Brincadeiras Jogos e Desenhos

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    A CORPOREIDADE NA ESCOLA:

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    MRCIO XAVIER BONORINO FIGUEIREDODoutor em Educao

    A CORPOREIDADE NA ESCOLA:Brincadeiras, jogos e desenhos

    6 Edio Atualizada

    Pelotas 2009

    Edi tora Univers i tr ia - UFPel

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    Obra publicada pela Universidade Federal de Pelotas

    Reitor Prof. Dr. Antonio Cesar G. BorgesVice-Reitor. Prof. Dr. Telmo Pagana XavierPr-Reitor de Extenso e Cultura: Prof. Vitor Hugo BorbaManzkePr-Reitor de Graduao: Prof. Luiz Fernando MinelloPr-Reitor de Pesquisa e Ps-Graduao: Prof. Alci EnimarLoeckPr-Reitor Administrativo: Francisco Carlos Gomes LuzzardiPr-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento. Prof. Etio

    Paulo ZontaDiretor da Editora e Grfica Universitria: Prof. Fernando deOliveira Vieira

    CONSELHO EDITORIALProf. Me. Antonio Jorge Amaral Bezerra; Prof. Dr. ElomarAntonio Callegaro Tambara; Prof. Dr. Isabel Porto Nogueira;Prof Dr. Jose Justino Faleiros; Prof': Ligia Antunes Leivas;

    Prof' Dr' Neusa Mariza Leite Rodrigues Felix; Prof. Dr.Renato Luiz Mello Varoto; Prof. Me. Valter EliogabalosAzambuja; Prof. Dr. Volmar Geraldo Nunes; Prof. Dr.WilsonMarcelino Miranda.

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    Ttulo da Obra: - A CORPOREIDADE NA ESCOLA: brincadeiras, jogos e desenhos

    1 E d i o 1991: Educao & Rea l idade Ed ies , P . Aleg re2 E d i o 1999: Edi to ra Un ive rs i t r ia /PREC/UFPe l .5 Ed io 2008 : Ed i to ra Un ive rs i t r ia /PREC/UFPe l .

    Impresso no Brasil

    Copyright 2009 MRCIO XAVIER BONORINO FIGUEIREDOProfessor na Escola de Educao Fsica e na Faculdade de Educao daUniversidade Federal de Pelotas, Doutor em Educao pela USP.Facilitador em Biodanza pela Escola Paulista de Biodanza.

    Layout e Editorao Eletrnica: Jos Herminio Barbach

    Tiragem:1000 exemplares.

    Edio eletrnica desenvolvida atravs do projeto e-ufmaVisite www.eufma.ufma.br e saiba mais das nossas propostas de incluso digital

    Este livro foi autorizado para domnio pblico e est disponvel para

    download nos portais do MEC www.dominiopublico.gov.br edo Google Pesquisa de Livro

    F475c Figueiredo, Mrcio Xavier BonorinoA corporeidade na escola: brincadeiras, jogos e

    desenhos / Mrcio Xavier Bonorino Figueiredo. -Pelotas: Editora Universitria-UFPel, 2009, 6 ed.

    89p.

    ISBN 978-85-7192-325-6

    1. Corporeidade - Prtica pedaggica I. Ttulo.

    CDD 19. ed. - 370.15

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    SUMRIO

    PREFCIO .............................................................. 7ARTICULAES DO PENSADO E DO VIVIDO ..... 7DILOGO EM VRIOS CONTEXTOS .................... 9

    A PERSPECTIVA DE NOVOS CAMINHOS ............ 10NOSSA HISTRIA, NOSSO PONTO DE PARTIDA 13

    Captulo 1TRILHANDO AS TEORIAS ..................................... 19Algumas concepes de corpo ................................ 22O corpo na escola capitalista ................................... 23Brincar e jogar: o resgate da corporeidade .............. 25Da morte para a vida do brincar e jogar na escola . 29Questes a serem articuladas pela leitura do cotidiano

    ..................................................................................... 31

    Captulo 2CAMINHOS PERCORRIDOS NA ANLISE DOCOTIDIANO ............................................................ 35A insero no contexto histrico-social da escola .... 35Chegando no pedao: a descoberta da realidade . 37Observao dos espaos da escola ........................ 38Observao da sala de aula .................................... 38Entrevista com as crianas ...................................... 39Construo de uma leitura da realidade .................. 39

    Captulo 3ESPAOS DA ESCOLA: A DESCONTINUIDADECOM A REALIDADE VIVIDA ................................... 43

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    Captulo 4A SALA DE AULA: ESPAO DE CONTROLE DACORPOREIDADE DAS CRIANAS ........................ 51

    Captulo 5A EXPRESSO DA CORPOREIDADE NASBRINCADEIRAS, JOGOS E DESENHOSINFANTIS ................................................................ 61A fala das Crianas ................................................. 61O Desenho do Brao Solto ...................................... 68

    Captulo 6UM PONTO DE PARADA ....................................... 81

    BIBLIOGRAFIA .. ..................................................... 85

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    PREFCIO

    A abertura desta escrita composta dos pareceres de trseducadores. Esta escrita inicial mostra aquilo que geralmente fica

    restrito a quatro paredes.Seremos fiis aos pareceres que foram emitidos mantendo os

    posicionamentos expressos na integra.

    PENSADO E VIVIDO

    Balduino Antonio Andreola 1

    Mrcio, como educador inquieto, insatisfeito com muita coisaque acontece na escola, em sala de aula, partes para a aventuraousada e esperanosa de construir o novo. Sairemos - dizes -para omundo alm das paredes e caminharemos sentindo o vento cortar orosto; conseguiremos, talvez, resgatar muitas experincias vividasem nossa infncia (p. 63).

    Tua inquietao, tua inconformidade refere-se ao ambiente deimobilidade, de disciplina imposta, de silncio, em que soaprisionadas as corporeidades e, com ela, a espontaneidade e acriatividade da criana na escola. Para vislumbrar qual o ambienteque importa construir, a servio de uma educao menosdominadora, procuras penetrar no mundo das brincadeiras e dos

    jogos das crianas, visto como um processo de conhecimento e uma

    1 Professor Doutor da Faculdade de Educao - Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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    linguagem. Atravs dos jogos e das brincadeiras a criana buscaentender o mundo e expressar a sua maneira de v-lo.

    Na tua busca te instrumentalizaste, por outro lado, de um

    suporte terico muito srio e consistente, e por outro lado, de ummtodo de investigao da realidade das crianas que te permitiudebruar-te sobre a realidade demoradamente, atentamente, parafazer dela uma leitura o mais fiel possvel, sem que isto significasseuma proteo de esgotar o mistrio incomensurvel da experinciaindividual e coletiva das pessoas. A observao direta, em sala deaula e fora da mesma, documentada atravs de dirio, as entrevistas,os desenhos das crianas, os slides de tais desenhos, projetados para

    colher as reaes dessas mesmas crianas, foram s tcnicas de quete valeste para as anlises realizadas. No poderia omitir que oresgate de tua experincia pessoal de infncia se configurou comosubsdio importante para a compreenso de experincias das crianasobservadas e entrevistadas. Colocaste, assim, como ponto de partida,a tua arqueologia pedaggica.

    No teu estudo no te enclausuraste nopedagoges. Recorreste auma bibliografia mais ampla sobre o assunto que te ajudasse a v-lo

    sob os ngulos filosficos, psicolgicos, sociolgicos e poltico.Desvelas as marcas das profundas dicotomias e contradiesinerentes a uma viso deformada da corporeidade no sistema escolar.Apontas, na linha das anlises marxista das relaes de produo edas estruturas de poder, a servio de qual projeto de sociedade se estalinhado, na sociedade capitalista.

    O estudo realizado no se reduz a um exerccio acadmico.Deixas claro, j no subttulo da dissertao, que teu intuito o de

    extrair da pesquisa uma proposta de transformao. Tal proposta nose restringe busca de superao de uma educao fsica de marcodualista e mecanicista. Contm, pelo contrrio, pistas muitas bemdelineadas para um projeto global de educao nova e de uma novasociedade.

    Cabe uma observao quanto ao estilo da dissertao. Semfugir as exigncias da seriedade metodolgica de um trabalho depesquisa, soube evitar os formalismos vos, preservando a

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    originalidade do toque pessoal, expresso de tua maneira criativa dever e dizer as coisas.

    A tica positiva em que comentei teu trabalho no fruto de

    generosidade gratuita. Teu trabalho corresponde realmente umacontribuio de valor para se pensar a educao na escola pblica.Mas a tica positiva no significa, por outro lado, idealizaoromntica das coisas. A problemtica abordada muito complexa eas solues no so nada fceis. Por isso mesmo urgem educadorescorajosos, que ousem repensar a prtica pedaggica, sonhar outrasformas, e agir coerentemente, de acordo com o sonho. Tu ousasteencetar esta caminhada. Estou certo que irs longe e de que no

    estars s nesta aventura desafiadora de construir o novo.

    DILOGOS EM VRIOS CONTEXTOS

    Marlia Pontes Spsito2

    (...) O tratamento terico revela um esforo de sistematizao

    em torno de questes ainda pouco exploradas no pensamentoeducacional. A estratgia metodolgica utilizada indica suapreocupao de investigar, em profundidade, o tema e revelaadequao frente ao referencial terico utilizado.

    As observaes que esto sendo encaminhadas a seguir tm ointuito de contribuir para a continuidade dos estudos, tendo em vistaa perspectiva da realizao do Doutorado.

    1. A anlise da criana e da infncia deve procurar dar contados processos scio-histricos que permitiram a construosocial da idia de infncia, tpicos da Idade Moderna,sobretudo aps a Revoluo Burguesa. Nesse sentido, seriapreciso evitar a falsa dicotomia entre natureza infantil boaou natureza perversa. Os estudos de Phillipe Aris eBernard Charlot apresentam contribuies importantessobre o tema.

    2 Professora Doutora da Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo.

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    2. O conceito de socializao (primria e secundria) deve serobjeto de preocupao, uma vez que o incio da vidaescolar marca uma trajetria que tem suas origens na vida

    familiar e no bairro. As representaes e prticas quedisciplinam o corpo e introduzem um padro definido sobrea corporeidade no se iniciam com a vida escolar. Essasquestes, ao serem incorporadas na anlise, impediro umapolarizao simplista entre a vida fora da escola e ouniverso pedaggico.

    3. Os jogos e brincadeiras encerram um valor pedaggicoinquestionvel, j apresentado por vrios autores ereafirmado na pesquisa do candidato. No entanto, asrelaes entre essas formas de lazer precisam estarintegradas no conjunto das atividades que constituem otempo da sociabilidade infantil para verificao da suaimportncia no processo de socializao. Por outro lado,torna-se necessrio examinar as relaes que seestabelecem entre jogos e brincadeiras e odesenvolvimento da corporeidade, mesmo que elas no

    tenham implicaes pedaggicas imediatas.

    A PERSPECTIVA DE NOVOS CAMINHOS

    Nilton Bueno Fischer3

    A corporeidade das crianas, atravs de jogos, brincadeiras edesenhos, muito bem analisado pelo Mrcio em sua dissertao. Aoleitor passa uma imagem de um mundo bonito e ao mesmo temporeal. As crianas existem mesmo na escola onde foi feita a pesquisa,e ao mesmo tempo existem em ns mesmos. Essa capacidade de nosenvolver com o tema da pesquisa um mrito de trabalho do Mrcio.Se, de um lado, aparece essa possibilidade do ldico, muitas vezes

    3 Professor Doutor Coordenador do Programa de Ps-Graduao da Faculdade de Educao -Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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    encontrado no espao livre da rua, por outro a escola transforma essaenergia em rotina e em hbitos competitivos.

    Se a rua ainda tem lugar para a criana brincar como o caso

    da vila onde se situa a escola das crianas desta pesquisa, isso porque revela tambm uma realidade de excluso das famlias detrabalhadores que residem em morros, favelas, etc... Pela ausncia deinfra-estrutura urbana. Ento, o ldico passa a ter uma conotaodiferente daquela vivida por ns quando havia na cidade, espao paracorrer e brincar sem perder para o automvel e o trnsito. nesseaspecto que o trabalho do Mrcio poderia ser mais aprofundado.Nessa linha de sugesto de melhor contextualizar sua pesquisa que

    poderia ter sido investigada a prpria histria dos jogos ebrincadeiras pela narrativa dos pais das crianas entrevistadas.

    Na literatura empregada, verifica-se um uso adequado com otema e a metodologia as crianas falam, entretanto, tambm seriainteressante desvelar mais o contexto originrio das abordagensfeitas para, ento, se ter um uso mais qualificado das diversascontribuies feitas. Cito como exemplo, o trabalho de Antnio Leala respeito da favela da Rocinha no Rio de Janeiro.

    A origem de classe das crianas ou mesmo uma discusso depossveis diferenas - dentro e fora da escola entre as crianas da vilae do morro serviria para um entendimento melhor das anlises feitaspelo Mrcio, entre outras. E haveria alguma diferena entre aquiloque prprio da brincadeira dos guris? E das gurias?

    As observaes acima so feitas no sentido de pedir ao Mrcioa continuao de sua dedicao para esse tema e com essa

    abordagem metodolgica. Renovamos os cumprimentos peloexcelente trabalho feito, pois trouxe, em torno das questes dasprticas da escola, uma contribuio original - tema metodologia e aomesmo tempo muito bonita.

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    NOSSA HISTRIA, NOSSO PONTO DE PARTIDA

    Nas atividades escolares, no h lugar para a cultura infantil,como brincadeiras, jogos e outras atividades que ocorrem fora dosmuros da instituio e que fazem parte do saber popular. A escola, aonegar essas atividades, nega tambm o corpo concreto das crianas:seus conhecimentos, movimentos, ritmos, percepes, linguagem...

    Joo Batista Freire (1989) diz que a criana - especialista embrincar - cria atividades e se organiza em suas atividades corporais;porm, ao chegar escola, impedida de assumir sua corporeidadeanterior. E mais: ela passa a ser violentada, atravs das longas horas

    que fica imobilizada na sala de aula. Isto vai contra o processo devida, de experincias e de desenvolvimento at ento vivido.Entendemos como o autor, que fica extremamente difcil falar emeducao quando o corpo est ausente, ou pior, quando consideradoum intruso, que deve permanecer quieto para no atrapalhar.

    Uma vez ciente da no valorizao, pela escola formal, dasexperincias e conhecimentos adquiridos pelas crianas em suasbrincadeiras e jogos, buscamos, atravs deste estudo, resgatar a

    importncia dos mesmos.Para isso, foi preciso marcar um reencontro com as crianas no

    mundo das brincadeiras, jogos e desenhos a partir de nossas prpriasexperincias de guri. Quem de ns no brincou? No criou seusprprios brinquedos e brincadeiras? No participou de brincadeiras e

    jogos que possuam uma organizao prpria? Que significados erepresentaes tinham essas atividades? Que corporeidadedesenvolvia? Que espao a escola dava a essas atividades?

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    Muitos dos brinquedos, brincadeiras e jogos que realizvamos,quando crianas na zona rurais, se perderam; mas algumaslembranas ficaram, porque foram experincias profundas. Os mais

    simples objetos se transformavam em brinquedos. Tinham comobase os elementos predominantes da natureza - terra, gua, animais,plantas. Os brinquedos e brincadeiras tinham origem desseselementos maiores, ou a eles estavam relacionados. Os ossos deanimais se transformavam em rebanhos de ovelhas, gado, tropas,boiadas, etc. Galhos secos, taquaras, capim se convertiam em cercas,mangueiras, galpes. As frutas verdes serviam de pelota, paraarremessos. Taquaras verdes cortadas entre dois ns e casca delaranja azeda ou fruta de cinamomo serviam de bala para as pistolasque da surgia, para guerrear ou para acertar pssaros. rvores comgalhos horizontais e cordas davam um delicioso balano. A terra e agua, um excelente barro para moldar mil e uma coisas. Ah! Duasvaretas retas e finas, excelentes pernas-de-pau; muitas vezes at comdois degraus. Atravs delas nos tornvamos homens grandes egrandes homens. Forquilhas e pedaos de borracha resultavam numafunda. Pedaos de madeira, latas e pregos e tnhamos material paraconstruir caminhes, carros, carroas, etc. Com talos de mamoeiro,

    gua e sabo faziam brincadeiras de formar bolhas de sabo, quesubiam o mais alto possvel embalado por nossas vibraes. Enfim,fomos os artesos de nossos prprios brinquedos, de nossos sonhos:soltvamos nossa criatividade e imaginao e estabelecamos a nossacomunicao com o mundo. Antes de aprender a escrever em folhade papel, escrevamos no cho, nas paredes, no barro, usando carvo,gravetos secos ou o prprio dedo, quando a terra era solta e macia.Brincando, realizvamos a leitura do mundo que Paulo Freire diz

    anteceder a leitura da palavra. Lamos o tempo que poderia ser para achuva, seca, frio, calor... Marcvamos as horas pelo sol e sombra.Conhecamos quando as frutas estavam no ponto para serem colhidase comidas. Fazamos a leitura de nossa realidade concreta atravs dosconhecimentos cotidianos aprendidos.

    Essas experincias, que aprendemos na escola da vida,estavam e esto carregado de significados de um contextoexperienciado e vivido. Porm, na escola formal, jamais foram

    levados em conta. Tendo passado por isso, hoje, enquanto educador

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    comprometido com a transformao social nos surge preocupaode buscar nas atividades ldicas o ponto de partida para a nossaprtica na educao fsica.

    Diversos autores tm escrito sobre como a escola, atravs deatividades repetitivas, impostas, ensina autoritariamente s crianasdas classes populares a conformar-se com as rotinas e ritmos daproduo industrial, bem como exclui aqueles que no se submetema essa educao. Nosso propsito dar voz, nestas pginas, aocorpo, que a escola procura silenciar e, a partir de nossa escuta,apontar a possibilidade de uma educ-ao de liberdade.

    Tendo conscincia de que, para superar o atual estado decoisas, preciso ir alm das meras constataes, iniciamos estetrabalho revendo, no captulo 1, como o corpo tem sido tratadohistoricamente na sociedade e na escola capitalistas, bem como nosdetemos a examinar alguns estudos que enfatizam a importncia dasbrincadeiras e jogos na expresso e no desenvolvimento dacorporeidade das crianas. A seguir, no captulo 2, descrevemos ocaminho percorrido na leitura da realidade. No captulo 3, j noespao escolar, assinalamos uma srie de procedimentos, que

    marcam a corporeidade das crianas, cuja principal caracterstica agrande distncia entre o que se diz e o que se faz. Na sala de aula,captulo 4, analisa as relaes entre o professor e seus alunos e acorporeidade ali desenvolvida. No captulo seguinte - A expresso dacorporeidade nas brincadeiras, jogos e desenhos infantis-,verificamos como as crianas, atravs de suas brincadeiras, jogos edesenhos, se expressam corporalmente, os significados representadose os conhecimentos a construdos.

    Finalmente, procuramos realizar uma sntese possvel do quefoi observado neste trabalho.

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    CCaappttuulloo 11

    urgente partirsem medo

    para onde nascemsonhos buscar novas

    artes de esculpir a vida...

    Armando Arthur

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    TRILHANDO AS TEORIAS

    Cada civilizao viu o corpo de uma maneira por quecada um tinha uma idia diferente de mundo"

    Otavio Paz

    A educao desenvolvida nas escolas pblicas est a mereceruma reflexo, um repensar das aes em busca de novos caminhos.Tem-se verificado, de forma generalizada nas diversas reas deconhecimento, que os professores que ali trabalham no seinterrogam sobre o que fazem, para que e a quem interessa essa

    educao. Seria, talvez, desnecessrio dizer que no fogem regra asaes que se envolvem diretamente com o corpo, como o caso daEducao Fsica.

    Torna-se bastante difcil falar do corpo, pois esquecemos oufomos levados a nos esquecer que somos corpo, de que nossascomunicaes cotidianas com o mundo ocorrem atravs dele e comele. Mas fundamental que se pense a questo do corpo na educao,procurando des-velar as concepes e valores, bem como os reais

    signficados que esto implcitos nas aes escolares, visto que, comofala Paulo Freire (1980, p. 26) que:

    "A conscientizao no pode existir fora da 'prxis', oumelhor, sem o ato ao-reflexo. Esta unidade dialticaconstitui, de maneira permanente, o modo de ser ou detransformar o mundo que caracteriza os homens".

    Observando o cotidiano das prticas pedaggicas, comeamosa nos interrogar sobre os porqus de determinados procedimentos,

    atitudes, posturas assumidas, pelos professores, alunos e pais. Nas

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    conversas, olhares, reunies ou comportamentos diante de situaesconcretas, pode perceber que o corpo faz parte daquilo que PauloFreire (1981, p. 62) denominou cultura do silncio, onde o corpo

    segue ordens de cima. Pensar difcil; dizer a palavra, proibido. Aescola silencia a ao corporal-verbal que no esteja de acordo comas normas estabelecidas. Assim procedendo, est criando umhomem, uma mulher para a passividade, para a submisso, paraaceitar as regras do jogo"4.

    As atividades propostas pelos professores no despertam acriatividade, a curiosidade, o interesse pelas descobertas; no estimulado o gosto pela pergunta.

    Os alunos so induzidos a responderem aquilo que o professorquer ouvir, geralmente uma resposta que ele j sabe. Duvidar, criticaras atividades tidas como corretas visto at como um ato deindisciplina e, muitas vezes, aqueles que se atrevem a resistir econtestar so punidos, discriminados e rotulados de maus alunos.

    Alm disso, assim como na famlia, o corpo envolto demistrios: muitas coisas que dizem respeito a eles so proibidas; no

    se fala e quase no se toca em determinadas partes do corpo.Reforam-se os tabus que tm passado de gerao em gerao, semque as maiorias dos educadores se preocupem em question-los emprofundidade.

    Freire, (1982)5 com procedncia, diz que os educandos sotransformados em seres passivos, que recebem os contedos, osconhecimentos, de forma autoritria: muitas vezes impostos pelasSecretarias de Educao s escolas, que, por sua vez, os impem aos

    professores, e estes aos alunos, de maneira completamentedesvinculada da realidade daqueles a quem se destinam.

    Essa passividade se expressa, regularmente, tambm a nvelcorporal. com o corpo que entramos em contato com o mundo, oexperienciamos, conhecendo seus detalhes, possibilidades e limites.A escola, por meio do cerceamento das aes corporais e

    4 Regras do Jogo - No sentido de aceitar as diversas regras da sociedade como uma coisa

    normal que deve ser aceita sem questionamentos.5 Freire, Paulo. Educao e mudana.

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    espontneas e do desenvolvimento de atividades repetidas erotineiras, busca o disciplinamento e controle, impondopensamentos, ritmos, posturas e movimentos padronizados.

    Segundo Silva (1987) na escola para a transformao, ter queexistir liberdade de movimentos, de expresso, de explorao dematerial concreto, de convvio grupal, de vivncia do corpo. Almdisso, acreditamos que, assim como Freire (1980) prope que oalfabetizador tome como ponto de partida o universo vocabular dapopulao com que ele trabalha, o educador transformador devepartir do conhecimento corporal concreto de seus alunos.

    Leal (1982) em suas experincias com alfabetizao em umaescola na favela da Rocinha/RJ observou que as brincadeiras dascrianas so uma de suas principais manifestaes espontneas.Atravs delas, articulam todo o seu universo: os seus desejos, a suasexualidade, o seu desespero, a vida e a morte. Constatou ainda que,enquanto na favela elas conseguiam se organizar para brincar e jogar,mas na escola no conseguiam fazer o mesmo.

    De nossa parte, tambm observamos que, no recreio, elas so

    capazes de se organizar, seguindo, por exemplo, nas brincadeiras e jogos, as regras por elas estabelecidas de comum acordo.Entendemos que as crianas, na sala de aula, no conseguem seorganizar como no recreio porque o professor centraliza todas asdecises, no permitindo que elas exercitem seus conhecimentos,decidam e se organizem.

    Soma-se a isso o fato de que as representaes e ossignificados que a escola e os adultos em geral tm sobre as

    brincadeiras e jogos so diferentes daqueles das crianas. SegundoOliveira (1984), enquanto para o adulto brincar significa entreter-secom coisas amenas, esquecer, ainda que de maneira passageira, asdesiluses e momentos de tenso, a criana, atravs do brinquedo,fazem sua incurso no mundo, trava contato com os desafios e buscasaciar sua curiosidade de tudo conhecer. Esse autor afirma ainda que,no brinquedo infantil, prticas e interpretaes sociais estorepresentadas, e sua anlise nos propicia uma incurso nos problemaseconmicos, scio-culturais e polticos existentes em nossasociedade.

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    Na medida em que estamos cientes de que para qualquertransformao social preciso ir alm do senso comum, buscamosneste estudo fazer uma reflexo crtica sobre nossas constataes do

    cotidiano escolar. neste sentido que, a seguir, procuramoscontextualizar historicamente as aes que se exercem sobre e nocorpo, a forma como tm sido interpretados as brincadeiras e jogosna educao e, conhecendo seus reais significados e sua importnciapara o desenvolvimento das crianas, descobrirem como podemosresgatar a corporeidade.

    Algumas concepes de corpo

    Medida (1987) fazendo um relato histrico de como o corpotem sido visto atravs dos tempos, prope algumas interrogaes: oque verdadeiramente o corpo? Como a humanidade o concebeuatravs dos tempos?

    A partir dessas interrogaes expe o pensamento dos grandesfilsofos da Antigidade e medievais, que viam o corpo comoinstrumento da alma (doutrina da instrumentao do corpo). Essaconcepo conforme Medina (1987, p. 50) foi abandonada com

    Descartes, que desenvolveu uma forma de dualismo "onde o corpo ea alma so substncias diferentes e independentes". Para ele, ohomem fundamentalmente esprito, o que fica expresso naafirmao: Penso, logo existo. O pensamento cartesiano continua avigorar em nossa sociedade, o que pode ser percebido emdeterminadas atividades atravs da valorizao a elas dada, como ocaso do trabalho manual e intelectual, sendo este mais valorizado.

    J em nosso sculo, o filsofo Merleau Ponty vai secontrapuser a essa posio, com a afirmao "Eu sou meu corpo" -existo, logo penso. E, ainda, Cruz (1985, p. 71)mostra que:

    Merleau Ponty considera que a alma e o corpo, queingenuamente Descartes separou e cuja separaoinfluenciou o pensamento universal, no podem sernovamente reunidos por um simples decreto exterior que faaum, objeto do outros. Esta unio na verdade se expressa em

    cada um dos movimentos ao longo de nossa existncia.

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    Mas foi a partir de Marx que o corpo pde ser visto com outrasdimenses, passando a revelar determinados dramas da existnciahumana. Atravs de sua anlise sobre as relaes de trabalho, ele

    trouxe tona, de maneira indireta, a questo do corpo.Durante o feudalismo, quando a classe explorada tinha como

    propriedade o sujeito que ela explorava, os trabalhadores estavampresos a terra. J no capitalismo o processo foi alterado: ostrabalhadores foram libertos da terra, mas isto implicou dupladependncia do capital - so livres para vender a fora de trabalho esubordinados ao comrcio de produtos necessrios suasobrevivncia. O homem, em ltima instncia, ao vender a sua fora

    de trabalho, vende o seu corpo ao capitalista, que paga umaquantidade mnima para repor as energias gastar e continuar noprocesso de produo.

    A sociedade capitalista moderna, para atingir as finalidades,dirige a energia dos homens para o trabalho em propores semprecedentes, levando-os a tornarem-se alheios ao seu mundo, natureza, s coisas e s pessoas que rodeiam, bem como a siprprios. O que interessa organizao industrial um corpo com

    movimentos eficientes, teis, funcionais, treinados e ritmados para aproduo. desinteressante como mostra (Silva, 1987), que o corpo

    fale e que se expresse, que se comunique, mas interessa que produza,obedea aos ritmos que so impostos, adaptando-se s necessidadesda produo, sem question-las.

    A sociedade em que vivemos gestada em longo processo deinstituies que moldam o indivduo articulando-o ideologicamente ordem, reprimindo as suas manifestaes anormais e recompensando

    as normais. A escola, como parte da sociedade onde se insere, estmarcada por essas aes.

    O corpo na escola capitalista

    Alves (1987) afirma que Marx, em seus escritos, dizia que ocapitalismo uma educao do corpo, que ensinado a se esquecerde todos os seus sentidos erticos, sendo transformado apenas no

    local de um sentido - sentido da posse - onde a sociedade transformao desejo de ter e de usar na principal preocupao do homem.

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    A escola utiliza-se de uma variedade de situaes em seucotidiano para fazer tal educao. Podem-se notar, atravs dosprogramas, contedos, dos horrios, dos deslocamentos em filas,

    uma infinidade de modelos de aes que devem ser seguidos ecumpridos por todos. Nesse sentido, Foucault (1984) e Guimares(1985) afirmam que um dos objetivos da escola controlar o corpo,atravs de atitudes de submisso e docilidade que ocorrem nosexerccios que esquadrinham o tempo, o espao, os movimentos,gestos e atitudes dos alunos. As ocupaes ocorrem de maneiradeterminada, por meio de ritmos coletivos e obrigatrios: aquisiodos mesmos conhecimentos, os mesmos tipos de provas e exames. Oprofessor, que possui umpoder aparente nas decises, exerce na salade aula um poder concreto ao nvel do corpo dos alunos. Aodeterminar que eles executem as aes definidas por ele, influitambm na criao de um homem disciplinado, cumpridor de ordensque, ao chegar ao sistema de produo, como trabalhador, possacumprir o que este lhe reserva: produo com o mximo rendimento,de preferncia sem interrogaes.

    Medina (1987, p.19) afirma que na determinao de nossa

    corporeidade h marcada influncia da infra-estrutura scio-econmica.

    Se vivemos num sistema capitalista, dependente, altamentehierarquizado em nveis sociais, no s a escola comotambm o homem, o corpo e suas manifestaes culturais,sero produto ou subproduto das estruturas que caracterizameste sistema.

    No entanto, o autor chama a ateno para o fato de que as

    relaes ocorrem de forma dialtica e jamais descontextualizadahistoricamente. preciso que se veja em que nveis os fenmenosacontecem, quais so os determinantes e quais so os determinadosnessas relaes.

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    Brincar e jogar: o resgate da corporeidade

    Incios de conversa

    Ao falarmos sobre brincadeiras, brinquedos e jogos,procuraremos estabelecer algumas diferenas entre estes termos paraque se possa compreender os seus significados no contexto destetrabalho.

    Bettelhem (1988) e Oliveira (1987) so dois dos autores que sepreocupam com esses conceitos, porm tm posies no totalmenteconvergentes. O primeiro estabelece uma distino entre brincadeirae jogo: brincadeira no pautada por regras, a no ser aquelas que a

    prpria criana impe s atividades podendo alter-las a qualquermomento; os jogos possuem regras e estrutura definidas e aspectoscompetitivos que se aproximam mais do jeito do adulto passar otempo. Este autor afirma ainda que, ao brincar, a criana busca umequilbrio dentro de si mesmo, enquanto, no jogo, ela procuraharmonizar-se em conformidade com a estratgia de seu oponente. Acriana na brincadeira estabelece uma ordem interna e no jogo aceitae trabalha com a ordem externa, a fim de atingir seus objetivos. J

    Oliveira (1987:30) entende que tanto as brincadeiras quanto os jogosso prtica coletiva, que exigem uma srie de conhecimentos e regrasque estabelecem uma diferena entre o brinquedo e a brincadeira.

    Trata-se, primeiramente, de um objeto palpvel, finito ematerialmente construdo, podendo-se construir segundo

    formar variadas de criao, desde aquelas artesanais at asinteiramente industrializadas, sendo que o brinquedo separa-se da brincadeira e do jogo, de vez que ambos se expressammuito mais por uma ao do que propriamente por umobjeto. Nunca ser demais insistir que essa associao dobrinquedo ao objeto e do jogo e da brincadeira ao no mutuamente excludente, tanto a manipulao de umbrinquedo qualquer implica necessariamente uma ao,enquanto um jogo ou brincadeira socorre-se de objetos,suportes materiais para se realizarem.

    Por outro lado, Piaget (1978) no estabelece tais distines,denominando jogo toda a atividade ldica infantil. Porm ele realiza

    uma classificao dos jogos, de acordo com a complexidade de suas

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    estruturas: o jogo de exerccio, que o que no supe qualquertcnica particular; o jogo simblico, que implica a representao deum objeto ausente, e o jogo de regra, que supe relaes sociais ou

    interindividuais.De nossa parte, neste estudo, nos inclinamos pelos estudos

    estabelecido por Piaget, mas entendemos que as brincadeiraspossuem regras definidas pelas prprias crianas, enquanto o jogotem regras definidas "oficialmente", mas do jeito do adulto de jogar.

    As brincadeiras e jogos no desenvolvimento da criana

    Huizinga (1980:16) teorizando sobre os jogos, afirma que,alm das funes de homo sapiens, que raciocinar, e a do homofaber, que de fabricar objetos, h nos homens e animais umaterceira, a do homo ludens, onde o jogo quem propicia a suarealizao e se caracteriza como:

    ...uma atividade livre, conscientemente tomada como 'noseria' e exterior vida habitual, mas ao mesmo tempo capazde absorver o jogador intensa e totalmente. uma atividade

    desligada de todo e qualquer interesse material, com a qualno se pode obter lucro, praticada dentro de limites especiaise temporais prprios, segundo uma certa ordem e certasregras. Promove a formao de grupos sociais com atendncia a rodearem-se de segredos e a sublinharem suadiferena em relao ao resto do mundo por meio dosdisfarces em outros meios semelhantes.

    atravs do corpo que a criana, desde os primeiros dias de

    vida, realiza brincadeiras que so fundamentais para o seudesenvolvimento e crescimento. Bandet & Sarazanas (1973, p. 61)afirmam que o corpo o primeiro brinquedo que a criana utilizapara brincar.

    O primeiro brinquedo da criana, objeto de sua ateno eespanto, realmente o corpo humano, quer se trate do seu

    prprio corpo, quer se trate do corpo de sua me".

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    Se observarmos a criana num bero, notaremos que ela nov os brinquedos que lhe so oferecidos prematuramente. Ela brincacom os dedos, mexendo uns aps os outros, cruza, puxa os da mo

    esquerda com a mo direita, olha para a mo. Aproximadamente atos trs meses, ela brinca quase exclusivamente com os dedos,cabelos, orelhas. A partir da comea a ter interesse pelo mundoexterior, descobre agora o corpo da me, passa-lhe a mo pelo rosto,puxa-lhe os cabelos, enfia-lhe os dedos nos olhos e nariz. Osacessrios da roupa da me despertam-lhe a curiosidade.

    medida que a criana amplia suas experincias, o seu corpoj no lhe basta, e aparece, ento, o primeiro brinquedo. Atravs das

    brincadeiras e jogos, constri esquemas motores, exercita-se osrepetindo, integra-os a novos tipos de comportamentos, avana emnovas descobertas. No entanto, como nos lembra Chateau (1987, p.82) que:

    (...) barbante, vara, trao so smbolos menos carregados desentido do que o corpo: com o seu corpo a criana poderepresentar um mundo de objetos. Em primeiro lugar, sereshumanos, evidentemente; tambm seres vivos, coelhos, ursos,

    etc. At objetos inanimados (...).Os adultos, na maioria das vezes, no reconhecem a

    importncia da brincadeira infantil, que vista como um meropassatempo, destituda de significao. No entanto, na Carta dosDireitos da Criana, est escrito O direito de brincar, justamenteporque, como nos demonstram vrios especialistas, atravs dasbrincadeiras que ela busca entender o mundo: por exemplo,Bettelheim (1983, p. 142) nos lembra que ao brincar imitando os

    adultos, a criana tenta compreend-los. Atravs de uma brincadeira de criana, podemoscompreender como ela v e constri o mundo - o que elagostaria que ele fosse quais as suas preocupaes e que

    problemas a esto assediando. Pela brincadeira, ela expressao que teria dificuldade de colocar em palavras. Nenhumacriana brinca espontaneamente s para passar o tempo, sebem que os adultos que a observam possam pensar assim.

    Mesmo quando entre numa brincadeira, em parte para

    preencher momentos vazios, sua escolha motivada por

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    processos ntimos, desejos, problemas, ansiedades. O queest acontecendo com a mente da criana determina suasatividades ldicas; brincar sua linguagem secreta, quedevemos respeitar mesmo se no a entendemos.

    Como exemplo dessa linguagem secreta, vrios autoresesclarecem a importncia que as repeties das brincadeiras tm paraas crianas. Enquanto para os adultos estas aes so percebidascomo coisa chata e irritante, para ela executar mais uma vez a suabrincadeira expressa que ela est procurando compreender o que estfazendo. Bettelheim (1988, p. 144)apresenta como significado:

    A repetio verdadeira nos padres de brinquedo um sinal

    de que a criana est lutando com questes de grandeimportncia para ela, e de que, embora ainda no tenha sidocapaz de encontrar uma soluo do problema que exploraatravs da brincadeira, continua a procur-lo.

    J Benjamim (1984, p. 74-5) afirma ser esta uma leifundamental desenvolvida pela criana antes das leis particulares eregras que regem a totalidade de seus brinquedos:

    (...) para a criana ela a alma do jogo; nada a alegra mais

    do que 'mais uma vez'. O mpeto obscuro pela repetio no aqui no jogo menos poderosos, menos manhoso do que oimpulso sexual no amor(...) A criana volta a criar para si o

    fato vivido, comea mais uma vez do incio (...). A essncia dobrincar no 'fazer como se', mas 'fazer sempre de novo',transformao da experincia mais comovente em hbito.

    Chateu (1987, p. 56-57) v a repetio no jogo como umesboo de ordem:

    Alguns jogos tornam-se verdadeira obsesso, uma criana deoito anos bate at cem vezes as teclas de um piano, sem secansar, outra no pra de abrir uma caixa (...). Um aluno daescola maternal ainda muito voltado para a repetio,

    podendo, por exemplo, subir cem vezes seguidas os trsdegraus de uma escada (...). Os ritmos so uma repetioainda mais precoce. Pode-se falar de ritmos vitais como oritmo do sono, o da febre (...). No de se espantar quetambm os jogos das crianas sejam sempre comandados por

    esse amor ao ritmo e repetio.

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    por tudo isso que no podemos conceber a criana sem risose sem brincadeiras. Como disse Chateau (1987) se as crianas deuma hora para outra parassem de brincar, os ptios das escolas

    ficassem silenciosos, as vozes, os gritos fossem desajeitados,silenciosos e sem inteligncia. Aquelas crianas que no brincampodem sofrer interrupes intelectuais, pois deixam de exercitarprocessos mentais importantes para o seu desenvolvimento.

    Se para a prpria criana, ela brinca apenas porque isso lhe dprazer, na verdade, como nos esclarece Bettelheim (1988, p. 174) aatividade ldica uma necessidade que tem sua fonte na presso deproblemas no resolvidos.

    (...) brincar uma atividade com contedos simblicos que ascrianas usam para resolver, num nvel inconsciente,

    problemas que no tm condies de resolver na realidade;atravs da brincadeira adquirem um sentimento de controleque no momento esto longe de possuir.

    assim que, representando as suas fantasias no mundo do fazde conta, a criana vai construindo uma ponte entre a suasubjetividade e o mundo exterior, ao mesmo tempo em que aprende a

    ter respeito pelas limitaes que a realidade lhe impe.

    Da "morte" para a vida do brincar e jogar na escola

    A criana, ao ingressar na escola, enfrenta uma srie deimposies dos adultos que levam a uma grande quebra no ritmo desua atividade ldica. Ela, que passa a maior parte do tempo a brincare jogar passa, agora, vrias horas imobilizadas e presas s cadeiras,executando tarefas que no exigem quase nenhum movimento. Namaioria das vezes, o brincar passa a ser condicionado realizaodas tarefas escolares: S brinca se realizar os deveres. As atividadesda escola so vistas como "coisa sria", enquanto que brincar e jogarficam em um plano secundrio.

    No entanto, Chateau (1987, p. 126) afirma que dos jogosorigina-se outra atividade: o trabalho. Para ele, jogar uma tarefaque exige um determinado esforo e se impe como um trabalho. Ao

    aceitar participar de um grupo de jogo, a criana tambm aceita um

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    determinado cdigo ldico, como um contrato social implcito, dizque:

    Para o grande, o jogo cumprir uma funo, ter lugar na

    equipe; o jogo, como o trabalho, , por conseguinte, social.Por ele, a criana toma contato com as outras - se habitua aconsiderar o ponto de vista de outrem, e sair de seuegocentrismo original. O jogo a atividade do grupo.

    Este mesmo autor relata que, em uma pesquisa realizada emescolas elementares de Viena, foi constatado que 80% das crianasda 1 srie fracassaram porque no tinham desenvolvido a atitude detrabalho em seus jogos antes de ingressar na escola.

    Mas cabe aqui uma pergunta: Por que, mesmo tendo vriosautores escritos sobre a importncia dos jogos e brincadeiras na vidadas crianas, a escola quase concretiza a hiptese de Chateau (1987)fazendo com que elas parem de brincar de uma hora para outra,deixando os seus ptios e suas salas de aula silenciosa?

    Como j vimos, a escola capitalista mais que propiciar odesenvolvimento das crianas da classe trabalhadora tem como

    objetivo disciplin-las para tornar o seu trabalho cada vez maisprodutivo e lucrativo. neste sentido que concordamos plenamentecom Thomaz (1986, p. 6)e outros quando afirmam que:

    Seria iluso pensar que bastaria recomendar que os professores propusessem jogos e exerccios diferentes. Aquesto exige a formao de novos contedos prticos, exigetambm a veiculao de compromissos por todos os canaisque conduzem para onde possa agir como fora de presso.

    Os autores apontam os papis que um jogo pode estabelecerquando proposto pelo professor s crianas como um pacote, comregras, tcnicas, tticas, organizao, materiais prontos. crianaficara como alternativa jogar, exercitando-se segundo asdeterminaes do professor, em habilidades mais desenvolvidas, atatingir as determinaes do professor, em habilidades maisdesenvolvidas, at atingir uma performance julgada satisfatriatambm pelo professor. Quando o apito soa, sinal que no esthavendo atuao conforme o estabelecido pelo sistema. Asrecompensas e punies so maneiras de estabelecer o

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    condicionamento das crianas, buscando a disciplina, a ordem e ahierarquia que devem ser obedecidas, ocultando as relaes de poderque se expressam nestas aes. Aqui ocorre o desenvolvimento

    subservincia, mas no a inteligncia: desenvolve-se a obedincia sregras, mas no a compreenso de normas de respeito individual esocial. Procura-se certa habilidade motora, mas no a criatividade.

    No entanto, vejamos: se a alternativa fosse jogar, seguindouma orientao geral, trabalhando com as crianas a elaborao deregras, das tcnicas, os resultados seriam completamente diferentes.

    Frei Betto (1985:44), por exemplo, quando na priso,percebendo o poder que esta instituio exerce sobre o corpo,desenvolveu um trabalho com os presidirios, tendo comoprincpio

    pedaggico de sempre fazer um trabalho a partir dos elementos fornecidos pelas experincias vitais anteriores. Realiza exerccios,expresso corporal e teatro. A partir da boca, utilizada como rgode expresso - trabalho de descontrao da palavra -, levava ospresos a tomarem conscincia de como o sistema age sobre o corpo,tornando-o um objeto.

    Assim procedendo, o educador tem como principal objetivofazer com que os indivduos desenvolvam elementos fundamentais sua cidadania, onde as diferenas sociais, os preconceitos, asinabilidades no fiquem escamoteados e camuflados.Simbolicamente, o jogo representa o indivduo e sua vida emsociedade. Tendo o jogo tais caractersticas, preciso que essasrepresentaes ocorram em liberdade, que as condies se explicitemclaramente. Denunci-las, refletir sobre elas, aprend-las e super-las o papel da educao transformadora.

    Questes a serem articuladas pela leitura do cotidiano

    A partir de nossa prtica com trabalhos que envolvemdiretamente o corpo, observamos que nas escolas os conhecimentosque os alunos tm de seus ritmos e movimentos e suas formas deexpresso no so valorizados. O fato constatado por outros autoresde que a escola impe, de forma autoritria, uma variedade de

    atividades estranhas realidade concreta deles, atinge tambm acorporeidade.

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    A ao pedaggica da escola, baseando-se no princpio deque as crianas da periferia no tm conhecimentos, lhes impeatitudes corporais - as boas maneiras no falar, caminhar, sentar-se,

    alimentar-se, brincar, etc. -, que so completamente diferentes desuas experincias vivenciadas fora da escola. Aquelas que noaceitam as imposies da escola, que no se deixam levar pelapassividade e submisso, que resistem em defesa de suacorporeidade, so discriminadas de muitas maneiras: so rotuladascomo maus alunos, bagunceiros; recebem notas baixas; assinamcaderninhos; seus pais so chamados, sofrem suspenses e atmesmo so expulsos da escola.

    Enquanto educadores preocupados e comprometidos com atransformao real e efetiva do sistema escolar, entendemos que necessrio que se articulem todos os caminhos possveis para a suaconcretizao. E, nesse sentido, podemos afirmar que a corporeidadena educao sistemtica e nas brincadeiras e jogos esto a mereceruma compreenso de uma dimenso mais ampla.

    Neste estudo, abordaremos a problemtica da corporeidadena escola envolvendo as seguintes questes:

    - Como a escola, atravs da educao sistemtica, temconstrudo uma corporeidade (gestos, movimentos,ritmos, pensamentos, etc.)?

    - Que corporeidade as crianas constrem e/ou expressamatravs de brincadeiras e jogos?

    - Como a corporeidade construda e expressada nasbrincadeiras e jogos das crianas poder contribuir para a

    transformao da escola?

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    CCaappttuulloo 22

    Andarilho, o caminho feito de seus passos, nada mais;andarilho, no h um caminho,

    voc faz o caminho ao caminhar.Ao olhar para trs, voc ver um caminho

    sem retorno.Andarilho, no h nenhum caminho,

    apenas trilhas nas ondas do mar.

    Antnio Machado

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    CAMINHOS PERCORRIDOS NA ANLISEDO COTIDIANO

    A insero no contexto histrico-social da escola

    Este estudo foi realizado durante o ano letivo de 1988, em umaescola Estadual de 1 grau pertencente 1 Delegacia de Educao -Porto Alegre/RS.

    Fizemos a opo por essa escola, tendo em vista ser o localonde, nos dois ltimos anos, atuamos como trabalhadores emEducao. Nossa inteno foi busca de uma reflexo sistemtica,pela qual pudssemos articular teoria e prtica, fazendo uma anlise

    crtica do trabalho cotidiano no nosso contexto de insero, e, destaforma, encontrar novos caminhos, estabelecendo o que Kosik (1976,p. 202)define como prxis:

    A prxis do homem no a atividade prtica contraposta teoria; determinao da existncia humana comoelaborao da realidade.

    Como se pode inferir do exposto acima, nossa escolha no sebaseou nos critrios probabilsticos da Estatstica, mas sim num dos

    princpios da pesquisa qualitativa, segundo o qual arepresentatividade dos participantes determinada em funo do fatodeles possurem uma imagem da cultura a que pertencem.

    Logo aps termos nos definido por essa escola, surgiu ointeresse de conhecermos a sua histria e fomos surpreendidos pelaseguinte afirmao: No existe histria da escola (Annimo). Nosatisfeita a nossa curiosidade, continuamos a buscar informaes eencontramos um arquivo com o indicativo: Pasta de escola,

    documentos legais, recortes de jornais, plantas, relatrios e

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    avaliaes. Realmente, o que existia na escola era uma histriafragmentada, eram recortes, conforme o ttulo do arquivo: fatosisolados, perdidos, sem uma dimenso da totalidade do contexto.

    Nosso esforo em resgatar a histria dessa escola resultou em umasntese que fizemos a partir do material desse arquivo, de conversascom os professores mais antigos e de observaes de slides efotografias.

    A escola foi inaugurada no ms de abril de 1967, mas suasatividades s foram iniciadas em maro de 1968. Inicialmente,oferecia vagas do Jardim da Infncia 5 srie. Em 1972, com areforma de ensino, passou a atender turmas de 1 a 4 sries. Em

    1973, um parecer da Secretaria de Educao autorizou ofuncionamento da 6 srie e, nos dois anos seguintes, novos pareceresautorizaram a criao, respectivamente, das 7as e 8as sries.

    Na poca em que foi construda, ela estava localizada no limiteda vila. Atualmente, est no centro da mesma e serve como ponto dediviso entre duas realidades distintas: a parte antiga da vila,construda com casas de alvenaria por um rgo do Estado, e a partemais recente, construda por barracos e casebres distribudos

    desordenadamente na encosta do morro. Os moradores da primeiraso, em sua maioria, funcionrios pblicos e militares, enquanto domorro so pessoas que sobrevivem com subempregos ou estodesempregados e, geralmente, so rotulados de vagabundos6. freqente ouvir-se o comentrio, por parte de alguns pais que moramna parte antiga da vila, de que deveria existir outra escola somentepara as crianas do morro.

    medida que aumentava o nmero de moradores na encosta

    do morro, a escola, cada vez mais, se fechava para a comunidade: ascercas que eram de tela passaram a muros de concreto, com portes ecadeados, impedindo o livre trnsito das pessoas e dificultando,literalmente, a viso da totalidade da realidade local - moradores davila e moradores do morro.

    6 Vagabundos: pessoas desempregadas, que geralmente ficam nos bares existem na vila,conversando, jogando bilhar ou tomando uma pinga paga por algum.

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    Pela leitura cuidadosa do Plano de Ao elaborada peladireo, pudemos perceber alguns princpios norteadores das aestais como:

    Oferecer condies para maior participao dos professores,pais, alunos e funcionrios nas decises da escola, refletindoe opinando sobre a ao pedaggica, com vistas a atender snecessidade e aos interesses das classes populares(Annimo).

    Contudo, em nossa opinio, por falta de uma anlise docontexto histrico-social da escola, esses ideais no chegam a seconcretizar, gerando inclusive contradies como, por exemplo, aproibio do acesso das assim chamadas classes populares escola:somente podem entrar na escola as crianas matriculadas - no seuturno de aula - e os seus pais. Concordamos com Dorneles (1987)que nos mostra que esse o lado mais evidente dos mecanismosseletivos da escola pblica.

    Cabe lembrar que 1988, foi o ano da implantao do QPE -Quadro de Professores por Escola, mais uma reforma administrativa

    que dizia ter por objetivo solucionar os problemas das escolasestaduais quanto distribuio de docentes, mas que, de fato, serviupara desestruturar a organizao dos professores que vinhamreivindicando melhores salrios, condies de trabalho e qualidadede ensino.

    Chegando ao pedao: a descoberta da realidade

    Magnani (1984, p. 138)definepedao como:

    Aquele espao intermedirio entre o privado (a casa) e opblico, onde se desenvolve uma sociabilidade bsica, maisampla que a fundada nos laos familiares, porm mais densa,significativa e estvel que as relaes formais eindividualizadas impostas pela sociedade.

    Em um primeiro momento, nos dedicamos aos contatos com adireo da escola, coordenao das sries inicias, professores ealunos, expondo nossa proposta de trabalho e estabelecendo os

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    seguintes caminhos: observao dos espaos da escola, observaoda sala de aula, entrevista com as crianas e com a professora.

    Observao dos espaos da escolaNesta etapa, as observaes foram realizadas

    concomitantemente com as demais formas de coleta dasinformaes. Acompanhvamos as rotinas desde a chegada dascrianas e dos professores escola at a sua sada. Ao mesmo tempoem que observvamos, amos construindo relaes entre o quevamos na sala de aula e o que escutvamos das falas das crianas edos professores. Tudo isso foi sendo sistematicamente registrado em

    um dirio de campo.

    Observao da sala de aula

    Entendemos que a sala de aula o local privilegiado do ensinoformal, onde as crianas passam grande parte de seus dias, durantevrios anos de suas vidas. No entanto, ela no o nico espao emque ocorre a aquisio de conhecimentos, como a idia difundidapor diversas instituies sociais. Observar a sala de aula, em nossoestudo, teve por objetivo, verificar a forma como os trabalhosescolares so realizados, as relaes sociais ali estabelecidas, asdenominaes corporais que so cultuadas, as expresses que so(im)pedidas.

    Realizamos 36 observaes na sala de aula de uma turma de 1srie, no perodo de maio a setembro, com uma durao mdia de 90minutos cada, sendo todas elas sistematicamente registradas.

    Escolhemos trabalhar com uma turma de 1 srie por julgarmosestarem essas crianas menos condicionadas corporeidadeveiculada pela escola. Durante as observaes, somenteparticipvamos das atividades quando ramos solicitados pelascrianas e/ou professoras.

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    Entrevistas com as crianas

    Fizemos trs entrevistas com cada uma das 24 crianas daturma de 1 srie por ns escolhidas, sendo duas no incio e a outrano final da pesquisa. Na segunda entrevista, solicitamos,primeiramente, que as crianas desenhassem as brincadeiras e jogosque conheciam. E nossa conversa versou sobre o desenho por elaselaborado.

    Inicivamos as entrevistas com uma conversa informal, queamos orientando paulatinamente, para um dilogo sobre as suasbrincadeiras e jogos. Procurvamos obter o mximo de informaes

    sobre esse mundo vivido por elas.Estas entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas.

    A construo de uma leitura da realidade

    Nesta pesquisa, optamos por uma anlise qualitativa einterpretativa. Assim, no utilizamos categorias pr-determinadas naleitura dos resultados: pelo contrrio, as categorias surgiram a partirda organizao do material pesquisado.

    Referindo-se anlise dos resultados, Thiollent e outros(1985, p. 205) afirmam que:

    O procedimento adotado vai consistir em ler e reler asentrevistas disponveis para chegar a uma espcie deimpregnao (...). As leituras repetidas vo progressivamentesuscitar interpretaes pelos relacionamentos de elementosde diversos tipos. Por interpretao compreendemos, como

    os psicanalistas, o distanciamento, pela investigaoanaltica dos sentidos latente a partir do contedo manifesto.

    Isso significa que, alm da literalidade da frase, tenta-sereconstruir sua traduo interpretativa, incluindo seqnciasde significaes mais ou menos longas.

    Podemos dizer que nossa anlise ocorreu em dois momentos,no totalmente distinta. Ainda quando estvamos na escola,procurando estabelecer as possveis relaes entre os diversos fatos

    observados, o que nos orientava sobre como e onde deveramos

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    Mrcio Xavier Bonorino Figueiredo40

    prosseguir nossa investigao. Em uma releitura das informaes atento acumulados, elaboramos a presente anlise, a partir da qualconstrumos uma sntese entre o nosso referencial terico e a

    realidade estudada.

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    Dizem-lhe:que o jogo e o trabalho,a realidade e a fantasia,

    a cincia e a imaginao,o cu e a terra,

    a razo e o sonho,so coisas

    que no esto juntas.

    Loris Malaguzzi

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    ESPAOS DA ESCOLA: A DESCONTINUIDADECOM A REALIDADE VIVIDA

    Sem dvida, todos os que estiverem lendo estas linhas, se no

    pelo interesse do tema, pelo simples fato de serem alfabetizadas,algumas ou muitas vezes estiveram em uma escola. No entanto, nestemomento, convidamos o leitor a entrar na escola de uma formadiferente: no com o olhar do professor cansado que chega, maisuma vez, para a sua rotina de trabalho e nada mais v alm de suasverdades prontas, mas sim do educador curioso que chega paraaprender e ensinar com cada situao da realidade.

    Alto l! Voc professor? aluno da escola? Seu filho estuda

    aqui? Identifique-se. Esta uma escola pblica. Mas que escola esta, onde portes e cadeados cerceiam a liberdade de ir e vir,determinando dois espaos distintos: o de dentro o bom, opermitido, o justo, o correto, e o defora o ruim, o perigoso, o nopermitido, o promscuo?

    Entre, v caminhando devagar com olhar de lince.

    Na parede h um cartaz com a Declarao dos Direitos dasCrianas, onde se l:

    (...) os direitos enunciados nesta declarao seroreconhecidos a todas as crianas sem exceo alguma, nemdistino ou discriminao por motivos de raa, cor, sexo,idioma, religio, opinies polticas ou de outra ndole,origem nacional ou social, posio econmica, nascimentoou outra condio seja ela prpria da criana, seja de sua

    famlia (...) A criana deve ser protegida contra as prticasque possam fomentar a discriminao racial ou de qualquer

    ndole (Annimo).

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    Percebe-se uma grande distncia entre o que est escrito nestadeclarao e as prticas concretas desenvolvidas na escola. Fala-seem proteo contra qualquer prtica discriminatria, mas as crianas

    so proibidas de se movimentarem em determinados espaos, e notm assegurado as possibilidades de porem em ao a sua prpriacorporeidade. Vejamos um exemplo:

    Uma manh estava muito fria, as crianas estavam compoucas roupas. Procuravam locais mais abrigados. O sinal jhavia tocado h uns dez minutos e a professora ainda nohavia chegado. Provavelmente, mais um dia sem aula. Ascrianas, no prdio da administrao, estavam procura de

    algum que lhes explicasse a falta da professora. Antes queas crianas falassem, uma professora da secretaria perguntou: O que vocs querem aqui? Uma criana dogrupo respondeu que estavam espera da professora.

    Imediatamente, veio uma resposta curta e seca: - Esperem l fora. Como as crianas no reagiram, a professora, comares de ofendida, insistiu - Ser que vou ter que ensinarvocs?! Esperem l fora (Annimo).

    Alm de episdios como esse, observa-se que o espaopermitido s crianas - salas de aulas identificado por nmeros, emcontraposio identificao das salas da administrao, dosdiversos setores, bem como a sala dos professores, que sonominalmente designados. Esta prtica indica o quanto a organizaodo espao escolar vai fazendo com que as crianas percam a suaprpria identidade. Enquanto os professores so nomeados; osalunos, numerados. Os nomes so substitudos por apelidos quecaricaturam os seus corpos, surgindo assim os rtulos: gordo,

    baixinho, girafa, negro, tio, carvo, ferrugem, magro... Muitasso as crianas que perdem o nome e passam a ser conhecidos spelo apelido.

    Uma professora est voltando com sua turma do refeitrio.Ao chegar porta da sala de aula, as crianas querem entrartodas ao mesmo tempo. A professora determina que faamduas filas: de um lado, os meninos; de outro, as meninas.Todas as crianas, com exceo de um menino, que grande,

    obedecem professora. Ele est bagunando; ela repreende-o: Olha o teu tamanho, no tem vergonha no meio dos

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    pequenos!? Como castigo, ela lhe destina o ltimo lugar nafila (Annimo).

    Mas o mais inquietante para o olhar do educador curioso que

    ao lado da Declarao do Direito das Crianas, h cartazes quedeterminam posturas e atitudes que as crianas devem seguir.Podemos ler nesses cartazes:

    As palavras desculpe-me, por favor, obrigado, comlicena so to lindas, que vou usar sempre.

    Que vergonha! Fui to grosseiro na aula.

    ! Ns no vamos mais brigar, s brincar.

    Vamos dar as mos? Vamos ser amigos! (Annimos).

    Os cartazes procuram transmitir s crianas uma viso demundo, que elas no experienciam no espao escolar. O primeiro e osegundo dizem que devemos ser gentis e usar palavras de cortesia;no entanto, como vimos nos exemplos acima, as professoras noprocedem dessa maneira: so grosseiras e at mesmo ofensivas nasrelaes com os alunos. J o terceiro e o quarto cartazes procurampassar umas idias de harmonia e amizade. Porm, cabe perguntar:Que harmonia possvel em um ambiente onde as crianas soconstantemente impedidas de se expressar e manifestar? Que tipo deamizade pode ser construdo entre professores e alunos se eles devemcircular por espaos distintos?

    A discriminao no se restringe ao controle do espao.Tambm as chamadas normas disciplinares no so as mesmas paraalunos e professores. Exemplos disso a norma estabelecida para ohorrio de chagada escola. H uma tolerncia de 10 minutos deatraso aps o incio das aulas. Alm deste prazo, os alunos s podementrar em aula no segundo perodo e, assim mesmo, dependendo dalicena por escrito da secretaria e da justificativa apresentada peloaluno. A mesma regra no vlida para os professores, quefreqentemente se atrasam, sem sofrer nenhum tipo de sano. Eisaqui uma pequena mostra dos desmandos vigentes em todos os nveisem nosso pas, os quais so, em grande parte, originados peloslegisladores que no se submetem s leis por eles mesmos criadas.

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    Mas a pretenso de normatizar a vida das crianas na escolano pra por a. Os professores criam normas de como os alunosdevem agir nos espaos, j restritos, que lhes so destinados.

    Quanto ao horrio de recreio, as normas da escola determinamque:

    Na escola os aluno podero demonstrar apenasmanifestaes de afeto compatveis com o ambiente,reservando as demais para os ambientes apropriados(Annimo).

    Esta norma foi criada com a inteno de proibir os namorosque estavam ocorrendo na escola. Portanto, apenas manifestaes deafeto compatveis com o ambiente. A escola no , na opinio damaioria dos professores, um local adequado s manifestaescorporais que expressam as emoes, os anseios, a vida das crianas.

    E, mais adiante, est expresso que:

    Na hora do recreio os alunos devem brincar, conversar,lanchar, rir, alegrarem-se, evitando empurres, brincadeiras

    perigosas, principalmente perto do prdio antigo que est

    muito perigoso. proibido sai das imediaes da escola nahora do recreio, sem autorizao da professoracoordenadora de turno (Annimo).

    Os procedimentos nas brincadeiras e nos jogos tambm estoregulamentados. O exemplo abaixo mostra isso:

    Os jogos de bola so permitidos apenas na cancha daescola (fora do horrio de educao fsica). Em outros locais,o professor de educao fsica ser o responsvel, com a

    turma, pelos possveis danos (Annimo).Observa-se que em todos os momentos h uma preocupao

    em determinar a corporeidade das crianas atravs da normatizaodos movimentos e dos ritmos.

    Apesar disso, o ptio vivido pelas crianas como um espaode liberdades, visto que, na sala de aula, permanecem as maiorespartes do tempo presas s cadeiras, imobilizadas, espera da ordem

    do professor para levantar-se, falar, escrever e outras.

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    Muitas vezes, as falas das professoras demonstram aincompreenso sobre o proceder das crianas. Disse a diretora umdia:

    Eu no sei por que as crianas pequenas, quando vo parao ptio, passam o tempo todo correndo e brincando(Annimo).

    Joo Batista Freire (1989, p. 36) referindo-se ao notveldesenvolvimento motor das crianas, afirma o seguinte:

    (...) o fato de que o aparelho cognitivo - responsvel pelasadaptaes ao mundo dispe, para dar conta dos problemasde adaptao, unicamente de recursos sensoriais e motores.

    No podendo resolver problemas mentalmente, a criana s pode faz-lo corporalmente. No podendo falar, tem quefazer (...).

    Evidentemente, todas essas violncias a que esto sujeitas ascrianas deixam suas conseqncias. Se por um lado, os seus corposso marcados pelos ritmos determinados pela instituio, por outro,elas tambm deixam suas marcas. Elas esto nas paredes, nos muros,nas mesas e nas portas que, cheias de rabiscos, contm mensagens

    que falam do cotidiano vivido. Outras marcas so expresses atravsde re-aes de violncia: vidros quebrados, fechaduras destrudas,cadeiras e mesas faltando pedaos.

    Estes fatos longes esto da harmonia idealizada pelos autoresdaqueles cartazes que vimos na parede quando entramos na escola.Talvez eles possam dizer algo sobre o porqu de professores e alunosdirigirem-se lentamente para as salas de aula, deixando a impressode que esto retardando ao mximo a sua chegada, enquanto que, aofinal do turno de trabalho, seus corpos se movem com rapidez edesembarao. Quando soa o ltimo sinal, muitos j deixaram aescola.

    sexta-feira, fim de tarde... Todos saem to depressa que nopercebem o cartaz amarelado pelo tempo, onde se l um pensamentode Paulo Freire que diz que:

    O educador j no apenas o que educa, mas o que,

    enquanto educa, educado, em dilogos com o educando,

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    tambm educa. Ambos, assim se tomam sujeitos aosprocessos em que crescem juntos, em que os argumentos daautoridade j no valem. Em que, para ser-se,

    fundamentalmente, se necessita de estar sendo com asliberdades e no contra elas.

    Os portes da escola se fecham com cadeados que se reabriros na segunda feira, quando reiniciam as aulas. Os espaos da escola,a quadra esportiva, que so nicas existentes na vila, permaneceminacessveis para o lazer da comunidade.

    Desnecessrio seria dizer que uma educao transformadorano se faz s com palavras revolucionrias, mas tambm com aes

    concretas e articuladas com compromisso poltico com aqueles quese educam.

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    Aprender e descobrir aquilo que voc j sabe.Fazer e demonstrar que voc sabe.

    Ensinar e lembrar aos outrosque eles sabem tanto quanto voc.

    Somos todos aprendizes fazedores,educadores, educadoras...

    Richard Bach

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    A SALA DE AULA: ESPAO DE CONTROLEDA CORPOREIDADE DAS CRIANAS

    Comecemos com um texto de Trigo (1986, p. 71) que

    apresenta uma fotografia do primeiro dia de uma criana em umaescola:

    Um dia a mame nos deixou em um porto de um prdiogrande, com muitas outras crianas, sob olhares atentos demulheres estranhas. Com choro ou no, percorremos oscorredores misteriosos e nos juntamos em um local

    predestinado anonimamente. Era a sala de aula.

    A sala de aula, que espao esse? Perguntava Morais (1986,

    p. 7) e continuava:A sala de aula: eis uma realidade que contm muitasrealidades. Talvez esteja enganado aquele que imagina estarclaro para os educadores e professores o sentido desta coisacom a qual lidam todos os dias: a sala de aula.

    No captulo anterior, vimos, de passagem, as salas de aula -numerada - e afirmamos que, apesar de todas as restries, o ptioera ainda um espao de liberdade para as crianas. E, realmente,

    pudemos perceber isso ao longo de nossas trinta e seis observaesem uma turma de 1 srie do 1 grau, pois sempre que a professoraqueria ser imediatamente atendida, ameaava:

    Entrem na fila l fora, sem correria. Quem correr vai ficar nasala de aula fazendo os temas.

    Se voc continuar se comportando assim, na hora daeducao fsica tu vais ficar aqui na aula fazendo os temas(Annimos).

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    Agora, convidamos o leitor a entrar conosco neste estranhoespao - lugar das coisas srias, do no, do s depois... -que ocotidiano inevitvel nos faz parecer corriqueiro, sem novidades, e

    que , para as crianas, um lugar onde sempre a mesma coisa outem que cpia do quadro e faz os trabalhos. Sem pretenso deesgotar a anlise dessa realidade que, como bem nos lembra Morais(1986), contm muitas realidades, abordaremos como e porque ocontrole da espontaneidade das crianas recai principalmente sobreos seus corpos.

    A sineta anuncia um novo momento. Filas se formam: de umlado, meninos; de outro, meninas. Corpo de sexos diferente no pode

    ficar perto. Novo porto, este no interior da escola, se abre.Enfileiradas, as crianas sobem as escadas, acompanhadas pelasadvertncias da professora: No corram! No saiam do lugar! No

    falem!.

    O ltimo cadeado aberto e eis a sala de aula.

    Assim como Freitas (1989), encontramos na sala de aulavrios mecanismos do controle disciplinar analisados por Foucault

    (1984): a diviso do tempo, o quadriculamento do espao, adistribuio dos corpos em fila, a constante vigilncia, as sanesnormatizadoras.

    A organizao da sala de aula foi aparentemente modificada,passando das filas de carteiras a classes aglutinadas, de tal formaque, sentando-se em crculo, as crianas se dispem como setrabalhassem em grupo. No entanto, a idia de que algo mudou noresiste alm da primeira impresso, pois as relaes sociais

    estabelecidas na sala de aula no se alterariam em sua essncia. Cadaaluno possui um lugar e um grupo fixos, determinados pelaprofessora. Os critrios de disposio das crianas prolongam asdiscriminaes existentes em nossa sociedade: as brancas separadasdas pretas; as crianas do morro no andam com as da vila. Emboraas crianas estejam divididas especialmente em grupos, o trabalhocoletivo no existe. At mesmo a ajuda mtua entre as crianas no permitida, como fica evidenciado no exemplo abaixo:

    Cuida do teu nariz, seno ele cresce (Annimo).

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    Quando as crianas saem dos seus lugares, a professora, svezes de maneira sutil, outras, veemente, chama a ateno para queelas permaneam sentadas. Um das formas de controle observadas se

    constata pelo seguinte episdio:Uma criana est caminhando pela sala. A professora

    pergunta elevando a voz: J fizeste o tema?! Se a crianaresponder que fez, ela ento diz: Me traz aqui para eu ver.Se responder que no, ela diz: Ento senta para fazer(Annimo).

    Olhem aqui outra maneira utilizada para chamar a atenodas crianas que esto se distraindo com atividade como: brincar,

    movimentar-se pela sala, conversar. A corporeidade da professoraaltera-se: seu olhar torna-se insistente, o rosto contrai-se, a voz passada fala clama para os gritos:

    Olha aqui! No grita!(Annimo).

    Na sala de aula, a mesa da professora est em uma posioespacial, de tal forma que, atravs de um nico olhar, ela possamanter o controle de todas as crianas. Este o olhar do aparelhodisciplinar, descrito por Faulcault (1984, p. 156) que diz:

    (...) olho perfeito a que nada escapa e centro aos quaistodos os olhares convergem.

    Outra expresso, tambm muito usada pela professora paracontrolar a espontaneidade das crianas, : Agora no, s depois. Odepois, geralmente, no acontece, porque no h tempo. O presente sempre jogado para o futuro. A prioridade sempre dada s tarefasescolares, e aquilo que as crianas querem realizar

    permanentemente postergado:Gente! Olhem aqui! Primeiro faam o tema para depoisconversar (Annimo).

    A escola leva as crianas a controlarem seus desejos,impondo-lhes outros, que nunca o presente, o agora, mas algumacoisa que acontecer no futuro, o depois. Existir forma mais eficazde transformar crianas impulsivas em alunos dceis e obedientes?

    Escrevo para poder passar.

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    .

    Estudo para quando crescer ensinar de professor.

    Aprendo para passar, para quando ser grande, ser algum.(Annimos).

    Mas quais seriam os genunos desejos das crianas?

    As crianas, na sala de aula, enquanto realizam as tarefasescolares, falam de seu cotidiano, de suas brincadeiras. Poucas vezesse referem ao que esto fazendo; pelo contrrio, geralmente, contamo que fez no dia anterior ou planejam o que faro aps sarem daescola. O brincar est no centro de seus desejos. Sempre que podem,

    transformam uma situao da sala de aula em brincadeira. Nassacolas e nos bolsos carregam pequenos brinquedos... Alm disso,elas criam comportamentos de resistncia ao controle da professora.Um deles pedir para ir ao banheiro ainda que sob reclamos dela:Por que no foram antes?. lgico que as crianas querem selevantar, caminhar, brincar. Quando saem da sala de aula eles ficambrincando de escorregar no corrimo da escada. Em outras palavras,podemos dizer que o brincar a atividade que, para a criana, tem

    significao, a tal ponto que um menino chegou a dizer:Na escola fico sem faz nada, s escrevo. Para ser melhorteria que escrever e brincar de escrever em aula, depois eu ia

    para o recreio (Annimo).

    Assim, o ato de escrever est to distante de seu mundoinfantil que eqivale a nada fazer. Com isso no estamos querendodizer que a escola no deva ensinar as crianas a escrever e deix-lasem seu mundo do faz-de-conta. O que estranhamos - e nos

    perguntamos por qu - a forma como a escola introduz as tarefasescolares na vida da criana. Nas salas de aula, a brincadeira noentra; o lugar das coisas srias. No que diz respeito especialmente escrita, vemos a criana, quando fora da escola, rabiscando nopapel, riscando o cho com gravetos, pedras, etc. - riscos e rabiscoscheios de significados; na sala em que so propostos exercciosmecnicos e repetitivos de traar sobre linhas pontilhadas que nolhe dizem nada. So os chamados exerccios preparatrios. Mas

    preparatrios para que? Certamente no para aprender a ler e

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    escrever, sobretudo tendo em vista as pginas e pginas escritas pordiversos autores a respeito do assunto, onde afirmam que no otreinamento de habilidades que levam as crianas a assimilarem esse

    objeto social, que a lngua escrita. Ferreiro (1989, p. 75) uma dasautoras que defende que:

    (...) as crianas devem resolver srios problemas conceituais para chegarem a compreender quais so as caractersticasda lngua que a escrita alfabtica representa e de quemaneira apresenta estas caractersticas. A repetio ememorizao tm pouco ou nada a ver com a superaodestas dificuldades.

    Pelo contrrio, autores como Vigotsky (1989, p. 124-5), porexemplo, nos relata brincadeiras onde os objetos so transformadosem smbolos de outras crianas, atividade fundamental paraaquisio da lngua escrita.

    Num outro jogo, pegamos o relgio e, de acordo com novosprocedimentos, explicamos: Agora isto uma padaria. Umacriana imediatamente pegou uma caneta e, colocando-a

    atravessada sobre o relgio, dividindo-o em duas metades,disse: Tudo bem, esta a farmcia e esta a padaria. Ovelho significado tornou-se assim independente e funcionoucomo uma condio para o novo(...) Assim, um objetoadquire uma funo de signo, com uma histria prpria aolongo do desenvolvimento, tornando-se, dessa fase,independente dos gestos das crianas. Isso representa umsimbolismo de segunda ordem e, como ele se desenvolve nobrinquedo, consideramos a brincadeira do faz-de-conta como

    um dos grandes contribuidores para o desenvolvimento dalinguagem escrita - que um sistema de simbolismo desegunda ordem.

    As observaes na sala de aula respaldam a opinio dessesautores:

    Um dia as crianas se opunham a escrever e copiar doquadro, ao passo que, quando foram para o ptio, com

    pedaos de giz, escreveram e desenharam durante longotempo as mais variadas formas de mensagens (Annimo).

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    Conforme vimos anteriormente, segundo Foucault (1984) eGuimares (1985) a escola, na sociedade capitalista, possui como umdos objetivos controlarem o corpo das crianas da classe

    trabalhadora, de maneira sistemtica, impondo-lhes uma variedadede comportamentos que futuramente serviro de sustentculo aosistema de produo. Assim, ao chegarem escola, as crianas socondicionadas a obedecerem ao toque da sineta. hora de iniciar aproduo. Na sala de aula, os seus corpos passam a ser imobilizados,ficando longo tempo presos s cadeiras, tal qual o operrio fica preso sua mquina. Freire (1989, p. 12) com muita prioridade nos d aexata dimenso da violncia que isso significa:

    Da para imaginar o que representa para uma criana, que passou sete anos se movimentando, ser subitamenteamarrada e amordaada para, como se diz, aprender oque , para ela, uma linguagem, s vezes, totalmenteestranha? A linguagem da imobilidade e do silncio? Seria omesmo que pegar um professor idoso, que h muito deixou de

    praticar atividades fsicas, a no ser as mais triviais, eobrig-los a correr por alguns quilmetros em ritmoacelerado. A violncia seria idntica. O interessante que

    ns, professores, no suportamos a mobilidade da criana,mas queremos que ela suporte nossa imobilidade.

    A escola detm a mobilidade espontnea dos alunos pararacionalizar os seus movimentos, enfatizando a produo de gestosmecnicos e estereotipados. Nesse sentido, concordamos com Silva(1987, p. 172) quando diz que a escola faz um treinamento deiniciao ao taylorismo:

    Fragmenta-se inicialmente, ao mximo, o processo detrabalho a fim de torn-lo mais rentvel para no fimrecomp-lo. Assim, por exemplo, fragmentam-se a escrita emsuas unidades mnimas, os traos, verticais, horizontais... quecompem as letras. Treinam-se mesmos at seu perfeitodomnio, para depois recomp-lo nas letras.

    A partir dessa anlise fica evidente que a educao vigente na

    sala de aula tem como base no o prazer, a alegria e as emoes da

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    descoberta, mas sim o sofrimento e a dor com que o trabalhador devese acostumar para produzir. Com o passar do tempo, essa dor esofrimento so vistos como naturais. Assim, por exemplo, vimos

    crianas que censuravam as brincadeiras, considerando preguiososaqueles que s querem brincar (Annimo). Eis aqui a origem darepresentao ideolgica - que permanece ao longo de sculos de quea criana aprende atravs do castigo. O dilogo entre a professora e oav de um aluno ilustra a atualidade disso:

    - Como est o Rodrigo?- Impossvel! S quer brincar e brigar. No faz nada!- A Senhora pode fazer qualquer coisa para ele aprender,

    pois, quando eu estava na escola, ficava de castigo ajoelhadoem gros de milho.- O senhor sabe, eu no posso bater nas crianas. Mas o seuneto teve por que puxar?- . Eu era terrvel na escola, aprontava em aula. Mas nodiga nada. Ele no sabe disso (Annimo).

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    Preciso mudar o olhar... comear a ver...Mais vale bem colocar uma questo

    do buscar solues para falsos problemas.O mundo e uma construo da linguagem...

    e saber que tantos ignoram o realtrama simblico do real.

    Morin, Poincare e Wittgenstein

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    A EXPRESSO DA CORPOREIADE NASBRINCADEIRAS, JOGOS E DESENHOS INFANTIS

    No captulo anterior, analisamos como e porque o corpo das

    crianas sistematicamente controlado na sala de aula. Neste,sairemos para o mundo alm das paredes e caminharemos sentindo ovento cortar o rosto; conseguiremos, talvez, resgatar muitasexperincias vividas em nossa infncia. Outras, a seriedade domundo adulto, provavelmente, tenha amortecido pelas obrigaesdas coisas srias, que marcam o nosso cotidiano de adultos. Aqui, ascrianas, pelas suas falas e desenhos, mostram as brincadeiras e

    jogos nos espaos da escola, de suas casas e da rua.

    Voc adulto srio, professor, mestre ou doutor, preocupadocom um mundo formalista, que se esqueceu de brincar, de semovimentar, tenha pacincia por alguns minutos. Caminhe com ascrianas, que so especialistas em brincar, jogar, desenhar e criar osseus brinquedos. Elas podem ensinar vrios desses conhecimentos...Porm, para aprender com elas, necessrio que no sejamos apenasespectadores (mas sim partcipes de suas brincadeiras) e que nofiquemos com ar de quem sabe tudo, pois, como nos lembra (Piaget,

    s.d.: 9): (...) o egocentrismo intelectual da criana constitui umsrio obstculo para quem quer conhec-la pela pura observao,sem interrog-la de forma alguma. Agora, j no existe lugar para aimobilidade das filas da sala de aula.

    A Fala das Crianas

    Neste primeiro momento, em que as crianas nos falam desuas brincadeiras e jogos, centraremos a anlise nas brincadeiras de

    pega-pega, esconde-esconde, paraltico e pular-corda, que foram as

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    atividades ldicas predominantes em nossas observaes na escola.Nosso propsito no simplesmente descrever, mas descobrir comoas crianas se organizam e aprendem suas brincadeiras, bem como

    quais os significados e conhecimentos a envolvidos.Ao olhar desatento pode parecer que as crianas no estejam

    fazendo nada. Isso natural para quem no est acostumado comelas. Entretanto, em qualquer atividade, apesar das aparncias, elasesto organizadas. Essa organizao tem incio com a prpriabrincadeira.

    - Como comea a brincadeira?- Comea com aquele que deu a idia de brincar

    (Annimo).

    Nas brincadeiras de pega-pega, esconde-esconde, paraltico,em primeiro lugar as crianas escolhem quem vai ser o pegador, obatedore quem vaiparalisarrespectivamente. H vrias frmulas deescolha, que, como diz Chateau (1987, p. 11-2).

    aqueles versinhos que se usam, no incio de umabrincadeira, atribuir os papis aos participantes. Quando sevai brincar de pegador, por exemplo, logo algum grita:Eu vou contar!. Este eu vou contar consiste em ir usandouma frmula de escolha para decidir que ser o pegador(...).

    Encontramos entre as crianas diversos desses versinhos.

    - Como tu escolhes que vai participar da brincadeira?- Eu digo: Meu-pai-man-dou-es-co-lher-es-te-da-qui.

    (Annimo).

    Neste caso, a frase pronunciada silabicamente de maneiraque cada slaba corresponde a uma criana, e naquela que recair aslaba aqui ser o pegador ou o primeiro escolhido para o jogo,assim procedendo at que se forme o grupo de crianas necessriopara brincadeira. Eis aqui um exemplo em que as crianasdemonstram o quanto sabe separar as slabas.

    Outra dessas frmulas de escolha quem deu a idia

    (Annimo) de ser o pegador, o batedorou o paralisador. Tambm

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    A CORPOREIDADE NA ESCOLA: Brincadeiras, jogos e desenhos 63

    existe o discordar, que consiste em todos os participantes, estandocom uma das mos para trs, levarem-nas simultaneamente frente,colocando um nmero qualquer de dedos. Assim prosseguir-se- at

    que fiquem dois participantes, os quais disputaro o par ou mpar.No par ou mpar, as duas crianas levam simultaneamente um dasmos frente, colocando um nmero qualquer de dedos. No ser o

    pegador, por exemplo, aquele cuja soma dos dedos coincidirem como pedido de par ou mpar.

    Tambm comum entre as crianas uma frmula de escolhaque se desenvolve atravs de um dilogo entre quem props abrincadeira e os demais participantes:

    - Meu pai fez uma casa?- Fez!- Quantos pregos ele gastou?- Dez pregos (Annimo).

    Nesse exemplo, a criana numerou os participantes at dez, eaquele que foi o nmero dez foi opegador.

    Observamos que essas frmulas de escolha exigem da criana

    conhecimentos de matemtica: contar, somar, conhecer os nmerospares e os nmeros mpares, etc.

    Segundo Chateau (1987), cada jogo ou brincadeira possui umasrie de normas que podem apresentar algumas variaes de escolapara escola, ou at variar dentro de um mesmo grupo. No entanto, ascrianas afirmam que essas regras podem ser alteradas antes deiniciar as atividades, mas jamais durante a sua realizao.

    - Tu sabes alguma brincadeira?- Eu sei pega-ajuda, escond, paraltico.- Como o pega-ajuda?- Pega-ajuda tem que brinc de peg; a quem pego tem

    que ajudar(Annimo).

    Inicialmente tivemos dificuldade para compreender comoseria, na prtica, esta brincadeira. Aps vrias crianas falarem, commuitos detalhes e algumas variaes entre as suas falas, percebemoso funcionamento dessa atividade. conhecido e praticado por ambos

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    Mrcio Xavier Bonorino Figueiredo64

    o sexo, principalmente na escola, pois como elas dizem: Para sair abrincadeira tem que ter bastante gente (Annimo).

    Com propriedade, Joo Batista Freire (1989:41) refere-se a

    uma das vantagens do pegador afirmando que:

    (...) como qualquer brinquedo, que as crianas podem seauto-regular, realizando apenas o esforo que suas condieslhes permitem. Induzidas por um adulto, fora do contextoldico, em atividades ditas srias, as crianas podemultrapassar os limites que suas regulaes prprias tendem acontrolar, correndo o risco de acidente vasculares, contusesmusculares, entre outros.

    Observamos nas brincadeiras de pega-ajuda as seguintesvariaes: o pega-ajuda simples, onde somente uma criana pega, e opega-ajuda com ajuda, conforme o prprio nome indica, onde ascrianas que so pegas passam tambm a pegar.

    A brincadeira de esconde-esconde muito apreciada pelascrianas em suas atividades ldicas, principalmente na hora dorecreio. semelhante aopega-ajuda, mas no apresenta o carter de

    cooperao acentuado desta brincadeira. Possui uma variedade deregras seguidas pelas crianas, conforme as combinaes realizadasentre elas:

    - Como a brincadeira de escond?- Um fica fechando e os outros se escondem e quandoalgum grita deu, o fechador sai a procurar. Ao enxergaralgum, grita 1, 2, 3 pelo