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:: Caderno Especial nº26 :: Edição: 04 a 25 de novembro 2005 Parecer sobre os projetos de lei que dispõem sobre a inserção do Serviço Social na Educação 1 Ney Luiz Teixeira de Almeida 2 Introdução A elaboração deste parecer foi solicitada pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), em setembro de 2003, com o intuito de subsidiar as discussões da própria entidade quanto às estratégias e ações a serem adotadas em relação à apresentação e tramitação de Projetos de Lei que versam sobre a inserção do Serviço Social na Educação, em particular o Projeto de Lei Federal nº 873/2003 3 . Esta iniciativa do CFESS encerra um alto grau de sensibilidade política, considerando que se trata de um movimento no âmbito do legislativo que pode vir a materializar uma das grandes aspirações da categoria dos assistentes sociais: a institucionalização do campo educacional como área de atuação e mercado de trabalho. Todavia, trata-se também de um tema que suscita uma série de cuidados em decorrência da particular trajetória desta área de atuação do Estado, do acúmulo profissional no campo das políticas sociais e das próprias justificativas apresentadas pelos profissionais de Serviço Social com relação ao seu ingresso neste importante espaço sócio-ocupacional. 1 Texto produzido em março de 2004. Publicado no Caderno Especial n.26, em http://www.assistentesocial.com.br 2 Professor Assistente da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e do Curso de Serviço Social da Universidade Castelo Branco. Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Coordenador do Projeto de Extensão Educação Pública e Serviço Social da FSS/UERJ (PEEPSS) e do Laboratório de Extensão: Organização de Experiências em Serviço Social, Trabalho e Educação da UCB (LEXT-OESSTE). 3 Os projetos de lei aqui analisados foram reunidos pelo Conselho Federal de Serviço Social na ocasião da solicitação deste parecer, ou seja, em 2004. Com certeza outros projetos, ou mesmo, versões surgiram de lá para cá, mas para não alterar substantivamente o documento original, a presente socialização considerou apenas o que foi disponibilizado naquela ocasião. Da mesma forma não foi feita nenhuma atualização em seu conteúdo a despeito de algumas mudanças ou processos experimentados no campo da política educacional, com o intuito de manter o atual texto fiel em seu propósito inicial.

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:: Caderno Especial nº26

:: Edição: 04 a 25 de novembro 2005

Parecer sobre os projetos de lei que dispõem sobre a inserção do

Serviço Social na Educação1

Ney Luiz Teixeira de Almeida2

Introdução

A elaboração deste parecer foi solicitada pelo Conselho Federal de Serviço

Social (CFESS), em setembro de 2003, com o intuito de subsidiar as discussões

da própria entidade quanto às estratégias e ações a serem adotadas em relação à

apresentação e tramitação de Projetos de Lei que versam sobre a inserção do

Serviço Social na Educação, em particular o Projeto de Lei Federal nº 873/20033.

Esta iniciativa do CFESS encerra um alto grau de sensibilidade política,

considerando que se trata de um movimento no âmbito do legislativo que pode vir

a materializar uma das grandes aspirações da categoria dos assistentes sociais: a

institucionalização do campo educacional como área de atuação e mercado de

trabalho. Todavia, trata-se também de um tema que suscita uma série de cuidados

em decorrência da particular trajetória desta área de atuação do Estado, do

acúmulo profissional no campo das políticas sociais e das próprias justificativas

apresentadas pelos profissionais de Serviço Social com relação ao seu ingresso

neste importante espaço sócio-ocupacional.

1 Texto produzido em março de 2004. Publicado no Caderno Especial n.26, em http://www.assistentesocial.com.br 2 Professor Assistente da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e do Curso de Serviço Social da Universidade Castelo Branco. Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Coordenador do Projeto de Extensão Educação Pública e Serviço Social da FSS/UERJ (PEEPSS) e do Laboratório de Extensão: Organização de Experiências em Serviço Social, Trabalho e Educação da UCB (LEXT-OESSTE). 3 Os projetos de lei aqui analisados foram reunidos pelo Conselho Federal de Serviço Social na ocasião da solicitação deste parecer, ou seja, em 2004. Com certeza outros projetos, ou mesmo, versões surgiram de lá para cá, mas para não alterar substantivamente o documento original, a presente socialização considerou apenas o que foi disponibilizado naquela ocasião. Da mesma forma não foi feita nenhuma atualização em seu conteúdo a despeito de algumas mudanças ou processos experimentados no campo da política educacional, com o intuito de manter o atual texto fiel em seu propósito inicial.

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A presente abordagem, sobre tal matéria, articula-se integralmente às

preocupações acima assinaladas. Destarte, este documento expressa muito mais

uma contribuição ao esforço de análise teórica e política das implicações e dos

conteúdos dos projetos de lei em tela do que uma afirmação categórica sobre a

validade dos mesmos, sobretudo, em função do reconhecimento de que se trata

de um tema que ao ganhar o espaço do legislativo, como vem ocorrendo tanto no

nível federal, quanto no plano estadual e municipal, indica a existência de um

certo grau de reconhecimento de sua pertinência e necessidade.

Não se trata aqui, portanto, de elaborar um argumento com características

de uma investigação estritamente acadêmica. Ainda que este tipo de abordagem

configure uma necessidade hoje, em virtude da carência de produções sobre o

trabalho do assistente social nesta área e sobre a própria política educacional em

nosso meio profissional, este investimento deverá ser realizado em uma outra

ocasião, reservando para este parecer uma reflexão que esteja sintonizada à

pauta de debates e ações políticas e institucionais aprovada pelo conjunto dos

assistentes sociais nos seus mais diversos espaços de organização política.

Para tanto, foi escolhido um percurso de tratamento da questão que esteja

em conformidade com o que temos procurado destacar nos diferentes fóruns de

discussão sobre o Serviço Social na área de Educação, inscrevendo esta relação

no âmbito do processo de amadurecimento teórico e político da profissão, assim

como da própria dinâmica e particularidades da área de educação. Esperamos,

deste modo, sublinhar alguns elementos que possam contribuir para o debate e a

delimitação de estratégias por parte do Conselho Federal de Serviço Social e da

própria categoria profissional como um todo.

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Particularidades da inserção do Serviço Social nas políticas sociais

A trajetória da institucionalização do Serviço Social como profissão não

pode ser compreendida de forma distanciada do processo de estruturação e das

mudanças sofridas no âmbito das políticas sociais. Ao compreendermos as

políticas sociais como locus privilegiado do trabalho dos assistentes sociais

estamos delimitando um modo particular de tratar a história da construção e

identificação das alternativas, dos obstáculos, dos avanços e das respostas

profissionais como constitutiva das relações sociais que particularizam o modo de

organização da produção e de suas condições de reprodução em nossa

sociedade (ALMEIDA, 1996). Destaque seja feito, ainda, às relações travadas

entre o Estado e a Sociedade Civil para uma efetiva aproximação às demandas

historicamente colocadas à profissão, aos contornos e dinâmica de nosso

mercado de trabalho e aos significados ideológicos e políticos da ação

profissional.

Situar a profissão historicamente exige examinar sua trajetória numa

perspectiva de totalidade, ou seja, a partir da relação existente entre o seu

desenvolvimento sócio-institucional e a dinâmica do ser social. Os

empreendimentos de natureza organizativas, intelectuais e sociais que foram

construídos ao longo da institucionalização do Serviço Social - enquanto profissão

inscrita no conjunto das alternativas de enfrentamento da questão social - só

ganham significação se considerado exatamente o conjunto de determinações que

põe em relevo as particularidades da profissão como resultante histórica de

processos sociais concretos, protagonizados por diferentes forças sociais e não

apenas pelos sujeitos profissionais (IAMAMOTO, 1992 e NETTO, 1992).

Desta forma, a compreensão das políticas sociais como uma mediação

necessária à concretização do trabalho do assistente social situa uma dupla

implicação para os assistentes sociais: o seu reconhecimento enquanto espaço

privilegiado da sua profissionalização e atuação e como aporte importante ao

trabalho profissional, ou seja, como meio de operacionalização efetiva de sua

atividade laborativa (ALMEIDA, BARBOSA e CARDOSO, 1998). Se por um lado,

as políticas sociais constituem o terreno sobre o qual se materializa a profissão, o

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que tem favorecido sua demarcação como um campo de interesse teórico e

político para os assistentes sociais, ainda que não lhe seja exclusivo, por outro,

ela tem se revelado uma contraditória fonte dos conteúdos técnicos e ideológicos,

assim como das condutas e instrumentais do trabalho profissional. A arquitetura

institucional das políticas sociais é determinada pela correlação de forças postas

na sociedade no confronto estabelecido pelos sujeitos sociais a partir de seus

projetos societários, expressando graus diferenciados de adesão e

condicionamento às racionalidades que tipificam a especialização e a divisão do

trabalho coletivo, assim como aos valores e modos de interpretação da realidade

hegemônicos na sociedade. O trabalho dos assistentes sociais é determinado,

portanto, pela contraditória dinâmica institucional e complexa rede de

operacionalização dos serviços no âmbito das políticas sociais, considerando-se

as correlações forças postas em cada conjuntura.

O estatuto legal de nossa atividade, ao passo que resguarda algumas

prerrogativas aos assistentes sociais como sujeito profissional, não chega a lhe

conferir uma autonomia plena na condução de seu trabalho (IAMAMOTO, 2003).

Deve ser salientado, portanto, que as condições de exercício da atividade

profissional não resultam exclusivamente dos graus de consciência que os sujeitos

profissionais têm delas assim como de sua competência teórico-metodológica,

ética ou política, mas, sobretudo, de processos históricos, reais, ou seja, das

formas objetivas de organização da produção e da reprodução social nas quais

interage. A autonomia profissional não significa, portanto, uma idealização; ela

expressa a capacidade teórico-metodológica, ética e política em pensar e propor

as ações profissionais como parte de um movimento de resistência e de tentativa

de superação dessas racionalidades e valores dominantes que condicionam a

organização da prestação dos serviços sociais no âmbito das políticas sociais.

Embora materialize o vetor político da ação profissional também está relacionada

aos processos sociais que caracterizam a luta ideológica em cada momento

histórico.

O acúmulo intelectual produzido no interior da profissão tem permitido situar

as políticas sociais como um espaço contraditório: ao mesmo tempo em que se

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constitui como uma expressão concreta de um esforço de equacionamento das

tensões sociais e econômicas através de recortes que fracionam os problemas e

as lutas sociais, também se apresenta como um importante espaço de luta e de

conquistas, como alternativa real e efetiva de acesso de largos segmentos sociais

às condições mínimas de sobrevivência e de ampliação de sua atuação política.

Considerando os horizontes teóricos e políticos postos pela inserção do Serviço

Social nas políticas sociais, são identificados posicionamentos bastante

diferenciados na história da profissão em relação aos seus limites e

possibilidades4. Compreender a extensão da fronteira entre as condições

concretas de mudanças institucionais e seus impactos econômicos e políticos a

partir das políticas sociais e os reais limites impostos pela vinculação orgânica e

embrionária das políticas sociais à lógica da produção e das condições de

reprodução capitalista tem sido um dos principais desafios teóricos e políticos

colocados à profissão.

As políticas sociais desenham um campo de forças no qual a profissão

ganha visibilidade social, materialidade institucional e potencialidade histórica.

Contudo, a mediação entre a ação cotidiana que caracteriza o exercício

profissional e os significados econômicos e ideológicos do conjunto de programas,

projetos e ações executadas como dimensões constitutivas das políticas sociais é

parte de um processo protagonizado por diferentes sujeitos coletivos, dentre os

quais se situa o próprio assistente social. Sob este prisma, a definição das rotinas

e procedimentos, a delimitação dos instrumentais e mesmo a demarcação do

objeto de intervenção não representam um movimento autônomo e circunscrito a

uma legalidade profissional, ao contrário, só podem ser compreendidas como

resultantes de uma relação entre a dinâmica profissional e a dinâmica sócio-

institucional em suas diferenciadas expressões e tensões.

A trajetória da aproximação e da inserção do Serviço Social nas diferentes

áreas de política social tem revelado um dinamismo que não pode ser reduzido às

abordagens idealistas que a deduz de um lugar sócio-institucional consagrado em

toda e qualquer política social setorial. As análises mais consistentes têm revelado

4 Conforme revela a reflexão de MENEZES (1993).

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um processo bem mais complexo que decorre da combinação concreta de

diferentes aspectos: o grau de negociação alcançado no interior do Estado pelas

forças atuantes da sociedade civil quanto à incorporação de novas demandas

sociais, a maior ou menor participação estatal na regulação dos processos de

reprodução da força de trabalho e do mercado de trabalho, as formas de

organização da rede de serviços envolvendo níveis de especialização cada vez

maiores do trabalho institucional e a capacidade de leitura, organização e

intervenção dos segmentos profissionais na composição das estruturas

institucionais implementadoras dos serviços sociais. A combinação desses fatores

constitui um momento decisivo para a compreensão dos processos de inserção

dos assistentes sociais nas políticas sociais.

A compreensão dos processos sociais e institucionais que determinaram os

espaços de atuação sócio-ocupacionais dos assistentes sociais ao longo de sua

história tem apontado, centralmente, para um campo de disputa social em torno da

ampliação e consolidação dos direitos sociais que foi traduzida na incorporação,

nem sempre homogênea, de diferentes modalidades e formas de oferta dos

serviços sociais. Formas que encerraram, muitas vezes, estratégias de

desmobilização ou de atendimento temporário às pressões sociais, não

configurando um quadro de efetivo reconhecimento ou conquista social. Atestam

estas tendências, por exemplo, a erupção de programas e ações governamentais

descontínuos, ocasionais ou focalistas.

Deste modo, a consolidação dos espaços de atuação profissional não tem

se dado como resultado exclusivo de um movimento progressivo de ampliação

dos direitos sociais, ao contrário, tem sido determinado pela dinâmica contraditória

das lutas sociais e da correlação de forças postas em diversas conjunturas,

combinando processos de institucionalização bastante diversificados. Nesta ampla

esteira que conforma o espaço de atuação profissional tem-se desde as áreas já

plenamente consolidadas, como as da saúde, até áreas emergentes, como as de

esporte e lazer, passando por aquelas que ainda sofrem com os percalços e as

incertezas dos processos políticos e institucionais, sobretudo nas esferas do poder

municipal, como a da assistência social. Soma-se a este espectro, fornecendo um

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leque ainda mais diversificado de possibilidades, as transformações

experimentadas pelo mercado de trabalho com as suas diferentes modalidades de

contratação e condições de trabalho.

Estas considerações preliminares quanto à inserção do Serviço Social nas

políticas sociais têm o significado de balizar algumas das preocupações que serão

apontadas ao longo deste documento, sobretudo, no que se refere aos seguintes

aspectos:

� A problematização da educação como campo de atuação do Estado a

partir da política social.

� O significado estratégico da política educacional no âmbito das relações de

produção e reprodução social.

� A leitura da inserção do Serviço Social na política educacional sob o prisma

da relação entre o mercado de trabalho, a organização do trabalho coletivo

e as particularidades do espaço sócio-ocupacional na área educacional.

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Sobre a educação, a política educacional e o Serviço Social

A educação pode ser tomada como um dos mais complexos processos

constitutivos da vida social. A compreensão da educação como totalidade histórica

ultrapassa em muito a abordagem da sua institucionalização nos marcos das

ações reguladoras do Estado. A história da educação articula de modo não linear

a relação entre as esferas privada e pública, grupal e comunitária, econômica e

ideológica da vida em sociedade5. Não se propõe aqui a um exame detalhado

destas relações, mas a uma explicitação necessária quanto ao modo de abordar o

campo da política educacional. Considerando, portanto, a educação como uma

dimensão complexa e histórica da vida social, compreende-se a política

educacional como uma dada expressão da lutas sociais, em particular, aquelas

travadas em torno da disputa pela hegemonia no campo da cultura que não pode

ser pensada de forma desconexa da sua dinâmica particular com o mundo da

produção.

A inscrição de um conjunto de práticas educacionais ao campo da política

social é a expressão histórica de uma disputa pela direção da elaboração e

difusão da cultura dos diferentes grupos sociais que ocupam lugares distintos na

organização da produção em nossa sociedade. A educação realizada no âmbito

da família, das instituições religiosas, da comunidade rural e nos mais diferentes

estabelecimentos edificados ao longo da história da humanidade sempre

constituiu um dos elementos representativos da diversidade e complexidade do

processo educacional como fenômeno social. A ampliação dos espaços, das

experiências sociais e do conjunto de sujeitos envolvidos com o processo

educacional nunca distanciou esta dimensão da vida social dos processos de

disputa cultural, tornando-a um campo altamente tenso6. Da mesma forma,

independente do momento histórico da vida em sociedade, a educação nunca

deixou de ser determinada, em última instância, pela dinâmica do modo de

organização social da produção dos bens materiais necessários à sobrevivência

dos sujeitos sociais, visto que as condições materiais de produção são

5 Um minucioso resgate destas relações pode ser visto em MANACORDA (1989). 6 Ver a este respeito a indispensável contribuição de GRAMSCI (1989) sobre a relação entre a educação e a esfera da cultura.

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determinantes do modo de organização da vida social (MARX e ENGELS, 1984).

A transmissão de valores, a educação das diferentes gerações dentro de uma

família ou comunidade, o conhecimento dos fenômenos naturais e das técnicas de

produção se relacionam, historicamente, com o mundo da cultura, expressando

processos sociais necessários à reprodução das condições de vida dos diferentes

grupos sociais.

Ao longo do desenvolvimento do modo de produção capitalista esta

dinâmica particular da esfera da reprodução social adquiriu feições diferenciadas,

determinadas pelos distintos interesses sociais em confronto, ou seja, pelas

diferentes formas dos sujeitos sociais pensarem a realidade e o seu lugar nela. As

principais classes sociais e suas frações expressam modos distintos de

compreender sua própria realidade e atuar a partir dela. A elaboração da visão de

mundo própria das classes sociais no modo de produção capitalista é um dos

aspectos centrais para a compreensão das principais tensões e disputas que

caracterizam a educação como uma das principais dimensões da vida social. A

institucionalização dos processos educacionais, ao longo da dinâmica e expansão

do modo de produção capitalista, e sua vinculação ao âmbito das ações

reguladoras do Estado não retiraram dos grupos sociais, já referidos neste texto,

as suas funções e prerrogativas educacionais, mas redesenhou a dinâmica interna

desses processos assim como sua vinculação orgânica com a esfera da produção.

A educação, portanto, não deixou de ser um processo social vivenciado no

âmbito da sociedade civil e protagonizado por diferentes sujeitos sociais, mas

passou a ser também uma das principais e estratégicas áreas de atuação do

Estado. As lutas sociais pelo acesso à educação passaram a constituir

importantes fenômenos da política, tornando-se parte do processo de legitimação

do próprio Estado e do processo de conquistas sociais que levaram ao

reconhecimento da educação como direito social e não apenas como uma

expressão de processos circunscritos à dinâmica da vida privada. A luta pela

educação constituiu-se em uma das expressões da questão social exatamente por

encerrar um processo de politização em torno do reconhecimento e do

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atendimento de certas necessidades que deixaram de pertencer exclusivamente à

esfera da reprodução privada e ingressaram nas agendas da esfera pública.

A política educacional pode ser concebida também como expressão da

própria questão social na medida em que representa o resultado das lutas sociais

travadas pelo reconhecimento da educação pública como direito social. E aqui

deve ser ressaltada uma das principais características da realidade brasileira: o

fato de a educação não ter se constituído até o momento em um direito social

efetivo e universalmente garantido, um patrimônio da sociedade civil, conforme

ocorreu em vários países como etapa fundamental do processo de consolidação

do próprio modo de produção capitalista, ou seja, como um valor social universal e

como condição necessária ao desenvolvimento das forças produtivas.

No caso brasileiro a educação pública, embora defendida desde o início do

século XX pelos educadores liberais, sempre foi tomada como contendo um

potencial de ameaça das massas ao projeto de dominação política das elites

(LEAL, PIMENTEL & PINTO, 2000 e MONARCHA, 1989). Desta forma, sua

vinculação às necessidades do mundo trabalho acabou sendo determinante para

os esforços de ampliação do acesso das massas à educação escolarizada. Ao

invés de compor os consensos sociais em torno de um ideário de “cidadania” mais

abrangente esteve muito mais condicionada aos contornos e dinâmica do mercado

de trabalho. O tipo de desenvolvimento e consolidação do capitalismo no país não

se caracterizou como um processo capaz de incluir progressiva e largamente as

massas oriundas do trabalho rural assalariado ou escravo e nem tão pouco os

processos políticos de governabilidade promoveram esta incorporação,

sedimentando uma cultura política de alternância do poder pactuada pelo alto7, a

educação das massas, enquanto momento da luta pela hegemonia cultural e

como parte do desenvolvimento das forças produtivas, adquiriu uma feição

excludente na realidade brasileira. Os ciclos de crescimento econômico, de um

lado, e a capacidade organizativa dos trabalhadores nos movimentos sindicais e

sociais, de outro, passaram a ter um peso ainda mais decisivo na luta pela

educação pública ao longo de todo o século passado.

7 Ver a este respeito Coutinho (1990).

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A organização de um sistema educacional nacional foi uma das etapas

centrais deste processo de luta. O esforço empreendido pelo Estado para a sua

estruturação ao longo das primeiras três décadas do século XX não foi capaz de

criar as condições mínimas de consenso em torno de sua expansão e efetiva

capacidade de enfrentamento das desigualdades educacionais, ao contrário,

acirrou uma intensa disputa entre os interesses privados e públicos,

protagonizada, em grande parte, por uma das instituições que procurou não ceder

terreno na disputa pela hegemonia no campo ideológico: a Igreja. O ingresso na

segunda parte do século XX não equacionou esta disputa, na verdade, novos

elementos compuseram este cenário, dada as características do processo de

expansão capitalista no Brasil e sua vinculação à dinâmica mundial. Parte do

processo educativo, aquele mais diretamente vinculado à formação técnica do

trabalhador, passou a ser realizado por instituições não tipicamente educacionais:

O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial e o Serviço Nacional de

Aprendizagem Comercial (ALMEIDA, 2000a), inaugurando uma tendência, que

veio a ser ratificada no final do século XX, em retirar da própria política

educacional as orientações e financiamentos para a formação técnica do

trabalhador.

As tensões no campo educacional, decorrentes dos interesses das distintas

forças sociais em relação à dimensão estratégica da educação no campo cultural

e produtivo, determinaram longos processos de negociação e embates, fazendo

com que as duas Leis de Diretrizes e Bases da Educação, elaboradas no século

passado, tramitassem durante longos anos no Congresso Nacional até serem

aprovadas, não sem articulações e golpes que conservassem a cultura política

dos acordos no interior da própria elite dirigente: a primeira durante o período

compreendido entre 1948 e 1961, a segunda de 1988 até 1996, ou seja, treze e

oito anos respectivamente.

Tomando a política educacional na contemporaneidade como uma das

referências para a construção deste documento é preciso destacar que a

aprovação da LDB – Lei nº 9.394 de dezembro de 1996 representa um marco no

campo educacional na relação entre Estado e Sociedade Civil e entre o mundo

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trabalho e o mundo da cultura. O seu processo de aprovação expressa o esforço

de adesão empreendido pelo governo federal às exigências externas colocadas à

inserção do país na globalização, reforçando o projeto neoliberal tanto na sua

dimensão ideológica quanto na organização gerencial da política educacional. A

LDB, embora encerre algumas conquistas e avanços no campo educacional, teve

seu processo de aprovação marcado por uma total intransigência por parte do

governo em dialogar com a sociedade civil organizada, onde as propostas dos

movimentos sociais vinculados a área de educação foram paulatinamente vetadas

desde as negociações em torno da sua aprovação até a elaboração do Plano

Nacional de Educação (VALENTE, 2001).

A LDB contém, assim, um arcabouço geral de organização e orientação da

política educacional referenciado pelas principais balizas do Estado neoliberal

(ALMEIDA, 2000b).

� A reforma administrativa e gerencial do Estado. A LDB possui

um texto legal genérico, deixando para as legislações

complementares toda a regulamentação da política educacional.

Analisando estas legislações complementares é possível verificar a

demarcação da função essencialmente gerencial que o Estado

passa a adotar, investindo na estruturação de um conjunto de

parâmetros curriculares para os diversos níveis de educação, na

formulação de processos de avaliação que serviriam para orientar a

destinação dos investimentos e dividindo responsabilidades na

execução com a sociedade civil.

� A flexibilização das legislações exigida pela flexibilização da

produção no mundo do trabalho. A LDB expressa uma adequação

da política educacional às novas exigências de formação do

trabalhador. Este processo de flexibilização contido no texto original

se estende às legislações complementares. Esta tendência pode ser

observada tanto na diversificação das instituições de ensino superior

e das próprias modalidades de formação nesta área assim como na

reforma empreendida no ensino médio.

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� A substituição da lógica do pleno emprego pela da

empregabilidade. A flexibilização dos processos formativos passa a

ser justificada pela necessidade do aumento da capacidade

competitiva das unidades produtivas e a elevação dos indicadores

educacionais, sobretudo, o tempo de escolaridade da mão de obra,

que passa a ser uma meta imprescindível nos tempos atuais. As

alterações nos sistemas de progressão entre séries e ciclos, assim

como as políticas de manutenção dos alunos por mais tempo na

educação escolarizada cumprem uma função estratégica nesta

direção. Muito embora a regulamentação destes processos não se

dê no âmbito da LDB, especificamente, é a partir de seu espectro

ideológico que essas ações vêm sendo promovidas.

� A valorização ideológica da supremacia do mercado e da

individualidade. A função da educação no conjunto dos processos

culturais de produção e reprodução dos valores e idéias dominantes

de uma época é bastante potencializada a partir da LDB, em

particular no estabelecimento de um novo patamar da relação entre

o Estado e a Sociedade Civil, reforçando o diálogo com os

segmentos não organizados e distorcendo a idéia de uma formação

cidadã para a de formação de um cidadão consumidor. A

flexibilização dos conteúdos curriculares e da integração entre as

instituições educacionais e as instituições da sociedade civil menos

politizadas têm levado à incorporação de conteúdos que

ideologicamente enfatizam o papel do mercado em nossa sociedade

e reforçam a perspectiva de desresponsabilização do Estado com as

políticas sociais através do fortalecimento das práticas voluntárias e

da educação privada.

A política educacional, embora tenha seu arcabouço legal e ideológico

ancorado na LDB, não se restringe a mesma, seja em função do próprio

significado que essa legislação possui, seja em decorrência das condições de sua

aprovação, assim como em razão daqueles fatores que acabam por caracterizar

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uma política social e que extrapolam sua dimensão legal: a expressão e disputa

de interesses diferenciados e por vezes conflituosos; a arquitetura institucional que

ganha certa autonomia nas dinâmicas e particularidades dos diferentes

estabelecimentos da burocracia estatal e na relação entre as distintas instâncias

governamentais; e o grau de organização e a capacidade de pressão e

interferência das corporações e movimentos sociais. Compreende-se a política

educacional, desta forma, não só como um aparato institucional legal e

administrativo que se inscreve no âmbito do Estado, mas enquanto um espaço

que também enseja contradições e disputas, e que se altera histórica e

politicamente mediante a ação dos sujeitos sociais. Um espaço privilegiado para a

afirmação da concepção gramsciana de Estado ampliado, que envolve o

relacionamento da sociedade política com a sociedade civil. Os limites deste

relacionamento, ao longo dos últimos anos, têm determinado um desigual

alargamento das conquistas sociais, sobretudo, no sentido do fortalecimento da

participação dos segmentos organizados da sociedade civil. Os próprios

Conselhos de Educação nos âmbitos federal, estaduais e municipais, que

poderiam servir de espaço para a expressão de contra-tendências à hegemonia

do modelo neoliberal na educação, acabam não criando essa condição dada a sua

estruturação e composição em um formato muito distinto dos demais conselhos de

políticas sociais setoriais, como os das áreas de saúde, criança e adolescente e

assistência social, por exemplo, onde a sociedade civil organizada tem assento.

Pensar as particularidades da política educacional na atualidade requer

também situar sua dinâmica e sua extensa e complexa capilaridade institucional

em relação às transformações em curso tanto no mundo do trabalho quanto no da

cultura. A relação entre a organização da educação escolarizada e o mundo do

trabalho não se dá de forma imediata e mecânica, assim, apreender as mediações

que as determina é fundamental para situar os projetos e práticas sociais que

atravessam e compõem o universo educacional. Vale, a título de ilustração da

importância desta relação, a observação de que, ao longo dos anos 90, ao mesmo

tempo em que se detectou uma expressiva diminuição dos postos de trabalho e o

reconhecimento do desemprego como um fenômeno não sazonal, mas estrutural

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no capitalismo, também se verificou uma enorme expansão do ensino superior

privado no país, seja em termos de abertura de vagas ou de instituições, seja na

comparação do total de alunos inscritos nas instituições privadas e nas instituições

públicas. Como explicar esta aparente contradição sem referir às mudanças no

âmbito do Estado em relação aos seus papéis como executor e gestor no campo

das políticas sociais? Sem considerar o paradigma da empregabilidade (GENTILI,

1998) e o grau de adesão ideológica de certos estratos sociais ao mesmo como

orientador das estratégias de ingresso no “seleto e restrito” mercado de trabalho?

Ou, ainda, sem lançar luzes sobre o amplo e polêmico debate em torno da crise

fiscal do Estado e da política de renúncia fiscal como estratégia de incremento aos

setores produtivos? E, por último, como prescindir da análise da expansão da

burguesia do setor de serviços (NEVES, 2000) e, particularmente, a do setor

educacional e da progressiva transformação dos serviços culturais e educacionais

em mercadoria?

Destarte, algumas mediações passam a ser centrais para a compreensão

da relação entre a educação, como dimensão da vida social, e a dinâmica do

mundo da cultura e do trabalho. Situar a política educacional neste esforço é

imprescindível, o que impõe a necessidade de não produzir nenhum hiato

interpretativo no tratamento de sua complexidade, ou seja, não se pode

desconsiderar a relação entre suas expressões legais, na qual se inscreve a LDB,

e institucionais, nas quais se materializa a extensa e diferenciada rede de

instâncias e unidades educacionais, com os processos culturais, econômicos e

políticos presentes na realidade brasileira e mundial. Vale sublinhar que a

progressiva ampliação da política educacional em suas bases de sustentação

legal, programática e institucional é a expressão histórica do lugar que ocupa nos

processos de disputa pela hegemonia cultural em relação ao dinamismo particular

da produção e da reprodução social em diferentes períodos. Essa expansão,

refletida, por exemplo, na LDB e na diversificada rede de serviços e entidades

educacionais, públicas ou privadas, demonstra também a ampliação e o grau de

complexidade alcançado na dinâmica entre o Estado e a sociedade civil em seus

relacionamentos com esta dimensão da vida social que é a educação.

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Nesta perspectiva, ao tratar da política educacional é preciso referenciar o

conjunto de áreas que são reguladas em termos das práticas e conhecimentos

legais e educacionais socialmente reconhecidos hoje enquanto arcabouço

institucional desta política. Ergue-se a partir desta forma de abordagem uma

questão de ordem teórica e política que é o próprio processo histórico de

institucionalização destas práticas reguladas e que ressalta a preocupação,

exatamente no curso dos processos sociais de disputa pela hegemonia, não só no

campo cultural, com as práticas educacionais contra-hegemônicas. Saber em que

medida essas práticas devem ou não ser conduzidas ao largo dessa

institucionalidade, demarcada pela política de educação, tem sido uma das

interrogações mais usuais na história da educação. Muito embora se perceba uma

tendência entre os principais educadores contemporâneos, comprometidos com

uma educação emancipatória, em não trilhar um percurso paralelo, mas caminhar

no sentido de que a institucionalização de práticas educacionais contra-

hegemônicas seja parte de um processo de conquistas e ampliação dos direitos

sociais e de fortalecimento de uma dada concepção política de educação.

Neste sentido, sobretudo para os assistentes sociais, a quem este

documento se dirige, é vital que duas questões sejam assinaladas. A primeira

delas é a de que pensar a atuação dos assistentes sociais na política educacional

envolve a compreensão da dinâmica e complexidade deste campo de atuação do

Estado e da sociedade civil (ALMEIDA, 2003). Não se trata, portanto, de ponderar

ou especular sobre essa atuação apenas no interior dos estabelecimentos

educacionais mais tradicionais como a escola. Pensar essa inserção dos

assistentes sociais exige identificar que a política educacional engloba diferentes

níveis e modalidades de educação e ensino: a educação básica que é composta

pela educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e

adultos; a educação profissional; a educação superior e a educação especial. A

organização e a execução desses diferentes níveis de educação e ensino cabem

ao Estado em seus três níveis de atuação: a união, os estados e os municípios,

sendo que cada um deles tem responsabilidades e incumbências diferenciadas.

Destarte, é fundamental que não se perca a dimensão de totalidade na

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17

compreensão do significado que a política educacional tem a partir desse desenho

institucional na relação entre o mundo da cultura e o do trabalho, ou seja, no

âmbito da dinâmica que particulariza as esferas da produção e da reprodução

social.

A segunda questão a ser assinalada diz respeito ao reconhecimento de que

se a política educacional é uma das expressões das disputas protagonizadas

pelos sujeitos sociais no campo da cultura ela também não encerra todas as

particularidades da educação enquanto dimensão da vida social. Os assistentes

sociais devem, ao mesmo tempo, tomar a política educacional como um modo

historicamente determinado de oferta e regulação dos serviços educacionais, que

organiza diferentes formas de trabalho coletivo e modalidades de cooperação

entre os profissionais que atuam nesta área, como considerar a educação como

um fenômeno social, cujas práticas e seus sujeitos envolvem processos que

embora se relacionem com a política educacional a ela não necessariamente se

circunscrevem. Pensar a educação para além da política educacional é, deste

modo, uma outra exigência posta aos assistentes sociais e que requer um olhar

sobre a própria dimensão educativa de sua intervenção como constitutiva desses

processos mais amplos e não necessariamente vinculada a essa área de atuação

do Estado via política social. Em síntese, a dimensão educativa que caracteriza

um infindável universo de práticas sociais e experiências profissionais não

necessariamente configura um elemento justificador do pertencimento ou

proximidade dessas atuações à política de educação.

Existem, contudo, situações reais que têm revelado a necessidade de

atuação dos assistentes sociais no ensino fundamental8, ou seja, numa área

específica da política educacional. Estas situações, resgatando a perspectiva de

abordagem que norteia este documento, podem ser compreendidas a partir das

expressões atuais da questão social na (e em relação à) educação, em seu

8 Vale destacar que estas situações, ainda que expressem manifestações atuais da questão social, não caracterizam a inserção dos assistentes sociais nas escolas como uma realidade nova, muito ao contrário. Contudo são poucos os registros dessas inserções, o que vale destacar a sistematização de uma dessas experiências feita por SANTOS (2001) sobre a experiência alagoana.

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sentido mais amplo já referido, assim como em sua dimensão mais particular, a

política educacional.

A escola pública e, mesmo, a particular, na esfera do ensino fundamental,

se vê atravessada por uma série de fenômenos que, mesmo não sendo novos ou

estranhos ao universo da educação escolarizada, hoje se manifestam de forma

muito mais intensa e complexa: a juventude e seus processos de afirmação e

reconhecimento enquanto categoria social, exacerbadamente, mediado pelo

consumo; a ampliação das modalidades e a precoce utilização das drogas pelos

alunos; a invasão da cultura e da força do narcotráfico; a pulverização das

estratégias de sobrevivência das famílias nos programas sociais; a perda de

atrativo social da escola como possibilidade de ascensão social e econômica; a

desprofissionalização da assistência no campo educacional com a expansão do

voluntariado; a gravidez na adolescência tomando o formato de problema de

saúde pública e a precarização das condições de trabalho docentes são algumas

das muitas expressões da questão social.

O reconhecimento da presença desses elementos no universo escolar, por

si só, não constitui uma justificativa para a inserção dos assistentes sociais nesta

área. Sua inserção deve expressar uma das estratégias de enfrentamento desta

realidade na medida em que represente uma lógica mais ampla de organização do

trabalho coletivo na esfera da política educacional, seja no interior das suas

unidades educacionais, das suas unidades gerenciais ou em articulação com

outras políticas setoriais9. Caso contrário, estará implícito, nas defesas desta

inserção, a presunção de que tais problemas seriam exclusivos da atuação de um

determinado profissional, quando na verdade seu efetivo enfrentamento requer, na

atualidade, não só a atuação dos assistentes sociais, mas de um conjunto mais

amplo de profissionais especializados. O que parece ser central aqui e que já vem

sendo observado pelos profissionais da área de educação é que o professor não

9 Esta abordagem filia-se a um campo de estudo presente na Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro sobre a inserção dos assistentes sociais em processos de trabalho na área de educação, o que determina um olhar sobre a escola para além das suas dinâmicas institucionais mais visíveis, mas como espaço de organização de um trabalho coletivo. Sobre este tipo de olhar no campo educacional, ainda não muito difundido, vale destacar a reflexão de SILVA JÚNIOR (1995).

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vem conseguindo dar conta, sozinho, desses problemas e que o processo de

enfrentamento dessa complexa realidade não é de competência exclusiva de

nenhum profissional.

Para além das suas funções com o processo de formação do cidadão -

perspectiva que vem sendo construída como parte da luta e da organização social

da categoria dos educadores e que, portanto, não se inaugura com a possibilidade

de entrada de um ou outro profissional na política educacional, mas traduz uma

luta histórica no âmbito das forças sociais - o professor não consegue acumular

outras funções que a escola vem assumindo como decorrência de seu lugar

estratégico no campo das políticas sociais. Há de se destacar, neste sentido, a

tendência marcante na última década de articulação das políticas de

enfrentamento da pobreza e garantia de renda mínima10 com a política

educacional, aumentando o fluxo de informações e responsabilidades

institucionais da escola.

Essa função estratégica da escola como porta de acesso de largos

segmentos sociais às políticas sociais e seus programas não tem resultado em um

processo tranqüilo no âmbito do ensino fundamental. A sobrecarga de funções dos

professores, em decorrência da incorporação dos procedimentos administrativos

desses programas, a visão até certo ponto ideológica de que a assistência social

se converte incondicionalmente em assistencialismo e que determina um

“conformismo” das estratégias de sobrevivência das famílias aos programas

sociais, acaba gerando uma certa preocupação com o que possa significar a

presença dos assistentes sociais nas escolas. Corrobora com essa visão, talvez

não hegemônica, mas presente e real, o fato de que as questões relativas à

sexualidade, às drogas, à família e à violência, embora façam parte da atuação

dos assistentes sociais em diversos outros campos de atuação, também, em certa

medida também compõem ou deveriam compor o universo da formação ampla e

cidadã com a qual muitos educadores e entidades educacionais investem como

parte do processo de construção de uma nova sociedade (LINHARES, 2001). A

10 Ver a respeito desta tendência SPOSATI (1997).

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questão se torna ainda mais delicada se tratada pelo lado da função educativa das

práticas profissionais e sociais.

Diante do exposto não se procura aqui interditar este processo de

aproximação do Serviço Social à escola pública ou particular, ao contrário, busca-

se as bases reais e o significado político de construção dessa trajetória. A

afirmação da dimensão educativa do trabalho do assistente social deve ser

considerada não apenas em termos da valorização da sua inserção nas unidades

educacionais, mas do seu envolvimento com os processos sociais, em curso,

voltados para a construção de uma nova hegemonia no campo da educação e da

cultura, dos quais os educadores trazem significativos acúmulos e tradição, seja

no campo do pensamento intelectual, seja nas ações profissionais e políticas.

Para uma categoria como a dos assistentes sociais esta adesão não representa

algo novo, visto que sua aproximação às mais diferentes áreas de atuação do

Estado, através das políticas sociais, tem contado com um certo grau de

participação e mobilização política nos processos coletivos e na esfera pública. A

adesão às lutas e movimentos sociais em torno da erradicação do analfabetismo,

de uma educação pública universal, gratuita e de qualidade, do acesso

progressivo dos diversos segmentos sociais aos diferentes níveis de educação

constitui expressão importante deste processo de valorização da dimensão

educativa do trabalho do assistente social como inclusa nos processos de luta e

organização social.

Por outro lado, a própria trajetória dos assistentes sociais no que se refere

ao acúmulo teórico e profissional no campo das políticas sociais e, em particular,

da assistência, tem sido um dos principais fatores de reconhecimento de sua

presença em diferentes áreas de atuação, mas cuja efetiva inserção, assim como

os alcances da sua atuação ultrapassam o campo da vontade e da competência,

visto que expressam movimentos e processos concretos de organização dos

serviços sociais no âmbito de estruturas institucionais historicamente construídas.

Desta forma, esta possibilidade recai, novamente, no campo da organização e da

intervenção política, pois expressará o resultado de um processo de ampliação

das formas de enfrentamento das expressões da questão social no ensino

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fundamental. O reconhecimento do significado social e institucional desta inserção

junto aos sujeitos que atuam na área de educação representa, assim, elemento

decisivo para sua efetivação, direcionando o debate para a esfera dos processos

sociais dirigidos para a ampliação e conquista dos direitos sociais e educacionais.

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Comentários sobre os projetos de lei

Os projetos de lei federais, estaduais e municipais, levantados pelo

Conselho Federal de Serviço Social e sobre os quais se constrói este parecer,

expressam um universo bastante diversificado de argumentos e leituras sobre o

significado e a necessidade da presença dos assistentes sociais nessa área.

Alguns elementos podem ser inicialmente apontados para justificar esta

diversidade:

� Os períodos históricos em que foram produzidos. Existem projetos do

início dos anos 70, de meados dos anos 80 e projetos mais recentes.

Para se compreender as implicações deste largo espaço de tempo para a

análise dos argumentos apresentados basta pensar sobre as mudanças

sofridas na sociedade brasileira, na política educacional e no Serviço

Social ao longo dos últimos trinta anos.

� A apresentação de argumentos que devem ter sido elaborados por

parlamentares sem um conhecimento mais preciso sobre a profissão e as

competências e habilidades profissionais.

� E, por último, o atravessamento de concepções generalistas sobre a

própria educação assim como em relação ao Serviço Social. Talvez,

essas representações construídas em torno da educação e das práticas

dos assistentes sociais, e que demarca certas idéias e valores com base,

sobretudo, no senso comum, estejam, ainda, muito enraizadas na própria

sociedade, visto que elas, de certo modo, ainda foram encontradas no

conjunto de leis e documentos analisados, independentemente do período

histórico em que foram produzidos.

A partir destas observações preliminares serão apresentados alguns

comentários sobre o conjunto dos projetos e documentos analisados, procurando-

se resgatar os elementos que tornam as atribuições previstas para os assistentes

sociais, nas escolas ou na área educacional, próximas ou distantes às abordagens

produzidas na primeira parte do presente documento e ao próprio acúmulo

elaborado pela categoria e expresso no projeto ético, político e profissional do

Serviço Social.

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Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2.006, de 1974

Este projeto de lei foi elaborado com o seguinte propósito: “Modifica a

redação do artigo 10 da Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, que fixa Diretrizes

e Bases para o ensino de 1º e 2º Graus, instituindo a obrigatoriedade de Serviço

Social Escolar”. Interessante observar que o projeto de lei foi elaborado com

intuito de modificar um artigo da LDB aprovada cerca de três anos antes e após

treze anos de tramitação no Congresso Nacional, o que demonstra a já assinalada

dificuldade de aprovação de uma legislação geral que contemple as expectativas

dos diferentes grupos sociais.

A presença dos assistentes sociais nas escolas de 1º e 2º graus foi

justificada pela formação específica deste profissional, identificada como

necessária, e sem que possa ser desenvolvida pelo professor, na condução das

atividades de “assistência social escolar”. Este projeto é um dos muitos

apresentados a se referir a um “Serviço Social Escolar”, expressão que grassa

entre os assistentes sociais na atualidade e que não está isenta de uma série de

implicações sócio-ocupacionais. Considerando o debate profissional realizado ao

longo dos anos 80, e que orienta as principais produções na contemporaneidade

sobre a inscrição do Serviço Social na divisão social e técnica do trabalho, esta

forma de abordar a atuação do assistente social na área de educação tem dois

significados importantes. O primeiro é o de considerar os limites e os alcances de

uma especialização do exercício profissional nos marcos das políticas sociais

setoriais e das instituições sociais, ou seja, se afirma a possibilidade de um

Serviço Social específico para cada área: o Serviço Social Escolar, o Serviço

Social da Saúde e o Serviço Social Jurídico entre outros. O segundo significado é

o de reduzir a possibilidade de inserção dos assistentes sociais na política

educacional aos estabelecimentos educacionais do ensino fundamental, já

sinalizado anteriormente.

Os problemas presentes no universo escolar e que justificam a atuação dos

assistentes sociais de certa forma gravitam em torno daquelas expressões da

questão social que já foram referidas no item anterior deste documento, contudo, o

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modo de abordar algumas dessas expressões e a eleição de um conjunto de

“problemas” com os quais os assistentes vão ter que lidar denota uma concepção

de como a escola se inscreve em um amplo processo cultural de mascaramento

das determinações sociais desses fenômenos:

A Assistente Social constatará, com facilidades que

lhe proporciona sua formação profissional, problemas

como: má freqüência às aulas, rendimento deficiente,

conduta inadequada (indisciplina, comportamento sexual

irregular, furtos, etc.), higiene ou saúde precárias,

deficiências físicas ou mentais, carências emocionais,

irregularidades do lar, dificuldade de ambientação social,

etc.

E prossegue na mesma perspectiva de leitura dos problemas educacionais:

A Lei de Diretrizes e Bases para o Ensino de 1º e 2º

graus (Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971), em

inúmeros dispositivos, sugere a necessidade de

tratamento especial aos alunos que apresentem

aproveitamento deficiente, em razão de problemas

emocionais decorrentes, que de educação familiar errônea

ou deficiente, quer da dificuldade em colocar-se no meio

social, ou ainda, de defeitos físicos ou mentais.

Realmente, a ocorrência dessas anomalias é bastante

acentuada na área do ensino de 1º e 2º graus época da

formação básica da individualidade, da colocação social e

do alicerce intelectual do aluno.

Atribuindo ao professor a tarefa de constatar e solucionar

aquelas anomalias, a lei acaba por sobrecarrega-lo, em

detrimento de suas obrigações precípuas.

Para além do estranhamento que hoje possa causar esta forma de

considerar a relação entre a família e a escola e as dificuldades que se interpõem

ao trabalho do professor, já bastante criticadas e superadas no cenário intelectual

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educacional contemporâneo e, relativizando o próprio texto, se considerada a sua

produção no âmbito da vida parlamentar em um dos períodos mais críticos da

ditadura militar no Brasil, o que deve causar inquietação e desconforto é o fato de

que com cores menos carregadas e apoiadas em novos aportes ideológicos, em

particular o neoliberalismo, em certa medida essa concepção de que a escola

possui uma dinâmica que vem sendo “atrapalhada” pelas atuais composições e

arranjos familiares e suas estratégias de sobrevivência estão fortemente presentes

no universo educacional e ainda sustenta os argumentos mais apresentados para

se justificar a presença dos assistentes sociais na área de educação na

atualidade.

Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 1.995, de 1976

Este projeto de lei é na verdade uma reapresentação do anterior em uma

nova legislatura. A sua menção só se faz necessária conquanto dá continuidade à

mesma linha de abordagem do anterior, imprimindo uma marca ideológica dos

tempos da ditadura à intervenção que se desejava produzir com a inserção dos

assistentes sociais nas escolas. Observe:

Rendendo as nossas melhores homenagens ao ex-

Deputado Maurício de Toledo, autor de idêntica

propositura na legislatura passada, arquivada ex vi do

artigo 117 do Regimento Interno da Câmara dos

Deputados, procuramos estabelecer com este projeto de

lei a obrigatoriedade de assistência social escolar,

executada por profissional especialmente formada para

esse fim – A Assistente Social – porque entendemos que

não basta sabermos da existência de um mal com

conseqüências ruinosas para a formação das novas

gerações, mas localizarmos as suas origens, para tentar

eliminá-las.

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O “mal” referido, com certeza, não estaria na vida escolar, mas no

comportamento inadequado dos alunos e de suas famílias. Vale destacar que a

ideologia da segurança nacional impregnou um largo espectro da vida social,

imputando não só modos de compreensão, mas, sobretudo, práticas alicerçadas

em um gritante autoritarismo.

São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº 59, de 1978

O presente projeto de lei visava instituir na Secretaria dos Negócios da

Educação do Estado de São Paulo o setor de Serviço Social Escolar. Não cabe

retomar a questão já tratada anteriormente sobre o Serviço Social Escolar, apenas

sinalizar a sua persistência nos textos legais. O que é interessante observar neste

projeto é uma mudança qualitativa na abordagem, mas que se resume à

ultrapassagem da linguagem dura dos documentos anteriores, sem, contudo,

provocar profundas alterações na perspectiva de análise seja do campo

educacional, seja das atribuições dos assistentes sociais.

Artigo 3º - Serão atribuições do Setor de Serviço Social

Escolar o tratamento psico-social aos membros do corpo

discente, a promoção da interação de grupos, a orientação

social, a integração escola-comunidade, a assessoria às

associações ligadas às unidades de ensino, o

desenvolvimento de campanhas, seminários e ciclos de

estudos, o incremento das atividades de lazer e a

formação de grupos voltados para a prática cultural e

desportiva, dentre outras.

Observa-se que, ao mesmo tempo, o texto afirma as modalidades

tradicionais de intervenção do Serviço Social: caso, grupo e comunidade,

enfatizando uma perspectiva psico-social, e vislumbra uma ampliação das

fronteiras desse trabalho no interior da própria escola e que vieram a se constituir

em áreas de atuação dos assistentes sociais, como as de esporte, cultura e lazer.

A justificativa apresentada para a criação do Setor de Serviço Social

Escolar enaltece tanto os problemas de ordem psicológica que constituiria um

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argumento mais adequado para a criação de um Setor de Psicologia da

Educação. Identifica-se, desta forma, uma predominância ainda de abordagens

com um nítido sentido de garantia da funcionalidade da vida escolar e cujos

maiores entraves repousam sobre as disfunções e desajustes individuais dos

alunos assim como os apresentados por suas famílias. Em nenhum momento do

texto a escola é questionada como expressão de uma dada forma de organização

do sistema educacional, assim como as determinações sociais se colocam como

objeto para a atuação dos assistentes sociais.

As autoridades escolares, evidentemente não ignoram

a existência de problemas de ordem social que hoje

envolvem os jovens estudantes, em seus lares, no meio

social em que vivem e nas próprias unidades de ensino,

hoje desprovida de recursos humanos capazes de ensejar

ampla orientação social aos seus alunos, complementando

o processo educacional formal, através de atividades

extra-curriculares.

A eficiência de qualquer sistema de ensino depende em

grande parte, das condições psicológicas apresentadas

pelos aprendizes. Este fato não é menos conhecido que o

anterior, mas nenhuma medida foi até aqui tomada

objetivando o tratamento dos evidentes problemas

psicológicos, impostos aos jovens pela dinâmica da vida

moderna. O sistema oficial de ensino não inclui como

prioritário o tratamento ou prevenção das distorções de

comportamento de milhares de discentes, dos problemas

de adaptação de outros tantos milhares, dos desajustes

familiares e inúmeros outros problemas psico-sociais que

incidem diretamente no processo educacional formal,

prejudicando-o.

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São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº 374, de 1981

Este projeto de lei é bastante sucinto, não permitindo uma análise mais

detalhada. Contudo, vale o registro de que o pouco conteúdo presente em seu

texto reitera a abordagem do projeto de lei anterior, enfatizando a atuação dos

assistentes sociais nos programas de lazer e cultura e junto aos centros cívicos e

Associações de Pais e Mestres. A ênfase da atuação profissional está centrada na

relação Escola-Família-Comunidade.

São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº 336, de 1983

O presente projeto de lei apresenta alguns elementos novos no trato da

questão e mantém outros já assinalados nos projetos anteriores. A ênfase da

intervenção ainda está assentada na relação Escola-Família-Comunidade.

Contudo, o texto do projeto em tela não faz mais alusão ao Serviço Social Escolar,

dirigindo-se a criação de um Serviço Social na Escola. Esta mudança não deve

ser tomada como uma mera questão semântica. A análise do teor do projeto

revela que esta pequena alteração já expressa uma mudança em curso na própria

profissão. Isto pode ser comprovado com a indicação, no texto do projeto, de que

o mesmo é o resultado de um grupo de trabalho constituído por assistentes

sociais do então Conselho Regional de Assistentes Sociais (CRAS) de São Paulo.

Outra mudança bastante visível, e que comprova a aproximação do

processo de elaboração e tramitação do referido projeto à dinâmica interna do

Serviço Social, pode ser identificada na apresentação dos objetivos do Serviço

Social na Escola. Há aqui um claro redirecionamento da abordagem do significado

da profissão, saindo da perspectiva psico-social para uma análise mais política da

atuação dos assistentes sociais. Esta mudança, bastante relevante, ao passo que

representa um esforço de superação no âmbito da própria categoria profissional

em superar a herança ideológica e teórica de matriz conservadora, acaba também

expressando as interrogações e o deslocamento do foco profissional para a esfera

das práticas sociais, sem conseguir caracterizar, com precisão, com o que o

Serviço Social atuaria no campo educacional, considerando-se que o projeto de lei

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tem que justificar a inserção nas escolas de um novo profissional com uma

formação diferente da do professor.

Artigo 4º - É objetivo geral do Serviço Social na

Escola concorrer para a plena realização desta instituição

educadora, socializadora, integradora, transformadora e

conscientizadora, com vistas ao Desenvolvimento Social.

Parágrafo 1º - São objetivos específicos do Serviço

Social na Escola:

Identificar nos processos sociais as causas que impedem

a plena participação dos elementos envolvidos no âmbito

da educação para o alcance da qualidade de vida

compatível com os direitos e exigências humanas;

Propor alternativas e possibilitar a participação e

integração da escola no conjunto da sociedade como um

todo, com o objetivo de que essas causas sejam

eliminadas e o processo de desenvolvimento social, ao

nível educacional, se transforme de acordo com os direitos

e exigências humanas;

Participar na formulação e implementação das políticas

sociais e seus respectivos planos que forem formados ao

nível da educação sistemática e assistemática;

Parágrafo 2º - Para a consecução do disposto neste artigo,

utilizar-se-á da metodologia específica do Serviço Social, e

dos meios institucionais: planejamento escolar, programas

de lazer, cultura, integração escola-comunidade, das

entidades e associações auxiliares já existentes: Centros

Cívicos e Associações de Pais e Mestres.

Pode se depreender do texto acima que a superação de uma abordagem

funcional da escola não resolveu de todo o problema da demarcação do foco da

atuação dos assistentes sociais na área de educação, ao contrário, criou-se um

outro problema: o de situar os objetivos profissionais num plano irrealizável

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enquanto tal, visto que encerram um alcance social e político que não se inscreve

no âmbito de uma única profissão, mas da luta social empreendida por outros

sujeitos sociais. As formas de atuação sedimentam uma tendência já apontada

nos projetos anteriores que articula áreas afins à educação como a cultura e o

lazer e envolve outros agentes do campo educacional.

A justificativa apresentada quanto à presença dos assistentes sociais nas

escolas de 1º e 2º graus ainda conserva a noção de que os alunos e os problemas

decorrentes de sua condição, a juventude, é que constituem o alvo de suas ações,

ainda que as razões desses problemas já não sejam reputadas apenas à família.

O texto do projeto, na parte da justificativa, mescla elementos novos e argumentos

presentes nos projetos anteriores, assim, ao mesmo tempo em que se

apresentam indícios de que a escola não é uma instituição que se encontra acima

e distante da dinâmica da sociedade, se refere novamente à organização de um

Serviço Social Escolar, único momento que esta expressão é utilizada nesse

projeto de lei.

A institucionalização do Serviço Social Escolar representa

proposta não só imperativo da lei, mas, sobretudo,

resposta eficiente a uma realidade social que a cada dia

produz, no meio estudantil, maior volume de reflexos

negativos, capazes de desestabilizar o rendimento escolar

de milhares de alunos espalhados pelos estabelecimentos

oficiais de ensino.

A inaptidão para determinadas matérias, a ausência às

aulas, as fugas, a rebeldia, a improdutividade, a

agressividade, a inadaptação a grupos, o desajustamento,

e até a marginalização, são efeitos nem sempre emergidos

do sistema de ensino, mas de causas muito mais

complexas e profundas, muitas vezes até externas ao

ambiente escolar, que exigem a intervenção de

profissionais especialmente preparados para o seu trato.

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31

Até o momento, os projetos de lei examinados não conseguem romper com

a leitura de que os problemas com os quais o assistente social deve lidar nas

unidades de ensino estão circunscritos aos processos comportamentais,

decorrentes de dificuldades de ajuste, seja de ordem familiar, social ou

econômica. Reside neste tipo de enfoque a dificuldade em situar não só as

particularidades da atuação profissional, mas, sobretudo, em pensar o próprio

processo educacional, na medida em que as questões relacionadas até então, em

sua grande maioria, não encerram outra coisa que não as dificuldades próprias à

vivência dos jovens enquanto categoria social, ou seja, questões que devem se

constituir em objeto de estudo e trabalho também dos próprios educadores que se

propõem a não retirar dos alunos a condição de sujeito do processo educativo.

São Paulo. Câmara Municipal. Projeto de Lei nº 09, de 1984

Este projeto de lei municipal representa um significativo avanço em relação

aos anteriores e por uma razão particular: ele é elaborado pela então vereadora

da Cidade de São Paulo e assistente social Luiza Erundina de Sousa. O projeto

apresenta um texto sintonizado ao debate político e intelectual sobre o Serviço

Social da época. Ainda enfatizando a dimensão política do trabalho dos

assistentes sociais, como no projeto anteriormente analisado, este já aponta uma

relação entre os objetivos do Serviço Social e as lutas sociais travadas pela

educação pública. Desta forma, a abordagem dos objetivos do Serviço Social na

rede de ensino de São Paulo resgata algumas das atribuições previstas na lei que

regulamenta a profissão11 e se articulam ao processo social em defesa de uma

escola pública voltada para a formação do cidadão, sem se deter sobre os focos

de intervenção nas unidades de ensino. Ou seja, é um texto que não é tão

genérico no trato da dimensão política da profissão e que avança na direção da

delimitação das particularidades da inserção dos assistentes sociais nas unidades

de ensino.

11 Aqui nos referimos a Lei nº 8.662, de junho de 1993 pelo reconhecimento de que alguns de seus conteúdos já estavam presentes no referido projeto de lei, muito embora naquele período, 1984, a lei em vigência fosse a Lei nº 3.852/57.

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32

Artigo 2º - O Serviço Social na Escola tem como seu

campo de trabalho as relações entre os Agentes do

processo educativo: estudantes, pais, trabalhadores da

escola e representantes da comunidade.

Artigo 3º - O Serviço Social na Escola tem por objetivo

geral, contribuir para que o processo educacional

corresponda aos direitos, necessidades e melhores

condições de vida e trabalho da população abrangida pela

ação da escola e, assim, cumprir plenamente suas

finalidades de formação e transformação social.

Parágrafo único: São seus objetivos específicos:

a) Identificar e caracterizar as situações sociais

que impedem a participação dos indivíduos e grupos

envolvidos no processo educacional, nos bens e serviços

necessários para uma condição de vida satisfatória e

condizente com os reais direitos e exigências humanas.

b) Estimular a população a refletir sobre os

problemas sociais que interferem direta ou indiretamente

nas suas condições de vida e trabalho, buscando em

conjunto alternativas que visem à superação desses

problemas.

c) Identificar e resgatar as diversas experiências e

manifestações de cultura popular, contribuindo para a

incorporação desses conteúdos na criação e reformulação

de propostas educacionais.

d) Criar condições para que se efetive a

participação dos diferentes agentes do processo educativo

na formulação de políticas educacionais e de propostas

alternativas de trabalho.

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33

e) Contribuir para que a escola se constitua,

também, num espaço de reflexão e vivência social que

complemente o processo formal de educação.

f) Estimular a criação de programas destinados

aos escolares, em horários diferentes do período de aula,

propiciando um espaço alternativo de informação, lazer e

orientação sócio-educativa.

Os objetivos acima descritos indicam a presença de elementos inéditos,

não referidos nos projetos anteriores. O primeiro deles diz respeito à atuação dos

assistentes sociais não só junto ao segmento estudantil e suas famílias, mas

também junto a outros agentes envolvidos com processo educativo: os

trabalhadores da escola. A segunda novidade se relaciona ao enfoque do trabalho

profissional na perspectiva da condução de atividades que envolvam as condições

de vida e trabalho da população. Esta concepção traz à tona a compreensão do

significado social da profissão no âmbito da produção e reprodução social. O

terceiro elemento, e, talvez, o mais inovador, envolve a preocupação com a

dimensão cultural, o que inscreve o processo educacional, de modo explícito,

conforme pode ser verifica na letra “C” do artigo terceiro do projeto, com as

disputas pela hegemonia na esfera da cultura. O quarto aspecto está relacionado

às funções de mobilização e fortalecimento dos processos de participação política

da população no âmbito das políticas sociais como um todo e da política

educacional em particular. Todos esses elementos expressam um giro

considerável em relação aos enfoques anteriores na relação do Serviço Social

com a política educacional e com a área de educação, conforme abordado na

parte anterior deste documento.

São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº 517, de 1987

O projeto de lei de 1987 é, na verdade, uma reedição do Projeto de Lei nº

336 de 1983, não contendo nenhum elemento novo substantivo para a presente

análise.

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34

São Paulo. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº 442, de 1995

O presente projeto também reedita o Projeto de Lei nº 336 de 1983

mantendo a mesma base de justificação quanto à inserção dos assistentes sociais

nas escolas. A principal modificação está contida na exposição das competências

do Serviço Social nas escolas de 1º e 2º graus do Estado de São Paulo, voltando-

se novamente à utilização da concepção do Serviço Social Escolar.

Artigo 2º - Compete ao Serviço Social Escolar:

I- efetuar pesquisa de natureza sócio-econômica

e familiar para caracterização da população escolar;

II- efetuar e executar programas de orientação

sócio-familiar, visando a prevenir a evasão escolar;

III- articular-se com as instituições públicas,

privadas e organizações comunitárias locais, com vistas

ao encaminhamento de pais e alunos para atendimento de

suas necessidades;

IV- promover, juntamente com a associação de

Pais e Mestres, eventos com finalidade assistencial;

V- coordenar os programas assistenciais já

existentes na escola, como o de merenda escolar e outros;

VI- realizar visitas domiciliares com o objetivo de

ampliar o conhecimento acercada realidade sócio-familiar

do aluno, possibilitando assisti-lo adequadamente;

VII- participar, em equipe multidisciplinar, da

elaboração de programas que visem a prevenir a violência,

o uso de drogas e o alcoolismo, bem como ao

esclarecimento sobre as doenças insfectocontagiosas e

demais questões de saúde pública;

VIII- elaborar e desenvolver programas específicos

nas escolas onde existam classes especiais;

IX- empreender outras atividades pertinentes ao

Serviço Social não especificadas neste artigo.

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35

É possível observar, a partir da leitura atenta do texto do projeto que ele

combina partes dos projetos anteriores com novos enfoques sobre o trabalho do

assistente social nas escolas. Contudo, não se trata de um texto totalmente novo.

A novidade se situa principalmente na explicitação, no artigo segundo, das

expressões da questão social para as quais os assistentes sociais devem dirigir

seu trabalho. As ações preventivas em relação às doenças infectocontagiosas, o

desenvolvimento de programas de prevenção ao uso de drogas e a questão da

violência são propostas e temas que não apareceram nos projetos anteriores. Há

também neste projeto uma forma particular de tratar os objetivos profissionais sem

se dar a mesma ênfase política e sem se estabelecer a vinculação aos processos

de luta do campo educacional, como ocorreu no projeto de lei de 1984, mas

introduzindo uma combinação entre problemas formas de intervenção. Uma leitura

cuidadosa do modo de atuar previsto no texto leva invariavelmente à

compreensão de que se tentou um ajuste da Lei nº 8.662 de 07 de junho de 1993

que regulamenta a profissão de assistente social à definição das funções dos

assistentes sociais nas escolas, não casualmente, anexada ao referido projeto.

Ribeirão Preto. Câmara Municipal. Projeto de Lei nº 1.455, de 1996

O projeto de lei em questão não incorpora nenhum novo argumento em

relação aos já expostos nos projetos anteriores. O que vale ser destacado nesse

texto é a clara definição das competências do Serviço Social nas escolas

municipais, assim como a retomada da referência ao Serviço Social Escolar.

Artigo 2º - Compete ao Serviço Social Escolar:

I- conhecer o universo da população escolar nos

aspectos sócio-econômico e familiar;

II- elaborar e executar programa de orientação

sócio-familiar, incentivando a formação de equipes

multidisciplinares com o objetivo de prevenir a evasão

escolar, melhorar o desempenho do aluno e sua formação

para a cidadania;

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36

III- atuar junto aos grupos familiares no

conhecimento e satisfação de necessidades básicas,

explicitando o papel da escola como transmissora de

conhecimento e reflexão crítica;

IV- incentivar e promover a inserção da instituição

educacional na comunidade articulando-a com as demais

instituições públicas, privadas e organizações comunitárias

locais, buscando consolidá-la como instrumento

democrático de formação e de informação;

V- incentivar a participação, em equipes

multidisciplinares, de todos os segmentos que integram a

vida escolar buscando melhorias e soluções para as

questões pertinentes à saúde, à alimentação, ao lazer, à

segurança e ao próprio desenvolvimento educacional;

VI- motivar, organizar, estabelecer e promover,

juntamente com a Associação de Pais e Mestres, Políticas

de Desenvolvimento que beneficiem a vida escolar;

VII- desencadear processos avaliativos,

envolvendo todos os segmentos que integram a vida

escolar, buscando qualidade na produção do

conhecimento e na formação de valores que permeiam os

objetivos propostos;

VIII- elaborar e desenvolver programas específicos

nas escolas onde existem classes especiais;

IX- empreender e executar as demais atividades

pertinentes ao Serviço Social não especificadas neste

artigo.

É interessante observar, no trecho acima transcrito, a manutenção,

conforme foi identificada em outros projetos, de uma lógica de apresentação das

competências profissionais dos assistentes sociais mesclando as atribuições

contidas na lei que regulamenta a profissão com as preocupações em torno da

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37

afirmação de um dado projeto de educação pública, articulado-as à luta pela

ampliação e conquista dos direitos sociais e fortalecimento de uma educação

cidadã. Mas deve ser sinalizado, também que algumas competências, como as

definidas nos incisos III e VII, de forma alguma podem ser tomadas como sendo

exclusivas dos assistentes sociais. Ainda que esta não tenha sido a intenção de

quem elaborou o projeto, sua formulação sugere duas questões importantes: uma

é a de que cabe ao assistente social explicitar o papel da escola, como se a

população tivesse uma leitura incompleta ou equivocada; a segunda é a de que os

processos avaliativos dependem de uma ação que o assistente social, certamente

tem condições de desenvolver, que é a de provocar novos procedimentos

institucionais. A outra, é que esta proposição se encontra sintonizada em relação

ao perfil do profissional que tem se procurado formar ao longo das últimas duas

décadas no Brasil, e cuja preocupação tem sido muito mais recorrente nos

projetos de atuação deste profissional do que em um texto legal. Aqui ainda cabe

a sinalização de que embora o assistente social possa cumprir este papel este

esforço não deva ser considerado como competência de um único segmento

profissional.

Ribeirão Preto. Câmara Municipal. Lei nº 7.630, de 05 de março de 1997

Esta lei contém o mesmo teor do projeto anteriormente analisado. Trata-se

do texto legal que resultou na aprovação do referido projeto. Por essa razão não

será tecido nenhum comentário a respeito do seu conteúdo, apenas a sinalização

de que, dentre o material analisado, representou um dos projetos que de fato

foram aprovados, regulamentando o Serviço Social na educação escolarizada.

Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 3.689, de 2000

O texto do projeto de lei federal nº 3.689 de 2000 é bastante conciso, não

apresentando qualquer referência às competências dos assistentes sociais nas

escolas públicas, o que impede a análise deste quesito. A justificativa do projeto

fica circunscrita ao enfrentamento dos processos de evasão e repetência escolar.

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38

As taxas de evasão e repetência escolar, principalmente

no Ensino Fundamental, infelizmente têm-se mantido

constantes nos últimos anos.

Sabemos que um dos fatores fundamentais que causam o

fracasso escolar está diretamente relacionado às precárias

condições socioeconômicas e culturais da família das

crianças com dificuldades de aprendizagem.

O constante acompanhamento do(a) assistente social,

como profissional especializado, visa ajudar à família e ao

estudante a buscarem a redução das conseqüências

negativas advindas das dificuldades existentes. Tal

atuação terá reflexos na diminuição da evasão escolar e

servirá de apoio à ação do(a) professor(a), trazendo como

resultado sensíveis melhoras nos níveis de aprendizagem

dos estudantes. Além disso, será também de grande

importância a atuação deste profissional na prevenção ao

uso de drogas.

Reiteradamente os textos dos projetos de lei dirigem para a família o

principal foco da atuação dos assistentes sociais, seja sob uma perspectiva de

responsabilização em relação aos problemas de “desajustes comportamentais”

dos estudantes, seja na perspectiva de apoiá-la na superação das dificuldades

enfrentadas. A família, em qualquer uma das abordagens, possui uma dimensão

de instituição a ser trabalhada, não estando presente, até o momento, qualquer

referência aos processos sociais que redesenharam as funções e composições

familiares no campo de produção e da reprodução social, assim como a

responsabilidade que o Estado deve ter na condução de seus programas sociais

voltados para este público. A partir da hegemonia do pensamento neoliberal no

âmbito do Estado, os programas sociais dirigidos à família tendem a transferir

para elas uma série de responsabilidades das quais o Estado tem se isentado, ou

seja, se retira da esfera pública e do campo do reconhecimento dos direitos

sociais uma série de cuidados e os desloca para a esfera privada, para o campo

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39

da dinâmica familiar. Assim, todo o processo de mudanças sofrido pela família ao

longo das últimas duas décadas, tem sido acompanhado de ações públicas que

combinam de forma desigual uma variedade de estratégias de amenização de

algumas de suas necessidades com o aumento das suas responsabilidades do

ponto de vista legal e das expectativas sociais quanto ao seu papel.

O texto reforça a tese de que as ações de mobilização a serem promovidas

pelos assistentes sociais, em especial junto às famílias e aos próprios alunos, têm

como finalidade garantir um padrão de desempenho no processo de

aprendizagem. Há aqui uma nítida redução tanto das possibilidades de atuação

dos assistentes sociais nas escolas públicas quanto do próprio significado do

processo educativo.

Vitória. Câmara Municipal. Projeto de Lei sn/2003

O texto deste projeto não apresenta conteúdo suficiente para uma análise

das justificativas da inserção do Serviço Social nas escolas da rede pública

municipal de ensino de Vitória. O objetivo do Serviço Social é assim tratado:

Artigo 2º - O Serviço Social na área que trata o artigo

1º, tem por objetivo:

I- Propor, executar e avaliar projetos que

atendam as demandas sócio-econômicas e culturais da

comunidade escolar, possibilitando atender a educação

escolarizada suas necessidades sociais, técnicas e

políticas;

II- Promover junto à comunidade escolar,

discussões sobre a realidade social, abordando questões

inerentes à real situação de vida da criança e do

adolescente;

III- Implementar estratégias para diagnóstico social

do grupo familiar;

IV- Priorizar ações junto às famílias, dirigida à

melhoria da qualidade de vida.

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40

Parágrafo Único - As ações do Serviço Social na educação

serão executadas de forma interdisciplinar e integrada as

demais políticas setoriais, visando compreender e mediar

os aspectos econômicos, sócio-políticos e culturais da

realidade social que interferem nas relações da

comunidade escolar.

A abordagem acima não entra em detalhamento das competências

profissionais dos assistentes sociais em relação aos problemas que se

manifestam nas escolas e para os quais a presença deste profissional se faz

necessária. Os objetivos propostos gravitam em torno das atribuições previstas na

lei que regulamenta a profissão, não trazendo elementos novos em relação aos

demais projetos analisados. Um destaque deve ser feito em relação à indicação

de um trabalho interdisciplinar e de articulação às demais políticas setoriais

destacando uma forma de condução do trabalho profissional em relação aos

demais profissionais e aos demais serviços sociais.

Prefeitura Municipal de Campos dos Goitacazes. Lei nº 7.438, de 03 de julho

de 2003

Esta lei tem um caráter diferenciado dos demais projetos, ela não institui o

Serviço Social nas escolas mediante sua vinculação funcional às secretarias de

educação, aspecto presente em todos os demais projetos. A lei aprovada dota as

Escolas da rede municipal de ensino, Creches, Centros de Qualidade de Vida,

Postos de Saúde e Mini-Hospitais de assistentes sociais, cuja lotação caberá a

Secretaria de Saúde.

Vale ponderar a partir desta lei a possibilidade de se inserir assistentes

sociais nas escolas públicas sem caracterizar seu vínculo funcional com a política

educacional. Ao mesmo tempo em que esta modalidade de ingresso abre

possibilidades bastante interessantes, e que de certa forma tem sido um dos

caminhos mais usados pelas prefeituras para desenvolver programas que

envolvam a participação dos assistentes sociais, por outro, induz a um certo

distanciamento desses profissionais das questões que são vividas pelos

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41

profissionais da educação enquanto trabalhadores de uma dada política setorial,

gerando, inclusive, certo grau de instabilidade em razão de sua lotação funcional

original não se dar efetivamente na área de educação.

Brasil. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 837, de 2003

O último projeto de lei a ser apreciado, e também o mais recente a nível

federal, contém elementos novos se comparado aos demais. A primeira

observação a ser feita é a de que ele não dispõe sobre a inserção de assistentes

sociais apenas, mas de psicólogos também. A segunda questão a ser destacada é

a de que o referido projeto não trata do campo do ensino fundamental, antigos 1º

e 2º graus, como a maioria dos projetos analisados. Este se refere às unidades

que compõem a educação básica, ou seja, envolve a educação infantil, o ensino

fundamental e o ensino médio. Refere-se, portanto, a um universo bem mais

amplo e diversificado de unidades de ensino. Pode-se afirmar que este é o projeto

que, dentre os demais apresentados, concebe a inserção do Serviço Social na

política de educação de forma mais ampla, não reduzindo àquela perspectiva, a

qual tem se criticado neste documento, do “Serviço Social Escolar” sendo

pensado apenas em relação ao ensino fundamental. Sua novidade consiste

também em pensar uma equipe composta por diferentes profissionais, ainda que

limitada, visto que não considera a presença de outros profissionais que também

têm uma contribuição particular a dar para a conquista de uma educação pública

de qualidade.

Outro aspecto inovador na proposta diz respeito à delimitação de uma

proporcionalidade entre o número de profissionais e o total de alunos por unidade.

Artigo 2º - A equipe de atendimento e orientação

profissional será constituída de acordo com as seguintes

distribuições:

I- até 200 alunos, um profissional de cada uma

das áreas referidas;

II- acima de 200 e até 600 alunos, um psicólogo e

dois assistentes sociais;

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42

III- acima de 600 alunos, manter a proporção

estabelecida no inciso II.

A justificativa apresentada não difere da maioria já analisada. Os elementos

justificadores centrais para a presença e atuação desta equipe são os problemas

vivenciados pelas famílias e o objetivo a ser alcançado é o de contribuir para um

melhor desempenho dos alunos no processo de aprendizagem.

A partir da análise dos projetos de lei reunidos pelo Conselho Federal de

Serviço Social, alguns apontamentos devem ser feitos em termos de conclusão

desta parte do documento de modo que favoreça o estabelecimento de algumas

estratégias por parte da entidade e dos próprios assistentes sociais.

� É importante sinalizar que todo projeto de lei, desta natureza, contém

uma análise e uma proposição de enfrentamento de alguma situação

posta na realidade. A identificação daquilo que se propõe equacionar com

o ingresso do profissional de Serviço Social, assim como a concepção de

profissão que orienta esta proposição é determinada por interesses

diversos, em razão da própria dinâmica parlamentar, podendo, assim,

expressar visões sobre a realidade e sobre a profissão sem sintonia com

o projeto ético-político profissional. Ainda que esta articulação exista e se

expresse no texto legal, sua dimensão histórica não se vê superada e

tende a ser interrogada com o tempo, ou seja, se o texto for construído

seguindo a estrutura dos aqui examinados, justificando a inserção do

Serviço Social na educação, seja ela em que nível se dê, em relação a

alguns elementos postos na realidade, invariavelmente, ele será

ultrapassado pelos novos desafios que surgirão com o tempo. Outrossim,

se o texto abandonar esta estrutura tenderá a ser conciso demais, não

esclarecendo o significado dessa inserção.

� A leitura dos textos que justificam a institucionalização do Serviço Social

na área de educação nos projetos analisados proporciona um

entendimento de que apenas os assistentes sociais e, sobretudo, aqueles

mais próximos ao debate contemporâneo presente na categoria, seriam

capazes de identificar diferenças de matizes teóricas, ideológicas e

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43

políticas naquelas formulações. Isto indica que as competências e as

justificativas assinaladas no corpo dos textos não devem ter se

constituído em fatores decisivos para os vetos dos projetos. A leitura de

um parecer elaborado por um relator que vetou um dos projetos e o que

se observa em situações outras, ocorridas com projetos semelhantes não

apresentados no conjunto dos documentos analisados, permite a

observação de que os principais argumentos sustentadores dos vetos que

os projetos de lei receberam e dos que possam vir a ser elaborados, não

se relacionam ao aspecto técnico e sim político e administrativo. Não

deverá ser o não reconhecimento dos problemas sociais e da condição de

seu enfrentamento por parte dos assistentes sociais que justificará o

possível veto a novos projetos de lei que versem sobre o mesmo tema. A

relação entre o poder executivo e o legislativo em cada instância: federal,

estadual e municipal, a alegação de sua constitucionalidade ou não e as

implicações decorrentes da indicação ou não da fonte de custeio para a

cobertura do aumento de despesa que será provocado com a aprovação

da proposta, sobretudo, a argüição quanto ao enquadramento da

proposta na lei de responsabilidade fiscal, parece ser o conjunto de

obstáculos mais efetivos à aprovação de projetos desta natureza.

� Como o presente documento foi produzido tendo como fonte apenas os

projetos de lei, não é possível tecer qualquer comentário em relação ao

seu grau de aceitação ou resistência junto aos profissionais da área de

educação, assim como compreender em que medida eles se envolveram

com os textos legais. Esta é uma preocupação que deve ser considerada

no acompanhamento de novos projetos.

� Outro fator importante, relacionado ao processo de elaboração dos

projetos de lei, é que, ainda que não se tenha a exata dimensão de como

a categoria dos assistentes sociais dele participou, é perceptível que há

significativas diferenças em relação às justificativas apresentadas e à

definição das competências profissionais nos textos em que há

referências a algum tipo de envolvimento dos assistentes sociais.

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44

� Vale destacar também que há uma ênfase na demarcação da atuação

dos assistentes sociais nas escolas em torno do eixo Escola-Família-

Comunidade, ainda que elas encerrem perspectivas de intervenção

diferenciadas.

� Outro elemento que foi se tornando comum nos projetos, ao longo dos

anos, é a forte tendência em estabelecer os objetivos e as competências

profissionais dos assistentes sociais a partir das atribuições previstas na

lei que regulamenta a profissão. Esta tendência, no entanto, não se dá de

forma homogênea, visto que ora ela incide sobre um tratamento

generalista do fazer profissional, que independe de ser na área de

educação, ora ela é apenas uma referência básica que se articula às

questões do campo educacional.

� A referência da atuação dos assistentes sociais na área de educação

como a de um profissional que procurará articular ações e projetos com

as demais políticas setoriais não esteve muito presente no conjunto dos

projetos de lei analisados. Menos presente ainda esteve nos textos, a

clara definição das atividades a serem desenvolvidas junto às demais

políticas setoriais. Esta observação merece destaque na medida em que

não se encontra em consonância com o acúmulo teórico e político

conquistado pela categoria, seja ao reconhecer as políticas sociais como

locus da sua atuação profissional, seja ao delimitar uma das suas

principais competências exatamente na articulação das redes e serviços

de diferentes políticas setoriais.

� A predominância das abordagens que centram na família o principal foco

da intervenção a ser promovida pelos assistentes sociais é outro aspecto

a ser destacado nesta análise. Contudo, esta predominância se dá, quase

que exclusivamente, no sentido de reconhecer seu papel complementar

no processo educativo e não o seu papel político e a necessidade de se

promover e criar condições para a sua participação na construção de uma

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45

escola mais democrática e no processo de luta pela ampliação dos

direitos sociais.

� É de fácil observação, nos textos, uma concepção bastante restrita

quanto ao significado social da escola e da educação pública. O

significado de uma e de outra no âmbito dos processos políticos de

mudanças sociais é muito ocasionalmente referido em um ou outro

projeto apenas.

� Excetuando-se um único projeto analisado não há qualquer menção ao

significado da escola e da educação pública na esfera da cultura.

Igualmente se identifica a pouca ênfase ao significado do trabalho do

assistente social nesta dimensão da vida social.

� Observa-se, no conjunto dos projetos, a prioridade na elaboração de

propostas que garantam a inserção dos assistentes sociais nas escolas

através de sua vinculação às Secretarias de Educação, embora, em um

dos casos apenas se aponte outra possibilidade. Com certeza, este é um

dos aspectos que merece uma discussão mais profunda quanto às suas

possíveis implicações políticas e sócio-ocupacionais.

� Um outro aspecto que merece uma atenção especial é a ausência de

referências nos textos analisados às estruturas das redes de ensino, seja

no âmbito federal, estadual ou municipal. Apesar desta ausência não

comprometer a regulamentação desta inserção e nem seja elemento

central a ser tratado nos textos dos projetos, ela encerra possibilidades

não tratadas até o momento. A estruturação das redes de ensino e seus

diferentes graus de complexidade são fundamentais para se pensar a

inserção dos assistentes sociais nas escolas e definir o quantitativo de

profissionais necessários, assim como a possibilidade de sua inserção

nas instâncias de gerência, como as coordenadorias, sub-secretarias ou

divisões, ou ainda, em sub-áreas: educação especial, desenvolvimento e

capacitação, educação profissional, educação de jovens e adultos, entre

outras especialidades. A ausência desta referência limita a compreensão

desta inserção às unidades de ensino, que embora encerrem a

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46

possibilidade mais desejada pela categoria profissional e requisitada no

campo educacional, não constituem a única forma possível e necessária.

� A leitura dos projetos aponta, ainda, para uma necessária e urgente

reflexão sobre a amplitude que se quer dar a esta inserção: no ensino

fundamental, na educação básica ou na política educacional como um

todo.

� Seguindo a mesma linha de questões que merecem compor uma pauta

de discussões, em razão do teor dos textos dos projetos levantados para

análise, está a questão da definição desta inserção em torno da

expressão “Serviço Social Escolar”. Pensar as implicações desta

conceituação não é algo menor para a composição das estratégias de

mobilização da categoria profissional em torno deste tema.

� Por último, e ainda com o intuito de compor uma agenda de debates, vale

destacar a preocupação em torno dos investimentos em torno da

elaboração de um projeto de lei só para os assistentes sociais ou para

uma equipe mais ampla que possa atuar de forma interdisciplinar nas

unidades educacionais. O último projeto de lei analisado e que se

encontra em tramitação atualmente no Congresso Nacional, trata

especificamente desta questão.

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47

Recomendações

Após a análise dos conteúdos dos projetos de lei levantados pelo Conselho

Federal de Serviço Social que tratam da inserção do assistente social na política

educacional e a observação dos aspectos que particularizam esta legislação será

apresentado, a seguir, um conjunto de recomendações que possam auxiliar a

atuação da entidade, sobretudo, no que diz respeito à elaboração de novos

projetos e na mobilização da categoria profissional em relação ao tema.

A organização de uma agenda para se debater pontos polêmicos

sobre a questão. Conforme fora sinalizado no item anterior, alguns pontos

merecem ser discutidos no sentido de orientar um processo de elaboração e

acompanhamento de novos projetos de lei que versem sobre esta matéria. A

organização desta agenda visa instrumentalizar, sobretudo, o conjunto CFESS-

CRESS para apoiar os processos que vêm sendo encaminhados em diferentes

regiões do país. A agenda de discussão poderia ser composta pelos seguintes

pontos:

� Avaliação das possibilidades e limites das estratégias de elaboração

de projetos de lei que tratem da inserção na política educacional

apenas dos assistentes sociais ou não.

� Avaliação das implicações quanto à elaboração de projetos de lei

que tratem da inserção dos assistentes sociais em todos ou em

apenas alguns dos diferentes níveis da política educacional.

� Avaliação das estratégias de elaboração de projetos de lei que

garantam a atuação dos assistentes sociais junto à política

educacional exclusivamente a partir das Secretarias de Educação ou

não.

� Avaliação das implicações de se definir, ou não, nos projetos de lei

os locais de atuação e o quantitativo de assistentes sociais em

proporção ao número de alunos e/ou unidades educacionais,

ampliando, ou não, a possibilidade de inserção destes profissionais

para as instâncias de coordenação e de desenvolvimento de ações

especiais.

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Acompanhamento do processo de elaboração dos projetos de lei.

Diante de todos os comentários expostos é fundamental que os novos projetos de

lei, ao serem elaborados por iniciativa dos parlamentares ou, mesmo, das

entidades da categoria ou de um conjunto de profissionais sejam acompanhados

por assistentes sociais. Este acompanhamento possibilitará uma demarcação

mais fiel das justificativas e da delimitação dos objetivos e atribuições profissionais

ao projeto ético-político profissional do Serviço Social. Preferencialmente, este

acompanhamento deveria ser realizado por uma das entidades da categoria.

Quanto aos que estão em tramitação, também caberia uma aproximação às

assessorias parlamentares com o intuito de contribuir com um parecer profissional

sobre o teor dos documentos tendo em vista a manifestação de interesse da

categoria quanto a sua efetiva aprovação.

Iniciativa quanto à elaboração de projetos de lei por parte das

entidades da categoria. Em que pese a necessidade de alguns pontos serem

discutidos no âmbito das entidades, como aqueles já relacionados para compor

uma agenda de debates, tomar a iniciativa quanto a apresentação de projetos de

lei que regulamentem a inserção dos assistentes sociais na política educacional,

parece ser uma ação política importante na atualidade. Talvez o conjunto CFESS-

CRESS possa coordenar um amplo processo nacional que envolvesse quatro

etapas: a discussão ampla das implicações e pendências que precisam ser

definidas sobre a questão; a deflagração de uma campanha de mobilização junto

à categoria dos assistentes sociais e também junto aos educadores, Prefeituras e

Secretarias de Educação; a elaboração de um texto básico que contivesse as

recomendações gerais a partir das quais os projetos de lei em cada região

pudessem ser discutidos e elaborados; e a articulação com forças parlamentares

progressistas que viabilizassem a apresentação e aprovação do projeto de lei.

Para uma efetiva viabilização desta estratégia, seria fundamental que, preliminar e

estrategicamente, se definisse como campo prioritário para esta inserção o nível

do ensino fundamental e a esfera municipal. Sendo o ensino fundamental de

competência dos municípios isto daria uma unidade para se elaborar um projeto

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49

que atendesse a realidade da maior parte das regiões do país. Merece destaque

também uma discussão sobre a educação infantil que, apesar de ser de

competência também dos municípios vive uma situação particular que é o fato de

que parte das suas unidades ainda estar vinculada à área da assistência social,

em virtude da história de luta pelos equipamentos públicos do tipo creches e pré-

escolas no Brasil.

A abertura de campos de trabalho nos diferentes níveis da política

educacional. A eleição do nível relativo ao ensino fundamental para se iniciar um

processo de institucionalização da inserção dos assistentes sociais não significa

uma restrição dessa possibilidade de ingresso a este nível, muito ao contrário.

Considerando todos os argumentos relativos ao processo de organização da

categoria seria minimizar o alcance da contribuição política e profissional dos

assistentes sociais no campo da educação ao se definir um único modo de

inserção. Desta forma, devem ser examinadas, com igual atenção, as

possibilidades de institucionalização da inserção dos assistentes sociais, levando-

se em conta as particularidades de cada nível, no âmbito: da educação infantil, do

ensino médio, da educação especial, da educação de jovens e adultos, da

educação profissional e da educação superior.

A mobilização da categoria profissional em torno do tema. É de

fundamental importância um amplo processo de mobilização da categoria

profissional em torno deste tema, não só com o intuito de transformar expectativas

em adesão, mas com o de instrumentalizar os assistentes sociais quanto ao

significado político desta aproximação. Entendendo que o referido processo não

diz respeito apenas a uma questão de mercado de trabalho, mas ao conhecimento

necessário sobre a educação, a política educacional e as possibilidades e

demandas para a atuação dos assistentes sociais. Pode compor uma importante

estratégia a organização de comissões de assistentes sociais que atuam, ou

tenham proximidade e interesse nesta área, junto aos Conselhos Regionais de

Serviço Social, conforme já ocorre em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. As

comissões poderiam atuar no sentido de aglutinar e mapear profissionais e

experiências na área e organizar fóruns de discussão sobre o tema, assim como

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50

acompanhar os processos de elaboração de projetos de lei em cada estado.

Deveria compor também o leque de preocupações desta comissão a articulação

junto aos profissionais que - mesmo não atuando a partir das estruturas das

Secretarias de Educação - trabalham com as unidades educacionais ou se

aproximam, no seu cotidiano profissional, das questões presentes na política

educacional.

A atuação junto às Prefeituras, Secretarias de Educação e aos

trabalhadores da área de educação. Articulada às estratégias de mobilização

da categoria profissional se coloca a necessidade de desenvolvimento de ações

junto às Prefeituras, Secretarias de Educação e aos seus profissionais, em

particular os professores. Esta proposta visa provocar não só um processo de

esclarecimento das possibilidades de atuação dos assistentes sociais junto às

diversas questões que hoje atravessam o cotidiano das unidades educacionais,

esclarecendo sobre a natureza de seu trabalho e desmistificando alguns receios

que os profissionais da educação ainda têm, como também para, politicamente,

aproximar os assistentes sociais dos processos de discussão, organização e luta

do campo educacional, reiterando, assim, a perspectiva assinalada neste

documento de que esta inserção não representa apenas o interesse em relação à

ampliação do mercado de trabalho, mas a consolidação de uma trajetória

profissional em torno da defesa das políticas e dos direitos sociais. Esta

aproximação poderia ser viabilizada de duas formas: através da elaboração de

material informativo explicando o que é o Serviço Social, suas áreas de atuação e

as possibilidades de sua atuação na área de educação (com destaque à política

educacional) e que fosse socializada, sobretudo, junto às Secretarias de

Educação dos estados e municípios, e através da organização de encontros que

envolvessem os assistentes sociais e os profissionais da educação para discutir

questões relativas ao trabalho destes dois profissionais e ao campo educacional.

Projeto de lei federal, estadual ou municipal? Esta é uma questão

importante a ser considerada para a condução das estratégias mencionadas.

Considerando o exposto no documento a aprovação de uma lei federal terá

conseqüentemente implicações nas esferas estaduais e municipais. O seu alcance

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51

é maior e, por essa mesma razão, tende também a não tratar das particularidades

de cada região e dos diferentes níveis da educação. Se por um lado ela cria a

expectativa de um desdobramento nos demais níveis de governo, também tende a

ser um objeto mais evidente das críticas e resistências, algo plenamente

previsível, pois determinará um conjunto de mudanças nas esferas estaduais e

municipais sem a devida discussão em cada uma delas. Isto sem contar com a

possibilidade de resistência dos profissionais da área de educação e das

dificuldades em enfrentar estas resistências de forma a construir um diálogo mais

fecundo. A legislação estadual, em que pese a existência de uma rede de

estabelecimentos educacionais instituída, poderá não produzir impactos

significativos nas unidades municipais. A aprovação de uma legislação municipal

por seu turno, não poderá provocar nenhuma interferência nas unidades

educacionais estaduais e federais e tão pouco atingirá outros níveis da educação,

visto que não são de competência prioritária dos municípios. No entanto, esta

parece ser a opção mais indicada se considerados os elementos estratégicos que

contêm em relação a: favorecer uma maior aproximação aos profissionais e

questões da área de educação; garantir uma legislação mais sintonizada às

necessidades e à realidade local; incorporar de forma mais clara as demandas

que as unidades de ensino têm quanto à inserção dos assistentes sociais; e a

levar em consideração as estruturas particulares de organização das Secretarias

de Educação para se pensar as formas e áreas de atuação dos assistentes

sociais.

Conhecimento das estruturas de organização da política educacional

em seus diferentes níveis. Esta constitui uma tarefa das mais centrais para se

acompanhar os processos de discussão e elaboração de projetos de lei sobre a

presente matéria. O Brasil é um país de dimensão continental e com uma

diversidade regional muito rica e complexa, além de ter cidades com realidades

muito distintas. Desta forma, pensar a institucionalização da inserção dos

assistentes sociais no âmbito da política educacional requer compreender esta

diversidade. Tomando como parâmetro dois municípios distintos e imaginários,

mas que pertencem ao mesmo estado, um do porte de um grande centro urbano e

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outro de uma região do interior com uma população em torno dos 12.000

habitantes, a definição em um texto legal que relacione a vinculação dos

assistentes sociais quantitativamente ao número de alunos e unidades, ou um

texto que vincule esta inserção a cada unidade ou a uma estrutura de

coordenação, podem ter implicações bastante diferentes para os profissionais e

para o próprio trabalho que se quer realizar em cada um dos municípios. Não se

trata de uma questão numérica apenas, mas de fatores que demarcam cada uma

das realidades dos dois municípios. Questões como: a relação da escola com

comunidade e com as famílias, temas como o das drogas, tráfico e sexualidade, a

cultura local, entre outras, passam a ter dimensões distintas e que implicam um

maior ou menor nível de investimento no trabalho para dar conta em cada um dos

espaços de atuação. Por essa razão, o conhecimento efetivo destas estruturas em

articulação com as realidades locais pode ser um fator decisivo na organização

das experiências profissionais dos assistentes sociais. Em determinadas situações

a lotação de um assistente por unidade educacional pode ser a estratégia mais

necessária, em outra, a lotação por coordenadoria pode ser a que melhor dê conta

da realidade.

Financiamento da educação e dinâmica do legislativo com o

executivo. Estes dois pontos foram tratados neste documento como

preocupações presentes nos processos de aprovação de projetos de lei desta

natureza. Não será feita aqui nenhuma proposta de equacionamento dessas

questões, até por fugir a alçada e competência das entidades e da própria

categoria como um todo. Mas, cabem algumas reflexões. A aprovação de uma lei

deste tipo exigirá, invariavelmente, a definição das fontes de custeio. A questão,

na verdade, não é de ordem econômica, mas política. Os processos de

financiamento da educação pública estão bem definidos nas legislações federais12

e a ampliação do número de profissionais desta área13 poderá suscitar dois tipos

de debates: o primeiro em torno da pertinência desta ampliação numa conjuntura

12 Para um melhor aprofundamento e conhecimento das implicações legais, políticas e educacionais desta questão ver DOURADO (1999), MELCHIOR (1997) e DAVIES (2000). 13 Sobre a questão do reconhecimento do assistente social como profissional da área de educação ou não ver o Parecer Jurídico 23/00 do Conselho Federal de Serviço Social sobre “Implantação do Serviço Social nas escolas da rede de Ensino Fundamental e Médio” em CFESS (2000).

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em que há uma reconhecida carência até de professores nas unidades

educacionais e uma remuneração que não condiz com as necessidades desta

categoria, e o segundo, sobre o comprometimento das despesas do Estado diante

da lei de responsabilidade fiscal. Uma outra ordem de preocupação diz respeito ao

relacionamento entre os poderes executivos e o legislativo em função, sobretudo,

da dinâmica político-partidária em cada localidade. Esta relação é decisiva para a

tramitação e aprovação dos projetos de lei que poderão ter a sua

constitucionalidade argüida, assim como a competência do legislativo em aprovar

leis que aumentem as despesas do executivo, conforme já ocorreu exatamente na

tramitação de dois projetos de lei desta ordem nos estados de São Paulo e no Rio

de Janeiro, respectivamente. Trata-se de um ponto para apreciação e

incorporação na formulação das estratégias, mas cuja interferência da categoria é

pouca.

Conclui-se, assim, este documento com o sentido explícito de contribuição

com o esforço de mobilização do Conselho Federal de Serviço Social voltado para

responder aos desafios postos ao exercício profissional dos assistentes sociais,

envolvendo suas expressões éticas, políticas e teórico-práticas. Buscou-se aqui

ressaltar, sobretudo, que além da legitimidade das expectativas construídas em

torno da institucionalização da inserção dos assistentes sociais no campo

educacional deve ser, igualmente, sublinhado o significado político desta

aproximação tomando como referência à trajetória e ao acúmulo teórico e político

da categoria em relação ao campo das políticas sociais e a necessária articulação

às lutas sociais em torno de uma educação pública, gratuita e de qualidade no

país.

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