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Cá entre Nós 4ª EDIÇÃO - CAMPINAS, DEZ-2018|FEV-2019
Editorial
Colegas,
Conseguimos atingir a nossa meta
de quatro edições do Cá entre Nós
por ano. Viva! Foi um tempo de
aprendizado, de muitas surpresas,
alegrias, esforços envidados para
que mais este sonho do LEPED se
concretizasse.
Cada edição teve seus artigos
cuidadosa e carinhosamente
escritos, ilustrados, diagramados,
levando aos leitores nossas
contribuições em favor de uma
educação para todos.
Queremos agradecer a todos os que
participaram com tanta dedicação
da elaboração de cada edição e
continuar contando com esses e
outros novos colaboradores.
Porque assunto não nos falta,
quando se pensa e se estuda a
escola, em toda a sua complexidade
e possibilidades. Vamos em frente,
compartilhando o que sabemos e
somos capazes de fazer para tornar
realidade o que sonhamos para
nossas crianças e jovens, dentro e
fora de nossas
escolas. Conheçam o nosso site,
enviem-nos suas apreciações com
toda sinceridade, pois, Cá entre
Nós, esta é a melhor maneira de
convivermos e crescermos juntos.
O Editor.
O que está em jogo na
revisão da política de
educação inclusiva?
Marta Avancini
Em 2006, minha filha nasceu com
síndrome de Down e desde seu
nascimento não tive dúvida de que
ela estudaria numa escola comum.
Esta não era uma questão que se
colocava naquele contexto, em que
o rumo natural para uma criança
com deficiência (intelectual ou
outra) era a sala de aula comum.
Neste também foi o ano em que a
Organização das Nações Unidas
(ONU) aprovou a Convenção sobre
os Direitos das Pessoas com
Deficiência, ratificada pelo Brasil
dois anos mais tarde, o que lhe
garantiu status de lei no país. Em
sincronia com esse movimento, em
2008 foi implementada a Política
Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva
(PNEEPEI), a qual se alinha com as
disposições da Convenção da ONU
sobre o direito à educaçãoi.
A PNEEPEI foi desenhada tendo
em vista assegurar o direito à
educação das pessoas com
deficiência no ensino comum, em
consonância - além da Convenção -
com a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) e a
Constituição federal.
Foto: Antônio Scarpinetti / SEC-Unicamp
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Edição trimestral
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Passados dez anos, está na ordem
do dia a revisão da PNEEPEI, sob
o argumento de que é preciso
“reverter as fragilidades ainda
presentes e garantir que os
serviços e recursos da educação
especial sejam efetivos no
ambiente educacional”,
propiciando além do acesso, a
participação e a aprendizagem dos
estudantesii.
Essa necessidade, segundo os
defensores da atualização,
justifica-se, entre outros fatores,
pelo baixo nível de acesso dos
alunos que compõem o chamado
público-alvo da educação especial
ao Atendimento Educacional
Especializado (AEE), concebido
para apoiar as atividades
desenvolvidas na sala de aula
comum: 37,6% das 897 mil
matrículas dessas pessoas em salas
comuns. Somam-se a ele, as
elevadas taxas de repetência e
evasão em comparação aos demais
estudantes.
Os indicadores, extraídos do Censo
Escolar, funcionam como evidência
de que a PNEEPEI não estaria
cumprindo sua principal atribuição:
assegurar o direito à educação de
seu público-alvo, já que as taxas de
insucesso desses alunos são
elevadas. Atestariam, portanto, o
baixo nível de eficiência da política
e justificariam a ampliação do o
espaço para as escolas e classes
especiais, conforme previsto no
novo ordenamento em discussão, a
Política Nacional de Educação
Especial.
O argumento, que parece lógico e
fundamentado remete, contudo, a
determinada visão de escola, de
aprendizagem e, por fim, de
sociedade.
Uma visão que vai na contramão
daquela que prevalecia 12 anos
atrás, quando minha filha nasceu: se
naquela época, o horizonte era a
inclusão – entendida como
reconhecimento e incorporação das
diferenças às dinâmicas sociais –, o
novo ordenamento da “educação
especial” tende a reforçar as
identidades e a tratá-las em suas
especificidades, fortalecendo o
campo de atuação de especialistas,
supostamente mais habilitados para
lidar com as deficiências (em salas
e classes especiais, entre outros
espaços) do que os professores das
salas de aula comum.
A proposta de nova política
certamente colabora para apaziguar
as tensões geradas pela chegada de
crianças e adolescentes com
deficiência nas escolas comuns,
pois a presença, numa sala de aula,
de um aluno autista, cego ou com
qualquer outra deficiência leva,
necessariamente, ao rearranjo das
dinâmicas e relações que se dão
nela.
Não por causa da suposta
“incapacidade” desses estudantes
se adequarem ao funcionamento de
uma sala de aula. Embora pareça ser
este o processo, na verdade, os
alunos com deficiência funcionam
como espelhos da falência de um
tipo de educação que persiste:
aquela que mede a aprendizagem
pelo desempenho do estudante em
testes. Nessa medida revelam a
incapacidade desse modelo de
escola enxergar e lidar com a
diferença – a qual faz parte da
escola, a despeito dos alunos com
deficiência, e continuará existindo
como potência de vida e de uma
sociedade mais solidária e criativa,
apesar das salas e classes especiais.
Ainda há 12 milhões
de brasileirxs que não
sabem ler Pedro Busch
Mesmo quem não sabe ler palavras
sabe ouvir, observar e, portanto,
tem algo a ensinar. O que digo é
muito velho e não poderia dizer
melhor que o patrono de nossa
educação. Mas, que patrono é esse
que nunca teve suas ideias aplicadas
na Escola Nacional? Fora do país
acorreram muitas reinvenções da
didática revolucionária Paulo-
Freiriana, enquanto que aqui,
tirando a experiência muito bem-
sucedida empreendida pelo próprio
com camponeses no Rio Grande do
Norte [40 horas de Angicos] e
outros casos esparsos. Paulo Freire
é nome de biblioteca, diretório
acadêmico e vai ser lido por quem
conseguir ingressar no Ensino.
A questão é ainda mais profunda,
pois, o escasso acesso ao “grau mais
alto de saber” está intimamente
ligado ao problema do
analfabetismo.
As Universidades são consideradas
o nível mais alto de excelência em
conhecimento (sua denominação:
ensino superior), uma vez que a
Educação Brasileira é concebida
não como uma linha evolutiva ou
Numa sala de aula, os alunos com
deficiência funcionam como
espelhos da falência de um tipo de
educação que persiste: aquela que
mede a aprendizagem pelo
desempenho do estudante em
testes.
Imagem: Fantasmagoria, 1987 - Iberê Camargo
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Edição trimestral
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um diálogo aberto com o
conhecimento, mas uma escada
ascendente. Rumo às alturas. As
alturas da ignorância, só se for! Não
percebem que o conhecimento é
uma maneira circular de propagar a
cultura e não uma imposição
sistemática de níveis e progressões
matematicamente estipuladas? Não
percebem que, se não for construído
um ensino fundamental, de maneira
fundamental, a universidade nunca
será superior?
A questão é puramente de
princípios e, por isto mesmo,
acontece de ser tão difícil subverter
a questão, tanto em termos
filosóficos quanto empíricos. É que
lógica dos modos de produção
propaga a pressa como verdade
diária. Tudo acontece rápido
demais. E por conta desse
imediatismo, dessa pressa, dessa
inquietude existencial mal
resolvida, tenta-se resolver, e isso
numa perspectiva tanto
institucional, quanto social. Os
problemas tapando o sol com uma
peneira. Tentam solucionar
questões estruturais sanando com
violência ou ignorância seus
resultados finais, suas conclusões.
Como há de se perceber, faz tudo
parte de uma lógica social, uma
filosofia que guia os modos de
expressão tanto em escala
particular, em nível de indivíduo,
quanto em escala abrangente, em
nível social, de modo que pensar de
forma livre é negar essa “carga”
conhecida pelo costume e pela
socialização, que é a ideologia das
classes dominantes, e isto, em
termos do processo de conhecer, é o
equivalente a quebrar a noção de
hierarquia no ensino. É quebrar,
inclusive, a noção de que o
conhecimento só deve ser feito
dentro de uma sala fechada, com
mesas postas em fila, de forma
geométrica. É criticar o
conhecimento e então criticar a
crítica por meio da consciência do
conhecimento.
Não necessariamente haverão
conclusões, mas, haverá, então,
construção de conhecimento. Esse
processo incansável, interminável e
sempre frutífero que demanda um
esforço cotidiano. Conforme disse
Paulo Freire: a liberdade, que é
uma conquista, e não uma doação,
exige permanente busca, e ainda: as
consciências não são comunicantes
porque se comunicam, mas,
comunicam-se, porque,
comunicantes. (Pedagogia do
Oprimido, 1968). Em uma
perspectiva aberta da educação
nacional, em uma abordagem
comunitária da vida, deve-se buscar
em diálogo com os cidadãos e
cidadãs analfabetos, marginais e
oprimidos sem Educação, aquilo
que faz parte de seu mundo próprio,
de sua experiência vital e, a partir
dessa matriz material do
pensamento, ajudá-los a despertar a
consciência, primeiro da existência,
por conseguinte da História e,
então, da consciência de si na
história, ou seja, do tempo. E o
tempo é ação, é movimento.
Movimento guiado em motivações,
justificativas, sendo que cada
palavra dita carrega uma
significação atinada com alguma
significante. Ora, busca-se a
liberdade, deve-se encarar o mundo
segundo a sua visão, a sua
linguagem, conforme nos diz nosso
patrono: Aprender a dizer a sua
palavra é toda a pedagogia, e
também toda a antropologia.
(Pedagogia do Oprimido, 1968)
A Virgem Velada: - a
escola pode ajudar os
alunos a admirá-la?
Ayeres Brandão
Estamos no final do inverno. O sol
parece cochilar. Ruas viram rios,
nuvens escurecem o mundo. Chove
uma chuva preguiçosa, mas,
constante.
Difícil os pais levarem seus filhos
para a escola dos bairros. Criança
gosta de sol, de vento, de cores;
correr, pular com um pé só.
Emburra-se de ficar na janela, sem
poder sair, adivinhando quantos
carros passam pela rua. Por mais
que muitos autores joguem pedra na
Escola, não há quem não se lembre
dos recreios, dos jogos de bola, das
novidades do dia a dia, de conversar
com aos amigos.
Ver essa chuva mesmo que anêmica
caindo sobre as plantas, assegura-
nos o crescer dos galhos, a
promessa das flores. A primavera
começa a se espreguiçar e pouco a
pouco vai acordando colorida. Ela
boceja, se hidrata. Mostra sua face
e aparece com os pássaros
migrando em revoada.
Visitando uma sala de aula, a
professora frente a sua classe, pede
aos alunos que contemplem uma
escultura. Na verdade, são duas
cópias de uma escultura, presas às
paredes da sala. Os olhares das
crianças são atraídos por elas.
Tentam chegar mais próximas, pois
não basta olhar: querem captar as
reentrâncias táteis das esculturas,
mesmo que impossível no papel.
Têm um olhar curioso, tudo as
surpreende. É um olhar e várias
descobertas.
As crianças, após o impacto,
começam a perguntar como foram
feitas as esculturas, de que material,
se o véu foi colocado depois do
busto pronto ou não.
É criticar o conhecimento e,
então, criticar a crítica por
meio da consciência do
conhecimento.
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Edição trimestral
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Relatam suas experiências em fazer
esculturas na areia, de massinha,
argila, na neve, no papel:
representando pessoas, coisas,
animais, em relevo, em várias
dimensões.
Muitas crianças revelam ter
construído túneis, castelos, na areia,
até que uma próxima onda forte,
destruía o que fizeram com areia.
Comumente tiravam uma foto,
antes que desaparecessem. Quem
mora em região de nevasca diz
fazer bonecos que desmancham
com o primeiro calor do sol.
Em certas épocas, em São Paulo,
diz um menino, encontramos vacas
esculpidas e coloridas de espaços
em espaços em determinadas
avenidas da cidade. No começo
todo mundo, parava para admirá-
las, hoje já habituados nos detemos
menos. São tão bonitas e bem-feitas
que se espera que em instantes irão
mugir ou balançar os rabos! ”
A arte é uma oferenda a todos.
Qualquer pessoa pode admirar estas
figuras, mesmo que não saibam que
constituem fotos de dois ângulos da
Virgem Velada de Giovanni
Strazza (1815-1878), que é uma
obra prima na arte de esculpir.
Talhada em Mármore de Carrara
pelo escultor italiano, retrata o
busto da Virgem Maria sob um véu.
A peça não teve adições de
material, ou seja, foi esculpida em
uma peça única, por abstrações.
Como foram criadas estas
estatuetas, uma vez que busto, rosto
e véu são uma peça só.? Do que é
feito o véu? Ele a tornou invisível
ou mais visível, explícita, mais
clara, iluminada? Ver uma
escultura assim, pode ser uma
experiência mágica. É o véu, um
complemento da Virgem, é para se
escondê-la ou ele a torna mais
sedutora?
É uma obra de arte, única, delicada.
Convida você para dançar de mãos
dadas pelas ruas do sonho.
De muitos textos que já li, nenhum
me parece mais significativo para
falar de arte, que aquele do escritor
uruguaio Eduardo Galeano, quando
Diego que ainda desconhecia o mar,
diante da imensidão das águas,
mudo de beleza, pede ao pai
Santiago Kovadloff “me ajude a
olhar”.
Não seria essa uma das funções da
escola? Sem dúvida, se pede
sempre, desde a sua origem, que a
escola desenvolva integralmente a
criança, em todos os seus aspectos,
para que se torne mais humana.
A arte ensina a sentir e a ver. Educa
para tornar-se si mesmo. Nos faz
ver algo que antes não existia,
acrescentado pelo sujeito que vê.
As crianças, quando vistas de perto,
se revelam incomuns, originais e
únicas. Incentivar a sentir, deixar-se
ser tomada pela emoção e sorvê-la,
as humaniza, assim como deixar-se
tomar inteiramente pelo amor,
fruindo em muitas dimensões.
Pena que a arte seja algo tão pouco
valorizada na escola. Ainda são
poucas as escolas que favorecem
que as crianças desenhem, criem
sem copiá-los; não são obrigadas a
pintar desenho pronto. Os desenhos
livres das crianças tão únicos e
originais não estão nas paredes das
escolas; o que se vê são traços dos
seus professores ou ainda moldes
pintados das revistas de Maurício
de Souza.
A que questões a arte nos
responde? Somos tomados pelo
arquétipo da paixão como diria
Jung, atirados à terra do
encantamento. A arte ajuda o ser
humano a entrar em contato com
sua fragilidade, permitir-se ter
medo, ser bobo e ao mesmo tempo
sábio. A fragilidade é uma âncora
que nos segura vivos. Ajuda a
avaliar a vida de uma nova
perspectiva estética. Fazer da vida
de cada um de nós, como queria
Foucault, uma arte singular, uma
obra de arte.
Li um livro interessante, cujo autor
narra que as crianças que viviam em
uma determinada instituição
escolar, eram incentivadas a
expressar muitas linguagens
artísticas: desenhar, escrever, criar
objetos, fazer artes. Suas produções
eram consideradas vestígios de suas
almas.
Na aula, com que olhos, os alunos
admiram e se encantam com a
Imagem: A Virgem Velada
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Edição trimestral
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Virgem Velada? Por certo são com
os olhos da alma, da imaginação,
vêm a harmonia, a expressão, a
delicadeza dos traços, o sagrado...
Ante a alegria e o êxtase pela
beleza, a ternura jorra
efusivamente: -“A Virgem Velada,
como é linda, diz um aluno, vamos
juntos admirá-la?.
O Atendimento
Educacional
Especializado e os
Sentidos da Diferença
na Escola
Rosângela Machado
O Atendimento Educacional
Especializado – AEE, como parte
da Educação Especial na
perspectiva da Educação Inclusiva,
não é fácil de ser compreendido
devido às barreiras que se impõem
em função de velhos conceitos e
práticas que se formaram ao longo
dos tempos e, principalmente, do
sentido que é atribuído à diferença.
Ele tem como finalidade
desconstruir a ideia de que a
diferença é reduzida a identidades
fechadas, que limitam o estudante à
sua deficiência e à concepção de um
serviço especializado para os
estudantes que são marcados como
aqueles que apresentam um
desempenho acadêmico que não
atende ao esperado pela sala de aula
comum.
Nessa perspectiva, o AEE vai além
do atendimento individualizado no
contraturno do horário escolar de
um estudante. Suas ações têm como
base o estudo de caso, considerando
o contexto de vida de cada
estudante, buscando informações
provindas da família, da escola e de
outros profissionais envolvidos,
identificando dificuldades,
possibilidades e potencialidades.
Cada estudante, considerado único,
requer um plano de atendimento
educacional especializado que
inclui objetivos desde a orientação
a família e toda equipe da escola; a
produção de materiais e recursos
acessíveis; a realização de
atendimentos individualizados; a
interlocução com outras áreas do
conhecimento; o envolvimento com
políticas intersetoriais, entre tantas
outras ações. É imprescindível
conhecer o estudante com
deficiência em sua interação com o
ambiente escolar, em suas
experiências, em suas relações
humanas; e, acima de tudo, colocar
em evidência que ele não vive a sua
deficiência do mesmo modo que
outro estudante com a mesma
deficiência.
Cada estudante com deficiência tem
formas diferentes de se constituir,
fato que contraria o que se teoriza e
define sobre ele. A diferença se
diferencia infinitamente e a
deficiência não pode ser vista como
ponto de partida e de chegada para
o atendimento.
O professor do AEE, assim, não é
centrado na deficiência como único
referencial para conhecer o
estudante. Ele não é um especialista
em uma determinada deficiência;
ele está aberto ao atendimento de
todos os estudantes que constituem
o público-alvo da Educação
Especial e que necessitam de
recursos, estratégias, materiais,
equipamentos, serviços que
promovem acessibilidade e
participação na escola comum. Seu
objetivo é encontrar a criança, o
estudante, identificar seus desejos,
suas experiências, suas
potencialidades, compreendendo os
sistemas de significação e
representação nos quais ela está
inserida.
Na concepção dos serviços do AEE,
a deficiência sai do viés de
categoria em si, do laudo e do
parecer como únicas fontes para
conhecer o estudante, sem ignorar a
deficiência e suas características; e
vai além, porque supera a visão de
homogeneidade que encerra, por
exemplo, crianças com deficiência
intelectual em uma forma de
agrupamento marcado por uma
definição que a enquadra.
É nessa perspectiva que o AEE é
um serviço que promove o diálogo
entre gestores e professores, para
que se envolvam em mudanças
gerais na escola. O AEE institui
uma prática de conversação e de
aproximação com/do outro de
modo que se reconheça que a
diferença não representa um
discurso racional sobre o outro e de
entender que o contexto e as
situações mudam, que as crianças
com deficiência têm, cada uma,
suas próprias histórias. Elas são
impossíveis de ser enquadradas em
sistemas binários: criança com e
criança sem deficiência.
Concomitância
Eliane de Souza Ramos
O trabalho me encanta desde muito
jovem. Intensa e às vezes obstinada,
quando uma questão me perturba
não sossego até encontrar uma
resposta.
Nos encontros e acasos da vida uma
concomitância se evidenciou. A
cada passo dado vou
compreendendo que essa
coexistência indivisa na qual eu
vivo, é o que produz essa
concomitância.
Assessorando a rede municipal de
Educação de Amparo/SP,
Cada estudante com
deficiência tem formas
diferentes de se constituir, fato
que contraria o que se teoriza
e define sobre ele.
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Edição trimestral
6
desconfiei dos textos que
sentenciavam os alunos com surdez
enquanto pessoas que leriam e
escreveriam mal na Língua
Portuguesa.
Quando me reunia mensalmente
com as professoras comuns e do
Atendimento Educacional
Especializado (AEE), que
trabalhavam com alunos que têm
surdez, os relatos sobre a
capacidade cognitiva, de linguagem
e de interação social sobre cada um
desses alunos, preenchiam o meu
pensamento com novas
possibilidades de ensino. Cada um
dos alunos surdos eram ativos e
capazes cognitivamente! Por que
eles não se alfabetizavam na Língua
Portuguesa?
Nestes últimos 12 anos tenho
buscado diariamente uma resposta
para essa pergunta. Eu não duvidei
que um a um dos alunos com surdez
dessa rede poderia se alfabetizar,
mas intuí que os caminhos para que
a alfabetização se tornasse
acessível, não seriam fáceis.
Foi no estudo de cada caso,
conectando os impedimentos de
natureza biológica, no caso um
aparelho auditivo inoperante na
escuta dos sons da fala, e os
impedimentos de natureza social,
logo, aqueles impedimentos que
tornavam a pauta sonora do
ambiente escolar inacessível aos
alunos com surdez, que um ensino
inclusivo foi sendo construído.
Dialogando, analisando a prática
docente, numa dinâmica
democrática, colaborativa, e nem
por isso desprovida de
discordâncias, desconfortos e
estranhamentos, cada um dos
alunos com surdez foi
disponibilizando dados que iam
ensinando a mim e às professoras
com as quais eu trabalhava sobre
como agir, a fim de tornar a pauta
sonora do meio escolar acessível.
Eu percebia que os alunos com
surdez se conectavam e se
desconectavam da Língua
Brasileira de Sinais (Libras) e da
Língua Portuguesa falada e escrita,
quando lhes interessava. Sabia
também que eles não ouviam a fala,
porém, compreendi que esses
alunos surdos poderiam entender o
que é a fala e conceituá-la. Com
isso passei a defender que não
seriam as professoras do ensino
comum, regente e de Libras,
tampouco a professora do AEE, que
definiriam qual seria a primeira
língua e qual seria a segunda língua
a ser adquirida por cada um dos
alunos com surdez. Se os olhos, os
ouvidos, a sensibilidade e a
percepção são periféricos, centrais
e também cognitivos, e operam
concomitantemente, o ensino
deveria corresponder a esse
dinamismo criador local, particular,
que habita o interior de cada aluno,
surdo e ouvinte.
No ensino comum, a professora de
Libras não era uma tradutora e
intérprete. Ela atuava em parceria
com a professora regente, que
desconhecia a Libras, a fim de que
as particularidades dessa língua
fossem incorporadas à cada
atividade realizada com a turma
toda, criando um ambiente no qual
todas as crianças tinham a
oportunidade de aprender as duas
línguas, concomitantemente,
conforme as investigavam, pois
desejavam se comunicar e criar
conhecimentos pelas mesmas.
Lembro que as barreiras
comunicacionais e atitudinais não
são naturais, elas são criações
culturais e sociais que podem forjar
a capacidade de se desenvolver,
interagindo com pessoas e objetos,
que é própria dos seres humanos.
Certo aluno com surdez vem me
ensinando muito nestes tantos anos
de trabalho. Ele adquiriu a Libras,
compreendeu o que é a fala e a
escrita na Língua Portuguesa, e
construiu uma consciência ímpar
sobre as nuances dessas duas
línguas. Ele “passeia” pela Libras e
pela Língua Portuguesa e coloca em
xeque aquela quase “verdade
inquestionável” de que uma pessoa
com surdez lerá e escreverá mal.
Ele se alfabetizou. Ele aprendeu a
falar na Língua Portuguesa quando
começou a ler e a escrever.
Ele me presenteou com o seu
desenvolvimento, suas
aprendizagens e sua plena
Imagem: “Fábrica de trilhos de trem no Brasil”
Ele se alfabetizou. Ele
aprendeu a falar na
Língua Portuguesa
quando começou a ler e a
escrever
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Edição trimestral
7
participação nas atividades em uma
escola comum, bilíngue, acessível e
inclusiva.
Essa amável criança é um dos casos
que estudei no doutorado intitulado
“Alfabetização e letramento de
alunos com surdez o ensino
comum”, que felizmente realizei no
Laboratório de Estudos e Pesquisas
em Ensino e Diferença (LEPED),
da Faculdade de Educação
FE/UNICAMP. Minha orientadora
e grande parceria foi a professora
Dra. Maria Teresa Eglér Mantoan.
A defesa da tese ainda é recente, 13
de novembro de 2018. Esse estudo
em breve estará disponível caso
você queira ler. Quem sabe ainda
nos encontraremos nos tantos
“trilhos da vida”.
In memoriam
Queridos amigos,
Esse texto representa nossa singela
homenagem à professora Ângela
Tessari. Tivemos o prazer de
conhecê-la, em 2011, em nosso
projeto Todos Nós em Rede.
Professora Ângela foi atuante e nos
ensinou sobre enfrentar os desafios
a qualquer tempo da vida. Mostrou-
nos coragem, dedicação e ética no
trabalho educacional. Nós, da
equipe do Todos Nós em Rede
compartilhamos com os familiares
nossos sentimentos e desejamos
dividir com vocês um pouco da
alegria que ela nos trouxe enquanto
esteve conosco.
Recebam nosso abraço fraternal.
Equipe e Professores do Todos Nós
em Rede
Imagens: Grupo Todos em Rede - 2011
Angela Maria
Tessari Farias
1966
† 2018
Entre no site do tabloide,
opine a respeito das suas
leituras e concorra ao
um livro autografado.
ACESSE:
caentrenosweb.com
Fala aí!
Escreva para nós, dê sua opinião e mande sugestões.
Aguardamos!
www.caentrenosweb.com
Leonardo Cesar de Campos:
“Site bem estruturado, fácil de se guiar, é
com design original. O jornal impresso
interessante e com a mesma "cara" do site,
muito bom! ”
Marina Betetto Drezza:
“Eu sou estudante de geografia da Unicamp
e tive o primeiro contato com a edição 3 da
"cá entre nós", gostei muito de como os
assuntos são abordados, principalmente
porque para minha graduação de
licenciatura, eu quero trabalhar com
cognição de surdos e, ver que o tema
principal desta edição foi sobre educação
inclusiva foi extremamente relevante para
mim. Dei para meus pais lerem, o que os
ajudou a entender o porquê que é tão
importante pensarmos em uma sociedade e
uma escola mais inclusiva e os diretos que
nossas leis proporcionam a todos aqueles
que necessitarem dela.
Acredito que essa publicações deveriam ter
mais alcance para a comunidade externa da
Unicamp, para criar pensadores críticos
sobre temas educacionais, mas acima de
tudo, para que respeitem as opiniões e
estudos dos educadores acima de qualquer
"achismo" perante à escola.
Agradeço muito ter tido essa oportunidade.”
Elizane Denadai:
“Oi, jornal de excelente qualidade,
informações bem elaboradas e escritas,
conteúdos de grande importância gerando
bons conhecimentos aos leitores. Gosto
muito”
Suely Galli Soares:
“Cá entre Nós, inaugura uma comunicação
despojada e convidativa a leitura, com
temas abertos a reflexão sobre a educação e,
implicitamente, formação de professores.
Nos conteúdos transparecem abordagens
filosóficas, com tons poéticos e narrativos.
Sua qualidade e permanência certamente
trará adeptos das mais diferentes áreas do
conhecimento.”
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8
Diga lá!Prof. Guilherme Toledo
1. O que você considera importante
na educação e acontece?
Para mim o que é importante na
educação e acontece é o espaço de
encontro e de diálogo tão falado e
comunicado pelo Mestre Paulo Freire,
que as escolas públicas propiciam no
cotidiano de seus diversos e diferentes participantes. Ainda
que não seja em todas as aulas, que estudantes e professores,
ao encontrarem-se conversem, em muitas salas de aula e
escolas, os estudantes e professores encontram-se para
dialogar em torno dos conhecimentos e acontecimentos que
permeiam o cotidiano de suas vidas. E esse encontro, entre
vozes e conhecimentos e saberes cotidianos, entre os sujeitos
da escola, possibilita o desenvolvimento humano e possibilita
aprendizados importantes para vida social, em uma
democracia, a constituir-se nas práticas cotidianas destes
mesmos sujeitos
2. O que você considera importante na educação e não
acontece?
Considero importante, da perspectiva dos professores e
profissionais da educação, o estabelecimento de uma prática
autônoma de construção de conhecimento e participação no
contexto escolar. O diálogo necessário à construção
democrática, precisa primeiro acontecer na escola, junto e
com a comunidade na qual ela trabalha, desenvolve diferentes
práticas de produção de conhecimento, junto à comunidade
diversa de que faz parte. Infelizmente, no âmbito das políticas
públicas educacionais, a escola é a última instância a ser
ouvida no estabelecimento destas políticas, o que dificulta o
desenvolvimento de uma política educativa local, em diálogo
com necessidades mais amplas, sejam elas: municipais,
estaduais, nacionais e até internacionais, ou, mundiais.
3. O que você não considera importante na educação e
acontece?
Excessiva regulação da avaliação e não avaliação regulada.
Esses excessos avaliativos que acontecem na escola, não são
gerados por demandas educacionais locais e situadas pelos
sujeitos dos processos educativos. É próprio dos sistemas de
ensino a avaliação! E a avaliação regulada, quando situada
em relação aos sujeitos dos processos educativos –
notadamente professores e estudantes – gera processo
regulatórios que aprimoram e potencializam as
aprendizagens dos sujeitos, referenciadas pelas necessidades
locais. Do modo como vem acontecendo a avaliação, com o
único sentido de regular e condicionar os processos de
ensino e de aprendizagem em uma determinada perspectiva,
perdem os professores e perdem os estudantes, porque não
são mais tratados como sujeitos produtores de
conhecimentos, socialmente, relevantes.
4. O que você não considera importante na educação e
não acontece?
Os sujeitos da escola, quando optam por trabalhar em
diálogo, expondo seus conhecimentos e saberes, constroem
a possibilidade do estabelecimento de novos patamares de
conhecimentos a serem agenciados nos próprios processos
educativos escolares. Por mais que certos grupos de sujeitos
das instituições escolares queiram cercear o diálogo, a partir
do controle dos processos comunicacionais e ideológicos –
como apregoa as propostas da “Escola Sem Partido” – o
encontro entre os sujeitos da escola produzem inúmeras
“faíscas” interacionais, acionando e promovendo o
desenvolvimento de diferentes e diversas formas de
comunicação e linguagem, produzindo, nas brechas e nas
fissuras do cotidiano, o surgimento de novos modos de ser
humano na escola e fora dela.
Cá entre Nós caentrenosweb.com
Direção editorial: Maria Teresa E. Mantoan Produção: Vanessa F. Alves Direção de arte: Gustavo Tomazi Revisão: Maria Da Luz Veiga e Ayeres Brandão
Realização:
Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença.