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O buraco negro do capitalismo Roberta Traspadini Buracos negros Para os cientistas espaciais o buraco negro se define por uma região no espaço cuja gravidade é tão intensa que nem a luz consegue escapar de sua força de sucção. Enigmático e terrivelmente instigante o buraco negro nos permite ir além do já conhecido pela ciência e seguir nas trilhas da criatividade humana sobre futuras descobertas. A terra também tem um buraco negro (capitalismo) e suas forças de sucção são tão arrasadoras que o que ele parece ter mais tempo de existência do que o real (315 anos). Suas forças são dissimuladas, manipuladoras da consciência, se baseiam na destrutiva construção humana em sua relação com a natureza e os demais seres. Apesar de profundamente estudado pelos cientistas sociais, continua polêmico sobre seus bárbaros limites humanos e naturais, uma vez que mantém sua sucção sobre os frutos do trabalho e da natureza. Tem como característica a propriedade privada dos meios de produção e transforma ações até então livres e comuns em uma liberdade condicionada para a mercantilização. O buraco negro terrestre é a força de sucção da essência da produção social apropriada de forma privada pelos detentores da riqueza capitalista; força centrípeta sobre a real igualdade social, suplantada pela desigualdade estrutural. Na atualidade, tal buraco negro intensifica seus mutiladores mecanismos de sucção. E projeta no Estado, espaço de perpetuação de seu poder, os elementos que reforçam a sucção da esfera da produção. A política do buraco negro (des)monta direitos consolidados pelas lutas à luz das necessidades claras de manutenção obscura do poder pelos reais detentores do capital mundial. O buraco negro do capitalismo nos possibilita explicar os mais de 500 anos de sucção sobre América Latina e expõe o

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O buraco negro do capitalismo

Roberta Traspadini

Buracos negros

Para os cientistas espaciais o buraco negro se define por uma região no espaço cuja gravidade é tão intensa que nem a luz consegue escapar de sua força de sucção. Enigmático e terrivelmente instigante o buraco negro nos permite ir além do já conhecido pela ciência e seguir nas trilhas da criatividade humana sobre futuras descobertas.

A terra também tem um buraco negro (capitalismo) e suas forças de sucção são tão arrasadoras que o que ele parece ter mais tempo de existência do que o real (315 anos). Suas forças são dissimuladas, manipuladoras da consciência, se baseiam na destrutiva construção humana em sua relação com a natureza e os demais seres. Apesar de profundamente estudado pelos cientistas sociais, continua polêmico sobre seus bárbaros limites humanos e naturais, uma vez que mantém sua sucção sobre os frutos do trabalho e da natureza. Tem como característica a propriedade privada dos meios de produção e transforma ações até então livres e comuns em uma liberdade condicionada para a mercantilização.

O buraco negro terrestre é a força de sucção da essência da produção social apropriada de forma privada pelos detentores da riqueza capitalista; força centrípeta sobre a real igualdade social, suplantada pela desigualdade estrutural.

Na atualidade, tal buraco negro intensifica seus mutiladores mecanismos de sucção. E projeta no Estado, espaço de perpetuação de seu poder, os elementos que reforçam a sucção da esfera da produção. A política do buraco negro (des)monta direitos consolidados pelas lutas à luz das necessidades claras de manutenção obscura do poder pelos reais detentores do capital mundial.

O buraco negro do capitalismo nos possibilita explicar os mais de 500 anos de sucção sobre América Latina e expõe o porquê da riqueza popular e natural, resultar em pobreza econômica e social. O continente latino tem sido um dos cenários de maior sangria social. Sua fragilidade advém de sua força; seus tristes corpos adoecem fruto da sucção alheia; suas crianças sonham com apenas sobreviver enquanto parte expressiva dos representantes políticos “democraticamente” eleitos, sentam para sua cotidiana santa ceia às custas do sangue latino.

O relatório da PNUD-2014 evidencia que 12% da população mundial passa fome crônica e 15% está vulnerável às várias formas de pobreza. Um bilhão e meio de pessoas vive com menos de U$1,25 dólares/dia, e 50% com até US$2,50 dólares/dia. São 50 milhões de trabalhadores que ganham menos de US$ 1,50 dólares/dias e 25 milhões ganham menos de US$1,25 dólares/dia. O buraco negro puxa para o Norte e agride o território do Sul através de suas formas-conteúdos de sucção das belezas/riquezas encontradas nos trópicos.

Para além do buraco negro

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As lutas dos povos latinos e do mundo foram nos últimos 515 anos determinadas pelas desumanas guerras orquestradas para as sucções do capital sobre o território latino. A trajetória histórica violenta de sucção os limites de se disputar direitos sem se construir novos projetos societários, dada a condição dominante do capital de reverter as leis e projetar as idéias dominantes.

A luta por direitos protagonizada pelos povos tem perdido força porque a sucção do capital sobre o trabalho é muito maior. A fragilidade das lutas é o reverso da moeda da força do capital sobre elas. As armas da classe dominante possuem poder destrutivo massivo contra os povos.

O que de fato está em xeque é o projeto de sociedade, a consolidação de outra ordem que não a do progresso instituído pelos mentores do buraco negro do capital. Lutar por reformas - agrária, urbana, educativa e política -, exige revisitar o porquê de ditas lutas, demarcadas as mesmas pelo tipo de sociedade que se projeta no horizonte futuro, possível e realizável. Enquanto as lutas sociais estiverem centradas na disputa com o Estado do capital, por direitos, seu horizonte tende a ser a sucção já que sua força vai ser majoritariamente, despendida nisto. Legítimo mas insuficiente. Em tempos de crise como o atual, é necessário ressignificar o debate sobre tático-estratégico, tamanho o poder de sucção do capital sobre o trabalho e a terra.

Para além do buraco negro do capital, há a criatividade coletiva dos trabalhadores do campo e da cidade, na América Latina e no mundo. É hora de recompor a tarefa coletiva de pensar sobre o que fazer frente ao que se tem e rumo ao que se necessita construir. É passada a hora de organizar coletivamente outro projeto (Inter)nacional e popular.

A ciência ao criar respostas para determinados problemas, abre novas perguntas com base em novos pontos de partida. Como a política, a ciência e a vida cotidiana são espaços de disputa. Tais espaços exigem uma releitura substantiva sobre os vários buracos negros existentes e a condição concreta dos seres sociais entenderem os limites e possibilidades de sua ação criativa sobre a vida. É hora de contrarrestar a sucção com razão e sensibilidade postas em movimento para além do capital. O caminho é o socialismo, única força centrífuga capaz de superar o buraco negro do capitalismo.