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CADERNOS IPPURPublicao semestral do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro

EditoraAna Clara Torres Ribeiro

Comisso EditorialAna Clara Torres Ribeiro Fania Fridman Helion Pvoa Neto Hermes Magalhes Tavares Pedro Abramo

Assessoria TcnicaAna Lcia Ferreira Gonalves

SecretariaKtia Marina da Cunha e Silva

Conselho EditorialAlain Lipietz (CEPREMAP-FR) Aldo Paviani (UNB) Bertha Becker (UFRJ) Carlos de Mattos (PUC-CHI) Celso Lamparelli (USP) Cllio Campolina (UFMG) Hlne Rivire dArc (CNRS-FR) Inai Moreira de Carvalho (UFBA) Leonardo Guimares (UFPB) Lcia do Prado Valladares (UNIV.LILLEURBANDATA) Maria de Azevedo Brando (UFBA) Maurcio de Almeida Abreu (UFRJ) Milton Santos (USP) in memoriam Neide Patarra (IBGE) Ramn Gutirrez (CEDODAL-AR) Roberto Smith (UFCE) Roslia Periss Piquet (UFRJ-UCAM) Tnia Bacelar de Arajo (UFPE) William Goldsmith (CORNELL-EUA) Wrana Maria Panizzi (UFRGS)

O CADERNOS IPPUR um peridico semestral, editado desde 1986 pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ. Dirige-se ao pblico acadmico interdisciplinar formado por professores, pesquisadores e estudantes interessados na compreenso dos objetos, escalas, atores e prticas da interveno pblica nas dimenses espaciais, territoriais e ambientais do desenvolvimento econmico-social. dirigido por uma Comisso Editorial composta por professores do IPPUR e tem como instncia de consulta um Conselho Editorial integrado por destacadas personalidades da pesquisa urbana e regional do Pas e do exterior. Acolhe e seleciona artigos de membros da comunidade cientfica em geral, baseando-se em pareceres solicitados a dois consultores, um deles obrigatoriamente externo ao corpo docente do IPPUR. Os artigos assinados so de responsabilidade dos autores, no expressando necessariamente a opinio do corpo de professores do IPPUR.

IPPUR / UFRJ Prdio da Reitoria, Sala 543 Cidade Universitria / Ilha do Fundo 21941-590 Rio de Janeiro RJ Tel.: (21) 2598-1676 Fax: (21) 2598-1923 E-mail: [email protected] http:\\www.ippur.ufrj.br

CADERNOS IPPURAno XXI, No 2 Ago.-Dez. 2007

Indexado na Library of Congress (E.U.A.) e no ndice de Cincias Sociais do IUPERJ. Cadernos IPPUR/UFRJ/Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. ano 1, n.1 (jan./abr. 1986) Rio de Janeiro : UFRJ/IPPUR, 1986 Irregular. Continuao de: Cadernos PUR/UFRJ ISSN 0103-1988 1. Planejamento urbano Peridicos. 2. Planejamento regional Peridicos. I. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional.

EDITORIAL

Novas territorialidades, geradas por rpidas mudanas na realizao do capitalismo, trazem atualmente novas obrigaes tericas e analticas ao pesquisador das questes territoriais. Este o caso, por exemplo, da necessria substituio do modelo centroperiferia que permanece orientando, mesmo que de forma apenas implcita, a leitura das disparidades regionais e das desigualdades socioespaciais. O esgotamento desse modelo decorre das inovaes tecnolgicas, da reestruturao produtiva, da ampliao da arena da produo e da reorganizao da diviso social e territorial do trabalho. Agora, as condies gerais da produo demandam fluidez e flexibilidade, tornando obsoletas concentraes de recursos antes consideradas indispensveis. Em conseqncia, as periferias esto em transformao, o que pode ser observado nas vrias escalas dos fenmenos econmicos, demogrficos, poltico-jurdicos e socioculturais estudados no campo do planejamento urbano e regional. Nesse campo, ocorre agora um forte investimento na identificao de fenmenos novos e na atualizao conceitual e metodolgica, como demonstra este nmero dos Cadernos IPPUR. Nessa atualizao, so particularmente importantes os estudos comparativos, as pesquisas de condicionantes econmicos do planejamento territorial e a anlise crtica de instrumentos jurdicos e urbansticos. Nesse sentido, resultados de pesquisa ora publicados evidenciam a relevncia que deve ser atribuda gnese desses instrumentos e, tambm, s suas efetivas conseqncias socioespaciais. Por outro lado, o presente nmero dos Cadernos IPPUR demonstra que a plena compreenso das conseqncias sociais de transformaes nas condies gerais da produo depende do reconhecimento de singularidades histricas. Afinal, o capitalismo neoliberal e a flexibilidade jurdica no acontecem num vazio cultural e na ausncia de determinantes sociais das desigualdades materializadas em contextos urbanos e regionais. Ao contrrio, as novas formas de produo da riqueza apropriamse de um espao marcado por esteretipos e preconceitos, como os que advm do racismo. Nesse sentido, a crise urbana no atual, mas, sim, estrutural e estruturante, sendo correto acrescentar que, nas novas faces do fenmeno urbano, continuam ativas foras segregacionistas at hoje no superadas. Dessa maneira, este nmero dos Cadernos IPPUR convida o leitor a reconhecer transformaes na estruturao das relaes socioespaciais, que incluem as novas

centralidades urbanas; as alteraes na mobilidade espacial; as mudanas na hierarquia dos lugares e, ainda, a potncia dos movimentos sociais. Juntamente com esses processos, a anlise do espao realizada neste nmero permite reconhecer a fora das permanncias e o acmulo de processos pretritos que reduzem a eficcia de instrumentos concebidos para a conquista de experincias territoriais mais justas e igualitrias. No cerne desses registros analticos, encontram-se, sem dvida, desafios diretamente relacionados s possibilidades de uma real conquista da democracia e da cidadania.

CADERNOS IPPURAno XXI, No 2 Ago-Dez 2007SUMRIOArtigos,7

Luciana Corra do Lago, 9 A "periferia" metropolitana como lugar do trabalho: da cidade-dormitrio cidade plena Maria Aparecida de Oliveira, Humberto Prates da Fonseca Alves, 29 Expanso urbana e desmatamento nas reas protegidas por legislao ambiental na Regio Metropolitana de So Paulo Rodolfo Gmez, 55 Ciudad, espacio pblico y movimientos sociales: entre la crtica y la internalizacin de las normas de funcionamiento social e institucional Alline Torres Dias da Cruz, 73 Suburbanizao, branqueamento e urbanidades na reconfigurao socioterritorial do Rio de Janeiro republicano Daniel Gaio, 93 Uma avaliao sobre as tcnicas de perequao urbanstica no direito brasileiro e portugus

REVISO GERAL E PROJETO GRFICO

Claudio Cesar SantoroCAPA

Andr Dorigo Lcia RubinsteinILUSTRAO DA CAPA

Imagem da direita: composio a partir da Ilustrao 2 do artigo de Ana Albano Amora Imagem da esquerda: represa Billings, municpio de So Paulo. Fotografia de Luciana Travassos (Lume-FAU-USP)

Rumos da Pesquisa,

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Ricardo Ojima, Robson Bonifcio da Silva, Rafael H. Moraes Pereira, 111 A mobilidade pendular na definio das cidades-dormitrio: caracterizao sociodemogrfica e novas territorialidades no contexto da urbanizao brasileira Ana Albano Amora, 133 O Departamento de Administrao Municipal e o desnvolvimento das cidades catarinenses durante o Estado Novo

Resenha,

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Petrleo e Regio no Brasil o desafio da abundncia. Organizao de Roslia Piquet e Rodrigo Serra por Paula Nazareth, 155

IPPUR PAPERSYear XXI, No 2 Aug-Dec 2007SUMMARYArticles,7

do Lago, Luciana Corra, 9 The metropolitan suburb as a working place: from the dormitory-city to the full city de Oliveira, Maria Aparecida; Alves, Humberto Prates da Fonseca, 29 Urban expansion and deforestation in areas protected by environmental legislation in the metropolitan region of So Paulo Gmez, Rodolfo, 55 City, public space and social movements: between critics and internalization of the social and institutional function norms da Cruz, Alline Torres Dias, 73 Suburbanization, whitening and urbanicities in the social-spatial reconfiguration of republican Rio de Janeiro Gaio, Daniel, 93 An evaluation of the techniques of urban equalisation in the Brazilian and Portuguese law

GENERAL REVIEW AND GRAPHIC PROJECT

Claudio Cesar SantoroCOVER

Andr Dorigo Lcia RubinsteinCOVER'S ILLUSTRATION

Image on the right: composition from the Illustration 2 of the article by Ana Albano Amora

Image on the left: Billings dam, So Paulo Ojima, Ricardo; da Silva, Robson Bonifcio; city. Photo by Luciana Travassos (LumePereira, Rafael H. Moraes, 111 FAU-USP) The commuter mobility in the definition of the dormitory-cities: social-demographic characterization and new territoriality in the Brazilian urbanization context Amora, Ana Albano, 133 The Municipal Administration Department and the development of the catarinenses cities during the New State

Research Routes,

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Paper,

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Oil and Region in Brazil the challenge of abundance. Organized by Piquet, Roslia and Serra, Rodrigo By Nazareth, Paula, 155

Artigos

A periferia metropolitana como lugar do trabalho: da cidade-dormitrio cidade plenaLuciana Corra do Lago

IntroduoO ttulo do presente trabalho contm uma contradio nos seus prprios termos. A noo de periferia, construda nos anos 1970 nos marcos da sociologia urbana marxista e incorporada em seguida ao senso comum, qualifica um determinado territrio na metrpole pelo conjunto de carncias que s nele so encontradas: carncia de servios pblicos bsicos, de urbanizao das reas pblicas, de titularidade da propriedade e de proximidade do mercado de trabalho, entre outras (Kowarick, 1983; Ribeiro e Lago, 1992). A noo de cidade-dormitrio surgiu como sntese dessas carncias e das enormes distncias a serem percorridas diariamente entre o lugar da moradia e o do trabalho. Portanto, a periferia como lugar do trabalho romperia com a definio em uso. E essa possvel ruptura que orienta a anlise a seguir. Estaramos, hoje, diante de uma nova configurao econmica e social do espao metropolitano cuja complexidade indica a superao da periferia (e seu centro) como categoria analtica? Estaramos diante de novas possibilidades produtivas nessas reas populares? Ou apenas diante de uma mudana na escala geogrfica com o crescimento econmico de alguns subcentros e o relativo aumento de postos de trabalho, formais e informais, nessas localidades? Essas questes comearam a tomar forma a partir de um exame exploratrio, com base no Censo Demogrfico de 2000, sobre o lugar de trabalho da populao ocupada residente na metrpole do Rio de Janeiro. Os resultados indicavam uma forte mudana no percentual

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XXI, No 2, 2007, p. 9-28

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A periferia metropolitana como lugar do trabalho: da cidade-dormitrio cidade plena

e no volume de pessoas que no saam diariamente de seu prprio municpio de residncia na periferia metropolitana para trabalhar: 63% dos ocupados trabalhavam, em 2000, no municpio em que moravam, representando cerca de um milho de pessoas, enquanto em 1980 o percentual era de apenas 48%, equivalente a cerca de 590 mil pessoas 1. Em sntese, houve uma reduo da mobilidade casa-trabalho de longa distncia para os moradores da periferia, o que permite pressupor que o mercado de trabalho no s se expandiu nessas reas, mas absorveu parte da mo-de-obra local. Uma primeira explicao para tal fenmeno seria que o aumento da imobilidade espacial dos trabalhadores estaria relacionado expanso da economia informal precria nas reas perifricas, inclusive nas mais distantes do centro, evidenciando uma descentralizao econmica perversa, ou seja, reas populares desconectadas dos centros que abrigariam uma economia precria de auto-subsistncia 2. Em outras palavras, o ganho com a proximidade do trabalho estaria atrelado a perda quanto natureza desse trabalho. Esse argumento vai ao encontro de uma srie de estudos sobre a realidade social das cidades brasileiras e latino-americanas, a partir dos anos 1980, desenvolvidos em torno de temticas tais como a precariza1 2

o do trabalho (Oliveira, 2004), a vulnerabilidade social (Wormald e Kaztman, 2002) e o isolamento socioterritorial dos pobres urbanos (Kaztman, 2001; Sabatini, 1998). A crise e a reestruturao econmica iniciadas na dcada de 1980 3 e a privatizao dos servios pblicos na dcada de 1990 teriam alterado as condies de acesso dos trabalhadores renda, moradia e aos servios urbanos e, como conseqncia, o padro de desigualdades socioespaciais e as formas de interao entre as classes sociais. No Brasil, a crescente instabilidade da renda resultante do desassalariamento e a inexistncia de poltica de oferta habitacional teriam reduzido o j restrito campo de possibilidades de aquisio de moradias dignas pelas famlias sem renda acumulada. Soma-se a esses fatores a expanso da oferta de servios pblicos privatizados por todo o Brasil, em consonncia com o aumento exponencial, nos anos 1990, do preo desses servios, em especial os de transporte e de energia eltrica. O resultado seria a complexa cadeia de atividades ilegais que se instituiu nas metrpoles brasileiras, desde o trabalho informal em todos os setores da economia at a expanso das favelas em reas centrais e distantes e os gatos de luz e gua. Entre os servios urbanos, o transporte pblico seria o mais excludente, na me-

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Aqui, utilizou-se o Censo Demogrfico de 1980 em funo da inexistncia da varivel lugar em que trabalha ou estuda no Censo de 1991. A noo de auto-subsistncia no tem o sentido, aqui, da atividade econmica voltada para a reproduo da prpria famlia, e sim para o grupo social do trabalhador residente na mesma regio. Sobre os impactos da reestruturao econmica no padro de desigualdades socioespaciais da metrpole do Rio de Janeiro na dcada de 1980, ver Lago (2000).

Luciana Corra do Lago

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dida em que o acesso a esse servio depende do pagamento antecipado, ou seja, mesmo a oferta ilegal do transporte coletivo no amplia a possibilidade de acesso aos sem rendimento. Esse seria um fator determinante da crescente imobilidade espacial dos mais pobres, o qual estaria bloqueando as possibilidades de trabalho, fora do lugar de residncia, dos desempregados e dos autnomos que vivem na incerteza da renda diria (Brasil, 2004). Sem a inteno de refutar tais correlaes, proponho aqui apresent-las como uma hiptese a ser investigada, o que exigir, necessariamente, a conjugao de estudos quantitativos e qualitativos. Assim, o presente artigo no tem como objetivo demonstrar empiricamente a relao entre imobilidade dos pobres, trabalho precrio e isolamento socioterritorial, mas sim ampliar o campo de reflexo dessa temtica, incluindo novos elementos e novas hipteses, que sero mostrados a seguir. Um segundo argumento para o referido aumento de pessoas trabalhando em seu prprio municpio de residncia 4 seria o maior dinamismo econmico em subcentros perifricos com a ampliao do mercado de trabalho local, especialmente para os setores mdios. Tal dinamismo geraria, ainda, uma economia, tanto formal quanto informal, de servios de mdia e baixa qualificao dirigidos para esses setores. Esse argumento estaria respaldado em dados estatsticos oficiais4 5

referentes s atividades econmicas formais 5 nos municpios da metrpole do Rio de Janeiro, entre 1996 e 2005, que revelam uma relativa desconcentrao dos setores da indstria e dos servios para fora da capital. Tendo como interlocuo os dois argumentos apresentados, a anlise a seguir buscar construir algumas conexes entre as mudanas na configurao socioterritorial da metrpole do Rio de Janeiro e as verificadas na espacialidade dos postos de trabalho, estando estruturada em quatro etapas. A primeira sintetizar brevemente as mudanas estruturais no mercado de trabalho metropolitano do Rio de Janeiro e de seu impacto nas condies urbanas de vida dos trabalhadores. A segunda examinar como e em que medida tais mudanas se refletiram de forma diferenciada no territrio metropolitano, particularmente nos municpios perifricos; sero analisadas as alteraes em curso no perfil social das reas na escala intramunicipal, pondo em cheque uma das caractersticas atribudas periferia, qual seja: a sua elevada homogeneidade social. A terceira procurar relacionar as alteraes no perfil dos moradores com a dinmica econmica dos municpios e a capacidade de cada um destes de reter a mo-de-obra local; ser analisada, ento, a periferia como lugar do trabalho. Como concluso, a quarta etapa retomar os argumentos apresentados nesta introduo luz das dinmicas sociais e econmicas em curso na periferia.

Partimos do pressuposto de que os dois argumentos apresentados no so excludentes. A base de dados utilizada foi o Cadastro de Empresas (Cempre) elaborado pelo IBGE, disponvel no site da instituio: .

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A periferia metropolitana como lugar do trabalho: da cidade-dormitrio cidade plena

O mercado de trabalho metropolitano nos anos 1990: informalidade com aumento de rendaAs principais tendncias do mercado de trabalho metropolitano do Rio de Janeiro coincidem com os resultados j apontados por inmeros estudos sobre as cidades brasileiras e latino-americanas. At o final dos anos 1970, experimentamos a expanso do emprego com carteira assinada em todos os setores da economia e, conseqentemente, a crena no pleno emprego num futuro prximo. A partir dos anos 1980, a reestruturao produtiva propagada no mundo ocidental levou reverso daquela expanso e a taxas crescentes de desemprego e de trabalho informal, no s na Amrica Latina (Saboia, 2005) mas, tambm, nos pases capitalistas avanados (ver Mszros, 2006). No temos a inteno, no presente artigo, de entrar no debate em torno da noo de trabalho informal, porm cabe esclarecer que partilhamos a idia de que a informalidade no deve ser entendida, a priori, como um problema, pois, conforme Noronha, argumentamos que somente quando tivermos identificado os diversos6

tipos ou grupos de contratos atpicos (conceito que talvez seja prefervel ao de informalidade), previstos ou no pelas leis, poderemos definir as eventuais inconvenincias da ausncia de um padro contratual nico e, principalmente, identificar as razes da existncia de contratos atpicos e ilegais ou no previstos em lei e socialmente ilegtimos. (Noronha, 2003, p. 111) Esse entendimento do trabalho informal amplia o campo de anlise das atividades laborais em curso nas reas perifricas metropolitanas, ao possibilitar a apreenso da complexidade do mundo popular, especialmente das redes produtivas locais que ultrapassam a dicotomia formal/informal. Analisando o mercado de trabalho metropolitano do Rio de Janeiro 6 por meio de trs grandes grupos ocupacionais categorias superiores, mdias e populares 7 , podemos dizer que as alteraes, na dcada de 1990, no foram

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Hoje, a rea metropolitana do Rio de Janeiro inclui 20 municpios: Rio de Janeiro, Belford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Itabora, Japeri, Mag, Nilpolis, Niteri, Nova Iguau, Paracambi, Queimados, So Gonalo, So Joo de Meriti, Seropdica, Mesquita, Tangu, Maric, Itagua e Mangaratiba. Em 2000, esse conjunto de municpios abrigava cerca de 11 milhes de residentes. Essas trs categorias sintetizam a estrutura socioocupacional que servir de base para o desenvolvimento dos argumentos que orientam este artigo. Essa estrutura, construda no mbito do Observatrio das Metrpoles/Ippur/UFRJ, resulta do pressuposto de que (ainda) o trabalho o fator que posiciona socialmente o indivduo na sociedade. A estrutura formada por 25 categorias socioocupacionais (agregadas em oito grandes categorias), estabelecidas por meio da hierarquizao social das ocupaes definidas nos Censos Demogrficos de 1991 e 2000: 1. Dirigentes (grandes empregadores e dirigentes do setor pblico e privado); 2. Profissionais de nvel superior (empregados, autnomos, estatutrios

Luciana Corra do Lago

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muito significativas. As ocupaes populares, que agregam os trabalhadores manuais (operrios da indstria, comercirios, prestadores de servios, trabalhadores domsticos e ambulantes), sofreram um pequeno aumento relativo, passando de 57,5% para 59,3% do total de trabalhadores, assim como as categorias superiores (dirigentes e profissionais), que aumentaram de 8,4% para

10%. J a participao das categorias mdias caiu de 30,4% para 27,8% (Tabela 1). Esse primeiro olhar indicaria uma leve tendncia dualizao social. Porm, a complexidade do mercado de trabalho no Brasil e, particularmente, nas metrpoles aponta para uma diversidade de tendncias dentro de cada um dos trs grandes grupos socioocupacionais.

Tabela 1: Distribuio das categorias socioocupacionais. Metrpole do Rio de Janeiro (1991-2000) (%)Categorias socioocupacionais Categorias superiores Dirigentes 1 Profissionais de nvel superior Pequenos empregadores Categorias mdias 2 Categorias populares 3 Trabalhadores do tercirio especializado Trabalhadores do secundrio Trabalhadores do tercirio no especializado Agricultores Total (%) Total (absoluto)1

Metrpole1991 11,1 1,5 6,9 2,7 30,4 57,6 16,7 22,4 2000 12,4 1,2 8,8 2,4 27,8 59,3 20,7 20,2

Municpio do Rio de Janeiro1991 14,4 2,0 9,3 3,0 34,6 50,4 15,9 18,1 2000 16,0 1,5 11,6 2,9 31,3 52,4 20,1 15,9

Demais municpios1991 6,5 0,7 3,7 2,1 24,6 67,3 17,8 28,4 2000 7,7 0,8 5,2 1,8 23,2 68,1 21,5 25,7

18,4 18,4 16,4 16,4 21,2 20,9 1,0 0,6 0,6 0,3 1,6 0,9 100 100 100 100 100 100 3.653.433 4.123.201 2.113.237 2.321.955 1.540.196 1.801.246

A categoria dirigentes rene grandes empregadores e dirigentes dos setores pblico e privado. 2 As categorias mdias renem as ocupaes mdias na sade, educao, segurana pblica e justia, os tcnicos, as ocupaes de escritrio e artsticas e os supervisores. 3 As categorias populares renem os trabalhadores manuais do comrcio, dos servios e da indstria. Fonte: Censos Demogrficos de 1991 e 2000.

e professores); 3. Pequenos empregadores; 4. Categorias mdias (empregados em ocupaes de rotina, superviso, segurana, ensino bsico e tcnicos); 5. Trabalhadores do secundrio (trabalhadores da indstria moderna, da indstria tradicional, dos servios auxiliares indstria e da construo civil); 6. Trabalhadores do tercirio (prestadores de servio e comercirios); 7. Trabalhadores do tercirio no especializado (porteiros e vigias, trabalhadores domsticos, ambulantes e biscateiros); e 8. Agricultores.

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A periferia metropolitana como lugar do trabalho: da cidade-dormitrio cidade plena

Nas ocupaes populares, foram os prestadores de servios especializados 8 os principais responsveis pelo referido aumento, seguidos dos operrios dos servios auxiliares da indstria (transporte, gua, eletricidade, gs etc.), dos operrios da construo civil, dos ambulantes e dos trabalhadores do comrcio. Como contrapartida, detectaram-se a elevada queda relativa dos operrios da indstria de 13% para 8% e, em menor escala, a dos prestadores de servios no especializados (porteiros e vigias, por exemplo) de 6,2% para 5,3%. Os trabalhadores domsticos mantiveram o mesmo percentual no perodo: em torno de 8,7%. Tais mudanas ocorreram tanto no ncleo metropolitano (municpio do Rio de Janeiro) quanto nos demais municpios, variando apenas de intensidade (Tabela 1). Cabe mencionar o aumento relativo mais acentuado na capital dos operrios da construo, dos ambulantes e dos prestadores de servios especializados. Como as duas primeiras categorias eram as que apresentavam em 2000 as maiores taxas de informalidade 9 74% e 95%, respectivamente , pode-se pensar que esse aumento est relacionado com a necessidade de esses trabalhadores, cuja renda mais instvel, residirem prximos do mercado de tra8 9

balho mais dinmico. Convm notar, ainda, o significativo crescimento nos municpios perifricos da participao dos operrios dos servios auxiliares da indstria, de 3,7% para 6,1%, sendo que 48% dos trabalhadores que compem essa categoria eram informais em 2000. Tais tendncias no mundo popular foram acompanhadas pela significativa informalizao das relaes de trabalho no perodo, coincidindo com outras anlises sobre o mesmo universo (Oliveira, 2004): entre os trabalhadores do tercirio, os sem carteira + conta prpria passaram de 36,1% para 44,7% dos ocupados na categoria; entre os trabalhadores do secundrio, de 48,3% para 58,5%, e entre os trabalhadores do tercirio no especializado, de 44% para 58,9% (Tabela 2). Apenas duas categorias de trabalhadores manuais apresentaram reduo na taxa de informalidade: os ambulantes (de 97% para 95%, sendo a maioria conta prpria) e os biscateiros e catadores (de 100% para 96%, sendo a maioria empregado sem carteira). Essa reduo, no entanto, no significou maior contribuio das duas categorias Previdncia: em 1991, 33% dos ambulantes e 24% dos biscateiros eram contribuintes; em 2000, apenas 17% e 16%, respectivamente.

As ocupaes com maior peso dentro dessa categoria so: garons, vigilantes, cozinheiros e motoristas no setor de servios. A mensurao da taxa de informalidade do trabalho com base em dados estatsticos oficiais no abrange todo o universo da chamada informalidade, no estando includas as atividades ilegais. Alm disso, as variveis empregado sem carteira e conta prpria, aqui utilizadas para medir a informalidade, englobam uma diversidade grande de relaes de trabalho e de atividades, tais como ambulantes, pequenos empreendedores e empregados terceirizados.

Luciana Corra do Lago

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Tabela 2: Renda mdia e relao de trabalho segundo algumas categorias socioocupacionais. Regio Metropolitana do Rio de Janeiro (1991 e 2000)Categorias socioocupacionais Indicadores Trabalhad. Profission. Trabalhad. Trabalhad. Categorias do tercirio Total de nvel do tercirio do mdias no superior especializado secundrio especializado1991 2000 1991 2000 21,5% 35,3% 6,0% 11,1% 15,1% 26,2% 3,2% 6,7% 36,1% 44,7% 10,5% 17,0% 48,3% 58,5% 20,9% 27,1% 44,0% 58,9% 21,1% 15,7% 31,2% 42,7% 10,0% 14,9%

Trabalho % empregados sem carteira ou conta prpria % de conta prpria sem previdncia Renda1991 Mdia da renda domiciliar em s.m. 2000 1991 Mdia da renda pessoal no trabalho principal 2000 21,1 30,6 10,0 12,6 9,7 15,0 4,1 6,0 5,8 8,5 2,4 3,1 4,9 7,0 2,4 3,3 5,8 7,0 1,5 2,0 8,6 12,8 3,8 5,3

Fonte: IBGE. Censos Demogrficos de 1991 e 2000.

O maior aumento relativo da informalidade ocorreu entre os trabalhadores domsticos, que reuniam 47,7% de sem carteira + conta prpria em 1991 e 65,5% em 2000, seguido pelo dos prestadores de servios no especializados (porteiros e vigias), que de 11,7% passaram a 19,1% no mesmo perodo. Entre as categorias que abrangem os trabalhadores do setor industrial, tanto as ligadas indstria de transformao, que apresentaram reduo na participao da estrutura social, quanto a dos10

operrios da construo, que apresentou aumento, tiveram acrscimo significativo no grau de informalidade na relao de trabalho. Entre os operrios da construo, o percentual de informais, que em 1991 j alcanava 66,1%, chegou a 74,3% em 2000 (dos quais 38% eram autnomos sem previdncia social). Na indstria tradicional, a participao dos sem carteira + conta prpria passou de 45,4% para 55,1%, e na indstria moderna, de 36,4% para 45,9%. No setor tradicional 10, tambm era elevado em 2000 o percentual de

As ocupaes com maior peso na indstria tradicional so as costureiras e os padeiros.

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A periferia metropolitana como lugar do trabalho: da cidade-dormitrio cidade plena

autnomos sem previdncia: 25,8% do total de operrios do setor. Quanto s categorias ocupacionais superiores, apenas os profissionais de nvel superior 11 apresentaram aumento relativo na dcada: de 6,9% para 8,8% (Tabela 1). Tanto os grandes quanto os pequenos empregadores apresentaram pequena queda. Verificou-se tambm o aumento relativo dos empregados sem carteira + conta prpria: de 21,5% em 1991 para 35,3% em 2000 (Tabela 2). Convm destacar que esse aumento dos profissionais se generalizou por toda a metrpole, inclusive pelos municpios na fronteira de expanso, provocando a diversificao social de muitas reas perifricas, como veremos adiante. Em relao s categorias mdias, a nica alterao relevante foi na participao das ocupaes de escritrio, que caiu de 11,9% para 9,2%, tendncia que na capital foi mais significativa do que nos demais municpios. Os trabalhadores de segurana e justia, dos quais 70% eram estatutrios em 2000, tambm apresentaram diminuio percentual de 3,4% para 2,9%. Cabe ainda assinalar o aumento na participao das ocupaes mdias de sade e educao nos demais municpios metropolitanos, passando de 3,5% para 4,2%. Embora a participao das categorias mdias no tenha sofrido grandes mudanas na dcada, o aumento da in11 12

formalidade nessas ocupaes foi extraordinrio. O percentual dos trabalhadores sem carteira + conta prpria subiu de 9,5% para 17% entre as ocupaes de escritrio, de 9% para 20,1% entre os supervisores, de 27,5% para 43,7% entre os tcnicos e de 21,1% para 30% entre as ocupaes de sade e educao. Ao examinar a variao da renda mdia em cada categoria ocupacional, pode-se inferir que houve uma certa compensao diante das possveis perdas resultantes da informalizao do trabalho. Todas as grandes categorias apresentaram, entre 1991 e 2000, aumento da renda mdia, no que se refere tanto renda pessoal do trabalho quanto renda familiar; no entanto, esse aumento foi diferenciado entre as categorias de trabalhadores: a renda mdia pessoal das categorias mdias subiu relativamente mais do que a das categorias populares 12 e a dos profissionais (Tabela 2). Note-se que o aumento relativo da renda domiciliar foi maior do que o da renda pessoal em todas as grandes categorias (com exceo dos trabalhadores do tercirio no especializado), podendo indicar, como j patenteado em outros trabalhos, a entrada no mercado de trabalho de membros da famlia que estavam at ento inativos (Ribeiro, 2005). Em sntese, as evidncias mencionadas sinalizam que as relaes de traba-

As ocupaes com maior peso dentre os profissionais de nvel superior so, em ordem decrescente, os advogados, os contadores, os mdicos, os analistas de sistema e os engenheiros. As ocupaes de ambulantes e de biscateiros foram as nicas que tiveram suas rendas inalteradas na dcada de 1990.

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lho, em todas as categorias ocupacionais, tornaram-se menos formais em funo da queda do emprego com carteira assinada, apontando para uma maior instabilidade da renda do trabalho. Essa instabilidade foi compensada pelo aumento no volume da renda mdia mensal, o que possibilita, ao mesmo tempo, uma ampliao do poder de consumo a curto prazo e uma reduo na capacidade de endividamento a longo prazo dos trabalhadores. Tais tendncias alteram de forma significativa o campo de possibilidades de esses trabalhadores se integrarem cidade: aluguel da casa, longas prestaes para compra do imvel, taxas de gua e luz e transporte so custos permanentes ou de longo prazo que periodicamente no so pagos em razo da instabilidade da renda. Soma-se a esse contingente de trabalha-

dores informais o dos desocupados, que no entra no universo aqui analisado. Em 2000, 18% da populao economicamente ativa residente na metrpole do Rio de Janeiro estava procurando trabalho. Nos municpios de Nova Iguau e Caxias, o dinamismo econmico em curso convivia com uma taxa de desemprego de 22%, ou seja, cerca de 400 mil pessoas desocupadas em Nova Iguau e de 350 mil em Caxias. Esse contingente d sustentao tese da crescente imobilidade dos pobres. A seguir, ser examinada a relao entre as tendncias expostas e as mudanas na configurao social do espao intrametropolitano, nos anos 1990, privilegiando-se as alteraes no perfil socioocupacional dos residentes nos municpios perifricos.

Mudanas no perfil social das reas perifricas: tendncias diversasA imagem exibida na Figura 1 deixa evidente uma segmentao socioterritorial da metrpole do Rio de Janeiro em 2000: no topo da hierarquia, vemos a mancha de perfil superior no entorno da orla martima das cidades do Rio de13 14

Janeiro e de Niteri; em seguida, a mancha de perfil mdio que abrange majoritariamente o subrbio da capital e, no restante da metrpole, a imensa 13 mancha popular 14. Essa hierarquia territorial contnua quebrada por duas

Por no conter a delimitao das reas desocupadas, a imagem aqui visualizada apresenta distores quanto dimenso territorial de cada tipo socioespacial. Utilizamos como base para os trs tipos socioespaciais superior, mdio e popular uma tipologia socioespacial desenvolvida pelo Observatrio das Metrpoles, que classifica de forma hierrquica as 443 reas que formam o espao metropolitano. Essa tipologia composta por oito tipos, que aqui foram agregados em trs, e representa o grau de homogeneidade socioocupacional das reas e o grau de concentrao espacial das categorias ocupacionais em cada rea. Para uma anlise mais detalhada da tipologia socioespacial em 2000, ver Lago (2007). O nmero de residentes em cada rea variava de 10 mil a 70 mil pessoas, sendo essas unidades territoriais o resultado da agregao de pequenos bairros ou da diviso dos mais populosos.

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A periferia metropolitana como lugar do trabalho: da cidade-dormitrio cidade plena

evidncias: quatro manchas de perfil mdio e uma de perfil superior inseridas em reas perifricas de perfil popular e

38 pequenas manchas de perfil popular favelas inseridas em reas de perfil mdio e superior.

Figura 1: Configurao socioespacial da metrpole do Rio de Janeiro e localizao dos principais centros de comrcio e servios (2000)

Embora o espao metropolitano fosse em 2000 marcadamente segmentado, as reas apresentavam internamente um significativo grau de heterogeneidade social, mesmo as de tipo superior ou popular, onde se esperava elevada homogeneidade (Tabela 3). O perfil mdio das reas superiores 15 era composto por 42% de categorias superiores, 33% de categorias mdias e 24,5% de categorias populares. Na outra ponta da hierarquia,15

o perfil mdio das reas populares, localizadas nas favelas e na periferia, era formado por 24,5% de trabalhadores em ocupaes superiores e mdias. Vejamos as principais mudanas entre 1991 e 2000. As principais tendncias do mercado de trabalho metropolitano, vistas anteriormente, tiveram rebatimento nos trs tipos de rea, ou seja, tanto nas reas superio-

As reas superiores englobam a zona sul, Barra da Tijuca e parte da zona norte do Rio de Janeiro, bairros da orla de Niteri e o centro de Nova Iguau.

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res quanto nas mdias e populares houve aumento relativo dos profissionais de nvel superior e dos trabalhadores do tercirio especializado e queda relativa das categorias mdias (em particular das ocupaes de escritrio) e dos trabalha-

dores da indstria (Tabela 3). As particularidades das reas superiores em relao s demais foram a queda dos trabalhadores domsticos e o aumento dos pequenos empregadores.

Tabela 3: Perfil socioocupacional das 443 reas que conformam a metrpole do Rio de Janeiro, agregadas segundo seus perfis (1991-2000) (%)Categorias socioocupacionais Categorias superiores Dirigentes Profissionais de nvel superior Pequenos empregadores Categorias mdias Categorias populares Trabalhadores do tercirio especializado Trabalhadores do secundrio Trabalhadores do tercirio no especializado Agricultores Total (%) Total (absoluto) reas superiores1991 35,8 6,0 24,0 5,8 34,5 29,3 8,2 5,7 15,4 0,5 100 468.887 2000 41,9 4,9 30,1 7,0 33,3 24,5 9,7 4,5 10,2 0,3 100 510.153

reas mdias1991 12,3 1,2 7,9 3,1 40,2 47,1 16,3 17,9 12,9 0,4 100 2000 14,4 1,0 10,5 2,9 37,1 48,2 20,5 15,0 12,8 0,2 100

reas populares1991 3,7 0,4 1,8 1,5 21,8 72,9 19,2 30,3 23,4 1,6 100 2000 4,1 0,4 2,6 1,1 20,4 74,6 23,5 27,1 23,9 0,9 100

1.379.309 1.406.082 1.809.837 2.203.553

Fonte: IBGE: Censos Demogrficos de 1991 e 2000.

Sero apresentadas, a seguir, as principais mudanas no perfil social das reas perifricas 16 e suas relaes com as dinmicas econmicas locais. De forma sinttica, foram trs as tendncias encontradas no universo das 222 reas que compem os municpios perifricos: (i) elevao do perfil social em 40% das reas, com diminuio relativa das categorias populares, (ii) queda do perfil social tambm em 40%16

das reas, com aumento relativo apenas das categorias populares, e (iii) diversificao do perfil social em 20% das reas (Tabela 4). Portanto, as transformaes no mercado de trabalho ao longo da dcada de 1990 no impactaram homogeneamente o espao perifrico, o que pode ser explicado, em grande parte, pelos pactos polticos e pela dinmica econmica prprios de cada municpio.

Entendidas, aqui, como as reas localizadas nos municpios da periferia metropolitana.

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A periferia metropolitana como lugar do trabalho: da cidade-dormitrio cidade plena

A elevao do perfil social em determinadas reas, por exemplo, pode estar relacionada tanto ampliao do mercado de trabalho local mais qualificado quanto expanso da produo imobi-

liria empresarial para setores mdios no integrados social e economicamente ao seu lugar de residncia. A varivel lugar do trabalho, como veremos, dar algumas indicaes para tal questo.

Tabela 4: Tipos de mudana no perfil socioocupacional das 222 reas que formam a periferia metropolitana do Rio de Janeiro, segundo o nmero de reas por municpio (1991-2000)Municpios na periferia metropolitana Baixada Fluminense Duque de Caxias Nova Iguau Nilpolis So Joo de Meriti Belford Roxo Mag Guapimirim Japeri Queimados Eixo Norte Maric So Gonalo Itabora Tangu Eixo Sul Paracambi Itagua Seropdica Mangaratiba Total1

Tipos de mudana no perfil socioocupacional das reas Elevao do perfil social 1 69 28 16 2 4 14 1 1 2 1 18 1 13 4 0 2 0 1 0 1 89 Diversificao do perfil social 2 34 8 14 4 2 0 5 0 0 1 8 3 0 4 1 2 0 1 1 0 44 Queda do perfil social 3 49 14 13 2 6 6 5 0 2 1 36 1 34 1 0 4 1 2 1 0 89 Total das reas 152 50 43 8 12 20 11 1 4 3 62 5 47 9 1 8 1 4 2 1 222

Aumento relativo das categorias superiores e/ou mdias e queda relativa das categorias populares. 2 Aumento relativo das categorias populares e aumento relativo das categorias superiores ou mdias. 3 Aumento relativo das categorias populares e queda ou estabilidade das categorias superiores e mdias. Fonte: IBGE: Censos Demogrficos de 1991 e 2000.

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Na Baixada Fluminense 17, os municpios de Duque de Caxias, de Nova Iguau, de Belford Roxo e de Guapimirim destacam-se em funo da maior proporo de reas com tendncia elevao do perfil social (ver Figura 2). No entanto, tal tendncia decorreu de dinmicas econmicas locais distintas. A economia formal de Caxias foi a que apresentou maior dinamismo na ltima metade dos anos 1990, com crescimento significativo em todos os setores de atividades; em Nova Iguau, o comrcio foi o nico setor dinmico, e em Belford Roxo e Guapimirim, tanto o comrcio quanto os servios cresceram 18 (ver Figura 3). Convm mencionar que o centro de Nova Iguau era em 2000 a nica rea de perfil superior na regio perifrica, resultante de um claro processo de elitizao 19. Em Caxias e Nova Iguau, tanto as reas de perfil mdio quanto as de perfil popular com elevado peso de operrios da indstria apresentaram tendncia ao aumento da diversidade social. No entanto, os dois municpios, apesar do dinamismo econmico, exibiram ainda um nmero no desprezvel de reas populares (14 e 13, respecti17

vamente) com queda em seus perfis sociais (Tabela 4), em funo principalmente da maior participao dos operrios da construo, dos trabalhadores domsticos e dos prestadores de servio especializado. Figura 2: Bairro 25 de Agosto, na rea central do municpio de Caxias

Fonte: Foto da autora, fevereiro de 2008.

Ainda na Baixada Fluminense, So Joo de Meriti, municpio industrial nos anos 1960 e 1970, e Japeri, municpio localizado na fronteira metropolitana, foram os que apresentaram a mais forte

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A regio, com uma populao de 3,18 milhes de pessoas em 2000, foi o principal eixo de expanso industrial na metrpole, entre as dcadas de 1950 e 1970, abrigando municpios consolidados (So Joo de Meriti e Nilpolis, com taxas de crescimento anuais na dcada de 1990 prximas de 0%) e os demais, ainda com reas de expanso. Desde a dcada de 1990, cinco municpios foram emancipados (Japeri, Queimados, Belford Roxo e Mesquita foram emancipados de Nova Iguau e Guapimirim, de Mag). Os centros de Nova Iguau e de Caxias funcionam como plos de comrcio e servios na Baixada Fluminense. Aps a crise industrial nos anos 1980, Caxias, sede da Refinaria Duque de Caxias, vem retomando seu lugar de plo industrial a partir do final dos anos 1990, porm com maior intensidade na presente dcada: entre 1996 e 2005, foram 10 mil novos postos de trabalho em empresas formais do setor industrial (Cempre, ver nota 5). A rea central de Nova Iguau com perfil social superior abrigava, em 2000, 33% dos moradores em categorias ocupacionais superiores, contra 23% em 1991. As demais categorias apresentaram queda relativa.

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tendncia de queda do perfil social: metade de suas reas estava nessa condio. Em ambos os municpios, foi o setor de comrcio que dinamizou a economia formal, embora em termos absolutos o patamar de Japeri 20 fosse bem inferior ao de So Joo de Meriti. Figura 3: Centro comercial de Nova Iguau

rificada no municpio (Tabela 4). Nos municpios de Paracambi, Itagua e Seropdica, tambm predominou o aumento relativo das categorias populares, que nos dois ltimos veio acompanhado de acelerado crescimento demogrfico 22. Estaria tal aumento expressando uma tendncia ao isolamento dessas reas em relao dinmica metropolitana? Pode-se pensar numa descentralizao perversa da economia informal ou mantm-se o histrico modelo do centro e suas cidades-dormitrios? Encontramos, ainda, fora da Baixada Fluminense, alguns municpios na fronteira de expanso metropolitana com tendncia de elevao do perfil social. Itabora, tpico municpio perifrico, com produo extensiva de loteamentos populares ilegais, exibiu um significativo crescimento do comrcio e da indstria formal (com destaque para as olarias). No caso de Mangaratiba e Maric, o aumento da diversidade social deve-se conexo dos dois municpios com a economia do lazer e do turismo litorneo das chamadas Costa Verde e Costa do Sol, respectivamente 23. As mudanas no perfil social desses municpios esto, portanto, relacionadas ao maior dinamismo econmico da regio.

Fonte: Foto da autora, janeiro de 2008.

Nas outras regies perifricas da metrpole eixos norte e sul , So Gonalo 21 o nico municpio de urbanizao consolidada; os demais so municpios em expanso. A crise da indstria naval teve grande impacto no mercado de trabalho de So Gonalo e pode ter sido uma das causas para a forte tendncia de queda do perfil social ve20

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Japeri um dos municpios com menor arrecadao de impostos do estado do Rio de Janeiro. O crescimento de 125% dos empregados no comrcio formal entre 1996 e 2000 equivalia a 472 trabalhadores a mais (Cempre, ver nota 5). Outra evidncia de sua estagnao a taxa de crescimento populacional de 0,5% ao ano na dcada de 1990. So Gonalo mantm a funo de subcentro de comrcio e servio (junto com Niteri) para os municpios de Itabora, Tangu e Maric. Itagua e Seropdica sofreram um duplo processo na dcada de 1990: desruralizao, com queda significativa dos trabalhadores rurais, e aumento das ocupaes manuais urbanas. Ambos os municpios retiraram-se, oficialmente, da Regio Metropolitana do Rio de Janeiro, buscando desfazer o status de periferia metropolitana. Maric, no entanto, conjuga a funo turstica com a de periferia de Niteri.

Luciana Corra do Lago

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A periferia metropolitana como lugar do trabalhoEntre 1980 24 e 2000, todos os municpios da periferia metropolitana, com exceo de Maric e Itabora, apresentaram aumento expressivo no percentual de habitantes trabalhando em seu prprio municpio de residncia (Tabela 5). Dois fenmenos contriburam para a maior absoro dos trabalhadores pelo mercado local: a expanso da economia urbana inerente ao prprio processo de urbanizao e a crise econmica, a partir dos anos 1980, que reduziu a oferta de trabalho no ncleo metropolitano.

Tabela 5: Populao ocupada residente na metrpole do Rio de Janeiro que trabalhava no prprio municpio de residncia (1980-2000)Municpio de residncia Rio de Janeiro Niteri Duque de Caxias Nova Iguau 1 Nilpolis So Joo de Meriti Mag 2 Maric So Gonalo Itabora 3 Paracambi Itagua 4 Mangaratiba RMRJ1

1980 Absoluto 2.230.011 122.710 112.571 180.680 20.736 52.679 37.535 10.281 115.126 26.055 6.418 26.519 4.893 2.946.214 % da populao ocupada 99,0 70,2 50,7 44,7 35,2 33,5 65,3 82,2 49,6 67,1 73,7 75,9 90,5 80,5 Absoluto 2.472.212 143.000 184.393 313.744 29.637 85.855 56.959 22.893 214.016 49.992 10.980 39.193 8.594 3.488.468

2000 % da populao ocupada 97,2 74,9 68,5 59,6 51,9 53,0 71,9 79,5 63,1 67,1 84,2 77,5 92,3 83,9

Em 1980, Nova Iguau englobava os municpios de Belford Roxo, Japeri e Queimados, que se emanciparam na dcada de 1990. Em 1980, Mag englobava o municpio de Guapimirim. Em 1980, Itabora englobava o municpio de Tangu. Em 1980, Itagua englobava o municpio de Seropdica.

2 3 4

Fonte: Censos Demogrficos de 1980 e 2000; FIBGE.

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Ver nota 1.

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A periferia metropolitana como lugar do trabalho: da cidade-dormitrio cidade plena

Observa-se, na Tabela 5, que os municpios mais consolidados e que sofreram um processo de desindustrializao nos anos 1980 Caxias, Nova Iguau, So Joo de Meriti, Nilpolis e So Gonalo foram os que mais ampliaram a reteno da mo-de-obra local. Em 1980, menos da metade dos trabalhadores residentes nesses municpios 25 no se deslocava diariamente para outro municpio. Em 2000, o quadro se inverteu: mais de 50% dos trabalhadores permaneciam no prprio municpio. Em Caxias, por exemplo, esse percentual era de 68%, equivalendo a 184 mil pessoas. Os demais municpios eram pouco urbanizados em 1980, e era ainda elevado o percentual de seus agricultores que trabalhavam no prprio local de residncia (Lago, 2000). Ao longo dos anos 1980 e 1990, esses municpios foram sendo integrados dinmica metropolitana por meio de um acelerado crescimento demogrfico, da chegada de migrantes sem qualificao e de precrias condies de moradia. Parte significativa desses novos moradores no era absorvida pelo mercado local. Assim, surpreendente que em Itabora 67% da populao ocupada, cerca de 50 mil pessoas, trabalhasse no prprio municpio em 2000. O aumento da diversidade social verificado nesse municpio est relacionado ao relativo dinamismo da economia local, que absorve a maior parte dos moradores em ocupaes tanto populares quanto superiores.25 26

Outra evidncia referente ao lugar de trabalho que, tanto nos municpios mais dinmicos economicamente e mais diversificados socialmente (como Caxias e Nova Iguau) quanto nos mais estagnados e com queda do perfil social (como So Joo de Meriti), verifica-se aumento no percentual de moradores trabalhando no prprio municpio (Tabela 5). Nesse ltimo caso, o crescimento das atividades informais acompanhou a estagnao da economia formal. A capacidade de atrao de mo-deobra externa ao municpio pelos subcentros perifricos outro indicador relevante na anlise da dinmica econmica da regio. Em grande parte dos municpios 26, mais de 25% dos trabalhadores que, em 2000, saam de seu municpio para trabalhar tinham como destino outros municpios perifricos, principalmente Nova Iguau, Caxias e So Gonalo. No entanto, o municpio do Rio de Janeiro permaneceu com elevada capacidade de atrao de mo-de-obra, especialmente a residente na Baixada Fluminense. Em relao periferia norte, Niteri retinha parte significativa dos trabalhadores do seu entorno. Por fim, vejamos quais as categorias ocupacionais que eram, em 2000, relativamente mais assimiladas pelo mercado de trabalho local. Uma primeira evidncia a elevada capacidade dos municpios perifricos, tanto os mais dinmicos quanto os mais estagnados, de reterem parte significativa da mo-de-

Em Caxias, metade dos trabalhadores no se deslocava. Os municpios so: Belford Roxo, Japeri, Mag, Itabora, Guapimirim, Tangu, Queimados, Paracambi, Itagua, Seropdica e Mangaratiba.

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obra local qualificada. Em todos eles, o percentual de empregadores (grandes e pequenos), dirigentes, profissionais autnomos e professores trabalhando no prprio municpio de residncia era superior a 50% 27. Em contraposio, os profissionais do setor pblico, os tcnicos e supervisores de nvel mdio e os empregados de escritrio tendiam a deslocar-se diariamente para outros municpios, em particular para o do Rio de Janeiro. Em relao s categorias populares, o trabalhador domstico era, em grande parte dos municpios perifricos (menos em Caxias, Nova Iguau e So Gonalo), a nica ocupao com menos de 50% de ocupados no mercado local. A maioria dos ambulantes, por outro lado,

exercia suas atividades no prprio municpio 28. Nesse caso, a imobilidade espacial desses trabalhadores estaria relacionada descentralizao de uma economia popular marcada pela precariedade das condies de trabalho. Os operrios da construo civil tambm eram, majoritariamente, absorvidos pela dinmica imobiliria local, com exceo dos de Japeri, dos quais 58% se deslocavam para outros municpios. O setor da produo imobiliria nos municpios mais dinmicos contm diferentes formas e escalas de produo, desde a autoconstruo at grandes incorporaes por empresas de ponta (ver Figura 2). Todas as formas apresentam elevada taxa de informalidade do trabalho, embora os circuitos econmicos e o volume dos rendimentos sejam distintos.

ConclusoAs mudanas em curso nos municpios perifricos da metrpole do Rio de Janeiro apontam para a necessidade de focar a dinmica e a vida metropolitana de forma mais complexa do que a permitida por vises dicotmicas. Como categorias complementares, o centro e a periferia abriram a perspectiva de pensar a metrpole como uma totalidade profundamente desigual. O termo cidade-dormitrio representaria a imagem27

mais acabada dessa desigualdade. No entanto, vimos que se, por um lado, as desigualdades de renda e de condies de trabalho mantm-se fortemente demarcadas no territrio metropolitano, por outro, as dinmicas econmicas locais ganham fora suficiente para alterarem o cotidiano de grande parte dos trabalhadores urbanos. A reduo, para os trabalhadores, da distncia e do tempo de deslocamento casa-trabalho interfere

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Em Nova Iguau, por exemplo, as duas categorias que mais cresceram relativamente na dcada de 1990 profissionais de nvel superior e pequenos empregadores , responsveis pela diversificao social do municpio, foram, em grande parte, absorvidas pelo mercado de trabalho local: 65% dos profissionais e 77% dos pequenos empregadores. Em mdia, cerca de 80% dos ambulantes trabalhavam em seu prprio municpio. Mesmo em municpios estagnados, como Japeri, 73% estavam nessa situao.

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A periferia metropolitana como lugar do trabalho: da cidade-dormitrio cidade plena

diretamente nas condies de reproduo familiar e no mercado de consumo na escala local. Retomando os argumentos iniciais em torno da crescente imobilidade espacial dos trabalhadores urbanos, registrase que no se verificou a tendncia ao isolamento das reas populares perifricas em relao aos circuitos econmicos capitalistas. Os municpios que apresentaram aumento relativo das ocupaes informais mais precarizadas e estagnao econmica, como Japeri, eram os que abrigavam o maior percentual de moradores trabalhando em outro municpio, mantendo, portanto, as caractersticas da cidade-dormitrio. Nos demais casos, observou-se expressiva capacidade dos municpios, tanto os mais dinmicos quanto os mais estagnados, de reterem parte significativa de seus moradores de mais alta qualificao profissional. As alteraes na configurao socioespacial da metrpole indicam, ao mesmo tempo, uma descentralizao socioeco-

nmica em direo a determinados municpios perifricos e a reproduo, em menor escala, das desigualdades nas condies urbanas de vida. Entretanto, a proximidade do mercado de trabalho causada pela descentralizao reduz os custos monetrios e sociais atrelados desigualdade de acesso cidade. Nesse sentido, podemos pensar numa descentralizao virtuosa. Por fim, somente estudos qualitativos sobre a diversidade das interaes sociais no mundo popular e sobre a natureza das relaes econmicas e polticas entre o centro e sua regio de influncia permitiro uma compreenso mais abrangente e profunda dos efeitos da crise do trabalho sobre as nossas histricas desigualdades socioterritoriais. Compreender as relaes entre a cidade e o trabalho, ou seja, a dimenso territorial do trabalho, condio para que se reconhea na agenda da poltica urbana progressista o lugar central das atividades produtivas (e criativas) na luta pela justia social na cidade.

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ResumoO artigo objetiva traar algumas conexes entre as mudanas em curso no perfil ocupacional dos moradores na

AbstractThe article aims to draw some connections between the ongoing changes in the occupational profile of the residents

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A periferia metropolitana como lugar do trabalho: da cidade-dormitrio cidade plena

periferia metropolitana do Rio de Janeiro e as verificadas nos mercados de trabalho na prpria regio perifrica, utilizando como fonte principal os Censos Demogrficos de 1991 e 2000. A elevada capacidade de os municpios perifricos absorverem a mo-de-obra local, inclusive os profissionais qualificados neles residentes e responsveis pela diversificao social da regio, pe em cheque duas das caractersticas atribudas periferia, quais sejam: a elevada homogeneidade social e o lugar do no-trabalho. Os dados indicam uma tendncia descentralizao socioeconmica em direo aos municpios perifricos e a reproduo, em menor escala, das desigualdades nas condies urbanas de vida. Palavras-chave: periferia metropolitana, trabalho informal, desigualdade socioespacial.

in the periphery of Rio de Janeiro metropolis and the transformations in the labor markets in this same region, using as the main data source the demographic census of 1991 and 2000. The high capacity of the peripheral municipalities absorb the local labor, including skilled professionals responsible for social diversification of the region, put in check two of the characteristics ascribed to the periphery, namely: high social homogeneity and place of non-work. The data indicate a trend toward socioeconomic decentralization in direction to the peripheral municipalities and the reproduction, in the micro scale, of inequalities in urban living conditions. Keywords: metropolitan periphery, informal work, social spatial inequality.

Recebido em maro de 2008. Aprovado para publicao em abril de 2008

Luciana Corra do Lago Arquiteta e Urbanista, Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela USP (1998), Professora Adjunta do IPPUR/UFRJ e Pesquisadora da rede Observatrio das Metrpoles. Desenvolve pesquisas nas reas de sociologia urbana e poltica urbana, com nfase nos temas: desigualdades socioespaciais; trabalho e estruturao urbana; mobilidade espacial e acesso moradia; poltica urbana e cidadania. Desde 2005, Coordenadora do Programa de Ps-graduao do IPPUR/UFRJ.

Expanso urbana e desmatamento nas reas protegidas por legislao ambiental na Regio Metropolitana de So PauloMaria Aparecida de Oliveira Humberto Prates da Fonseca Alves

IntroduoMuitos so os aspectos relacionados degradao ambiental oriunda do processo de expanso urbana. O tema vasto e possvel encontrar muitos estudos que o abordam por meio de problemas diversos, como, por exemplo, elevado ndice de impermeabilizao do solo e as conseqentes alteraes no funcionamento de sistemas ambientais naturais, acelerao dos processos erosivos, poluio do ar, contaminao dos recursos hdricos e contaminao do solo. No contexto da Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP), a degradao ambiental resulta de transformaes ocorridas desde o incio de sua ocupao. Essas transformaes foram provocadas ou induzidas por atividades inicialmente agrcolas e posteriormente industriais, que geraram uma paisagem completamente urbanizada e fragmentada. O processo de expanso urbana na RMSP pouco se pautou por preceitos adequados de zoneamento e de controle ambiental, apesar da vasta legislao disponvel. Nesse quadro, a degradao ambiental pode ser considerada preocupante no que concerne no s aos recursos naturais, sejam hdricos ou florestais, mas tambm sade pblica e qualidade de vida. Um dos fatores que contribui fortemente para a degradao ambiental na RMSP refere-se produo e disposio

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XXI, No 2, 2007, p. 29-54

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Expanso urbana e desmatamento nas reas protegidas por legislao ambiental na Regio Metropolitana de So Paulo

de resduos slidos. Sua disposio inadequada pode contaminar o solo, a gua superficial e subterrnea e o ar. As condies climticas de um pas tropical como o Brasil facilitam a decomposio da matria orgnica, que constitui um excelente veculo para a proliferao de bactrias e de vetores transmissores de doenas. Assim, configura-se um problema de sade pblica, principalmente para populaes residentes em reas prximas aos locais de disposio desses resduos. As conseqncias para a sade e o meio ambiente do entorno dessas reas ainda carecem de investigaes especficas, no entanto possvel afirmar que so nocivas tanto sade quanto aos recursos naturais. A ausncia ou a deficincia de rede de tratamento de esgotos, industriais e domsticos, so outro fator problemtico. Segundo a Companhia de Saneamento Bsico do Estado de So Paulo (Sabesp) (Sabesp, 2003, apud So Paulo, 2003), em 2003, o percentual de atendimento dos domiclios urbanos na RMSP era de 81%, enquanto o de tratamento do esgoto coletado era de 62%, ou seja, 38% do esgoto coletado no era tratado, e 19% do esgoto produzido no era coletado e seu destino geralmente eram os rios e crregos, entre outras solues domsticas. A RMSP a regio metropolitana que apresenta o maior e mais grave problema de poluio do ar do Pas. Constitui1

um dos maiores aglomerados humanos do planeta, sedia aproximadamente 30 mil indstrias e abriga uma frota de cerca de 6 milhes de veculos e 600 mil caminhes e nibus (Tarifa e Azevedo, 2002). Nesse cenrio de intensa presso sobre os recursos naturais, as unidades de conservao protegidas por legislao ambiental constituem importante reserva de recursos naturais na RMSP A . extino e a degradao desses escassos recursos podem trazer conseqncias desastrosas tanto aos ecossistemas quanto qualidade de vida da populao. Apesar de a forte presso nacional e internacional pela preservao de recursos naturais ter se acentuado nos anos 1990, o Brasil j contava com legislao de carter ambiental no perodo anterior Constituio de 1988, conforme coletnea da Legislao Brasileira do Meio Ambiente realizada por Rocco (2002). O Cdigo Florestal, por exemplo, datado de 1934 e reformulado em 1965, estabelece, entre outras resolues, as reas de Preservao Permanente (APP) (ver Quadro 1) e a obrigatoriedade de que cada propriedade rural possua reserva de mata equivalente a 20% de sua rea total. Na Constituio de 1988, a legislao ambiental passou a figurar na categoria dos direitos difusos 1. Diversas leis foram editadas nos mbitos federal, estadual e municipal, visando ao manejo

Segundo Marques (2005), a viso tradicional de conflitos de interesse definia que as normas jurdicas fossem classificadas em dois grandes grupos: de direito pblico e de direito privado. Os direitos difusos esto inseridos no contexto dos direitos e garantias fundamentais dos direitos humanos. So de carter transindividuais, de natureza indivisvel.

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sustentvel dos ecossistemas naturais, estejam estes em reas urbanas, rurais ou naturais. A Constituio possui um captulo especfico sobre meio ambiente que classifica como crime inafianvel as atividades consideradas lesivas ao

meio ambiente e permite Unio, estados e municpios legislar concorrentemente sobre o ambiente, prevalecendo sempre a norma mais restritiva. Contase tambm com um conjunto de leis nas esferas federal, estadual e municipal.

Quadro 1: Sntese da legislao ambiental na Regio Metropolitana de So PauloLei / Decreto / Resoluo 4.771 - Cdigo Florestal 7.875 - Cdigo Florestal Resoluo Conama Lei 898/75 Lei 1.172/76 Lei 9.866 Lei 9.985 Lei 6.938 Decreto 1.922 Fonte: Rocco (2002). Ano 1965 1989 1986 1975 1976 1997 2000 1981 1996 Descrio reas de Preservao Permanente reas de Preservao Permanente reas de Proteo Ambiental - mata atlntica Proteo aos Mananciais Proteo aos Mananciais Proteo aos Mananciais Sistema Nacional de Unidades de Conservao Poltica Nacional do Meio Ambiente Reserva Particular do Patrimnio Natural

Em 2000, a Lei Federal 9.985, de 18 de julho, com base no artigo 225 da Constituio Federal, apresenta o Sistema Nacional de Unidades de Conservao da Natureza (SNUC), que constitudo pelo conjunto das unidades de conservao federais, estaduais e municipais. Traa, ainda, diretrizes gerais para criao e gerenciamento das unidades de conservao no territrio nacional. Essa lei (Brasil, 2000) define a unidade de conservao como o espao territorial e seus recursos ambientais, incluindo as guas jurisdicionais, com caractersticas naturais relevantes, legal-

mente instituda pelo Poder Pblico, com objetivos de conservao e limites definidos, sob regime especial de administrao, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteo. As unidades de conservao so divididas em dois grupos: Unidades de Proteo Integral e Unidades de Uso Sustentvel. Nas unidades de proteo integral, admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, com exceo dos casos previstos na lei em questo. J o objetivo bsico das unidades de uso sustentvel compatibilizar a conservao da natureza com o uso sustentvel de parcela dos seus recursos naturais.

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Expanso urbana e desmatamento nas reas protegidas por legislao ambiental na Regio Metropolitana de So Paulo

Conforme aponta o SNUC, as unidades de conservao so criadas por ato do Poder Pblico, que deve ser precedido de estudos tcnicos e de consulta pblica que permitam identificar a localizao, a dimenso e os limites adequados para a unidade. Ainda segundo o SNUC, as unidades de conservao de uso sustentvel podem ser transformadas total ou parcialmente em unidades do grupo de proteo integral, por instrumento normativo do mesmo nvel hierrquico que criou a unidade, com as mesmas exigncias legais para aprovao. Toda unidade de conservao deveria conter um plano de manejo, previsto na lei ou decreto que regulamenta a unidade. No entanto, esse processo ainda est em curso, muitas unidades no possuem planos de manejo ou, quando possuem, eles esto obsoletos. Na Regio Metropolitana de So Paulo, o Instituto Florestal coordena, atualmente, um Programa de Implantao de Planos de Manejo nas Unidades de Conservao da Regio Metropolitana, representadas pelos parques estaduais da Cantareira, Alberto Lefgren, Jaragu, Juquery, Jurupar, Vrzea do EmbuGuau, Guarapiranga e Estao Ecolgica de Itapeti.

uso e ocupao na regio, contempla um conjunto de figuras jurdicas, sendo as principais representadas por: reas de Proteo Ambiental (APAs), reas de Preservao aos Mananciais (APMS), reas de Parques e Reservas Florestais, reas de Preservao Permanente (APP) e Parques Urbanos, estes ltimos geralmente sob jurisdio municipal ou estadual (ver Figura 1). As reas verdes e de recursos hdricos na RMSP em geral so reas protegidas pela legislao ambiental de mbito federal, estadual e municipal, com exceo dos corredores e jardins privados. A seguir, fazemos uma breve descrio das principais categorias de reas protegidas por legislao ambiental na RMSP as quais so analisadas ao , longo do trabalho.REAS DE P ROTEO A MBIENTAL (APA S) REGIO METROPOLITANA DE SO PAULONA

reas protegidas por legislao ambiental na Regio Metropolitana de So PauloNa RMSP a legislao sobre preserva, o ambiental, que impe restries ao

rea de Proteo Ambiental (APA) uma categoria de unidades de conservao de uso sustentvel, ou seja, possvel a explorao dos recursos da rea desde que se enquadre nas limitaes impostas pelo meio fsico no que tange manuteno da qualidade dos recursos naturais ali presentes e proporcione benefcios sociais para a populao. Quase sempre conta com instrumentos de gesto utilizados para a proteo dos recursos naturais, sejam hdricos ou florestais, e sua gesto pressupe a conservao da natureza bem como a manuteno da qualidade de vida da populao local.

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Figura 1: Principais reas protegidas por legislao ambiental na RMSP

REAS DE PROTEO AOS MANANCIAIS (APMS) NA REGIO METROPOLITANA DE SO PAULO

As reas de Proteo aos Mananciais regulamentadas visam garantir o estabelecimento de uma poltica que possa no somente proteger, mas tambm realizar a recuperao das bacias hidrogrficas de interesse regional do estado de So Paulo, entre elas a Bacia do Guarapiranga e a de Billings. Os mananciais da RMSP possuem, desde a dcada de 1970, legislaes especficas de conservao ambiental, quando foram editadas as Leis 898/75

e 1.172/76. Essas leis distinguem duas categorias de reas e definem diferentes restries de uso do solo para cada uma delas. Para maior detalhamento das leis citadas, sugerimos a leitura de Rocco (2002). As reas correspondentes primeira categoria so assim descritas: as faixas de segurana sanitria ao longo dos corpos de gua, para proteg-los de contaminaes diretas; reas cobertas por matas, para possibilitar maior infiltrao das guas da chuva; e reas com encostas muito pronunciadas, para evitar a eroso.

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Nas reas correspondentes segunda categoria, so permitidos praticamente todos os usos do solo. As atividades permitidas variam de acordo com sua proximidade em relao ao manancial protegido, ou seja, quanto mais prximas dele, maiores as restries. Em 1997, foi editada a Lei Estadual 9.866, reformulando por completo a legislao e estabelecendo uma nova poltica para os mananciais. Embora a Lei 9.866 substitua as anteriores, seu artigo 45, do captulo das disposies finais e transitrias, prev que ficam mantidas as disposies das Leis 898/ 75 e 1.172/76 para a regio metropolitana, at que sejam promulgadas as leis especficas para cada uma das subbacias hidrogrficas dos mananciais de interesse regional para abastecimento pblico. Desse modo, at que sejam promulgadas Leis Especficas da rea de Proteo e Recuperao de Manancial de cada sub-bacia hidrogrfica, ficam mantidos os dispositivos das leis anterio-

res, assim como os da nova lei (9.866/ 97), que so auto-aplicveis. A legislao de proteo aos mananciais tem por objetivo induzir usos compatveis, a partir de um processo de gesto participativo e descentralizado, associando um conjunto de instrumentos que, se implantados, seriam capazes de reorganizar as reas protegidas. Dos 39 municpios da RMSP 25 esto parcial , ou completamente contidos em rea de Proteo de Mananciais (ver Figura 1). Apesar de todo o aparato legal apresentado anteriormente, com a expanso constante da mancha urbana em direo periferia, ecossistemas naturais esto sendo degradados e/ou alterados, como os mananciais da regio sudeste, os paredes cristalinos da Serra da Cantareira na regio norte e o macio da Serra de Itapeti a oeste. Nesse contexto, as unidades de conservao possuem papel fundamental na preservao dos recursos naturais ainda existentes na RMSP .

Metodologia do trabalhoA metodologia do trabalho integra dados censitrios e imagens de satlite, com o uso de tcnicas de Sensoriamento Remoto e Sistemas de Informaes Geogrficas (ver Figura 2). A seguir, descrevemos os principais mtodos utilizados para quantificao das mudanas na cobertura do solo (expanso urbana e desmatamento) e para estimao da populao residente nas reas protegidas por legislao ambiental na RMSP .

Metodologia para quantificao da expanso urbana e do desmatamento das reas protegidas por legislao ambiental da Regio Metropolitana de So Paulo entre 1991 e 2000Foram gerados dados de uso e cobertura do solo para as reas com e sem proteo ambiental, e para as diferentes categorias de proteo ambiental existentes

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na RMSP para os anos de 1991 e 2000, , e dados de mudanas na cobertura do solo no perodo 1991-2000. Esses dados foram produzidos por meio do tratamento

e da classificao de duas imagens de satlite Landsat TM de 1991 e Landsat ETM de 2000 , ambas abrangendo o territrio da RMSP .

Figura 2: Metodologia e procedimentos operacionais do trabalho

Os dados de uso e cobertura do solo para os anos de 1991 e 2000 e de mudanas na cobertura do solo no perodo 1991-2000 foram gerados mediante a sobreposio das cartografias (layers) das diferentes categorias de proteo ambiental (parques e reservas, APAs e APMs) s imagens de satlite classificadas para os anos e perodo referidos. Para cada uma das imagens de satlite (anos de 1991 e 2000), distinguimos

cinco classes de cobertura do solo: gua, cobertura arbrea, vegetao rasteira, solo exposto e rea urbanizada (mancha urbana). Aps a classificao das duas imagens, construmos uma matriz de transio, referente ao intervalo (perodo) entre as datas das duas imagens classificadas 1991-2000. Uma matriz de transio pode ser definida como uma anlise

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multitemporal de duas imagens classificadas, com o objetivo de captar e quantificar mudanas no uso e cobertura do solo entre as duas imagens. Por meio desse mtodo, foi possvel quantificar as mudanas na cobertura do solo entre 1991 e 2000 para todas as categorias de proteo ambiental da RMSP abordadas neste trabalho. As principais mudanas no uso e cobertura do solo que estamos analisando so o desmatamento (perda de cobertura florestal) e a expanso de reas urbanas (mancha urbana) no perodo 1991-2000. A ltima etapa da metodologia foi a agregao dos dados de [mudanas no] uso e cobertura do solo para cada um dos tipos de reas de proteo ambiental da RMSP Para isso, fizemos, inicialmen. te, a sobreposio espacial (overlayer) das cartografias (layers) de todos os tipos de reas de proteo aos mapas de uso e cobertura do solo, gerados pela classificao das imagens de satlite. Posteriormente, calculamos, por meio do SIG ArcGis 8.1, o tamanho da rea de cada classe de cobertura (e de mudana na cobertura) do solo para cada uma das categorias de reas de proteo da RMSP Com isso, foi possvel mensurar . a rea (e a porcentagem) de cada uma das cinco classes de cobertura do solo (e das duas classes de mudanas na cobertura do solo) presentes em cada tipo de rea de proteo ambiental (parques e reservas, APAs e APMs).

legislao ambiental da Regio Metropolitana de So Paulo em 1991 e 2000Para calcular a populao residente no interior de cada uma das categorias de proteo ambiental, utilizamos um mtodo de geoprocessamento chamado overlayer, que poderia ser traduzido como sobreposio de cartografias. Por meio desse mtodo, estimamos a populao e o nmero de domiclios (com suas caractersticas socioeconmicas e demogrficas) localizados no interior das reas ambientalmente protegidas (parques, APAs e APMs). Assim, em primeiro lugar, fizemos a sobreposio de cada uma das cartografias (layers) das reas protegidas por legislao ambiental (parques e reservas, APAs e APMs) s cartografias das malhas dos setores censitrios de 1991 e 2000. Em seguida, por intermdio do mtodo do overlayer, estimamos o tamanho da populao e as caractersticas sociodemogrficas de cada uma das categorias de reas protegidas para os anos de 1991 e 2000, atribuindo a essas reas os dados dos setores censitrios sobrepostos a elas, segundo a proporo da participao do territrio desses setores no territrio de cada um dos tipos de reas ambientalmente protegidas. No entanto, importante observar que esse mtodo est sujeito a erros e imprecises, decorrentes do pressuposto de homogeneidade da distribuio populacional no interior dos setores, a partir do qual so estimados os valores para as reas de proteo sobrepostas a

Metodologia para estimao da populao residente no interior das reas protegidas por

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eles, com base nos centrides dos polgonos. Assim, como o mtodo do overlayer estima a populao no interior das reas ambientalmente protegidas a partir da malha de setores censitrios, segundo a proporo da sobreposio de determinada rea protegida a um conjunto de setores, possvel que essa estimativa acabe contabilizando domiclios localizados no entorno de algumas reas protegidas, como se eles estivessem no interior dessas reas. Tal distoro pode

ocorrer principalmente no caso de alguns parques municipais que possuem pequena dimenso territorial, ou seja, quanto menor o tamanho da rea a ser sobreposta em relao ao tamanho das reas que so fonte do dado censitrio, menor a probabilidade de obtermos estimativas mais acuradas do tamanho da populao e das suas caractersticas sociodemogrficas; no entanto, as estimativas oferecem um panorama geral da situao das reas de proteo ambiental no perodo estudado.

Expanso urbana e desmatamento nas reas protegidas por legislao ambiental na Regio Metropolitana de So PauloNas trs ltimas dcadas, os dois grandes eixos de expanso da cidade de So Paulo tm sido as regies leste e sul. A regio sul est inserida na rea de proteo a mananciais e tem apresentado um forte ritmo de crescimento, que se intensificou nos ltimos anos 2. Mais recentemente, tem ocorrido uma forte expanso na direo da regio norte do municpio, que est localizada nas encostas da Serra da Cantareira, com muitas reas com altas declividades (Marcondes, 1999). Portanto, a lei de proteo aos mananciais no conseguiu restringir a ocupao urbana das reas onde esto2

localizados os mananciais e os remanescentes florestais da metrpole. Ao contrrio, o que ocorreu foi uma urbanizao perifrica e descontnua, com degradao dos recursos hdricos e altas taxas de desmatamento. Com isso, a expanso horizontal das periferias urbanas tem provocado forte presso ambiental, com desmatamento, poluio e degradao de recursos hdricos, e o conseqente conflito, em razo do estabelecimento de assentamentos em reas de proteo e preservao ambiental. Esse padro predatrio de expanso urbana e a falta de sincronia entre a escala de urbanizao e a instalao de

A expanso urbana nas reas de proteo a mananciais ocorreu basicamente por meio de dois processos distintos: ocupao clandestina do solo (loteamentos clandestinos e favelas) e ocupao legal, pela atividade imobiliria, com parcelamento do solo para chcaras de lazer e, em menor grau, para implantao de indstrias (Marcondes, 1999).

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sistemas de infra-estrutura urbana em rede so dois traos definidores da urbanizao metropolitana, que se revelam em duas escalas, a local e a regional. Constituem faces da precariedade urbana da Regio Metropolitana de So Paulo, onde a dimenso ambiental dos problemas urbanos adquire a fora de parmetro necessrio, norteador de polticas pblicas e projetos de ampla abrangncia, urbana e regional. A emergncia dos problemas ambientais urbanos no se restringe aos que resultam da urbanizao sem planos ou projetos. Decorre tambm da presena equivocada do estado, tanto no mbito do controle normativo exercido sobre o solo urbano quanto no da realizao de obras de infra-estrutura apoiadas em planos e projetos (Grostein, 2004). No bojo do processo de extenso das reas perifricas, tem havido um forte avano sobre os remanescentes florestais da metrpole, mesmo com a legislao ambiental bastante restritiva (como o Decreto 750/93), que probe a supresso de remanescentes da Mata Atlntica e dispe tambm sobre reas urbanas metropolitanas (Marcondes, 1999). Cabe destacar que os remanescentes florestais da RMSP esto inseridos no chamado cinturo verde de So Paulo e, portanto, fazem parte da Reserva da Biosfera da Mata Atlntica da Unesco (Lino, 1992).

Esses remanescentes so mantenedores de vrias dinmicas ambientais (por exemplo, corredores ecolgicos e rotas de espcies migratrias) e desempenham um papel fundamental na conservao dos recursos hdricos. Porm, nos ltimos anos, parece estar havendo um forte aumento das taxas de desmatamento, em virtude do avano das reas perifricas mais distantes (fronteira urbana) nas ltimas reas de preservao da metrpole, notadamente nas regies sul e norte, nas zonas da escarpa da Serra do Mar e em outras reas serranas como a Cantareira 3.

Expanso urbana nas reas protegidas por legislao ambiental da Regio Metropolitana de So PauloOs 21 municpios conurbados da RMSP , que englobam quase toda a mancha urbana da regio e que correspondem a 90% da populao da metrpole, abrangem uma rea total de 360,7 mil hectares. Dessa rea, 44,4% so de rea urbanizada (correspondentes a 160,3 mil hectares) e 26,3% so de cobertura arbrea, com alguns importantes remanescentes florestais da Mata Atlntica, concentrados principalmente nas pores norte e sul da regio 4 (ver Figura 1).

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Segundo o Atlas Ambiental de So Paulo, publicado pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente da Prefeitura de So Paulo, o municpio teria perdido 5.357 hectares de reas verdes entre os anos de 1991 e 2000. A quase totalidade dessas reas se localizava nas franjas urbanas, ao norte, sul e leste do municpio. Ver O Estado de So Paulo, 27 ago. 2003, p. C1. Esses dados referem-se ao ano 2000, cuja fonte uma imagem Landsat ETM.

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Em 1991, a mancha urbana dos 21 municpios da RMSP abrangia 131,5 mil hectares, que correspondiam a 36,4% do territrio da regio. No perodo entre 1991 e 2000, houve uma significativa expanso dessa mancha, no bojo de um forte processo de crescimento populacional das reas perifricas e periurbanas da RMSP (Torres, 2005; Torres, Alves e Oliveira, 2007). Assim, entre 1991 e 2000, as reas urbanizadas tiveram uma expanso de 28,8 mil hectares, que corresponde a 21,9% da mancha urbana de 1991 e a quase 8% do territrio da regio metropolitana. Porm, essa expanso urbana no foi homognea entre as reas com e sem proteo ambiental existentes na regio metropolitana. Assim, as reas sem qualquer tipo de proteo ambiental (que correspondem a 51,5% do territrio da RMSP e a 81,5% da mancha urbana em 1991) tiveram uma expanso urbana de 22,2 mil hectares, representando uma expanso de 20,7% em relao rea urbana de 1991 ou 12% do territrio sem proteo. Tambm importante destacar que a expanso urbana ocorrida em reas sem proteo ambiental, no perodo 19912000, correspondeu a 77,2% de toda a expanso urbana ocorrida nos 21 municpios conurbados da RMSP . Apesar de possurem uma menor abrangncia territorial, foram significativos os processos de expanso urbana no interior das reas ambientalmente protegidas, num total de 6,6 mil hectares, correspondentes a 22,8% de toda a5

expanso urbana ocorrida nos 21 municpios conurbados da RMSP, entre 1991 e 2000. Comparando as trs categorias de reas ambientalmente protegidas existentes na RMSP vemos na Tabela 1 que , a intensidade dos processos de expanso urbana foi bastante distinta em cada uma delas. Enquanto nos parques e reservas florestais, a expanso urbana 5 foi de 15,8% (ou 1,3% do territrio abrangido pelos parques), nas reas de Proteo Ambiental (APAs) essa expanso foi de 20,4% (2,3% do territrio das APAs), chegando a expressivos 28,3% nas APMs (3,9% do territrio das APMs), no perodo 1991-2000. Assim, relativamente s reas urbanizadas existentes em 1991, a expanso urbana no interior das APMs foi significativamente superior ocorrida em reas sem nenhuma proteo ambiental (28,3% versus 20,7%). Alm disso, a expanso urbana ocorrida no interior das APMs correspondeu a quase 20% de toda a expanso urbana ocorrida nos 21 municpios conurbados da RMSP . Mesmo nas APAs, o processo de expanso urbana foi bastante significativo, ou seja, 20,4% em relao s reas urbanizadas j existentes (no interior das APAs) em 1991. J a expanso urbana no interior de parques e reservas, que totalmente ilegal, atingiu o nvel nada desprezvel de 633,5 hectares (15,8% das reas urbanizadas j existentes no interior dos parques em 1991).

A expanso urbana (entre 1991 e 2000) calculada em relao s reas urbanizadas existentes em 1991.

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Expanso urbana e desmatamento nas reas protegidas por legislao ambiental na Regio Metropolitana de So Paulo

Tabela 1: reas urbanizadas e expanso urbana nas reas protegidas por legislao ambiental da RMSPParques e reservas Valores em hectares rea urbanizada 1991 rea urbanizada 2000 rea no urbanizada 2000 Expanso urbana 1991-2000 rea total Valores em porcentagem rea urbanizada 1991 rea urbanizada 2000 rea no urbanizada 2000 Expanso urbana 1991-2000 1 Expanso urbana 1991-2000 2 Distribuio espacial rea urbanizada 1991 rea urbanizada 2000 rea no urbanizada 2000 Expanso urbana 1991-2000 rea total1 2

APAs

Total da APMs Total das reas sem RMSP (21 (mananreas proteo municpios) ciais) protegidas131.479,7 160.277,1 199.320,8 28.797,5 360.682,5 36,45 44,44 55,26 7,98 21,90 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

4.023,0 4.360,4 19.902,1 24.269,4 107.210,3 4.656,5 5.251,9 25.541,3 30.845,2 129.432,0 44.203,9 33.125,7 118.991,5 143.055,4 56.265,4 633,5 891,5 5.639,2 6.575,8 22.221,7 48.900,3 38.463,8 145.464,7 174.886,6 185.697,4 8,23 9,52 90,40 1,30 15,75 3,06 2,91 22,18 2,20 13,56 11,34 13,65 86,12 2,32 20,44 3,32 3,28 16,62 3,10 10,66 13,68 17,56 81,80 3,88 28,33 15,14 15,94 59,70 19,58 40,33 13,88 17,64 81,80 3,76 27,09 18,46 19,24 71,77 22,83 48,49 57,73 69,70 30,30 11,97 20,73 81,54 80,76 28,23 77,17 51,48

Porcentagem da expanso urbana em relao rea total da categoria de rea protegida. Porcentagem da expanso urbana em relao s reas urbanizadas existentes em 1991.

Fontes: Imagens Landsat TM (1991; 2000) e Centro de Estudos da Metrpole (CEM-Cebrap), cartografias das unidades de conservao da RMSP.

Os nmeros apresentados revelam a ineficcia da legislao de proteo ambiental, particularmente a de proteo a mananciais, para controlar os processos de expanso urbana nas reas ambientalmente protegidas existentes na RMSP . Segundo Grostein (2004), as Leis 898/75 e 1.172 /76 (Proteo aos Mananciais) criaram efeitos indesejveis.

Seus parmetros, juntamente com as condies gerais de aplicao, colaboraram para criar um produto necessrio: terra barata, sem interesse para o mercado imobilirio e localizada em reas sem fiscalizao pblica adequada. Para a autora, essas reas, em vez de constiturem uma reserva estratgica para a proteo dos mananciais, reuniram vantagens para a reproduo da expanso urbana ilegal.

Maria Aparecida de Oliveira e Humberto Prates da Fonseca Alves

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Desmatamento nas reas protegidas por legislao ambiental da Regio Metropolitana de So PauloAssociados ou no aos processos de expanso urbana, os processos de desmatamento ocorridos na RMSP na dcada

de 1990 foram bastante significativos. A Tabela 2 mostra as mudanas na cobertura florestal nas trs principais categorias de proteo ambiental vigentes na regio metropolitana: 1) parques e reservas, 2) reas de Proteo Ambiental (APAs) e 3) reas de Proteo a Mananciais (APMs) 6.

Tabela 2: Cobertura florestal e desmatamento nas reas protegidas por legislao ambiental da RMSPParques e reservas Valores em hectares Cobertura florestal 1991 Cobertura florestal 2000 rea sem floresta 1991 rea desmatada 1991-2000 rea total Valores em porcentagem Cobertura florestal 1991 Cobertura florestal 2000 rea sem floresta 1991 rea desmatada 1991-2000 Taxa de desmatamento 1991-2000 1 Distribuio espacial Cobertura florestal 1991 Cobertura florestal 2000 rea sem floresta 1991 rea desmatada 1991-2000 rea total1

APAs

Total da APMs Total das reas sem RMSP (21 (mananci reas proteo municpios) ais) protegidas

37.069,2 35.066,3 11.831,1 2.003,0 48.900,3 75,81 71,71 24,19 4,10 5,40 34,29 37,03 4,68 14,95 13,56

23.707,2 69.002,3 88.088,9 20.020,0 108.108,9 20.931,5 60.418,8 78.686,5 16.022,2 94.708,6 14.756,6 76.462,4 86.797,6 165.776,0 252.573,6 2.775,7 8.583,5 9.402,5 3.997,8 13.400,3 38.463,8 145.464,7 174.886,6 185.795,9 360.682,5 61,64 54,42 38,36 7,22 11,71 21,93 22,10 5,84 20,71 10,66 47,44 41,54 52,56 5,90 12,44 63,83 63,79 30,27 64,05 40,33 50,37 44,99 49,63 5,38 10,67 81,48 83,08 34,37 70,17 48,49 10,78 8,62 89,22 2,15 19,97 18,52 16,92 65,63 29,83 51,51 29,97 26,26 70,03 3,72 12,40 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00

A taxa de desmatamento representa a porcentagem da rea desmatada no perodo 1991-2000 em relao rea com cobertura florestal existente em 1991. Fontes: Imagens Landsat TM (1991; 2000) e Centro de Estudos da Metrpole (CEM-Cebrap), cartografias das unidades de conservao da RMSP.

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Como vimos, as APMs e APAs apresentam algumas caractersticas legais semelhantes, tais como a propriedade privada da terra e a permisso (com restries ambientais) do uso do solo para atividades econmicas.

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Expanso urbana e desmatamento nas reas protegidas por legislao ambiental na Regio Metropolitana de So Paulo

Os parques e reservas abrangem apenas 13,6% do territrio dos 21 municpios conurbados da regio metropolitana, mas correspondem a 37% da cobertura florestal da regio em 2000. As APAs abrangem apenas 10,7% do territrio e correspondem a 22,1% da cobertura florestal dos 21 municpios da RMSP J as APMs abrangem 40,3% do . territrio da metrpole e respondem por expressivos 63,8% da sua cobertura florestal, equivalentes a 60,4 mil hectares. As demais reas so constitudas pelas que no possuem instrumentos legais de proteo ambiental ou ainda pelas reas de preservao permanente 7, e, apesar de abrangerem 51,5% do territrio da regio, s respondem por 16,9% da sua cobertura florestal em 2000. Em 1991, 47,4% do territrio das APMs era coberto por vegetao arbrea, percentual que caiu para 41,5% em 2000. Assim, a perda de cobertura florestal no perodo foi de 8,6 mil hectares, equivalentes a uma expressiva taxa de desmatamento de 12,4% (ou 5,9% em relao ao seu territrio), a mais alta entre as reas protegidas por legislao ambiental. Alm disso, a rea desmatada no interior das APMs correspondeu a nada menos do que 64% de toda a rea desmatada nos 21 municpios conurbados da RMSP . Em 2000, 71,7% do territrio dos parques e reservas era coberto por ve7 8 9

getao arbrea, percentual que em 1991 alcanava 75,8%. Houve, portanto, uma perda de cobertura florestal de 4,1% em relao ao seu territrio e uma taxa de desmatamento de 5,4% no perodo 1991-2000, equivalente a 2 mil hectares. J as APAs tiveram uma perda de cobertura florestal de 2,8 mil hectares, com expressivos 7,2% em