários

para que a decretação da prisão preventiva seja possível.86

Com as modificações produzidas pela Lei nº 12.403/11,

verifica-se que a prisão preventiva continua sendo cabível apenas em relação a

crimes dolosos. Tanto o inc. I quanto o inc. II do art. 313 do CPP fazem menção à

prática de crimes dolosos.87

Ressalta-se que a decretação da prisão preventiva não se faz

por prazo determinado. Entretanto, é certo que não pode o réu permanecer preso

preventivamente por prazo indeterminado, sob pena de se caracterizar

constrangimento ilegal. A própria lei, em determinadas situações, assinala prazos

para a prática de atos durante a persecução penal.88

84 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 324. 85 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 418. 86 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 417-418. 87 LIMA, Renato Brasileiro. Nova prisão cautelar: doutrina, jurisprudência e prática. Niterói: Impetus, 2011. p. 253. 88 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 811.

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Quanto ao tema, pertinente a lição de Norberto Avena89:

Assim, o inquérito policial deverá ser concluído em até 10 dias se o imputado se encontrar preso em flagrante ou preventivamente (art. 10 do CPP); a denúncia deverá ser oferecida até 5 dias após o recebimento dos autos pelo Ministério Público (art. 46 do CPP) etc. Excedendo-se os prazos referidos sem que os atos determinados tenham sido praticados, torna-se ilegal a prisão preventiva, devendo o juiz determinar a sua revogação. É certo que a própria jurisprudência ressalva a relatividade desses prazos. Como medida excepcional, entretanto, a prisão preventiva somente poderá ser estendida além dos prazos mencionados nos casos em que isso for comprovadamente necessário.

Nos termos do art. 315 do CPP, e também por decorrência

constitucional (art.93, IX, da CF), o decreto da prisão preventiva deve ser

fundamentado quanto aos pressupostos e motivos ensejadores. Isso porque deve o

juiz externar as razões de seu convencimento de forma a permitir que a defesa

possa apresentar argumentos contrários em eventual impugnação que venha a

deduzir.90

O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no decorrer do

processo, verificar falta de motivo para que subsista. Da decisão que indefere ou

revoga a mesma, cabe recurso em sentido estrito.91

1.4.3 Da prisão temporária

A prisão temporária foi criada pela Medida Provisória n. 111, de

24 de novembro de 1989, sendo convertida na Lei n. 7.960, de 21 de dezembro do

mesmo ano. É uma modalidade de prisão cautelar, específica para o inquérito

policial, que tem por finalidade permitir a investigação de crimes particularmente

graves. 92

A propósito, destacam-se as palavras de Vicente Greco Filho93:

89 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 811-812. 90 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 810. 91 MALCHER, José Lisboa da Gama. Manual de processo penal. 4. ed. Forense: Rio de Janeiro,

2009. p. 112. 92 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 423. 93 GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. p. 259.

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Ela foi editada dentro de um contexto de maior repressão a determinados crimes, ligados à criminalidade organizada e violenta, evidente exigência da sociedade brasileira atual, mas deve ser interpretada, também, dentro dos princípios que regem todas as hipóteses de prisão processual.

Esta prisão tem termo fixo – cinco dias, prorrogáveis por igual

período, salvo nos crimes definidos pela Lei n. 8.072, de 25.07.1990, como

hediondos (tortura, tráfico ilícito de entorpecentes, latrocínio, extorsão mediante

seqüestro, morte, envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou

medicinal qualificado pela morte e genocídio), quando o prazo é de trinta dias,

prorrogável por igual período. A prorrogação, em ambos os casos, só é possível em

casos de extrema e comprovada necessidade. 94

Cabe lembrar que o prazo da prisão temporária não se

computa conjuntamente com o de eventual prisão preventiva decretada

posteriormente, para apreciação de eventual excesso de prazo. 95

De conformidade com o art. 1º da Lei n. 7.960/89, a prisão

temporária será cabível:

I – quando imprescindível para as investigações do inquérito

II – quando o indiciado não tiver residência fica ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;

III – quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes: a) homicídio doloso; b) seqüestro ou cárcere privado; c) roubo; d) extorsão; e) extorsão mediante seqüestro; f) estupro; g) atentado violento ao pudor; h) epidemia com resultado morte; i) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte; j) quadrilha ou bando; l) genocídio; m) tráfico de drogas; n) crimes contra o sistema financeiro.

Bonfim96 alerta que:

94 MALCHER, José Lisboa da Gama. Manual de processo penal. p. 113. 95 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 424. 96 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 423.

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Entende-se, contudo, que esse rol foi ampliado por força do art. 2º, §4º, da Lei n. 8.072/90, de modo a incluir os crimes hediondos, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins (conceito amplo), a prática de tortura e o terrorismo, não mencionados na redação original da Lei n. 7. 960/89.

Frisa-se que esta modalidade de prisão somente pode ser

decretada quando imprescindível para as investigações do inquérito policial,

observadas as hipóteses do art. 1º da Lei nº 7.960, de 1989 conforme já

mencionado, e nunca durante a ação penal. Contudo, a falta de formal e prévia

instauração do inquérito não impede a decretação da medida, pois os elementos de

convicção podem ter sido extraídos de investigação realizada pelo Ministério Público

ou de peças de informação. 97

A prisão temporária será decretada pelo juiz mediante

representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público, nunca

de ofício. Após o requerimento ou representação, o magistrado terá o prazo de 24

horas para determinar fundamentadamente, se for o caso, a prisão do indiciado.98

Do todo, vislumbra-se que o instituto da prisão como o

conhecemos hoje decorre de uma série de fatos que corroboraram para seu

surgimento. Primeiramente de caráter provisório, e ligado à submissão do povo ao

Absolutismo e ao Teocentrismo, na idade média era utilizada apenas para que o

indivíduo aguardasse a verdadeira punição a ele imputada pela Igreja através do

Tribunal da Santa Inquisição.99

Após longo período de tempo, mais precisamente no século

XVIII, o movimento Iluminista ensejou diversas transformações sociais e levou a

gradativa separação entre a religião e a ciência, fazendo com que o Direito fosse

exercido pelo Estado e não mais pela Igreja. Assim, a forma com que os indivíduos

97 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 423 – 424. 98 GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. p. 261. 99 ZANON, Artemio. Introdução à Ciência do direito penal. p. 109.

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seriam punidos também se modificou, a pena se tornou humanitária. Era o

surgimento da prisão com caráter de pena, deixando de ser apenas provisória.100

No atual ordenamento jurídico brasileiro, a prisão classifica-se

em duas modalidades: prisão-pena e prisão provisória ou cautelar. Esta última

possui as seguintes espécies: prisão civil; prisão administrativa; prisão disciplinar e

prisão processual (provisória ou cautelar).

A prisão-pena decorre de sentença condenatória transitada em

julgado, é a ocorrência da execução da pena imputada ao indivíduo. Já a prisão

provisória exige a presença dos seguintes requisitos: indícios suficientes de autoria

ou participação (fumus boni júris); e existência de risco social ou processual

(periculum libertatis). A finalidade desta prisão é assegurar o bom desempenho da

investigação criminal, do processo penal ou da execução da pena, ou ainda impedir

que, solto, o sujeito continue perpetrando delitos.101

100 FALCON, Francisco José Calazans. Iluminismo. p.36-37. 101 AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. p. 775-776.

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CAPÍTULO 2

DA NECESSIDADE DO USO DE ALGEMAS - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DE SUA UTILIZAÇÃO

2.1 ETIMOLOGIA, ORIGEM E SIMBOLOGIA DAS ALGEMAS

Etimologicamente, a palavra algema é originária do idioma

arábico, al-jemme ou al-jemma, que significa pulseira, sendo uma herança da

ocupação árabe da Península Ibérica.102

Tem-se notícia do emprego de algemas desde o século XVI,

época em que eram utilizadas tanto como forma de submissão física quanto como

castigo aos prisioneiros. Além do termo algemas, eram também utilizados “grilhões”,

“cadeias” ou “ferros” para se referir a instrumentos aprisionadores. 103

Sérgio Pitombo104 esclarece que: “[...] as algemas eram

utilizadas para tolher pelos pulsos, ou dedos e polegares, e os grilhões serviam para

jungir pelos tornozelos os presos”.

Durante muito tempo estas palavras: algemas, grilhões,

cadeias ou ferros foram utilizadas para designar o aprisionamento físico de alguém,

entretanto atualmente o termo “algema” no plural é o empregado comumente.105

102 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. São Paulo: Lex Editora, 2010. p. 21. 103 MORAES, Cláudio Lopes Borges de. Emprego de algemas: uma análise sobre seus elementos

balizadores. Jus NavIgandi, Teresina, a. 7, n. 2072, set. 2008. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/17443/emprego-de-algemas-uma-análise-sobre-seus-elementos-balizadores. Acesso em: 13/12/2010.

104 PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Emprego de algemas - notas em prol de sua regulamentação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985. p. 275.

105 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do uso de algemas. p. 22.

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Nesta senda, pertinente a definição de Pitombo106, para o qual

as algemas são:

[...] o instrumento de força, em geral metálico, empregado pela Justiça Penal, com que se prendem os braços de alguém, pelos punhos, na frente ou atrás do corpo, ao ensejo de sua prisão, custódia, condução ou em caso de simples contenção.

Limitar os movimentos de alguém através da contenção de

suas mãos e de seus pés revela-se como uma prática bastante antiga. Prisioneiros

mesopotâmios e da cultura pré-incaica foram retratados através da arte local de

cada povo com suas mãos amarradas às costas.107

A História mostra que inicialmente os materiais empregados na

fabricação de algemas eram cordas ou couros, pois metais eram raros e caros.

Desta forma, era mais conveniente que fossem utilizados em armas ou ferramentas

diversas do que em imobilizadores.108

Fato é que ao longo da história esse instrumento contentor das

mãos foi se aperfeiçoando, evoluindo em sua forma até os presentes modelos,

modernos e sofisticados, passando a ser utilizado cada vez mais por diversas

sociedades para capturar indivíduos e mantê-los sob custódia, e sem indícios de

abolição até os dias atuais.109

A simbologia advinda das algemas carrega, inevitavelmente,

um estereótipo. Isso porque, seja quando empregadas licitamente, ou em casos que

ferem princípios constitucionais basilares, como o da dignidade da pessoa humana

(art. 1º, inc. I), do direito de respeito à imagem (art. 5º, inc. X) e da presunção de

106 PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Emprego de algemas - notas em prol de sua

regulamentação. p. 275. 107 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 23. 108 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 23 109 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 25.

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inocência (art. 5º, inc. LVII), as algemas lançam sobre o indivíduo o estigma de

alguém nocivo à sociedade.110

No que tange a matéria, destacam-se as palavras de

Francesco Carnelutti,111 quando narra o sentimento de compaixão nele despertado

no momento em que viu um de dois homens que em sua frente brigavam, sendo

algemado:

Os que brigavam pareciam duas panteras; e fiquei absolutamente horrorizado; contudo bastou que visse um dos dois homens, que tinha derrubado o outro com um golpe mortal, enquanto os policiais, providencialmente acudiam, colocando-lhe as algemas, para que do horror nascesse à compaixão. A verdade é que, apenas algemado, a fera converteu-se num homem.

Continua o autor, concluindo:

As algemas, também as algemas são um símbolo do direito; talvez, pensando bem, o mais autêntico de seus símbolos, ainda mais expressivo do que a balança e a espada. É necessário que o direito nos ate as mãos. E justamente as algemas servem para descobrir o valor do homem, que é, segundo um grande filósofo italiano, a razão e a função do direito.112

Incontroverso é o fato de que as algemas, enquanto importante

instrumento de força para o Direito Penal, também representam uma forma de

repressão e coerção do Estado, haja vista que sua utilização se dá com o intuito de

coagir alguém a obedecer a um comando por meio do aprisionamento. Por isso

torna-se, muitas vezes, o símbolo maior de humilhação do homem.113

Neste contexto, o Direito pode ser entendido como limitador da

liberdade de cada um, para que o valor de cada homem seja respeitado na mesma

110 NUCCI, Guilherme. Reformas do processo penal. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009. p.

247-248. 111 CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. 2. ed. Campinas: Russel Editores,

2009. p. 24. 112 CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. p. 24-25. 113 VIEIRA, Luís Guilherme. Revista Síntese de direito penal e processual penal, São Paulo, n.

16, v.4, p. 11-16. 2002.

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proporção de seu próximo. Seria as algemas, então, o instrumento que concretiza a

imposição, ainda que arbitrária, deste limite.

Justamente por esta razão, é fundamental que a utilização

deste objeto utilizado para cercear a liberdade do indivíduo ocorra de forma

prudente, ou seja, em casos excepcionais e devidamente justificados.

2.2 ALGEMAS NO SISTEMA JURÍDICO: DO PODER DE POLÍCIA

O fundamento jurídico que baliza o uso de algemas é o direito

legítimo, conferido pelo próprio Estado, denominado poder de polícia.114

O Código Tributário Nacional115, em seu art. 78, estabelece o

que é poder de polícia:

Artigo 78, in verbis- Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais e coletivos.

Parágrafo único – Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

De conformidade com Hely Lopes Meirelles,116 o objeto do

poder de polícia administrativo é:

114 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 127. 115 BRASIL. Código Tributário Nacional. In: Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 722. 116 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

p 124.

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Todo bem, direito ou atividade individual que possa afetar a coletividade ou por em risco a segurança nacional, exigindo, por isso mesmo, regulamentação, controle e contenção pelo Poder Público. Com esse propósito, a administração pode condicionar o exercício de direitos individuais, pode delimitar a execução de atividades, como pode condicionar o uso de bens que afetem a coletividade em geral, ou contrariem a ordem jurídica estabelecida ou oponham aos objetivos permanentes da Nação.

No que se refere à matéria em pauta, o poder de polícia é

amplo, autorizado sempre que o interesse público assim o exigir, porém encontra

limite no respeito à dignidade da pessoa humana daquele que irá receber as

algemas. Isso porque o próprio Estado, que se utiliza das algemas para a proteção

dos indivíduos, não pode ser o violador deste princípio.117

O agente de autoridade, independentemente de sua natureza,

quando procede ao ato de algemar, está exercendo o poder de polícia a ele

conferido. 118

Conforme a previsão legal do art. 278, parágrafo único do

Código Tributário Nacional, afirma-se que o agente que utilizar-se do emprego de

algemas fora das hipóteses permitidas, ou sem que haja realmente fundamento na

supremacia do interesse público sobre o particular, incorrerá em excesso, com a

conseqüente caracterização de desvio e abuso de poder.119

Para que seja coibido o abuso, por parte do poder estatal,

exercido através das polícias, é extremamente necessário o intenso

aperfeiçoamento dos seus agentes, para que conheçam os limites da lei, a ser

cumprida de forma consciente.120

117 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 127. 118 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 127-128. 119 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 128. 120 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 128.

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Nesse sentido, pertinentes as palavras de Paulo Tadeu

Rodrigues Rosa121, em seu artigo intitulado Emprego da coação pelas forças

policiais:

“O Estado democrático de Direito pressupõe o respeito aos direitos e garantias fundamentais do cidadão, e a manutenção da ordem pública, permitindo o desenvolvimento da sociedade, cabendo-lhe responder por essa função, por meio dos órgãos policiais, que devem prestar um serviço de qualidade aos administrados, que são os destinatários desta atividade, essencial para a preservação dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, a denominada Constituição cidadã”.

Assim, ainda que diante de direitos fundamentais insculpidos

na Constituição, será justificado o cerceamento à liberdade do cidadão que, por seu

comportamento, gerar situações contrárias à integridade e à vida de outrem. Quando

houver estes ataques dirigidos contra a paz social, o uso de força, pelos órgãos

policiais, encontrará respaldo legal. Isso porque, ofensas de tal natureza

representam perturbação à ordem e um desrespeito ao estado de direito.122

2.3 HISTÓRICO LEGISLATIVO DO USO DE ALGEMAS

Inobstante ao poder de polícia exercido pelo Estado, devido ao

fato de as algemas serem um instrumento restritivo da liberdade humana,

necessitam de previsão no ordenamento jurídico para que possam ser legalmente

utilizadas.123

Quando não existiam prisão e penas de encarceramento como

conhecemos hoje, e os criminosos eram mantidos presos apenas enquanto

aguardavam julgamento ou a execução das sentenças,era comum torturar os

121 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues apud HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa

humana: fundamentos jurídicos do uso de algemas. p. 128. 122 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 128. 123 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 33.

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prisioneiros, e grilhões e correntes eram empregados como meios de gerar dores e

desconfortos124

Segundo Fernanda Herbella – servindo-se das palavras de

Franco Gentili:

Exemplificando, os grilhões, cujas grilhetas eram unidas por barras, mantinham os braços ou pernas do prisioneiro sempre numa dada posição, pelo tempo desejado, até por meses, causando dores, problemas neurais e circulatórios, e até a inutilização ou perda de membros.125

No Brasil, o primeiro decreto relativo à limitação do uso de

algemas ocorreu somente no século XIX. Este fora constituído a partir de doutrinas

européias, sobretudo de Portugal. Especificamente no ano de 1821, D. Pedro,

enquanto Príncipe Regente instituiu o primeiro decreto relacionado ao princípio da

garantia das liberdades individuais, e assim ordenou na exposição de motivos:

[...] em caso nenhum possa alguém ser lançado em segredo, ou masmorras, estreita, escura, ou infecta, pois que a prisão deve só servir para guardar as pessoas e nunca para as adoecer e flagelar; ficando implicitamente abolido para sempre o uso de correntes, algemas, grilhões e outros quaisquer ferros, inventados para martirizar homens, ainda não julgados a sofrer qualquer pena aflitiva, por sentença final; entendendo-se, todavia, que os juízes e magistrados criminais poderão conservar por algum tempo, em casos gravíssimos, incomunicáveis os delinqüentes, contando que seja em casas arejadas e cômodas e nunca manietados, ou sofrendo qualquer espécie de tormento.126

Entretanto, ainda que com leis e decretos formalmente

instituídos, faziam-se letras mortas, sem aplicação ou efetividade. Assim, diversas

124 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. p. 217-218. 125 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 34. 126 BRASIL. Decreto de 23 de maio de 1821. Dá providências para garantia da liberdade individual.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Historicos/DIM/DNNI2351821.htm.>. Acesso em: 19 jan. 2011.

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penas privativas de liberdade faziam uso de ferros para conter e torturar os

prisioneiros.127

Em 1832 o decreto alhures mencionado foi substituído pelo

Código de Processo Criminal de Primeira Instância do Brasil, o qual permitia,

implicitamente, o emprego de algemas no instante da prisão. Em seu capítulo VI,

artigo 180, esse Código dispunha que, caso o réu não obedecesse e procurasse

evadir-se, o executor teria direito de empregar o grau de força necessário para

efetuar a prisão; se obedecesse, porém, o uso de força estaria proibido. Insta

salientar que neste sentido, a lei nº 261, de 03/12/1841, que impôs reforma ao

Código de Processo Criminal do Império, em nada modificou o art. 180.128

Enquanto tal Código ainda vigorava, foi editado o Decreto de nº

4.824, de 22 de novembro de 1871, que regulamentava a Lei nº 2.033, de 20 de

setembro de 1871. Referido Decreto, em seu artigo 28, vedava expressamente o

deslocamento de presos com ferros, algemas ou cordas, salvo em caso extremo de

segurança, que deveria ser justificado pelo condutor, sob pena de multa.129

Como conseqüência deste decreto, verifica-se a evolução dos

direitos individuais no Brasil, tendo em vista que anteriormente a ele o Estado agia

com total liberalidade, o indivíduo era controlado pelo poder estatal. Neste contexto,

o emprego de algemas passou a ser permitido apenas em casos extremos e

justificados pelo condutor, sob pena de multa.

Passados vinte anos da edição do decreto nº 4.824 de 1871, a

Constituição de 1891 proporcionou às unidades federativas competência para

legislar sobre o processo penal. Algumas delas limitaram-se à adoção da legislação

do Império, e as demais exerceram competência legislativa. De qualquer forma,

tanto a legislação do Império, quanto as advindas dos estados, foram omissas

127 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 35. 128 PITOMBO, Sérgio Marcos de Moraes. Emprego de algemas: notas em prol de sua

regulamentação. p. 276. 129 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 36.

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quanto a regulamentação expressa do uso de algemas, mas autorizavam o uso da

força.130

A Lei de Execução Penal, em seu art. 199, reza que o emprego

de algema será regulamentado por decreto federal. Passados quase 27 (vinte e

sete) anos desde a edição da referida Lei, que ocorreu em 11/07/1984, anterior,

portanto, à promulgação do próprio Texto Constitucional, nada aconteceu. Desta

forma, as regras para sua utilização passaram a ser inferidas a partir dos institutos

em vigor.131

2.4 DA PREVISÃO LEGAL DO USO DE FORÇA NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Com o advento da Carta Maior de 1934, a competência

privativa da União sobre a legislação penal foi restabelecida. Na data de 15 de

agosto de 1935, o então Ministro da Justiça e Negócios Interiores, Vicente Ráo,

apresentou o Projeto do Código de Processo Penal, sendo que o artigo 32 previa

expressamente132:

Artigo 32, in verbis – É vedado o uso de força ou emprego de algemas, ou de meios análogos, salvo se o preso resistir ou procurar evadir-se.

Complementava o art. 33:

Art. 33, in verbis – No caso de resistência, o executor e as pessoas que o auxiliarem podem usar dos meios indispensáveis a sua defesa, lavrando-se o respectivo auto, na qual será a occurrência, com a subscripção de duas testemunhas.

130 COSTA, André Marques de Oliveira. Algema: seu uso histórico, sua ilegalidade sendo modificada

no Brasil. Artigos.com. Ago 2008. Disponível em: http://www.artigos.com/artigos/sociais/direito/algema-seu-uso-historico,-sua-ilegalidade-sendo-modificada-no-brasil-4292/artigo/. Acesso em: 20/01/2011.

131 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 302. 132 COSTA, André Marques de Oliveira. Algema: seu uso histórico, sua ilegalidade sendo modificada

no Brasil. Artigos.com. Ago 2008. Disponível em: http://www.artigos.com/artigos/sociais/direito/algema-seu-uso-historico,-sua-ilegalidade-sendo-modificada-no-brasil-4292/artigo/. Acesso em: 20/01/2011.

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Porém, esse projeto não prosperou. José Frederico Marques133

explica: “A Constituição promulgada com o golpe de Estado de 10/11/1937 impediu

que a aprovação e discussão do projeto Vicente Raó fossem levados avante”.

Em data de 03 de Outubro de 1941 foi instituído o Decreto-Lei

nº 3.689, o Código de Processo Penal vigente, com entrança a partir de 1º de janeiro

de 1942. Referido caderno legal foi aprovado sem prever expressamente o uso das

algemas. Sua utilização, no entanto, se escora nos seguintes artigos:

Artigo 284, in verbis – Não será permitido o emprego de força salvo a indispensável no caso de resistência ou tentativa de fuga do preso.

Artigo 292, in verbis – Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência a prisão em flagrante ou determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto, subscrito também por duas testemunhas.134

A lacuna existente na legislação quanto aos meios contentores

da força fez com que vários doutrinadores passassem a questionar e escrever sobre

o referido assunto, tentando de alguma maneira suprir aquela.135

Com este intuito, Hélio Tornaghi136 :

“Teria sido bom que, ao permitir o emprego da força, o Código houvesse deixado claro o que pensa o legislador sobre o uso de certos meios coercitivos. Poderia dizer-se, dos artigos 284 e 292, o que um escritor francês afirmou acerca do Code d’ Instruction Criminelle, ao tratar exatamente do mesmo assunto, isto é, que eles lançam a dúvida sobre um ponto, o qual, mais que qualquer outro, necessita de certeza. Dessa forma, a lei, em lugar de dar respostas, faz perguntas e, em vez de ensejar soluções, oferece problemas! É permitido o uso de algemas, de grilhões e de grilhetas, de correntes,

133 MARQUES, José Frederico. Tratado de Direito Processual Penal. apud HERBELLA, Fernanda.

Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do uso de algemas. p. 43. 134 BRASIL. Código de processo penal. In: Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 639-640. 135 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 45. 136 TORNAGHI, Hélio. O emprego de algemas. p. 39 e ss. apud HERBELLA, Fernanda. Algemas e a

dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do uso de algemas. p. 46.

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cadeias e ferros? Pode, o executor, lançar mão de armas, especialmente das de fogo, que vão alcançar o capturado ao longe?”.

O próprio autor responde às indagações referidas, da seguinte

forma:

“Dir-se-á: as grilhas e outros utensílios semelhantes desapareceram, não havendo porque lembrá-los. Mas a verdade é que o uso de algemas começa a generalizar-se entre nós, e no interior não é desconhecido o emprego de cordas para amarrar os presos (...). É certo que a lei não pode ser casuística e fez bem em conter uma norma geral. Mas a respeito da permissão de algemas e do uso de armas teria sido conveniente que ela dispusesse. A delicadeza do legislador, que não se atreve a falar em cadeias ou em grilhões, o escrúpulo de não reviver passadas vergonhas, estaria a salvo e não impediria de regular o emprego de outros meios que, na realidade, são usados. Diante dos artigos 284 e 292, parece não haver dúvida de que, se com as algemas o executor da prisão pode vencer a resistência, ele está autorizado a usá-las”.137

Resta claro que a acepção da palavra força utilizada pelo

Código de Processo Penal no artigo 284 tem sentido geral e amplo, o qual visa

estabelecer o domínio necessário para deter a possível insubordinação ou tentativa

de fuga do preso ou ainda daquele que virá a ser preso.

Com relação à possibilidade do emprego de força no momento

da prisão, Fernando da Costa Tourinho Filho138 exemplifica: “(...) se a polícia vai

prender alguém e este corre para evitar a prisão, pode o executor, inclusive, usar da

força necessária para evitar a fuga, disparando-lhe, por exemplo, um tiro na perna”.

Nesta tônica, Fernanda Herbella139 aduz:

Se a polícia pode responder à tentativa de fuga daquele que ainda virá a ser capturado, usando da força necessária, inclusive

137 TORNAGHI, Hélio. O emprego de algemas. p. 39 e ss. apud HERBELLA, Fernanda. Algemas e a

dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do uso de algemas. p. 46-47. 138 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. p. 421 apud HERBELLA, Fernanda.

Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do uso de algemas. p. 46-47. 139 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 47.

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disparando tiros em áreas não letais e sim paralisantes, não há dúvida da possibilidade de que o algemamento daquele que resiste à prisão se torna legítimo e necessário.

Entretanto, ressalta-se que o uso da força deve ficar adstrito

aos casos em que esta se mostre necessária. Pelo que se depreende dos artigos

284 e 292 do CPP somente é possível utilizar-se da força: (a) “quando indispensável

no caso de resistência ou tentativa de fuga do preso”; (b) “para que o executor e as

pessoas que o auxiliarem se defendam ou para vencer a resistência oferecida pelo

agente”.140

Neste mesmo sentido, discorre Luiz Flávio Gomes141:

A indispensabilidade da medida, necessidade do meio e justificação teleológica ("para" a defesa, "para" vencer a resistência) são os três requisitos essenciais que devem estar presentes concomitantemente para justificar o uso da força física e também, quando o caso (e com muito mais razão), de algemas.

Por fim, tem-se que o emprego de força no ato da prisão deve

ser excepcional, utilizado como último recurso para vencer a resistência ou impedir a

fuga do indivíduo, levando em consideração à situação concreta para avaliar sua

necessidade.

2.5 DO TRIBUNAL DO JÚRI

O Tribunal do Júri no Brasil é um órgão colegiado, de natureza

mista: composto por um Juiz de Direito, seu Presidente, e cidadãos de notória

idoneidade, alistados anualmente pelo Juiz-Presidente, dentre os quais, a cada

sessão periódica, são sorteados 25 jurados, extraindo-se destes, na Sessão de

Julgamento, o Conselho de Jurados para a sessão periódica.142

140 GOMES, Luiz Flávio. O uso de algemas no nosso país está devidamente disciplinado? Jus

Navigandi. Teresina, a. 14, nov. 2009. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/2921/o-uso-de-algemas-no-nosso-pais-esta-devidamente-disciplinado. Acesso em: 26/01/2011.

141 GOMES, Luiz Flávio. O uso de algemas no nosso país está devidamente disciplinado? Jus Navigandi. Teresina, a. 14, nov. 2009. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/2921/o-uso-de-algemas-no-nosso-pais-esta-devidamente-disciplinado. Acesso em: 28/01/2011.

142 MALCHER, José Lisboa da Gama. Manual de processo penal. p. 365.

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No Júri a sociedade faz reserva do Poder Jurisdicional para

exercê-lo diretamente. O Tribunal do Júri é composto por 1 (um) juiz togado, seu

presidente e por 25 (vinte e cinco)jurados que serão sorteados dentre os alistados, 7

(sete) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de

julgamento.143

2.5.1 Da função do jurado

O serviço do Júri é obrigatório, e a recusa pautada em

convicção religiosa, filosófica ou política acarretará o dever de prestar serviço

alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos até a efetivação da

prestação (arts. 436 1ª parte, e 438, caput, ambos do CPP). A Constituição da

República, no mesmo sentido, dispõe que “ninguém será privado de direitos por

motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar

para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação

alternativa, fixada em lei (art. 5º, VIII).144

Conforme previsto no art. 436, §1º do Código de Processo

Penal, é vedada a exclusão de qualquer cidadão dos trabalhos do Júri ou do

alistamento em razão de cor, etnia, raça, credo, sexo, profissão, classe econômica

ou social, origem ou grau de instrução.

O exercício efetivo da função de jurado constituirá serviço

público relevante; estabelecerá presunção de idoneidade moral; assegurará prisão

especial em caso de crime comum até o julgamento definitivo, bem como

preferência, em igualdade de condições, nas licitações públicas e no provimento,

mediante concurso, de cargo ou função pública, bem como nos casos de promoção

funcional ou remoção voluntária, conforme disposto no art. 439 e 440 do CPP. A lei

também assegura que nenhum desconto será feito nos vencimentos ou no salário do

jurado sorteado que comparecer às sessões do Júri, de acordo com o art. 441 do

mesmo caderno legal.

143 MALCHER, José Lisboa da Gama. Manual de processo penal. p. 365. 144 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. p. 503.

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Conforme entendimento de Edilson Bonfim145, será

considerado jurado:

O cidadão será considerado no exercício da função de jurado quando integrar o Conselho de Sentença, tomando parte no julgamento da causa. Não basta, portanto, ter sido sorteado para integrar o Tribunal do Júri. Há entendimento diverso, considerando exercício efetivo da função de jurado o simples comparecimento à sessão de julgamento, quando convocado, não se exigindo a participação no Conselho de Sentença. Os requisitos necessários à função de jurado são: ser cidadão maior de 18 anos; ser pessoa de notória idoneidade; ser alfabetizado; possuir saúde física e mental para a função.

No Brasil, o art. 436 do Código de Processo Penal dispõe que

o alistamento compreenderá os cidadãos maiores de 18 anos que gozarem de

notória idoneidade.

Bonfim146 bem esclarece que notória idoneidade não é

notoriedade:

Confunde-se a formação de um “tribunal de leigos” – característica essencial do serviço do Júri – com um tribunal inexperiente, podendo ser até mesmo imaturo para as altas funções que se propõe. Destarte, se o jurado precisa ter – a teor da redação do art. 436 – “notória idoneidade”, de se perguntar: como alguém pode ter “notória idoneidade” aos 18 anos de idade? Nesta idade, excepcional e raramente, pode-se ter “fama”, “notoriedade”, como no caso de um atleta ou artista, mas não “notória idoneidade”.

E continua:

Note-se, a “notória idoneidade” é um plus em relação à simples experiência ou decurso do tempo de vida, denotando a atual redação, por impossibilidade de cobrar uma, abrir mão também da outra. Portanto, nem se argumente que se inspirou o legislador na novel capacidade civil: isto porque, uma coisa é referida capacidade, e outra, bem diversa, é a “notória idoneidade” exigível legalmente (art. 436 do CPP) para qualificar e tornar apto a ser jurado o cidadão comum. Deveria o legislador ou ter cobrado uma idade superior, passível de se aferir o requisito de “notória idoneidade” ou, sem

145 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. p. 504. 146 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. p. 504-505.

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hipocrisia, ter suprimido tal requisito deixando ao mero critério biológico o direito-dever de ser jurado.147

Em breve incursão ao direito comparado, interessante notar

algumas peculiaridades de outros países. Na Inglaterra, a idade mínima para ser

jurado é 18 anos. Contudo, diferentemente do Brasil, a responsabilidade penal

começa em tenra idade (10 anos), equacionando-se os direitos e deveres. Destarte,

nascida ainda na infância ou pré-adolescência a responsabilidade penal,

posteriormente, a cidadania se torna plena com a possibilidade de ser jurado.148

Desta forma, mesmo que a possibilidade de responsabilizar

criminalmente uma criança ou adolescente pareça chocante, forçoso reconhecer que

o sentimento da justiça penal nasce como um longo aprendizado que se inaugura

desde cedo, só se concedendo o poder de julgar a alguém que já houvera

compreendido o sentido de ser julgado, já que a ele sujeito. Sensação que entre

nós, brasileiros, inicia-se somente a partir dos 18 (dezoito) anos de idade. 149

Além disso, a idoneidade em ser jurado é aferida realmente

pela Justiça inglesa, não bastando o mero requisito cronológico, uma vez que pelo

instituto do Jury vetting, pode-se vetar a participação de jurados cujo passado ou

comportamento comprometa a pretendida idoneidade da função. Também se

reputam sem as qualificações necessárias à função aqueles que tenham sido

sentenciados à pena de prisão ou que tenham passado por estabelecimentos

correcionais de menores infratores, dependendo do tempo de duração da pena e do

tempo em que ela tenha sido executada. Para alguém que tenha recebido, por

exemplo, uma pena de “reabilitação comunitária”, o tempo de desqualificação para o

serviço do Júri é de 10 anos.150

Nos Estados Unidos, da mesma forma que na Inglaterra, a

idade mínima é de 18 anos, mas aplicam-se, igualmente, as considerações feitas

147 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. p. 505. 148 Gary Slapper e Kelly David, The English Legal System, 6. ed., Londres, Cavendish Publishing

Limited, 2003. p. 467 apud BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. p. 506. 149 Gary Slapper e Kelly David, The English Legal System, 6. ed., Londres, Cavendish Publishing

Limited, 2003. p. 467 apud BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. p. 505. 150 Catherine Elliot e Frances Quinn, English Legal System, 4. ed., Londres, 2002, p. 155-156. apud

BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. p. 505-506.

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com relação à responsabilidade penal dos britânicos, dado que, também no direito

norte-americano, a responsabilidade penal nasce precocemente. 151

Na Alemanha, os requisitos estão previstos nos §§31, 32 e 33

do Gerichtsverfassungsgesetz (GVG). Dentre as exigências legais, a função de

jurado caberá somente ao cidadão alemão, com idade superior a 25 e inferior a 70

anos, com residência mínima de um ano na comunidade, e que goze de higidez

física e mental, não apresentando deficiência incompatível com a função. 152

A mesma idade – 25 anos – é exigível na Áustria, Portugal,

Rússia e Suécia. Na Bélgica e Itália, a idade mínima é ainda mais elevada: 30

anos.153

Sem dúvidas, os requisitos supramencionados existentes nas

legislações dos outros países primam pela formação de um tribunal do júri mais

preparado, apto a julgar com maior discernimento.

A isenção do serviço do Júri está disciplinado no art. 437 do

CPP. Importante lembrar que isento não é impedido. São eles: a) o Presidente da

República e os Ministros de Estado; b) os Governadores e seus respectivos

Secretários; c) os membros do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e

das Câmaras Distrital e Municipais; d) os Magistrados e membros do Ministério

Público e da Defensoria Pública; e) os servidores do Poder Judiciário, do Ministério

Público e da Defensoria Pública; f) as autoridades e os servidores da polícia e da

segurança pública; g) os militares em serviço ativo; h) os cidadãos maiores de

setenta anos que requeiram sua dispensa; i) aqueles que o requererem,

demonstrando justo impedimento.154

Para Guilherme Nucci155:

151 Charles H. Whitebread e Christopher Slobogin, in “Criminal Procedure. An analysis of cases and

concepts”, p. 716. apud BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. p. 506. 152 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. p. 507. 153 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. p. 507. 154 NUCCI, Guilherme. Reformas do Processo Penal. p. 47. 155 NUCCI, Guilherme. Reformas do Processo Penal. p. 47.

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O rol acima referido foi estabelecido, principalmente, levando-se em conta a existência de pessoas que ocupam cargo ou função, cujo exercício é incompatível com o serviço do Júri, ou que, dada sua relevância, ficaria prejudicado por este. O inciso X apresentou uma cláusula ampla, prevendo a isenção para aqueles que requererem, demonstrando justo impedimento, como, por exemplo, ocorre com os profissionais liberais de um modo geral (médicos, advogados, corretores de imóveis, entre outros).

Quanto às causas de impedimento, suspeição e

incompatibilidade que acometem os juízes leigos, estas são as mesmas dos

togados, com fulcro no disposto pelos artigos. 252, 253 e 254 do CPP. Há, ainda, os

impedimentos previstos no art. 448, I a VI, que se estendem às pessoas que vivam

em união estável, conforme estabelece o §1º do referido dispositivo legal.156

Igualmente, o artigo 449 do Código de Processo Penal proíbe

que integre o Conselho de Sentença o jurado que: a) atuou no julgamento anterior

do feito, pouco importando a causa que determinou o julgamento posterior; b) em

caso de separação de processos, julgou um dos acusados; e c) tiver expressado

prévia disposição para condenar ou absolver o réu.157

Tratando-se de responsabilidade criminal, o art. 445 do CPP

estabelece que os jurados, no exercício da função ou a pretexto de exercê-la, serão

equiparados aos juízes de direito. São considerados funcionários públicos para os

efeitos penais, de acordo com o art. 327 do CP. Subordinados às sanções previstas

nos arts. 312 a 326 do caderno legal citado. Podem, ainda, ser punidos

administrativamente, consoante o art. 442 do CPP, segundo o qual o jurado que não

comparecer à sessão terá de pagar multa de 1 a 10 salários mínimos, a não ser em

virtude de causa legítima. Da mesma forma, o jurado que, tendo comparecido, se

retirar sem causa legítima antes de ser autorizado pelo presidente. A multa será

aplicada de acordo com a situação econômica do jurado.158

O jurado pode justificar sua falta até a chamada dos jurados.

Deve então comprovar o motivo da falta, que pode ser, por exemplo, moléstia grave,

problemas no trânsito, etc. O Ministério Público manifestar-se-á sobre o 156 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. p. 508. 157 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. p. 508. 158 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. p. 508-509.

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requerimento. Nesse sentido, pode o juiz, em decisão motivada, que constará da

ata, nos termos do art. 444 do CPP, dispensar o jurado sorteado que alegue

consulta médica previamente marcada, pois cabe ao magistrado avaliar a escusa

oferecida e dizer se o motivo é ou não passível de aceitação. 159

2.5.2 Da regulamentação do uso de algemas em plenário

No ano de 2008, com a reforma do procedimento do Júri, feita

através da Lei nº 11.689, de 09 de junho de 2008, a palavra “algemas” foi inserida no

Código de Processo Penal, regulamentando a utilização deste instrumento perante,

e tão somente, quanto ao Tribunal do Júri. Em dois artigos as algemas estão

mencionadas:

Artigo 474, in verbis. A seguir será o acusado interrogado, se estiver presente, na forma estabelecida no Capítulo III do Título VII do Livro I deste Código, com as alterações introduzidas nesta Seção.

§3º - Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.

Artigo 478, in verbis. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências:

I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado.

O uso de algemas pelo réu em Plenário envolve a análise de

princípios constitucionais basilares desta instituição. Malcher160 destaca:

Princípio da Amplitude de defesa – o qual abrange o princípio da ampla defesa, garantindo ao acusado o direito da autodefesa, por meio de seu interrogatório, e o direito da defesa técnica, que será exercida por seu defensor, constituído ou nomeado;

Princípio do Sigilo nas Votações – o qual proíbe os jurados de falarem, uns com os outros, sobre o caso no qual atuarão. Os proíbe, ainda, de falarem com terceiros, e determina que a exaração da atuação de cada jurado se dará na sala secreta, onde ninguém mais,

159 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. p. 509. 160 MALCHER, José Lisboa da Gama. Manual de processo penal. p. 382.

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além do próprio julgador, terá conhecimento de seu voto, tudo isso para buscar a intima convicção de cada jurado para o julgamento;

Princípio da Competência Mínima – estabelece que só serão julgados no tribunal do júri, os crimes dolosos contra a vida, tentados ou consumados, e os a eles conexos;

Principio da Soberania dos Veredictos – determina que, embora seja tal soberania relativa, a decisão do tribunal do júri não poderá ser reformada, salvo por outro tribunal igual, ou seja, não pode ser reformada a decisão do Júri pela instância superior, muito embora, possa ela determinar que se realize outro Júri, com outros jurados, para que reforme ou confirme a decisão anterior.

Acerca do uso de algemas no acusado durante a instrução em

plenário, discorre Guilherme Nucci161:

Não se trata de tema de fácil solução, até porque envolve o princípio da plenitude de defesa. A imagem do réu algemado o tempo todo diante dos jurados é, sem dúvida, constrangedora. Por outro lado, existe a questão da segurança dos presentes e da própria sociedade, buscando-se evitar fuga e tumulto. Como equilibrar os direitos? Manter o réu algemado o tempo todo, especialmente no momento em que é interrogado, quase sem poder expressar-se através de gestos, não nos parece à melhor medida. Em primeiro plano, deve-se destacar que o juiz leigo não tem o mesmo preparo do magistrado togado para ignorar solenemente a apresentação do acusado com algemas. É possível destacar-se em sua mente que os grilhões representariam tanto um símbolo de perigo, quanto de culpa.

No mesmo sentido é a opinião de Cleber Masson162:

“[...] nos palcos forenses, a manutenção do acusado algemado implicaria em colocar a defesa, antecipadamente, em patamar inferior, especialmente no Tribunal do Júri, composto por pessoas leigas que tiram ilações diversas acerca do contexto indicativo da periculosidade do réu”.

Regis Russi Pinto163 acrescenta mais um princípio àqueles

supramencionados: o Princípio da Paridade do Tribunal do Júri, o qual, embora não

161 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. p. 769. 162 MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado. 2. ed. p. 570. 163 PINTO, Regis Russi. Uso de algemas no plenário do júri. Jus Vigilantibus. set. 2008. Disponível

em: http://www.jusvi.com/artigos/36200. Acesso em 27/01/2011.

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incluído expressamente no texto da Carta Magna de 1988, é de suma relevância

para a compreensão da problemática do uso de algemas em plenário.

Segundo Pinto164:

O princípio da paridade do tribunal do júri tem suas raízes calcadas na base democrática do Estado de Direito, garantindo ao acusado que seja ele julgado por seus pares. O acusado deve ser, nos casos em que estabelece a constituição, julgado por seus iguais. Porém, o sentido da expressão “iguais” não tem a mesma amplidão e concepção que encontramos nos escritos de Marx, Hegel e Kant. Ele é mitigado ao senso comum, onde o igual é o semelhante, sem atributo especial, sendo gente comum, gente do povo (fazendo oposição a figura do magistrado – operador do direito), mas de idêntica dignidade.

Destaca ainda referido autor:

Neste diapasão, ao ostentar algemas durante o plenário do júri, o réu encontra-se com sua dignidade diminuída, abalada, frente aos jurados, que já não enxergam o indivíduo possuidor de iguais direitos, e sim o estigma da periculosidade, cujo símbolo são as algemas.165

Na mesma direção, Guilherme Nucci166:

Sabe-se, por certo, que a imagem da pessoa submetida a julgamento compõe o quadro idealizado pelos jurados acerca do caso, sendo impossível controlar o grau de emotividade gerado, quando o acusado ingressa no recinto algemado e assim permanece o tempo todo. Estando em disputa interesses cruciais da pessoa humana e havendo um julgamento a ser proferido sem fundamentação, através do voto secreto, torna-se mais lógico evitar, a qualquer custo, a má apresentação do acusado diante de seus julgadores.

Ademais, cabe ao Estado garantir a segurança de todos em

plenário, não sendo crível supor que a utilização das algemas seja indispensável.

Destarte, a utilização de algemas em plenário do júri, ou em qualquer outra

circunstância, deve seguir as mesmas orientações: ser medida originada da

164 PINTO, Regis Russi. Uso de algemas no plenário do júri. Jus Vigilantibus. set. 2008. Disponível

em: http://www.jusvi.com/artigos/36200. Acesso em 27/01/2011. 165 PINTO, Regis Russi. Uso de algemas no plenário do júri. Jus Vigilantibus. set. 2008. Disponível

em: http://www.jusvi.com/artigos/36200. Acesso em 27/01/2011. 166 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 6. ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2009. p. 769.

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razoabilidade e da proporcionalidade, depois de sopesados a indispensabilidade, a

necessidade e a justificação teleológica.167

Cite-se, por oportuno, o emblemático caso do pedreiro de

Laranjal Paulista (SP), que em Agosto de 2008 foi condenado por homicídio

qualificado pelo Tribunal do Júri local e contestou sua sentença no Supremo. A

defesa alegou que o Réu permaneceu algemado durante todo o julgamento, que

isso lhe causou constrangimento ilegal e poderia ter influenciado os jurados.

Ademais, a juíza presidente, consignou em ata que o motivo pelo qual o Réu havia

sido mantido algemado era a falta de aparato para a segurança no local, tendo em

vista a presença de apenas dois policiais no mesmo.168

Ao analisar o caso no Habeas Corpus (HC) 91952, os ministros

da Corte entenderam que a fundamentação por parte da presidência do Tribunal do

Júri no tocante a manutenção de algemas em plenário não era plausível, pois a

dignidade do Réu em questão não poderia ser subtraída diante da justificativa

explicitada pela juíza. O STF então acolheu os argumentos da defesa e anulou

aquele julgamento, para que um novo fosse realizado, sem a utilização de algemas

pelo Reú.169

A partir desse julgamento, o Plenário do STF editou a súmula

vinculante nº 11, para deixar claro que o uso de algemas somente deve ocorrer em

casos excepcionalíssimos, quando presentes as circunstâncias autorizadoras, quais

sejam: resistência, fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria

ou alheia, pois seu uso desnecessário fere o princípio da dignidade humana, bem

como direitos e garantias individuais previstos no artigo 5º da Constituição Federal.

Assim, o uso de algemas no Tribunal do Júri, é válido, porém,

deve ter caráter excepcional, e ser medida de bom senso da autoridade judicial, para

167 PINTO, Regis Russi. Uso de algemas no plenário do júri. Jus Vigilantibus. set. 2008. Disponível

em: http://www.jusvi.com/artigos/36200. Acesso em 27/01/2011. 168 Uso de algemas, dignidade da pessoa humana e o pacto de São José da Costa Rica. Notícias do

STF, Brasília, 23 nov. 2009. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=116381. Acesso em 01/02/2011.

169 Uso de algemas, dignidade da pessoa humana e o pacto de São José da Costa Rica. Notícias do STF, Brasília, 23 nov. 2009. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=116381. Acesso em 01/02/2011.

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que pondere em um dos pratos da balança a segurança da coletividade, e, em outro,

a dignidade da pessoa do acusado. 170

Do todo explanado, conclui-se que deve sim ser mantido em

algemas o réu que apresente risco aos jurados, aos acusadores, ao juiz, à

assistência, aos seus próprios defensores e a si mesmo. Entretanto, se a utilização

de algemas se der por falha estatal, como a falta de policiamento suficiente para a

segurança do local, a sessão deverá ser adiada para o próximo dia em que esta for

restabelecida.

2.6 DA SÚMULA VINCULANTE Nº 11 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Com o intuito de amenizar a crise do judiciário e uniformizar a

interpretação jurisprudencial, foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro o

instituto da Súmula Vinculante, previsto no artigo 103-A da Constituição Federal,

com a redação dada pela EC nº 45, de 8 de dezembro de 2004, tendo sido

regulamentado pela Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006.171

Nos termos do art. 103-A da CRFB, a Suprema Corte está

autorizada a editar súmula vinculante, mediante decisão de dois terços dos seus

membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, que terá por

objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das

quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a

administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante

multiplicação de processos sobre questão idêntica.172

Conforme afirma Herbella, quando da edição da Súmula nº11,

o Supremo Tribunal Federal decidiu por bem lhe emprestar um maior alcance no

sistema jurídico, dotando-a do caráter impeditivo de recursos173:

170 PINTO, Regis Russi. Uso de algemas no plenário do júri. Jus Vigilantibus. set. 2008. Disponível

em: http://www.jusvi.com/artigos/36200. Acesso em 27/01/2011. 171 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método,

2009. p. 719. 172 NUCCI, Guilherme. Reformas do Processo Penal. p. 247. 173 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 93.

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O Tribunal decidiu, também, dar a esta e às demais Súmulas Vinculantes um caráter impeditivo de recursos, ou seja, das decisões tomadas com base nesse entendimento do STF não caberá recurso174.

A Súmula Vinculante em questão foi editada em 13 de Agosto

de 2008, com o seguinte teor:

Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

A partir de sua entrada em vigor, o uso de algemas para conter

o preso, ou sua utilização no réu perante o Tribunal do Júri teve sua

excepcionalidade reforçada, restringindo-se às hipóteses nas quais a autoridade,

mediante fundamentação escrita, considerar que tenha havido resistência, fundado

receio de fuga ou perigo à integridade física própria ou alheia.175

Apenas em tais casos está, para o STF, legitimado o uso de

algemas, sob pena de o agente ou a autoridade responderem nas esferas

disciplinar, penal e civil. Previu-se também, a responsabilidade civil do Estado, sem

prejuízo do reconhecimento de nulidade da prisão ou do ato processual a que ela se

refere.176

Cléber Masson177, ao tratar da fundamentação de referida

súmula, explica:

Para fundamentar a Súmula Vinculante, o Supremo Tribunal Federal registrou que a proibição do uso de algemas e do uso da força já era previsto nos tempos do Império (Decreto de 23.5.1821 e Código de Processo Criminal do Império de 29.11.1832, art. 180) e que houve

174 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 94. 175 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 93. 176 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 93. 177 MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado. p. 570.

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manutenção dessas normas no ordenamento jurídico brasileiro subseqüente (Lei 261/1841; Lei 2.033/1871, regulamentada pelo Decreto 4.824/1871; Código de Processo Penal de 1941, arts. 284 e 292; Lei de Execução Penal – LEP 7.210/1984 – ART. 159; Código de Processo Penal Militar, arts. 234 §1.º, e 242). Citou-se, ademais, o disposto no item 3 das regras da Organização das Nações Unidas – ONU – para o tratamento de prisioneiros, no sentido de que o emprego de algemas jamais poderá se dar como medida de punição.

Continua o referido autor, aduzindo:

Destarte, conclui-se ser excepcional o uso de algemas, e por isso somente pode ocorrer nos casos em que realmente se mostre indispensável para impedir ou evitar a fuga do preso ou quando se cuidar comprovadamente de perigoso prisioneiro. Mencionou-se que a Lei 11.689/2008 tornou estreme de dúvidas a excepcionalidade do uso de algemas (“Art. 474. [...] §3.º Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.”), e que caberia ao Supremo emitir entendimento sobre a matéria, a fim de inibir uma série de abusos notados na atual quadra, bem como tornar clara, inclusive, a concretude da Lei 4.898/1965, reguladora do instituto do abuso de autoridade, considerado o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal.178

A nível constitucional, a súmula vinculante nº 11 enalteceu o art.

1º, III, da Constituição Federal, que versa sobre os fundamentos da República, e

revela o respeito à dignidade humana, e o art. 5º, III, X e XLIX, da CRFB, que

respectivamente, proíbe o tratamento desumano e degradante do indivíduo, a

violação da imagem das pessoas e que assegura o respeito à integridade física e

moral do preso.179

Como precedentes jurisprudenciais da referida súmula, pode-se

citar os seguintes acórdãos: HC 56.465/SP (publicado no DJ 05/09/78), HC

71.195/SP (publicado no DJ 04.08.95), HC 89.492/RO (publicado no DJ 28/08/06),

HC 89.419/RO (publicado no DJ 07/08/2006), HC 89.416/RO (publicado no DJ

15/08/2006), HC 91.952/SP (publicado no DJ 19/12/2008).180

178 MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado. p. 570. 179 COSTA, André Marques de Oliveira. Algema, seu histórico, sua ilegalidade sendo modificada no

Brasil. Artigos.com. ago. 2008. Disponível em: http://www.artigos.com/artigos/sociais/direito/algema-seu-uso-historico,-sua-ilegalidade-sendo-modificada-no-brasil-4292/artigo/ Acesso em 02/02/2011.

180 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do uso de algemas. p. 93.

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Na apreciação do HC 71.195/SP, relatado pelo Ministro

Francisco Resek, cujo acórdão foi publicado no Diário de Justiça no dia 04 de agosto

de 1995, a segunda turma entendeu que o uso de algemas durante o julgamento

não constituía constrangimento ilegal se essencial à ordem dos trabalhos e à

segurança do preso.181

Dentre estes precedentes, também cabe destacar as decisões

que concederam a ordem: no Habeas Corpus 89.492/RO, no qual o impetrante, um

Conselheiro do Tribunal de Contas de Rondônia, buscava não ser algemado durante

sua condução da carceragem da Polícia Federal em Brasília ao Gabinete de uma

Ministra do Superior Tribunal de Justiça, onde seria ouvido, e também solicitava que

não fosse exposto às câmeras da imprensa, uma vez que, por ocasião da sua

prisão, o paciente teria sido algemado em sua residência mediante exposição à

imprensa de todo o país. A iminente Relatora Cármen Lúcia concedeu a liminar

requerida, garantindo ao paciente o direito de não ser algemado durante sua oitiva

no STJ, bem como durante todo o transporte que viessem ser feitos, a não ser em

caso de reação violenta.182

Com o mesmo objetivo, foram impetrados dois habeas corpus

com fundamentos idênticos, HC 89.419/RO e HC 89.416/RO tendo como paciente,

respectivamente, um Procurador de Justiça e um Desembargador, encontrando

desfecho análogo, no qual a Min. Relatora Cármen Lúcia observou que “o uso de

algemas há de obedecer aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da

razoabilidade, sob pena de nulidade”.183

Por fim, merece ser novamente mencionado o Habeas Corpus

n. 91.952/SP, ocorrido em 07 de Agosto de 2008, haja vista que a decisão de editar

a súmula em questão foi tomada pelo STF durante o julgamento deste. Na ocasião,

181 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 94. 182 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 94-95. 183 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 95.

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o Plenário anulou a condenação do pedreiro Antonio Sérgio da Silva, pelo Tribunal

do Júri de Laranjal Paulista (SP), e determinou que novo julgamento fosse realizado,

devido ao fato do réu ter permanecido algemado durante todo o julgamento, sem

que a juíza presidente daquele tribunal apresentasse uma justificativa convincente

para o caso.

Destaca-se o referido excerto de acórdão:

Não foi apontado, portanto, um único dado concreto, relativo ao perfil do acusado, que estivesse a ditar, em prol da segurança, a permanência com algemas. Quanto ao fato de apenas dois policiais civis fazerem a segurança no momento, a deficiência da estrutura do Estado não autorizava o desrespeito à dignidade do envolvido. Incumbia sim, inexistente o necessário aparato de segurança, o adiamento da sessão, preservando-se o valor maior, porque inerente ao cidadão. Concedo a ordem para tornar insubsistente a decisão do Tribunal do Júri. Determino que outro julgamento seja realizado, com a manutenção do acusado sem as algemas.184

Assim, de conformidade com o exposto, o Tribunal, por

unanimidade e nos termos do voto do relator, deferiu a ordem de Habeas Corpus,

para o fim de tornar insubsistente a decisão do Tribunal do Júri, determinando a

realização de outro julgamento com a manutenção do acusado sem algemas.

O ministro Marco Aurélio, relator do HC em questão, afirmou

que: “o uso das algemas sem necessidade, no caso do julgamento do pedreiro, pode

ter levado os jurados leigos a terem uma impressão equivocada do réu, de que se

tratava de um acusado de alta periculosidade, uma verdadeira fera”. Para o ministro

Eros Grau, o uso de algemas “é uma prática aviltante que pode chegar a equivaler à

tortura, por violar a integridade física e psíquica do réu”.185

Concomitantemente, a Corte ponderou, no mesmo julgamento,

acerca do uso generalizado de algemas, considerando abusivo, nos últimos tempos,

184 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus nº 91.952-9. Relator: Ministro Marco Aurélio.

07/08/2008. 185 Uso de algemas, dignidade da pessoa humana e o pacto de São José da Costa Rica. Notícias do

STF, Brasília, 23 nov. 2009. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=116381. Acesso em 01/02/2011.

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a forma com que as pessoas detidas estavam sendo expostas, algemadas, aos

flashes da mídia.

Fato é que a elaboração da súmula nº 11 do STF consolidou o

entendimento sobre o cumprimento de legislação que já tratava do assunto. É o

caso, entre outros, do inciso III do artigo 1º da Constituição Federal; de vários incisos

do artigo 5º da mesma CF, que dispõem sobre o respeito à dignidade da pessoa

humana e os seus direitos fundamentais, bem como dos artigos 284 e 292 do

Código de Processo Penal, que versam acerca do uso da força quando da

realização da prisão. Além disso, enalteceu a previsão do artigo 474 do Código de

Processo Penal, alterado pela Lei nº 1.689 /08, que restringe o uso de algemas no

acusado durante o Júri, ficando sua utilização restrita aos casos absolutamente

necessários à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da

integridade física dos presentes. 186

186 NUCCI, Guilherme. Reformas do Processo Penal. p. 251.

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CAPÍTULO 3

DA CONSTITUCIONALIDADE DO USO DE ALGEMAS QUANDO PRESENTES AS CIRCUNSTÂNCIAS AUTORIZADORAS

3.1 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

3.1.1 Caracterização

O conceito de princípio constitucional possui imediata

correlação com a idéia de princípio no Direito, posto que, além de princípio jurídico,

haure sua força teórica e normativa no Direito enquanto ciência e ordem jurídica.187

Neste sentido, Celso Ribeiro Bastos188 leciona:

O Direito não é mero somatório de regras avulsas, produto de atos de vontade, ou mera concatenação de fórmulas verbais articuladas entre si. O Direito é mais do que isto: é conjunto significativo, é unidade de sentido, é valor incorporado em regra. E esse conjunto, essa unidade, esse valor, projetam-se ou traduzem-se em princípios.

Rizzatto Nunes189, ao discorrer acerca da importância dos

princípios no âmbito jurídico, aduz:

Os princípios são, dentre as formulações deônticas de todo o sistema ético-jurídico, os mais importantes a serem considerados, não só pelo aplicador do Direito, mas por todos aqueles que de alguma forma, ao sistema jurídico se dirijam.

187 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1999. p. 44. 188 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editora,

2002. p. 80. 189 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo:

Saraiva, 2002. p. 19.

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Já os princípios constitucionais são os pilares do Estado

Democrático de Direito. Nesta senda, salientam-se as palavras da constitucionalista

Cármen Lúcia Antunes Rocha190:

Os princípios constitucionais são os conteúdos primários diretores do sistema jurídico-normativo fundamental de um Estado. Dotados de originalidade e superioridade material sobre todos os conteúdos que formam o ordenamento constitucional, os valores firmados pela sociedade são transformados pelo Direito em princípios. Adotados pelo constituinte, sedimentam-se nas normas, tornando-se, então, pilares que informam e conformam o Direito que rege as relações jurídicas no Estado. São eles, assim, as colunas mestras da grande construção do Direito, cujos fundamentos se afirmam no sistema constitucional (...).

Incontroverso é o fato de que os princípios constitucionais

possuem natureza de norma, de lei, e permeiam toda a Constituição. A partir de sua

positivação, os princípios firmam-se como a expressão concreta dos valores

fundamentais da Sociedade criadora do Direito, dando feição de unidade ao Texto

Constitucional e determinando suas diretrizes fundamentais191.

3.1.2 Características e funções dos princípios Constitucionais

Paulo Márcio Cruz192 elenca como características dos

princípios constitucionais:

I – Condicionarem toda criação, interpretação e aplicação do Direito, ou seja, por serem gerais;

II – Deles decorrerem outros princípios, ou seja, por serem primários;

III - Condicionarem os valores expressos em todo ordenamento jurídico, ou seja, por sua dimensão axiológica.

Para Rocha193, a característica da generalidade dos princípios

constitucionais significa que: 190 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios

constitucionais. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 76. 191 BASTOS. Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. p. 79. 192 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2006. p.

107.

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(...) eles não pontuam, com especificidade e minudência, hipóteses concretas de regulações jurídicas. O complexo principiológico que fundamenta o sistema constitucional estabelece a gênese das regulações específicas e concretas, mas não as determina em si mesmas, senão dirigindo o seu conteúdo (que virá em outras normas) e excluindo qualquer ditame jurídico que lhe contrarie a diretriz. São, pois, gerais, para serem geradores de outros princípios e das regras constitucionais (...)

Destaca ainda a autora:

A generalidade destes princípios possibilita que a Constituição cumpra o seu papel de lei maior concreta e fundamental do Estado, sem amarrar a sociedade a modelos inflexíveis e definitivos, que a vida não permitiria algemar-se em travas de lei (...). 194

Não se pode olvidar que o caráter de generalidade dos

princípios constitucionais permite a esses adequação ao caso concreto, de modo

coerente com a sociedade atual, que encontra-se em constante mutação, e sem

perder de vista os preceitos estatuídos na Carta Magna.

Inobstante, observa Bonavides195: “não é unicamente a

generalidade o traço imperante na caracterização dos princípios”. Domenico

Farias196, que lhes não recusa o caráter de “genuínas normas jurídicas”, acrescenta

o da fecundidade.

Desta forma, esclarece Farias197:

Uma idéia, todavia, retorna com freqüência, se não exclusiva, decerto preponderante: os princípios são a alma e o fundamento de outras normas. Substancialmente é a idéia de fecundidade do princípio aquela que se acrescenta à de mera generalidade.

193 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios

Constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 77. 194 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. apud ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios

Constitucionais. p. 77. 195 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 274. 196 FARIAS, Domenico. apud BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 274. 197 FARIAS, Domenico. apud BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 274.

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Continua o ilustre autor, revelando a relação direta entre a

fecundidade dos princípios e suas funções interpretativa e integrativa:

A forma jurídica mais definida mediante a qual a fecundidade dos princípios se apresenta é, em primeiro lugar, a função interpretativa e integrativa. O recurso aos princípios se impõe ao jurista para orientar a interpretação das leis de teor obscuro ou para suprir-lhes o silêncio. Antes ainda das Cartas Constitucionais, ou, melhor, antes que, sob o influxo do jusnaturalismo iluminista, máximas juristas muito genéricas se difundissem nas codificações, o recurso aos princípios era já uma necessidade para interpretar e integrar as leis.198

Conforme alhures mencionado, os princípios exercem funções

de interpretação e integração das leis. Destarte, Bonavides199, com base em

reflexões feitas por F. de Castro, Trabucchi e Norberto Bobbio, destaca que os

princípios cumpririam três funções relevantes na ordem jurídica: fundamentadora,

interpretativa e supletiva.

Espíndola200, ao descrever cada uma dessas funções

elencadas por Bonavides201, assim dispõe:

Pela função fundamentadora da ordem jurídica – elementos fundantes -, os princípios ostentam uma eficácia derrogatória e diretiva. Por ela, as normas que se contraponham aos núcleos de irradiação normativa assentados nos princípios constitucionais, perderão sua validade (no caso da eficácia diretiva) e/ou sua vigência (na hipótese de eficácia derrogatória), em face de contraste normativo com normas de estalão constitucional.

Através da função interpretativa, os princípios cumprem o papel de orientarem as soluções jurídicas a serem processadas diante dos casos submetidos à apreciação do intérprete. São verdadeiros vetores de sentido jurídico às demais normas, em face dos fatos e atos que exijam compreensão normativa.

Por intermédio da função supletiva realizam a tarefa de integração do Direito, suplementando os “vazios” regulatórios da ordem jurídica ou ausências de sentido regulador constatáveis em regras ou em princípios de maior grau de densidade normativa.

198 FARIAS, Domenico. apud BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 274. 199 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p.283. 200 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de Princípios Constitucionais. 201 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. p.283-284.

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De todo o exposto, conclui-se que os princípios, enquanto

normas que são, desempenham a função de fundamentar material e formalmente os

subprincípios e as demais regras integrantes do sistema normativo. Também cabe a

eles uniformizá-lo, através da interpretação e integração dos preceitos jurídicos, cuja

norma máxima é a Constituição, permitindo, desta forma, que haja coerência em

todo o sistema.202

3.2 DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A UTILIZAÇÃO DE ALGEMAS

Dentre os princípios constitucionais fundamentais positivados

encontra-se o da dignidade da pessoa humana. Tal princípio encontra-se

expressamente previsto nos artigos 1°, inciso III, 170, 226, §7°, 227 e 230, da

Constituição da República Federativa de 1988.

No dizer de Rizzato Nunes203: “Dignidade é um conceito que foi

sendo elaborado no decorrer da história e chega ao início do século XXI repleta de si

mesma como um valor supremo, construído pela razão jurídica”.

Muitos foram os fatos históricos que ensejaram o surgimento

da noção de dignidade da pessoa humana, pois esta é o resultado da reação à

história de atrocidades vividas pela humanidade, dentre as quais se podem

destacar: o nazismo, a escravidão, a inquisição, etc.

Immanuel Kant204, por meio dos seus estudos sobre as

possibilidades do conhecimento, contribuiu de forma significativa para a idéia do que

seria a dignidade:

No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se, em vez dela, qualquer outra coisa como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o

202 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6. ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2009. p. 65. 203 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo:

Saraiva, 2002. p. 46. 204 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. São Paulo:

Martins Claret, 2003. p. 77.

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preço, e, portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade.

A concepção que se propõe para a importância da expressão

dignidade da pessoa humana, sobretudo na pós-modernidade, passa por uma

compreensão multicultural dos povos e também pela visão de que a afirmação da

dignidade da pessoa humana, em territórios com amplas distinções culturais

regionais, como é o caso do Brasil, ou mesmo, projetando-se para fora do território

do Estado, necessita que as diferenças existentes sejam profundamente

respeitadas.205

Neste contexto, verifica-se que só há dignidade quando a

própria condição humana é entendida, compreendida e respeitada, em suas

diversas dimensões, o que impõe, necessariamente, a expansão da consciência

ética como prática constante de respeito à pessoa humana.206

Para Alexandre de Moraes207, a idéia de dignidade da pessoa

humana sugere:

(...) uma referência constitucional unificadora dos direitos fundamentais inerentes à espécie humana, ou seja, daqueles direitos que visam garantir o conforto existencial das pessoas, protegendo-as de sofrimentos evitáveis na esfera social.

No que se refere às algemas, são elas instrumentos postos à

disposição dos profissionais da área de segurança pública, para a contenção de

detidos e para a preservação dos direitos de integrantes da sociedade. 208

Ao encontro desta proposição, é possível afirmar que o uso

devido, legítimo e necessário de algemas não avilta esta dignidade, mas o excesso,

bem como a sua injusta colocação, a exposição desnecessária e exagerada na

mídia, inegavelmente atenta contra tal direito fundamental. 205 NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. p. 46-47. 206 CHIMENTI, Ricardo Cunha, et al. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva,

2005. p. 33. 207 CHIMENTI, Ricardo Cunha et al. Curso de direito constitucional. p.34. 208 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 98.

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Isso porque, conforme preleciona Ingo Wolfgang Sarlet, 209 o

ser humano é o fim da atividade estatal:

Consagrando expressamente, no título dos princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do nosso Estado democrático (e social) de Direito (art.1º, inc. III, da CF), o nosso Constituinte de 1988 reconheceu categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal.

Portanto, qualquer atividade do Estado deve ser avaliada

considerando se cada cidadão é tomado como fim em si mesmo e não como

instrumento, um meio para outros objetivos, sob pena de ser dada como

inconstitucional e afrontosa à dignidade humana.

Ponto nevrálgico na questão do uso de algemas é o observado

por Nucci210:

(...) dúvida inexiste que, no correr dos séculos, os processualistas e os penalistas se preocupam com a problemática do uso de algemas que simboliza, na verdade, o conflito entre o direito, a dignidade, a incolumidade física do preso e a segurança da sociedade.

Neste contexto, pode-se afirmar que a finalidade precípua da

adoção das algemas não deve, nem pode ser a de atentar contra a dignidade da

pessoa humana. Até mesmo porque se trata de objeto meramente instrumental, e,

ainda que sirva para imobilizar temporariamente as mãos do indivíduo, não tem o

escopo de pena, castigo ou fonte de humilhação.211

Certo é que a necessidade do uso de algemas exige a

observância do caso concreto e suas peculiaridades, com o intuito de preservar o

cidadão, e, conseqüentemente, o princípio fundamental ora em apreço.

209 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 5. ed. Porto

Alegre: Livraria do advogado, 2007. p. 63-64. 210 NUCCI, Guilherme. Reformas do processo penal. p. 248-249. 211 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 99.

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3.3 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA PLENITUDE DE DEFESA E DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E A REGULAMENTAÇÃO DO USO DE ALGEMAS EM PLENÁRIO

Dentre os princípios que informam a instituição do Júri no Brasil

enumerados no art. 5º, XXXVIII da CRFB, encontra-se o princípio da plenitude de

defesa.

O princípio em apreço garante ao réu submetido ao julgamento

pelo Júri a plenitude de defesa, e não somente a ampla defesa, reconhecida aos

acusados em geral.

De acordo com Edilson Mougenot Bonfim212:

A garantia de uma defesa plena seria, nessa linha de raciocínio, mais abrangente do que a garantia de uma defesa ampla. Abrangeria, entre outras, a possibilidade de o acusado participar da escolha dos jurados que comporão o Conselho de Sentença, bem como a própria necessidade de os juízes populares pertencerem às diversas classes sociais. Outra manifestação da plenitude de defesa estaria no poder conferido ao juiz presidente de, considerando o réu indefeso, dissolver o Conselho de Sentença, nomeando-lhe outro defensor e marcando outro julgamento.

Em suma, a essência abstrata do princípio da plenitude de

defesa remonta em conceder ao réu igualdade de condições para que contra-razoe

tudo aquilo que lhe é dito em desfavor. A balança há de permanecer equilibrada, sob

pena de não ser realizado um julgamento justo. A voz da sociedade esposada pelo

Promotor de Justiça assim como o exercício pleno da defesa hão de duelar no

terreno da lealdade, possuindo ambos as mesmas oportunidades para influenciar no

livre convencimento dos jurados. Este é o verdadeiro espírito do "bom combate", que

se espera haver no Tribunal do Júri.213

Já o princípio da presunção de inocência é um direito

fundamental positivado em nossa Constituição Federal no art 5º, inciso LVII, que 212 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 496. 213 LEÃO, Márcio Rodrigues Almeida de Souza. O tribunal do júri e a constituição de 1988. Jus

Navigandi. Teresina, ano 6, n. 51, out. 2001. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/2127/o-tribunal-do-juri-e-a-constituicao-de-1988. Acesso em: 24/04/2011.

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assim dispõe: “Ninguém poderá ser considerado culpado antes de decisão judicial

condenatória transitada em julgado”.

Acerca de sua positivação, Gilson Bonato 214:

O princípio se positiva pela primeira vez no art. 9º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Paris, 26.8.1789), inspirado na razão iluminista (Voltaire, Rosseau, etc.). Posteriormente, foi reafirmado no art. 26 da Declaração Americana de Direitos e Deveres (22.5.1948) e no art. 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Assembléia das Nações Unidas (Paris, 10.12.1948).

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão consagrou-

o nos seguintes termos:

Sendo todo Homem presumidamente inocente até que tenha sido declarado culpado, se se julgar indispensável detê-lo, qualquer rigor que não for necessário para assegurar-se da sua pessoa deve ser severamente reprimido pela lei.215

No período da Revolução Industrial, verificou-se que o sistema

repressivo mostrava-se impotente para a solução da delinqüência, que só

aumentava, havendo a necessidade da reestruturação da justiça criminal, o que

levou ao surgimento das teorias iluministas, as quais indicavam uma preocupação

com os direitos do homem, demonstrando que ao processo criminal eram levados

tanto culpados como inocentes, urgindo que a apuração dos fatos se desse através

de um sistema e processo acusatórios, com o asseguramento da igualdade entre

acusação e defesa.216

Fato é que a observação do princípio em questão é de suma

importância para o equilíbrio das partes no andamento do processo. Sua positivação

214 BONATO, Gilson. Devido processo legal e garantias processuais penais. Lumen Juris: Rio de

Janeiro, 2003. p. 122. 215 BONATO, Gilson. Devido processo legal e garantias processuais penais. p. 122. 216 BONATO, Gilson. Devido processo legal e garantias processuais penais. Lumen Juris: Rio de

Janeiro, 2003. p. 122.

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em nossa Carta Magna reflete o Estado Democrático de Direito em que vivemos. A

respeito, José Lisboa da Gama Machier217 preleciona:

Nossa Constituição impede que seja tratado como culpado aquele ao qual se imputa uma determinada conduta, sem que tenha havido condenação criminal transitada em julgado. O princípio não afirma que o imputado seja efetivamente inocente, e sim que deve ser tratado como inocente até a decisão que põe termo ao processo, condenando-o ou não. O imputado, portanto, deve gozar da mesma situação jurídica que o inocente.

Insta salientar que é de acordo com referido princípio que o

ônus probatório é atribuído ao órgão acusador, como bem destaca Malcher218:

A presunção de inocência deve ser destruída pelo órgão acusador, pois o réu tem o direito de produzir provas a seu favor, não tendo qualquer dever. Caso o órgão acusador não consiga comprovar a acusação, deve ser prolatada sentença absolutória.

Nesse sentido, discorre Bonato219:

“... o princípio tem uma incidência muito grande no campo probatório, fazendo com que esse deva tender a verificar a existência dos fatos imputados, onerando a parte autora a trazer elementos probantes que justifiquem a imputação. Não se pode inverter o ônus da prova e muito menos fazer dessa simples meio para tentar investigar as desculpas trazidas pelo acusado. Da mesma forma, o princípio diz respeito à impossibilidade de se obrigar o acusado a colaborar na investigação dos fatos”.

Por força da aplicação desse princípio, deduz-se que na esfera

probatória: de um lado, o acusado não está obrigado a fornecer prova de sua

inocência, em razão da presunção; de outro, o princípio impede que medidas

restritivas da liberdade pessoal sejam adotadas antes do reconhecimento da

culpabilidade, exceto em casos de absoluta necessidade.220

217 MALCHER, José Lisboa da Gama. Manual de Processo Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense,

2009. p. 60. 218 MALCHER, José Lisboa da Gama. Manual de Processo Penal. p. 60. 219 BONATO, Gilson. Devido processo legal e garantias processuais penais. p. 126. 220 BONATO, Gilson. Devido processo legal e garantias processuais penais. p. 122.

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Inolvidável que o princípio da presunção de inocência

reconhece um estado transitório de não-culpabilidade, na medida em que referido

status processual permanece enquanto não houver o trânsito em julgado de uma

sentença condenatória, não permitindo que o acusado sofra sanções em seu

patrimônio ou em sua liberdade. 221

No dizer de Bonato222:

Viola o princípio toda antecipação de medida punitiva ou que importe no reconhecimento da culpabilidade, antes da sentença final. É importante ressaltar que ninguém poderá ser considerado nem tratado como culpado senão por uma sentença que o considere como tal, sob pena de se efetivar uma punição anterior ao juízo de culpabilidade.

Inegavelmente, a presunção de inocência possui um conteúdo

ideológico, pois procura expressar inicialmente a vontade do legislador, qual seja,

garantir a posição de liberdade do acusado em confronto com o interesse coletivo à

repressão penal. Além disso, o princípio visa informar todo o processo penal e

respeitar os valores inerentes à dignidade da pessoa humana. Assim, incidindo

sobre todas as etapas de investigação, sejam processuais ou pré-processuais, o

princípio garante e assegura que nenhum acusado pode receber qualquer

tratamento que o equipare ao condenado.223

Finalizando a análise do princípio em questão, há que se

destacar que presunção de inocência e ‘devido processo legal’ são conceitos que se

complementam, traduzindo a concepção básica de que o reconhecimento da

culpabilidade não exige apenas a existência de um processo, mas, sobretudo de um

processo ‘justo’, no qual o confronto entre o poder punitivo estatal e o direito à

liberdade do imputado seja feito em termos de equilíbrio (...).224

221 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 45. 222 BONATO, Gilson. Devido processo legal e garantias processuais penais. p. 127. 223 MACHADO. Antônio Alberto. Teoria geral do processo penal. São Paulo: Atlas, 2009. p. 167. 224 GOMES FILHO apud BONATO, Gilson. Devido processo legal e garantias processuais

penais. p. 131.

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Ao encontro dos princípios analisados, o art. 474, parágrafo 3º

do CPP, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 11.689/08, determina, como

regra, a vedação do uso de algemas no Plenário do Júri, salvo se absolutamente

necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da

integridade física dos presentes.225

Pertinentemente ao assunto em apreço, há que se colacionar

que a segurança pública, nos termos do art. 144 da Constituição Federal, é um

dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, tendo por finalidade a

manutenção e o restabelecimento da ordem pública e a preservação da

incolumidade das pessoas e do patrimônio, sendo exercida por meio dos órgãos de

polícia federal (inclusive a rodoviária e a ferroviária) e estadual (polícias civis,

polícias militares e corpos de bombeiros militares).226

Ainda em relação à utilização de algemas em Plenário, o art.

478 do Código de Processo Penal veda às partes a possibilidade de fazer

referências ao uso de algemas no acusado, com a finalidade deste não ser

beneficiado ou prejudicado.

O disposto no art. 474, §3º do CPP consagra o que a

jurisprudência vem a muito pontuando, no sentido de ser o uso de algemas em

plenário medida excepcional, a ser adotada nos casos e com as finalidades de

impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja

fundada suspeita ou justificado receio de que esta situação possa vir a ocorrer, e

para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra

si mesmo.227

Sobre a excepcionalidade do uso deste instrumento em

plenário discorre Guilherme Nucci228:

225 NUCCI, Guilherme de Souza. Reformas do processo penal. p. 246. 226 NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Método, 2009. p. 751. 227 NUCCI, Guilherme de Souza. Reformas do processo penal. p. 245-246. 228 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 9. ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2009. p. 809-810.

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Temos defendido há muito tempo que o uso de algemas pelo réu em plenário do Tribunal do Júri é indevido e cerceia a liberdade de expressão e de defesa. A simbologia trazida pelas algemas ainda traduz, para muitos leigos (e os jurados o são), a figura da culpa ou da periculosidade, que sempre é um aspecto negativo. Não é crível que o Estado seja incapaz de assegurar a ordem e a segurança dentro do fórum, no plenário do Júri. Por isso, a regra passa a ser que o acusado fique livre das algemas durante sua permanência em julgamento. Em especial, durante o interrogatório, quando ele gesticula e se expressa de forma mais próxima dos jurados, com maior razão. Por exceção e quando for absolutamente necessário (é preciso não banalizar tal exceção) à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes poderá o réu permanecer algemado. A decisão deve ser tomada pelo juiz de maneira expressa, fundamentada e constar em ata.

Imperiosa se faz a demonstração da necessidade do uso de

algemas em plenário, para que não configure cerceamento de defesa, e os

princípios constitucionais da plenitude de defesa e da presunção de inocência sejam

respeitados. Esta necessidade pode ser auferida diante da prova da periculosidade

do réu, entendimento este do Supremo Tribunal Federal.

Levando em consideração que nos corredores dos fóruns há

intensa circulação de pessoas, e nem sempre o policiamento disponível para a

segurança do local é adequado, o uso de algemas pelo acusado no Tribunal do Júri

não há que ser considerado uma afronta aos princípios da presunção de inocência e

da plenitude de defesa se as circunstâncias narradas nos autos do processo

demonstram ser o agente indivíduo perigoso, que possa causar risco à integridade

física dele próprio ou dos que o cercam no julgamento em plenário.

Neste sentido, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina,

analisando preliminar de nulidade pela utilização de algemas nos réus na Apelação

Criminal nº 2010.018711-4 assim decidiu:

Em suas razões, o apelante argui a nulidade do julgamento porquanto foi mantido algemado durante toda a sessão plenária, o que impôs a sua condenação. No entanto, razão não lhe assiste.

O § 3º do art. 474 do Código de Processo Penal dispõe:

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Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.

Nesse contexto, consta na ata da sessão de julgamento que os réus Reginaldo e Ronaldo foram mantidos algemados "em face da deficiência de policiamento no Plenário. Tal decisão teve o condão de preservar a segurança local e a regularidade da prática dos atos processuais. Vale destacar que Reginaldo foi denunciado por outro crime de homicídio e, assim, como seu irmão Ronaldo, ostentam vida pregressa desfavorável, eis que sua certidão de antecedentes (fls. 586/600, autos n. 135.09.0082-0) aponta diversos inquéritos policiais e atos infracionais. Assim a manutenção da algema restou necessária para a segurança dos presentes em Plenário" (fls. 634/635).

A decisão impugnada não afronta a autoridade da Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal, na medida em que justifica e reproduz, por escrito, preocupação com a segurança e a integridade física de todos os presentes na sessão de julgamento.

É que, conforme estabelece o enunciado 11 da citada súmula "só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

Nesse particular, pontualmente, a Excelsa Corte assentou:

[...] de antemão, esclareça-se que usar ou não usar algemas, ainda que após a publicação da Súmula Vinculante n. 11, não é escolha do réu, mas resultado de um juízo de conveniência feito pela autoridade responsável, seja ela policial ou judicial. Assim, tendo a magistrada singular se manifestado, fundamentadamente, acerca do pleito da defesa, no sentido de se dispensarem os 5 (cinco) réus presentes na audiência do uso de algemas, não se vislumbra qualquer ilegalidade que possa resultar na nulidade do ato. [...] Considerando as informações extraídas da decisão acima transcrita, de que eram 5 (cinco) os réus presentes e, aproximadamente 30 (trinta) pessoas na sala de audiência, tem-se como justificado o uso das algemas. Em ambientes tensos como tais, qualquer movimento inesperado por parte de algum dos réus poderia ser mal interpretado e, considerando-se a significativa lotação da sala, um simples início de tumulto poderia colocar em risco não só a segurança como a própria vida dos presentes. Nestes casos, a dúvida deve ser resolvida não em prol dos réus, ora pacientes, mas em prol da segurança de todos os presentes, réus, autoridades e espectadores, pois a isto se presta

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o uso de algemas" (Rcl n. 7819/DF, rel. Min. Eros Grau, DJUe de 10/6/2009).229

Nestes termos, o Relator da apelação em questão entendeu

que, conforme constava na ata da sessão de julgamento, a manutenção das

algemas nos Réus restava justificada, pois: existiam diversos inquéritos policiais e

atos infracionais registrados em desfavor dos mesmos, e o policiamento no local era

insuficiente para garantir a segurança dos presentes. Por este motivo, a preliminar

de nulidade pela utilização do instrumento foi afastada.

Insta frisar que a decisão de manter as algemas é do Juiz

Presidente da cessão, e sua decisão deve ser expressa, fundamentada e constar

em ata. No julgamento do Habeas Corpus nº 91.952, em 07 de Agosto de 2008, o

então Ministro Carlos Alberto Menezes Direito afirmou que para justificar a utilização

de algemas há necessidade da existência de dado concreto objetivo que possa

lastrear, justificar a determinação de uso das mesmas. Frisou que o uso destas pode

sim ser decretado, mas, para que tal ocorra, é indispensável que haja a evidência da

periculosidade, evidência esta que pode ser auferida por: maus antecedentes,

relatos da casa prisional em que o réu estava, no caso de réu preso, etc.230

Isto porque os jurados são os responsáveis pelo julgamento do

acusado na Instituição do Júri, e, por serem leigos, podem aduzir falsas ilações

acerca da periculosidade do réu se o mesmo restar algemado sem justificativa. Nas

palavras da ministra Carmem Lúcia:

(...) a minha parquíssima experiência de júri faz-me lembrar – eu ainda era estudante – de um réu algemado que chamava mais atenção dos jovenzinhos ali – o que deve ser comum - do que qualq

uer tese apresentada, porque é a imagem, a visão de alguém provavelmente tão perigoso que vem – na linguagem vinda das ordenações – a ferros, quer dizer, ele vem sem condições de se movimentar, porque algum movimento dele pode ser de perigo, ou para ele mesmo, ou para terceiros. Isso induz, evidentemente, algum

229 SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação criminal nº 2010.018711-4.

Relator: Moacyr de Moraes Lima Filho. 09/06/2010. 230 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus nº 91.952-9. Relator: Ministro Marco Aurélio.

07/08/2008.

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fator para o juízo daqueles que emitirão a decisão sobre a vida dessa pessoa, ou seja, os jurados.231

Justamente por esses fatores evidencia-se que a deficiência da

estrutura do Estado não permite o desrespeito à dignidade da pessoa do acusado.

No caso do julgamento do Habeas Corpus que deu origem a Súmula Vinculante nº

11 do STF, qual seja, o de nº 91.952, de 07 de agosto de 2008, o réu, acusado de

homicídio, foi levado a júri popular algemado, sob a justificava de o fórum contar

com a segurança de apenas dois policiais civis. Após a denegação do pedido que

fossem retiradas as algemas, o Júri prosseguiu e o réu restou condenado.

Após negatória em todas as instâncias, pleiteava a defesa que

fosse anulado o júri devido ao fato de o réu ter permanecido algemado o tempo todo

e isso ter causado uma imagem negativa aos jurados. O Relator do caso, o Ministro

Marco Aurélio, decidiu por anular o júri e novamente submetê-lo a julgamento

popular. Foi acompanhado em seu voto por unanimidade, e, na ocasião, não

somente anulou o Júri anterior, como determinou que o próximo julgamento fosse

realizado sem o uso de algemas.232

Assim, de conformidade com todo o explanado, reputa-se que

não é permitido justificar o uso de algemas no réu em plenário quando não se tem

indícios de tratar-se o réu de indivíduo perigoso, levando em consideração apenas à

falta de aparato de segurança no local, eis que tal conduta vai de encontro aos

princípios da plenitude de defesa: haja vista não ser medida de justiça a defesa ser

prejudicada em virtude da falha estatal; e da presunção de inocência: pelas falsas

conclusões que podem chegar os jurados ao visualizar o réu algemado, imputando-

lhe, precocemente, o status de condenado. Neste caso, a providência a ser tomada

é o adiamento da sessão, preservando-se o valor maior, qual seja a dignidade do

cidadão.

231 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus nº 91.952-9. Relator: Ministro Marco Aurélio.

07/08/2008. 232 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus nº 91.952-9. Relator: Ministro Marco Aurélio.

07/08/2008.

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Situação diferente, no entanto, ocorre quando o réu oferece

resistência ou há indícios de que ele possa oferecer risco à integridade física própria

ou das demais pessoas presentes em plenário. Esta situação justifica a permanência

do réu algemado, sem ferir os princípios constitucionais em questão.

3.4 DA SÚMULA VINCULANTE Nº 11 DO STF E O DIREITO CONSTITUCIONAL À IMAGEM

O direito à imagem é assegurado pela Constituição Federal nos

termos do art. 5º, inciso X:

Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.233

A Constituição resguardou os direitos da personalidade em

local especial, dando-lhes destaque e os petrificou. Estes são direitos especiais,

inerentes à própria personalidade da pessoa, que influenciam diretamente o seu

íntimo, o seu psicológico, indo além das lesões patrimoniais, pois são de difícil

reparação.234

Atualmente, com a alta e crescente tecnologia, a imagem

tornou-se elemento de maior necessidade dentre os planos da mídia. Neste sentido,

Regina Ferreto D’azevedo:235

O direito à imagem assumiu uma posição de destaque no contexto dos direitos da personalidade, devido ao extraordinário progresso tecnológico dos meios de comunicação, tanto no desenvolvimento da facilidade da captação da imagem, quanto ao de sua reprodução. Hoje, é possível a captação mais fácil à distância e a reprodução para todo o mundo em segundos, o que tem alterado a preocupação

233 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. In: Vade Mecum. São Paulo: Saraiva,

2010. p. 8. 234 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 99. 235 D’AZEVEDO, Regina Ferretto. Direito à imagem. Jus Navigandi. Teresina, ano 6, n. 51, out.

2001. Disponível em: http:// www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2306. Acesso em: 01/05/2011.

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na proteção ao direito à imagem, já que esta se torna mais árdua de se realizar.

A Operação Satiagraha, desencadeada em 2004 pela Polícia

Federal Brasileira contra o desvio de verbas públicas, a corrupção e a lavagem de

dinheiro, e que resultou na prisão, determinada pela 6ª Vara da Justiça Federal em

São Paulo, de vários banqueiros, diretores de banco e investidores, em 8 de julho de

2008, também colaborou para a edição da súmula vinculante nº11 do STF, uma vez

que à exposição na mídia de imagens destas pessoas algemadas causou grande

repercussão social.236

Naquela ocasião, muito se falou acerca de abuso por parte da

Polícia Federal, e até mesmo o então Presidente da República Luíz Inácio “Lula” da

Silva classificou as prisões de Daniel Dantas, Naji Nahas e Celso Pitta como

“sensacionalistas”, por envolver o uso de algemas. 237

Fato é que durante essa operação, reacendeu-se no

Congresso Nacional e na mídia, com o apoio expresso de renomados advogados

criminalistas, uma "questão polêmica" sobre o uso de algemas na execução das

prisões. Muitos viram nessa polêmica apenas uma forma 'retórica de oportunidade'

para criar uma "cortina de fumaça" a fim de encobrir os fatos da Operação

Satiagraha, que, na sua essência, revelou à sociedade brasileira a existência de

continuados crimes de corrupção, praticados por alguns banqueiros, e por alguns

políticos. 238

236 JAWSNICKER, Francisco Afonso. Uso de algemas. Jurisway. jul. 2008. Disponível em:

http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=753. Acesso em: 05/02/2011. 237 OLIVEIRA, Rosane de. Uso de algemas em operação da PF desagrada a Lula. Jornal Pioneiro.

Caxias do Sul, 15 jul. 2008. Disponível em: http://www.clicrbs.com.br/pioneiro/rs/plantao/10,2045356,Uso-de-algemas-em-operacao-da-PF-desagrada-a-Lula.html. Acesso em: 05/02/2011.

238 TEIXEIRA, Marcos Paulo. Operação Satiagraha – Parte 2. Jornal Boa Hora. Belo Horizonte, 12 mar. 2004. Disponível em: http://www.oarquivo.com.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=2222:operacao-satiagraha-parte-2&catid=84:mar-de-lama&Itemid=440. Acesso em: 05/02/2011.

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Na realidade, a discussão sobre o uso de algemas é um tema

legítimo, relacionado com os direitos humanos dos brasileiros, e que afeta direitos e

garantias individuais da população em geral.

De acordo com matéria publicada pelo jornal O Estado de São

Paulo em 16 de agosto de 2008, juízes federais teriam apelidado a Súmula

Vinculante n. 11 de "Súmula Cacciola-Dantas" sugerindo a "intenção de favorecer

réus enquadrados por colarinho branco" (a matéria não cita o nome de qualquer juiz

que assim tivesse apelidado a súmula, ou sugerido essa "intenção" dos ministros do

STF). Entre perplexos e indignados, os magistrados atribuíram o apelido de referida

Súmula a regra de que todos estão submetidos a uma intenção de favorecer réus

enquadrados por colarinho branco, pondo-os a salvo de constrangimentos.239

Argumentou-se que o entendimento da Constituição, quando

se trata de banqueiros, é diferente da usual. Questionou-se, até mesmo, se o que

estava ocorrendo não era, pura e simplesmente, seletividade penal, uma vez que

pessoas com baixo poder aquisitivo, que muitas vezes não interessam a mídia local,

nem aos seus espectadores, são algemadas diariamente.

Com relação a este aspecto, pertinente a observação do

historiador Marcos Breta240:

[...] quando lidamos com assaltantes ou traficantes, o olhar neutraliza a situação, parece que fez-se justiça. Quando lidamos com a elite, empresários, políticos, não existe a mesma presunção de infâmia. A inculpação das elites é objeto de dúvidas, a exposição dos presos pobres é tomada com a crença natural da culpa.

No mesmo sentido, com relação à edição da súmula em

questão, Airto Chaves Junior241:

239 TEIXEIRA, Marcos Paulo. Operação Satiagraha – Parte 2. Jornal Boa Hora. Belo Horizonte, 12

mar. 2004. Disponível em: http://www.oarquivo.com.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=2222:operacao-satiagraha-parte-2&catid=84:mar-de-lama&Itemid=440. Acesso em: 05/02/2011.

240 BRETA, Marcos. Uma marca para sempre. Zero Hora, Porto Alegre, 16 ago. 2008. Caderno Cultura. p. 4-5.

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Obviamente, esta súmula foi feita sob medida para aqueles infratores dos altos escalões, em que se supõe um mal estar provocado pelo uso das algemas quando de suas prisões. A delinqüência elitizada não precisa reagir à prisão. Não necessita empreender-se em fuga. Ademais, não é considerada uma criminalidade violenta, como bem demonstra o perfil de quem comete os chamados crimes de colarinho branco. Sabe-se que em poucos dias, os melhores advogados garantirão suas liberdades, mesmo por que, a própria lei penal, como visto em linhas anteriores, assegurará que suas penas, na hipótese de improváveis condenações, não provoque seus isolamentos.

Inolvidável que se torna bastante difícil justificar a utilização de

algemas nessas hipóteses. Quem está engessado, nesses casos, é a própria

autoridade que cumpre a medida de prisão. Algemar pessoas de classe social baixa

parece natural, pois sua criminalidade é violenta por natureza, mesmo sabendo que

o poder econômico do criminoso revela maior acesso a mecanismos de fuga, além

dos seus seguranças pessoais, não raro, afrontarem ostensivamente os agentes

públicos.242

Para a polícia, de acordo com matéria publicada no jornal “O

Globo” na semana em que a súmula nº11 do STF foi editada, a súmula em questão

aumenta os riscos das grandes operações e facilita a corrupção. Ainda, segundo

referida manchete, os policiais acreditam que todo e qualquer preso tem que ser

algemado, independentemente do crime que tenha cometido, classe social que

pertence, idade ou ficha criminal que ostenta. Delegados e agentes vêem nas

algemas um instrumento de segurança para os policiais que participam das

operações e também para os próprios presos.243

Entretanto, a Polícia Federal se manifestou no sentido de

cumprir a súmula; não se furtando, todavia, de expressar sua indignação com o

ditame, pelas seguintes razões:

241 CHAVES JUNIOR, Airto; MENDES, Marisa Schmitt Siqueira. A criminalização primária e a norma

penal brasileira. Considerações acerca da sua seletividade. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2064, 24 fev. 2009. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/12375. Acesso em: 02/05/2011.

242 CHAVES JUNIOR, Airto; MENDES, Marisa Schmitt Siqueira. A criminalização primária e a norma penal brasileira. Considerações acerca da sua seletividade. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2064, 24 fev. 2009. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/12375. Acesso em: 02/05/2011.

243 O GLOBO. São Paulo, 13 agos 2008. Disponível em: http://oglobo.globo.com/pais/mat/2008/08/13/policia_federal_diz_que_limitara_uso_de_algemas-547742224.asp Acesso em: 06/02/2011.

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Para a polícia, o anúncio de uma ordem de prisão tem forte impacto psicológico e torna praticamente imprevisível a reação de qualquer pessoa que esteja sendo presa. Muitos ficam profundamente abatidos e não conseguem esboçar reação alguma. Outros têm gestos intempestivos. Não faz muito tempo, um adolescente se jogou da janela do apartamento onde morava com os pais no Rio de Janeiro logo depois de saber que seria preso numa investigação sobre pedofilia na internet. Segundo o delegado do caso, os policiais que estavam na operação não quiseram algemar o rapaz diante dos pais e, numa fração de segundos, ele teria escapado cometendo suicídio.244

Não é de hoje o entendimento sustentado por integrantes da

Polícia, como se nota:

Propugna-se, pois, que a periculosidade seja presumida quando haja mandado de prisão expedido contra a pessoa sujeita à jurisdição penal do Estado e que excepcional seja a sua não utilização, por violar a segurança da equipe policial e o bem maior que é a vida dos profissionais da área de segurança pública. Caso se enxergue uma colisão de direitos fundamentais, essa deve ser resolvida em prol da sociedade, com o recurso que imobilize e neutralize efetivamente o preso, até posterior deliberação da autoridade competente, policial ou judiciária. O recurso às algemas é sim o meio adequado e proporcional para a garantia de vida e integridade física da equipe policial e do investigado, acusado ou condenado, muito longe dos grilhões de outrora. 245

Esta contradição entre o entendimento da corporação

governamental responsável pela segurança da coletividade - a polícia, e a Súmula nº

11 do STF, na opinião da Delegada de Polícia Fernanda Herbella,246 está longe de

ser resolvida:

Não se pode saber, hoje, como terminará tal controvérsia. Embora a edição de súmula vinculante, dotada de efeito impeditivo de recursos, aparente constituir um pronunciamento final da mais alta instância do Poder Judiciário, não cremos que a questão já se encontre devidamente pacificada. A par da possibilidade de revisão da súmula, parlamentares federais já acenam com a intenção de ditar lei a respeito do assunto e até mesmo sustar a referida súmula.

244 O GLOBO. São Paulo, 13 ago. 2008. Disponível em:

http://oglobo.globo.com/pais/mat/2008/08/13/policia_federal_diz_que_limitara_uso_de_algemas-547742224.asp Acesso em: 06/02/2011.

245 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do uso de algemas. p. 97.

246 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do uso de algemas. p. 97-98.

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Continua a referida autora, aduzindo:

De fato, os direitos e garantias individuais constitucionalmente assegurados impõem o absoluto respeito à imagem e à dignidade da pessoa humana. Não se pode admitir espetáculos midiáticos de execração pública e linchamento moral, constituindo verdadeiro prejulgamento fora da sede própria e ao arrepio do devido processo legal. Mas não é isso que parece representar o pensamento da maioria da população, extremamente cansada da impunidade galopante e severamente castigada pela violência desmedida dos criminosos. Há que se buscar um meio-termo.247

Segundo Herbella248, a súmula em questão primou pela

proteção dos interesses individuais de quem está sendo submetido à privação

estatal da liberdade, relegando a segundo plano o interesse de todos os outros

membros da sociedade, (policiais, juízes, promotores, procuradores, advogados,

funcionários e demais freqüentadores de delegacias, fóruns e tribunais), que têm o

direito de ir e vir sem o latente risco de que, numa tentativa de fuga ou resgate, um

preso ofenda sua integridade física.

Propõe-se, então, a seguinte questão: Será que, na verdade,

não se está confundindo a divulgação da imagem da pessoa algemada com o

próprio ato de algemar em si? Em verdade, é notório que existe uma discussão

maior quanto à exposição da pessoa algemada do que propriamente ao ato de

algemar. Isso porque, como já fora afirmado, o estigma trazido pelas algemas é

forte, e sua combinação com a exposição midiática desnecessária, pode acabar

transformando o momento da prisão em um espetáculo.

Sendo a Polícia a corporação governamental incumbida da

aplicação de leis destinadas a garantir a segurança da população, indubitavelmente

esta necessitará, muitas vezes, valer-se de meios coercitivos para assegurar o

desempenho de sua atividade (dentre as quais as algemas), pois inerente a sua

função de zelo social.

Assim, ainda que seja crível o algemamento, evitar a exposição

do preso é a medida adequada, independentemente do crime por ele cometido e a 247 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 98. 248 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 98.

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classe social a que pertence. Sabe-se, entretanto, que esta não é a atual realidade,

onde diariamente vê-se a exibição de presos nas manchetes televisivas ou em

jornais, tendo como principal intenção, minorar a sensação de impunidade, muito

presente em nossa realidade social.

3.5 DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RAZOABILIDADE E A SÚMULA Nº 11 DO STF.

O princípio da razoabilidade é uma diretriz de senso comum,

ou mais exatamente, de bom-senso, aplicada ao Direito. Esse bom-senso jurídico se

faz necessário à medida que as exigências formais que decorrem do princípio da

legalidade tendem a reforçar mais o texto das normas, a palavra da lei, que o seu

espírito.249

Muitas são as implicações que decorrem do princípio da

razoabilidade, pois que se pode retirar de tal prescrição variados ditames, como a

determinação de que ninguém será julgado senão por juízo competente e pré-

constituído, além de aplicarem-se ao referido enunciado os brocardos latinos de

nullum crimen sine lege, ou de nulla poena sine lege.250

Referido princípio, independente das interpretações que lhe

sejam atribuídas, regula na Carta Constitucional indubitavelmente o princípio

expresso do devido processo legal, inspirando-se de forma notória na redação

encontrada no constitucionalismo norte-americano.251

Importante aplicação desse princípio é verificada em relação à

súmula vinculante nº11 do STF. Esta fora editada em 13 de Agosto de 2008, com a

seguinte redação:

249 Princípio da razoabilidade. Jus Brasil. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/topicos/292526/principio-da-razoabilidade. Acesso em 15/06/2011. 250 PEIXOTO, Alexandre Sivolella. O princípio da razoabilidade. Disponível em: http://www.unigran.br/revistas/juridica/ed_anteriores/11/artigos/06.pdf. Acesso em 15/06/2011. 251 PEIXOTO, Alexandre Sivolella. O princípio da razoabilidade. Disponível em: http://www.unigran.br/revistas/juridica/ed_anteriores/11/artigos/06.pdf. Acesso em 15/06/2011.

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Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

A decisão do Supremo Tribunal Federal de editar súmula

vinculante a respeito da utilização de algemas ocorreu durante o julgamento do

Habeas Corpus nº 91.952, de 07 de Agosto de 2008, em que, por unanimidade,

entendeu-se que a juíza presidente do Júri não havia fundamentado devidamente a

decisão de manter o réu algemado, haja vista ter consignado em ata que o motivo

ensejador deste fato era à presença de apenas dois policias para fazer a segurança

do local, e, conforme já demonstrado, não é crível que se sacrifique a dignidade do

réu em questão pela falta de aparato estatal suficiente para a segurança do recinto.

Diversas questões merecem ser observadas com relação a

esta súmula. Primeiramente, pode-se afirmar que vai ao encontro da redação do art.

474, §3º, do Código de Processo Penal, introduzida no mesmo em 09 de junho de

2008 pela Lei 11.689/2008, que diz respeito ao uso de algemas no plenário do Júri.

Todavia, a súmula é mais abrangente, pois se refere ao uso de algemas não

somente durante a instrução em plenário, como também no momento da prisão e

em audiências.

O objetivo da Súmula vinculante nº 11 do STF é coibir o uso

indiscriminado de algemas no Brasil, ou seja, fazer com que sua utilização deixe de

ser a regra e passe a ser a exceção, restringindo-se as hipóteses nas quais a

autoridade, mediante fundamentação escrita, considerar que tenha havido

resistência, haja fundado receio de fuga ou perigo à integridade própria ou alheia.252

Na opinião de Fernando Capez253:

Vale, primeiramente, deixar consignado que a mencionada Súmula longe está de resolver os problemas relacionados aos critérios para o uso de algemas, na medida em que a sua primeira parte constitui

252 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. p. 809-810. 253 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 304.

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mero reflexo dos dispositivos já existentes em nossa legislação, deixando apenas claro que o emprego desse instrumento não é um consectário natural de toda e qualquer prisão, configurando, na verdade, um artefato acessório a ser utilizado quando justificado.

Continua o referido autor, aduzindo:

Diante disso, muito embora a edição da Súmula vise garantir a excepcionalidade da utilização de algemas, na prática, dificilmente, lograr-se-á a segurança jurídica almejada, pois as situações nelas descritas conferem uma certa margem de discricionariedade à autoridade policial, a fim de que esta avalie nas condições concretas a necessidade do seu emprego. Basta verificar que se admite o seu uso na hipótese de receio de fuga ou de perigo para a integridade física. Ora, a expressão “fundado receio” contém certa subjetividade, e não há como subtrair do policial essa avaliação acerca da conveniência ou oportunidade do ato. Tampouco é possível mediante lei ou súmula vinculante exaurir numa fórmula jurídica rígida e fechada todas as hipóteses em que é admissível o emprego de algemas.254

Justamente por estes motivos, reputa-se necessária à

aplicação do princípio da razoabilidade ao caso concreto, pois, de outra maneira, só

haveria duas soluções: a vedação absoluta do uso de algemas ou a sua permissão

integral em toda e qualquer hipótese como consectário natural da prisão.

Isto porque, a súmula em questão confere certa margem de

discricionariedade ao policial e a autoridade judiciária, tendo em vista que a decisão,

a avaliação da necessidade de utilizar-se de algemas no momento da prisão é do

policial que está realizando o ato, bem como a avaliação da necessidade da

manutenção das mesmas durante audiências ou no plenário do Júri é da autoridade

judicial. Assim, ambos necessitarão usar do bom senso para determinar a

aplicabilidade da medida.

A inovação da Súmula nº 11 consistiu em exigir da autoridade

policial ou judiciária a justificativa escrita dos motivos para o emprego de algemas,

como forma de controlar essa discricionariedade. Além disso, passou a prever a

254 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 304.

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nulidade da prisão ou ato processual realizado em discordância com os seus

termos.255

Frisa-se que o descumprimento da referida súmula enseja

reclamação ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, I, l, da

Constituição Federal.256

Do todo, de acordo com a análise da Súmula em questão, e os

princípios da dignidade da pessoa humana, da presunção de inocência e da

razoabilidade, policiais e juízes deverão justificar por escrito os motivos da utilização

das algemas levando em consideração, no caso concreto, se a dignidade do

indivíduo e a presunção de inocência devida a todos até que lhes seja imputada

sentença condenatória transitada em julgado, não estão sendo alvitadas.

A hipótese de ocorrer o algemamento sem que venha a ferir

esses princípios ocorrerá quando houver resistência, fundado receio de fuga ou

perigo a integridade física própria ou alheia do indivíduo a ser preso, do preso ou

das outras pessoas envolvidas na situação, como se depreende do próprio texto da

súmula. Entretanto, inolvidável que a reação de uma pessoa submetida à prisão é

imprevisível.

Como solução para referida situação, Capez257 leciona:

Obviamente que, na dúvida do seu emprego ou não, impõe-se a incidência do brocardo in dúbio pro societate, militando em favor do policial e da sociedade. Nessas hipóteses, não há outra fórmula a não ser o bom senso e a razoabilidade.

Consoante os termos da Súmula 11, do entendimento

doutrinário e da jurisprudência atual, vale afirmar que algema não é um consectário

natural, obrigatório e permanente de toda e qualquer prisão, tendo como requisito a

excepcionalidade, tal como deflui da própria legislação pátria. O juízo discricionário

do agente público ao analisar, no caso concreto, a resistência, o fundado receio de 255 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 305. 256 BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. p. 413. 257 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 305.

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fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de

terceiros, deverá estar sob a análise da razoabilidade.

No caso da prisão, quando a integridade do próprio preso, ou

do agente policial que a estiver efetuando estiver em risco, houver resistência ou

risco de fuga, será crível utilizar-se deste instrumento sem que possa se falar em

inconstitucionalidade.

Já em audiências e na instrução em plenário, há que valer-se

novamente do princípio em questão, haja vista que a falta de segurança no local não

justifica, por si só, a manutenção do uso de algemas.

Desta forma, imperiosa se faz à análise, em situações típicas,

se o algemamento resta cabível e adequado. Se proporcional às necessidades do

caso concreto, abuso não haverá ocorrido; representará tão-só um exercício regular

do direito.258

3.6 DA CONSTITUCIONALIDADE DO USO DE ALGEMAS QUANDO PRESENTES AS CIRCUNSTÂNCIAS AUTORIZADORAS.

O uso de algemas, enquanto instrumento, não é muito diferente

do emprego da arma. Esta fere bem jurídico de maior relevância, mas as algemas

também agridem direitos inerentes ao ser humano. No caso das algemas, o

constrangimento ilegal só fica afastado quando o policial está ao abrigo de causas

de antijuridicidade. Ao oferecer resistência, o indivíduo cria a situação fática que

justifica o estrito cumprimento do dever legal. Nesta hipótese, o uso das algemas se

torna lícito.259

Conforme o texto dos artigos 284 e 292 do Código de Processo

Penal, o uso da força só é admitido por excepcionalidade e quando necessário, ou

258 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 131. 259 HERBELLA, Fernanda. Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do

uso de algemas. p. 249.

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seja, quando a resistência não puder ser vencida por outra forma. A utilização das

algemas, por conter o objetivo de assegurar o bom andamento da persecução penal,

contém os mesmos requisitos.260

Ante a problemática existente em torno do uso de algemas,

insta frisar que à atual disciplina do art. 474 §3º, do Código de Processo Penal, e a

Súmula Vinculante nº 11 do STF não estão vedando o uso deste instrumento, mas

tentando conter o abuso no seu emprego. Tanto no dispositivo legal, quanto na

orientação do STF, o binômio excepcionalidade-necessidade é a baliza a ser

utilizada para permitir o emprego das algemas. Isso se verifica, no texto legal, pela

expressão “salvo se absolutamente necessário...” e, na Súmula, pela expressão

“justificada a excepcionalidade”.261

Sucede, no entanto, que em algumas situações tem-se lançado

mão das algemas de forma abusiva, com a nítida intenção de execrar publicamente

o preso, de constranger, de expô-lo vexatoriamente, ferindo gravemente o direito à

imagem, os princípios da dignidade humana, da proporcionalidade e da presunção

de inocência. Por conta desses exageros, aquilo que sempre representou um

legítimo instrumento para a preservação da ordem e segurança pública tornou-se

objeto de profundo questionamento pela sociedade.262

Faz-se oportuno frisar que a utilização das algemas se viabiliza

através da concessão do poder de polícia a autoridade pelo próprio Estado. Como

guardião dos direitos inerentes ao cidadão, dentre os quais, a segurança pública,

efetiva a concretização desta por meio da discricionariedade e presunção de fé-

pública conferida aos atos de seus agentes.

260 NUCCI, Guilherme de Souza. Reformas do processo penal. p. 249. 261 NUCCI, Guilherme de Souza. Reformas do processo penal. p. 249. 262 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. p. 303.

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Nesta tônica, imperiosa se faz a lição de Paulo Tadeu

Rodrigues263:

A polícia encontra-se no Estado democrático de direito legitimada para empregar a força, o que não é incompatível com os direitos assegurados ao cidadão. Existem circunstâncias em que a polícia necessita empregar a coação administrativa, por meios que pertencem à autoridade, sem que isso venha a contrariar os preceitos previstos na Constituição Federal”.

Assim, quando utilizadas pelo agente policial nas

circunstâncias autorizadoras: resistência, fundado receio de fuga ou perigo à

integridade física própria ou alheia, aquele não incorrerá em abuso, pois estará

amparado legalmente em sua conduta, eis que em busca de concretizar a

segurança pública assegurada constitucionalmente.

Da mesma forma, a autoridade judicial, quando julgar

necessária a manutenção das algemas em audiências ou no plenário do júri, poderá

valer-se da investidura conferida a ele pelo Estado para que sejam mantidas as

algemas no indivíduo quando presentes as circunstâncias que a autorizam,

inexistindo abuso algum.

Salienta-se que no caso do Júri a manutenção das algemas

não é justificável se a razão para a mesma é a falta de aparato para a segurança do

recinto, situação em que deverá ser adiada a sessão.

Assim, tem-se que: seja quando utilizadas pelo agente ou

autoridade policial nos casos de prisão, condução a diversos lugares ou até mesmo

para sua custódia; ou pela autoridade judicial, nos casos de audiência ou em

plenário do júri, mediante a excepcionalidade justificada por escrito, será

constitucional o uso de algemas sem que haja abuso por parte do

agente/autoridade, tão pouco contrariedade aos princípios examinados.

263 RODRIGUES, Paulo Tadeu. Disponível em: www.ibccrim.org.br. Apud HERBELLA, Fernanda.

Algemas e a dignidade da pessoa humana: fundamentos jurídicos do uso de algemas. p. 130.

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Conclui-se que o emprego da medida deve ser excepcional e

justificado, e deve ocorrer de forma prudente, afastando-se assim da conclusão

irracional: “Preso, logo algemado!”, e no caso da utilização no tribunal do Júri:

“Algemado, logo culpado!”, eis que somente dessa forma estaremos concretizando o

Estado Democrático de Direito por intermédio da observância dos princípios

constitucionais da dignidade da pessoa humana, da presunção de inocência e da

proporcionalidade, dentre outros direitos garantidos por nossa Constituição.264

264 NUCCI, Guilherme de Souza. Reformas do processo penal. p. 251.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão acerca do emprego de algemas é bastante

polêmica, pois envolve a colisão de interesses fundamentais para a sociedade. Por

um lado, o operador do direito depara-se com o comando constitucional que

determina ser a segurança pública dever do Estado, direito e responsabilidade de

todos, sendo exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das

pessoas e do patrimônio por meio dos órgãos policiais; por outro lado, do texto

Constitucional, emanam princípios de enorme magnitude para a estrutura

democrática, tais como o da dignidade da pessoa humana e da presunção de

inocência, os quais não podem ser ignorados quando o Estado exerce a atividade

policial.

Indubitavelmente, a Polícia, devido à função que exerce em

nossa sociedade, está legitimada a utilizar-se de instrumentos que assegurem a

efetividade da mesma. O emprego de algemas representa importante instrumento na

atuação prática policial; entretanto, há que ser utilizado com reservas, pois, se

desviado de sua finalidade, pode constituir drástica medida, com caráter punitivo,

configurando grave atentado ao princípio constitucional da dignidade humana.

A falta de legislação específica que regulamentasse a matéria

fez com que as regras para sua utilização passassem a ser inferidas a partir dos

institutos em vigor. O Código de Processo Penal, em seu art. 284, que se refere ao

momento da prisão, embora não mencione a palavra “algema” ao dispor que “não

será permitido o uso de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de

tentativa de fuga do preso”, sinaliza as hipóteses em que aquela poderá ser usada.

Da mesma forma, o art. 292 do mesmo caderno legal, ao tratar da prisão em

flagrante, permite o emprego dos meios necessários, em caso de resistência. Daí a

conclusão de que somente quando realmente necessário o uso de força, é que a

algema poderá ser utilizada, seja para impedir fuga, seja para conter os atos de

violência perpetrados pela pessoa que está sendo presa.

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No tocante ao Tribunal do Júri, a redação do art. 474, §3º,

alterado pela Lei. nº 11.698/2008, preceitua no sentido de ser vedado a utilização de

algemas pelo acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri,

salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das

testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes. A esse respeito, a

Excelsa Corte já decidiu que quando não houver prova da periculosidade do Réu,

não se permitirá o uso de algemas para garantir a segurança dos presentes

baseando-se no critério de falta de aparato para tanto, ocasião em que a sessão

deverá ser adiada para quando este óbice restar sanado.

Isso porque os princípios constitucionais da plenitude de

defesa e da presunção de inocência visam, respectivamente: conceder ao réu

igualdade de condições em plenário e impedir que os jurados façam um pré-

julgamento do acusado, aduzindo ser ele culpado pelo fato de estar algemado;

ambos os princípios com vistas a salvaguardar a dignidade da pessoa em questão.

Com o intuito de regulamentar o emprego de algemas, o

Supremo Tribunal Federal acabou por editar, no dia 7 de agosto de 2008, durante o

julgamento do Habeas Corpus nº 91.952, a Súmula Vinculante nº 11, visando,

sobretudo, assegurar a excepcionalidade da medida. Todavia, na prática, é notável a

dificuldade de se alcançar a segurança jurídica almejada por referido instituto, pois

as situações previstas conferem certa margem de discricionariedade à autoridade, a

fim de que esta avalie nas condições concretas a necessidade de seu emprego.

Visando controlar essa discricionariedade, a Súmula em

questão exige da autoridade policial ou judiciária a justificativa escrita dos motivos

que ensejaram a utilização de algemas. A constatação da necessidade de seu uso

deve valer-se da aplicação do princípio da proporcionalidade; ou seja: deve ser

adequado, apropriado, útil ao caso, algemar na situação fática em que o acusado ou

preso encontra-se.

Haja vista que as algemas têm a capacidade de exteriorizar o

que juridicamente já havia ocorrido, a perda do status libertatis do indivíduo, a

exposição desnecessária e aviltante da pessoa algemada, mesmo que

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justificadamente presa, constrange e passa a ter o condão de imagem degradante

àquela pessoa, e deve certamente, em respeito ao direito de imagem previsto em

nossa Constituição, ser evitada.

Por derradeiro, diante de todos os preceitos legais e em

decorrência dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da

presunção de inocência, da plenitude de defesa e da proporcionalidade, tem-se

presente um elemento comum: a utilização de algemas deve se dar como medida

extrema, portanto, excepcional e justificada por escrito. Assim, no caso da prisão,

quando houver resistência e fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física

própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros; e no Tribunal do Júri, quando

houver prova da periculosidade do réu, seu emprego estará legitimado

constitucionalmente.

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