Caderno IV Linguagens Final

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Caderno 4 linguagens

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  • Ministrio da EducaoSecretaria de Educao Bsica

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    LINGUAGENS

    Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mdio

    Etapa II - Caderno IV

    CuritibaSetor de Educao da UFPR

    2014

  • MINISTRIO DA EDUCAO

    SECRETARIA DE EDUCAO BSICA (SEB)

    MINISTRIO DA EDUCAO SECRETARIA DE EDUCAO BSICA Esplanada dos Ministrios, Bloco L, Sala 500 CEP: 70047-900 Tel: (61)20228318 - 20228320

    Brasil. Secretaria de Educao Bsica. Formao de professores do ensino mdio, Etapa II - Caderno IV: Linguagens / Ministrio da Educao, Secretaria de Educao Bsica; [autores: Adair Bonini... et al.]. Curitiba: UFPR/Setor de Educao, 2014. 47p. ISBN 9788589799966 (coleo) 9788584650002 (v.4) Inclui referncias Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mdio 1. Ensino mdio. 2. Professores - Formao. 3. Linguagem e lnguas Estudo e ensino. 4. Artes Estudo e ensino. 5. Educao fsica (Segundo grau). I. Bonini, Adair. II. Universidade Federal do Paran. Setor de Educao. III. Linguagens. IV. Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mdio. V. Ttulo. CDD 373.9

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANSISTEMA DE BIBLIOTECAS BIBLIOTECA CENTRAL

    COORDENAO DE PROCESSOS TCNICOS

    Andrea Carolina Grohs CRB 9/1384

  • LINGUAGENS

    Etapa II Caderno IV

    AUTORES

    Adair Bonini

    Claudia Hilsdorf Rocha

    Fernando Jaime Gonzalez

    Magali Oliveira Kleber

    Paulo Evaldo Fensterseifer

    Ruberval Franco Maciel

    COORDENAO DA PRODUO

    Monica Ribeiro da Silva (organizadora)Culi Mariano Jorge

    Eloise Medice Colontonio

    Glian Cristina Barros

    Giselle Christina Corra

    Lia de Cssia Fernandes Hegeto

    LEITORES CRTICOS

    Altair Pivovar

    Nelagley Marques

    Smia Maria Carvalho

    REVISO

    Giselle Christina Corra

    PROJETO GRFICO E EDITORAO

    Victor Augustus Graciotto Silva

    Rafael Ferrer Kloss

    CAPA

    Yasmin Fabris

    Rafael Ferrer Kloss

    ARTE FINAL

    Rafael Ferrer Kloss

    COORDENAO GERAL E ORGANIZAO DA PRODUO DOS MATERIAIS

    Monica Ribeiro da Silva

  • Caro Professor, Cara Professora

    Com vistas a garantir a qualidade do Ensino Mdio ofertado no Pas foi institudo por meio da Portaria Ministerial n 1.140, de 22 de novembro de 2013, o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mdio. Este Pacto contempla, dentre outras, a ao de formao continuada dos professores e coordenadores pedaggicos de Ensino Mdio por meio da colaborao entre Ministrio da Educao, Secretarias Estaduais de Educao e Universidades.

    Esta ao tem o objetivo central de contribuir para o aperfeioamento da formao continuada de professores a partir da discusso das prticas docentes luz das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio DCNEM (Resoluo CNE/CEB n 2, de 31 de janeiro de 2012). Nesse sentido, a formao se articula ao de redesenho curricular em desenvolvimento nas escolas pblicas de Ensino Mdio a partir dessas Diretrizes.

    A primeira etapa da Formao Continuada, em conformidade com as DCNEM, trouxe como eixo condutor Os Sujeitos do Ensino Mdio e a Formao Humana Integral e foi composta pelos seguintes Campos Temticos/Cadernos: Sujeitos do Ensino Mdio e Formao Humana Integral; Ensino Mdio e Formao Humana Integral; O Currculo do Ensino Mdio, seus sujeitos e o desafio da Formao Humana Integral; Organizao e Gesto do Trabalho Pedaggico; Avaliao no Ensino Mdio; e reas de Conhecimento e Integrao Curricular.

    Nesta segunda etapa, dando continuidade ao eixo proposto, as temticas que compem os Ca-dernos de Formao do Pacto so: Organizao do Trabalho Pedaggico no Ensino Mdio e reas de Conhecimento do Ensino Mdio, em consonncia com as proposies das DCNEM, considerando o dilogo com o que vem sendo praticado em nossas escolas, a diversidade de prticas e a garantia da educao para todos. A formao continuada propiciada pelo Pacto auxiliar o debate sobre a Base Nacional Comum do Currculo que ser objeto de estudo dos diversos setores da educao em todo o territrio nacional, em articulao com a sociedade, na perspectiva da garantia do direito aprendiza-gem e ao desenvolvimento humano dos estudantes da Educao Bsica, conforme meta estabelecida no Plano Nacional de Educao.

    Destacamos como ponto fundamental que nesta segunda etapa seja feita a leitura e a reflexo dos Cadernos de todas as reas por todos os professores que participam da formao do Pacto, consi-derando o objetivo de aprofundar as discusses sobre a articulao entre conhecimentos das diferen-tes disciplinas e reas, a partir da realidade escolar. A perspectiva de integrao curricular posta pelas DCNEM exige que os professores ampliem suas compreenses sobre a totalidade dos componentes curriculares, na forma de disciplinas e outras possibilidades de organizao do conhecimento escolar, a partir de quatro dimenses fundamentais: a) compreenso sobre os sujeitos do Ensino Mdio con-siderando suas experincias e suas necessidades; b) escolha de conhecimentos relevantes de modo a produzir contedos contextualizados nas diversas situaes onde a educao no Ensino Mdio produzida; c) planejamento que propicie a explicitao das prticas de docncia e que amplie a diver-sificao das intervenes no sentido da integrao nas reas e entre reas; d) avaliao que permita ao estudante compreender suas aprendizagens e ao docente identific-las para novos planejamentos.

    Espera-se que esta etapa, assim como as demais que estamos preparando, seja a oportunidade para uma real e efetiva integrao entre os diversos componentes curriculares, considerando o im-pacto na melhoria de condies de aprender e desenvolver-se dos estudantes e dos professores nessa etapa conclusiva da Educao Bsica.

    Secretaria da Educao Bsica

    Ministrio da Educao

  • Sumrio

    Introduo / 6

    1. A rea Linguagens e sua contribuio para a formao do estudante do Ensino Mdio / 9

    1.1 A formao da rea Linguagens / 9

    1.2 A Linguagem como elo integrador da rea / 10

    1.3 Os conhecimentos da rea de Linguagens / 12

    2. Os sujeitos estudantes do Ensino Mdio e os direitos aprendizagem e ao desenvolvimento humano na rea de Linguagens / 14

    2.1 Sujeito, sujeitos da escola, contexto, interao / 14

    2.2 Subjetividade e produo de conhecimento na juventude / 16

    2.3 Prticas de linguagem nos componentes curriculares da rea / 17

    2.4 Direitos de aprendizagem e desenvolvimento humano e as prticas de linguagem / 19

    3. Trabalho, Cultura, Cincia e Tecnologia na rea de Linguagens / 22

    4. Possibilidades de abordagens pedaggico-curriculares na rea de Linguagens / 31

    4.1 A educao como prtica humanizadora / 32

    4.2 O currculo e a construo crtica do conhecimento sobre a linguagem / 34

    4.3 Prticas de ensino e aprendizagem / 39

    Referncias / 42

  • 6Linguagens

    Introduo

    Na vspera, tendo de ir abaixo, Custdio foi Rua da Assembleia, onde se

    pintava a tabuleta. Era j tarde; o pintor suspendera o trabalho. S algumas

    das letras ficaram pintadas, a palavra Confeitaria e a letra d. A letra o

    e a palavra Imprio estavam s debuxadas a giz. Gostou da tinta e da cor,

    reconciliou-se com a forma, e apenas perdoou a despesa. Recomendou

    pressa. Queria inaugurar a tabuleta no domingo.

    Ao acordar de manh no soube logo do que houvera na cidade, mas pou-

    co a pouco vieram vindo as notcias, viu passar um batalho, e creu que

    lhe diziam a verdade os que afirmavam a revoluo e vagamente a rep-

    blica. A princpio, no meio do espanto, esqueceu-lhe a tabuleta. Quando

    se lembrou dela, viu que era preciso sustar a pintura. Escreveu s pressas

    um bilhete e mandou um caixeiro ao pintor. O bilhete dizia s isto: Pare

    no D. Com efeito, no era preciso pintar o resto, que seria perdido, nem

    perder o princpio, que podia valer. Sempre haveria palavra que ocupasse

    o lugar das letras restantes. Pare no D.

    Quando o portador voltou trouxe a notcia de que a

    tabuleta estava pronta.

    Voc viu-a pronta?

    Vi, patro.

    Tinha escrito o nome antigo?

    Tinha, sim, senhor: Confeitaria do Imprio. Esa e Jac

    Machado de Assis

    Professores e professoras, sintam-se convidados a adentrar o territrio da linguagem. Com essa

    epgrafe que, a princpio, talvez possa parecer um pouco intrigante, queremos comear o nosso percurso

    de reflexo. Menos que repisar a tradio, trazemos Machado de Assis pelo que ele capaz de nos dizer

    sem dizer, de nos fazer experimentar. Essa a histria do confeiteiro Custdio que aparece como pano de

    fundo da histria principal no romance Esa e Jac. Cedendo aos apelos de pessoas prximas, Custdio

    (atentem para o nome) resolveu repintar e, por fim, refazer a placa de identificao de sua Confeitaria do Imprio bem nos dias em que repblica foi proclamada. Quando viu que a placa com a nova pintura iria

    saltar aos olhos dos defensores da repblica e que talvez os revolucionrios lhe fossem quebrar as vidra-

    as, resolveu voltar atrs tentando salvar tanto o dinheiro quanto a freguesia. Sem saber que rumo dar

    placa, revolve pedir conselho a outro personagem que lhe indica seis possibilidades, refutadas em sua

    maioria: Confeitaria da Repblica (se houver uma reviravolta, perde o investimento na placa novamen-

    te); Confeitaria do Governo (todo governo tem oposio); deixar o nome e acrescentar das leis (sendo

    essas duas ltimas menores, provavelmente as pessoas apenas vero o imprio); Confeitaria do Catete

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    (uma vez havendo outra confeitaria na rua, perde freguesia para ela, j que as pessoas se confundiriam);

    deixar a tabuleta pintada como est, e direita, na ponta, por baixo do ttulo, mandar escrever Fundada

    em 1860 e Confeitaria do Custdio (ambas aceitas, embora com alguma resistncia).

    Essa histria reveladora de como a linguagem se constitui e constitutiva da prtica social. A mudana da forma de governo, nesse caso, coloca uma situao diferente de produo da linguagem, na

    qual a placa no ser mais lida da mesma forma. Ao mudar de Confeitaria do Imprio para Confeitaria

    da Repblica, o estabelecimento, de algum modo, est avalizando uma posio e, ao mesmo tempo, ajudando a sedimentar um regime de significao. As prprias identidades e relaes entre as pessoas se

    modificam nessa alternncia dos nomes em questo. Vemos, desse modo, que o mundo se constitui no

    apenas por aes fsicas, mas tambm por aes de linguagem e o sujeito, por sua vez, se constitui no

    modo como atua pela linguagem.

    O presente texto busca oferecer subsdios para se pensar o currculo escolar e os respectivos com-

    ponentes curriculares da rea de Linguagens que, como proposto nas Diretrizes Curriculares Nacionais

    para o Ensino Mdio DCNEM (BRASIL, 2012), so: Lngua Portuguesa, Lngua Materna (populaes

    indgenas), Lngua Estrangeira (com Lngua Espanhola tendo oferta obrigatria, mas facultativa ao alu-

    no), Arte (Artes Visuais, Dana, Msica e Teatro) e Educao Fsica. As reflexes e consideraes aqui

    traadas envolvem a elaborao de uma proposta que contemple a pluralidade, os contextos e a situacio-

    nalidade das prticas sociais e educativas da rea de Linguagens, abrindo espao para um processo de

    aprendizagem significativo e crtico, resultante da participao democrtica dos sujeitos envolvidos na

    escola - estudantes, docentes, funcionrios e comunidade e das buscas de conhecimento.

    Entendemos que essa rea ganha um ncleo definidor medida que todos os seus componentes se

    voltam para os conhecimentos e saberes relativos s interaes e s expresses do sujeito em prticas socioculturais. Ou seja, como rea, todos os componentes curriculares arrolados acima, de algum modo, enfocam as representaes de mundo, as formas de ao e as manifestaes de linguagens, entenden-do-as como constitutivas das prticas sociais e, ao mesmo tempo, por elas constitudas. Nesse sentido,

    esses trs elementos esto presentes na prpria produo de sentidos que se d pela linguagem, uma vez

    que, como vimos no exemplo da confeitaria, mudar ou manter a denominao implica em se alinhar a

    (ou mesmo transformar) determinadas representaes (monrquicas, republicanas, anarquistas etc.), em

    agir ou ser paciente de aes de um determinado modo (tornando-se alvo dos republicanos ou dos monar-

    quistas, em pleno movimento de declarao da repblica), em recorrer a determinadas configuraes de

    linguagem (nesse caso, a placa, as convenes de formao de nomes de empresas em voga nessa poca e

    lugar, os formatos das letras etc.).

    Assim como acontece com Custdio, ns e nossos estudantes tambm estamos constantemente

    nos defrontando com a inevitvel mediao das linguagens. A prtica de um esporte, a escrita de um

    e-mail, a ao de fotografar e expor essa fotografia so formas de produo de sentidos que se do como

    linguagens. Alm disso, quando as prticas de linguagem adentram o espao escolar, elas trazem consigo

    as identidades de diferentes grupos sociais e, ao serem trabalhadas como conhecimento, saber e reflexo,

    elas exercem um importante papel no processo de constituio do sujeito e, portanto, do estudante como

    sujeito em constituio.

  • 8Linguagens

    Nossa reflexo nesse texto, assim, volta-se para uma atividade educativa que visa constituir saberes

    a partir da prpria atuao dos sujeitos em prticas sociais, enfocando especialmente as mediaes de

    linguagem pelas quais passam. Busca-se assim, propiciar e ampliar possibilidades de acesso a saberes e

    culturas, bem como sua produo em espaos variados, como os cenrios urbanos e rurais, a fim de que

    possam ser problematizados e (re)construdos referenciais voltados negociao das diferenas e busca

    do respeito mtuo.

    O itinerrio que escolhemos envolve, inicialmente, uma contextualizao da rea de Linguagens

    que compreende tanto a sua caracterizao como rea com componentes integrados, quanto os conheci-

    mentos que permitem o desencadeamento das atividades educativas. No momento seguinte, voltamo-nos

    para uma reflexo sobre as especificidades que caracterizam o sujeito do Ensino Mdio e ao modo como,

    contemplando essa especificidade, a atividade educativa da rea de Linguagens pode produzir uma ao

    relacionada aos direitos aprendizagem e ao desenvolvimento humano na Educao Bsica. Dando pros-

    seguimento a essa reflexo sobre o mundo do estudante do Ensino Mdio abordamos o trabalho, a cultura,

    a cincia e a tecnologia como dimenses da atividade educativa. No ltimo momento desse percurso, nos

    atemos organizao curricular e aos princpios metodolgicos para as atividades educativas da rea de

    Linguagens.

    Fica aqui, portanto, o convite leitura e ao dilogo conosco, com vias a nossa reflexo conjunta

    sobre a atividade educativa em linguagens.

    Desejamos um bom trabalho a todos e a todas!

  • 9Formao de Professores do Ensino Mdio

    1. A rea Linguagens e sua contribuio para a formao do estudante do Ensino Mdio

    As Linguagens constituem uma rea curricular no atual quadro da Educao Bsica. Mas o que

    constitui essa rea, como ela se formou, por qu? Essas so algumas perguntas que iro guiar a nossa

    reflexo nesta unidade. Iniciamos, portanto, refletindo sobre a constituio da rea de modo bem amplo,

    depois passamos pelo conceito de linguagem e, em seguida, chegamos aos conhecimentos que permeiam

    e integram os componentes da rea.

    1.1 A formao da rea Linguagens

    A concepo de uma rea de Linguagens como arranjo curricular da Educao Bsica comea a

    tomar forma na dcada de 90. Nesse sentido, nos PCNEM (2000), PCN+ (2002) j aparecia uma rea

    denominada Linguagens, cdigos e suas tecnologias, contendo os seguintes componentes: Lngua Por-

    tuguesa, Lngua Estrangeira Moderna, Educao Fsica, Arte, e Informtica. H um comentrio geral

    sobre a rea em ambos os documentos, mas que no chega a discutir a integrao dos componentes curri-

    culares. Nas Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio - OCEM (2006), a rea aparece com a mesma

    denominao, sendo considerados os conhecimentos relativos Lngua Portuguesa, Literatura, Lnguas

    Estrangeiras, Espanhol, Arte e Educao Fsica. No h discusso sobre a rea ou sobre os seus compo-

    nentes curriculares, tema que s volta a entrar em pauta nos documentos mais recentes.

    Nas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educao Bsica DCNEB (2010) a rea passa

    a ser definida, por sua vez, com o nome Linguagens, compreendendo os componentes obrigatrios: a) Ln-

    gua Portuguesa; b) Lngua Materna, para populaes indgenas; c) Lngua Estrangeira moderna; d) Arte; e

    e) Educao Fsica. Nas DCNEM (2012), ocorre apenas uma especificao do componente Arte, em suas

    diferentes linguagens: cnicas, plsticas e, obrigatoriamente, a musical.

    As DCNEB (2010) ainda abrem a possibilidade de que as reas e componentes construam as suas

    prprias definies quando afirmam, no artigo 16, que Os componentes curriculares e as reas de conhe-

    cimento devem articular em seus contedos, a partir das possibilidades abertas pelos seus referenciais, a

    abordagem de temas abrangentes e contemporneos que afetam a vida humana em escala global, regional

    e local, bem como na esfera individual. (BRASIL, 2010, p.5)

    Os componentes curriculares, embora contemplem conhecimentos acadmicos, no equivalem s

    disciplinas acadmicas/cientficas, pois eles so construdos em funo do tipo de processo formativo, em

    funo do currculo que se quer instituir. A constituio da rea de linguagens, portanto, demanda escolhas

    e um esforo de integrao de conhecimentos que, no contexto universitrio, nem sempre so produzidos

    em grande proximidade, seja em termos de organizao departamental, seja de diviso de reas do conhe-

    cimento, seja de fronteiras epistemolgicas.

    Entendemos, nesse sentido, que os componentes curriculares arrolados na rea Linguagens se inte-

    gram como rea em funo de todos terem como objeto a atuao de sujeitos em prticas sociais, sejam

    enunciativas, artsticas ou corporais, como, por exemplo, proferir uma palestra, participar de uma roda de

  • 10

    Linguagens

    capoeira ou pintar uma aquarela. A linguagem, como forma scio-historicamente definida de produo de

    sentidos, constitutiva de todas essas prticas e, portanto, fundante da rea. Em todas elas, conforme delas

    participem, os sujeitos se defrontam com a inevitvel questo de seguir ou romper com as convenes

    estabilizadas.

    Outro ponto em que esses componentes convergem numa nica rea curricular o fato de todos,

    ao focalizarem as prticas de linguagem como parte do processo de ensino e aprendizagem, dedicarem

    especial ateno ao modo como o estudante com elas se envolve, seja realizando-as, seja refletindo sobre

    elas. Nessa rea, portanto, a ampliao de saberes envolve experienciar e contrastar prticas diversas, ge-

    rando debates, pesquisas, e a reflexo sobre o prprio processo de insero nessas prticas, de modo que

    os estudantes desenvolvam autonomia para sua atuao no mundo fora da escola.

    Por outro lado, importante mencionar que reconhecer, nos diferentes componentes da rea, esses

    elementos em comum, no significa que cada um destes no trate de outros conhecimentos no direta-

    mente relacionados ao campo das linguagens. Educao Fsica, por exemplo, alm de tematizar as prti-

    cas corporais como manifestaes da linguagem, tambm se ocupa de outros conhecimentos vinculados

    ao campo da sade, da prtica de exerccios fsicos, do desenvolvimento da aptido fsica etc., os quais

    permitem interfaces efetivas com outros componentes e reas do currculo da Educao Bsica que, no

    entanto, no sero aqui destacados. Dar centralidade dimenso comum dos conhecimentos das lingua-

    gens foi uma escolha, produto do entendimento que, nesta etapa da formao, se deveria enfatizar o que

    aproxima os componentes da rea, deixando para a prxima etapa, alm do detalhamento do aqui descrito,

    a explicitao de possveis peculiaridades de cada componente.

    1.2 A Linguagem como elo integrador da rea

    No escopo da Educao Bsica, em que a educao escolar evidencia-se como um direito e tambm

    como um componente crucial para o exerccio da cidadania, a rea de Linguagens desempenha um impor-

    tante papel na medida em que constitutiva das relaes humanas, perpassando, assim, toda e qualquer

    prtica social e, portanto, todas as reas especficas de construo de conhecimentos.

    As linguagens so aqui compreendidas como formas scio-historicamente definidas de produo

    de sentidos, sendo que elas configuram mundos e o que denominamos realidade. So, desse modo, dis-

    cursivamente orientadas, ou seja, a realizao de uma prtica de linguagem implica em alinhamento a

    pelo menos um regime de significao que especifica o que est dentro ou fora do domnio. Quando se

    pratica futebol, rgbi, carat, quando se escreve um poema, posta algo em uma rede social, quando se

    canta um samba, dana um forr, em todas as ocasies se produz sentido (de alinhamento, rompimento,

    mixagem etc.) de acordo com os discursos estabelecidos. A linguagem, ento, constitui vises de mundo

    e valores sobre tudo que nos cerca. Os sentidos e, portanto, as prticas sociais de linguagens so assim,

    manifestaes situadas, no existindo de forma autnoma ou abstrada do contexto histrico-cultural nos

    quais se do as relaes humanas.

  • 11

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    A rea de Linguagens abarca, por conseguinte, prticas sociais diversas, as quais envolvem, em

    toda sua pluralidade, representaes, formas de ao e de manifestaes de linguagens culturalmente

    organizadas e historicamente determinadas. Em seu ncleo, as linguagens abarcam os mais diversos

    modos de expresses e performances artsticas e literrias, manifestaes de movimento corporal e ges-

    tual e vivncias de interpretao e construo de sentidos. O modo como se entra em uma roda de capo-

    eira, girando em sentido anti-horrio e indo ao p do berimbau ( frente da bateria de msicos) pedir

    licena, linguagem. Assim, como tambm linguagem o modo como se faz uma msica para contestar

    (como o rock punk, a cano de protesto, o rap), ou se l uma notcia observando porque tal assunto foi

    colocado no ttulo, porque o olho destaca tal frase e no outra, porque a opinio de determinado partici-

    pante aparece e a de outro no.

    Representao social - Em teorias do signo diz que algo est em lugar de algo para represent-lo. Nesse caso, a palavra casa, um desenho ou fo-tografia so representaes do objeto, sendo que uma representao pode ser tornar objeto de outra em uma cadeia semitica. Mais recentemente, as representaes tambm tm sido usadas como uma forma de observar a or-ganizao social pela linguagem. Segundo Serge Moscovici (2007, p. 21), as representaes sociais so tanto um sistema de valores e ideias quanto de prticas, funcionando como forma de ordenar e orientar a aes das pessoas, e como base comum para a comunicao.

    Ao social - Max Weber define ao social como unidade bsica da or-ganizao da sociedade. Para ele, uma ao social se produz como causa e consequncia de outras aes e reaes, orientada para o outro. S ao social aquilo que percebido pelo outro como ao.

    Manifestaes de linguagens As manifestaes de linguagem ocorrem, segundo Bakhtin, atravs de enunciados que so elos na cadeia ininterrupta da interao discursiva. Como unidade, o enunciado apresenta fronteiras de-terminadas pelo enunciado que o antecede e pelo que o sucede, alm de se caracterizar: a) pela exauribilidade do objeto e do sentido; b) pelo projeto de discurso ou vontade de discurso do falante; e c) pelas formas tpicas composicionais e de gnero do acabamento.

    Compreender diferentes formas de linguagens como situadas significa reco-nhecer, primeiramente, que estas se realizam sob determinadas condies de produo. Elas se realizam em decorrncia de uma situao de comunicao especfica e so, assim, marcadas pelos tempo e lugar histricos em que se encontram envolvidos os participantes dessas relaes sociais, pelos campos sociais em que elas ocorrem, pelos propsitos comunicativos estabelecidos, bem como pelas linguagens, recursos e meios pelos quais os sentidos so expressos. A natureza situada das prticas de linguagens advm, ainda, do re-conhecimento de que os sentidos no so preestabelecidos ou estticos, mas que so construdos de forma dinmica nas relaes sociais, e so marcados por posicionamentos ticos, estticos, polticos, entre outros. Carregam, portanto, interesses que marcam as posies assumidas pelos sujeitos que participam dessas relaes e que, consequentemente, revelam relaes de autoridade e poder entre eles.

  • 12

    Linguagens

    Assim entendidas, as linguagens constituem as relaes humanas e instituem as mais variadas for-

    mas de produo de conhecimento. importante, nessa perspectiva, o reconhecimento de que todo e

    qualquer conhecimento, bem como os sentidos, so construdos em meio s especificidades de uma de-

    terminada cultura, a qual, por sua vez, encontra-se sempre em movimento travando relaes, nem sempre

    pacficas, com culturas outras e tempos histricos outros, marcando a natureza multi ou transcultural das

    prticas de linguagens.

    As perspectivas didticas que orientam a rea de Linguagens e seus componentes pressupem o

    usufruto dos direitos estabelecidos pela Educao Bsica, materializados na ampliao de repertrios

    lingusticos, culturais e artsticos por meio do envolvimento dos estudantes em prticas de criao e uso

    crtico destas formas de expresso de sentidos.

    1.3 Os conhecimentos da rea de Linguagens

    Quando pensamos no contexto do Ensino Mdio, com suas potencialidades e problemas, e em

    um trabalho educacional que se volta para o sujeito em sua constituio, para a ampliao do potencial

    humano, precisamos pensar no que faz sentido em termos dos conhecimentos mobilizados para a atividade

    educativa. No caso da rea de Linguagens, importante arrolar conhecimentos que sejam sensveis a esse

    projeto educacional que favoream a aprendizagem significativa - e que tambm favoream a interdis-

    ciplinaridade de componentes curriculares na rea e entre reas.

    Listamos aqui seis conhecimentos sobre linguagens que, ao serem mobilizados na atividade educa-

    tiva, podem favorecer o alcance de direitos de aprendizagem e desenvolvimento no Ensino Mdio. Essa

    relao entre conhecimentos e direitos ser aprofundada na prxima unidade desse texto. Passamos, ento,

    a uma exposio desses conhecimentos, quais sejam:

    a) O conhecimento sobre a organizao e o uso crtico das diferentes linguagens. Diz respeito s diversas possibilidades de uso das linguagens em prticas sociais, que quando chegam ao estudante de

    forma significativa, possibilitam uma ampliao de saberes relativos produo de identidades, das rela-

    es sociais e da prpria realidade.

    Prticas de criao e uso crtico das formas expressivas da linguagem pro-piciam a ampliao das possibilidades de engajamento do sujeito em deter-minadas prticas sociais, pressupondo um movimento contnuo de reflexo sobre as condies de produo que condicionam as relaes sociais naque-les espaos, assim condicionam tambm as representaes e juzos de valor que balizam tais relaes. Prticas orientadas por essa perspectiva implicam, ainda, o acolhimento e a busca por formas outras (distintas das socialmente validadas ou institucionalizadas) de construo de conhecimentos e de sen-tidos por meio das diferentes linguagens, alm de proporcionar espaos de rupturas com maneiras de pensar e agir autoritrias, que impem determina-dos valores em detrimento de outros.

  • 13

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    b) O conhecimento sobre a cultura patrimonializada local, nacional e internacional. Com-preende o acesso cultura patrimonializada pelo vis da reflexo crtica sobre o prprio processo de pa-

    trimonializao, sempre envolto em ideologias, interesses e jogos de poder, compreendendo desse modo

    tambm o acesso aos bens culturais que no foram institucionalizados. Se por um lado tm-se patrimnios

    como as cidades histricas, a literatura, as artes plsticas, h tambm todo um conjunto de expresses do

    bairro e da prpria escola que so bens culturais importantes para o posicionamento daqueles sujeitos na

    estrutura social. Muitas vezes, a comunidade perde em organizao social e bem-estar por no conhecer e

    lutar pela valorizao de um patrimnio seu.

    c) O conhecimento sobre a diversidade das linguagens. Est relacionado valorizao e/ou des-valorizao de grupos medida que compreende a construo das identidades socioculturais, e a conse-

    quente insero em prticas polticas, ticas e estticas. Os estudantes podem se beneficiar do comparti-

    lhamento e da reflexo sobre o outro e o que o constitui. O conhecimento sobre a diversidade se legitima

    pela vivncia da diferena, no cabendo a a imposio de algumas codificaes culturais como melhores

    que outras.

    d) O conhecimento sobre a naturalizao/desnaturalizao das linguagens nas prticas so-ciais. Compreende o reconhecimento de que as manifestaes de linguagem se estabilizam atravs de um processo histrico e social que envolve relaes de poder e hegemonia. Muitas das representaes que

    tratamos como naturais e imutveis, podem manter relaes de colonizao, de desigualdade de gneros,

    de preconceitos tnico-raciais. Quando os estudantes se percebem como produto e produtores de lingua-

    gens, podem desenvolver-se uma dimenso crtica sobre a linguagem que, desnaturalizada, favorece a

    participao e a mudana social.

    e) O conhecimento sobre autoria e posicionamento na realizao da prpria prtica. Trata-se de um conhecimento sobre as possibilidades e limites da prpria ao que se forma pela experincia da

    participao poltica e do protagonismo. Consiste, alm disso, em uma ampliao das referncias atravs

    das quais os estudantes estabelecem critrios que permitem avaliar a sua prpria conduta, e entender e

    caracterizar a conduta dos outros.

    f) O conhecimento sobre o mundo globalizado, transcultural e digital e as prticas de lin-guagem. Compreende as prticas e problemas sociais resultantes dos ajustes e desajustes nos planos macroeconmicos, tecnolgicos, de comunicao e transporte que impactam as formas de ser e agir no

    mundo contemporneo. Assim, esse conhecimento diz respeito prtica social transversal e globalizadora

    decorrente do rompimento das fronteiras espao-temporais que pem em cena as mestiagens lingusticas,

    culturais, tnicas, sociais etc. caractersticas desse incio de sculo. O acesso a saberes sobre o mundo di-

    gital fundamental aos estudantes do Ensino Mdio, pois: 1) as prticas digitais, direta ou indiretamente,

    impactam o seu dia-a-dia, 2) certamente j lhe despertam o interesse, o que favorece o ensino significativo,

    e 3) delas podem melhor se apropriar tcnica e criticamente para sua participao social e profissional.

  • 14

    Linguagens

    REFLEXO E AO

    Nesta unidade discutimos a formao da rea de Linguagens, o conceito de linguagem e apresen-

    tamos os conhecimentos da rea. Agora vamos refletir um pouco sobre esses temas atravs da discusso

    do filme O enigma de Kaspar Hauser, do diretor alemo Werner Herzog, que voc pode assistir em:

    https://www.youtube.com/watch?v=MxpuYFouR70. Consideremos a seguinte ordem na atividade:

    1) Assistir ao filme, procurando observar e anotar, quais so as relaes entre linguagem e cons-

    truo da realidade; como as prticas de linguagem esto atreladas aos contextos sociais e histricos;

    como os conhecimentos de linguagem listados acimas aparecem no filme.

    2) Em roda de discusso, comparar as anotaes e reflexes.

    3) Ainda no grupo, discutir a relao entre imposio e opo na linguagem e entre reproduo e

    mudana social.

    2. Os sujeitos estudantes do Ensino Mdio e os direitos aprendizagem e ao desenvolvimento humano na rea de Linguagens

    No Caderno II da Etapa I do PNEM j se falou sobre o sujeito do Ensino Mdio e aqui voltamos a ele, agora nos atendo um pouco mais sobre a rea da Linguagem. Nesta unidade, vamos passar pelo conceito de sujeito especificando o que vem a ser o sujeito jovem do Ensino Mdio, e como sua identi-dade e seu mundo se relacionam com os direitos aprendizagem e ao desenvolvimento humano na rea de Linguagens.

    2.1 Sujeito, sujeitos da escola, contexto, interao

    Sujeito um termo bastante antigo na histria do pensamento, mas vamos partir aqui da concepo de Foucault que est no cerne de qualquer discusso atual sobre esse termo. E por que sua reflexo to importante? Porque ele concebe o humano no como categoria pr-histrica ou a-histrica, mas como

    produto das relaes de poder que vo se constituindo de modo diferente em lugares e tempos diversos. Sendo assim, o homem no uma condio para que as aes sociais existam, mas ele o resultado delas, uma imagem projetada, uma identidade que ele assume como sua. Assim, se louco ou lcido, enfermo ou so, revolucionrio ou reacionrio, gordo ou magro, o sujeito se coloca em relao aos discursos que produz e que nele se produzem. Esses termos so j interpretaes no interior de discursos e no embate entre discursos, seja o da cincia, o da religio crist, o da psicologia, o da medicina etc.

    Se o sujeito uma construo histrica, como prope Foucault, contudo, ele no necessariamente determinado (assujeitado) pela histria. neste sentido que um autor como Ingo Voese (2003) vai defen-der que o sujeito se constitui pela mediao do discurso e que como tal ele pode desenvolver conscincia sobre essa mediao. Defende, em ampliao ao pensamento de Paulo Freire, Gyrgy Lukcs e Agnes Heller, que o homem torna-se tanto mais sujeito quanto maior seja a conscincia da mediao discursiva e mais desenvolvido seja seu senso de coletividade. Apoia-se tambm em Mikhail Bakhtin, ao afirmar que o

    Michel Foucault (1926-1984) foi um dos mais influentes pensadores do s-culo XX. Sua obra, que contempla temas relativos aos mais diversos campos disciplinares (tais como Sociologia, Histria, Filosofia, Lingustica, Crtica literria, Antropologia, Psicologia), atm-se relao entre conhecimento e controle social. Muitos dos conceitos que props (como discurso, poder, sujeito, formao discursiva, dispositivo) so importantssimos para o deba-te acadmico atual e para a compreenso de como a sociedade se organiza e quais posies os sujeitos podem ou so obrigados a ocupar (ou seja, as condies, possibilidades, interdies do sujeito). Em sua obra, ele procura mostrar como as relaes sociais so constitutivamente permeadas pelo po-der que, como elemento interno, constitui tanto a segregao quanto a juno das pessoas. Para ter poder preciso saber; , portanto, necessrio fundar um campo disciplinar que diga o que algo e como esse algo deve se comportar. Sua obra tem duas fases: no incio, a arqueologia do saber (com sua busca pela gnese dos campos disciplinares como a psiquiatria e, com ela, a descrio da sociedade moderna disciplinarizada ps-sculo XVIII); depois, a genealogia do poder, com os micropoderes que perpassam os dispositivos sociais como a lei, a sade, a famlia, e como eles controlam a subjetividade humana. O livro A ordem do discurso (1971) texto de passagem entre as duas fases da obra foucaultiana.

  • 15

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    desenvolvimento do sujeito e da conscincia dependem da superao da esfera imediata, ou seja, da pos-sibilidade que um humano especfico tenha de conviver com outras vozes, outros pontos de vista, outras

    realidades, outros discursos, para alm daqueles que o cercam; de estar em relao de transgredincia, de se ver a partir do ponto de vista de outro humano.

    Sendo assim, ao desenvolver conscincia da mediao discursiva e da construo coletiva da reali-dade e das prprias identidades, medida que supera a esfera imediata, o ser humano reelabora o coletivo a partir de sua prpria apreciao (singular, individual, mas no individualista) do mundo. Nesses termos, que Voese afirma:

    O significado, pois, da expresso ser sujeito inclui assumir que a heterogeneidade so-cial e discursiva deve ser concebida, concomitantemente, como produto da atividade de conscincias singulares e individuadas, e como condio de constituio dos homens em individualidades. (VOESE, 2003, p. 175)

    Ingo Voese (1940-2007) foi um analista do discurso que se dedicou a pensar o papel da linguagem na constituio da conscincia social. Para ele, uma das metas fundamentais da escola possibilitar, aos estudantes, uma refle-xo sobre a mediao discursiva, de modo que eles possam tanto ampliar seu mundo para alm da esfera imediata, quanto atuar pelo social, em meio ao conflito e gesto solidria de vozes. Dentre seus livros, destacam-se: O MST na imprensa: um exerccio de Anlise do Discurso (1998), Argumen-tao jurdica (2001), Anlise do Discurso e o ensino de Lngua Portugue-sa (2004).

    REFLEXO E AO

    Nesta unidade discutimos a formao da rea de Linguagens, o conceito de linguagem e apresen-

    tamos os conhecimentos da rea. Agora vamos refletir um pouco sobre esses temas atravs da discusso

    do filme O enigma de Kaspar Hauser, do diretor alemo Werner Herzog, que voc pode assistir em:

    https://www.youtube.com/watch?v=MxpuYFouR70. Consideremos a seguinte ordem na atividade:

    1) Assistir ao filme, procurando observar e anotar, quais so as relaes entre linguagem e cons-

    truo da realidade; como as prticas de linguagem esto atreladas aos contextos sociais e histricos;

    como os conhecimentos de linguagem listados acimas aparecem no filme.

    2) Em roda de discusso, comparar as anotaes e reflexes.

    3) Ainda no grupo, discutir a relao entre imposio e opo na linguagem e entre reproduo e

    mudana social.

    2. Os sujeitos estudantes do Ensino Mdio e os direitos aprendizagem e ao desenvolvimento humano na rea de Linguagens

    No Caderno II da Etapa I do PNEM j se falou sobre o sujeito do Ensino Mdio e aqui voltamos a ele, agora nos atendo um pouco mais sobre a rea da Linguagem. Nesta unidade, vamos passar pelo conceito de sujeito especificando o que vem a ser o sujeito jovem do Ensino Mdio, e como sua identi-dade e seu mundo se relacionam com os direitos aprendizagem e ao desenvolvimento humano na rea de Linguagens.

    2.1 Sujeito, sujeitos da escola, contexto, interao

    Sujeito um termo bastante antigo na histria do pensamento, mas vamos partir aqui da concepo de Foucault que est no cerne de qualquer discusso atual sobre esse termo. E por que sua reflexo to importante? Porque ele concebe o humano no como categoria pr-histrica ou a-histrica, mas como

    produto das relaes de poder que vo se constituindo de modo diferente em lugares e tempos diversos. Sendo assim, o homem no uma condio para que as aes sociais existam, mas ele o resultado delas, uma imagem projetada, uma identidade que ele assume como sua. Assim, se louco ou lcido, enfermo ou so, revolucionrio ou reacionrio, gordo ou magro, o sujeito se coloca em relao aos discursos que produz e que nele se produzem. Esses termos so j interpretaes no interior de discursos e no embate entre discursos, seja o da cincia, o da religio crist, o da psicologia, o da medicina etc.

    Se o sujeito uma construo histrica, como prope Foucault, contudo, ele no necessariamente determinado (assujeitado) pela histria. neste sentido que um autor como Ingo Voese (2003) vai defen-der que o sujeito se constitui pela mediao do discurso e que como tal ele pode desenvolver conscincia sobre essa mediao. Defende, em ampliao ao pensamento de Paulo Freire, Gyrgy Lukcs e Agnes Heller, que o homem torna-se tanto mais sujeito quanto maior seja a conscincia da mediao discursiva e mais desenvolvido seja seu senso de coletividade. Apoia-se tambm em Mikhail Bakhtin, ao afirmar que o

    Michel Foucault (1926-1984) foi um dos mais influentes pensadores do s-culo XX. Sua obra, que contempla temas relativos aos mais diversos campos disciplinares (tais como Sociologia, Histria, Filosofia, Lingustica, Crtica literria, Antropologia, Psicologia), atm-se relao entre conhecimento e controle social. Muitos dos conceitos que props (como discurso, poder, sujeito, formao discursiva, dispositivo) so importantssimos para o deba-te acadmico atual e para a compreenso de como a sociedade se organiza e quais posies os sujeitos podem ou so obrigados a ocupar (ou seja, as condies, possibilidades, interdies do sujeito). Em sua obra, ele procura mostrar como as relaes sociais so constitutivamente permeadas pelo po-der que, como elemento interno, constitui tanto a segregao quanto a juno das pessoas. Para ter poder preciso saber; , portanto, necessrio fundar um campo disciplinar que diga o que algo e como esse algo deve se comportar. Sua obra tem duas fases: no incio, a arqueologia do saber (com sua busca pela gnese dos campos disciplinares como a psiquiatria e, com ela, a descrio da sociedade moderna disciplinarizada ps-sculo XVIII); depois, a genealogia do poder, com os micropoderes que perpassam os dispositivos sociais como a lei, a sade, a famlia, e como eles controlam a subjetividade humana. O livro A ordem do discurso (1971) texto de passagem entre as duas fases da obra foucaultiana.

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    Linguagens

    A conscincia sobre as determinaes e possibilidades, por sua vez, importante, pois precisamen-

    te porque s essa condio permitir, por exemplo, decidir com clareza sobre o que deve ser preservado e

    reproduzido, e o que, atravs de acordos, pode e deve ser transformado. (VOESE, 2003, p. 170)

    Quando se fala na escola, portanto, temos a presena de inmeros sujeitos, sejam aqueles consti-

    tudos pelo discurso pedaggico como professores, alunos, inspetores, supervisores, sejam aqueles cons-

    titudos pela atividade social extramuros, como o catlico, o ateu, o metaleiro, o funkeiro, o ecologista.

    O desenvolvimento da atividade educativa se d no contexto da constituio subjetiva, mediante

    identidades e prticas especficas, seus regulamentos, seus embates, e acordos. Para que essa atividade

    educativa faa sentido para esses sujeitos, eles precisam ser contemplados em uma interao autntica,

    onde haja espao para as opinies, os debates, as decises.

    Quando se fala do conhecimento sobre linguagens, e de uma educao pautada pelos direitos

    aprendizagem e ao desenvolvimento humano, se fala dessa possibilidade de conhecer e reconhecer as

    prticas de linguagem, de ir alm das prticas cotidianas, de refletir sobre o que significa aderir a elas ou

    reneg-las, sobre as possibilidades de acesso e subverso. Fazer musculao, praticar ioga, pilates. Como

    atingem o corpo? Como conferem status? Quem tem acesso ao qu? O que se pode ou se quer escolher?

    Falar em uma reunio, corrigir um trabalho, escrever um conto. Que poderes essas atividades conferem ao

    sujeito? Como invisibilizam outras atividades e identidades?

    2.2 Subjetividade e produo de conhecimento na juventude

    Como to bem foi tratado no Caderno II da Etapa I desta formao, no Ensino Mdio est em questo

    um sujeito aprendiz que se identifica e identificado como jovem, sendo que a juventude , ento, defi-

    nida como uma condio social e um tipo de representao. (BRASIL, 2013, p. 14). uma condio

    social, pois se trata de uma fase de transformaes fsicas, cognitivas e sociais. uma representao, pois

    ser jovem tambm uma construo social que muda de comunidade para comunidade e de tempo para

    tempo. Considerando-se as diferenas em termos de condies sociais, diversidade cultural, diversidade

    de gnero, diferenas territoriais, no existe uma, mas vrias juventudes.

    Os problemas no caracterizam a juventude, mas so aspectos relacionados s demandas e carn-

    cias prprios de uma determinada sociedade e momento. Tanto os problemas quanto as potencialidades e

    possibilidades so elementos que compem a ao transformadora da realidade se o jovem for entendido

    como sujeito em constituio, tanto quanto o adulto o .

    A aprendizagem demanda participao e o jovem tem um modo caracterstico de produzir sentido

    em suas prticas. A escola pode contribuir com seu aprendizado na medida em que respeita suas especifi-

    Pesquisem sobre as dimenses da Poltica Nacional de Juventude desde 2005, quando houve a criao da Secretaria e do Conselho Nacional de Juventude. O Brasil o nico pas da Amrica Latina que possui um conselho voltado especificamente para os jovens. Vide: http://www.juventude.gov.br/politica

  • 17

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    cidades, possibilitando a ressignificao de sua ao e a formao de repertrios culturais de forma crtica.

    Nesse sentido que o Caderno II da Etapa I aponta:

    Uma das mais importantes tarefas das instituies educativas hoje est em contribuir para que os jovens possam realizar escolhas conscientes sobre suas trajetrias pessoais e constituir os seus prprios acervos de valores e conhecimentos no mais impostos como heranas familiares ou institucionais. (BRASIL, 2013, p. 19)

    Pode-se recorrer aqui formulao de Boaventura de Souza Santos (1987) de um conhecimento

    consequente para uma vida decente. O conhecimento no processo de ensino e aprendizagem conse-

    quente quando mobilizado a partir da prpria histria de vida dos estudantes, servindo para que eles

    possam pensar formas de insero social e de construo (manuteno, retomada, dependendo da situa-

    o) de um mundo igualitrio e, portanto, decente.

    No caso das prticas de linguagem (da cultura corporal de movimentos, das artes, das prticas enun-

    ciativas em lnguas), o jovem pode tambm delas se apropriar para acessar espaos sociais, quanto para

    refletir sobre o seu mundo e sua identidade. No h dvida que saber ler, escrever, apreciar obras artsticas,

    falar um idioma estrangeiro, atuar sobre o corpo so desafios aos profissionais da escola e aos estudantes.

    Eles, por outro lado, pouco podem se beneficiar de uma escolha que trabalhe essas prticas como treino ou

    como conhecimento esttico. Quando os estudantes vo aprender a produzir um jornal escolar, por exem-

    plo, no tanto o caso de aprenderem a seguir uma metodologia, ou de decorar definies do que seja uma

    notcia ou uma reportagem. Seria interessante que eles aprendessem a descobrir como fazer, a escolher os

    gneros, a pensar o que fariam diferente em uma segunda edio. Os professores no vo estar o tempo

    todo na vida desses sujeitos para dizer por onde ir e dar opes de escolha e definies. Quase sempre,

    aps a fase escolar, o estudante ter que descobrir sozinho como se integrar em um ambiente de trabalho,

    em um movimento social, em uma igreja, sindicato. Nesse momento, sero teis algumas definies,

    mas, principalmente, um conjunto de estratgias de busca e tratamento de informaes, de comparao e

    julgamento de prticas.

    2.3 Prticas de linguagem nos componentes curriculares da rea

    Como vimos falando at aqui, ao se pensar o ensino e a aprendizagem na rea de Linguagens como

    um modo de oportunizar aos estudantes a construo de sentidos se posicionando em meio a diversos pon-

    tos de vista, tem-se como centro operacional o prprio processo de constituio do sujeito. Nesses termos,

    a prtica educativa da rea visa produzir um conhecimento reflexivo e crtico sobre as linguagens, seja

    quanto s manifestaes cotidianas (como as prticas do meio familiar), seja quanto s manifestaes de

    esferas mais elaboradas (como os conhecimentos acadmicos, artsticos, literrios, miditicos etc.).

    Nesses termos o trabalho com os componentes e interdisciplinarmente na rea, e fora dela, se be-

    neficia ao considerar as potencialidades e pendncias em termos dos conhecimentos a que os jovens tm

    acesso e aos saberes que esto formando. Nossos estudantes precisam desenvolver sofisticados saberes

    relacionados leitura e a produo textual em lnguas maternas e estrangeiras, contemplando vrias es-

    feras sociais e discursos, precisam se apropriar criticamente das manifestaes da cultura corporal de

  • 18

    Linguagens

    movimentos e das prticas e movimentos artsticos compreendendo,

    alm disso, a reflexo sobre o mundo digital, os projetos de vida, as

    possibilidades e questes relativas ao trabalho etc. Nos componentes

    da rea de Linguagens, portanto, h muitas possibilidades em latncia

    para o desenvolvimento desses saberes situados e consequentes, sendo

    exemplos:

    a formao de rodas de leitura e compartilhamento de tex-

    tos produzidos, a instaurao de ciclos de debates e diversos outros

    eventos, a produo de mdias que viabilizem conhecimentos sobre a

    sociedade (a relao entre as mdias e os poderes pblicos e privados,

    por exemplo), conhecimentos tcnicos (dominar, por exemplo, a lei-

    tura e produo e textos jornalsticos em lngua materna e estrangeira)

    e conhecimentos pessoais (de se ver como agente social e poltico).

    Um recurso importante, nesse caso, a formao de convnios com os

    jornais comunitrios para trocas de experincias e trabalho conjunto;

    a construo de fruns de intercmbio entre estudantes falan-

    tes de lnguas diferentes, a apreciao da produo cultural em lnguas

    estrangeiras, a participao em movimentos internacionais de hip-hop,

    de questes da juventude, de produo audiovisual etc.;

    o desenvolvimento de projetos culturais (de teatro, dana,

    msica, artes plsticas), a participao em movimentos j instaurados

    (como os cineclubes, os saraus, as exposies), a frequncia a apare-

    lhos culturais (teatros, cinemas, museus, feiras etc.);

    projetos esportivos, as prticas que trazem embutidos movi-

    mentos altamente atrativos e motivacionais para os jovens, como a ca-

    poeira e a cultura afro, a caminhada em trilhas e as causas ecolgicas,

    o folclore e o conhecimento e preservao da cultura regional (como

    o Boi de Mamo, em Santa Catarina, que j conta com inmeras asso-

    ciaes com as quais se pode fechar convnios).

    Muitas dessas prticas viabilizam atividades educativas que

    vo alm do interdisciplinar, ganhando um carter transdisciplinar.

    Caminhadas em trilhas, por exemplo, podem ser discutidas a partir da

    cultura corporal de movimentos, da preservao ecolgica, do turis-

    mo e da indstria cultural, podem ser fotografadas, podem ser textu-

    alizadas e disponibilizadas em diversas lnguas e mdias. A produo

    de um jornal ou rdio tambm podem ensejar a produo de sees

    e programas envolvendo diversos componentes curriculares. Sempre

    lembrando que na escola no se trata nunca de reproduzir as prticas,

    Consulte o acervo com-pleto da DVDteca com 162 ttulos sobre arte bra-sileira e tenha acesso ao trailer e ao material edu-cativo, em pdf, de cada documentrio disponvel. Acesse: http://artenaescola.org.br/dvdteca/catalogo/?-check=&token=c93941f59b-1739965467ce09e18bea11b-c35fcce&tag=&categoria=Arte+%26+matem%C3%A-1tica

  • 19

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    mas de traz-las para os contextos das necessidades e potncias dos estudantes, e sempre de forma crtica,

    comparativa, reflexiva.

    Ao mobilizar e repensar as diversas linguagens que transitam pelo contexto juvenil, a rea coloca

    em cena conhecimentos relacionados s prticas socioculturais de diferentes grupos sociais. Valorizam-se,

    assim, as maneiras do jovem estar e se apresentar ao mundo, de vivenciar criticamente as prticas sociais

    e a mediao discursiva que nelas incidem. As formas de interagir, de se divertir, de vestir, de relacionar,

    de ser e de se expressar so oportunidades valiosas para a atividade educativa, bem como as janelas que

    se abrem para um efetivo envolvimento dos estudantes nessas prticas e na vida social como um todo.

    Os movimentos sociais juvenis, sobretudo das classes menos abastadas, emergentes de locais onde

    as perspectivas so escassas, vm demonstrando, mediante pesquisas e aes, que tais iniciativas exercem

    tambm a funo de aumentar a autoestima dos participantes e criar uma maior identificao com o seu

    contexto, impactando nas demandas prximas quelas comunidades, estimulando estes jovens brasileiros

    a lutarem por uma realidade melhor, junto s polticas pblicas voltadas para a juventude.

    2.4 Direitos de aprendizagem e desenvolvimento humano e as prticas de linguagem

    Nesse texto j mencionamos diversas vezes os direitos aprendizagem e ao desenvolvimento hu-

    mano, mas o que so esses direitos? Entendemos que so as possibilidades de reflexo e ao a que os jo-

    vens podem e devem chegar, e possuem a finalidade precpua de assegurar o direito educao. Falar em

    direitos de aprendizagem no significa elaborar uma lista de conhecimentos a serem transmitidos, mas de se pensar modos de ampliar os saberes que permitam aos estudantes realizar e analisar criticamente uma

    variada gama de prticas de diferentes esferas sociais. Nesse sentido que, em considerao formao

    dos saberes dos sujeitos para a ao, as DCNEM de 2012 apontam, em seu artigo 15, pargrafo 2 que: O projeto poltico-pedaggico, na sua concepo e implementao, deve considerar os estudantes e os

    professores como sujeitos histricos e de direitos, participantes ativos e protagonistas na sua diversidade

    e singularidade. Ainda, no que tange a essa ampliao das possibilidades do fazer, as DCNEM apontam

    em seu artigo 17, inciso III, a necessidade de se fomentar alternativas de diversificao e flexibilizao,

    pelas unidades escolares, de formatos, componentes curriculares ou formas de estudo e de atividades, es-

    timulando a construo de itinerrios formativos que atendam s caractersticas, interesses e necessidades

    dos estudantes e s demandas do meio social, privilegiando propostas com opes pelos estudantes.

    Os direitos aprendizagem e ao desenvolvimento humano, portanto, dizem respeito s experincias

    as quais os estudantes tero acesso e aos tipos de saberes que constituiro. Nesse texto, estamos entenden-

    do que os estudantes tm direito:

    1. pluralidade de prticas e valores socioculturais;

    2. considerao de seus saberes na relao com a experincia escolar;

    3. compreenso, apropriao e uso de vrias formas de linguagem;

    4. ao acesso crtico a patrimnios;

  • 20

    Linguagens

    5. reflexo sobre as relaes de poder e sobre as instituies polticas;

    6. problematizao das relaes entre cultura, cincia, tecnologia, sociedade e ambiente;

    7. construo e apropriao de ferramentas conceituais e procedimentais de diversas tradies do

    conhecimento humano;

    8. historicidade como forma de desnaturalizao das condies de produo e validao dos

    conhecimentos;

    9. ao pensamento emancipador;

    10. ao desenvolvimento de prticas refletidas e orientadas ao cuidado de si;

    11. apropriao de estratgias de tratamento de dados que viabilizem pensar a produo e a

    transformao do conhecimento e da realidade;

    12. atuao consciente no que concerne aos dilemas da contemporaneidade que afetam a dignidade

    humana;

    13. vivncia no espao escolar de experincias intencionalmente organizadas que considerem os seus

    interesses especficos;

    14. reflexo sobre o trabalho humano e seu papel na construo das relaes entre pessoas e destas

    com as instituies.

    Na seo 1.3, pontuamos os conhecimentos da rea de Linguagem que podem ser mobilizados nas

    prticas educativas, sendo que eles dizem respeito:

    a) organizao e ao uso crtico das diferentes linguagens;

    b) cultura patrimonializada local, nacional e internacional;

    c) diversidade das linguagens;

    d) naturalizao/desnaturalizao das linguagens nas prticas sociais;

    e) autoria e ao posicionamento na realizao da prpria prtica;

    f) ao mundo globalizado, transcultural e digital e s prticas de linguagem.

    Quando esses conhecimentos ganham espao nas atividades de ensino e aprendizagem desencadea-

    das na escola, ao mesmo tempo remetem a direitos que nos estudantes se manifestam como potencialida-

    des. Nesse sentido que quando trabalhamos o conhecimento d em prticas, como um debate sobre o

    eurocentrismo na arte, por exemplo, ou sobre a idealizao do falante nativo de uma lngua estrangeira, ou

    ainda uma pesquisa sobre as condies de classe, gnero, etnia nos esportes, estamos criando condies

    para a efetivao dos direitos de aprendizagem 5, 6, 8 e 9.

  • 21

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    REFLEXO E AO

    Nesta unidade refletimos sobre o sujeito jovem, as prticas de linguagem e os direitos de aprendi-

    zagem. Para que possamos agora investigar formas de levar essas reflexes para a atividade edu-

    cativa, propomos um exerccio que leve em conta a realidade dos estudantes, e que compreende

    quatro etapas, quais sejam:

    a) Em conversa com seus alunos, levante cinco prticas de linguagem (interao/expresso) que

    esto presentes em suas vidas.

    b) Aponte como elas poderiam ser mobilizadas como atividades de ensino e aprendizagem,

    quais conhecimentos da rea de linguagens estariam presentes e quais direitos aprendiza-

    gem e ao desenvolvimento humano seriam contemplados.

    c) Em uma roda de conversa, exponha seu levantamento e reflexo aos colegas.

    d) Considerando os levantamentos expostos por todos os colegas, desenvolvam uma discusso,

    contemplando o alcance dos direitos e as possibilidades de trabalhos interdisciplinares.

  • 22

    Linguagens

    3. Trabalho, Cultura, Cincia e Tecnologia na rea de Linguagens

    Conforme estabelecido pela DCNEM de 2012 (art. 4, inciso VIII), o trabalho, a cultura, a cincia e

    a tecnologia so dimenses da educao e, portanto, do desenvolvimento curricular. Nesta unidade, vamos

    ver como essas dimenses se relacionam com a rea de Linguagens e seu trabalho pedaggico.

    De modo geral, pode-se dizer que essa rea busca expandir a compreenso dos estudantes para alm

    do carter instrumental das linguagens, enfatizando o modo como elas contribuem para a organizao das

    relaes humanas, em especial as significaes que emergem das relaes de trabalho, o empoderamento

    que advm do domnio da cincia e de questionamentos a ela endereados, os vnculos desta com as tec-

    nologias, o modo como estas se articulam com o trabalho e como essas inter-relaes configuram a cultura

    contempornea.

    Nossa reflexo aqui vai tematizar primeiro o trabalho, depois a cultura, a cincia e, por fim, a tecno-

    logia, procurando sempre evidenciar as inter-relaes que se mantm entre todos esses fenmenos sociais.

    O trabalho, nosso primeiro tema de reflexo, referido nas DCNEM (BRASIL, 2012) na sua perspectiva ontolgica de transformao da natureza como realizao inerente ao ser humano e como

    mediao no processo de produo da sua existncia. Logo, ocupa ele um lugar de extrema relevncia na

    configurao das relaes humanas, na particularidade das diferentes culturas e nos grupos sociais que as

    constituem.

    Os seres humanos encontram no trabalho no s um modo de satisfazer suas necessidades, mas tam-

    bm de potencializ-las para alm da dimenso vital que nos iguala aos animais. Por isso, possvel dizer

    que os humanos se produzem a si mesmos para alm da natureza; qualidade que identificamos como a

    dimenso ontolgica do trabalho. Soma-se a essa capacidade o carter teleolgico da interveno huma-

    na sobre o meio material, isto , a capacidade de ter conscincia de suas necessidades e de projetar meios

    para satisfaz-las. (BRASIL, 2012). Esta capacidade que nos torna potencialmente livres, capazes de

    deliberao acerca das nossas aes; potencialidade da qual pode emergir a tica, a esttica e a poltica. O

    pensamento, por sua vez, articula-se como linguagem (logos), nas suas diferentes formas, potencializando

    modos de existncia, configuraes de mundos e o prprio sentido da existncia; o que torna compreen-

    svel a afirmao de que quando morre uma lngua, morre uma possibilidade de mundo humano. Em

    se tratando de formas elaboradas de comunicao humana pode-se dizer que estas so possveis porque o

    pensamento reflete realidades experienciadas que atribuem sentidos aos conceitos e ideias. A linguagem

    , nesses termos, mediadora na construo da identidade do indivduo no processo dinmico e conflituoso

    entre as pretenses do sujeito e o contexto social.

    Conforme consta no Parecer CNE/CEB n 5/2011 que dispe sobre as Diretrizes Curriculares Nacio-

    nais do Ensino Mdio, ao referir-se Lei de Diretrizes e Bases da Educao (Lei 9.394/1996), o Ensino

    Mdio como etapa da Educao Bsica deve possibilitar aos adolescentes, jovens e adultos trabalhadores

    o acesso aos conhecimentos que permitam a compreenso das diferentes formas de explicar o mundo,

    seus fenmenos naturais, sua organizao social e seus processos produtivos. Esse propsito encontra na

    rea de Linguagens uma grande potencialidade de realizao, dado que o universo das prticas em ln-

    guas materna ou estrangeira, artsticas e corporais, veiculam vises de mundo que, por um lado, podem

  • 23

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    nos ajudar a situar os sujeitos nas suas singularidades e, por outro, nos fazem ver, dado o incremento das

    tecnologias que nos globalizam, que somos suscetveis a processos homogeneizantes. (JENKINS, 2009)

    As linguagens e suas representaes acabam, muitas vezes, cumprindo um papel ideolgico que,

    a partir de algumas perspectivas, pode ser visto como de encobrimento das distintas realidades em que

    vivem os sujeitos, em especial do lugar que ocupam no mundo do trabalho. Outras perspectivas tratam

    tambm do carter ideolgico da linguagem, mostrando-nos que tudo o que dizemos marcado por valo-

    res que encontram-se sempre em uma relao conflituosa e dinmica com outros. Este fenmeno pode ser

    problematizado pelas prticas pedaggicas da nossa rea, evidenciando as contradies que acompanham

    muitas dessas prticas. o que mostra esta charge de Glauco (do livro Abobrinhas da Brasilnia), ao

    tematizar a ideologia, mais especificamente no que tange homogeneizao promovida pela televiso.

    Podemos imaginar que a rea de Linguagens poderia contribuir para que os jovens refletissem, sob

    vrias perspectivas, acerca do universo do trabalho, seja no que tange aos fatores condicionantes que este

    promove, tais como ganhos econmicos que dele advm, seja tambm pelas significaes que o acompa-

    nham, incluindo nessas problematizaes questes relativas a identidades socioculturais, estticas, polti-

    cas, associadas aos diferentes grupos juvenis.

    FONTE:

    http://www.vestiprovas.com.br/questao.php?id=9622 (2014)

  • 24

    Linguagens

    A esse respeito, a rea de Linguagens pode desenvolver a com-

    preenso de como a lgica da produtividade, inerente ao trabalho na

    sociedade capitalista, tende a hierarquizar por exemplo, as disciplinas

    escolares, estabelecendo tambm categorizaes e hierarquizaes de

    conceitos, tais como: razo x emoo; intelecto x corpo; cognio x

    expresso etc. Ao no problematizar estas configuraes, a tendncia

    que elas sejam naturalizadas ( assim, sempre foi assim), enquan-

    to que ao compreend-las, em seu carter de construo histrico-cul-

    tural, a tendncia que as novas geraes estabeleam uma relao

    crtica e dinmica com tais determinaes, o que traz implicaes em

    termos do exerccio da cidadania.

    De modo mais especfico, a dimenso do trabalho vinculada ao

    processo educativo pode nos levar a compreend-lo como processos

    a partir dos quais conhecimentos, de diferentes maneiras, so cons-

    trudos. No que diz respeito aos diversos componentes curriculares

    da rea de Linguagens, esse trabalho envolveria tanto prticas peda-

    ggicas, quanto seus resultados. Em outras palavras, a dimenso do

    trabalho abarcaria tanto os processos de ensino e aprendizagem, quan-

    to o uso crtico das diversas linguagens e formas de expresso, em

    situaes diversas, dentro e fora da sala de aula.

    No que se refere cultura, as DCNEM (BRASIL, 2012) tomam

    como referncia um conceito que entendemos como antropolgico,

    uma vez que a compreendem como o resultado de uma dinmica cole-

    tiva e dialgica, a qual viabiliza modos de vida das diversas socieda-

    des, bem como a organizao produtiva dos grupos humanos.

    Da atividade cultural, resultam as representaes e significados

    que, em retorno, orientam as relaes sociais e aspectos normativos de

    conduta de uma sociedade. Por essa perspectiva, a cultura compreen-

    dida como a articulao entre o conjunto de representaes e compor-

    tamentos e o processo dinmico de socializao, constituindo o modo

    de vida de uma populao determinada. Portanto, a cultura tambm

    reconhecida como locus de disputa de valores e sentidos.

    Na perspectiva de uma formao humana integral pautada pelas

    Diretrizes Curriculares Nacionais, o Ensino Mdio, tanto quanto pos-

    sibilitar o acesso a conhecimentos cientficos e tecnolgicos, tambm

    tem o compromisso de promover a reflexo crtica sobre os padres

    culturais que constituem normas de conduta dos grupos sociais.

    Dos conhecimentos sobre as linguagens identificados na pri-

    meira unidade deste caderno, alguns ficam mais evidentes quando se

    A articulao entre traba-lho, cincia, tecnologia e cultura pode ser pensada a partir de uma leitura crti-ca sobre o lugar da cultura. Porto (2006, p. 7) destaca que [...] preciso lem-brar a insuficincia hist-rica no Brasil do debate que relaciona a cultura e a retomada da democracia, cultura e direitos sociais e, consequentemente, cultu-ra e desenvolvimento. A autora destaca ainda o de-bate poltico sobre o farto campo de oportunidades e/ou contribuies que uma ao conjunta envol-vendo a educao, a uni-versalizao dos servios culturais equipamentos e programas e desenvol-vimento local baseado em ativos singulares de cada comunidade, a organiza-o de uma indstria e um mercado cultural digno da capacidade e do talento de nossa diversidade criado-ra. (PORTO, 2006, p. 7)

    Para ampliar suas leituras sobre o conceito antropo-lgico de cultura, leia:

    LARAIA, R. Cultura: um conceito antropolgi-co. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

  • 25

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    trabalha com a dimenso da cultura do currculo. Em linhas gerais, trs abordagens diferentes podem ser

    salientadas: a apropriao e/ou aprofundamentos de diferentes prticas culturais; os conhecimentos neces-

    srios para melhor compreender as tendncias culturais contemporneas que se manifestam nas diferentes

    formas de linguagens; e as possibilidades oferecidas pelo universo das diferentes prticas culturais como

    campo laboral.

    Na primeira abordagem, as prticas corporais, as manifestaes artsticas, os gneros literrios, as

    diversas lnguas so materializaes de sistemas culturais, e como tal expressam diferentes possibilidades

    de perceber e exprimir a realidade. Nessa perspectiva, quando os estudantes tm a possibilidade de conhe-

    cer e se apropriar das mesmas, alargam suas perspectivas de mundo e suas possibilidades de refletir sobre

    si prprio e de intervir no contexto social.

    Nessa abordagem, tambm se inclui tanto o conhecimento sobre as manifestaes da linguagem

    enquanto cultura patrimonializada, como o conhecimento sobre a diversidade das linguagens. Trata-se de

    tematizar o patrimnio cultural, a partir de uma viso pluralista das linguagens e culturas, orientada por

    uma perspectiva menos centralizadora de validao de conhecimentos, que permite pensar a ideia de

    patrimnio num sentido mais alargado, possibilitando valorizar tanto as prticas culturais locais, como

    aquelas reconhecidas a nvel nacional e/ou internacional.

    Um olhar para as prticas de linguagem pelo prisma de perspectivas no essencializadas e mais

    politizadas de cultura, implica a possibilidade de legitimao de diversas manifestaes lingusticas e

    culturais que esto geralmente colocadas margem. O reconhecimento dessa diversidade de textos, lin-

    guagens e saberes como modos legtimos de pensar, sentir, ser e estar no mundo, bem como de produzir

    conhecimentos, leva-nos a perceber o carter situado e, portanto, tambm poltico do conjunto de prticas

    entendidas como patrimnio da humanidade.

    Quando analisamos a inter-relao entre cultura e a rea de Linguagens em uma segunda aborda-

    gem, possvel vislumbrar a contribuio dos componentes curriculares para que os estudantes melhor

    compreendam as duas faces da cultura (BRYM et al., 2006). Por um lado, a face da criao que consiste

    na possibilidade de os sujeitos e grupos sociais inventarem novas formas de enfrentar os mais diversos

    desafios da vida cotidiana, bem como de expressar-se mediante ritmos, gestos, rituais, palavras, sonorida-

    des, que tambm refletem xitos, necessidades, sentimentos, desejos etc. Por outro lado, h a face das con-

    Patrimnio cultural, no que tange s linguagens, trata-se do conhecimento sobre as configuraes/codificaes especficas historicamente construdas, que implicam em possibilidades de ser, ver, sentir e atuar no mundo. Inclui as expresses culturais reconhecidas como patrimnios imateriais por ins-tituies como a Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (UNESCO), ou o Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (IPHAN), apenas para mencionar algumas , as Expresses Orais e Grficas dos Wajpio, o Frevo, o Samba de Roda do Recncavo Baiano, a roda de capoeira - como tambm lnguas, formas de expresso, celebraes, danas populares, jogos, lendas, msicas, costumes e outras tradies ainda no institucionalizadas, que as comunidades ou grupos transmitem de gera-o a gerao, recriando-as coletivamente, ao longo do tempo.

  • 26

    Linguagens

    tingncias: trata-se de reconhecer que para toda criao utilizam-se

    matrias primas, e que essas so os elementos culturais que existem

    previamente e aos quais os sujeitos tm acesso. Nessa perspectiva, a

    criao cultural combina elementos preexistentes para gerar algo di-

    ferente. Dessa forma, a cultura existente coloca certos limites no que

    possvel pensar e fazer no momento da criao dessas outras formas

    de viver, de se expressar e de produzir.

    Nesta perspectiva, a cultura contempornea pode ser discutida,

    contemplada e experimentada na rea de Linguagens como uma

    oportunidade para o exerccio da liberdade, uma vez que podemos,

    na atividade educativa, franquear aos estudantes os conhecimentos

    necessrios para reconhecer e interagir com essas duas abordagens.

    Na primeira face da cultura, acima mencionada, poderamos

    destacar, entre muitas possibilidades, a oportunidade que os estudan-

    tes tm de ter contato com mltiplas referncias culturais permitidas

    pelas tecnologias de comunicao e informao, para alm do seu pr-

    prio contexto social imediato, bem como o contato crtico com os con-

    tedos veiculados pela mdia hegemnica. Outro aspecto a se destacar

    a presso dos movimentos sociais, os quais trouxeram diferentes

    configuraes para as prticas sociais no sentido de promover a visibi-

    lidade de grupos marginalizados pelas polticas pblicas, empresariais

    e institucionais, se destacando na conquista de espaos sociais e na

    legitimao de direitos de diferentes grupos, sejam raciais, tnicos,

    religiosos, de gnero etc., que constituem a sociedade brasileira.

    No que se refere tematizao da face da coero presente na

    cultura, entendemos que no poderia deixar de ser abordado com os

    estudantes, entre outros assuntos, o consumismo caracterstico da cul-

    tura contempornea, entendido como a tendncia de nos autodefinir-

    mos em termos dos bens e servios que compramos. Nesse sentido,

    a rea de Linguagens tem como desafio, por exemplo, permitir que

    os estudantes entendam os mecanismos utilizados pela publicidade

    no apenas para destacar as caractersticas de um produto venda,

    mas tambm para associar o mesmo a ideais socialmente valorizados,

    como sucesso, conquista, juventude, simpatia, sensualidade, beleza.

    Trata-se de possibilitar que os estudantes entendam as formas pelas

    quais os publicitrios nos ensinam a associar marcas com diferentes

    tipos de valores, bem como a acreditar que determinados produtos

    dizem (ou nos transformam) no tipo de pessoa em que nos necessi-

    tamos converter para sermos socialmente exitosos.

    Um exemplo muito cla-ro desse movimento foi a aprovao da Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que inclui no curr-culo de todas as redes de ensino a obrigatoriedade da temtica Histria e Cultura Afro-Brasileira. Outro marco importante a ser considerado o De-creto n. 8.136, de 5 de ju-nho de 2013, que aprova o regulamento do Sistema Nacional de Promoo da Igualdade Racial, vide http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2 0 1 4 / 2 0 1 3 / D e c r e t o /D8136.htm

    Assista o vdeo que re-trata as manifestaes da cultura popular brasileira na dana, msica, poesia e teatro: https://www.you-tube.com/watch?v=EX8aU-Tyw2gA

  • 27

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    Finalmente, uma terceira abordagem da dimenso da cultura

    na rea de Linguagens se materializa ao abarcarmos o campo labo-

    ral. Nesta dimenso, experincias pedaggicas que aproximem os

    estudantes dos desafios colocados por projetos de produo cultu-

    ral, como por exemplo o Programa Mais Cultura nas Escolas, em muito

    podem contribuir para entender e implementar a interao entre as

    linguagens, a cultura e o trabalho.

    Imaginem possibilidades como a de elaborar e executar um

    projeto (por exemplo, espetculos de teatro, dana, msica, festi-

    vais, mostras, eventos) ou desenvolver um produto cultural (revistas,

    livros, programas televisivos, de rdio), nos quais possam ser con-

    siderados, em sua formulao e realizao/execuo, tanto critrios

    artsticos, estticos, editoriais etc., como sociais, polticos, econmi-

    cos. Em processos como esses os estudantes, ao se ocuparem das di-

    versas fases do projeto concepo artstica e esttica, pblico alvo,

    gesto oramentria, logstica, captao de recursos, cronograma de

    execuo, produo, montagem etc. teriam oportunidade de apren-

    der tanto sobre as questes tcnicas implicadas no projeto, como as

    dimenses conceituais mais amplas demandadas pela prtica social

    desenvolvida.

    A desconstruo de estruturas culturais naturalizadas pelo

    tensionamento com a dimenso do trabalho, por exemplo, pode ser

    viabilizada pela promoo da pesquisa como princpio pedaggi-

    co, a partir da qual se podem articular diferentes componentes e

    reas do saber. Esse exerccio permite aos estudantes vivenciarem

    o carter emancipatrio de uma atuao que requer a produo de

    conhecimento relativo s diferentes dimenses do saber, quer seja

    cientfico, cultural, artstico, poltico. Trata-se de promover proces-

    sos que liberam-se dos estreitamentos promovidos pelo denominado

    senso comum, ampliando as capacidades de discernimento e crti-

    ca dos estudantes.

    Esse movimento, tal como consta nas DCNEM (BRASIL,

    2012), permite que essas relaes naturalizadas sejam deslocadas

    de seu contexto originrio e ordenadas, promovendo uma necessida-

    de de reelaborao. A prpria Cincia, na modernidade, como proje-to de compreenso do mundo com pretenses de objetividade, segu-

    rana, racionalidade, universalidade j mostrou suas limitaes. As

    elaboraes, fruto dessa perspectiva, trazem consigo a pretenso de

    uma neutralidade, livres do contexto em que emergem. Temos, en-

    Quando falamos de juven-tude e cultura pressupe-se constante inveno e reinveno de formas e ca-nais de comunicao entre diferentes geraes e insti-tuies sociais. Com a so-cializao das conquistas tecnolgicas, aceleram-se os processos de contato e se ampliam as possibili-dades de hibridismos cul-turais. Assim, observa-se uma potente condio de a incluso digital favore-cer s redes de agregao juvenis j constitudas com a formao de novos tipos de interesses. Dessa forma, a cultura tambm tem se revelado como es-pao de criao e manifes-taes artsticas ligadas ao mundo juvenil, fomentan-do inclusive categorias de profisso como, por exem-plo, iluminador teatral, ce-ngrafo, figurinista, cujas demandas de mercado re-querem formao espec-fica. Acesse o site e saiba mais sobre esta interao: http://www.danielpuig.me/eletricap/home.html

  • 28

    Linguagens

    to, a necessria aproximao entre a teoria e a prtica. Este esforo constitui aquilo que podemos

    chamar de trabalhos de conceituao (nomeao, ordenamento etc.) e reflexo (reviso termos e

    hierarquias criados), sem os quais a cincia seria inconcebvel.

    A Cincia, que pode ser entendida como o conjunto de conhecimentos sistematizados, produzi-dos socialmente ao longo da histria, como resultado da pesquisa e do embate entre vises de mundo

    diversas, se expressa na forma de conceitos representativos dos objetos que estuda, conforme propem

    as novas DCNEM. O conhecimento dos fenmenos, quando produzido pelas metodologias cientficas,

    constitui os campos da cincia, que so as disciplinas cientficas. Nestes termos, a cincia conforma

    conceitos e mtodos, sendo que esses, ao mesmo tempo, pelo menos em tese podem ser questionados e

    superados historicamente, no movimento sempre impregnado ideologicamente, da construo de novos

    conhecimentos.

    Assim sendo, podemos entender que as diferentes reas ou disciplinas movidas pelo princpio da

    pesquisa podem desenvolver prticas pedaggicas que rompam com o senso comum acerca dos temas

    que tratam, no sentido de acmulo de discusses e criticidade, mas no no sentido de se chegar a uma

    verdade ltima das coisas, nem de se tomar o conhecimento cientfico como superior a outros.

    As representaes que embasam nossas aes sociais no s se constituem via discursos, mas, para

    alm disso, elas adquirem existncia atravs de discursos. Como seres culturais, ns humanos mais que

    possuirmos linguagem, nos movimentamos em um universo lingustico que nos constitui. Entendemos

    assim que o esforo crtico que a rea de Linguagens pode promover ajudaria os jovens a explorar o

    universo de sentidos de diversas linguagens, dentre elas a linguagem cientfica que, no mundo contem-

    porneo, exerce grande presso sobre as prticas cotidianas e sobre a organizao da sociedade como

    um todo.

    A rea das Linguagens pode, desse modo, contribuir para que os jovens reconheam o papel das

    cincias na produo de novos conhecimentos, imprimindo assim um significado ao rigor cientfico ne-

    cessrio para tal fim. Por outro lado, a rea tambm pode contribuir para que os jovens elevem suas

    Max Weber considera que o entusiasmo apaixonado de Plato quando es-creveu A Repblica deve-se ao fato de ter descoberto o sentido de um dos maiores instrumentos de todo conhecimento cientfico: o conceito. (WE-BER, 1968)

    Aprendemos com Gadamer, quando este se refere a influncia sobre a lingua-gem do processo de estandartizao cientfica e tcnica, gerando um certo nivelamento, que inalcanvel um equilbrio definitivo entre a tendncia generalidade que caracteriza os conceitos, e os significados que o uso prag-mtico promove. O que certamente torna problemtica qualquer pretenso ltima de distinguir essncia e contingncia no que se refere ao significado dos conceitos e das palavras que os compem. Para saber mais sobre o pen-samento de Gadamer, leia: GADAMER, Hans-Georg. Verdade e mtodo I. 3 ed. Petrpolis: Vozes, 1999.

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    Formao de Professores do Ensino Mdio

    condies de percepo frente a esta forma de discursividade, realizando uma crtica epistemolgica,

    valendo-se dos processos mediados pela linguagem como meio de produo de significaes.

    Algumas questes que poderiam orientar esta crtica seriam: Como essa forma discursiva chamada

    cincia produz significaes? Com que signos ela trabalha? Para responder essas questes preciso de-

    codificar, des-construir, pois a cincia uma espcie de cdigo, de construo, ou seja, uma construo

    lingustica codificada e um discurso.

    A rea de Linguagens pode desenvolver esta reflexo propondo a discusso de questes como: por

    que o ingls tomado na atualidade como lngua oficial da cincia? Como lidar com isto? Por que a

    literatura pode valer-se de narrativas no cientficas? O que tomado como norma culta e linguagem de

    prestgio? Por que isso ocorre? Quais os poderes e ideologias que perpassam essas ideias e prticas? Como

    a ideia de criao da arte pode dialogar com a ideia de criao nas cincias? De que modo a cincia se

    relaciona com as prticas corporais? A arte cincia?

    O Parecer n 5/2011 sobre as DCNEM (BRASIL, 2011) sintetiza o conceito de tecnologia como

    a extenso das capacidades humanas, mediante a apropriao de conhecimentos como fora produtiva.

    Nessa linha, a tecnologia considerada como uma transformao da cincia em fora produtiva ou me-

    diao do conhecimento cientfico, e sua produo ocorre sempre atravessada pelas relaes sociais em

    que gerada. Ao mesmo tempo em que produzem mediao e transformao do conhecimento cientfico,

    as tecnologias modificam as relaes sociais, na medida em que transformam os meios atravs dos quais

    agimos: por exemplo, a chegada da linha de trem em uma cidade relativamente isolada no interior do

    Brasil no incio do sculo XX, trazia todo um conjunto de novas relaes comerciais, matrias-primas,

    conhecimentos, transformaes culturais e do prprio espao urbano. As mesmas transformaes se ve-

    rificam com as novas tecnologias de comunicao que mudam o modo como as pessoas se relacionam e

    constroem a sociedade e a realidade.

    A cultura moderna delegou ao conhecimento cientfico a exclusividade do saber, esquecendo que a cincia, com todos os seus sucessos e princpios, continua a ser um fato de civilizao e no pode ser transmudada em norma de uma tica, ou de uma poltica do conhecimento. (CHRTIEN, 1994, p. 25). Ainda, dar-lhe poderes absolutos torn-la um mito, esquecendo, como lembra a crtica epistemolgica, tratar-se de uma forma de saber, produto de certas civilizaes e no um dado da natureza. (WEBER apud CHR-TIEN, 1994, p. 213)

    O que entendemos por cincia? Questo que revela muitas vezes que nosso paradigma de cincia no est sintonizado com o atual estgio da cincia. Uma boa leitura a este respeito a obra Introduo a uma Cincia Ps-Mo-derna de Boaventura de Souza Santos.

    Disponvel em: http://www.boaventuradesousasantos.pt/pages/pt/livros/introdu-cao-a-uma-ciencia-pos-moderna

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    Linguagens

    Num mundo onde os sistemas de comunicao exercem um papel estruturante e, no raras vezes

    dominador, onde as relaes migraram do produto para o consumo, a mediao tecnolgica constante.

    O cotidiano das pessoas, nas mais diferentes dimenses e das formas mais diversas, atravessado pela

    tecnologia.

    Em outras palavras, podemos dizer que as incessantes transformaes sociais que marcam os tempos

    atuais decorrem, entre outros fatores, das novas tecnologias e dos complexos processos de globalizao. No

    campo das Linguagens essas questes tm sido bastante enfatizadas e problematizadas, na medida em que

    as novas tecnologias impactam as relaes sociais, redimensionando-as.

    Distantes de vises tecnicistas, que reduzem a ideia de tecnologia a de objetos e recursos que nos

    auxiliam a resolver problemas, partimos de uma viso mais ampla, assumindo que as tecnologias assumem

    papis cada vez mais centrais, e muitas vezes problemticos, nos processos de constituio dos sujeitos.

    Assim como as linguagens, portanto, as tecnologias esto impregnadas ideologicamente e continuamente

    reorganizam relaes sociais e redefinem os espaos e os modos de participao social.

    Nessa perspectiva, as prticas sociais mediadas pelas linguagens podem manter um estreito vnculo

    com as tecnologias digitais. Nesse sentido, as prticas educativas na rea de Linguagens podero sofrer in-

    fluncias mais diretas das tecnologias e mdias digitais. Nesse caso, importante que haja problematizao

    e a releitura das vises acerca do conhecimento, do papel dos estudantes e dos professores na construo

    desses conhecimentos, entre outros fatores ligados s vises de mundo e de realidade que permeiam as pr-

    ticas em que os sujeitos esto envolvidos.

    Sendo as prticas sociais mediadas ou no pelas tecnologias digitais, discursivamente e culturalmente

    marcadas, assim tambm se evidenciam as prticas educativas e o engajamento dos sujeitos em relaes so-

    ciais em que as diversas formas de construo de sentidos se faam presentes. Assim sendo, entendemos que

    ao serem trazidas para o campo educativo, as tecnologias podem contribuir para o desenvolvimento dos es-

    tudantes se forem tambm objetos de questionamento, de problematizao, visando a ao crtica e criativa,

    que leva em conta o carter plural e historicamente situado da atividade humana, qualquer que seja ela.

    Por fim, vale a pena ainda destacar que o ensino, na rea de Linguagens, amparado por essa viso,

    faz prevalecer o pensamento de que a noo de cultura e identidade, de trabalho, cincia e tecnologia, assim

    como a ideia de lngua e outros modos de expresso e interao, so construtos ideolgicos nos quais esto

    implcitos certos valores e certas formas de ver o mundo. Desse modo, identidades culturais so criadas e

    no descobertas, e encontram-se em constante transformao. Da mesma forma, padres lingusticos, est-

    ticos, culturais so normatizados e validados em meio aos tensionamentos sociais.

    Sendo assim, na atividade educativa da rea de Linguagens, importante que problematizemos as no-

    es de falante nativo e de lngua padro, bem como as ideias de cnones artsticos e literrios, entre muitos

    outros exemplos, alm de questionarmos todo e qualquer tipo de esteretipo cultural e de preconceito, nos

    mbitos das lnguas, das artes e dos movimentos do corpo.

  • 31

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    REFLEXO E AO

    Uma forma de mobilizar vrios dos conceitos discutidos nesta unidade passa pela possibilidade de planejar um trabalho interdisciplinar, em que linguagens e as diferentes dimenses do currculo: trabalho, cultura, cincia e tecnologia apaream entrelaados com um tema de interesse dos jovens de Ensino Mdio. Entre tantos possveis, um desses temas poderia ser estudar o que faz a cabea das pessoas, particular-mente dos jovens, em relao ao padro corporal, o ideal esttico a ser alcanado por homens e mulheres.

    Para desenvolver um trabalho nessa linha, uma possibilidade seria debruar-se sobre uma revista ou outro artefato cultural consumido pelos jovens da sua escola, na qual o padro corporal fique sempre em

    evidncia. Dessa forma, para desenvolver essa atividade recomendamos que o grupo de professores escolha uma revista especfica, preferencialmente, disponvel em i