Cadespecial28

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Seminário de Educação Popular Seminário de Educação Popular e Lutas Sociais e Lutas Sociais 17 e 18 de novembro 2004 17 e 18 de novembro 2004 Dê um duplo clique para iniciar a Dê um duplo clique para iniciar a apresentação apresentação Seminário de Educação Popular/ Organizadores do evento: Maria Lídia Souza da Silveira e Eblin Farage Rio de Janeiro – Centro de Filosofia e Ciências Humanas - UFRJ – 2005 126 p.ISBN- 85-99052-02-0 1- Processos de consciência 2- Lutas sociais 3- Educação Popular 4- Subjetividade.

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Seminário de Educação PopularSeminário de Educação Populare Lutas Sociaise Lutas Sociais

17 e 18 de novembro 200417 e 18 de novembro 2004

Dê um duplo clique para iniciar a Dê um duplo clique para iniciar a apresentaçãoapresentação

Seminário de Educação Popular/ Organizadores do evento: Maria

Lídia Souza da Silveira e Eblin Farage Rio de Janeiro – Centro de Filosofia e Ciências Humanas - UFRJ – 2005 126 p.ISBN- 85-99052-02-0

1- Processos de consciência 2- Lutas sociais 3- Educação Popular

4- Subjetividade.

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INDICE DE AUTORES Adelar João Pizetta

EDUCAÇÃO POPULAR: FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA E LUTA POLÍTICA

Aída Bezerra PERCORRENDO OS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO POPULAR: UM OLHAR

Bruno José da Cruz Oliveira A CONCILIAÇÃO ENTRE A FORMAÇÃO HUMANA E A FORMAÇÃO ÉTICO-POLÍTICA PROFISSIONAL E A DEFESA DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL: UM DEBATE NECESSÁRIO Eblin Farage EDUCAÇÃO POPULAR, ESCOLA PÚBLICA E SERVIÇO SOCIAL- UM DIÁLOGO NECESSÁRIO Elisonete Ribeiro INTERVENÇÃO PROFISSIONAL E DIÁLOGO COM A EDUCUÇÃO POPULAR Emilio Gennari A EXPERIÊNCIA HISTÓRICA DO EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL

Emilio Gennari* EDUCAÇÃO POPULAR, ALGUMAS EXPERIÊNCIAS ATUAIS: NÚCLEO DE EDUCAÇÃO POPULAR 13 DE MAIO. Francine Helfreich Coutinho dos Santos SERVIÇO SOCIAL E EDUCAÇÃO POPULAR: DIMENSÕES DE POSSÍVEIS DIÁLOGOS Grace Karen Emrick SAÚDE DO IDOSO, SERVIÇO SOCIAL E RECURSOS HUMANOS EM UMA UNIDADE DE SAÚDE: REALIDADES E DESAFIOS. POSTOS NO DIÁLOGO COM A EDUCAÇÃO POPULAR Maria Dalva Casimiro Silva EDUCAÇÃO DO TRABALHADOR E MOVIMENTO SINDICAL: REPENSANDO AS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E EMANCIPAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA

Maria Isabel de Araújo Lins O MOVIMENTO DE CULTURA POPULAR DE RECIFE Maria Lídia Souza da Silveira EDUCAÇÃO POPULAR: NOVAS TRADUÇÕES PARA UM OUTRO TEMPO HISTÓRICO. Mauro Luis Iasi

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EDUCAÇÃO POPULAR: FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA E LUTA POLÍTICA

Regina Rocha INTRODUÇÃO AO DEBATE: UM PERCURSO NA ÁREA DA EDUCAÇÃO POPULAR

Rute Maria Monteiro Machado Rios SEMINÁRIO: EXPERIÊNCIAS HISTÓRICAS DE EDUCAÇÃO POPULAR NO BRASIL EDUCAÇÃO POPULAR NA DÉCADA DE 60 Rute Maria Monteiro Machado Rios (texto 2) PERCORRENDO OS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO POPULAR: UM OLHAR

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EDUCAÇÃO POPULAR: FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA E LUTA POLÍTICA1

Adelar João Pizetta2

Introdução Quero em nome do MST, agradecer o convite e dizer que é uma satisfação poder

estar participando de um evento tão relevante como este. Por isso, parabenizo pela

iniciativa e realização.

É um desafio, em tempo restrito (30 minutos), abordar um tema, que trata da

educação, da consciência e das lutas políticas. Por isso, vou tentar fazer referência e trazer

alguns elementos que possam ajudar e contribuir no debate. Outros elementos, não menos

importantes, poderão se agregados posteriormente.

Espero que todos possamos, ao final, sairmos mais enriquecidos ao participarmos

desse momento de interação e diálogo.

Ainda a título de introdução, quero ressaltar, que talvez, pela primeira vez temos no

Brasil, um processo de educação e formação popular vinculado e sob orientação de um

movimento social como o MST. Ou seja, um processo educativo, formativo que faz parte da

estratégia de luta e do processo organizativo do Movimento dos Sem Terra, que há 20 anos

vem sendo construído com a participação coletiva, bebendo em diferentes fontes teóricas e

nas experiências históricas. Já avançamos mas, os desafios são enormes e a estrada ainda

é longa.

Na minha exposição quero fazer referência a 5 tópicos que se entrelaçam e

conformam um mesmo processo - o da formação da consciência e das lutas sociais.

1- A conquista do direito de usar a consciência

Os trabalhadores Sem Terra, através de suas ações coletivas e organizadas na luta

pela conquista da terra, resgatam o direito de ter consciência e de utilizá-la para construir

uma vida diferente.

Se no processo de luta, os Sem Terra se afirmam diante da realidade em mudança,

também muda seu papel e sua condição na história. De vítimas da estrutura da sociedade

atual excludente, passam a ocupar um lugar no espaço geográfico e político. Podemos

dizer, que conquistam um “espaço” a partir do “não espaço”, do espaço negado.

1 Exposição realizada na Mesa: Educação Popular: formação da consciência e luta política, realizada no dia 18

de novembro de 2004, no seminário de Educação Popular e Lutas Sociais, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFRJ/RJ.

2 Membro do Movimento dos trabalhadores Rurais sem terra (MST)

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Essa dinâmica que acontece na base material, logicamente tem sua influência na

consciência dos Sem Terra envolvidos na luta. No entanto, não são as mudanças na

consciência que transformam a realidade. Nem tampouco, as transformações na realidade

mudam por si só o jeito de pensar e conceber o mundo. Aqui, estabelece-se uma relação

dialética entre o Ser e o Pensar. O determinante são as condições materiais, que influem

sobremaneira na consciência dos indivíduos. É nessa relação que se dá o processo de

conscientização, pois a consciência é capaz de interpretar os fenômenos do real que estão

além da aparência. Percebe a realidade como um todo complexo que está sendo, algo

dinâmico, em movimento constante de mudança.

Mas, mesmo que ocorra uma mudança na percepção dos sujeitos envolvidos no

processo, que ocorra um desvelamento da realidade, ainda não se efetivou o processo de

conscientização. Por que? Porque esse processo de conscientização não pode parar na

etapa da compreensão da realidade. A conscientização se dá quando a prática do desvelar

a realidade constitui uma unidade dinâmica e dialética com a prática de transformação da

mesma. Ou seja, não existe conscientização, não existe elevação do nível de consciência

sem as ações práticas que vão transformando a realidade. No caso específico do MST, os

militantes, educadores populares, que articulam as famílias para romper as cercas do

latifúndio, transformam o conhecimento da realidade em ação, portanto, se dá um passo no

processo de conscientização.

Agora, essa nova realidade – acampamento/assentamento – gera uma nova

compreensão que vai exigir uma nova ação com mais qualidade e consciência para

continuar a luta pela Reforma Agrária e evoluir no processo de formação da consciência.

2. A importância da participação consciente e a consciência da participação

Quem nada faz, quem não participa, logicamente também não se faz, não se

constrói enquanto sujeito político. Quem não participa de um Núcleo de Base, quem não

assume nenhuma tarefa, não desempenha nenhuma função na organização, é “matéria

morta”, não é força para a luta, não permite o desenvolvimento, da consciência política.

Se o assentado depois de conquistar a terra deixa de participar, está indo para a

morte enquanto Sem Terra e vai enterrando o avanço da consciência. A consciência

despertada no movimento da ocupação precisa agora de um novo impulso, através da

participação efetiva e permanente.

No trabalho de formação e educação popular, é importante perceber, que para

desenvolver a consciência são necessários alguns requisitos: a) Saber interpretar as reais

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necessidades das massas, suas causas e contradições; b) Definir coletivamente os

objetivos e metas a serem alcançadas; c) Elaborar planos de ações com a divisão de

tarefas que envolvam um conjunto de muitas pessoas; d) Desenvolver as ações e avaliá-las

permanentemente, extraindo delas lições.

Na organicidade do MST, cada núcleo que participa de determinado assentamento

e/ou acampamento, enfrenta problemas reais. Esses problemas, depois de identificados

precisam ser aprofundados, discutidos para serem assimilados por todos. Isso possibilita a

tomada de decisões, não de maneira individual, mas, com a participação coletiva.

Em seguida é necessário, estabelecer ações concretas que deverão ser assumidas

não por meia dúzia de militantes, mas, envolvendo muitas pessoas, desde as tarefas mais

simples até as mais complexas, sempre levando em conta as habilidades e potencialidades

dos integrantes dos coletivos de base (núcleos).

Como disse Freire: “Não há conscientização popular sem uma radical denúncia das

estruturas de dominação e sem o anúncio de uma nova realidade a ser criada em função

dos interesses das classes sociais hoje dominadas”.3 Portanto, não basta negar e destruir a

realidade que aliena. É necessário ir forjando a realidade que liberta, de forma gradativa, as

consciências e a realidade. O estudo ganha mais força e sentido quando estiver colado

com a prática política e organizativa dos grupos sociais.

Por isso, a consciência está em movimento se o corpo estiver em movimento.

Porque sua função é refletir a realidade que rodeia o corpo e, no esforço do fazer, é que a

consciência se desenvolve. O ser humano ao fazer algo concreto se faz a si próprio, e

desenvolve a consciência. O Sem Terra ao fazer a luta pela terra, constrói sua identidade e

na sua participação, cada vez mais consciente, constrói a organização política que o

representa e o faz Ser Político.

3- A organicidade no processo de formação da consciência

Na nossa compreensão, quanto mais rapidamente avançarmos na organização e

nas lutas de massa, mais se abre o campo para a formação da consciência. A organização

é a chave para divulgar, assimilar e implementar na prática as idéias da mudança. É a

organização que possibilita alcançar os objetivos e superar os desafios que a realidade

impõe. A força está na organização.

3 Paulo Freire. Ação Cultural pela Liberdade e outros escritos. SP, p. 95.

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Os Sem Terra elevam seu nível de consciência quando participam dos processos

de organização, discussão e tomada de decisões, influenciada pela capacidade pedagógica

dos militantes, das lideranças.

A evolução na formação da consciência, pode ser medida pelo sentimento de

indignação e pelos gestos de solidariedade que um grupo demonstra. Pelas ações que

esse grupo desenvolve e pela postura política que adota diante dos desafios, contradições

e complexidade do momento atual.

Na práxis política e organizativa do MST, procuramos combinar as ações,

iniciativas, articulando de maneira consciente: a organicidade, a formação e as lutas. No

processo de formação da consciência esse tripé é fundamental, se requer se complementa.

A ausência dessa articulação, pode levar a que o processo de acúmulo comece a

perder força e, aquilo que está sendo novidade torna-se rotina, não passa de definições,

regras que não conseguem ser realizadas na prática.

Por isso, achamos fundamental combinar o processo de lutas com o estudo teórico

para que haja um desenvolvimento mais completo e amplo da consciência dos militantes. É

nos embates que ela vai sendo moldada e “polida” pela teoria.

4. Papel da formação

Trabalhar a elevação do nível da consciência dos Sem Terra, agora nos

assentamentos e acampamentos, não se pode considerar “caixas vazias”, nas quais vão

sendo depositados conhecimentos políticos e técnicos, imaginando que estamos assim

formando-as.

É preciso entender que ao transformar - mesmo que de maneira incompleta - a

realidade, abrem-se brechas para ir transformando o mundo da cultura criado pelos Sem

Terra e que agora, também se volta sobre ele próprio. Ou seja, os camponeses

desenvolvem uma maneira de pensar e de perceber o mundo de acordo com o ambiente

cultural, fortemente influenciado pela ideologia dos grupos dominantes na sociedade em

que estão inseridos. Essa maneira de pensar acaba sendo cristalizada, traduzida, e se

expressa naquilo que Paulo Freire chama de “cultura do silêncio”, impregnada na

consciência de muitos camponeses que participam do MST.

Segundo Freire,

Esta ‘cultura do silêncio’, gerada nas condições objetivas de uma realidade opressora, não somente condiciona a forma de estar sendo dos camponeses enquanto se acha vigente a infra-estrutura que a cria, mas

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continua condicionando-os, por largo tempo, ainda quando sua infra-estrutura tenha sido modificada4.

Em nosso caso específico, mesmo tendo mudado o contexto social em que os Sem

Terra estão inseridos, os resquícios do mundo da cultura anterior, continuam se

manifestando na tentativa da produção de uma nova cultura. É como se fosse uma luta

entre os elementos em desconstrução e os aspectos da construção de um novo jeito de ser

e pensar, de viver valores e comportamentos distintos do exigido na sociedade capitalista.

Trata-se portanto, de ver formas de relações entre as pessoas, baseadas na nova

estrutura material criada, capazes de ir influenciando a vida, a cultura, num sentido bem

oposto ao da vida anterior.

Nesse sentido, a tarefa que se coloca para a formação/educação é a de, partindo

daquela visão e concepção de mundo – “cultura do silêncio” – desenvolver com os

camponeses, um processo crítico sobre ela, por meio da inserção dos mesmos, cada vez

mais conscientes, na realidade que se transforma e os transforma.

Ao possibilitar que as pessoas elaborem seus pensamentos, que discutam

coletivamente as proposições, dúvidas, incertezas e esperanças, abre-se caminho para

criar alternativas e buscar soluções que por eles serão assumidas e levadas adiante na

ação cotidiana.

Nesse contexto, o papel da formação é: a) Despertar as consciências que

adormecem ao embalo dos chavões; b) Instigar a curiosidade teórica, a imaginação que

projeta a construção do novo; c) Motivar para que as idéias de mudança se traduzam em

força de mudança por intermédio da ação coletiva dos homens e mulheres organizados no

movimento social; d) Tirar o véu que oculta a verdadeira causa dos problemas que afligem

o povo; e) Demonstrar que a utopia é viva, que a mística alimenta o sonho da

transformação que vai se processando ao nível individual e aos poucos, contagia uma

massa enorme de seres humanos; f) Contribuir na eficácia e eficiência da ação dos

militantes e dirigentes que constroem, com sacrifício e heroísmo, o MST.

5. A consciência como o conjunto de seus momentos

Cabe nessa exposição, recuperar a explicação que já conhecemos sobre a

consciência, como o conjunto dos seus momentos: Conhecimento; Auto-conhecimento; As

emoções; A imaginação; A vontade.

4 Paulo Freire. Ação Cultural para a liberdade e outros. p. 37.

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Consciência é conhecimento, mas não qualquer conhecimento. Qual o

conhecimento que liberta? A consciência se constitui em formas de conhecimento, porque o

conhecimento não é uma porta fechada, é um conjunto de momentos, de sentimentos, de

desejos, vontades, expectativas. Na medida em que se aprofunda a luta de classes, novas

demandas e saberes são colocados para os educadores e militantes do Movimento. Ou

seja, são vários conhecimentos, várias dimensões que precisam ser articuladas no

processo de formação e educação.

Através das lutas e da formação, as pessoas vão descobrindo e entendendo o

papel que podem desempenhar nos processos e na história. Conseguem recuperar a auto-

estima, a força que brota das ações coletivas e organizadas. No fundo, esse processo de

confronto com o status quo, permite que tomem consciência do seu papel diante da

realidade em mudança e da sua importância enquanto sujeitos do processo orgânico e de

luta pela Reforma Agrária. É a auto-consciência.

Percebe-se também, que o povo entende de forma rápida e fácil, a linguagem do

sentimento, do coração, das emoções, do fazer cotidiano. As pessoas têm emoções que as

entusiasmam, e, se entusiasmadas participam, se movimentam, transformam. Se não for

expressado o sentimento de raiva, indignação mas também de alegria, vibração nas

conquistas, a consciência vai ficando incompleta.

É preciso trabalhar e desenvolver a imaginação, a capacidade de criar, projetar,

sonhar. Já disse Florestan: “A grandeza de um homem se define por sua imaginação. E

sem uma educação de primeira qualidade a imaginação é pobre e incapaz de dar ao

homem instrumentos para transformar o mundo”5.

Por fim a vontade. A consciência tem um caráter ativo, durante a sua formação. É a

capacidade de mover todas as forças para enfrentar os problemas e buscar alternativas

para satisfazer as necessidades, transformando a realidade. Os grupos precisam querer

fazer, querer lutar, querer a mudança, pois, sem essa decisão concreta, não basta ter boas

idéias é preciso transformá-las em ações transformadoras.

A força das mudanças está no povo, no entanto, é preciso organizar essa força. Os

militantes, dirigentes que passam pelo processo de formação e educação popular, devem

aprender a organizar as massas. Os técnicos, intelectuais que atuam nos assentamentos,

precisam saber e se não sabem, precisam aprender a organizar o trabalho das massas. É

uma arte. Precisam dominar o método, desenvolver uma pedagogia de trabalho e educação

das massas.

À guisa de conclusão 5 Florestan Fernandes.

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Como alertei no início, chega-se ao término da exposição com o sentimento de que

lacunas ficaram abertas; de que idéias precisam ser mais aprofundadas; de que o tema nos

instiga a continuar a reflexão. É bom que seja assim, pois assim, alimentam-se os passos

que ainda serão dados.

Após a trajetória, a reflexão aqui feita, cabe um trecho de um poema de Ademar

Bogo:

Regamos o deserto da consciência e um novo ser nasceu. É hora de ir em frente companheiro, você é o guerrilheiro que a história nos deu. Regamos o deserto da consciência e um novo ser nasceu. É hora de ir em frente companheira, você é a guerrilheira que a história nos deu6.

Como educadores, militantes que somos, esta é nossa grande tarefa, nossa grande

missão: acabar com a “seca” que afeta o cultivo na consciência dos Sem Terra, fruto da

“cerca ignorante” da sociedade capitalista excludente.

A educação popular, conjuntamente com as lutas e a organização dos

trabalhadores, deverá “regar”, cultivar, formar a consciência e os militantes, com um novo

perfil, com uma nova qualidade, para que as sementes produzam novos frutos. Um povo

consciente é um povo forte, um povo valente e construtor do seu destino.

Acreditar que a força das consciências, que a força das idéias pode combater as

idéias da força, nos coloca num patamar em que “quem não sabe faz, mas, quem sabe faz

diferente e melhor”.

Bem disse José Marti: “Trincheiras de idéias valem mais que trincheiras de pedras”.

Construir a força das consciências, essas trincheiras de idéias e imaginação, construir a

luta de classes, como forma de levar adiante os processos de mudança, é nossa tarefa

histórica, da qual não podemos nos esquivar.

Muito obrigado a todos pela paciência e atenção..

6 Poema de Ademar Bogo.

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PERCORRENDO OS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO POPULAR: UM OLHAR7

Aída Bezerra

Rute Maria Monteiro Machado Rios 8

Alguns traços de uma história pregressa

Considerando que o momento histórico/político da década de 60, no Brasil, abre

um espaço conjuntural ao desenvolvimento do que depois se costumou chamar de

educação popular, acreditamos que não se possa tomá-la como um fenômeno sem raízes

numa história política e cultural pregressa. A atenção à herança histórica pode nos ajudar a

compreender muito dos componentes da ação direta dos educadores que aí se

inscreveram.

O discurso político - denunciador das relações de exploração, convocador da luta

anti-imperialista, mobilizador de um movimento de organização política das camadas

populares - dá um pano de fundo à nova qualidade da intervenção educativa mas, por si só,

não se traduz em intermediações que falem de uma mudança radical no plano pedagógico.

Por isso, tentaremos aqui explorar as contribuições pedagógicas e metodológicas que

influenciaram a prática de uma educação voltada para os segmentos mais pobres da

sociedade.

Podemos situar, a grosso modo, num período que vai de 1945 a 1958, três modos

de intervenção educativa que marcaram o momento e que, somadas às novas contribuições

que surgiram na fase 1959/64, vão repercutir sobre as práticas educativas desenvolvidas na

década de 60. São elas: a presença educativa da Igreja, sobretudo a Católica, nos meios

populares; a extensão rural; e o desenvolvimento de comunidade (BEZERRA, 1977, p.35-

56).9

7 Este texto e parte do artigo “A negociação: uma relação pedagógica possível” publicado espanhol na revista CESO

PAPERBACK nº22, Cultura y política en educación popular: princípios, pragmatismo y negociación – La Haya, Holanda, 1995.

8 Educadora

9 Por não considerar que tenham tido preponderância na formulação das estratégias de educação que tomaram peso na década de 60, não incluímos aqui as iniciativas governamentais do tipo ensino supletivo ou campanhas de alfabetização; nem os serviços de aprendizagem profissional do SENAI - Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial e do SENAC - Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, ambos do Ministério do Trabalho; nem aqueles implementados pelo SESI - Serviço Social da Indústria e SESC - Serviço Social do Comércio, ligados às necessidades identificadas pela burguesia comercial e industrial.

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a) Período de 1945 a 1958

A presença educativa da Igreja

Ao mesmo tempo em que priorizava as suas instituições de ensino voltadas para a

formação das elites, a Igreja mantinha em suas obras sociais, paroquiais e diocesanas,

serviços educativos de tipo assistencial e preventivo. Preocupavam-se com o destino social

e moral (alcoolismo, roubo, prostituição) dos desocupados, pobres, egressos do meio rural.

Nesse sentido, as atividades educativas se atinham à instrução (alfabetização e ensino

elementar) e à iniciação profissional (distinta para homens e mulheres).

A relação que se estabelecia entre a instituição e a sociedade era do tipo entre

provedores/carentes. A existência de pobres não era um dado questionável. Isso

correspondia à visão de uma sociedade estável, onde o que contava era a salvação

individual. A ausência de crítica e avaliação dos trabalhos tinha a sua explicação: faz-se

crítica quando se sente a necessidade da mudança. Tudo se resolvia de modo

administrativo e isoladamente: a cada instituição, sua clientela, sua fatia de pobres.

No entanto, é outra a percepção dos Círculos Operários. Criados, em 1932, para

garantir formação cristã a uma liderança operária, começam, a partir de 1954, a redefinir o

seu papel em termos mais agressivos, chegando a se alinhar às forças de resistência às

investidas do "comunismo" no meio sindical (MANFREDI, 1986, p. 35-75).

A extensão rural

A extensão rural foi criada a partir da definição do Brasil enquanto um país de

"vocação" essencialmente agrícola.10 Depois de um período de experimentação, a extensão

rural se institucionalizou órgãos executores (Associações de Crédito e Assistência Rural) do

convênio entre o governo brasileiro e o Ponto IV (Instrumento da cooperação norte-

americana).11

Do ponto de vista da educação, a importância desse registro está em destacar a

sua qualidade de produto importado. Todos os seus técnicos de primeiro escalão eram

treinados nos Estados Unidos. A metodologia de atuação refletia essa falta de

10 O Censo de 1950 do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística informa que a população rural do país, nessa

ocasião, era da ordem de 64%, utilizando como critério para definir população urbana os residentes em aglomerados acima de 2.000 habitantes. Daí se pode inferir que, na verdade, a participação relativa da população rural na composição demográfica do país, nessa época, era muito mais alta.

11 Mais tarde, essas diversas associações regionais de crédito e assistência rural se organizam numa estrutura central - ABCAR (Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural) vinculada ao Ministério da Agricultura.

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contextualização na padronização do trabalho, qualquer que fosse a região atendida, e na

ausência de criatividade pedagógica. O conteúdo já estava dado e os meios de

comunicação se colocavam no primeiro lugar nas preocupações educativas. O bom

educador era aquele tecnicamente capaz de manejar com eficiência o arsenal de recursos

audiovisuais de persuasão.

A educação era voltada fundamentalmente para a produção e para o consumo. O

desenvolvimento era uma questão de modernização, e por essa via o bem estar de todos

(social welfare). A clientela da extensão era composta por indivíduos produtivos e a família

era a unidade dessa produção. A estratégia de atuação era uma combinação das linhas

específicas de atendimento a cada um dos componentes da família (chefes de família,

donas de casa e jovens).

Um aspecto marcante na metodologia da extensão foi o destaque dado à liderança

(leadership), quer institucional (padre, prefeito, professora), quer espontânea, dos

agricultores. Isso com vistas não só à legitimação da intervenção, como ao aproveitamento

do poder de influência das pessoas. O treinamento de líderes teve, na extensão rural, um de

seus grandes promotores, e o uso deste tipo de instrumento vai ser reproduzido por um

sem-número de iniciativas educativas na década de 60.

É desnecessário comprovar que uma teoria social de base funcionalista dava

suporte a toda essa intervenção.

O desenvolvimento de comunidade

As raízes anglo-saxônicas do desenvolvimento de comunidade (community

development) foram nitidamente marcadas pelo comportamento colonial inglês, como nos

ensina Yves Goussault a respeito das diferenças do comportamento inglês e francês na

África:

[...] a identidade do colonizador, e de suas intenções metropolitanas, determina, de antemão, os modos específicos de ação sobre a vida colonial local. Por sua origem, o estilo de intervenção difere e essa diferença marcará toda a evolução do desenvolvimento durante o período colonial, compreendendo inclusive o nascimento da animação e do desenvolvimento de comunidade (GOUSSAULT, 1968, p. 572).

Entretanto, a experiência de desenvolvimento de comunidade que chegou ao Brasil

não foi diretamente a que resultou das colônias africanas, mas a que se desenvolveu nas

terras da Nova Inglaterra.

A tradição inglesa de governo local se encontra, pois, acentuada pelo fenômeno da colonização, e é a idealização da autonomia e do voluntariado

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que encontraremos na base de numerosos projetos de desenvolvimento de comunidade. (MEISTER ,1969, p.204)

O seu embasamento teórico mais recente só se explicitou com o desenvolvimento

da sociologia inglesa e norte-americana, adquirindo progressivamente um arcabouço

explicativo e um aperfeiçoamento de sua sistemática de intervenção (estudo/diagnóstico-

planejamento - execução - avaliação). Foi esta proposta, já testada e elaborada, que

recebemos no Brasil: uma expressão ativa do funcionalismo norte-americano que contava

com o aval da OEA.

Acreditava-se que uma atuação de âmbito comunitário era suficiente para atingir e

solucionar a maioria dos problemas das populações locais. E também que o hábito de

transferir ao governo a iniciativa das questões sociais fizera com que as populações

deixassem de assumir a sua parcela de esforço em prol do bem comum. Impunha-se, então,

educar as comunidades para a auto-promoção (self-help) de seu desenvolvimento, a partir

das suas necessidades sentidas (felt-needs). O bem comum era um valor que convocava ao

acordo e as estratégias propostas estavam atentas à neutralização dos conflitos.

Na formação de técnicos em desenvolvimento de comunidade ministrada, sobretudo

pelas Escolas de Serviço Social, podem ser identificadas, entre outras influências-teóricas,

no plano filosófico, como o personalismo de Mounier, as idéias de cristianismo social de

Maritain; e no plano sociológico, as propostas de desenvolvimento harmônico e integral de

Lebret. Tudo isso era conjugado, sem grandes questionamentos, ao ensino da sociologia

funcionalista que dava respaldo ao desenvolvimento de comunidade.

Esses técnicos reclamavam dos pressupostos economicistas a partir dos quais se

planejava o desenvolvimento. O desenvolvimento social era mais abrangente e estava

referido ao bom funcionamento das instituições representativas dos diversos setores da

sociedade. Um bom projeto de desenvolvimento de comunidade era aquele que chegava a

organizar um Centro Social e a obter a constituição de um Conselho de Comunidade ao qual

competia exercer uma vigilância dinâmica sobre a vida local e decidir sobre a

compatibilização de seus programas e esforços em função do bem comum. Deviam

convocar as atividades necessárias à solução dos problemas sentidos e à maximização das

possibilidades do desenvolvimento local. A construção de um consenso era fundamental

para o sucesso do empreendimento.

Deixando de ter como referência a aldeia africana ou o núcleo de povoamento norte-

americano, o conceito de comunidade ficou mal traduzido em termos operativos, apesar dos

inúmeros esforços de precisão dos nossos sociólogos. Mas, a idéia de uma ação educativa

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mais abrangente e a noção de desenvolvimento local, vão perdurar em muitas das

intervenções que se seguiram.

b) Período de 1959 a 1964

A concessão das liberdades democráticas, fruto do novo pacto de conteúdo

populista que caracterizou a fase do desenvolvimentismo no Brasil, ofereceu um clima

propício à expressão de diversas lutas. Nesse período se situa a expansão de uma

educação voltada para as camadas populares.

Para caracterizar essas iniciativas referimo-nos às instituições que formaram e/ou

forneceram os quadros responsáveis pela concretização dos vários tipos de proposta. A

origem dos agentes determinou, em muito, as suas estratégias de ação e nos permitiu

entender melhor as tensões e as possibilidades de alianças entre as diferentes tendências.

Três âmbitos institucionais inspiraram os agentes de educação nas linhas dominantes e nas

formas de intervenção junto aos grupos populares: as Universidades e o Movimento

Estudantil; os partidos e as organizações políticas de programas socialistas; e a Igreja,

fundamentalmente a Católica.

Mesmo tendo em comum o caráter politizador e mobilizador das ações, somente

algumas dessas iniciativas demonstraram preocupação maior com a questão pedagógica ou

com a estruturação de uma metodologia que desse organicidade à sua atuação educativa.

As Universidades e o Movimento Estudantil

Ao nosso ver, o que marcou a iniciativa das elites intelectuais foi uma preocupação

de ordem político-cultural. A denúncia do imperialismo econômico se estende à do

imperialismo cultural. Era preciso dar maior solidez à cultura nacional para que ela resistisse

e se impusesse à invasão cultural imperialista. Nessa direção, enfrentavam os desafios de

tirar a Universidade de seu enclausuramento pelas elites sociais e de encontrar os seus

caminhos de serviço ao povo.

Novamente estava em jogo a afirmação de uma cultura nacional. O que importava,

agora, era principalmente a democratização da cultura. Na verdade, este movimento se

traduziu sobretudo pelo esforço de criar e ampliar os acessos do povo à cultura consumida

pelas elites: teatro "popular" politizante, música "popular" politizante ou educação do gosto

musical do povo; e o uso de recursos da cultura popular para comunicar conteúdos

politizantes (poesia de cordel, violeiros repentistas, e a valorização do folclore nacional). A

ênfase desse movimento esteve predominantemente vinculada à expressão da arte

engajada, e o conteúdo educativo da proposta ficou circunscrito aos limites dessa postura. O

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apoio da UNE (União Nacional dos Estudantes) e das UEEs (União Estadual de

Estudantes), através da criação dos CPCs (Centro Popular de Cultura), foi fundamental à

dinamização dessa linha de atuação.

Data desse período a valorização dos cursos de Filosofia e a implantação dos

cursos de Sociologia. O estudo do marxismo deixava de ser uma quase prerrogativa da

formação de quadros dos partidos comunistas e da pesquisa e debate de núcleos de

intelectuais.

Os partidos e as organizações políticas

A Revolução Cubana estimulava as esperanças revolucionárias acalentadas pela

esquerda brasileira e que se fortaleciam no clima de reivindicação das reformas de base do

governo João Goulart. A militância dos vários partidos e organizações políticas, sobretudo os

de inspiração marxista, se expandiu fortemente nessa fase. A urgência de mobilização e

organização das massas, convocadas a se inscrever na grande luta revolucionária da

tomada do poder de Estado, levava essa militância a atuar nas instituições que serviam

como canal de acesso às camadas populares, ou nas (ou sobre as) organizações

específicas dos trabalhadores.

As estratégias de acumulação de forças para o confronto de classes e a luta pela

hegemonia de poder nas instituições vão levar esses grupos a se defrontar com outras

propostas (de resistência às mudanças ou alternativas de encaminhamento). Dependendo

da inscrição da tendência política (trotskista, maoísta, stalinista e outras) os militantes

optavam preferencialmente por uma atuação no meio urbano ou no meio rural. As alianças

se tornavam mais viáveis, ou mais litigiosas, segundo o grau de radicalismo exercido pelos

grupos. Afora o movimento estudantil, a presença estava mais concentrada no universo das

organizações de trabalhadores do que nas iniciativas que enfatizavam o caráter educativo

da ação.

Mesmo com toda a intensidade da luta urbana, o que ocorria no meio rural tinha

uma repercussão política muito significativa no panorama nacional. O fato de trazer à tona a

questão explosiva da Reforma Agrária, aliando-a à convocação do campesinato para a

arena das forças políticas, de onde sempre fora excluído, ameaçava a tranqüilidade da

"ordem pública". O baixo nível de organização convencional dos trabalhadores rurais era

propício à ressonância das mais variadas convocações e, ao lado disso, o respaldo dado por

estratégias do governo Goulart contribuía para acelerar essa mobilização. Aí, vão se

encontrar e se defrontar: a militância de diversos partidos e organizações lutando pelo

controle da maior parcela de sindicatos. Uma parte da Igreja lutando pela hegemonia do

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sindicalismo cristão; e outra parte, via Movimento de Educação de Base, lutando, num

primeiro momento, por um sindicalismo independente.

A intervenção oficial foi patrocinada diretamente pela SUPRA - Superintendência da

Reforma Agrária, e pretendia construir a base da aliança do Governo com os trabalhadores

rurais. As Ligas Camponesas12, presentes sobretudo no nordeste do país, e que tinham

antecedido todo o ativismo arregimentador da sindicalização rural, mantinham uma tensão

com esse movimento.

As Ligas, na sua origem, tinham um estatuto de sociedade beneficente e reunia

pequenos produtores da periferia dos latifúndios da cana-de-açúcar. Posteriormente,

ampliou o seu atendimento a um público de assalariados e, dada a incidência de litígios

trabalhistas e de terra, começaram a intermediar os interesses dos seus associados. O

Partido Comunista Brasileiro oferecia assessoria e apoio jurídico. Pouco a pouco, as Ligas

se transformaram numa organização de luta e defesa dos interesses dos trabalhadores

rurais, levantando a bandeira da luta pela terra, o que demandou uma estrutura jurídica

adequada. Francisco Julião, consagrado líder das Ligas Camponesas e seu principal

assessor, ganha projeção política nesse quadro.

O movimento de sindicalização rural que se instalou, ameaçou o território de

atuação e expansão das Ligas. Mas a convivência se decretou mais pacífica quando a

liderança das Ligas se pronunciou, afirmando: "a Liga Camponesa é a mãe do Sindicato".

A Igreja e a sua extensa presença

Culturalmente enraizada, em todo território nacional, o papel desempenhado pela

Igreja teve uma enorme significação nesse período e durante a ditadura militar. Com o

Concílio Vaticano II, o seu envolvimento com os problemas sociais passa a ser mais

conseqüente. A criação da CNBB - Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, joga um

papel político fundamental. As palavras de ordem passam a ser, principalmente, o

ecumenismo, a justiça social e a pastoral de conjunto. O novo perfil de organização adotado

pela CNBB - os regionais - e o traçado de linhas especializadas - as pastorais - vão, por um

lado, mudar o perfil de sua ação, e o desenho jurídico e representativo da Igreja Católica no

Brasil - com conseqüências imediatas no plano das relações com o Estado; e, por outro, vão

facilitar a explicitação e o confronto, em plano nacional, das tendências diversas abrigadas

sob o mesmo teto institucional.

12 Afora as Ligas Camponesas, contava-se nessa época com a presença de outros movimentos de trabalhadores rurais.

Por exemplo, o MASTER - Movimento dos Agricultores Sem Terra, no Rio Grande do Sul; a UTAB - União dos Trabalhadores Agrícolas Brasileiros, com pretensões de representatividade em plano nacional; Frente Agrária Gaúcha, etc. Mas nenhum teve a intensidade da repercussão política das Ligas Camponesas.

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Assim, refletindo o movimento das idéias e das tensões da sociedade, a CNBB, se

vê obrigada a negociar com orientações que se contradiziam. Nesse universo, era possível

apontar duas principais tendências: uma conservadora, lidando com argumentos que

traduziam o temor do comunismo e do "materialismo ateu", muito marcada por uma

perspectiva de construção da cristandade moderna; e outra, que tentava identificar o

compromisso cristão com a presença efetiva da militância, ao lado das forças sociais de

mudança, na construção de uma sociedade justa e democrática.

A Igreja formava quadros que preenchiam as necessidades dessas duas principais

tendências. Os mais comprometidos com as mudanças sociais eram formados, via a

eficiente metodologia utilizada pela Ação Católica, que consistia em preparar e especializar

jovens militantes para a atuação nos meios estudantis, rural e operário. Com o acirramento

das lutas, esses militantes vão se tornar um problema para a hierarquia mais conservadora,

pelas concepções de fé e política que imprimiam às suas ações, sobretudo nas fileiras dos

movimentos estudantis, sindicais e educativos (inclusive no interior da própria Ação

Católica). E, mais tarde, é sobre essa estrutura de quadros pré-formada que se assenta o

fundamental do Movimento de Educação de Base da CNBB. São, ainda, esses militantes

que, aliados a outros da mesma época, criam a AP - Ação Popular, opção socialista, não

marxista (nesse momento), de organização política.

A outra tendência, que pretendia preservar e ampliar o poder da Igreja, tomou como

base de atuação, principalmente, a estrutura diocesana. Algumas dioceses patrocinavam a

criação de instituições mais adequadas às novas demandas da sociedade e, a partir daí,

apoiavam programas de incentivo ao desenvolvimento e à educação dirigidos às zonas mais

pobres; ao mesmo tempo em que promoviam a evangelização das camadas populares.

Nessa dupla intenção, implementavam as mais diversas atividades.

A autoridade episcopal era incontestável nos limites de sua diocese. A CNBB não

tinha sobre as suas escolhas nenhum poder de controle. Assim, as dioceses mais

conservadoras vão, através dos seus centros de treinamento, garantir a formação dos

quadros necessários à sua ação, sob a estrita orientação da hierarquia local. Diversos atritos

vão ocorrer entre a orientação de muitas dioceses e os militantes de Ação Católica e do

Movimento de Educação de Base, ambos organizados em plano nacional e com diretrizes

próprias.

c. O encontro das águas ou o choque das correntes

A considerar o panorama acima descrito, em linhas muito gerais, as perguntas que

se seguem são as seguintes: finalmente, o que é que se esboça nesse contexto enquanto

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contribuição efetiva para a prática de uma educação comprometida com as camadas

populares? em que se apoiou o fundamental da prática e da reflexão pedagógica dessa

época?

Para efeito da análise, vale a pena distinguir as iniciativas, presentes em duas

principais vertentes: aqueles núcleos que, de fato, se vão constituir em campos de

experimentação de propostas pedagógicas e metodológicas, e aqueles cujos objetivos se

ativeram estritamente aos interesses políticos de mobilização e organização dos

trabalhadores. Deixando de lado o segundo grupo, tudo em reconhecendo que, num sentido

amplo, as suas ações e os seus discursos politizantes produziram um efeito educativo sobre

as populações, vamos dar relevo às iniciativas declaradamente educativas. Essas últimas,

se tomadas em seu conjunto, revelam uma convergência em torno das atividades de

alfabetização, principalmente de adultos13, de educação de base e de cultura popular. E é no

nordeste do país, uma das regiões politicamente mais efervescentes, que incide uma

significativa concentração desses movimentos.

Desse conjunto de experiências, selecionamos três movimentos que, do nosso

ponto de vista, não só representam o que havia de mais significativo em matéria de

experimentação pedagógica e metodológica, como recuperam o percurso histórico do que

se chamou depois educação popular, tornando visíveis as tendências presentes na maioria

das iniciativas da época: o SAR - Serviço de Assistência Rural, o MEB - Movimento de

Educação de Base e o MCP - Movimento de Cultura Popular. É no Movimento de Cultura

Popular que Paulo Freire enfrenta sérios debates em torno da alfabetização de adultos,

antes de assentar, já no interior do SEC - Serviço de Extensão Cultural da Universidade

Federal de Pernambuco, as bases de sua metodologia.

O Serviço de Assistência Rural (SAR)

O SAR, sediado em Natal, uma das capitais nordestinas, subordinado à

Arquidiocese, estendia a sua influência a outras dioceses do país. Esse movimento

consegue reproduzir, com o máximo de fidelidade, todas as receitas deixadas e/ou

difundidas pela extensão rural e pelo desenvolvimento de comunidade, na esteira de uma

atuação com temperos de incentivo à pequena produção, de acomodação dos conflitos

sociais e de "evangelização dos pobres". Evidentemente, se apóia numa estrutura de

paróquias e mobiliza voluntários (contando com a indicação dos párocos) que são erigidos à

13 A supervalorização da alfabetização de adultos se devia a diversos tipos de percepção: como condição de acesso ao

voto e, portanto, de acesso à participação permitida pelos mecanismos da democracia formal; como uma das formas de superação da miséria e da ignorância, tidas como condicionantes do subdesenvolvimento; ou como instrumento de politização e, portanto, de aquisição de uma consciência crítica para intervir efetivamente no processo social.

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categoria de líderes. Uma equipe de técnicos anima, supervisiona, acompanha e forma

quadros para uma diversidade de atividades, entre elas: alfabetização pelo rádio, animada

por monitores treinados para esse fim)14, cooperativismo, sindicalização rural (de inspiração

cristã), incentivo ao artesanato e à produção rural, assistência à maternidade, campanhas de

saúde pública etc. Ao nível local, mobilizava-se o esforço de auto-promoção das

comunidades na implantação de centros sociais. Um centro de treinamento servia como

estrutura de apoio à formação dos quadros. Com a dinâmica que toma esse movimento têm-

se a impressão de estar diante de uma estrutura paralela ao do governo oficial.

A militância da Ação Católica sob a jurisdição da Arquidiocese foi convocada a

integrar o movimento mas os atritos no plano das orientações, sobretudo com a JUC

(Juventude Universitária Católica), tornaram difícil a convivência.

O SAR, em última análise, é a típica continuidade das obras sociais da Igreja, sendo

que atualizadas. Preocupada, agora, com o subdesenvolvimento e com os recursos técnicos

de intervenção no profano, tudo em garantindo a cristianização dos resultados dessa

intervenção. Os seguidores desse modelo foram muitos, dentro e fora do âmbito da Igreja.

O Movimento de Cultura Popular (MCP)

Sediado em Recife, capital de Pernambuco, o MCP se auto-caracteriza como uma

entidade eclética, reunindo representantes de várias tendências da intelectualidade local:

sociólogos, artistas, educadores e jovens militantes de organizações políticas ou religiosas.

Dependente financeiramente da Prefeitura Municipal é identificado, pelas forças de

resistência à mudança, como um instrumento eleitoral que investia na ascensão do Prefeito

(então, Miguel Arraes) ao cargo de governador do Estado.

Não se pode dizer que o MCP fosse somente uma versão mais institucionalizada do

movimento de democratização da cultura que empolgava a intelectualidade da época,

embora se pudesse ler, em diversas formas de sua presença, muito parentesco com a arte

engajada. Dizemos isso porque outras fontes marcaram também as suas opções. As idéias

veiculadas pela Peuple et Culture da França, o não-diretivismo e a metodologia de

Treinamento Mental, com seus círculos de cultura, além de outras contribuições da

sociologia, tiveram muito peso. O sociólogo francês Joffre Dumazedier esteve presente nos

debates para a formulação das estratégias do MCP.

Entre as ações de democratização da cultura (teatro, música, pintura, valorização do

folclore), de democratização do ensino (expansão da rede escolar), de centros de cultura de

14 Tanto o SIRENA - Sistema Radio-Educativo Nacional, do Ministério da Educação e Cultura, como o SAR, tinham se

inspirado na experiência de Sutatenza (Colômbia).

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base comunitária etc, e a necessidade de presença efetiva na mobilização política, o MCP

viveu tensões internas muito significativas. Dada a diversidade de tendências e interesses

que abrigava em sua atuação, ficou difícil o controle de suas ações enquanto um conjunto

articulado.

As discussões conceituais do momento, que mobilizavam não só os educadores do

MCP, giravam em torno de questões como massificação, manipulação, participação,

espontaneísmo, politização, libertação, democracia, autoritarismo etc. Pouco a pouco, vão

tomando espaço as questões sobre consciência e conscientização que, no horizonte,

tentavam responder ao desafio posto pelo marxismo em termos dos caminhos a tomar para

se chegar a "uma consciência dos reais interesses da classe". A equipe de educadores do

MCP chegou a produzir um polêmico livro de leitura para adultos, de conteúdo politizante,

em torno cujas suas linhas pedagógico/metodológicas foi muito problemática a costura de

um acordo.

Finalmente, em 1964, o golpe militar autoriza uma intervenção no MCP, cuja

influência na criação de entidades similares em outros ponto do país era explícita.

Os primórdios do Método Paulo Freire

É difícil desvincular o que se segue, em termos da elaboração e experimentação

orientada por Paulo Freire, já com base no SEC - Serviço de Extensão Comunitária da

Universidade Federal de Pernambuco, do que tinha sido, antes, vivenciado por ele mesmo

no MCP. Os desafios já estavam dados: como tratar, numa perspectiva democrática, a

questão da cultura e da consciência nos limites de uma alfabetização de adultos que

respondesse com eficiência e rapidez às demandas políticas do momento?

Donde, antes da elaboração mais consistente de uma pedagogia da libertação, as

preocupações se ativeram à demanda mais imediata de uma metodologia de alfabetização

de adultos. Depois é que o pedagogo aprofunda as bases teóricas de sua pedagogia e a

difunde. Do que conhecemos, foi a primeira tentativa de teorização, no campo da pedagogia,

que tomava em consideração o peso político das relações entre os agentes do processo

educativo - o diálogo - e investia nas implicações filosóficas que decorriam dessa postura.

O Movimento de Educação de Base (MEB)

O MEB foi criado pelo convênio que se firmou, em março de 1961, entre o governo

federal e a CNBB. A CNBB punha à disposição um horário das emissoras diocesanas para a

transmissão de aulas radiofônicas, com ênfase na alfabetização de adultos, e o governo

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subvencionava o funcionamento da estrutura educativa.15 Em decorrência disso, a base de

intervenção e de organização do MEB foi o sistema rádio-educativo. Esses sistemas que

pressupunham a produção, emissão e recepção organizada das aulas radiofônicas eram

subordinados às suas respectivas dioceses mas coordenados nacionalmente por uma

Equipe Técnica. Em 1964, o MEB contava com 55 sistemas espalhados por 15 estados da

federação (sobre um total de 22 estados), no nordeste, norte e centro-oeste do país.

(COSTA et all 1986:124-125)

O MEB reuniu, na constituição de seus quadros técnicos, sobretudo um pessoal

formado nas fileiras da Ação Católica. Isso influiu decisivamente na qualidade da orientação

e dos serviços prestados porque, se de um lado, a ingenuidade política caracterizava muito

a postura do Movimento, de outro, a carga ética que o grupo trazia de sua formação

imprimiu um novo perfil às relações pedagógicas que se foram construindo. Sem

compromissos seja com um alinhamento político determinado, seja com escolas teóricas

específicas, o MEB centrou as suas forças na transformação de militantes cristãos em

técnicos de educação de adultos. Criou uma sistemática de treinamento de equipes,

supervisão do desempenho e avaliação da prática educativa e fez disso os pilares de seu

funcionamento. Os treinamentos das equipes responsáveis por cada sistema rádio-

educativo que se implantava era a etapa inicial do seu processo de intervenção. Os

instrumentos utilizados nessa etapa, apesar de se apoiarem, à semelhança do MCP, na

psico-sociologia européia, no não-diretivismo (com algumas técnicas da dinâmica de grupo)

e na experiência do método de Treinamento Mental da "Peuple et Culture", vão tomar outras

direções. Muito cedo, a utilização desses recursos é avaliada e retrabalhada no sentido de

reduzir o grau de autoritarismo que se evidenciava na sua experimentação e de ampliar os

ganhos no que parecia ser principal para o trabalho: a autonomia das equipes em

criatividade pedagógica e poder de gerência, e o enraizamento das atividades educativas no

contexto local de cada sistema rádio-educativo.

O dinamismo estabelecido pela sistemática de treinamento/supervisão/avaliação da

prática rendeu uma agilidade muito grande entre a identificação dos desafios postos pela

prática educativa e a mobilização de esforços para a criação de respostas adequadas. Isso

foi ajudado pelo funcionamento de instâncias de decisão e controle administrativo que se

15 "Depois, saí da Ação Católica e fiquei sem saber o que fazer na vida. Por volta de 1958, 59, fui trabalhar com Marina

Bandeira na RENEC (Rede Nacional de Emissoras Católicas). Naquela época houve uma corrida pelo registro de Emissoras, e os bispos entraram nessa corrida com a idéia de divulgar a religião católica. No momento em que as Emissoras Católicas chegaram a cerca de quarenta, espalhadas por todo Brasil, a minha cabeça começou a "buzinar". Não era possível continuar com aqueles programas religiosos e culturais - aliás, muito fracos - sem a perspectiva de transformá-los." - Depoimento de Vera Jaccoud, primeira coordenadora nacional do MEB. (Costa et alls 1986:36-37)

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articulavam entre os níveis locais, estaduais e nacional. A instância máxima de decisão era o

Encontro Nacional de Coordenação onde todos os sistemas se faziam representar.

Ao nível da ação direta tiveram mais peso as influências captadas nas experiências

de animação desenvolvidas na África - Senegal, Marrocos etc - pelo IRAM (Institut de

Recherches de Méthodes Pédagogiques) do que as contribuições do desenvolvimento de

comunidade e da extensão rural. Mas, na medida em que usava amplamente o seu espaço

de liberdade de atuação, organização e criatividade, o MEB se defrontava com dois tipos de

condicionamento que foram endurecendo no mesmo ritmo em que o movimento se fortalecia

e se expandia: a hierarquia da Igreja e as oligarquias rurais (a área de atuação do MEB era

quase que exclusivamente o meio rural. E, para se resguardar a direção do MEB tomou a

precaução de divulgar o mínimo possível os dados sobre os seus sucessos, a sua força nas

bases e a sua produção pedagógica; portanto, o mínimo de registros.16

O fortalecimento da aliança dos agentes educadores com os grupos populares levou

o movimento, independente de uma orientação formal de sua cúpula, a se inscrever em

diversas frentes de luta política. Nessa altura, o MEB já contava com a participação, de

militantes e ex-militantes de JUC (Juventude Universitária Católica) que trouxeram consigo

os desafios de uma fundamentação teórica da ação e o debate sobre a opção e o

alinhamento político das forças do movimento. A presença atuante no sindicalismo rural, as

alianças com as Ligas Camponesas, a explicitação e análise das condições de vida dos

trabalhadores rurais como conteúdo das emissões educativas etc, determinou o aumento

das pressões, fosse por parte da hierarquia, das forças sociais de resistência à mudança ou

dos grupos políticos mais radicais.

A mensagem política com tratamento pedagógico foi o que caracterizou o MEB nos

dois anos que precederam o golpe militar. Com o golpe, a hierarquia mais conciliatória

tomou as rédeas do poder sobre o MEB, propôs a descentralização do movimento e

expurgou os quadros considerados mais radicais. Em 1966, percebendo a

descaracterização progressiva do trabalho, a parte mais significativa do Movimento tomou a

iniciativa de fechar os sistemas rádio-educativos sob sua responsabilidade.

d. O que se seguiu

O período da ditadura militar, assim como ocorreu em vários países da América

Latina, empurrou o que subsistiu dessa época - enquanto uma qualidade nova da

intervenção educativa junto às camadas populares - para a clandestinidade, semi-

16 Para prejuízo posterior, a memória de sua experimentação pedagógica foi muito pouco documentada e dificultou as

tentativas de sistematização que podiam ter sido feitas a partir daí.

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clandestinidade e para o isolamento. Aí foi uma fase que se caracterizou pela resistência às

forças de repressão e pelo estudo do marxismo como apoio teórico da ação desenvolvida.

Althusser, Lucaks, e Gramsci eram os autores a quem mais recorriam os educadores ou os

encarregados da formação de quadros. Sem esquecer, evidentemente, a influência que teve

Mao Tse Tung e a experiência chinesa sobre determinados grupos.

Somente a partir da segunda metade dos anos 7017 é que começou a ser analisada

criticamente a acumulação que as iniciativas de educação popular se fizeram ao longo

desse percurso histórico/político/pedagógico. Falamos de uma exploração mais abrangente

e que não se ateve, somente, à reserva imediata de instrumentos teóricos/práticos - de

mobilização, organização e ações mais especificamente educativas - utilizados em função

do fortalecimento do poder de intervenção das camadas populares. Aliás, essa aliança dos

educadores com os grupos populares sempre foi clara e explícita em suas intenções mas

nunca chegou a ter (salvo raras exceções) muita consistência nem em seus fundamentos

nem em suas conseqüências, dado, possivelmente, o grau de ativismo que caracterizava as

intervenções.

A credibilidade que uma grande parte18 desses educadores emprestava ao seu

esquemático/simplificado suporte teórico, sobretudo os mais letrados, lhes tinha dado

margem a se relacionar com certa superioridade com os grupos populares, cujo estágio de

consciência política era considerado insuficientemente instrumentalizado para o inadiável

confronto de classes. Ao mesmo tempo, a vocação de serviço e dedicação aos mais pobres

(levando em conta aí que a maioria dos quadros de educação popular era recrutada nos

meios cristãos ou entre militantes de organizações marxistas) levava-os a dignificar

eticamente o tipo de intervenção e a valorizar o humilde e o simples quase que por

categorias religiosas.

A militância chamada salvacionista foi um resultado compreensível desse

casamento da utopia política com a construção do Reino. No entanto, foi por esse viés que

se inaugurou uma nova forma de compromisso social da educação com as populações

deserdadas do protecionismo estatal e restringidas, pelos mecanismos de expropriação do

sistema, no seu desempenho sócio-político.

17 Afora os trabalhos publicados por Paulo Freire, Carlos Brandão e Vanilda Paiva, os primeiros documentos de que temos

conhecimento nesse período foram produzidos pela equipe do NOVA:

Suplemento do CEI 17, abril/1977, Tempo e Presença, Rio de Janeiro, com artigos de Beatriz Costa, Pedro Garcia e Aída Bezerra; suplemento do CEI 22, outubro/1978, Tempo e Presença, Rio de Janeiro, com artigos de Pedro Garcia, Jorge Munhoz e Aída Bezerra. Ver, ainda produzidos pela equipe do NOVA, os artigos publicados na série Cadernos do CEDI: Cadernos do CEDI 1, s/data; Tempo e Presença; Cadernos do CEDI 2, s/data e Cadernos do CEDI 6, setembro/1980.

18 Aí nos incluímos.

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A CONCILIAÇÃO ENTRE A FORMAÇÃO HUMANA E A FORMAÇÃO ÉTICO-POLÍTICA PROFISSIONAL E A DEFESA DO PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO SERVIÇO SOCIAL: UM DEBATE NECESSÁRIO

Bruno José da Cruz Oliveira19

1- O processo histórico de construção do projeto ético-político

No início da década de 60 o Serviço Social iniciou o seu processo de diálogo com a

tradição marxista. Tal processo ocorreu no bojo do movimento de reconceituação

profissional, no qual os fundamentos teóricos, político-ideológicos e técnicos da profissão

passaram a ser profundamente questionados destacando-se a crítica à herança religiosa.

Esse movimento expressou-se por toda a América Latina impulsionado por uma

conjuntura marcada pela industrialização da região e pelo desenvolvimento de processos

políticos, econômicos e culturais anti-imperialistas e anti-capitalistas que ocorriam no

subcontinente.20

No Brasil o debate sobre o modelo de desenvolvimento econômico a ser adotado

movimentava diferentes setores da sociedade civil. A emergência de movimentos sociais

contestatórios aos fundamentos aristocrático-liberais da ordem social contribuiu para a

polarização da sociedade brasileira entre diferentes projetos de desenvolvimento

nacional.21

O Golpe Civil-Militar ocorrido em 1º de abril de 1964, que depôs o Presidente João

Goulart, desencadeou a suspensão das frágeis “liberdades democráticas” existentes.

Iniciou-se, com esse acontecimento, um período de intensa repressão policial-militar aos

setores da sociedade civil que questionavam o modelo de desenvolvimento associado ao

capital estrangeiro e hegemonizado por esse último.

Com a desarticulação das organizações populares e a intervenção política nas

Universidades, a influência do pensamento marxista no interior da categoria dos

19 Assistente Social, Mestrando em Serviço Social pela Escola de Serviço Social da UFRJ.

20 Ressaltamos que o processo de contestação da ordem desenvolvido na América Latina era portador de particularidades regionais que refletia em diferentes níveis de organização política dos trabalhadores e demais setores subalternizados pelo “Capitalismo Tardio” que se desenvolvia no continente.

Destacam-se os projetos de desenvolvimento associado ao capital estrangeiro, defendido pela maior arte das elites e o projeto de desenvolvimento autônomo ou nacionalista, defendido pelos setores populares de esquerda e por uma incipiente burguesia nacional.

21 Destacam-se os projetos de desenvolvimento associado ao capital estrangeiro, defendo pela maior parte das elites e o projeto de desenvolvimento autônomo ou nacionalista, defendido pelos setores populares de esquerda e por uma incipiente burguesia nacional.

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assistentes sociais é obstaculizada22. Nesse período, o pensamento estrutural-

funcionalista consolidou-se como a principal influência teórica no Serviço Social,

refutando a influência religiosa na profissão, buscando empreender um caráter científico

à prática profissional e à produção acadêmica. O viés tecnicista como objetivo

profissional, busca adaptar o indivíduo às necessidades de reprodução ideológica

resultantes do processo de industrialização/urbanização da sociedade brasileira,

norteando a prática profissional numa perspectiva que negava a dimensão

político-ideológica da profissão23.

1.1- A retomada do debate político-ideológico no Serviço Social.

Em meados da década de 1970 a crise econômica ocasionada pelo fim do “Milagre

Econômico”, comprometeu o poder de consumo da classe média, colaborando

decisivamente para o processo de desgaste político da ditadura militar. Paralelamente,

cresciam as manifestações de repúdio às violações dos Direitos Humanos e em defesa

da Anistia para os perseguidos pelo regime. Ao mesmo tempo inicia-se, nesse período, a

reorganização dos movimentos sociais protagonizados pelas classes sociais subalternas,

com destaque para o movimento dos trabalhadores metalúrgicos do ABC paulista.

Impulsionados pelas mobilizações promovidas por diversos setores da sociedade

civil em defesa da reinstalação das liberdades democráticas, setores da categoria

profissional identificados com o pensamento crítico-dialético ganham maior projeção. Os

primeiros sinais de rearticulação desta perspectiva foi a elaboração do Método Belo

Horizonte, ainda em 1975. Esse último lançava as diretrizes para uma intervenção crítica na

realidade, preconizando a intervenção “por fora” do aparelho de Estado, tendo como base

as concepções estruturalistas de Louis Althusser24.

A mudança na correlação de forças político-ideológicas entre os assistentes sociais

teve como símbolo o Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, ocorrido em 1979,

conhecido como “O Congresso da Virada”. Ao longo dos anos 80, afirma-se a hegemonia

marxista na produção acadêmica do Serviço Social25. No mesmo período, a categoria

22 Nesse momento, a aproximação do Serviço Social com a tradição marxista se deu a partir das elaborações

teóricas de autores identificados com o marxismo, não aprofundando o debate com as obras marxistas. Configurava-se um “marxismo sem Marx”.

23 Ver Netto (1990) 24 Pensador marxista formulador da teoria do “Aparelhos Ideológicos de Estado”, na qual afirma que o Estado

independente da sua formatação tem como principal função universalizar a visão da classe dominante através dos seus aparelhos ideológicos como a escola, os meios de comunicação estatais.

25 Destacam-se as formulações de teóricas de Marilda Iamamoto, José Paulo Netto, Vicente de Paula Faleiros e Aldaíza Sposatti

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participa ativamente dos debates acerca da democratização da sociedade brasileira,

alinhando-se e identificando-se com os interesses imediatos e históricos da classe

trabalhadora. A mudança da perspectiva política-ideológica da profissão consolida-se em

1993 com o Código de Ética Profissional, cujos princípios fundamentam o Projeto Ético-

Político Profissional. São eles:

- Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas

a ela inerentes, autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais;

- Defesa, intransigente, dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do

autoritarismo;

- Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda a

sociedade, com vistas a garantia dos direitos civis, sociais e políticos da classe

trabalhadora;

- Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da

participação política e da riqueza socialmente produzida;

- Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure

universalidade e acesso a bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem

como sua gestão democrática;

- Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o

respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão

das diferenças;

- Garantia do pluralismo, através do respeito às correntes profissionais

democráticas existentes e suas expressões teóricas e compromisso com o constante

aprimoramento intelectual;

- Opção por um projeto profissional vinculado ao processo de construção de uma

nova ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero;

- Articulação com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem

dos mesmos princípios deste Código e com a luta geral dos trabalhadores;

- Compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o

Exercício do Serviço Social sem ser discriminado, nem discriminar por questões de

inserção de classe social, gênero, etnia, religião, nacionalidade, opção sexual, idade e

condição física.” (Código de Ética Profissional, 2001)

2- O Projeto Ético-Político Profissional diante da ofensiva Neoliberal

A eleição de Fernando Collor de Mello marca o início da implementação do

neoliberalismo no Brasil. O discurso de modernização do país, simbolizado pela defesa

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indiscriminada do mercado interno aos produtos importados e da redução dos gastos

públicos através das privatizações, principalmente do setor produtivo estatal, passou a ser

base de fundamentação das políticas econômicas adotadas no país, aliadas às

necessidades de transferência de recursos públicos para o pagamento dos juros e serviços

da dívida pública. Ressalta-se que, com a queda do Muro de Berlim, o pensamento

Neoliberal ganha o “status” de pensamento único, iniciando uma ofensiva política,

econômica e ideológica do capital abertamente contra

a cultura democrática e igualitária da época contemporânea,

caracterizada não só pela afirmação da igualdade civil e política para todos,

mas também pela busca da redução das desigualdades entre os indivíduos

no plano econômico e social, no âmbito de um objetivo mais amplo de

libertar a sociedade e seus membros da necessidade e do risco. (NUNES in:

Netto, 1992)

Nesse sentido, toda e qualquer proposta alternativa ao modelo neoliberal que tinha

como referência a regulação da atividade econômica pelo Estado passou a ser

desqualificada. A estabilidade econômica atingida com o Plano Real, baseada na

manutenção das taxas de juros e na redução do poder de consumo da população,

contribuiu para consolidar a hegemonia neoliberal.

Paralelamente, verifica-se igualmente um refluxo dos movimentos sociais urbanos

num quadro de contra-ofensiva ideológica do capital e de reestruturação produtiva

fragilizando, ainda mais, a incipiente construção de um processo de identidade/consciência

de classe que questionasse a ordem vigente. Tal fato certamente contribuiu para que

parcela significativa dos trabalhadores aderisse ao discurso dominante.

A eleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, e a sua posterior reeleição

simbolizam o amplo consentimento social em torno das propostas neoliberais, embora

algumas categorias tenham vivido processos de enfrentamento a estas medidas 26. Nesse

período, o Brasil consolida a sua posição subalterna no processo de globalização,

inserindo-se nessa nova etapa do capitalismo como exportador de produtos agrícolas

primários à baixo custo.

No que diz respeito às estratégias de enfrentamento da “questão social”, o projeto

neoliberal lança mão de políticas focalizadas e compensatórias, baseadas numa ampla

“contra-reforma do Estado” (BEHRING, 1998). O paradigma da universalidade dos Direitos

Sociais que perpassou a Constituição de 1988 foi duramente atacado em nome da

austeridade fiscal. Tal estratégia se baseia na desresponsabilização do Estado com as 26 Destacaram-se nesse período as ocupações de terra empreendidas pelos trabalhadores rurais cujo Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra foi a maior expressão, assim como, as greves dos trabalhadores do setor público.

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políticas públicas, transferindo-a para a sociedade civil e para a iniciativa privada.

Conseqüentemente, multiplicam-se as organizações não governamentais (Ongs), bem

como as fundações empresariais de cunho filantrópico, essas últimas associadas ao

chamado “marketing social”27.

Na contramão desse processo, a produção acadêmica do Serviço Social brasileiro

consolida, ao longo dos anos 90, a sua perspectiva crítico-dialética referenciada na tradição

marxista. A vasta literatura produzida pelos intelectuais de referência para a categoria se

fundamenta numa dura crítica ao neoliberalismo, reafirmando a necessidade de

democratização da sociedade brasileira, na defesa das políticas sociais de caráter

universalista e na democratização da gestão dessas últimas. Porém as transformações

ocorridas no mundo do trabalho e a contra-reforma do Estado, ocorrida durante os anos 90,

colocam novos desafios para a formação dos assistentes sociais. Com a flexibilização das

relações trabalhistas em nome do aumento da taxa de lucros, a (relativa) autonomia

profissional passa a ser sistematicamente ameaçada. Paralelamente à precarização e a

focalização das políticas sociais, são reduzidos os recursos de intervenção nos espaços

nos quais se expressam a questão social, fato que também contribui para a reprodução de

uma prática profissional de caráter tecnocrático-assistencialista.

2.1- A formação humana e a defesa do Projeto ético- político profissional.

O Projeto ético-político profissional possui uma clara perspectiva político ideológica

alinhado à construção do processo de emancipação humana. É importante

compreendermos que os princípios que perpassam tal projeto foram construídos durante

mais de dois séculos de lutas sociais protagonizadas pelos trabalhadores e demais setores

subalternizados da sociedade capitalista. Nesse sentido podemos afirmar que a construção

do projeto ético-político profissional reflete o movimento teórico-político-ideológico realizado

pela categoria durante os anos 80 e 90, quando a mesma construiu a sua identificação com

a classe trabalhadora.

Todavia, esta não está imune à ofensiva ideológica neoliberal que promove uma

avassaladora capitalização social de valores e princípios identificados com o consumismo e

o individualismo hedonista. Segundo Silveira,

há portanto, no traçado das relações sociais, um processo de conformação e subsunção à lógico mercantil, de tal ordem que a direção intelectual e moral que esta sendo gestada, vai afetar as formas de sociabilidade

27 Não podemos, certamente, incorrer em generalizações acerca do papel das ONG’s na atual fase

do Capitalismo, uma vez que, muitas delas exercem uma importante função de assessoria aos movimentos sociais de esquerda.

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existentes , produzindo marcas profundas nos sujeitos individuais e coletivos. (2003:2)

As mudanças ocorridas na sociedade brasileira, em conseqüência das contra-

reformas, colocam novos desafios para aqueles que defendem uma formação ético-política

profissional de caráter crítico, uma vez que, a construção “de uma maioria político-

profissional radicalmente democrática e progressista, (...). demanda trabalho de largo prazo

e conjuntura histórica favorável.” (NETTO, 1996)

Para tanto, se fez necessário investir na circulação de valores sintonizados com a

construção de uma nova organização societária. Segundo Silveira,

A adoção, portanto de uma outra perspectiva de conhecimento que interroga os fatos sociais e não os vê como algo dado, vai exigir, sobretudo do ponto de vista da formação humana, um movimento metodológico e político existencial, a interpelar sentimentos e razão, ao mesmo tempo em que vai se revelando um auxiliar precioso no inestimável e necessário movimento de síntese a ser realizado pelos sujeitos. (2003:4)

Objetiva-se assim, a formação de assistentes sociais que compreendam os

fenômenos do cotidiano como uma objetividade questionável, algo historicamente não

determinado.

A aproximação da categoria profissional com os movimentos sociais de

contestação à ordem, compreendendo esses últimos como “universais relativos” (Silveira,

2003), tanto no período de formação profissional quanto nos processos relativos à prática

profissional, apresenta-se como fundamental. Necessária também é a re-oxigenação dos

espaços coletivos da categoria, espaços esses que facilitam a troca de experiências, de

articulação e de reivindicação, revalorizando a perspectiva de contínua reconstrução

coletiva do projeto ético-político.

A efetivação de uma prática profissional politizadora do cotidiano, definitivamente

não será assegurada apenas pelo acúmulo teórico empreendido ao longo da formação

profissional. Portanto, necessário se torna o comprometimento entre profissionais “de

campo”, docentes e estudantes de Serviço Social, com uma formação de caráter

humanista, que implique na construção de novos sujeitos político-profissionais, capazes de

fundamentar a sua intervenção na realidade a partir da apreensão do movimento histórico

construído pela humanidade e no compromisso com a construção de uma nova

organização societária.

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BIBLIOGRAFIA

ABREU, Marina Maciel. Serviço Social e a organização da cultura: perfis pedagógicos da prática profissional. São Paulo: Cortez, 2002.

BEHRING, Elaine. Política Social no Capitalismo Tardio. São Paulo: Cortez, 1998.

GUERRA, Yolanda e Montaño, Carlos (orgs). Serviço Social Críctico. Biblioteca Latino

Americana de Serviço Social. São Paulo: Cortez,2002.

IASI, Mauro. O Processo de Consciência. São Paulo: CPO, 2002.

NETTO, José Paulo. Crise do Socialismo e Ofensiva Neoliberal. São Paulo: Cortez, 1992.

______. Ditadura e Serviço Social: Uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. São Paulo: Cortez, 1990.

______ Transformações societárias e Serviço Social: notas para uma análise prospectiva da profissão no Brasil. Serviço Social e Sociedade. São Paulo: Cortez, 1996.

SILVEIRA, Maria Lídia Souza. “Categorias emancipatórias e sua afetação nos sujeitos

profissionais: a saudável tensão entre Formação Humana e Formação Profissional”. ENPESS, Porto Alegre, RS: 2003.

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EDUCAÇÃO POPULAR, ESCOLA PÚBLICA E SERVIÇO SOCIAL- UM DIÁLOGO NECESSÁRIO

Eblin Farage28-

Toda leitura da palavra pressupõe uma leitura anterior do mundo, e toda leitura da palavra implica a volta sobre a leitura do mundo, de tal maneira que “ ler o mundo” e “ ler palavra” se constituam um movimento em que não há ruptura, em que você vai e volta. E “ ler mundo” e ‘ler palavra’ , no fundo, para mim, implicam “ reescrever” o mundo” .(FREIRE, P.,1999, p.15)

INTRODUÇÃO Ao longo dos tempos a educação, assim como a instituição escolar, vem

assumindo diferentes papéis e funções na formação dos indivíduos. As diferenças,

avanços, retrocessos e desafios são impulsionados pelo momento histórico, social e

econômico da sociedade, ou seja, a educação e a escola assumem papel e função

diferenciados de acordo com as orientações do Estado e o movimento da própria sociedade

e de seus sujeitos.

Em todos os momentos históricos da sociedade moderna, foi atribuído à educação

e à instituição escolar, a função de contribuir para a “emancipação” dos indivíduos,

independente de sua classe social, religião ou raça.

Para a teoria liberal, a educação e a instituição escolar não deveriam estar à

serviço de nenhuma classe social, mas sim dos indivíduos, do “homem total, liberado e

pleno” (CUNHA,1985:34). Porém sabemos o quanto o pensamento educacional brasileiro,

seguindo as orientações do pensamento educacional e político do mundo capitalista, pouco

fez para a emancipação dos homens, nem como indivíduos e muito menos como sujeitos

coletivos e históricos.

As diversas teorias da educação que têm origem no pensamento liberal do século

XVIII vêm tentando atribuir à educação e, em especial, à instituição escolar, um papel de

detentora exclusiva das possibilidades de reconstrução social, ascensão e emancipação

política para que se efetivem mudanças significativas na sociedade. Com isso,

desconsidera-se o caráter eminentemente ideológico da educação, dado pelo

direcionamento do Estado, burguês, altamente excludente e classista.

É sobre a orientação deste Estado que a educação no Brasil passa por diferentes

fases de constituição, ora com o objetivo de diminuir o analfabetismo e aumentar a

escolarização da força de trabalho, ora pela necessidade de maior qualificação profissional

28 Assistente social; mestranda em serviço social pela UFRJ.

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dos trabalhadores em função do atendimento às demandas do mercado, gerando um

grande investimento na difusão do ensino fundamental através da ampliação de sua rede

de atendimento.

Segundo Neves:

[...] nos anos 1990, impulsionado por motivações distintas, o projeto neoliberal de

educação propôs como objetivo e vem executando, com relativo sucesso, o alargamento na base do

sistema educacional brasileiro, mais precisamente do ensino fundamental. (2002, p.163)

Assim, desenvolvendo-se a partir da demanda do mercado e das orientações do

Estado Brasileiro (sob as amarras da ditadura ou da “democracia”), muito pouco a

educação teve de “leitura de mundo”. Nas décadas passadas ainda se constatava a

existência da “leitura da palavra”, o que se torna cada vez mais escasso nas atuais escolas

públicas como demonstram as diferentes pesquisas realizadas e os dados dos órgãos

oficiais.

Paralelamente às reflexões e implementações educacionais realizadas pelos

governos, desenvolve-se uma nova concepção de educação, que ganha espaço na década

de 60 a partir dos escritos do educador Paulo Freire. A Educação popular como ficou

conhecida essa nova proposta de educação, que privilegia a realidade, a construção

coletiva e a formação de sujeitos históricos críticos e comprometidos com a transformação

da sociedade, se desenvolveu a partir de movimentos sociais e da iniciativa de setores

médios vinculados a segmentos da Igreja Católica e comprometidos com as classes

subalternas.

ESCOLA PÚBLICA E EDUCAÇÃO POPULAR – UM DIÁLOGO POSSÍVEL

Segundo Carlos Rodrigues Brandão (2002, p.142), “com ou sem o símbolo deste

nome sonoro: educação popular é o justo reconhecermos que existe entre nós toda uma

trajetória de idéias, de ideários e de projetos a respeito de um tipo de trabalho de

educadores que nos autoriza pensar em uma tradição cultural própria na educação”. Sua

formulação parece sugerir a presença de algumas experiências de educação popular,

anteriores à década de 60.

Porém, mesmo se considerando que desde o início do século XX já eram

desenvolvidas experiências que tinham como princípios norteadores o que mais tarde

convencionou-se chamar de educação popular, foi só na década de 60 que, de forma

sistematizada, esta aparece com alguma consistência teórica.

A educação popular ganha destaque a partir da significação e proliferação do termo

no início da década de 60, como fruto da iniciativa de movimentos progressistas e também

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por iniciativa do Estado, que apropriando-se do termo de forma populista, realiza iniciativas

como o MEB (Movimento de Educação de Base). Vale, no entanto, registrar que as

concepções norteadoras das diferentes experiências de educação popular tinham

conotações políticas distintas, pois se para o Estado a educação popular era vista como

uma forma de responder a distintas demandas do capital, por uma força de trabalho mais

qualificada, para os movimentos progressistas esta tinha relevância no sentido de uma uma

forma possível de contribuição no desenvolvimento da consciência das classes subalternas.

Nesta direção,

A educação popular por nós entendida é necessariamente uma educação de classe. Uma educação comprometida com os segmentos populares da sociedade cujo objetivo maior deve ser o de contribuir para a elevação da sua consciência crítica, do reconhecimento da sua condição de classe e das potencialidades transformadoras inerentes a essa condição. (VALE,1992, p. 57)

Apesar das diferentes leituras sobre educação popular, o eixo hegemônico a

nortear grande parte das experiências tinha como objetivo principal, possibilitar às

camadas subalternas, da cidade ou do campo, o acesso ao direito básico da educação.

Uma educação não pautada apenas no aprendizado das letras, mas essencialmente na

leitura do mundo, condição de superação do senso comum e forma de possibilitar a

crítica à organização social existente, apontando para uma perspectiva de sua

transformação.

Entre tantas experiências de alfabetização de adultos, cine-clubes, rádios

comunitárias, jornais de bairro e de fábrica, grupos jovens e tantas outras experiências

das décadas de 60, 70 e início de 80, que tinham como eixo central a educação popular,

pouco se percebe hoje dessas experiências na educação das classes subalternas. Tanto

no que se refere à dimensão técnica quanto á própria política da educação, seja formal

ou informal.

Apesar de o ensino fundamental no Brasil ter aumentado sua abrangência nas

últimas décadas, continua muito aquém das necessidades sociais. Parece existir uma

unanimidade no sentido de que esse aumento e sua cobertura se deram em detrimento da

qualidade do ensino. "Além de alfabetizar menos, o Brasil alfabetizou com pior qualidade do

que a maioria dos países do mundo. Quanto mais ofereceu educação às massas, mais

deteriorou a sua qualidade" (Carta Capital nº 261, de 2003, p. 30). A mesma reportagem

noticia um estudo sobre educação efetuado pela Unesco em 41 países, no qual o Brasil

ficou em 37º lugar no que tange à leitura. O estudo detectou que 50% dos escolares

brasileiros são analfabetos funcionais, ou seja, conseguem ler palavras em anúncios e

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capas de revistas e sabem assinar o próprio nome, mas não compreendem o texto com o

qual têm contato.

As estatísticas de reprovação no município do Rio de Janeiro para o ensino

fundamental no período 1975-86, aumentou em todas as sérias exceto na primeira,

denotando a deterioração crescente da qualidade do ensino. Além disso, há um padrão que

se repete em todas as séries, fornecendo indicações dos principais problemas. A maior

reprovação ocorre na primeira série, certamente relacionada com o processo de

alfabetização. Daí até a quarta série há uma tendência decrescente. Na quinta série a taxa

de reprovação volta a aumentar, indicando a dificuldade de adaptação ao novo sistema de

ensino: o professor não é mais a 'Tia', e os conteúdos são fragmentados em matérias. A

taxa de reprovação na oitava série é pequena em ralação às demais, mas isso apenas

denota que o estrago (a evasão) já foi feito.

Segundo dados do Inep/MEC-2001, no Brasil, de cada 100 alunos que ingressaram

na primeira série do ensino fundamental, 59 concluem a 8ª série e os outros 41 param de

estudar no meio do caminho.

De acordo com o levantamento do Inep, grande parte dos estudantes brasileiros está em atraso escolar. No ensino fundamental, 39% dos alunos têm idade superior à adequada para a série que cursam. No ensino médio, esse índice é de 53%. De acordo com o estudo, isso é conseqüência das elevadas taxas de repetência. Com isso, esses estudantes têm desempenho inferior aos alunos que estão em séries próprias à idade. (ÉPOCA, on-line, 2003).

É nesse contexto de extremo abandono da educação por parte do poder público,

que emerge a reflexão sobre o modelo de educação que desejamos, a função da escola

pública e o processo de formação da consciência das classes subalternas.

A escola pode contribuir para que os sujeitos formados por ela, tenham acesso ao

conhecimento, a novos valores e a construção de uma nova racionalidade. A educação

aliada `a ação e a processos organizativos podem contribuir para a desmistificação do que

é meramente aparente no real, na construção de uma consciência coletiva crítica, com

capacidade de resgate da esperança, do sonho e da utopia. E nesse sentido pode

impulsionar os sujeitos para a construção de uma outra sociedade marcada pela

perspectiva das classes subalternas.

Portanto, é no interior do processo de acumulação de forças e da atualidade da luta

de classe, que a educação pode se colocar como elemento necessário à elaboração de

princípios essenciais a uma consciência de classe, através da ampliação da leitura de

mundo das classes subalternas. “A capacidade que uma classe fundamental tenha de

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construir sua hegemonia, decorre da sua possibilidade de elaborar sua visão de mundo

própria, autônoma” (DIAS, 1996, p.10)

Nessa direção, como afirma Brandão,

A educação popular foi e prossegue sendo a seqüência de idéias e de propostas de um estilo de educação em que tais vínculos são re-estabelecidos em diferentes momentos da história, tendo como foco de sua vocação um compromisso de ida-e-volta nas relações pedagógicas de teor político realizadas através de um trabalho cultural estendido a sujeitos das classes populares compreendidos não como beneficiários tardios de um ‘serviço’, mas como protagonista emergente de um ‘processo’. (2002, p.142).

O caráter educativo, formativo, democrático e político da escola pública, deve ser

resgatado na tentativa de se re-significar esse espaço, na busca de obter um equilíbrio

entre “o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente,

industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual” (GRAMSCI,

2001:118).

A recriação do espaço da escola pública é ponto fundamental para a construção de

um novo saber, pois como afirma Garcia, “não há espaços para (o trabalhador) pensar. E

isso por duas razões: a) pelo tempo consumido na luta pela sobrevivência; b) pela

‘programação’ ideológica.” (1984, p.94).

Nesse sentido, a reconstrução do espaço da escola pública a partir de uma nova

perspectiva é fundamental para que se aglutinem condições para a formação dos sujeitos

(crianças, jovens e adultos), num quadro de novos valores, de uma nova solidariedade, de

uma nova cultura e de novos princípios que possibilitem a construção de uma nova ordem

social e de uma nova hegemonia. Nesse caminho o trabalho é duplo, pois pressupõe a

desconstrução dos valores e princípios constitutivos da ordem capitalista e a possibilidade

de constituição de outros, destes distintos. Esse processo de desconstrução do velho e

construção do novo se dá de forma concomitante, pois o novo necessariamente se gesta a

partir da presença ativa do velho.

A história se faz na medida em que se faz o possível de hoje e se ousa possibilitar hoje o impossível de hoje. Só na medida em que eu ouso viabilizar hoje o impossível de hoje eu sou capaz de viabilizá-lo amanhã. (FREIRE, 1987 apud Vale).

Com o resgate da história e da identidade de classe, a partir de uma nova forma de

desenvolvimento da educação, é possível buscar a construção de uma nova cultura e de

uma nova racionalidade das classes subalternizadas, que se oponha à opressão do capital.

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A observação de Jará nos reforça esta sentido ao ressaltar que

Deixou-se de ver o processo de tomada de consciência como um processo prévio ao desenvolvimento de ações conscientes e organizadas. Passa-se a colocar o processo educativo como uma dimensão necessária da atividade organizativa das classes populares que lhes permite a participação consciente como sujeitos na construção da história. (JARA, 1985:05)

O diálogo entre a escola pública e educação popular só será possível na medida

em que se realize um movimento de reinvenção do espaço escolar, resignificação de sua

importância, valorização de seu papel para as classes subalternas. E para que essas

classes percebam a sua importância é preciso que a escola faça sentido na vida real, tenha

um papel de impulsionar os indivíduos, fazê-los sujeitos criadores e pensantes, construindo

o conhecimento a partir da realidade dos subalternos, da sua cultura e de suas

necessidades.

O SERVIÇO SOCIAL E A EDUCAÇÃO

No processo de repensar a escola pública destinada às classes subalternas, se faz

necessário não só repensar conteúdos, a formação dos professores, as estratégias

pedagógicas e metodológicas de ensino, o seu significado, mas é essencial que se repense

a composição desse espaço.

A escola é um dos poucos espaços marcados historicamente pela predominância

de um único profissional, o professor. Porém ao pensarmos a escola do século XXI e nas

diversas expressões da questão social que estão presentes na sociedade e que têm reflexo

nas escolas, necessário se faz à integração de outros profissionais na composição desse

espaço, a atuar no desvendamento e complexidade das formas diversas nas quais a

questão social vem se expressando nestes espaços.

Assim, a escola dos espaços populares de hoje, gerada no seio do capitalismo, se

constitui como um ponto fundamental das expressões da questão social. Nesse sentido

aparece não como um aparelho ideológico do Estado, como afirmou Althusser, mas como

um espaço de aparente vazio ideológico, que reflete o lado mais perverso da ideologia

capitalista, o do descarte de parcelas significativas da população que não estão incluídas

no sistema e que possivelmente nunca estarão.

Para os milhões de jovens de classes populares, cada vez mais a escola perde o

sentido, face a inexistência de acolhida real, seja no seu espaço imediato de transmissão

de informação, educação e formação, seja no âmbito do mercado de trabalho.

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Penso ser no âmbito da questão social que se coloca o desafio de atuação do

assistente social na educação, especificamente no espaço escolar. Neste momento em que

se tende a incorporar uma profunda desesperança, a se internalizar crise de paradigmas e

a se acatar o individualismo generalizado, permanece o desafio de recuperação de um

protagonismo real dos subalternos, numa perspectiva de formação integral. Como afirma

Nosela (1993:99), “uma educação unilateral, no sentido de um humanismo pleno e

moderno”, ou ainda como afirma Gramsci (2001, p.136), no sentido de fazer do trabalhador

“uma pessoa capaz de pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige”.

A partir da elaboração de um projeto profissional ético-político, evidencia-se o

compromisso profissional com as classes subalternas e com a construção de possibilidades

de organização coletiva e superação da condição de subalternidade, que passam

necessariamente pela educação e pelo espaço escolar.

Ao assumir o compromisso ético-político de construção de uma nova sociabilidade,

penso que o assistente social pode utilizar seus espaços de atuação profissional, na

qualidade de espaço conformador de valores e questionamentos que podem confluir na

construção de uma nova ordem, componente de uma nova hegemonia29.

Nessa perspectiva é que se pode compreender a presença de uma opção de

classe, explicativa da efetiva aproximação e compromisso com demandas inerentes das

classes subalternas. No interior desta intencionalidade se pode igualmente perceber a

presença do assistente social como formador/educador.

Essa concepção é básica para tornar possível que o Assistente Social faça uma opção teórico-prática por um projeto coletivo de sociedade e supere as ilusões de um fazer profissional que paire ‘acima’ da história. (IAMAMOTO,1994, p.37)

Esta perspectiva conforma no discurso e na prática profissional, a luta pela garantia

dos direitos das classes subalternas, visando à inclusão das maiorias excluídas e

marginalizadas na luta pela conquista de um outro tipo de cidadania.

A escola pública, em especial a presente nos espaços populares, pode se colocar

como espaço privilegiado de possibilidade de difusão de um campo contra-ideológico,

através da construção de novos valores e novas práticas junto aos sujeitos (crianças,

jovens e adultos), que dela participam. A conformação de novos sujeitos, ou no dizer de

Gramsci, formação do novo homem e da nova mulher, que impulsione uma nova ordem 29 Segundo o conceito Granmisciano, uma Nova Hegemonia é necessariamente a perspectiva de construção de uma nova

sociedade, que se oponha ao capitalismo, a exploração das classes subalternizadas e ponha fim às diferenças de classe.

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social, uma nova hegemonia, se coloca como desafio para todos os profissionais da

educação.

Como Gramsci, entendemos que a “hegemonia” passa necessariamente pela educação enquanto instância de instrumentalização e de elevação da consciência crítica da classe subalterna. (VALE, 1992, p.100)

Os assistentes sociais ao assumirem novas práticas profissionais, assumem um

papel eminentemente político, como formador/educador junto às classes trabalhadoras,

contribuindo na desconstrução do imaginário social fortemente impregnado pela ideologia

dominante, em especial na última década pela ideologia neoliberal, que acirrou o processo

de subalternização dos trabalhadores.

Outra fase da inserção profissional como formador/educador junto as classes

populares, se refere à perspectiva da educação popular, na qual se torna exigência a

construção de uma consciência de classe, numa dimensão libertadora e desalienante.

Como afirmou Paulo Freire (1992:09), a prática progressista e libertadora, deverá

sempre assumir uma dimensão desveladora, que privilegie a desocultação da verdade e do

aparente.

A escola como um “novo” campo de atuação do assistente social, no qual não se

tem exclusividade, exige além de muita esperança, sonho e coragem, qualificação teórico-

prático-técnica, pois como afirma Iamamoto (1998:20), “um dos maiores desafios que o

assistente social vive no presente é desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e

construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir

de demandas emergentes no cotidiano. Enfim, ser um profissional propositivo e não só

executivo”.(Iamamoto,1998:20)

O que vai requerer do assistente social o rompimento com uma trajetória

profissional, focalista e endógena, que limita o fazer profissional a dar respostas às

demandas imediatas e cotidianas das classes subalternas, não impulsionando uma ação

mais propositiva, como a formulação e gestão das políticas públicas, contribuindo, como

afirma Iamamoto (1998, p. 24), “para a construção de uma contra-hegemonia no bojo das

relações entre as classes”.

Page 43: Cadespecial28

BIBIOGRAFIA:

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação Popular na Escola Cidadã. Petrópolis: Ed

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______.O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. São Paulo: ed. Cortez, 1ª edição, 1998.

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VALE, Ana Maria do. Educação Popular na Escola Pública. São Paulo: Ed. Cortez, 1992.

Page 44: Cadespecial28

A EXPERIÊNCIA HISTÓRICA DO EXÉRCITO ZAPATISTA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL. Emilio Gennari30

Diante do levante armado de 1º de janeiro de 1994, não foram poucas as pessoas

que permaneceram incrédulas acreditando se tratar de um raio num céu azul. Mas o que

vinha a público como Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) já tinha 10 anos de

vida clandestina entre as comunidades indígenas do estado de Chiapas, no sudeste

mexicano.

Sua origem remota pode ser reconstruída a partir da geração que lidera os

protestos do final da década de 60 e que, em 02 de outubro de 1968, tem no massacre da

Praça das Três Cultura na cidade de Tlatelolco um momento de profunda derrota. Depois

deste acontecimento, parte da militância se integra ao sistema, outra vai gerar as condições

para criar novos partidos políticos que atuarão no âmbito institucional, outra ainda se insere

nos movimentos populares e camponeses ou vai dar origem a grupos de guerrilha urbana.

Em 17 de novembro de 1983, um grupo de 6 pessoas oriundas deste últimos

grupos chega em Chiapas com a perspectiva de aprender a viver na selva e um dia, quem

sabe, dar início a uma revolução. Vinte e um anos depois, a identidade indígena do EZLN

presente tanto em suas organizações clandestinas como em sua face legal e visível dos

Municípios Autônomos em Rebeldia e das atuais Juntas de Bom Governo, é fruto de um

longo processo de interação e educação recíproca entre o grupo rebelde e as comunidades

indígenas da região.

Para melhor entender cada elemento deste longo caminhar vamos dividir em 4

etapas o percurso trilhado pelo EZLN.

A primeira dela abrange os primeiros dez anos de trabalho clandestino entre as

comunidades. Os primeiros contatos que estabelecem entre os indígenas e o grupo

guerrilheiro têm como característica central um processo de troca. Os guerrilheiros ensinam

aos indígenas as técnicas militares que lhes permitem se defender melhor das ações dos

jagunços a serviço dos fazendeiros e os indígenas se encarregam de garantir os

suprimentos do grupo de guerrilheiros que permanece escondido na selva.

Para não serem vistos e não despertar desconfianças, as movimentações dos

integrantes do EZLN são realizadas de noite e através dos mais variados disfarces. Os

contatos com os povoados ocorrem através de pessoas nas quais é possível confiar. Serão

30 Núcleo de Educação Popular 13 de Maio.

Page 45: Cadespecial28

elas a fazer a ponte com o povoado e a proporcionar a progressiva inserção dos

guerrilheiros nas comunidades indígenas.

Este movimento dá origem a dois processos educativos que se interpenetram. De

um lado, o grupo guerrilheiro passa a conhecer melhor os ritmos do povo, conhece a

profundidade da vida coletiva que é quotidianamente levada adiante no interior das

comunidades onde a propriedade coletiva da terra, as decisões tomadas por consenso em

assembléia, a forma de praticar a justiça e de assumir as tarefas coletivas revela que o ser

indígena não é fruto de um acidente histórico, mas implica em assumir diariamente a

responsabilidade pelo outro. Diante deste quadro, tanto o processo de treinamento militar

como o de formação política a ser desenvolvido no interior das comunidades têm que

aprender a dialogar com esta identidade cultural e com as formas de resistência que foram

sendo construídas ao longo de séculos de luta pela terra.

Do outro, as comunidades indígenas começam a abrir os horizontes de sua própria

ação e, neles, começa a ganhar destaque o papel das mulheres que, de uma situação de

absoluta submissão, passam a ganhar novas responsabilidades no interior dos povoados e

das forças insurgentes que estão se formando. Através de fatos e palavras, a inserção do

EZLN nas comunidades permite avaliar os limites das formas de luta já existentes, perceber

a diferença de interesses e estratégias dos partidos e demais organizações políticas,

desvendar os mecanismos de dominação das elites, ampliar o número de pessoas com

treinamento militar, formar lideranças e aprender a tomar decisões estratégicas diante da

evolução dos acontecimentos.

É neste processo que, no início de 2002, as comunidades começam a discutir a

necessidade do levante armado. O fato determinante que vai dar origem a todo esse

processo é a aprovação, em fevereiro de 2002, da reforma ao artigo 27 da constituição

mexicana pela qual as terras das comunidades indígenas podem ser vendidas ou

entregues à iniciativa privada. E como em Chiapas estas terras escondem um subsolo rico

em petróleo e urânio e abrigam bosques com uma riquíssima biodiversidade, a notícia da

aprovação da reforma constitucional, condição para o México integrar o NAFTA, soa como

uma sentença de morte e detona um amplo processo de consulta em todas as

comunidades zapatistas. Serão os indígenas, e não o comando militar, a optar pelo levante

armado.

A segunda etapa desenvolve-se a partir de um acontecimento inesperado que vai

influenciar o futuro do EZLN. No dia 12 de janeiro de 1994, quando a dura repressão do

exército mexicano começa a tomar conta das cidades e das regiões de selva do estado de

Chiapas, a sociedade civil realiza uma manifestação na capital do país da qual participam

Page 46: Cadespecial28

centenas de milhares de pessoas que reivindicam do governo e dos zapatistas uma saída

pacífica para o conflito. Inicia aqui um longo caminho de diálogo, encontros e desencontros

dos zapatistas com a própria sociedade civil.

Por sua vez, o diálogo com o governo e com a sociedade civil impõe novas

necessidades tanto ao EZLN, como à sociedade civil. Nos vários momentos de contato e de

consulta, os zapatistas começam a desenvolver uma linguagem pela qual querem “falar ao

coração as idéias que se destinam à cabeça”. Longe dos sentimentalismo, a idéia é a de

fazer com que a luta em Chiapas possa vir a ser compreendida pelas pessoas mais

simples. Ao longo de todos os momentos de contato e de consulta, o EZLN mantém a

iniciativa política, fala, ouve, questiona, testa a disposição de luta e as forças reais com as

quais a sociedade civil se compromete a ajudar a construir uma saída pacífica para o

conflito.

Para isso, os zapatistas não vão falar a partir de uma promessa de melhoria das

condições de vida projetada para um futuro distante, mas sim das relações concretas que

se desenvolvem no interior das comunidades em resistência. É o fato que passa a dar

sustentação à palavra tornando-a compreensível até para quem mora em outros

continentes. Partindo da constatação que a política foi seqüestrada da vida das pessoas, o

EZLN pretende começar a construir com a sociedade civil uma nova forma de fazer política

a partir de baixo. Nela, o cidadão eleitor não é alijado das escolhas que vão delinear o

futuro do país logo após depositar o seu voto na urna, mas deve ser envolvido a participar

ativamente das decisões que vão determinar esse futuro.

Nesse contexto, o Subcomandante Marcos, com suas cartas, escritos e

comunicados, vai servir de janela para que o México conheça o mundo indígena e a luta

zapatista e os indígenas chiapanecos tenham melhor condições de se aproximar e se fazer

conhecer pela sociedade civil.

Grosso modo, podemos dizer que a terceira etapa desse processo educativo que

envolve o EZLN, a sociedade civil e as próprias comunidades zapatistas, inicia com a

construção dos Municípios Autônomos em Rebeldia que se dá a partir de dezembro de

1994.

Diante das necessidades impostas pela guerra e pelo diálogo com a sociedade

civil, os municípios autônomos passam a reunir comunidades zapatistas de uma

determinada região sem respeitar as demarcações territoriais oficiais. Além de recusar

qualquer tipo de ajuda que venha dos órgãos governamentais, passam a desenvolver e a

funcionar com leis próprias e a ampliar as decisões coletivas que dizem respeito à produção

da vida em sociedade. Da produção à saúde, das formas de resistência contra as

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agressões/provocações do exército e dos grupos paramilitares às rotineiras atividades de

vigilância, da educação à garantia dos suprimentos para o grupo que se mantém como

exército permanente, dos serviços de “correio” insurgente para fazer chegar nas cidades os

comunicados que saem da selva à aplicação da justiça de acordo com os usos e costumes

de cada etnia, tudo passa a ser desenvolvido, pensado e decidido no interior dos

municípios autônomos.

Além das autoridades locais, cada comunidade zapatista passa a eleger

representantes municipais que, por sua vez, escolhem delegados de área, de etnia e,

finalmente, os companheiros e companheiras que irão integrar o Comitê Clandestino

Revolucionário Indígena que é o Comando Geral do EZLN. Nenhuma destas autoridade

recebe salário, mas tão somente o valor dos gastos realizados quando da prestação de

algum serviço à comunidade, sendo que esta ajuda seus representantes trabalhando em

seus roçados toda vez que a necessidade força-os a se ausentarem do trabalho por um

tempo prolongado. O mandato dos delegados nas várias instâncias de representação pode

ser revogado a qualquer momento uma vez constatado que a pessoa eleita não cumpre as

decisões coletivamente assumidas pela comunidade.

É com esta estrutura que os zapatistas vão enfrentar as múltiplas faces da guerra

de contra-insurreição levada adiante pelo governo mexicano e buscam aprofundar seus

contatos com a sociedade civil.

Neste processo de aprimoramento e diante da necessidade um desenvolvimento

equilibrado das comunidades e municípios mais distantes e menos conhecidos pela

sociedade civil, entre julho e agosto de 2003, os zapatistas criam as Juntas de Bom

Governo através das quais vão tentar costurar uma plataforma de lutas comuns com os

demais movimentos que atuam no México.

Reunindo representantes dos municípios autônomos de uma determinada região,

os integrantes das Juntas são substituídos a cada 15 dias. Isso faz com que um número

significativo de pessoas passem pela experiência de governar de forma autônoma. Por

limitada que possa parecer, esta experiência de governo constitui um forte momento

educativo pelo qual os representantes eleitos vivenciam na prática que a responsabilidade

de governo não é algo que só pode ser assumido por especialistas, mas sim pode, e deve,

contar com o compromisso e o aprendizado de todos.

O quarto e último momento, diz respeito ao esforço que os zapatistas vêm fazendo

para construir escolas e um programa de estudos próprio nas comunidades. Passados

quase onze anos do levante de janeiro de 1994, o ensino primário começa a ser uma

realidade na maior parte das comunidades em resistência. Onde antes da guerra havia o

Page 48: Cadespecial28

total abandono por parte do Estado, os indígenas zapatistas, com o apoio da sociedade

civil, estão construindo possibilidades de vencer o analfabetismo e resgatar com as novas

gerações a experiência e a sabedoria do passado rumo a uma vida melhor para todos.

Além disso, começam a ganhar forma dois centros de educação secundária

encarregados de formar os promotores de educação que, em seguida, irão ensinar nas

comunidades. Aprende-se não para abandonar a resistência e, muito menos, a condição e

a identidade indígenas, mas sim para devolver em serviços à comunidade de origem o

esforço que esta realizou para garantir a formação escolar e o sustento dos próprios alunos.

Das poucas informações acessíveis, sabemos que o currículo incorpora o saber

acumulado ao longo de séculos de luta e resistência. O estudo do espanhol, fundamental

para que as etnias possam se comunicar entre si e com o mundo externo, e da língua local

passam pelo resgate histórico tanto da vida dos antigos povos maia, do processo de

colonização e exploração dos povos indígenas, da revolução mexicana, dos movimentos

que se desenvolveram ao longo das últimas décadas e do sistema político mexicano, como

pelos acontecimentos que levaram ao levante zapatista de 1994 e que acompanharam as

comunidades até os dias atuais.

Nos povoados zapatistas onde os adolescentes participam de tudo a partir dos 12

anos de idade, o resgate da história com as novas gerações não tem a mera preocupação

de recuperar um passado desconhecido, mas de prepará-las cada vez mais para enfrentar

o presente e o futuro da luta em Chiapas.

Em meio à guerra silenciosa que permeia e procura minar as conquistas zapatistas,

o EZLN continua se preparando para percorrer e dar vida ao longo e árduo caminho que vai

da dor à esperança.

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EDUCAÇÃO POPULAR, ALGUMAS EXPERIÊNCIAS ATUAIS: NÚCLEO DE EDUCAÇÃO POPULAR 13 DE MAIO.

Emilio Gennari*31

O 13 de Maio tem esse nome não em homenagem à lei Áurea, mas sim para

registrar que sua criação iniciou exatamente no dia 13 de maio de 1982, quando um grupo

de militantes que integrava outro grupo de educação popular é demitido por defender a

necessidade de criar a Central Única dos Trabalhadores sem que para isso fosse

necessário esperar a adesão dos setores mais conservadores do movimento sindical.

Desde o início a entidade não se constitui como uma “escola de paredes”, ou seja

como um centro, uma estrutura física, mas sim como um grupo de formadores e

formadoras que vão até onde os grupos se encontram. Nos primeiros anos, as equipes do

núcleo vão se dedicar à organização de oposições sindicais, ao trabalho de base

propriamente dito e, neste envolvimento, dedicam-se à preparação e à realização de cursos

e demais atividades de formação.

Nascido no meio urbano e no intenso debate sindical que permeia a criação da

CUT, o 13 de Maio, ainda hoje, realiza cerca de 65% dos cursos que oferece junto ao

movimento sindical, sendo que outra grande prioridade do Núcleo, a partir do final da

década de 80, passa a ser a construção de um programa de formação de monitores. Após

dois anos de estudo e atividades coletivas, cada integrante está apto a monitorar quatro

cursos do programa e tem bagagem suficiente para começar a desenvolver atividades que

melhor se adaptem às características de sua região. Neste sentido, a preocupação do 13

de maio não é de manter vínculos orgânicos permanentes ou de dirigir as pessoas para

este ou aquele grupo de atuação política/partidária, mas, nos vários níveis de atividade que

são desenvolvidas, busca-se constantemente fornecer às pessoas instrumentos de análise

que permitam entender o presente e atuar como sujeitos da mudança.

Para ajudar a expor a lógica do nosso programa de formação, vou fazer um rápido

contraponto entre duas situações nas quais se desenvolve a preocupação com a educação

popular para as classes trabalhadoras.

Se dirigimos o nosso olhar ao final da década de 70, início da de 80, percebemos

que a maior parte das lideranças do movimento operário sindical estão inseridas no local de

trabalho e tende a haver um envolvimento direto dos trabalhadores e das trabalhadoras na

hora de pensar e planejar os caminhos da luta no interior das empresas. Os militantes e

ativistas, portanto, atuam diariamente na construção de uma identidade que, a partir da

31 Núcleo de Educação Popular 13 de Maio.

Page 50: Cadespecial28

defesa intransigente dos direitos da classe, procura colocar em movimento o trabalhador

coletivo.

Para enfrentar esse desafio, além dos cuidados necessários para escapar da

repressão patronal e do próprio Estado, as lideranças presentes no local de trabalho têm a

necessidade imperiosa de entender os acontecimentos e projetar sua possível evolução,

pois desta compreensão vai depender sua capacidade de descobrir e ajudar os demais

colegas e visualizar os interesses de classe que neles se escondem e a inserir o momento

da luta no longo caminhar da classe rumo a uma sociedade da qual seja banida toda forma

de exploração.

Neste contexto, a própria formação profissional é entendida como um dos

caminhos para inserir militantes e ativistas naquelas empresas onde ainda não há

organizações de base e que seriam de grande importância para ampliar o alcance dos

enfrentamentos dentro e fora dos próprios locais de trabalho.

Fala-se pouco em formação, mas, por si só, este processo exige da militância uma

disciplina de leitura, de estudo, de aprofundamento como ferramenta indispensável para

entender e transformar o quotidiano. Ou seja, o processo de formação ocorre numa intensa

dinâmica prático-teórica capaz de dar sustentação ao trabalho de organização de base.

Quase 25 anos depois, a situação é bem diferente. A maior parte das novas e

antigas direções está no âmbito institucional ou ocupando cargos e desempenhando

funções que a afastam da quotidiana inserção e vivência da identidade coletiva que se

desenvolve nos locais de trabalho. Via de regra, a lógica da ação sindical não busca a

organização, mas sim a agitação rumo ao fortalecimento do próprio poder de representação

das direções.

O trabalhador coletivo deixa de ser sujeito e passa a ser objeto da ação. Quando

não é colocado na espera paciente de uma resposta as suas demandas, é chamado a

referendar o que, na prática, já foi decidido no âmbito da direção sindical.

Aos poucos, as relações que se desenvolvem neste processo tendem a emperrar o

caminho da luta, a institucionalizar e padronizar as ações da classe, tornando-as bem mais

vulneráveis e, sobretudo, a fortalecer a burocratização dos dirigentes que passam a ver seu

possível retorno ao local de trabalho como um castigo do qual é preciso fugir.

A formação teórica, quando acontece, costuma privilegiar os dirigentes. Para a

“base”, a máquina sindical oferece um confuso “tudo é formação” no qual, por trás da

suposta multiplicação das oportunidades de fazer avançar a consciência dos trabalhadores

e trabalhadoras, esconde-se a percepção clara de que a entrega dos instrumentos de

análise aos que “simpatizam” com a luta sindical é vista como um perigo para a própria

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manutenção do cargo atualmente exercido. Uma base minimamente esclarecida costuma

querer intervir nas assembléias, criticar, questionar e pôr o dedo em algumas feridas cujo

dor pode desmascarar os verdadeiros objetivos e projetos dos que ocupam cargos de

direção.

Longe de ser vista como um problema, a ausência de militantes e quadros em

condições de se disputar as eleições sindicais é apontada como um fato consumado que

acaba candidatando novamente ao cargo os antigos dirigentes.

Nesse contexto, a formação profissional é vista como caminho para ter acesso a

verbas governamentais e de instituições privadas que trabalham neste sentido, ou como

forma para trazer gente pra dentro da máquina sindical cujos espaços andam vazios de

trabalhadores.

Pouco a pouco, a somatória destes fatores faz com que sejam as expressões mais

ou menos articuladas do senso comum a tomar conta dos discursos, dos relatos de

experiências e a se tornarem critério de análise da realidade. Pouco a pouco, as próprias

direções sindicais passam a usar os conceitos de produtividade, lucratividade e

competitividade para analisar sua postura e os enfrentamentos com as empresas e seu

discurso já não é tão diferente dos que são veiculados pelos departamentos de Recursos

Humanos. Desta forma, além de levar à perda de conquistas e seguidas derrotas dos

poucos movimentos que ainda ocupam a cena social, o projeto da classe se confunde cada

vez mais com o das elites.

Contrariamente ao que acontecia no passado, agora fala-se muito em formação, os

debates sobre as linhas pedagógicas se multiplicam, mas a falta de inserção e de

orientação classista, faz com que bem pouco disso tudo chegue ao trabalhador coletivo que

rala na empresa para, ao menos, fortalecer seu sentimento de dignidade e rebeldia e o

colocá-lo em movimento.

Neste contexto, o 13 de Maio continua se dispondo a ir onde o grupo está. Isso não

só permite reduzir as possibilidades de “turismo sindical” dos dirigentes, como aumenta

substancialmente as chances de que entre os participantes haja um número maior de

trabalhadores e trabalhadoras da base aos quais seria impossível participar das atividades

planejadas se as mesmas viessem a exigir um prolongado afastamento de seus lares. Por

sua vez, o programa de formação de formadores busca ir ainda mais ao encontro desta

preocupação na medida em que, com os monitores morando no local, aumentam as

chances de adaptação às necessidades objetivas da região.

Temos plena consciência de que a educação popular não faz milagres, mas

sabemos que os melhores resultados das atividades de formação são obtidos quando os

Page 52: Cadespecial28

participantes não vêm apenas com a preocupação de “aprender mais” (como se estivessem

participando de um curso qualquer), mas estão aí porque, de alguma forma, já

experimentaram um sentimento de revolta diante da realidade. Ou seja, a alienação já

começou a ser questionada pelas perguntas que o quotidiano de exploração e resistência já

se encarregou de colocar na cabeça das pessoas. Não se trata de um pensamento

elaborado e coerente, mas de expressões que indicam a busca de resposta a perguntas

que incomodam a leitura da realidade herdada da família ou do grupo social com o qual o

trabalhador ou trabalhadora se relaciona (“Eu sempre achei que...mas vejo que isso não

está certo. Não sei bem o porquê... mas sei que não pode ser assim”).

É a este público que vem experimentando um sentimento de revolta, ainda confuso

e incoerente, que se dirigem os cursos do nosso programa. Neles desenvolvemos noções

básicas de economia política (produção do valor, mais-valia, exploração, acumulação, crise,

estado, ideologia etc.), trabalhamos os primeiros passos da questão de gênero, etnia e dos

instrumentos que permitem começar a se expressar em público, a não deixar de dizer a

própria palavra. Além disso, temos um curso para ensinar as dicas que permitem começar

a analisar a conjuntura, a planejar a ação sindical e os processos de negociação bem como

a organizar os trabalhadores em seus locais de trabalho. A estas atividades, deve-se

acrescentar o estudo das lutas da classe, tanto através de algumas das revoluções já

realizadas, como da história do movimento operário sindical no Brasil.

O primeiro passo de cada curso, independentemente do seu grau de complexidade

e duração, é o de resgatar a interpretação do quotidiano pelas palavras dos próprios

participantes. Este é o momento em que o senso comum é mapeado e incorporado para,

com o desenrolar das atividades, ser criticado pela visualização dos limites de sua

compreensão da realidade. Isso é possível na medida em que o desenvolvimento das

dinâmicas de cada roteiro oferece os elementos teóricos que permitem começar a

questioná-lo e superá-lo. Esta etapa não poderia ser realizada pelo simples resgate da

visão de mundo de cada participante na medida em que até mesmo os elementos de

resistência individual e coletiva diante da realidade estão submersos num mar onde o

conformismo e as regras sociais que justificam e permitem a manutenção da ordem ainda

revelam um grau de incorporação e coerência bem mais sólido e consistente do que as

expressões de rebeldia e de revolta dos próprios participantes.

O questionamento e a superação do senso comum só ensaiam os primeiros passos

quando as pessoas começam a se apropriar de critérios de análise que colocam o

quotidiano sob uma nova luz, aprofundam a compreensão das relações históricas e dos

interesses de classe que permeiam os acontecimentos. Ou seja, novas e mais amplas

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perguntas acabam ocupando o lugar das que haviam sido suscitadas pelo sentimento de

revolta e às quais já foram dadas respostas mais consistentes.

Para que isso seja possível, a dinâmica de cada curso visa levar os participantes a

vivenciarem os conceitos que permitem questionar os limites do senso comum e a sentir-se

sujeitos da mudança a ser construída. Ou seja, tanto a recuperação dos elementos da

análise marxista, como das experiências e histórias de luta da classe, tornam-se, pouco a

pouco, as ferramentas básicas com as quais os participantes dos cursos podem começar a

ampliar os horizontes a partir dos quais pensam o dia-a-dia da mudança e a serem sujeitos

da mesma. Na pior das hipóteses, este processo permite que o mundo do trabalhador,

fechado no estreito quadrilátero formado por “família – trabalho – lazer – religião”, comece a

ver questionados os limites do próprio horizonte. Perceber que o mundo só é o que é

porque permanecemos como espectadores ou porque agimos numa determinada direção é

um passo essencial para quem se dispõe a lutar para colocar o seu humano e não o lucro

no centro das preocupações da vida em sociedade.

Em si, o programa de formação do 13 de Maio não substitui o processo prático

teórico anterior que levava a uma formação consistente das lideranças, mas, diante da

realidade do movimento, procura fornecer e ensinar a usar algumas ferramentas para que

esse possa continuar acontecendo.

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SERVIÇO SOCIAL E EDUCAÇÃO POPULAR: DIMENSÕES DE POSSÍVEIS

DIÁLOGOS32

Francine Helfreich Coutinho dos Santos33

A inserção do Serviço Social nas escolas públicas ainda é um grande desafio para

a categoria profissional. Hoje percebemos que a questão social rompe os muros das

escolas e invade as salas de aula, manifestando-se sob as mais diferentes roupagens, o

que nos leva a julgar ser relevante compreender como a educação, na qualidade de política

social, e a questão social dialogam enquanto partes constitutivas na discussão da inserção

de Assistentes Sociais nas Escolas Públicas.

Para dar conta desta reflexão trago a perspectiva teórica da Educação Popular -

muito difundida na década de 60, e que ao nosso ver, pode ser pertinente e relevante

enquanto desvelamento da realidade - para iluminar estes apontamentos.

A intenção de estudar a importância da escola no cotidiano das famílias das

classes populares, no caso o Complexo da Maré, decorre do processo de inserção em

campos diferenciados de atuação vivenciados em períodos distintos de minha trajetória

profissional: o CEASM - Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré, mais

precisamente, o Programa de Criança Petrobrás e posteriormente, o Centro Municipal de

Assistência Social Integrado Anilva Dutra Mendes/ Secretaria Municipal de Assistência

Social, ambas instituições situadas no bairro Maré em que, apesar das diferenças

ideológicas, políticas e filosóficas, os eixos educação e família estão cotidianamente

presentes na prática profissional.

Iluminadas pelas reflexões de Antônio Gramsci e Paulo Freire sobre a Educação

Popular e a experiência profissional vivenciada, surgem uma série de inquietações sobre a

importância dada à educação pelas famílias das classes populares, mais precisamente das

famílias residentes em espaços urbanos, no caso, do Complexo da Maré.

O Complexo da Maré, considerado um dos maiores e mais populosos espaços

populares do Rio de Janeiro, dispõe-se geograficamente entre a Avenida Brasil e a Linha

Vermelha, à margem da Baía de Guanabara. Durante muitos anos, na Maré, existiram

palafitas, propiciando um contrastante considerável com o entorno, pelo fato de estar

razoavelmente próximo ao Aeroporto Internacional do Galeão e a Universidade Federal do

32 Texto apresentado a Banca Examinadora para a qualificação de projetos de dissertação da Pós Graduação Escola de

Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro para do titulo de Mestre. 33 Assistente Social da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, especialista em Gênero e Saúde/ UFF e mestranda em

Serviço Social/UFRJ

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Rio de Janeiro. Considerada como um espaço globalmente miserável, violento e destituído

de condições dignas de vida, a Maré é considerada como uma localidade proletarizada,

com o predomínio das populações nordestina e negra em condições sócio-profissionais

subordinadas e com baixa escolaridade.

Constituinte da XXXª Região Administrativa, a Maré reúne cerca de cento e trinta e

dois mil habitantes, com uma média de 3.4 habitantes por domicílio34. Média esta que se

aproxima bastante daquelas obtidas para o espaço nacional, regional e municipal. Mas, na

comparação das taxas de densidade demográfica, verifica-se que o complexo possui cerca

de 21.400 hab./km², enquanto o município do Rio de Janeiro apresenta uma média de 328

hab/km².

O bairro é marcado por um processo excessivo de ocupação e pela rapidez das

construções verticais, em sua maioria destituídas de embolso ou qualquer tipo de

acabamento, com grande circulação de pessoas e transportes e paisagem destacada pela

ausência de árvores, e o rareamento de espaços vazios.

A população distribui-se por cerca de 44.000 (quarenta e quatro mil) domicílios e 16

(dezesseis) comunidades: Marcílio Dias, Praia de Ramos, Roquete Pinto, Parque União,

Rubens Vaz, Nova Holanda, Parque Maré, Nova Maré, Baixa do Sapateiro, Morro do

Timbau, Bento Ribeiro Dantas, Conjunto Pinheiros, Vila dos Pinheiros, Novo Pinheiros, Vila

do João e Conjunto Esperança, sendo que no interior de algumas destas comunidades

foram constituídas outros espaços, com a chegada de novos moradores e construções de

casas, como é o caso de Marcílio Dias, que hoje é subdividido em Kelson e Mandacaru.

No que concerne à infra-estrutura educacional, estão instaladas na Maré 15

escolas públicas, sendo 07 (sete) CIEP’s, 07 (sete) creches comunitárias, além de várias

escolas privadas de pequeno porte, voltadas para a Educação Infantil e para o Ensino

Fundamental. O Ensino Médio, cuja demanda cresce de forma explosiva, é contemplado

com a oferta de dois colégios para toda a região – incluindo os bairros próximos à Maré.

Segundo o Censo Maré, o percentual de moradores locais analfabetos, maiores de

14 anos, chega a quase 10%. O percentual está um pouco abaixo da média brasileira

(13,3%), mas é muito superior ao do município do Rio do Janeiro para o ano de 1999

(3,4%). Quanto aos rendimentos, menos de 1/3 dos seus trabalhadores afirma receber mais

de dois salários mínimos (SM) por mês e, no que concerne ao trabalho infantil, 2% das

crianças de 10 a 14 anos, residentes na Maré, exercem alguma atividade de trabalho –

para um índice de 0,6% para o município do Rio de Janeiro.

34 Todos os dados utilizados sobre a Maré foram elaborados a partir do Censo Maré 2000, realizado pelo CEASM e

financiado pelo BNDES.

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No contexto descrito anteriormente, a partir da iniciativa de um grupo de moradores

que cresceu e/ou morou durante muitos anos em alguma comunidade da Maré, surgiu o

Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré – CEASM. O desejo maior dessas pessoas,

que em sua maioria conseguiu atingir uma formação universitária, é a produção de uma

intervenção integrada e de longo prazo no espaço local. Hoje o CEASM, com 8 anos de

existência, atua nas mais diversas áreas (educação, saúde, geração de trabalho e renda,

cultura...), tornando-se uma referência para moradores do bairro.

É neste espaço institucional, que surgem minhas primeiras indagações sobre as

relações estabelecidas entre a escola e a família. A experiência de Assistente Social na

escola publica advém da inserção como assistente social do Programa de Criança

Petrobrás. Este abarca o conjunto de 8 escolas públicas, contribuindo na garantia da

permanência das crianças nas escolas, através de oficinas de diversas linguagens

artísticas. O trabalho do assistente social neste projeto é justamente acompanhar as

crianças envolvidas e realizar o “Grupo de Pais”, que busca prioritariamente aproximar as

famílias do universo escolar, bem como ampliar o universo cultural, político e educacional

das mesmas.

Posteriormente, ao ser aprovada no Concurso Público para assistentes sociais da

Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, optei por ser lotada em equipamento da Secretaria

de Assistência Social situado no Complexo da Maré, em função do meu engajamento na

comunidade que transcende as relações profissionais, por acreditar na possibilidade

daquelas pessoas superarem as condições adversas a que estão submetidas.

Apesar de todas as adversidades colocadas para a realização de trabalho social

nas favelas - sejam elas oriundas da convivência com o tráfico de drogas, da deteriorização

das políticas sociais, da falta de expectativa dos moradores -, o que motiva a permanência

neste tipo de inserção é acreditar que as favelas, conforme aponta Jailson de Sousa e

SILVA35

são antes de tudo uma demonstração da capacidade e tenacidade dos setores populares. Competências que reconhecidas, permitem a ruptura com o tradicional discurso da ausência que norteia os conceitos de representações firmadas em relação à favela. Discurso que sustenta tanto o olhar conservador criminalizante em relação aos espaços populares com a postura paternalista assumida por setores progressistas. Setores que, embora tenham uma perspectiva solidária com grupos sociais populares, terminam por apresentá-los como vítimas passivas de um sistema monolítico, que não teriam condições de compreender e enfrentar. (2003:24)

35 Jailson de Souza e Silva autor da Obra “ Por que uns e não outros: caminhada de jovens pobres para universidade” é

um dos diretores do CEAM. Faz parte da pequena parcela de moradores que chegaram à universidade e que estudou minuciosamente as razões que levam pessoas com características comuns, em particular as de origem popular a construírem muitas vezes trajetórias sociais distintas.

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Neste sentido, depois de dois anos de Programa de Criança Petrobrás, percebeu-

se a necessidade de se realizar um trabalho mais intensivo com os pais e responsáveis das

crianças e adolescentes participantes, pois se constatou que é preciso envolvê-los nesse

processo, na certeza de que é fundamental que os pais e responsáveis percebam a

importância de manter seus filhos na escola e também que entendam que as oficinas

oferecidas pelo Programa contribuem para o desenvolvimento sócio-pedagógico e para o

desenvolvimento da criatividade e das potencialidades de seus filhos.

O projeto “Grupo de Pais” teve início em 2001, no CIEP Gustavo Capanema,

expandindo para o CIEP Hélio Smidt ainda em 2001, e para os CIEP’s Elis Regina e

Samora Machel em 2002. A grande motivação para esse trabalho foi a de perceber que

para atingir a criança de forma integral, era necessário trabalhar com a sua família. Não

basta tornar a escola mais interessante para a criança, é necessário que seus responsáveis

percebam a importância de sua permanência na escola e contribuam para que isso

aconteça.

O projeto tem também o objetivo de contribuir para a fixação das crianças na escola

por meio de uma maior organização e participação dos pais e responsáveis na vida escolar

das crianças, assim como incentivar sua organização e envolvimento na comunidade.

Através de reuniões quinzenais com os pais e responsáveis, busca-se construir novos e

melhores vínculos com o espaço escolar e com a própria comunidade, desenvolvendo o

sentido de grupo, as potencialidades do trabalho coletivo e a participação ativa na escola e

na comunidade.

Nessa proposição, a família e as instituições comunitárias são pensadas como

parte constitutiva do processo pedagógico, elementos fundamentais para garantir o melhor

desempenho do aluno. A participação dos pais e responsáveis se dá a partir da motivação

de intervir mais na vida escolar, e, portanto, na organização e melhoria da escola pública,

visando atender às demandas e direitos das crianças, para que se possa buscar de forma

coletiva a alteração desses dados.

Focalizando a discussão no âmbito do Serviço Social, os assistentes sociais

trabalham com as mais diferentes expressões da “questão social”, e o agravamento destas

questões – em especial, o crescimento massivo do desemprego e os níveis alarmantes de

pobreza e desigualdade - impõe ao Serviço Social um leque variado de possibilidades de

intervenção.

Conforme Marilda Vilela Iamamotto, a questão social diz respeito ao conjunto das

expressões das desigualdades sociais engendradas na sociedade capitalista madura. Isto

tem a ver com a emergência da classe operária e seu ingresso no cenário político, por meio

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das lutas desencadeadas em prol de direitos relativos ao trabalhador que exigiam seu

reconhecimento enquanto classe. Portanto, trata-se de compreender que,

Hoje se renova a velha questão social, inscrita na própria natureza das relações capitalistas, sobre outras roupagens e novas condições sócio-históricas de sua produção na sociedade contemporânea complexificada em suas contradições. Alteram–se as bases históricas que mediatizam sua produção e reprodução na periferia dos centro mundiais, em um contexto de globalização da produção e dos mercados, de política, cultura, sob a égide do capital financeiro. A miséria adquire uma dimensão planetária, não acompanhada da mesma proporção da mundialização das lutas sociais articuladas do modo orgânico. (IAMAMOTO,2000:55)

Assim, é nesta contradição da sociedade capitalista, marcada pela tensão entre

produção de desigualdade e produção de resistência, que se encontram as mais diversas

áreas de atuação do Serviço Social. A educação é mais um locus de reflexão e proposição

para a categoria profissional neste contexto. Apesar da política educacional prever a

educação enquanto direito de todos e dever do Estado e da família, percebe-se que na

Maré isto não acontece em sua plenitude; basta andar pelas ruas e comprovar o

quantitativo de crianças fora da escola.

Problemas como indisciplina, atitudes e comportamentos agressivos e violentos,

violência doméstica, dificuldade de acesso a direitos sociais, são questões presentes na

realidade em que educandos e suas famílias estão inseridos. A escola, nas ultimas

décadas, têm assumido um papel significativo na vida das classes trabalhadoras, sendo

cada vez mais desafiada a articular o conhecimento com a realidade social, buscando

assim, instrumentalizar o sujeito para compreender e intervir nas questões que se

apresentam no seu cotidiano.

Além de intervir nas diversas expressões da questão social no interior da escola,

um dos maiores desafios para o Serviço Social Escolar é fixar as crianças na escola. Para

isto, é premente e necessária a construção de um espaço escolar mais agradável e que

ofereça maiores perspectivas à vida adulta.

Acreditamos que o Serviço Social tem um papel de extrema relevância quanto às

possibilidades de transformação do espaço escolar, uma vez que o profissional possui

competências capazes de contribuir na reflexão e elaboração de práticas mais

democráticas e organizativas, no sentido de instrumentalizar a população usuária a exigir a

garantia de seus direitos.

Para realizar essa pesquisa, optei por alguns eixos temáticos norteadores e, com

base neles, buscarei abranger a realidade enfocada. São estes: Educação, Educação

Popular, Serviço Social e Família.

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Educação e Escola: o pensamento político de Gramsci

Pensar em educação hoje, nos leva a refletir a funcionalidade da escola, ou seja,

compreender qual o papel desta instituição no seio da sociedade. Podemos compreendê-la

a partir de leituras completamente diferentes e até utópicas. Podemos pensar na educação

como redentora, no sentido de que somente através dela seria possível execrar a

marginalidade social e transformar a realidade posta; é esta visão que Paulo Freire chama

de “otimismo ingênuo”. Ou ainda, utilizar o “pessimismo acrítico e mecanicista”, segundo o

qual, a educação como parte da superestrutura, só teria capacidade de promover

mudanças significativas após as transformações estruturais.

Independente da forma escolhida é inegável a importância da educação na

construção de uma determinada hegemonia, esta entendida como direção política e cultural

de uma classe sobre a outra. Antônio GRAMSCI (2001), nos Cadernos do Cárcere,

tratando da hegemonia, afirma:

A sociedade civil e a sociedade política ou Estado, corresponde respectivamente à função de ‘hegemonia’ que o grupo dominante exerce em toda sociedade e àquela de domínio direto ou comando, que se expressa no Estado e no governo ‘jurídico’. Estas funções são organizativas e conectivas. Os intelectuais são os propostos do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político, isto é: 1) do consenso” espontâneo “dado pelas grandes massas da população à orientação impressa pelo grupo fundamental dominante à vida social, consenso que nasce historicamente do prestigio (e, portanto da confiança) obtida pelo grupo dominante por causa da sua posição e de sua função no mundo da produção; 2) do aparelho de correção estatal que assegura ‘legalmente’a disciplina dos grupos que não consentem, nem ativa nem passivamente, mas que é constituído por toda a sociedade na previsão de momentos de crise de comando e na direção, nos quais desaparece o consenso espontâneo. (2001:21)

A escola, assim como outras organizações da sociedade civil, auxilia na

consolidação da hegemonia, que neste espaço vai operar no plano da ideologia e da

cultura, o que nos permite dizer que a escola pode formar intelectuais de vários níveis,

tendo em vista que a mesma não é neutra politicamente. Para Nicolas DAVIES (2001), as

escolas não foram criadas para desenvolverem as potencialidades humanas. Ao contrário,

numa sociedade de classes, capitalista como a brasileira, ela existe essencialmente - mas

não apenas - para atender às várias necessidades econômicas, políticas e ideológicas das

classes dominantes. (2001:21)

Embora possamos remetê-la no sentido de contribuir na construção de uma nova

hegemonia, o que temos hoje é uma educação de massas, ou seja, uma educação que

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ajuda a conformar os indivíduos para um fazer, um sentir e um agir que mantenha as

relações sociais vigentes.

No plano das instituições, a escola vai conformando a hegemonia vigente, na

medida em que são perceptíveis posturas individualizadas em detrimento á construção de

campos coletivos, a ausência de solidariedade nas ações, a sobreposição do ter em

relação ao ser, o misticismo e, principalmente na disseminação da cultura do consumo, que

como Maria Aparecida CASSAB sinaliza, é hoje um elemento organizador central de

referências de identidade no super texto da cultura (1998:203)

Neste sentido, a autora afirma que:

O papel que joga o desejo no consumo, hoje extrapola os limites do individual. Todos os sujeitos, consumidores reais ou potenciais, indistintamente, estão cada vez mais “educados” para realizarem seus desejos através do consumo de bens e experiências, que se apresentam indispensáveis para eles. (1998:203)

Na contra corrente, Gramsci, compreendendo a importância da educação escolar

na organização da cultura das sociedades modernas, entendia a escola como um

instrumento de transformação, de formação de intelectuais. Defendia a existência de uma

escola unitária e criadora, que possibilitasse ao individuo se tornar autônomo, capaz de

pensar, de estudar, de dirigir ou de controlar quem dirige. Pensava em uma escola que

pudesse unir teoria e prática, ou seja, articular um programa que possibilitasse as pessoas

compreender e intervir no mundo.36

Maria Lucia Wanderley NEVES (2001) ressalta que:

A concepção gramsciana da escola unitária pressupõe, em nível teórico, um novo nexo entre teoria e prática que sintetize, numa só dimensão, o pensar e o agir, e em nível prático, a apropriação coletiva do saber construído coletivamente pela humanidade, para a construção também coletiva do novo mundo. (2001:02).

Segundo as palavras do próprio Gramsci, o advento da escola unitária significa o

início de novas relações entre trabalho intelectual e trabalho industrial não apenas na

escola, mas em toda a vida social. (NEVES apud Gramsci 2000. vl 2 pág.40)

Assim, a escola proposta por Gramsci para o ensino infantil, fundamental e médio é

uma escola unitária, de cultura geral, voltada para a compreensão atual do mundo da

produção tecnológica, pautada no ensino moderno como principio pedagógico - a escola da

liberdade de expressão, de criação e satisfação - diferente de uma escola de cultura

arcaica, consoante com o velho humanismo pré-industrial. Gramsci dizia que a Escola é, ao 36 Gramsci ratifica Marx quando ele em Teses de Feurbach, mostra a importância da transformação em detrimento

da interpretação do mundo se contrapondo aos filósofos e os materialistas históricos.

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mesmo tempo, reino da necessidade (trabalho muscular nervoso e disciplina) e reino da

liberdade. Desta forma, definia a noção de escola unitária, pressupondo o desenvolvimento

da sociedade civil, conferindo à escola uma dimensão estratégica na disputa pela

hegemonia, no âmbito do “Estado ampliado”.

Diferente de Althusser, que via a escola como aparelho ideológico do Estado, ou

seja, reprodutora do sistema capitalista, Gramsci pensava que:

A escola deveria preparar todo cidadão para poder tornar-se ”governante” e que a sociedade o ponha, ainda que “abstratamente”, nas condições gerais de poder fazê-lo. Mas o tipo de escola que se desenvolve como escola para o povo não tende mais nem sequer a conservar a ilusão, já que ela cada vez mais se organiza de modo a restringir a base da camada governante tecnicamente preparada, num ambiente social político que restringe ainda mais a “iniciativa privada”, no sentido de dar esta capacidade e preparação técnica-política, de modo que, na realidade, retorna-se às divisões em “ordens” juridicamente fixadas e cristalizadas em vez de se superar as divisões em grupos: a multiplicação das escolas profissionais, cada vez mais especializadas desde o início do currículo escolar, é uma das mais evidentes manifestações desta tendência. (2001: vol 02:50)

Isto posto, cabe refletir se esta escola proposta por Gramsci apresenta elementos

de presença e alguma visibilidade na sociedade capitalista. NEVES nos ajuda a responder

esta indagação, apontando que, sob a ótica do capital,

...Os sistemas educacionais respondem as necessidades de reprodução das relações de produção. Ou seja, o capital requer da escola a formação técnica da força de trabalho, com vistas a aumentar a produtividade do trabalho no atual estágio do desenvolvimento capitalista. Requer ainda a difusão e a generalização de valores empresarias. O que significa na atual conjuntura, educar a classe trabalhadora para aceitar como natural à perda crescente da soberania nacional, a desindustrialização, o crescimento do desemprego, a flexibilização das relações de trabalho, a instabilidade social profissional, o agravamento dos processos de exclusão, a privatização das políticas sociais, a perda dos direitos historicamente conquistados, a recorrência a competição, ao individualismo e a passividade política, como estratégias de sobrevivência social. (2003:03)

NEVES ressalta ainda que a função social da escola hoje seria a massificação na

formação do intelectual urbano, ou seja, a formação de um indivíduo que tem

conhecimentos específicos sobre seu trabalho e poucas ligações com conhecimentos

gerais. Para além dos conhecimentos gerais, valores humanistas e o próprio respeito a

vida, são fundamentais no processo de emancipação humana, os valores do “homem

novo”37, condição para a transformação do homem- mercadoria- alienado em sujeito de

sua própria história.

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Michel LOWY, parafraseando Ernesto Che Guevara, afirma que

O homem comunista deve ser necessariamente, um homem mais rico interiormente e mais responsável, ligado a outros homens por um vinculo de solidariedade real, de fraternidade universal concreta, um homem que se reconhece na sua obra e que uma vez quebradas as correntes da alienação, atingirá a consciência pela de seu ser social,a sua total realização como criatura humana. (2003:44)

Com base nestes apontamentos, cabe-nos refletir se a escola voltada para as

classes populares consegue, ao menos, formar este intelectual urbano.38 Além de não

adquirir capacidade técnica operativa, condições mínimas para o letramento e para o

desenvolvimento de operações matemáticas, grande parcela das crianças oriundas das

escolas situadas em espaços populares, não consegue vislumbrar, em curto prazo, a sua

própria permanência no espaço escolar, ficando fadadas ao fracasso, sendo fortes

candidatas a se incluírem no que Eimar Pinheiro do NASCIMENTO (1994) denomina como

Excluídos Desnecessários.

Esta categoria utilizada por Nascimento, supõe que, se anteriormente era

necessária a manutenção de um exército industrial de reserva, agora, para além deste

grupo, há um outro, que não possui os requisitos necessários para ingressar no mercado

de trabalho, o que o autor classifica como a passagem “dos excluídos necessários aos

excluídos desnecessários”. (1994:24) Sem meios de subsistência, este grupo tem que criá-

los, sendo estes às vezes ilícitos. Portanto, a situação inovadora para esta modalidade de

apartamento da vida produtiva, de acordo com NASCIMENTO, é que:

Os indivíduos tornam-se, em primeiro lugar, desnecessários economicamente. Perdem qualquer função produtiva e passam a se constituir em um peso econômico para a sociedade... e para o governo... Em segundo lugar, com estas mudanças sociais ocorrem transformações nas representações sociais a respeito destes indivíduos... Aos poucos passam a ser percebidos como indivíduos socialmente ameaçantes e, por isso mesmo, passíveis de serem eliminados. (1994; 36).

Um outro elemento a ser considerado é a deteriorização do ensino público, como

conseqüência da voracidade do sistema capitalista, via desmonte das políticas públicas,

que vai ter como marcas profundas a falta de condições materiais, de professores e

38 O intelectual urbano seria aquele que possui conhecimentos específicos sobre seu trabalho,

porém poucas ligações com conhecimentos mais gerais. Segundo as palavras de Gramsci: “Os intelectuais do tipo urbano crescem junto a indústria e são ligados a sua vicissitudes. A sua função pode ser comparada á dos oficias subalternos no exército: não possuem nenhuma iniciativa autônoma na elaboração dos planos de construção; colocam em relação, articulando-a amassa instrumental do empresário, elaboram a execução imediata do plano da produção estabelecido pelo estado maior da indústria, controlando sua fase executivas elementares.”( Gramsci:2001, vol 2 pág.22)

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conteúdos que, desvinculados do presente e da realidade, contribuem para a não

permanência do aluno em sala de aula. Cada vez mais as escolas tornam-se menos

atrativas e prazerosas.

De acordo com levantamento realizado pela Oxfam apud Cleusa SANTOS (2003)

em 1999, o Brasil ficou em 48o lugar dentre 104 países no quesito de ensino fundamental.

Este é o reflexo da educação publica que temos hoje. No Complexo da Maré39, lócus

privilegiado desta analise, de cada 10 turmas de 4ª série, apenas uma chega até á 8ª série.

Isto nos leva a perguntar, para onde vão estes jovens? Quais motivos os levam a não

permanecer nas escolas? O que as famílias pensam sobre a escola?

Escola pública: Um novo campo de intervenção do Serviço Social

Diante das contradições da sociedade capitalista, marcada pela tensão entre

produção de desigualdade e produção de resistência, se situam as mais diversas áreas de

atuação do Serviço Social, entre elas a educação - política social que se configura como

campo de intervenção do assistente social junto as camadas populares. Entendemos que

hoje não é possível se pensar na garantia do direito à educação sem situarmos a

conjuntura política mais geral, ou seja, os determinantes que reverberam o sucateamento

do ensino público do país.

No Brasil, a partir da década de 80, são delineadas ações voltadas para a luta pela

garantia dos direitos e dimensões da cidadania. O direito á educação, bem como o direito a

permanência na escola, se consolidou enquanto aporte legal na Constituição Brasileira

(1988), no Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90), e posteriormente na Lei das

Diretrizes e Bases de Educação Nacional (9.394/96), tendo como propósito central a

formação do sujeito para o exercício da cidadania, preparação para o trabalho e sua

participação na sociedade. Entretanto, é perceptível que muitos destes direitos garantidos

legalmente ainda precisam avançar do ponto de vista de sua efetivação.

Na década de 90, se acirra o movimento político e ideológico do projeto neoliberal

já sinalizado nas décadas anteriores nos países do centro do capitalismo, trazendo como

premissa central a reforma do Estado que vai incidir nas políticas sociais, como se pode

observar na queda dos salários, retrocesso social, empobrecimento da classe trabalhadora,

incorporação de novos grupos sociais à condição de pobreza e redução dos gastos sociais.

Com certeza, a crise que a educação atravessa hoje está atrelada à política de

“ajuste estrutural” do Consenso de Washington, cujos preceitos se assentam na

privatização promovida pelos governos neoliberais. No âmbito da Educação, os números

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nacionais são alarmantes: 22 milhões de analfabetos adultos, 15 milhões de analfabetos

funcionais, 3 milhões de crianças até 14 anos fora da escola (Cf. Alencar:2002).

À luz das leituras realizadas no campo da educação, foi possível realizar alguns

apontamentos que possibilitam articular o Serviço Social com a dimensão da Educação

Popular discutida por Paulo Freire. Segundo Marilda Vilela Iamamotto (1997), o assistente

social exerce, indiscutivelmente, funções educativo-organizativas junto às classes

trabalhadoras, pois seu trabalho incide “sobre o modo de viver e de pensar dos

trabalhadores a partir das situações vivenciadas em seu cotidiano...” justamente por seu

caráter politico-educativo, trabalhando diretamente com ideologia, e dialogando com a

consciência dos seus usuários.

Para situarmos os pontos de convergência entre a Educação Popular e o Serviço

Social, cabe mostrar o que entendemos por Educação Popular:

Uma gama ampla de atividades cujo objetivo é estimular a participação política de grupos sociais subalternos na transformação das condições opressivas de sua existência social. Em muitos casos as atividades de educação popular visam o desenvolvimento das habilidades básicas, como leitura e a escrita, consideradas como essenciais para a participação política e social mais ativa. Em geral segundo a teorização de Paulo Freire, buscas-se utilizar métodos pedagógicos – como um método dialógico, por exemplo, que não reproduzem, eles próprios, relações sociais de dominação. (SILVA, 2000: 24).

Nos valendo das reflexões de Paulo Freire, elencamos as concepções do autor em

torno da Educação Popular, a revelar como ela pode ser materializada na sociedade. A

partir destes apontamentos, é possível encontrar nuances que aproximam o Serviço Social

com as propostas de Educação Popular, nuances estas, materializadas no projeto ético

político do Serviço Social, através da Lei de Regulamentação da profissão, das diretrizes

curriculares e do Código de Ética.

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Na obra Política e Educação, Paulo Freire sinaliza que Educação Popular:

Ë um nadar contra a correnteza, é exatamente a que, substantivamente democrática, jamais separa do ensino dos conteúdos o desvelamento da realidade. (2001:101)

Neste sentido, Paulo Freire traduz a sua perspectiva libertadora, que também

aparece na prática do Assistente Social comprometido com a transformação social. Através

da sua linguagem – compreendida como um dos principais instrumentos de trabalho do

assistente social – o profissional contribui para o “desvelamento da realidade” de seus

usuários, mostrando-lhes a realidade opressiva e a possibilidade de mudança através da

luta coletiva e do acesso a direitos.

Vale o registro de que a sociedade na qual estamos inseridos, vê o ensino

exclusivamente ligado à utilidade que ele possa ter, como se fosse uma mercadoria, não o

considerando como possibilidade de ampliação do universo sócio-político e cultural dos

indivíduos.

A perspectiva da educação popular estimula a presença organizada das classes

populares na luta em favor da transformação democrática da sociedade, no sentido da

superação das injustiças sociais. (2001:102)

O trabalho desenvolvido pelo Serviço Social nas escolas públicas visa, além de

estimular a presença da família na escola, contribuir para a ampliação de sua visão de

mundo. Busca igualmente através de ações desenvolvidas, trabalhar questões que permitam

as famílias se perceberem como atores de sua própria história, auxiliando-as na estruturação

de processos organizativos pertinentes a sua realidade.

Esta é considerada uma tendência que circunscreve a prática profissional do

Assistente Social, na medida em que através das intervenções realizadas, se busca a

defesa e garantia dos direitos civis, sociais e políticos, da democracia e da justiça..

É a que em lugar de negar a importância dos pais, da comunidade, dos movimentos sociais populares da escola, se aproxima destas forças com as quais aprende para a elas poder ensinar também; (idem)

Em uma realidade onde a educação pública está sendo sucateada e deteriorada pelo

pequeno incentivo do poder público, se faz necessária uma maior organização e

participação de toda a comunidade escolar (pais, alunos, professores e comunidade), na

reconstrução e revalorização da escola, como um espaço de formação e construção da

cidadania.

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E a que entende a escola com um campo aberto a comunidade, e não como um espaço trancado a sete chaves, objeto possessivo do diretor ou da diretora, que gostaria de ter sua escola virgem da presença de estranhos”;(2001:103)

Entendemos a escola como um espaço para a construção de novas relações sociais

e interpessoais, como um bem público, coletivo, que mesmo hoje, sendo sucateada pelas

políticas de corte neoliberal ditadas pelo Banco Mundial, podem ser utilizadas para trabalhar

as contradições e conflitos da sociedade capitalista, buscando formar pessoas críticas,

capazes de ler o mundo, de poder partilhar da constituição de uma nova ordem societária. “E

a que supera preconceitos de raça, de classe, de sexo e se radicaliza na defesa

substantivamente democrática” (Ibidem)

Sendo a família um dos focos de trabalho do Serviço Social na escola pública,

entendemos como fundamental o trabalho profissional no sentido de desconstruir alguns

estigmas e estereótipos construídos pela sociedade capitalista. É na família que as crianças

aprendem as primeiras crenças, as primeiras atitudes, e nelas estão inclusos os valores que

as influenciarão por parte ou toda a vida.

Serviço Social é uma das poucas profissões que, dentro do seu código de ética

profissional, abarca uma série de princípios que contribuem na luta e superação do

capitalismo, apresentando em seus pressupostos elementos preciosos do projeto ético-

político profissional que expressa a ampliação e consolidação da cidadania. Dentre estes

princípios, destaca-se a “Opção por um projeto Profissional vinculado ao processo de

construção de uma nova ordem societária, sem dominação-exploração de classe, etnia e

gênero”.(Código de Ética do Assistente Social/ 1993)

Diante das considerações realizadas, percebemos que é possível estabelecer

conexões e afirmar que algumas ações realizadas pela categoria profissional podem ser

interpretadas na qualidade de um certo diálogo com a Educação Popular, principalmente,

na luta pela Escola Pública e pela permanência dos alunos na Escola.

Neste contexto, refletir sobre as possibilidades de intervenção do Serviço Social na

escola pública, e seus nexos com a Educação Popular implica, necessariamente, em trazer

para o debate a função social da escola no que tange à garantia do direito à educação e

permanência na escola; direitos estes necessários ao pleno desenvolvimento dos sujeitos.

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A questão da participação popular na gestão da escola está inteiramente ligada à

possibilidade de superar a precariedade do ensino público no país, manifestada nas

ineficientes ações do Estado. O profissional de Serviço Social, através de projetos e frentes

de trabalho pode colaborar no processo formativo de pais e alunos, tradução real de que “é

a população usuária que mantém o Estado com seus impostos e é precisamente a ela que

a escola estatal deve servir, procurando agir de acordo com seus interesses.”

(PARO,1997:25)

Levando em consideração o conjunto de ponderações apresentadas, penso ainda

que o Serviço Social, em face do seu caráter sócio-educativo-organizativo, pode contribuir

para a ampliação da escola enquanto um espaço democrático e que precisa ser repensado

não só pela categoria profissional, mas por todos os atores que estão envolvidos neste

processo. Por entender que o Serviço Social trabalha diretamente com os processos de

consciência e necessariamente com a dimensão ideológica estruturante da vida social,

torna-se necessário mais uma vez remetermos nossa reflexão a Antônio Gramsci.

Gramsci detalha que a ideologia é tanto um elemento de dominação - uma vez que

desde a entrada do homem no mundo consciente lhe é imposta uma concepção de mundo

mecanicamente - quanto pode ser um elemento de libertação, quando ocorre a elaboração

de uma concepção de mundo própria dos grupos subalternos, na superação da influência

da ideologia da classe dominante, o que é imprescindível para “romper a unidade baseada

na ideologia tradicional, sem cuja ruptura a força nova não poderia adquirir consciência da

própria personalidade independente” (Gramsci 1976:11).

Neste sentido, a dominação ideológica provoca, nas classes sociais subalternas,

uma dicotomia entre o pensar e o agir, sendo possível dizer que o individuo possui:

Duas consciências teóricas (ou uma consciência contraditória) uma implícita na sua ação, e que realmente o une a todos os seus colaboradores na transformação prática da realidade e outra superficialmente explicita ou verbal, que ele herdou do passado e acolheu sem critica. Toda via esta concepção verbal não é inconseqüente: ela liga um grupo social determinado, influi sobre a conduta moral, sobre a direção de vontade, de uma maneira mais ou menos intensa que pode, inclusive, atingir um ponto na qual a contraditoriedade da consciência não permita nenhuma ação, nenhuma escolha, produza um estado de passividade moral e política.(1978:20)

Quando Gramsci fala de consciência contraditória, está se remetendo à questão

do senso comum40, entendido por Marina Maciel ABREU como:

40 ABREU conceitua como uma mistura desordenada de elementos da ideologia dominante, e elementos abstraídos da

própria experiência de vida, que constituem o bom senso.(202:137)

Page 68: Cadespecial28

.uma mistura desordenada de elementos da ideologia dominante, e elementos abstraídos da própria experiência de vida, que constituem o bom senso, que assim, corresponde a momentos de lucidez do senso comum. (2002:137)

Este representa a base de uma nova concepção de mundo, merecendo ser

desenvolvida em algo unitário e coerente. Neste sentido, a linguagem seria o principal

veiculo de expressão da nova concepção de mundo.

Mediante todos estes apontamentos, trabalhar a questão da escola na perspectiva

gramsciana, requer reconhecê-la como um espaço privilegiado de construção de uma visão

crítica do mundo, que embora marcada por inúmeras contradições, pode ser reconhecida

como lócus de formação de valores outros que podem vir a contribuir à construção um

projeto que expresse os interesses da classe trabalhadora, numa perspectiva igualitária e

libertadora

BIBLIOGRAFIA

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Page 70: Cadespecial28

SAÚDE DO IDOSO, SERVIÇO SOCIAL E RECURSOS HUMANOS EM UMA UNIDADE DE SAÚDE: REALIDADES E DESAFIOS. POSTOS NO DIÁLOGO COM A EDUCAÇÃO POPULAR.

Grace Karen Emrick41

Introdução

Este trabalho pretende apresentar uma reflexão sobre a intervenção do Serviço

Social no Instituto de Gerontologia e Geriatria Miguel Pedro em sua relação com as

propostas do Sistema Único de Saúde (SUS), Política Nacional do Idoso e projeto ético-

político da categoria profissional, abrangendo o período de janeiro de 2000 até Dezembro

de 200442, estabelecendo uma relação com as contribuições da educação popular no

Brasil, visando a elaboração de uma prática de Serviço Social sob um viés de Educação em

Saúde.

Buscaremos dimensionar as reais dificuldades e possibilidades da intervenção do

Serviço Social, principalmente no âmbito do ambulatório do Instituto em questão.

Um primeiro aspecto que se faz necessário registrar diz respeito às concepções

sobre a terceira idade que foram objeto de modificações tanto no que se refere à legislação,

quanto à concepções. Estas últimas, sem dúvida, marcadas em função das mudanças

sócio-culturais-econômicas ocorridas no processo de modernização ocidental. A existência

de diversas visões em relação ao idoso em diferentes sociedades também vai interferir,

visão esta culturalmente e historicamente construída. Conforme podemos observar nas

palavras de Debert.

A idade cronológica só tem relevância quando o quadro político jurídico ganha precedência sobre as relações familiares e de parentesco para determinar a cidadania... as gerações têm como referência a família, as idades são institucionalizadas política e juridicamente... essa institucionalização crescente do curso da vida envolveu praticamente todas as organizações do sistema produtivo, nas instituições educativas, no mercado de consumo e nas políticas públicas, que cada vez mais têm como alvo grupos etários específicos. (Debert p.54/1994).

Ainda segundo a autora: “nas sociedades contemporâneas a velhice é apresentada

como um problema social. Seria, portanto, importante ter uma visão clara do que a

constituição de uma questão em problema social...” (p.61 )

41 Mestranda em Serviço Social/UFRJ

42 A escolha deste período deve-se ao fato de ser o período de início na instituição.

Page 71: Cadespecial28

Apreender o sentido dado ao papel do idoso em nossa sociedade é imprescindível

para a atuação do Serviço Social.

Porém, tornamos ainda mais complexa a questão quando a colocamos dentro de

uma instituição de saúde, com perfil clínico, em contraponto com as propostas do SUS e

quando atuamos nas especificidades dos casos presentes nos espaços considerados.

Neste sentido o trabalho elaborado busca clarear os meandros das relações

institucionais, possibilitando a construção de propostas de atuação para o Serviço Social

em consonância com os objetivos do SUS, tendo os conflitos envolvidos na luta pelos

direitos dos idosos no centro do debate.

Para tanto, se recuperará algumas dimensões da educação popular, construção de

um diálogo que acreditamos possível.

Breve contextualização.

O Instituto Municipal de Geriatria e Gerontologia Miguel Pedro é uma unidade

pública de saúde da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, que presta serviços

especificamente à população idosa (acima de 60 anos).

Dessa forma são duas as principais políticas públicas que envolvem o atendimento

institucional: a política de saúde e a política nacional do idoso.

Antes de consideramos a instituição em questão, relevante se faz fornecer alguns

dados históricos no que tange à saúde.

A questão da Saúde no Brasil vem sendo estudada por distintas perspectivas de

análise em momentos históricos diversos. Porém é necessário retornar à Constituição de

1988 (marco para a interpretação da saúde atual) para entendermos os determinantes

sócio-históricos das questões relacionadas à Saúde hoje.

No texto da Constituição promulgada no ano de 1988 podemos observar vários

avanços no campo da Saúde. Neste sentido destacamos:

a) intuir a Saúde como direito de todos e dever do Estado, com acesso universal e

igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde (art.

201);

b) nova organização do sistema de saúde através da instauração do Sistema Único de

Saúde (SUS).

A organização do SUS no texto legal, obedece às seguintes diretrizes:

1-descentralização com a fixação das direções pelas esferas de governo

(federal, estadual e municipal);

Page 72: Cadespecial28

2-atendimento integral que compatibilize as atividades preventivas e as

assistenciais;

3-participação da comunidade compreendida como controle social

(Conselhos de Saúde 1.).

O SUS foi regulamentado por leis ordinárias no interior das quais foram feitos

detalhamentos das diretrizes constitucionais. A Lei Orgânica do SUS (LOS) de 1990, define

as competências das três esferas de governo:

a) Federal: formulação de políticas nacionais, o planejamento, a normalização, a

avaliação e o controle do sistema no âmbito nacional;

b) Estadual: formulação da política estadual de saúde, coordenação e planejamento do

sistema estadual;

c) Municipal: formulação da política municipal de saúde e a provisão de ações e

serviços de saúde.

A consolidação da proposta do SUS na Carta Magna de 1988 é o resultado de uma

importante mobilização da sociedade civil realizada durante a década de 80, em um quadro

político marcado pela luta pela abertura política, pela re-democratização do Estado e

ampliação dos direitos sociais.

A lei no 8.842/94 dispõe sobre a Política Nacional do Idoso e cria o Conselho

Nacional do Idoso. Estabelece dentre as suas diretrizes que as ações passam a ser

organizadas em sistemas descentralizados e participativos por meio dos Conselhos

(Nacional / Estadual / Municipal). No entanto, a presente data a cidade do Rio de Janeiro

não instituiu o Conselho Municipal do Idoso. O Decreto no 1948/96 regulamenta a lei

mencionada anteriormente. Este sistema oportuniza a efetiva partilha de poder, a definição

de competências das três esferas de Governo e a prática da cidadania participativa por

meio dos Conselhos de Idosos.

O Estatuto do Idoso (Lei no 10741/2003), que entrou em vigor em 1 de janeiro de

2004 traduz o interesse nacional de resguardar os direitos dos idosos conforme prevê a

Constituição federal e a legislação já mencionada. O cumprimento desta ordenação jurídica

depende da mobilização da sociedade e neste sentido a implantação dos Conselhos seria

mais um instrumento para viabilizar e garantir as orientações contidas nestas legislações.

As diretrizes fundamentais destas políticas são elaboradas pelo Governo Federal a

partir do movimento da sociedade. No âmbito da política local de atenção integral à saúde

do idoso, as propostas não ficam claras para os profissionais que estão diretamente

envolvidos na sua execução, tendo como principal referencial as políticas nacionais.

A letra das legislações acerca da saúde “e do idoso” pode ser considerada em

Page 73: Cadespecial28

muitos aspectos progressistas, porém, observamos que estas leis vêm sendo apropriadas

pelas diversas esferas governamentais no sentido de esvaziá-las de suas propostas

originais e assim utilizá-las como forma de desresponsabilizar o Estado pelos problemas da

população, restringindo-as ao campo das responsabilidades individuais e familiares. Nesse

sentido se retira as questões sociais enfrentadas pela população do espaço público,

restringindo-as exclusivamente ao espaço privado.

Isto fica claro tanto nas políticas de saúde como principalmente nas políticas do

idoso.

Ainda que os temas ligados ao idoso tenham, ultimamente estado presentes na

mídia, em debates ou discursos político-eleitorais, os encaminhamentos efetivos desta

questão vem se apresentando de forma muito incipiente ou inexpressiva na realidade

vivenciada pelos idosos e nas unidades executoras de serviços a esta população.

Os profissionais são pouco capacitados pare este serviço e praticamente inexiste

por parte dos órgãos contratantes interesse para o aperfeiçoamento/aprimoramento do

profissional por parte dos órgãos contratantes.

Acrescente-se ainda a evidência dos poucos estudos realizados na área, o que

torna visível a secundarização da questão do idoso em relação a outras áreas de saúde,

tanto no que se refere a debates quanto em investimentos em capacitação profissional e

quanto a medidas efetivas voltadas ao seu atendimento concreto. Debates são fecundos e

amplos em várias áreas da saúde, no entanto nos parece que na particularidade da

questão do idoso estes debates se mostram restritos .

Elementos Institucionais

O Instituto de Geriatria e Gerontologia Miguel Pedro (IGG), sito à Av. 28 de

Setembro número 109, fundos em Vila Isabel, surgiu em 1854 para prestar assistência a

mendigos inválidos. Passou por várias transformações ao longo dos anos, conseqüência

dos momentos políticos diferenciados que experimentou.

Em 1978, o IGG recebe seu nome atual e passa a ter como finalidade a assistência

médica hospitalar a pessoas de ambos os sexos e de mais de sessenta anos de idade, em

caráter preferencialmente curativo. Foi também reservada uma parte do espaço para o asilo

de idosos sem família, com ou sem condições financeiras de se manterem. Há 10 anos,

aproximadamente, o asilo foi fechado permanecendo na instituição apenas alguns

remanescentes.

A instituição tem atendimento ambulatorial e de internação. No ambulatório são

realizados atendimentos de clínica médica psiquiatria, geriatria e neurologia. Apesar do

instituto ser especializado em geriatria, até bem pouco tempo não havia médico

Page 74: Cadespecial28

especialista nesta área. São oferecidos também serviços de laboratório, fisioterapia (para

pacientes internados), terapia ocupacional, psicologia, serviço social, nutrição,

fonoaudiologia, cursos de cuidadores de idosos para familiares (atualmente), yoga,

odontologia e prótese dentária.

A população atendida, geralmente de baixa renda, reside em inúmeras localidades

do município e de seu entorno. A maior concentração são de pacientes da zonas Norte e

Oeste do Rio de Janeiro. Entretanto, também são atendidos parcela grande de idosos que

não suportaram mais o pagamento de planos de saúde devido aos aumentos após os

sessenta anos de idade ou porque viram seu poder aquisitivo cair drasticamente após a

aposentadoria. Em conseqüência destes fatores tiveram que recorrer ao Sistema Público

de Saúde.

Faz-se necessário esclarecer que, apesar de existir uma Política Nacional do Idoso

considerada em muito aspectos de caráter progressista, o que é observado é um total

distanciamento de suas propostas da realidade vivida no instituto. No seu interior poucas

áreas profissionais conhecem esta Política, inclusive mesmo o Serviço Social , apesar da lei

datar de 1994.

O governo se utiliza de alguns aspectos aparentemente progressistas para justificar

a sua ausência na assistência ao idoso. É o caso da desinstitucionalização e des-

hospitalização por exemplo. O governo reduz os seus custos fechando as possibilidades de

asilo e não oferece os outros serviços previstos como contraponto a esta

desinstitucionalização. Dessa forma, o governo vem se apropriando de leis para se eximir

de suas obrigações.

Devemos ressaltar a falta de conhecimento dos profissionais de saúde no que

tange à política do SUS. A maioria não conhece o Movimento de Reforma Sanitária que

culminou com a promulgação das leis 8080 e 8142 e suas regulamentações. Para alguns

este processo significou apenas mudança de nomenclaturas. Algumas vezes dirigentes, ou

nos termos da NOB/96, gerentes, têm absoluto desconhecimento do Movimento de

Reforma Sanitária. Conhecem apenas do SUS aspectos contábeis como emissão de AIH,

SIA-SUS, etc.

Podemos nesta direção afirmar que existe um esvaziamento ideológico substantivo

das propostas do SUS nas unidades de execução, tornando-se cada vez mais dificultoso

rever esta situação em prol do usuário.

A dificuldade de organização e mobilização dos idosos é uma aspecto relevante,

pois contribui muito para possibilitar e aprofundar este quadro de esvaziamento das

políticas sociais de atenção ao idoso. Este último, geralmente, espera que "alguém" venha

Page 75: Cadespecial28

resolver o seu problema. Esta postura do idoso, que foi - e é- culturalmente construída,

agrava as dificuldades de se reverter este quadro. O sentimento de que não são capazes

de lutar por seus direitos é especialmente mais forte na população idosa que sofre a

discriminação da idade, onde o papel do idoso em nossa sociedade é tido como o momento

de recolhimento e de descanso, apesar de no Brasil a crescente pauperização e arrocho

das aposentadorias estarem levando estes sujeitos muitas vezes a voltarem ao mercado de

trabalho, quase sempre em condições precárias, para complementar a renda familiar ou

auxiliarem nas atividades domésticas, para que os mais jovens possam trabalhar.

Pensando as possibilidades de reversão deste quadro buscaremos nos apropriar

de elementos de reflexão e metodologia presentes no campo da educação popular, no

sentido de buscar novos aportes para a questão, num diálogo que julgo possível e

pertinente.

A ação do Serviço Social

Os usuários chegam ao Serviço Social através de encaminhamentos internos ou

externos, ou por conta própria - não havendo a necessidade de serem cadastrados no setor

de matrícula, o que difere do atendimento dos outros setores.(demanda espontânea)

Os profissionais de Serviço Social atuam no ambulatório (atendimento individual e

sala de espera), nas enfermarias, no asilo, no curso de Cuidadores de Idosos, no grupo de

acompanhantes (realizado em conjunto com a enfermagem) e no plantão profissional.

A equipe é formada por seis assistentes sociais e se constitui de forma

extremamente heterogênea. Uma das profissionais. sendo chefe da equipe que é do

quadro de aposentados da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Algumas

estão na iminência da aposentadoria.

É importante ressaltar que a maioria das assistentes sociais, assim como os

demais profissionais da instituição, se encontram desestimulados tanta pela falta de

investimentos em capacitação como pelos baixos salários.

A avaliação dos profissionais junto ao grupo de sala de espera e no âmbito do

curso de Cuidadores de Idosos não é valorizada individualmente.

O grupo de sala de espera e os profissionais envolvidos no curso de cuidadores de

idosos não compreendem as obrigações do Serviço Social na instituição. Este trabalho é

muito pouco reconhecido, não se constituindo portanto, em prioridade. Os profissionais que

se disponibilizam a realizar estas atividades a fazem de forma “complementar”. É quase

como se fossem voluntários dentro da própria instituição que os emprega.

O curso de cuidadores objetiva instrumentalizar familiares de pacientes do

Page 76: Cadespecial28

ambulatório, enfermaria e comunidade a conhecer, entender, desvendar a complexidade e

especificidades da questão do idoso.

Envolve “aprendizado” dos familiares em lidar com pacientes acamados, com

demência, etc. Tem uma proposta multidisciplinar, contando com a participação de duas

assistentes sociais. Uma na equipe de coordenação e a outra ministrando uma ou duas

aulas no curso — sendo que para esta última, nunca houve a oferta de algum curso sobre

idosos.

A atuação na sala de espera é realizada no ambulatório uma vez por semana.

Conta com a participação de apenas uma assistente social. Por isso é realizada uma vez

por semana já que não foi possível a sensibilização das outras assistentes sociais para esta

atividade. Esta tem a proposta de levar ao usuário do ambulatório, conhecimentos sobre os

aspectos culturais, sociais e econômicos do envelhecimento, esclarecendo direitos dos

idosos, e principalmente, propiciando uma reflexão sobre a multiplicidade de fatores que

envolvem a questão do idoso e da saúde, apontando para a construção de caminhos para a

superação dos obstáculos por eles enfrentados.

A reflexão de Eclea Bosi nos auxilia na compreensão destes sentidos substantivos

que deveriam ser trabalhados pelos profissionais. Assim,

Descrevendo a substância social da memória -a matéria lembrada – você nos mostra que o modo de lembrar é individual tanto quanto social: o grupo transmite, retém e reforça as lembranças, mas o recordar , ao trabalhá-las, vai paulatinamente individualizando a memória comunitária e, no que lembra e no como lembra, faz com que fique o que signifique. O tempo da memória é social, não só porque é o calendário do trabalho e da festa, do evento político e do fato insólito, mas também porque repercute no modo de lembrar. (Bosi 1983)

Serviço Social e dimensões de educação- educação popular

Estes dois trabalhos, bem como a possível realização de outros grupos, oficinas,

etc., vislumbram uma prática de Serviço Social voltada para as ações de comunicação e

educação na atenção à saúde, potencializando seu caráter preventivo. Buscam fortalecer

os vínculos dos serviços com seus usuários, criando condições para uma efetiva

participação destes sujeitos, tarbalhando a partir da constituição de sentidos, substantivos

quanto o envelhecimento.

Nesse sentido, Comunicação Social e Educação em Saúde são elementos

regulamentados pela NOB/96 (Normas Operacionais Básicas) que devem ser apropriados

pelo Serviço Social em seu fazer profissional cotidiano, no intuito de trazer para o centro da

instituição o paciente como sujeito autônomo, com seus desejos e direitos. É dever do

Page 77: Cadespecial28

assistente social trabalhar para a incorporação na instituição, do respeito à autonomia do

usuário, caso não se queira ter uma prática reificante e fortalecedora do aspecto clínico da

saúde.

No intuito de construir caminhos para implementação destas duas esferas,

consideramos pertinente a apropriação de alguns elementos acumulados no âmbito da

educação popular, na medida em que possam ser utilizados como meios para que

segmentos populares tenham acesso a conhecimentos e informações produzidas sobre a

sociedade, na qualidade de instrumentos para seu desenvolvimento, reflexão e ação sobre

a realidade.

Este uso pode permitir no âmbito da prática do Serviço Social, uma ação com

caráter reflexivo que utilize a socialização de informações como instrumento de indagações

e ação possível sobre a realidade social. Entende-se que nesta perspectiva de intervenção,

o trabalho com grupos numa dimensão coletiva deveria ser mais implementado.

Para Ana Vasconcelos (1997) a prática reflexiva é compreendida enquanto uma

prática educativa, crítica e criativa, politizante, que aponte para a ruptura com o instituído,

colocando permanentemente em questão a relação conteúdo / forma (Lefebvre, 1983),

numa ação que envolve imediatamente dois sujeitos: usuário e profissional (Vasconcelos

p.133/1997).

Penso que essas possibilidades podem propiciar ao Serviço Social a interferência

nos determinantes sociais do processo saúde / doença e no resgate da saúde enquanto

direito social.

À população não basta se organizar para reivindicar, faz-se necessário ter um saber que instrumentalize no como e no que reivindicar, na busca de alternativas possíveis e como viabilizá-las. (Vasconcelos, p. 134/1997)

A importância da apropriação de contribuições da educação popular se afirma

como possibilitador e potencializador de um exercício profissional no qual a aquisição dos

direitos sociais, mediados pela relação estabelecida entre o profissional/equipe e o usuário,

pode se transformar de um direito formal em direito real, na medida em que o acesso ao

direito social seja feito por um sujeito crítico e consciente. A Educação / Formação Popular

ao trazer referências de análise auxiliadoras na interpretação da própria vida do usuário – e

de seu entorno- possibilita que se ultrapasse níveis de senso comum presentes na

fragmentação de sua vida cotidiana.

Esta formulação supõe que o saber estruturado socialmente não é só o escolar, ele

está presente em todas as esferas da vida social. Assim esta perspectiva que estabelece

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elos com a educação popular, pode possibilitar a emergência e constituição de novos

valores, numa perspectiva de compartilhamento de dimensões da vida social, a partir de

uma esfera coletiva.

Finalizando, considero que, pensar estratégias para o trabalho do Serviço Social

nessa superação de perspectivas de práticas rotineiras condizentes com a abordagem

clínica da saúde, implica em trabalhar em compasso com as propostas do Movimento de

Reforma Sanitária.

Este viés objetiva construir um trabalho que busque aprofundar o atendimento

integral ao idoso, trazendo para o centro do debate esta visão integradora, respeitando os

aspectos de saúde, culturais, educacionais, sociais, emocionais,psicológicos, etc.

Entendemos, no entanto, ser bastante difícil a superação destes aspectos e, nesse

sentido consideramos que, a capacitação continuada dos profissionais de Serviço Social se

faz necessária e urgente, bem como o fortalecimento e organização da categoria nas

dimensões presentes no projeto ético-político profissional.

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Page 80: Cadespecial28

EDUCAÇÃO DO TRABALHADOR E MOVIMENTO SINDICAL: REPENSANDO AS FORMAS DE

ORGANIZAÇÃO E EMANCIPAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA

Maria Dalva Casimiro Silva43

O presente artigo é fruto de algumas reflexões iniciadas no curso de Formação

Política promovido pelo Centro Acadêmico de Serviço Social da UFRJ no ano de 2001. No

interior procuramos, por um lado, refletir sobre as funções dos sindicatos do Porto do Rio de

Janeiro diante das grandes transformações ocorridas no processo de trabalho ocasionadas

pela reestruturação produtiva e pela globalização. Diga-se de passagem, que ambos os

processos têm acometido todo o mercado mundial. Apresentamos uma visão muito breve

sobre o tema, levantando questões referentes ao processo de reestruturação do capital

inerentes ao sindicalismo no Brasil e, de uma forma específica, para o modo de vida, de

produção e atuação sindical dos Trabalhadores Portuários Avulsos do Rio de Janeiro, tendo

em vista a inserção dos mesmos no cenário de reestruturação produtiva. Por outro lado,

buscamos pensar possíveis alternativas para as questões apontadas.

Neste trabalho pretendemos acrescentar um elemento novo de suma importância,

levando-se em consideração as profundas mudanças que vem ocorrendo no mundo do

trabalho e os reais impactos nas relações entre capital e trabalho, destacando-se aqui a

figura do trabalhador que no mundo globalizado, assume o papel de mero coadjuvante, ou

seja, em seu sentido pejorativo, de “colaborador” dentro deste cenário. Mesmo diante das

contrariedades que este quadro apresenta, intencionamos aqui, considerá-lo protagonista,

principal figura dentro deste processo, em especial no que tange às formas possíveis de

conscientização adquiridas através da educação.

Quando nos referimos à educação do trabalhador, precisamos definir “que

educação é essa”. Sem sombra de dúvidas, não se trata de uma educação oferecida pelas

elites. A educação a que nos referimos supõe a meta “consciência para si” da classe

trabalhadora, apontando para a possibilidade de emancipação através de uma politização

do exercício pedagógico. No caso dos trabalhadores portuários avulsos, a prática educativa

está voltada para o desenvolvimento da capacidade de leitura da realidade, e, indo mais

além, da compreensão de sua própria história, e, portanto, da sua capacidade de luta e de

resistência. Neste sentido, destacamos o importante papel que o movimento sindical

deveria exercer junto a tais trabalhadores no sentido de oferecer instrumentos formativos

que pudessem contribuir no seu processo de conscientização, em especial em relação a 43 Assistente Social, mestranda em Serviço Social na UFRJ

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todo o processo de modernização pela qual os portos do Rio de Janeiro tendem a passar

em meio a uma já existente precarização das condições de trabalho.

Para entendermos este cenário e vislumbrarmos algumas pistas emancipatórias

através da educação do trabalhador, alguns pontos importantes devem ser destacados.

No que se refere à modernização do Porto do Rio de Janeiro, a Lei 8.630/9344

trouxe uma série de mudanças para o setor portuário em termos organizacionais. O Estado

deixou de lado o seu papel de interventor, passando a ser esta atribuição cabível à iniciativa

privada, adotando uma política neoliberal. Como conseqüência, os trabalhadores

portuários, então funcionários de capatazia da Companhia Docas do Rio de Janeiro

(empresa pública), foram incentivados a se desvincularem da empresa através do PDV –

Plano de Desligamento Voluntário, logo após sendo oferecida a oportunidade dos mesmos

se “avulsarizarem” através do Órgão Gestor de Mão-de-Obra – OGMO, empresa que

assume, em substituição ao sindicato a partir da década de 90, além do registro, todas as

questões de caráter administrativo e trabalhista dos “Trabalhadores Portuários Avulsos” –

TPAs, permitindo-lhes a sua permanência no setor portuário. Podemos desta forma, já

observar que o desenvolvimento previsto para a zona portuária, definitivamente, não

contemplou os trabalhadores.

A Modernização e os Sindicatos do Porto do Rio de Janeiro sob o ponto de vista

dos trabalhadores.

Parece-nos de suma importância situar na conjuntura nacional, o complexo sindical

portuário do Rio de Janeiro. Desta forma, abordaremos a seguir alguns pontos relevantes

da história política e econômica do país que influenciaram a trajetória do sindicalismo

brasileiro e portuário. Senão, vejamos:

No Brasil, para traçar a trajetória do movimento sindical, alguns estudiosos citam

Arnaldo Sussekind, membro da Comissão responsável pela elaboração da CLT nos anos

40 e primeiro Ministro do Trabalho na ditadura militar, ao caracterizar a estrutura sindical

brasileira: corporativista, regida pelo monopólio da representação e pela obrigatoriedade do

Imposto sindical. Essa foi a máquina montada por Vargas, fortemente atrelada ao Estado e

conseqüentemente: burocrata, assistencialista, apresentando carreirismo dos dirigentes,

colaboracionista e privilegiando a conciliação das classes45.

44 Com a introdução das várias inovações tecnológicas, especificamente de novas formas de organização do trabalho no Porto do Rio de Janeiro, surge a exigência de um novo perfil de seus trabalhadores, determinando por conseqüência, as mudanças nas relações de trabalho e as adaptações de sua mão-de-obra ao processo. Para atender tais desígnios, foram criadas leis e normas que regulamentassem e garantissem tal processo de modernização portuária.

45 Cf. BADARÓ (1998:58); o sindicalismo populista começou a se fortalecer no início dos anos 50 e atingiu seu auge na década de 60. Ficou conhecido por se subordinar à ideologia nacionalista e ser atrelado ao Estado, ser politicamente

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A criação das centrais sindicais, especialmente da Central Única dos

Trabalhadores - CUT, (cujo estatuto apresenta bandeiras socialistas) e as ondas grevistas

entre 83 e 89 marcaram a década de 80 como a “era” do “novo sindicalismo”, tratando-se

de um forte movimento sindical, com propostas e práticas notadamente classistas46. Sobre

a nova forma de organização da classe trabalhadora, pela sua capacidade de pressão

política e social, ALVES (2000:123) afirma que este movimento impôs ao capital, a

necessidade de retomar o controle do trabalho, reconstituindo tanto a hegemonia na

produção, como novos tipos de controle do trabalho. Além disso, o caráter classista do novo

sindicalismo vinculado à CUT, apresentava obstáculos à cooptação ideológica e política das

novas lideranças operárias e sindicais.

Neste sentido, na estrutura do complexo portuário do Rio de Janeiro, é notável a

semelhança entre esta e a que ALVES (2000:187) descreve relativa ao sindicalismo

brasileiro. Segundo a autora, o sindicalismo,

É uma estrutura descentralizada, fragmentada e dispersa por uma miríade de sindicatos municipais, em sua maioria pouco expressivos, com exígua capacidade de barganha, com parcas iniciativas e formas de ações unificadas. Finalmente, é uma estrutura verticalizada com muitas dificuldades de se articular numa perspectiva horizontal mais ampla. (2000:282).

Embora muito cautelosamente e sem pretensão de generalizar os dados, as

informações recolhidas situam o quadro de organização dos trabalhadores portuários

avulsos do Rio de Janeiro, dentro de uma perspectiva, pelo menos, semelhante ao conjunto

do movimento sindical brasileiro, cujo principal sintoma é o de uma imensurável crise de

identidade.

Pode-se observar quão fragmentados, estrutural e politicamente, estão. A forma

como se constituem (sindicatos por ofícios), os torna mais vulneráveis e sensíveis aos

fatores sociais, que não só influenciam como muitas vezes podem até determinar a

trajetória do movimento, caracterizando, o que os estudiosos chamam de crise do

sindicalismo no mundo e no Brasil. Especificamente, nota-se nos referidos sindicatos, como

reflexo de uma crise generalizada, uma crise de identidade de representação política dentro

das diversas categorias. Como conseqüência mais visível, algumas importantes atribuições

antes suas, passaram para a responsabilidade do órgão (OGMO) criado estrategicamente

pelo governo Federal, que conta com o apoio dos próprios trabalhadores. Este fato se

reformista, conciliador, não-classista, mas colaboracionista. Entra em crise em 1964, desaparecendo em sua forma original assumindo, no entanto, formas mistas de acordo com o novo panorama político-institucional do país. 46 Cf. ALVES (2000:289), este movimento representou uma nova prática sindical de organização de base, da construção da intervenção operária nos locais de trabalho e o que Iran Rodrigues chamou de comissões de fábricas, comissões de empresas, conselhos de representantes dos funcionários e comissões de garagem.

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confirma pelo depoimento de alguns estivadores: “Hoje em dia é o OGMO que faz tudo, o

sindicato não faz nada”. Muitos questionam qual o real papel sindical em uma relação de trabalho

considerada caótica, principalmente como forma de obtenção de dignidade e respeito ao

trabalhador portuário avulso. A esse respeito, dois estivadores47 falam sobre o sindicato:

Acho um absurdo você descontar 10% do seu trabalho para um órgão (sindicato) que não te dá retorno... Da estiva ainda temos um apoio, mas e dos outros sindicatos? Do bloco? O cara não tem uma clínica, não tem uma sede, não tem nada. Então o que acontece, eles descontam 10% para engordar o presidente (do sindicato). Porque não temos nenhum retorno. ... O sindicato se tornou, na minha concepção, um cabide de emprego. Então, o que acontece, não adianta nada eu descontar da minha folha 10% para uma entidade, se eu não tenho retorno, eu não tenho!.

Outros trabalhadores, mais incisivos afirmam: “Sindicato não serve para nada”.

Em resposta à questão “quais seriam as funções do sindicato”, os trabalhadores

demonstraram seus “reais” anseios: conseguir plano de saúde, melhorias apenas básicas,

sejam pessoais ou profissionais. Embora saibamos que existem outros elementos que

determinam esse estágio de consciência, podemos perceber como alguns trabalhadores

sinalizam a incorporação de uma lógica individualista, destituída de um outro sentido ou

consciência de classe, tão comum porque tão bem trabalhada na sociedade capitalista em

que vivemos e adotada por consideráveis parcelas do sindicalismo brasileiro. ANTUNES

(1988), de certa forma, explica este fato, a partir de sua reflexão sobre os níveis da

consciência de classe:

A consciência proletária é uma longa distância que vai da falsa consciência, presa à ideologia dominante e limitada pela imediatidade, até o máximo de consciência possível, que corresponderia à percepção da totalidade concreta e sua possibilidade de superação revolucionária, o que somente é possível quando a classe operária apodera-se da teoria revolucionária, fornecida pelo marxismo e transforma-se na única classe capaz de destruir o capitalismo e iniciar a transição para a sociedade sem classes. É preciso lembrar a impossibilidade de tal distância ser pensada de forma linear e evolutiva: ela deve ser concebida como um processo com fluxos e refluxos, onde ora são predominantes os momentos da falsa consciência, ora se está próximo da consciência verdadeira. (ANTUNES Idem:22).

ANTUNES discute as repercussões da reestruturação produtiva e a crise no

sindicalismo brasileiro apontando a mudança de direção, de classista para corporativista.

Nessa perspectiva, a crise atinge também o universo da consciência, da subjetividade, do

trabalho e suas formas de representação. Os sindicatos estão aturdidos e exercitando uma

prática que raramente foi tão defensiva. Abandonam o sindicalismo de classe dos anos

47 Entrevista coletiva realizada em 06/11/2001, com estivadores do Porto do Rio de Janeiro, no Armazém 18.

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60/70, aderindo ao acrítico sindicalismo de participação e de negociação, que em geral

aceita a ordem do capital e do mercado, só questionando os aspectos fenomênicos desta

mesma ordem; abandonam a perspectiva de luta pela emancipação do gênero humano,

operando uma aceitação também acrítica da social-democratização, ou o que é ainda mais

perverso, limitando o seu debate ao universo da agenda e do ideário neoliberal. Há outras

conseqüências da automatização, da flexibilização e deste complexo de mudanças no

processo de produção e de trabalho: paralelo à redução quantitativa do operariado

tradicional, altera-se a qualidade na forma de ser do trabalho - a substituição do trabalho

vivo pelo morto, transformando o trabalhador em supervisor e regulador do processo de

produção. Assim, “se por um lado houve uma intelectualização do trabalho, por outro lado

inversamente nota-se uma desqualificação e mesmo subproletarização, expressa pelo

trabalho precário, informal e temporário”.(ANTUNES 1997:78).

Percebe-se uma grande insatisfação dos trabalhadores em relação ao órgão que

os representa politicamente. Ao se referirem às suas funções, notamos uma visão pontual e

corporativista, o que parece ser reflexo de uma política mais ampla de sujeição dos órgãos

de classe à lógica capitalista e neoliberal. Assim, aberta a lacuna de uma anterior política

sindical classista48, esses trabalhadores tentam responder às suas demandas primeiras de

sobrevivência, cuja responsabilidade o Estado capitalista se liberou. Neste sentido, os

trabalhadores reclamam: “Não vai dizer que eles estão brigando pelos ‘meus interesses’

que eu discordo”.

Desta forma, parece-nos que a organização dos trabalhadores portuários no Rio de

Janeiro carece de uma visão totalizadora e histórica que possibilite a adoção de táticas de

lutas condizentes com as aspirações e necessidades deste grupo especifico, porém que o

faça, associando-as às aspirações de libertação da classe trabalhadora, que segundo

Marx, é a sua missão.

Por outro lado, há de se admitir que os sindicatos que adotam tal postura classista

também vivem esses mesmos problemas. Isto nos coloca uma questão, que nos distancia

de uma conclusão determinista. Parece que este quadro político-ideológico do sindicalismo

brasileiro está muito ligado à reestruturação produtiva, mas o que fazer para desmontá-lo?

Sem a menor pretensão de respondermos a tão complexo problema, podemos, todavia,

apontar algumas pistas. Neste caso concordamos com CRUZ (2000), ANTUNES (1998) e

ALVES (1991), sobre a urgência dos trabalhadores assumirem de fato o papel que lhes

cabe enquanto classe, negando os princípios capitalistas. Tal concepção nos aproxima da

teoria marxista, tendo esta, o papel de nos fornecer elementos de explicação da realidade

social, sob o ponto de vista da classe, além de nos trazer respostas efetivas sobre o

destino da humanidade.

48 Cf. Maria Almeida, “O novo sindicalismo, traduzia em demandas por maior autonomia o anseio profundo de afirmação de uma identidade operária, forjada na experiência do degredo político e de uma cidadania social de segunda classe que convivia como florescimento de uma sociedade de consumo”. In BADARÓ (1998:66).

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Assinala-se aí, nossa preocupação com a debandada desta direção da grande

maioria dos principais atores sociais, incluindo a principal central dos trabalhadores, a CUT.

Com a investida neoliberal, a ela tem se subordinado, voltando-se ainda para uma lógica

mercantil e corporativista, distanciando-se das suas primeiras bandeiras, de matizes

socialistas, presentes em seu estatuto. Sobre o assunto, BOITO (1994, 96) afirma que:

A CUT desde o seu surgimento, como movimento de massa transitou entre um sindicalismo que ‘tendia’ à ação unificada de amplos setores das classes trabalhadoras contra a política de desenvolvimento pró-monopolista e pró-imperialista do Estado burguês brasileiro - ou pelo menos, contra a política salarial que era um aspecto fundamental da política de desenvolvimento - para uma ação na qual os diferentes setores da classe trabalhadora isolam-se em suas reivindicações específicas, desenvolvem uma nova segmentação corporativista e procuram reduzir as perdas de seu setor particular numa conjuntura de crise, mesmo quando as reduções das perdas implicam a aceitação ativa da política pró-monopolista e pró-imperialista.

Dados como esses não nos permitem creditar uma solução isolada para qualquer

categoria49. Entretanto, podemos vislumbrar pistas dos sujeitos que tentam retomar a

direção de um movimento sindical classista em termos de totalidade. Aponta o presidente

da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte Marítimo, Aéreo e Fluvial

(CONTIMAF) Severino Almeida Filho:

A indústria de portos está atravessando uma crise mundial. O processo de globalização, na ótica dos principais interessados em sua implementação rápida, passa pelo desmonte da organização dos trabalhadores da orla portuária em qualquer lugar do mundo. Foi o que aconteceu na Argentina, no Uruguai, no Chile. Dizimaram, literalmente, a organização dos trabalhadores. Daí que, depois desses anos da Lei dos Portos, cresceu entre os trabalhadores e suas lideranças, a consciência da necessidade da unificação de ações e das entidades sindicais. Há vontade política de aglutinar forças. Uma estrutura única, que é a discussão que vem sendo travada, terá um peso político formidável. As intersindicais que se formam nos portos, e não tenho dúvidas de que alcançarão todos os portos, é uma demonstração inequívoca dessa vontade dos trabalhadores de elevarem suas lutas a um novo patamar.

Mário Teixeira, presidente da Federação dos Conferentes, Consertadores, Vigias e

trabalhadores do Bloco, chama à resistência e unificação de forças: Nosso papel, portanto, tem de ser o de resistência, e caminhamos rapidamente para a unificação de nossas forças no país e no mundo, como já a fizeram os empresários. Quando não há negociação, há luta. A história humana ensina isso.

49 Esse termo retrata o nível de fracionamento a que a classe trabalhadora chegou, atendendo aos interesses da burguesia. Esta divisão tem o objetivo de facilitar as investidas burguesas diante das reações isoladas dos grupos, impedindo a reação de todo o conjunto da classe, o que seria mais forte e perigoso.

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Outra alternativa pode ser vislumbrada na entrevista de um portuário do Rio de

Janeiro: “... nós temos uma comissão onde estamos correndo atrás de um direito para

alguns estivadores cadastrados, que é o nosso caso.”

Apesar de tê-lo argüido, poucas informações a este respeito foram acrescentadas.

Então perguntamo-nos: estariam retornando as organizações por local de trabalho? Tática

essa de legítima resistência, muito utilizada mundialmente nos momentos de fragilidade e

de repressão aos trabalhadores. De qualquer forma, como já vimos em ANTUNES, a

consciência parte da imediatidade, podendo vir a alcançar um nível revolucionário.

Ainda tentando pontuar as tendências, não só no complexo de sindicatos do Porto

do Rio de Janeiro, mas atendo-nos à organização sindical da classe trabalhadora em seu

conjunto, podemos situar algumas respostas que mesmo incipientes ou iniciantes,

acreditamos poderem traduzir um pouco do novo perfil do movimento sindical. Vejamos:

Considerando todos esses dados e a despeito de teses neoliberais como a de

Leôncio Rodrigues, que conclama as lideranças sindicais a “se flexibilizarem como os

empresários” e que anuncia a inexorável tendência do sindicalismo a se incorporar à

lógica do capital, concordamos com Iran Jácome quando afirma: “a forte tradição

coletivista do século XIX, que serviu para consolidar o Estado de bem-estar na 1ª metade

do século XX, ainda não foi inteiramente desmontada pela tentativa de ajuste neoliberal do

capitalismo contemporâneo”. RODRIGUES (1999:232).

Ainda contra a tese de Leôncio Martins sobre a decadência histórica irreversível

do sindicalismo, Boito contrapõe afirmando que o recuo sofrido por este movimento,

representa sim, um refluxo e não sua decadência, parecendo esta, já ter superado seus

momentos mais difíceis, o que levou o sindicalismo a importantes mutações. Segundo ele,

arrefeceram importantes setores operários, tanto da indústria, como dos serviços (portos,

ferrovias), mas por outro lado, emergiu um novo proletariado de serviços, assinalando o já

consolidado sindicalismo de classe média, principalmente no setor público. Esse autor

chama a atenção para o novo sindicalismo industrial que apareceu no hemisfério sul,

graças ao vertiginoso processo de industrialização dos últimos anos nesta área e na

América Latina. Aponta ainda que o crescente desemprego sem amparo do Estado, fez

surgir ou ressurgir vários movimentos populares: de desempregados, dos Sem-Teto,

voltando inclusive ao cenário político, o movimento camponês. Para Boito:

Sustentar que o movimento sindical tem futuro, não significa ignorar as lutas populares emergentes. A esquerda deve valorizar esses movimentos, que devem, junto com o sindicalismo, acumular forças para recomeçar a luta antiimperialista e anticapitalista.

Assim, antes de concluir, como ANTUNES nos interrogamos: “ ... como se efetiva,

no contexto de uma situação defensiva, uma ação sindical que dê respostas às

necessidades imediatas do mundo do trabalho, preservando elementos de uma estratégia

anticapitalista e socialista? ... Procurará (o sindicalismo brasileiro) elaborar um programa

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de emergência para simplesmente gerir a crise do capital ou tentará avançar na

elaboração de um programa econômico alternativo, formulado sob a ótica dos

trabalhadores, capaz de responder às reivindicações imediatas do mundo do trabalho, mas

tendo como horizonte uma organização societária fundada nos valores socialistas e

efetivamente emancipatórios ?” (1997: 72)

É de nossa intenção ainda, reafirmar a impossibilidade de uma saída para tão

complexo quadro ser conseguida isoladamente. Nossa única certeza é a de que a mesma

deverá contemplar toda a classe trabalhadora. Portanto, ao observarmos a realidade e a

capacidade de organização sindical dos trabalhadores portuários avulsos, podemos chegar

à conclusão de que o movimento sindical, em função de sua força coletiva como sujeito

inserido no dia-a-dia dos trabalhadores, se constitui na contemporaneidade, ainda que

seguindo às determinações atribuídas pelo capital, em um instrumento capaz de formular

um novo projeto para a sociedade onde se possa aprofundar a análise sobre concepções

de vida, para a verdadeira emancipação política e humana do trabalhador, ou seja, para o

exercício pleno da cidadania.

Neste sentido vale encerrarmos esta reflexão, a partir de uma citação de Marx:

Os sindicatos trabalham bem como centro de resistência contra as usurpações do capital. Falham em alguns casos, por usar pouco inteligentemente a sua força. Mas são deficientes, de modo geral, por se limitarem a uma luta contra os efeitos do sistema existente, em lugar de, ao mesmo tempo, se esforçarem para mudá-lo, em lugar de empregarem suas forças organizadas como alavanca para a emancipação final da classe operária. Isto é, para a abolição definitiva do sistema de trabalho assalariado. (MARX, 1986: 285).

BIBLIOGRAFIA

ALVES, Giovanni. O novo (e precário) mundo do trabalho. Reestruturação produtiva e

crise no sindicalismo. São Paulo: Boitempo. 1991.

______ Crise do Sindicalismo e as Perspectivas do Trabalho. In: TEIXEIRA OLIVEIRA

(org). O Brasil nos anos 90 Neoliberalismo e reestruturação produtiva: as novas

determinações do mundo do trabalho. 2ª ed. São Paulo: Cortez, Fortaleza:

Universidade Federal do Ceará. 1998.

Page 88: Cadespecial28

ANTUNES, Ricardo. Classe operária, sindicatos e partido no Brasil: um estudo sobre a consciência de classe, da revolução de 30 até a Aliança Nacional Libertadora. São Paulo:Ed. Cortez e Ed. Ensaio. 1988.

______ all. Neoliberalismo, trabalho e sindicatos - reestruturação produtiva no Brasil e na

Inglaterra. São Paulo: Boitempo. .(1997)

BADARÓ, Marcelo. Novos e velhos sindicalismos no Rio de Janeiro (1995-1998) RJ: Vício de Leitura. 1998.

CRUZ, Antônio. A janela estilhaçada - a crise do discurso do novo sindicalismo.

Petrópolis: Vozes. 2000.

DEBATE SINDICAL. Por uma experiência nova no sindicalismo da Argentina. Ano 15, nº 38. Jun/Jul/ago. 2001.

______ Refluxo e mutações do sindicalismo. Ano 14. nº 35. Set/Out/Nov. 2000.

COCCO, Giuseppe & SILVA, Gerardo. O Porto de Sepetiba: Implementação Industrial e

Perspectivas do Trabalho Portuário. Relatório Final. Rio de Janeiro. 1999.

LEITÃO, J. C. Patitucci - Lei 8630/93 - Lei de Modernização dos Portos brasileiros e a

sua implementação nos portos do rio de Janeiro. Monografia apresentada à

Universidade Estácio de Sá. 2001.

MARX, K. Para a crítica da economia política. Trad. Edgard Malagodi. São Paulo: Abril

Cultural. 1986.

RODRIGUES, Iran Jácome. O novo sindicalismo - vinte anos depois. Petrópolis: Vozes. 1999.

Page 89: Cadespecial28

O MOVIMENTO DE CULTURA POPULAR DE RECIFE

Maria Isabel De Araújo Lins50

Encontro-me aqui, nesse Seminário de Educação Popular e Lutas Sociais, não na

qualidade de educadora ou pedagoga, que não sou, nem tampouco enquanto psicanalista,

ofício que exerço, mas para responder ao prestigioso convite feito pela UFRJ através da

professora Maria Lídia Sousa da Silveira, enquanto testemunha e participante de um

movimento de educação popular que foi referência fundamental para todos aqueles que

vieram a seguir.

Não se trata de dar a essa intervenção um teor acadêmico, vou me permitir falar

em nome próprio e a partir da minha experiência nesse movimento.

Tentarei assim transmitir a vocês, estudantes de hoje, um vivido há 40 anos atrás.

Um vivido de paixão, de crenças, de experiências bem sucedidas, de utopias partilhadas. O

titulo desta Mesa não poderia ser mais sugestivo: “Experiências Históricas de Educação

Popular no Brasil”

Esse vivido teve como denominador comum a crença na realização de um

programa cujo objetivo era elevar o nível cultural e educacional de nosso povo. Entusiasmá-

lo, animá-lo, oferecer uma visão nova para suas possibilidades. Conscientizá-lo dessas

possibilidades. Fazê-lo acreditar que apesar da miséria, ou de sua posição de excluídos -

nas palavras de hoje - um caminho novo poderia ir se abrindo, a partir do momento ou

desde que, desse viver, as pessoas tivessem uma compreensão e uma vontade

determinada de tomá-lo para si para transformá-lo, num esforço e num espaço comum. A

via privilegiada não podia ser outra: a educação - lato senso, a conscientização - palavra de

ordem de nosso movimento , cunhada pelo pensamento do Professor Paulo Freire, um dos

fundadores do M.C.P.

Estamos em 1960 na cidade do Recife. Na cidade dos alagados, dos mangues, dos

afogados, como chamamos justamente um de nossos bairros. Para outros, que possuem

os meios para não se afogarem facilmente, estamos na Veneza Brasileira.

Vou retroagir de dois anos: 1958. Nosso prefeito de então, Pelópidas da Silveira,

preocupado com a situação dos pobres e miseráveis de nossa cidade, discute a criação

de um movimento cultural para unir governo, povo e intelectuais no intuito de

democratizar a cultura e o ensino das artes. O plano é divulgado e aprovado por

unanimidade. Urge encontrar um local para sua instalação. Pelópidas pleiteia a

50 Psicanalista – Movimento Cultural Popular MCP

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desapropriação do chamado Sítio da Trindade, mas o custo sendo muito alto, o projeto é

engavetado.

Na gestão seguinte, a gestão Miguel Arraes, em Maio de 1960, o projeto é

reavivado e finalmente viabilizado. Toma corpo e nome: Movimento de Cultura Popular,

inspirado numa experiência francesa chamada Peuple et Culture. Local: Sitio da Trindade,

na Estrada do Arraial, o Arraial do Bom Jesus, Casa Amarela, Recife.

Paulo Rosas, outro importante fundador do M.C.P., assim se expressa num

depoimento posterior: “Ao lado da campanha, De pé no chão também se aprende a ler, e

do Movimento de Educação de Base, o MEB, o M.C.P. é um exemplo desse esforço de se

educar entre si, de se evitar um modelo vertical de educação, de tomar como referências

educativas as necessidades, os valores, a cultura do povo em um momento de sua história,

em sua realidade social, econômica e política”.

A palavra conscientização torna-se de fato a palavra motora fundamental de

nossas ações e vem conferir ao educador Paulo Freire, um lugar não só de fundador, mas

de um dos mais importantes membros do MCP, se não o mais importante, com a criação e

a implantação de seu famoso método de alfabetização de adultos.

Além dos Paulos - Freire e Rosas - ambos de saudosa memória - contamos com o

que havia de mais criativo entre nossos intelectuais, artistas e trabalhadores decididos a

contribuir com as mudanças sociais que se impunham. Germano Coelho, nosso Presidente,

Norma Porto Carreiro Coelho, Anita Paes Barreto, Maria Antonia Mac-Dowell, Aluisio

Falcão, Abelardo da Hora Sebastião Uchoa Leite e tantos mais.

Uma palavra rápida sobre a estrutura e a organização do M.C.P.

Eram seus objetivos :

1) Promover e incentivar, com a ajuda de particulares e dos poderes públicos, a

educação de crianças e adultos. Educação concebida como desenvolvimento

de todas as virtualidades humanas.

2) Elevar o nível cultural do povo, preparando-o para a vida e o trabalho.

3) Colaborar com a melhoria de seu nível material através de educação

especializada.

4) Formar quadros destinados a interpretar, sistematizar e transmitir os múltiplos

aspectos da cultura popular.

Além dos setores administrativos, deliberativos, consultivos e executivos, o MCP

contava com três departamentos fundamentais:

Departamento de formação da cultura

Page 91: Cadespecial28

Departamento de documentação e informação Departamento de Difusão da cultura

O departamento de formação da cultura foi o que desenvolveu a ação educativa

mais criativa. Cabia-lhe:

1- Interpretar, desenvolver e sistematizar a cultura popular.

2- Criar e difundir novos métodos e técnicas de educação popular.

3- Formar pessoal habilitado a transmitir a cultura do povo.

Desse departamento faziam parte dez divisões: de Pesquisa; de Ensino, Artes e

Artesanato; de Música, Dança e Canto; de Rádio, Televisão, e Imprensa; departamento de

Teatro; de Cultura Brasileira; de Bem Estar Coletivo; de Saúde e finalmente, departamento

de Esportes.

Essas divisões funcionavam através dos programas ou projetos especiais,

executados sob a responsabilidade imediata de coordenadores.

Minha participação:

Trabalhei inicialmente na Divisão de Pesquisa, sob a chefia do Prof. Paulo Rosas.

Um questionário fora concebido a fim de levantar novos dados para ampliação do universo

vocabular do método do Prof. Paulo Freire. Aquele momento, mesmo que sofrido, nos foi

coincidentemente propício à investigação desejada. Queria Paulo Freire entender o

pensamento mágico do povo e acabara de acontecer o estouro do açude de Orós, Ceará,

onde vidas, sonhos e tantos empreendimentos foram perdidos. Um nordestino sabe bem,

por si só, a magia que a palavra açude exerce sobre ele. Um açude que estoura, rompe, dá

muito o que pensar e matutar.

Nesse contexto, partimos para o campo. O universo populacional escolhido foi

levantado a partir da lista de alunos inscritos na Rede Pública de Ensino Primário, então

bastante precária. A ajuda de tivemos das diretoras dessas escolas foi fundamental para o

sucesso de nosso trabalho.

Visitei bairros, arrabaldes e córregos do Recife. Exaustivamente. Córrego do

Euclides, Macaxeira, Barriguda (por causa de uma imensa paineira, em Pernambuco

chamada de barriguda), Afogados, Coque, Várzea , Beberibe, Iputinga, Alto Zé do Pinho,

Alto do Pascoal, Morro da Conceição, Torrões e tantos mais. Aplicávamos um questionário

fechado e complementávamos com perguntas abertas, momento intensamente esperado

por mim. Puxava a prosa - em geral éramos recebidos pelas mães, que se estendiam e

falavam de suas vidas, de suas lutas, de suas expectativas, de seus desânimos, de suas

crenças. Muitas vezes imagino que esse momento marcou, definiu minha escolha futura de

ser psicanalista, realizada muitos anos depois, no exílio em Paris. A decisão pela

Page 92: Cadespecial28

psicanálise se deu, pois, marcada inicialmente por essa experiência política na minha

cidade.

Paralelamente à pesquisa de campo, fui encarregada de realizar uma outra, agora

nos Arquivos do Diário de Pernambuco, sobre as origens do carnaval pernambucano. Com

os primeiros resultados, chegou-se a escrever um artigo: “Dois Flashes do Carnaval

Pernambucano”. Havia a intenção de se fundar no M.C.P., um museu da Cultura Popular e

o carnaval teria aí um lugar privilegiado.

Posteriormente a essas pesquisas, participei do projeto Praças de Cultura. Esse

projeto se integrava a um outro mais amplo, denominado Meios Informais de Educação, do

qual faziam parte bibliotecas e um serviço de radiodifusão da cultura popular. Seu intuito

era o de suscitar debates que animassem a consciência dos problemas comunitários -

propúnhamos exibição de filmes e encenação de peças teatrais dizendo respeito aos temas

em pauta. As discussões eram profícuas e o fio condutor sempre esse: Conscientização

das questões comunitárias como subsídio para um processo de transformação. Obtivemos

sucessos inegáveis. No seu depoimento ao “Movimento de Cultura Popular- Memorial”

publicado sob os auspícios da Prefeitura da cidade do Recife, 1986, sendo prefeito Jarbas

Vasconcelos, Anita Paes Barreto nos diz:

O fato é que o M.C.P., já em fins de 1962, contava com cerca de 20.000 alunos

divididos em pouco mais de 600 turmas, distribuídos entre 200 escolas isoladas e Grupos

Escolares.

Finalmente extinto o M.C.P. pelo novo regime de governo que se instalou em 1964,

a Prefeitura do Recife foi levada a instalar a Fundação Guararapes, a fim de manter as

escolas já em pleno funcionamento, inauguradas, pelo anterior movimento.

Pode-se então dizer que o M.C.P. levou a Prefeitura do Recife a criar oficialmente, o

ensino municipal, sob a direção de uma Secretaria de Educação, consequentemente então

criada, e atualmente, no Governo do Prefeito Jarbas Vasconcelos, em processo de

mudança, quanto à orientação do ensino.

Antes de terminar, gostaria de destacar também a importância que teve o

Departamento de Teatro, encenando nossas idéias e ideais e do qual fizeram parte atores

hoje consagrados como José Wilker e Nelson Xavier.

Uma palavra também sobre as volantes do setor médico, as cooperativas das

costureiras, enfim ,sobre todos esses cujos esforços foram o de levar à população sofrida e

desmunida de recursos materiais, subsídios, sobretudo educacionais. Ajudando nessa

tarefa de conscientização fazendo com que a partir daí, da consciência de sua situação, as

pessoas pudessem trabalhar por uma mudança real, possível e duradoura.

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Veio 1964. Invadiram nossas instalações do Arraial do Bom Jesus. Incendiaram

nossos arquivos. No entanto, o que foi então plantado não arrefeceu. Não se queimam

ideais nem idéias: continua a luta, a vontade por um mundo melhor, por um Brasil menos

desigual.

É o que eu tinha para lhes dizer.

Muito obrigada.

18 de novembro de 2004.

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INTRODUÇÃO AO DEBATE: UM PERCURSO NA ÁREA DA EDUCAÇÃO POPULAR Regina Rocha51

Nesta mesa de debate dedicada à “Educação Popular: algumas experiências atuais

no Brasil”, vou apresentar, sucintamente, a trajetória da Nova Pesquisa e Assessoria em

Educação, organização não governamental criada no início da década de 70 a partir de

debates em um seminário realizado em Salvador (Bahia). Esse seminário teve como

participantes um número significativo de responsáveis por trabalhos educativos junto a

movimentos populares, em diferentes pontos do país, e alguns educadores e

representantes de agências de cooperação internacional. Uma das recomendações finais

desse seminário foi a de que fosse criada uma instituição que pudesse prestar assessoria

aos trabalhos de base que, naquele momento, estavam sem condições de aprofundar um

debate sobre questões levantadas em suas respectivas práticas de trabalho e se sentiam

muito isolados frente aos problemas que estavam enfrentando. Visando a concretizar essa

recomendação foi fundada a NOVA, que começou sua atuação na área da educação

popular em 1973. A trajetória da NOVA está vinculada à trajetória da educação popular no

país a partir desta data.

Historicamente, “Educação popular” nomeia um conjunto de práticas bastante

diversificadas: são distintas as orientações teóricas, os tipos de inserção, as áreas

temáticas, as ênfases, os grupos sociais envolvidos. Estas práticas têm, no entanto, uma

marca constitutiva comum: afirmam-se e se reconhecem pelo conjunto de princípios ético-

políticos que fundamenta seus trabalhos. Unir o ético e o político nestas práticas significa

não só afirmar uma intencionalidade mas, ainda, enquanto processo educativo, orientar

suas propostas e comprometer suas intervenções com o fortalecimento de sujeitos

coletivos capazes de pensar e problematizar o seu tempo, semear valores, demarcar

caminhos e alternativas para a construção de uma sociedade pautada por eqüidade e

justiça social.

Este posicionamento impulsiona os trabalhos de educação popular a desenvolver,

com a participação ativa dos grupos envolvidos, suas potencialidades enquanto sujeitos da

transformação de suas vidas e da coletividade.

É por isso que, neste processo educativo, o que se visa é produzir – e não só

transmitir – conhecimentos que sejam instrumentos para atuação dos grupos. Para tanto, é

necessário criar condições para o exercício coletivo de poder influir, decidir, encaminhar,

51 Socióloga, pesquisadora da Nova Pesquisa e Assessoria em Educação (RJ).

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optar, questionar, propor a transformação dos padrões de existência social vigentes que

reproduzem uma sociedade de desigualdades e exclusão.

Na educação popular – participantes “educadores e educandos” – apresentam

conhecimentos diferenciados que exprimem a apreensão da realidade de um determinado

ponto de vista. Este conhecimento é resultado da experiência histórica dos diferentes

grupos; surge em diferentes pontos da sociedade; nasce nos diferentes atos pelos quais

homens e mulheres se apoderam de um certo número de coisas, reagem a um certo

número de situações. No processo educativo, a experiência que está se efetivando no

concreto é apresentada justamente para ser pensada, apropriada, compreendida. O que se

visa é criar um conhecimento que fundamente a construção de um novo tipo de sociedade

e, para tanto, é necessário que os participantes exerçam o seu poder de pensar, de tomar

iniciativas, de decidir, de interferir, de partilhar o que já sabem para criar o ainda não

conhecido.

É nesta perspectiva que a NOVA atua. A ênfase de seu trabalho está na reflexão e

no debate crítico sobre a realidade existente para, com a participação ativa dos

participantes, produzir um conhecimento que possibilite a ampliação da interferência destes

segmentos no processo de construção de uma sociedade igualitária e plural.

Nestas três décadas de atuação da NOVA, significativas mudanças ocorreram na

dinâmica da realidade brasileira e nos processos educativos desenvolvidos.

Na década de 70 – época em que a NOVA inicia seus trabalhos – as camadas

populares desenvolveram, no cotidiano, uma resistência ativa e efetiva nas mais diversas

redes de relações 52. Estas lutas realizaram-se nos mais diferentes pontos da rede social:

movimentos por moradia, movimentos por saúde nas periferias, oposição metalúrgica... E

não se realizavam inevitavelmente, como nas décadas anteriores, como luta de resistência

ao poder de Estado. Elas se efetuaram justamente onde – integradas ou não ao Estado –

estavam se efetivando relações que mantinham e reforçavam os padrões sociais

dominantes. Ou seja, nestes movimentos, o Estado deixa de ser a referência central como

lugar e instrumento privilegiado das mudanças sociais. E mais: também deixam de ter

primazia as lutas conduzidas pelo operariado e campesinato, referências privilegiadas em

trabalhos de educação popular até então desenvolvidos .

A partir desse período, os sujeitos históricos coletivos se ampliam: passam a ser

formados por outras categorias além do proletariado e campesinato, visibilizando e

fortalecendo, por exemplo, a luta das mulheres, dos negros, dos indígenas. Há o

52 Vide SADER, Eder – Quando novos personagens entram em cena, 2a. ed., S.Paulo, Paz e Terra, 1991

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descolamento destas lutas dos movimentos institucionais tradicionais: sindicatos,

organizações/partidos políticos. Com o fortalecimento de novos sujeitos coletivos,

diversificados e descentralizados, há uma ampliação dos lugares políticos em que esses

sujeitos atuam. São espaços referenciados na experiência cotidiana visando

transformações nas relações com o espaço público.

Nessa trajetória, a NOVA soma seus esforços a vários trabalhos de educação

popular que, mantendo como centro privilegiado de suas atuações os movimentos

populares, passam a interagir também com os movimentos sociais, ampliando sujeitos,

espaços e temáticas, e mantendo seu compromisso com um projeto de sociedade

igualitário e plural.

As mudanças sociais iniciadas na década de 1970 demandaram tempo para se

consolidar mas, de forma renovada, marcar as atuações de educação popular

desenvolvidas hoje.

Analisando atuações nesta área na década de 90, alguns autores consideram que

a educação popular passou de uma educação “de” e “para” os setores populares a uma

educação emancipadora e democrática que se propõe a ser capaz de oferecer uma

proposta educativa a toda a sociedade.

Assim sendo, pode-se admitir que, hoje, os trabalhos de educação popular têm

grandes desafios pela frente. Esta é uma época marcada pelo aprofundamento dos

processos de exclusão social, aumento do desemprego, destruição da natureza, ampliação

das formas de violência.

No atual cenário brasileiro tem sido demandada e valorizada a participação de

diferentes segmentos na discussão e negociação de novos rumos para o país. A

participação da população no encaminhamento de questões que lhe dizem respeito já é um

elemento fundamental para começar a reverter o atual quadro de forças no cenário

nacional. No entanto, é preciso ressaltar que apenas a interlocução não é suficiente;

participação significa integrar os segmentos sociais como parte ativa na construção e

controle do processo democrático brasileiro.

Os trabalhos de educação popular têm atuado para incentivar e promover

discussões sobre os processos que geram e sustentam uma situação de profunda

desigualdade social. Não se trata de debruçar-se sobre os efeitos, mas de analisar os eixos

dinâmicos desse processo, que não é nem inexorável, nem obra do acaso, mas resultado

histórico de opções políticas deliberadas. A superação da atual situação requer a

construção de um país radicalmente democrático. A democracia representativa,

mundialmente e há muitas décadas, tem tido a sua legitimidade fortemente contestada,

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dado que os seus mecanismos de funcionamento dizem respeito a democracias formais,

não viabilizam uma democracia efetiva.

Trata-se de construir uma democracia substantiva, o que significa um modo de

funcionamento da sociedade em que vigorem a criação e o controle social, e não apenas

um modo de funcionamento de um regime de governo. Para que se construa esta

democracia, a sociedade tem que ser modificada em todas as suas práticas, em toda a sua

capilaridade.

E, sem dúvida, nesse processo a educação popular tem sua contribuição a dar -

por sua trajetória, por sua história, por sua dinâmica atual. Junto a diferentes segmentos

sociais, somando esforços com movimentos sociais e movimentos populares, os trabalhos

de educação popular têm atuado permanentemente frente às causas dos desafios

concretos, criando novos padrões de interação e de resistência a práticas de exclusão e

discriminação social. Estas novas práticas abrem possibilidades de transformação do que

está dado na medida em que, inventando e afirmando padrões mais igualitários de

convivência e de reestruturação das relações sociais, colocam a exigência de construção

de uma sociedade pautada por justiça e solidariedade.

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SEMINÁRIO: EXPERIÊNCIAS HISTÓRICAS DE EDUCAÇÃO POPULAR NO BRASIL EDUCAÇÃO POPULAR NA DÉCADA DE 60

Rute Maria Monteiro Machado Rios53.

- Relato de uma experiência -

1- Introdução Ao aceitar o convite da professora Maria Lídia para participar deste seminário,

meu primeiro movimento foi realizar uma viagem no tempo/espaço para retomar uma

vivência de 40 anos atrás. Naquela ocasião, o conceito de “educação popular” começava a

ser construído e o apetite que conduzia a mim e a inúmeros outros jovens estudantes

universitários, era a promoção dos direitos humanos da imensa população nordestina que

vivia no campo e nas cidades em regime de semi-escravidão. E a educação, desde o

aprendizado da leitura/escrita até o exercício da cidadania plena, era o caminho que todos

nós nos dispusemos a trilhar.

2- Situando-me no tempo/espaço

Meu nome é Rute Maria Monteiro Machado Rios, natural de Campina Grande –

Paraíba. Meu engajamento nesse trabalho de educação popular começou em 1964

quando, já estudante de Direito em Recife, fui convidada a trabalhar no Movimento de

Educação de Base (MEB) de Pernambuco, na equipe sediada em Recife. A área de

atuação delimitada para nosso grupo era a zona da mata, onde estavam instalados os

engenhos e usinas que produziam o açúcar, naquela ocasião, a principal fonte de riqueza

do Estado. Ali atuei por um período de três anos (1964/66).

Em setembro de 1966, em virtude de problemas de perseguição política, tive que

abandonar o Recife. Transferi-me, então, para o Rio de janeiro onde, a partir de janeiro de

1967, passei a integrar a equipe nacional do MEB. Isto implicou na ampliação da área e da

especificidade da minha atuação. Ou seja, de técnica de uma ação educativa de base –

intervindo diretamente na realidade através de ações de alfabetização e educação política

de adultos – passei a assumir tarefas de treinamento e supervisão de equipes de educação

de base instaladas em vários estados do norte de do nordeste do Brasil. E, aí permaneci

até setembro de 1971.

53 Pedagoga – Movimento de Educação de base -MEB

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3- . Como se deu minha formação.

A década de 60 foi, sem dúvida, pródiga no que diz respeito à mobilização popular.

Atores diversificados tais como: partidos, sindicatos, associações, movimentos estudantis e

instituições, como a Igreja Católica, atuavam na direção de promover mudanças na

sociedade brasileira. Já no primeiro ano do curso de Direito, fui convidada a integrar a

equipe da Juventude Universitária Católica (JUC) e foi, a partir daí, que tomei conhecimento

da existência do Movimento de Educação de Base – MEB. Em janeiro de 1963, quando

havia recém completado 19 anos, fui convidada a integrar a equipe do MEB/Recife depois

de ter participado de um treinamento de 10 dias. Era uma estudante do curso de Direito e

não tinha nenhuma formação pedagógica para a tarefa que me convocavam. O que me

moveu foi a determinação de mudar o mundo, alfabetizando e organizando a sofrida

população que trabalhava nos engenhos e usinas de cana de açúcar.

Portanto, foi no dia a dia do trabalho do MEB/Recife que fui me forjando como

educadora popular. As atividades consistiam em visitar e instalar escolas nos municípios da

zona da mata próximos do Recife; capacitar/treinar monitores para a atividade de

alfabetização com apoio do rádio e cartilha; preparar e gravar aulas radiofônicas e

programas especiais - tanto para os alunos como para as comunidades a que pertenciam;

supervisionar as escolas no horário da transmissão das aulas e fazer reuniões regulares

com as comunidades que abrigavam as escolas.

Essa formação, em serviço, foi uma experiência da qual jamais esquecerei! O que

criamos - desafiados por uma tarefa inusitada para todos os jovens integrantes da equipe;

composta por estudantes de diferentes áreas; que pouco ou nada conheciam do ato de

ensinar a ler e escrever a indivíduos adultos e, muito menos, através do rádio foi

simplesmente extraordinária!

4- O que gerou essa experiência?

Passados tantos anos dessa história debruço-me, regularmente, sobre as notícias

nos jornais e na TV a respeito dos rumos que tomaram as lutas dos trabalhadores rurais

não só da minha cidade de origem, como também de outras regiões do país. Observo que

num espaço muito curto de tempo, a realidade mudou muito. Os números se inverteram: os

que hoje estão no campo são minoria, mas a luta que continuam a travar ganhou novos

contornos. Ao mesmo tempo, o nível de instrução/informação aumentou bastante no meio

rural e urbano. De fato, não há como negar que no decorrer de todo esse tempo houve

acumulação de experiências e saberes não só do lado dos agentes educadores como,

também, dos trabalhadores rurais.

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Refletindo sobre isto, ao preparar minha participação neste seminário, lembrei de

um projeto que desenvolvemos no MEB/Recife para transmitir aos nossos alunos a história

da formação da nação brasileira. Tínhamos então, na equipe, uma pessoa que trabalhava

com produção de textos para teatro e começamos a discutir a possibilidade de produzir um

programa especial que tratasse dessa temática. E, foi assim, que nasceu o projeto de uma

novela radiofônica. Baseada no livro “As aventuras de Tibicuera” de Érico Veríssimo essa

novela foi tão bem sucedida que outras equipes do MEB, no nordeste, retransmitiram esta

programação em vários estados da região.

Em 1990, passados cerca de 25 anos da transmissão dessa novela pelo rádio,

participei de um seminário sobre sindicalismo rural no sertão do nordeste e, para minha

surpresa, ouvi um velho sindicalista citar vários trechos do discurso político do personagem

Tibicuera, para falar da luta e da trajetória do sindicato rural na sua região.

Enfim, toda essa acumulação continua se ampliando no desdobramento da luta por

uma condição melhor de vida dos trabalhadores do nosso país. E, o exercício pleno da

cidadania foi, segue sendo feito com a ajuda de recursos cada vez mais numerosos e é aí

que nós, agentes, nos incluímos sem perder que os protagonistas da construção de um

país mais digno e justo são eles, os trabalhadores do campo e da cidade do nosso país.

Muito obrigado!! Rio de janeiro, 18 de novembro de 2004

Page 101: Cadespecial28

EDUCAÇÃO POPULAR: FORMAÇÃO DA CONSCIÊNCIA E LUTA POLÍTICA54

Mauro Luis Iasi55

A formação política é uma das ações mais enfatizadas pelas organizações

dos trabalhadores em seu processo de luta pela emancipação humana. Paradoxalmente,

esta eterna prioridade, quase sempre é relegada na prática destas organizações. A cada

encontro ou congresso dos movimentos e organizações das forças populares, a formação é

reafirmada, para no próximo encontro detectarmos que aquilo que foi planejado não se

realizou, ou, no limite, não se realizou da forma como se esperava. Por que isto acontece?

Em nossa visão há uma certa mistificação do tema da “formação política” ou da

“educação popular”, dependendo da maneira como o assunto é tratado entre nós. Por

vezes a formação assume o perfil de uma mera transmissão da linha partidária, ou de uma

doutrina, e, por outro lado, por vezes assume o papel supervalorizado de criadora da

própria consciência que nos levará às transformações revolucionárias. De um lado, uma

simples técnica de socialização de uma teoria transformada em receituário colado a

determinados “modelos” que devem ser repetidos; de outro o espaço de formulação e

elaboração de um suposto novo conhecimento que iluminará as mentes, levando a

consciência em si, através do ato educativo, até uma consciência para si.

Há um evidente exagero nesta polarização, no entanto, ela nos ajuda a compreender

o movimento percorrido pelas experiências em formação política no Brasil e algumas de

suas lacunas. Para nós a questão inicial a ser enfrentada é que a forma da educação

popular, ou da formação política de quadros, está inseparavelmente ligada à maneira como

as forças políticas entendem o processo de formação da classe e concebem o caminho de

sua emancipação.

A própria idéia de que há necessidade de um processo educativo especificamente

voltado aos trabalhadores com vistas á socialização de um determinado conhecimento

essencial em sua tarefa transformadora, já implica em certos pressupostos, quais sejam: 1)

há uma diferença entre aparência e essência, de forma que a simples vivência da realidade

não oferece a compreensão necessária das determinações que sustentam uma particular

forma de sociedade; 2) a compreensão de que as diferentes alternativas societárias

correspondem a interesses de classe, o que nos leva a afirmar que tanto a manutenção da 54 Tema tratado no Seminário de Educação popular e Lutas Sociais do CFCH da UFRJ no dia 18 de novembro de 2004. 55 Mauro Luis Iasi é doutor em Sociologia pela FFLCH da USP, professor titular de Ciência Política e Teoria do Estado da

Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, professor de Sociologia da Universidade Metodista de São Paulo e educador do Núcleo de Educação popular 13 de Maio.

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atual ordem social, como a possibilidade de sua superação envolve projetos históricos de

determinadas classes sociais; 3) acreditar que as transformações históricas podem ser um

projeto consciente, que expressam uma intencionalidade, ou seja, que no caso da etapa

proletária e socialista, as revoluções não “acontecem”, mas tem que ser “feitas”; 4)

compreender que na realização de uma revolução social, combinam-se aspectos objetivos

(grau de avanço das forças produtivas materiais e sua contradição com as relações sociais

existentes, grau de amadurecimento de uma situação revolucionária, crise nas cúpulas,

aumento da miséria e angústia das massas, acirramento do movimento independente das

massas, etc), com aspectos subjetivos, que Lênin identificou como a “capacidade da classe

revolucionária em produzir ações revolucionárias de massa que levem à derrubada do

poder da classe dominante” e que envolvem a capacidade de elaboração de programas

táticos e estratégicos produzidos pela compreensão das formações sociais em suas

particularidades, assim como a constituição dos meios organizativos capazes de produzir

os vínculos diretos com o movimento vivo da classe.

Como vemos, é somente a partir destes pressupostos que faz sentido a

necessidade da formação política, e por isso, também, acreditamos nós, que ela entra em

crise no atual momento de defensiva política dos trabalhadores, no qual estes pressupostos

são questionados. A ofensiva pós-moderna funda sua principal argumentação na afirmação

da emergência de uma sociedade “pós-industrial”, na qual as classes perderam a

centralidade explicativa que antes representavam, ao mesmo tempo em que abrem suas

baterias críticas contra o marxismo acusando-o de ser uma visão mal superada de

hegelianismo reapresentando a classe trabalhadora como sujeito de uma história

transcendental, de um projeto teleológico, ou seja, que Marx teria apenas substituído o

“Espírito do Mundo” de Hegel pelo proletariado, mas mantido toda a estrutura voluntarista e

idealista do filósofo alemão.

Neste cenário de derrota e defensiva da luta dos trabalhadores, a formação

perde o sentido e a educação popular metamorfoseia-se em programas de “inclusão

social”, “desenvolvimento de cidadania”, “educação para o trabalho”, ou ainda assume a

forma de meros atos de propaganda e de informação.

Afirmamos que o trabalho educativo na perspectiva de uma educação popular

revolucionária, só faz sentido para aqueles que acreditam, com nós, na possibilidade da

classe trabalhadora poder tornar-se um sujeito histórico capaz de apresentar um projeto

societário alternativo contra a ordem do Capital. O registro pós-moderno rompe com a idéia

de sujeito histórico, diluindo-se na singularidade do acontecimento, no acaso da luta

Page 103: Cadespecial28

particular, alterando radicalmente o papel do conhecimento e daí o papel do próprio

intelectual orgânico, nos termos gramscianos.

Como em nossa compreensão os aspectos subjetivos de um processo de

construção de uma alternativa revolucionária se encontram em uma relação de unidade de

contrários com os aspectos objetivos, ocorre uma ação e reação recíproca de forma que

um dos aspectos pode, em certo momento, transformar-se em seu oposto, o que no caso

significa que os aspectos objetivos podem levar à conformação de uma consciência

revolucionária, assim como esta consciência passa a agir como força material quando se

objetiva na ação da classe. Esta aproximação nos coloca numa situação delicada que é a

de afirmar que, assim como não acreditamos que as contradições objetivas e o processo de

luta conduz mecanicamente à alterações da consciência, da mesma forma não podemos

concordar que os impasses práticos da luta de classe possam ser resolvidos por uma mera

ação educativa.

O papel e a importância da formação política encontra-se na fronteira desta

disjuntiva, estando profundamente ligada à maneira como compreendemos o processo de

consciência. O sujeito da transformação revolucionária são as classes, mas estas, de certa

forma, têm que se conformar enquanto classes. Este argumento, que implica negar uma

certa visão de que as classes seriam meros espaços determinados pelas posições relativas

diante da propriedade e das relações sociais de produção, nos remete ao conceito das

classes como fruto de uma múltipla síntese entre inúmeros fatores, que incluem, além dos

já citados, o processo de formação da classe em se processo de luta e a consciência de

classe.

Esta consciência de classe não pode ser confundida com um de seus momentos,

seja a alienação típica da serialidade dos indivíduos em disputa na sociedade do capital, a

conformação como uma classe em si da ordem capitalista na qual os trabalhadores

procuram se amoldar como parte integrante, ou o momento de negação da ordem e de

possibilidade de afirmação de uma autonomia histórica como classe para si. A consciência

é um movimento que passa por estes momentos, é um todo e como tal é apenas o

processo pelo qual tornou-se o que é.

Este movimento da consciência não pode ser compreendido para além do próprio

movimento do ser da classe e, neste sentido, a classe trabalhadora, em seu processo de

constituição enquanto classe passa, também, por estes momentos que vão desde a

serialidade inicial dos indivíduos até momentos de amoldamento à ordem do capital e de

negação desta mesma ordem. Isto ocorre porque a classe trabalhadora é, ao mesmo

tempo, uma classe na ordem capitalista, sem que seja uma classe da ordem capitalista.

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Podemos então concluir que estes diferentes momentos do processo de entificação

da classe como classe, nos termos de Marx, encontram sua correspondência em diferentes

momentos da própria consciência de classe. Entretanto, se esta é a base material, o

aspecto objetivo da consciência de classe, ela não é determinada mecanicamente por

apenas por ele, uma vez que intervêm aspectos subjetivos, ou seja, produzidos pelos

sujeitos revolucionários e as organizações, que moldam de certa forma a classe no sentido

da negação ou do amoldamento.

É neste campo que a formação intervêm de forma decisiva. A vivência das

contradições próprias do sistema capitalista pode levar os indivíduos até formas de

associação grupal, desde as mais imediatas até graus diferenciados de pertencimento de

classe, mas este processo encontra seus limites nos contornos da formação das classes da

sociedade do capital, no limite do que Marx chamaria de consciência em si. A possibilidade

de um salto de qualidade em direção a uma consciência revolucionária se produz pela

combinação, de um lado, da vivência prática dos impasses e impossibilidades de completar

a emancipação dentro dos limites não superados de uma sociedade regida pelo capital, e

por outro pela apropriação de instrumentos teóricos que permitam ir além das aparências e

compreender as determinações profundas que estão na base das injustiças e da

exploração contra as quais a classe se move.

Existe, portanto, três dimensões distintas no que tange ao trabalho revolucionário

empenhado em constituir as chamadas condições subjetivas: a da agitação que

potencializa as contradições vividas individualmente até formas variadas de sociabilidade

grupal, a da organização que potencializa estes formas grupais desde níveis imediatos até

graus maiores de pertencimento de classe (associações, sindicatos, movimentos sociais,

partidos, etc), e a da formação, propriamente dita, que acompanha este movimento no

sentido de buscar as causas e determinações da sociedade atual, tornando possível uma

leitura da realidade que seja capaz de autonomia histórica, nos termos de Gramsci.

Algumas experiências históricas do trabalho educativo no campo da formação

política, não atentaram para a diferença de natureza entre estes momentos, ou, como foi

determinante nos momentos mais recentes deste processo, diluíram estas diferenças na

afirmação tão comum segundo a qual “tudo é formação”, ou “tudo tem uma dimensão

pedagógica”. Desta maneira, a formação política acaba sendo confundida com uma mera

agitação, e subordina-se à ação, ou uma mera técnica de homogeneização (aliás e daí que

deriva o termo “formação” - colocar na forma), subordinando-se a organização. Seja como

for, a formação perde sua especificidade.

Segundo o que pensamos a formação encontra sua especificidade na tarefa

Page 105: Cadespecial28

essencial de socializar os elementos teóricos fundamentais para que os elementos da

classe trabalhadora possam constituí-la enquanto sujeito histórico, ou seja, capaz de

apresentar uma alternativa societária com independência e autonomia histórica. Para tanto

os elementos que compõem a classe precisam compreender a natureza particular da

sociedade capitalista, suas determinações e sua formação histórica, assim como a luta de

sua classe, o movimento na história da própria constituição da classe trabalhadora

enquanto classe, suas estratégias, suas epopéias e derrotas, para retirar de cada grão da

história seus ensinamentos. Mas também, e fundamentalmente, apropriar-se de um

método, que tornou possível estes saberes, que desvendou a economia política, que

através da crítica da economia política logrou compreender o ser do capital em sua

essência, que buscando captar o movimento das formas chegou a compreender os

processo pelos quais as formas se superam, que compreendendo a natureza singular da

transformação que a sociedade especificamente capitalista em seu auge prepara, pode

encontrar na classe trabalhadora o sujeito histórico desta transformação e, nesta forma

particular, a possibilidade de uma emancipação humano-genérica. Em uma palavra, a

formação implica, ao nosso ver, na apropriação do legado marxiano pela classe

trabalhadora.

A forma como tais objetivos foram pensados na tradição das organizações

socialistas e revolucionárias em nosso país, marca as diferenças fundamentais no que

tange as concepções da formação política e de educação popular. Em um primeiro

momento devemos registrar que o processo de formação da classe trabalhadora brasileira

carrega a herança das lutas populares e de resistência que têm sua origem no passado

colonial e escravista da formação social brasileira.

Foi, entretanto, com o processo de transição para uma economia capitalista na

passagem do século XIX para o século XX, que se inaugura uma organização de classe

que implicava em um trabalho específico de “formação” ou “educação”. Nestes primórdios

temos a rica experiência da corrente anarco-sindicalista e o desenvolvimento de métodos

extremamente criativos que foram responsáveis pelo estabelecimento, de maneira pioneira,

de uma cultura operária e emancipatória.

O movimento anarquista foi responsável por uma intensa militância cultural, da

maior imprensa operária que o movimento dos trabalhadores teve em toda sua história, da

divulgação ampliada de ideais libertários através de textos, peças teatrais esquetes,

piqueniques, manifestações e, principalmente, da ação direta das lutas sociais e

reivindicatórias. A atividade educativa era encarada como parte central da luta social e da

afirmação da autonomia das organizações operárias, inclusive na formação de escolas

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ditas formais controladas pelas organizações libertárias. A educação libertária é inseparável

de suas funções agitativas ligadas à estratégia da ação direta, revestindo-se, por vezes, de

uma ênfase moral. Os limites desta primeira forma são proporcionais aos seus êxitos

encontrando sua forma mais desenvolvida nas greves gerais de 1917 e 1919.

Evidente que a experiência anarquista não pode ser julgada por não se utilizar

do referencial marxista, uma vez que fundamentava sua estratégia sobre ouros alicerces,

entretanto, a categoria da ação direta implicava em recursos morais, profundamente anti-

capitalista, que necessitavam ser massificados para se tornar eficazes enquanto arma

política. O aspecto da compreensão da particularidade da formação social brasileira, o

caráter da sociedade, das classes e do Estado no Brasil, não chegaram a constituir questão

central na elaboração, e portanto no trabalho educativo-político, anarquista.

O impacto da Revolução Bolchevique na Rússia e os limites práticos das

estratégias anarquistas, concorreram para a formação do PCB em 1922 e o início de uma

longa hegemonia da tradição comunista no Brasil que se estendeu até o golpe militar de

1964. Se na experiência anarquista a formação encontrava sua maior expressão na esfera

da agitação e da formação de uma cultura operário-libertária (sem que desconsideremos

que a estas esferas ligava-se um intenso trabalho organizativo), a tradição comunista

colocava sua ênfase na organização, de maneira que a formação assumia o papel de

socialização de uma doutrina marxista, como síntese de um pensamento revolucionário

capaz de dotar de homogeneidade o corpo da classe enquanto partido. A eficiência desta

forma, que pode ser medida pela longevidade da experiência organizativa dos comunistas

brasileiros, também foi proporcional aos seus limites. Colocando a classe trabalhadora em

movimento como um novo sujeito histórico, em muitos momentos como ator determinante

de certas conjunturas, o PCB levou a formação política até um alto grau de organização

que atingia com grande eficiência a tarefa de multiplicação de militantes orientados por uma

linha de ação comum. Entretanto, a formação, exatamente por isso, subordinou-se à

organização e assumiu uma forma de socialização de uma linha de ação.

O limite desta experiência, assim como da contribuição anarco-sindicalista, não

deve ser medida pelo crivo do sucesso ou fracasso da estratégia adotada, mas através dos

caminhos percorridos para a construção destas alternativas. O que nos chama a atenção é

que estas experiências que alcançaram índices invejáveis de aglutinação, organização e

mobilização das massas operárias, que construíram meios de educação e desenvolvimento

de elementos culturais responsáveis pelo estabelecimento de gerações de militantes

convictos, fundarão suas estratégias em uma leitura bastante precária a respeito da

particularidade da formação social brasileira.

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É verdade que a tradição comunista deu um salto significativo nesta direção,

através de estudos pioneiros como os de Octávio Brandão e Astrogildo Pereira, entre

outros, mas devemos notar que acabou por prevalecer a imposição de modelos

comparativos que acabavam por ser determinantes, como no caso da definição de

estratégias insurrecionais, como as de 1935, ou na definição de um caráter Nacional

Democrático como a estratégia que prevaleceu na década de 50 e 60.

A própria diversificação da esquerda brasileira tendo por tronco fundamental o

PCB, ou a ele se contrapondo, acaba por confirmar esta tendência. A fonte destes modelos

pode ser encontrada na dinâmica do movimento revolucionário internacional e nos

acontecimentos dramáticos que emanavam das experiências de transição revolucionária

em curso, como seria natural de se esperar. Desta maneira, com a hegemonia das

concepções de Stalin na URSS, forma-se por contraste, no Brasil, a corrente trotskista,

principalmente a partir do grupo 1º de Maio e depois da Liga Comunista Internacionalista;

quando da cisão entre a URSS e a China, já na década de 60, tem inicio a formação de

cisões que procuram uma possibilidade de leitura maoísta no Brasil, posteriormente

ganhando forma com a criação do PC do B em 1962, da mesma forma que a crise da

estratégia nacional democrática do PCB com o golpe em 1964, levaria vários grupos a se

aproximarem do modelo guerrilheiro emanado da experiência bem sucedida da revolução

Cubana de 1959.

De forma muito geral podemos afirmar que a opção por modelos alternativos não

se dava por diferentes leituras da formação social brasileira, mas pela busca de parâmetros

encontrados nas experiências que encontraram êxito em cada período (Revolução Russa,

Chinesa, Cubana, etc.). Neste grau de pulverização a formação política assume a forma de

uma “justificativa” da superioridade de cada modelo em comparação aos outros, perdendo

sua especificidade de permitir a apropriação de um método de compreensão da realidade

do qual derivasse as formulações estratégicas adequadas à particularidade brasileira, na

verdade a tradução particular das leis gerais dos processos revolucionários.

Uma das características comuns a todas as experiências revolucionárias vitoriosas

no século XX é a que, em algum momento, suas vanguardas entraram em choque com

uma determinada ortodoxia que lhes queria impor como modelo uma certa alternativa. Foi

assim na revolução russa com o rompimento da ortodoxia da II Internacional, foi assim na

revolução Chinesa ao superarem a imposição da estratégia Petrogrado, sustentada na

visão insurrecional a partir das cidades operárias, afirmando a estratégia da Guerra Popular

Prolongada, da mesma forma que a Revolução Cubana soube encontrar seu caminho

ultrapassando o círculo de giz da revolução pacífica e se recusando a optar entre o

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caminho da insurreição urbana ou da guerra de guerrilhas com centralidade no campo,

combinando de maneira original os dois caminhos para encontrar o seu próprio.

O que se encontra na base desta heteroxia é a capacidade de aplicar o método

como instrumento de compreensão de uma realidade particular à luz de ensinamentos

universais.

Estas experiências contaram, cada uma ao seu modo, com ações de formação e

educação, entretanto, esta ação nos casos descritos foram restritas à formação dos

quadros que compunham as organizações de vanguarda e se estendiam às bases de apoio

na classe através de ações que seriam melhor descritas como táticas de agitação e

propaganda.

Em momentos muito específicos, como é o caso dos círculos de estudo do

marxismo na Rússia, incentivados por Plekanov e depois Martov e Lênin, ou o trabalho

educativo nas áreas liberadas no caso Chinês e Cubano, temos momentos próprios de

formação combinados com ações revolucionárias em curso. Nestas experiências, mesmo

considerando estas exceções descritas, o verdadeiro trabalho de formação ocorreu após as

vitórias revolucionárias e não antes.

Na tradição brasileira mais recente, aquela que emerge do final do ciclo autoritário

nos anos 70 e 80, curiosamente o trabalho de formação ganha o status de uma tarefa

imprescindível que deveria ser realizada antes e como condição sine qua non do processo

revolucionário. Criticando a forma que era identificada como vanguardista das experiências

anteriores, no caso do Brasil principalmente o PCB, a incorporação da classe trabalhadora

como sujeito direto de sua próprias lutas implicava na forma de massas das organizações.

Nesta aproximação a educação popular, termo que muitas vezes é usado exatamente para

fazer o contraponto à formação política identificada como de quadros, converte-se no meio

essencial da estratégia.

Assim como a tradição anterior privilegiava o conteúdo, a nova tradição iria insistir

na forma, entendida como a maneira de realizar a atividade respeitando as formas de

pensamento e o conhecimento popular.

Papel decisivo nesta alternativa teve a entrada de militantes católicos ligados à

Teologia da Libertação e o desenvolvimento de um método que orientava a ação destes

cristãos, o chamado VER, JULGAR e AGIR. A educação popular que prevaleceu neste

período e que se impôs como forma hegemônica é na verdade uma síntese entre esta

vertente cristã e a antiga tradição marxista que se multiplicou nas organizações políticos

militares nos anos de resistência á Ditadura e que reaparece no cenário político com a

abertura e a anistia no final dos anos 70.

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À grosso modo, suas principais características são a forma de massas, a

preocupação com as metodologias participativas, o vínculo com os movimentos sociais e

uma certa relativização do conteúdo. Na verdade esta maneira de entender a educação

popular procurava afirmar duas diferenças essenciais: atribuir aos participantes o papel de

sujeitos do processo educativo, levando a afirmação que nas atividades educativas é

produzido um “novo conhecimento”; e o vínculo direto com a organização levando à

conclusão, antes por nós referida segundo, a qual “tudo é formação”.

Os fundamentos da forma que assumiu caráter hegemônico no período mais

recente na educação popular encontram-se na famosa formulação segundo a qual, o

processo educativo deve partir da prática concreta, elevar-se até abstrações teóricas para

voltar à prática, transformando-a, afirmação que se sintetizou na fórmula P-T-P. Conhecida

como “concepção metodológica dialética”, nos termos de Oscar Jara e de seus seguidores

no Brasil, esta concepção assumiu status de quase uma unanimidade, orientando as

experiências formativas das principais organizações dos trabalhadores no período, tais

como a CUT, o PT e o MST, além de inúmeras iniciativas de organização popular como as

pastorais, movimentos populares, sindicatos e núcleos de educação.

Assim como as experiências anteriores, esta forma particular atingiu uma grande

dimensão, principalmente no seu aspecto de massa e nos vínculos que foi capaz de criar

com as bases populares da classe trabalhadora, constituindo uma geração de militantes

sociais. Nas razões de sua eficiência encontramos algumas das raízes de seus limites. A

educação popular estendeu ao máximo sua amplitude mas diluiu suas características

iniciais classistas e anti-capitalistas, não chegando a formar uma verdadeira cultura

socialista e, muito menos, revolucionária. Ainda que divulgadora de valores militantes, a

crítica anti-capitalista raramente ultrapassava a crítica moral, fazendo com que a formação

assumisse uma forma mista de agitação e tarefa organizativa, na verdade aglutinadora

mais que organizativa.

O verdadeiro limite desta forma não pode ser encontrado nela mesma, mas nas

metamorfoses que a ação da classe sofreu no período, e que impôs à forma educativa

funções muito distintas do que aquelas que inicialmente se anunciavam. Inicialmente

tratava-se de estabelecer um amplo movimento de massas de caráter socialista como um

dos braços de uma estratégica que se completaria com a ocupação de espaços

institucionais, entre eles a participação em parlamentos e governos. Sabemos que a ênfase

se inverteu, de maneira que os movimento sociais se converteram no meio para a

finalidade estratégica, que passou a ser a ocupação e manutenção dos espaços

institucionais.

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Esta deformação levou a uma alteração profunda no caráter da educação popular.

Não se tratava mais de formar militantes de um projeto socialista, mas de organizar massas

que se tornariam bases eleitorais, seja para a disputa interna no partido, ou nas máquinas

sindicais, seja para disputas eleitorais mais amplas. Pouco a pouco a política de formação

se converte em uma política de informação ou de comunicação que perdia tanto sua

capacidade agitativa, como a função de ser formadora de uma homogeneidade na

condução de uma linha de ação.

No caso específico da CUT, como demonstra Paulo Tumolo, a formação política

transitou para uma versão rebaixada de “formação profissional”; no caso do PT vivemos o

desmonte de todo o programa de formação, que inclui um programa de formação de base e

um programa de formação de formadores, sendo substituídos por estranhas e

absolutamente ineficazes programas de “educação à distancia” e veículos de comunicação

e informação.

Um dos indicadores deste desmonte pode ser encontrado na falência do projeto

das grandes escolas nacionais de formação, como o Instituto Cajamar e sua alternativa à

esquerda que foi representada pelo Instituto Nativo da Natividade.

A política de formação do MST seguiu um caminho distinto, entretanto ainda

apresenta em seus fundamentos várias marcas desta mesma concepção hegemônica,

tanto na concepção metodológica como na forma, tendo inclusive, chegado à proposta de

uma Escola Nacional. Assim como o MST, outras entidades de formação seguiram

trajetórias distintas, como é o caso do Núcleo de Educação popular 13 de Maio (NEP) que,

ainda que partindo da aceitação da concepção metodológica dialética, construiu uma

trajetória bastante distinta, fundada em programas de formação unitários para distintas

realidades regionais e diferentes categorias e segmentos de classe, acabando por formular

uma crítica substancial à metodologia hegemônica apresentando, ainda que

rudimentarmente, uma concepção alternativa. O NEP 13 de Maio chegou em 2004 à sua

18º turma de monitores com amplitude nacional, além de contribuir com iniciativas regionais

no Rio Grande do Sul, na Bahia e desenvolver três turmas no Paraguai.

Estas experiências que parecem nadar contra a corrente encontram no período mais

recente uma aparente paradoxal perenidade e crescem mesmo em períodos de claro

descenso.

Seja como for, podemos concluir afirmando, como em Karl Korsch, que a

consciência dos trabalhadores não é mais que o outro aspecto do ser da classe e, por isso,

os momentos de ascenso ou descenso do movimento real da classe deve implicar

alterações na sua expressão consciente através de movimentos de negação ou

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acomodação. A construção de alternativas revolucionárias encontram no instrumento da

formação política a capacidade não de evitar os momentos de acomodamento, o que

levaria a uma supervalorização deste instrumento, mas de enfrentá-los com uma qualidade

superior e sobreviver às crises retirando delas os valiosos ensinamentos que construirão as

futuras vitórias de nossa classe.

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INTERVENÇÃO PROFISSIONAL E DIÁLOGO COM A EDUCUÇÃO POPULAR

Elisonete Ribeiro56,

Breve apresentação

O texto ora apresentado se refere a uma experiência de um trabalho desenvolvido

pelo Serviço Social em empresa estatal com empregados afastados do trabalho por motivo

de doença.

Nosso objetivo consiste em analisar o trabalho social com grupos atendidos,

discorrendo sobre os desafios inerentes ao modelo de intervenção, destacando algumas

contribuições da perspectiva da educação popular nesse contexto.

O trabalho esta assim estruturado: Introdução, elementos do programa - no qual se

apresenta o programa de intervenção profissional na instituição estatal em questão -, os

elementos teóricos centrais e considerações finais, no interior das quais se tecerá breve

relação entre os elementos de Educação Popular e o trabalho desenvolvido na empresa.

Introdução:

O processo de trabalho enfocado no resgate do potencial laborativo surgiu por

iniciativa da equipe de Serviço Social de uma empresa pública (cujo nome vamos

preservar), após a realização de levantamento de dados e o tratamento estatístico dos

mesmos. Nesse percurso foi verificado que os empregados, uma vez afastados de suas

funções, por motivo de doença, mantinham interesse pelos assuntos referentes ao mundo

do trabalho, de alguma forma expressando o desejo de retorno. A fim de atender à

demanda apresentada por esse grupo de trabalhadores a equipe do Serviço Social

elaborou um projeto que focalizava a importância do empregado para a instituição e a

noção de percentual de “tempo perdido”.

Através de dinâmicas lúdicas (jogos como escravos de Jó, ciranda, etc.) são

trabalhados no grupo questões como: superação de desafios, dificuldade em lidar com

situações novas, iniciativas e participação social, mesmo quando se está doente. Deste

modo os membros do grupo se fortalecem individualmente e em grupo. Encontra, assim, o

apoio mútuo necessário para o enfrentamento de situações geradoras de tensão, de que é

exemplo, o próprio adoecimento motivador do afastamento do trabalho.

56 Assistente social, mestranda em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação da Escola de Serviço Social da UFRJ.

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Os encontros de grupo ocorrem quinzenalmente com duração de duas horas e

meia, aproximadamente. São iniciados com uma atividade física, com o apoio da equipe de

Ginástica Laboral da empresa. Os temas trabalhados são bastante variados e a

programação é feita considerando os interesses dos membros do grupo. São abordadas

questões relativas à família, benefícios previdenciários, convênios para fins de assistência

médica, dentre outros.

Verificamos nesse modelo de intervenção forte presença da visão de trabalho

como mecanismo de fortalecimento numa dimensão utilitarista do homem, ainda que o

programa se apresente estruturado de forma bastante flexível, tanto em relação ao

ingresso de participantes quanto em relação aos temas desenvolvidos.

Todos os empregados afastados há mais de três meses são elegíveis ao

Programa, sendo facultada a participação dos doentes em tratamento quimioterápico e

doentes crônicos com seqüelas físicas e emocionais, a fim de evitar constrangimento

perante os colegas.

Um outro aspecto significativo presente no trabalho desenvolvido é a relação entre

o grupo e os profissionais da equipe. Apesar de haver direcionamento e condução dos

temas, o grupo é livre para propor outras temáticas, se organizar interna e externamente e,

se o desejar, conduzir alguns trabalhos.

O programa apresenta algumas limitações visto que ao invés de fomentar a

procura de ocupações baseadas nos interesses particulares dos membros do grupo,

apresenta-lhes as alternativas, não lhes permitindo explorar, autonomamente, o universo

de possibilidades oferecidos na sociedade. Nesta linha, de certa forma se processa uma

condução dos empregados a participarem de trabalhos de reabilitação profissional

oferecidos pela (e na) empresa. Paralelamente, cursos diversos também são oferecidos

visando desenvolver outras habilidades aos vitimizados por acidentes de trabalho, ou

ainda, também àqueles que, em decorrência da evolução de quadros patológicos, não

podem mais desenvolver as atividades para as quais foram contratados.

Essa forma de organizar as atividades junto aos funcionários não apresenta

questionamento ao sistema de produção onde essas relações (compra/venda da força de

trabalho) se desenvolvem, nem mesmo promovem uma reflexão sobre as conseqüências

sociais, políticas e culturais dela decorrentes, às quais tentaremos discorrer a seguir.

Elementos teóricos centrais

A referência central para o estudo dos condicionantes da saúde-doença é o processo de trabalho, conceito recuperado, nos anos 70, das idéias

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expostas por Marx, particularmente no Capítulo VI inédito de ‘O Capital’ (Marx, 1978). Na interseção das relações sociais e técnicas que o configuram, expressa-se o conflito de interesses entre o trabalho e o capital, que, além de ter sua origem na propriedade dos meios de produção e na apropriação do valor-produto realizado, consuma-se historicamente através de formas diversas de controle sobre o próprio processo de produção. Esse controle exercido no interior das unidades produtivas, por meio de velhos ou novos padrões de gestão da força de trabalho, respectivamente, taylorismo, fordismo e neotaylorismo, pós-fordismo, toyotismo, redunda na constituição de coletivos diferenciados de trabalhadores e de uma multiplicidade de agravos potenciais à saúde57”

O processo de trabalho nos moldes em que está estruturado no sistema capitalista,

vem se mostrando um fator de adoecimento para as classes que vivem do trabalho. Laurel

e Noriega (1989), utilizam-se da categoria “carga de trabalho” – física, química, mecânica e

ainda as fisiológica e psíquica – e declaram que essas diferentes cargas inter-atuam

dinamicamente entre si e com o corpo do trabalhador. Essas últimas, no entanto, não têm

“materialidade visível” externa ao corpo humano, aparecendo na forma de adoecimentos

psíquicos, ou mesmo adoecimentos físicos, associados a quadros de sofrimento

emocional.

Segundo Nardi (In DUARTE & LEAL, 1998:101), o trabalho tem função

estruturante na sociedade; portanto, conforma a vida dos indivíduos nos seus vários

aspectos, dentre estes ‘os gêneros’, que também se estruturam a partir da divisão sexual e

social do trabalho.

Com a emergência da doença, a luta desses trabalhadores passou a se constituir na tentativa de fuga desta marca, deste etigma social de serem percebidos como doentes no trabalho, incapazes de exercer seus papéis e atributos de homens trabalhadores, tal como inscrito na cultura das classes trabalhadoras e imposto pela ordem social (Nardi,1998. 101p).

Ainda segundo o autor, isto ocorre porque o trabalho adquiriu, em nossa

sociedade, um valor com atributos sacralizados e sacrificiais. O valor moral contido na

categoria trabalho se faz presente através de qualificações como honesto e valoroso em

oposição àqueles que não trabalham, tidos como desonestos e sem valor. O aspecto

sacrificial do trabalho está contido no ato que faz milhares de homens e mulheres

adoecerem e morrerem, submetidos a condições insalubres e perigosas de trabalho. Deste

modo, pode-se inferir que existe certa aceitação do aspecto sacrificial do trabalho,

57 Fragmento de texto elaborado no Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana – Escola

Nacional de Saúde Pública Fundação Oswaldo Cruz. Autor desconhecido.

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indicando o esforço para o qual os seres humanos se submetem na luta pela

sobrevivência.

Nardi afirma que:

A vivência do afastamento do trabalho determina sofrimento subjetivo, pois implica sentimentos de impotência, vergonha e isolamento”. Refere que o trabalhador se autoculpabiliza pela doença ou acidente enfrentando sentimento de fracasso individual e que “podemos entender esse sentimento com base na compreensão do rompimento do elemento de identificação ligado ao trabalho no momento do afastamento do empregado pela incapacidade conseqüente ao acidente ou doença. (op.cit. 96p)

No fluxo desta argumentação, citando Baró (apud Silva, 1993:19), Nardi analisa a

“importância do trabalho, na construção da identidade, como núcleo ao redor do qual o

indivíduo desenvolve o significado para a própria vida”.

Nesse sentido o rompimento dos elementos estruturantes da identidade58 de

trabalhador, conseqüência do afastamento por doença ou acidente do trabalho, de alguma

forma é substituídos por uma outra constituição de subjetividade no interior do qual “o lugar

de quem adoece e não trabalha, é a casa e o sentimento de exclusão do grupo é

extremamente marcante” (op.cit. 97)

É interessante notar que nessa relação entre identidade e trabalho, a questão do

gênero se manifesta de modo diferente. No caso específico do programa desenvolvido na

empresa que observamos, os homens trabalhadores não são os únicos participantes,

entretanto os temas abordados durante as atividades não privilegiavam o contexto de

gênero. No entanto, pode-se afirmar que os homens vivenciam, com maior dificuldade, o

retorno para casa, ou seja, a sua identidade está interligada com a sua atividade

profissional. Por outro lado manter as mulheres têm sempre afazeres no âmbito doméstico,

visto que este se constitui, muito das vezes, em espaço significativo na constituição de suas

identidades: o cuidado com os filhos, a organização/administração da casa. A residência é,

no mais das vezes, lugar de refúgio e descanso.

Vale registrar também, que nos dias atuais dispor de tempo para outras atividades

prazerosas, para o repouso descompromissado, etc. é algo raro. Existe quase uma

obrigação dos sujeitos se ocuparem com alguma coisa de forma a não “perder tempo”,

especialmente tempo de produzir. Deste modo a sociedade induz o corpo social a um

estado de alerta continuo que pode levar ao estresse.

58 “A identidade é definida por Costa (1989:83) como produto dos papéis que o indivíduo assume no

desempenho social e, citando Freud, afirma que ela é o amalgama dos afetos e representações que o sujeito experimenta e formula como sendo a natureza do próprio Eu e do Outro. Lembra, no entanto, que essas representações e afetos são transitórios, móveis e múltiplos, mudam conforme a posição que o sujeito ocupa nas relações com os outros, posição constantemente cambiante e permutável”. (p. 96).

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Essa natureza de um adoecimento socialmente produzido a partir do trabalho vem

ganhando significado especial em determinadas categorias profissionais, no interior das

quais a política e as relações de poder têm forte expressão. O grau de adoecimento por

patologias associadas ou desencadeadas por estresse vem aumentando e os profissionais

de saúde cada vez mais se voltam para estudar essa problemática, implementando novas

formas de gestão em saúde.

Oliveira afirma que:

As definições concernentes à saúde e à doença podem assumir diferenças marcantes entre os diversos grupos humanos, uma vez que constituem representações culturais e socialmente edificadas. Portanto, a apreensão de suas variadas formas é passo fundamental para, por outro lado, aprofundarmos o debate sobre o modelo assistencial em saúde e, por outro, analisarmos como se estabelece a interação desse sistema com os indivíduos que o utilizam. (aput Duarte &Leal, 1998:93)

Inúmeras vezes a saída encontrada para essa vivência de sofrimento é o retorno à

ocupação. Este passa a ser para os trabalhadores um dos dispositivos possíveis para

resgatarem suas identidades tanto no mundo público quanto no privado.

Considerando que o trabalho ocupa lugar estruturante na sociedade, um dos

desafios consiste em analisar as formas como essas relações sociais são produzidas,

proporcionando aos trabalhadores envolvidos, acesso a informações e a processos de

tomada de consciência, com a potencialidade de produzir o entendimento dos mecanismos

de inserção dos trabalhadores no processo produtivo.

Nesse curso também poderão compreender as formas de adoecer igualmente ao

modelo econômico vigente.

Não há como desconsiderar a presença dos movimentos sociais na defesa dos

interesses dos trabalhadores Estes exercerão papel fundamental no resgate juntos aos

grupos de trabalhadores na reconstituição de suas lutas composta de uma história de

avanços e retrocessos travados por aqueles que vivem do trabalho.

Nessa perspectiva, o assistente social tem um papel importante para o

fortalecimento dos grupos de trabalhadores podendo colaborar no acesso a informações e

a instrumentos de formação da sua consciência social e de seu processo de constituição

subjetiva. É Importante lembrar que, no tempo presente, o campo da cultura tende a

conformar subjetividades subalternizadas. O trabalho profissional com grupos de

empregados pode se constituir em espaço que atue na contra-corrente desta ordem.

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Considerações Finais:

Inúmeras vezes a saída encontrada pelo trabalhador para a vivência do sofrimento é o

retorno à sua ocupação. Esta decisão, descolada de uma análise crítica da condição de

trabalhador no sistema capitalista, gera a subalternidade de classe e sua contínua

readequação ao sistema.

É neste contexto híbrido, onde estão presentes valores morais e sacrificiais

socialmente construídos em torno da categoria trabalho, que o trabalhador se vê envolvido.

A condição de trabalhador implica a vivência de inúmeros sofrimentos e de uma a busca

por soluções pessoais para os problemas (físicos e emocionais) inerentes à condição de

desgaste a que estão expostos todos os que têm uma ocupação regular, seja no mercado

formal ou informal.

Programas que envolvam o trabalhador, que permitam a ele refletir sobre a sua

condição de “vendedor de força de trabalho” (seu único bem disponível a ser oferecido ao

mercado) e sobre as conseqüências desse processo, sejam físicas ou emocionais, podem

ser bem mais ricos do que programas focados exclusivamente no percentual de “tempo

perdido”. Estes últimos podem ser interessantes porque resgatam a lógica do potencial

laborativo individual e auxiliam na elevação da auto-estima, estimulando o desenvolvimento

de outras habilidades até então desconhecidas por parte do grupo. Porém, têm uma lógica

de reintegração ao mundo do trabalho sem questionar o potencial de exploração nele

presente.

Acreditamos que ao modificar o foco de atenção, centrando-o no

autoconhecimento da condição de trabalhador (vendedor da força de trabalho), os

participantes do grupo serão estimulados a refletir sobre a sua própria identidade,

passando de uma posição passiva para uma ativo-reflexiva.

Este processo mais significativo será se conectado a campos coletivos –

vinculados a sindicados e/ou movimentos sociais, por exemplo -, através da necessária

valoração dos processos de subjetivação, podendo apresentar fortes e positivos impactos

na vida dos indivíduos. A questão central passa a ser a ênfase nas diferenças, em assumir

a multiplicidade de possibilidades presentes na vida, nas diferentes formas de olhar. Essa

visão recupera a transversalidade para dentro dos grupos de trabalho, possibilitando o

questionamento de conceitos herméticos e a configuração de mudanças, seja no âmbito

pessoal, social ou político.

Acreditamos que o papel do profissional Serviço Social neste contexto é o de

fomentar a participação dos membros do grupo para, num primeiro momento, e

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proporcionar-lhes o entendimento da própria condição de trabalhador em suas múltiplas

determinações (dentre as quais o processo saúde-doença). Podendo ter continuidade

através do estímulo ao potencial de mudança existente na trajetória de vida dos sujeitos,

propiciando-lhes a realização de escolhas distintas, sejam elas as afetas ao engajamento

em lutas coletivas e em defesa dos seus interesses, ou nas que digam respeito apenas às

suas trajetórias individualizadas..

BIBLIOGRAFIA

CATALDI, Maria José Giannella. O stress no meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr Editora, 2002.

DIAS, Edmundo Fernandes at all. O outro Gramsci. São Paulo: Ed. Xamã, 1996. DUARTE, Luiz Fernando Dias & LEAL, Ondina Fachel (orgs). “Doença, Sofrimento,

Perturbações: perspectivas etnográficas”. Rio de Janeiro: Fiocruz Editora, 1998

GRAMSCI, A.. O intelectual e o princípio educativo. Caderno 12 Ed: s/d.

_____________ Breves notas sobre Maquiavel. Caderno 13. Ed: s/d.

LAUREL, A. C. & NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste

operário. São Paulo: Hucitec, 1989. NARDI, Henrique Caetano. O ethos masculino e o adoecimento relacionado ao trabalho. In

DUARTE, Luiz Fernando Dias & LEAL, Ondina Fachel (orgs). “Doença, Sofrimento, Perturbações: perspectivas etnográficas”. Rio de Janeiro: Fiocruz Editora, 1998.

OLIVEIRA, Francisco J. Arsego de. Concepções de doença: o que os serviços de saúde

têm a ver com isso? In DUARTE, Luiz Fernando Dias & LEAL, Ondina Fachel (orgs). “Doença, Sofrimento, Perturbações: perspectivas etnográficas”. Rio de Janeiro: Fiocruz Editora, 1998

Reflexões sobre Educação Popular – Coletânea,São Paulo: Cepis, 1996.

S/A A construção do campo da Saúde do Trabalhador: percursos e dilemas. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz. s/d.

Page 119: Cadespecial28

EDUCAÇÃO POPULAR: NOVAS TRADUÇÕES PARA UM OUTRO TEMPO

HISTÓRICO.

Maria Lídia Souza da Silveira59

A Educação Popular na leitura que vou privilegiar, está associada a um determinado

tipo de ação que se reveste de caráter político, voltado para a busca de constituição de uma

nova forma organizativa da vida social, na contra-corrente de uma outra concepção -

também educativa e política – que trafega na contínua constituição de processos que se

vinculam à adaptação dos trabalhadores ao desenvolvimento capitalista.

A adoção desta concepção supõe a elaboração crítica da organização societária

conformada sob o capital, e, portanto a negação de sua permanência e naturalização.

Perspectiva que portanto instiga, e até mesmo exige, a compreensão de que para além do

que é produzido na ordem da materialidade - num contexto marcado pela contínua

produção de mercadorias e da prevalência da dimensão do plano da imediaticidade - se

reproduz também um conjunto de outras dimensões da vida social.

No interior deste ordem que se faz vigente, para além destas características

essenciais, igualmente merecem ser identificadas e compreendidas construções

ideológicas que produzem marcas e tendem a conformar no plano das subjetivações,

singular ideário, deslocando contradições, estruturando valores, demarcando territórios

de pensamento, interiorizando culpas, ampliando a racionalidade já em curso no sentido

da impossibilidade de serem realizadas mudanças substantivas na vida social. Este

movimento não está dado, e no plano da movimentação das classes é simultaneamente

tensionado, ainda que de forma extremamente frágil, pela presença de um outro campo

antagônico, de classe, o do trabalho.

Este conjunto de elementos, do nosso ponto de vista, acentua a relevância do

entorno social no efetivo atravessamento da totalidade das relações sociais, produzindo na

contemporaneidade referências não apenas rasas nos processos de constituição dos

sujeitos, mas principalmente, gestando circuitos cruéis de indiferença à dor do outro, de

apartamento cada vez mais intenso de um certo compartilhar do sentido de humanidade.

Consubstanciando um pouco mais estes circuitos, merece igualmente destaque as

traduções cínicas que vão sendo elaboradas em torno dos acontecimentos, simbiose de

59 Professora titular aposentada da UFF, professora adjunta da Escola de Serviço Social da UFRJ, doutora em Ciências

Sociais.

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violência e espetáculo, num movimento que joga para o escanteio, ridiculariza e

desqualifica, gestos de solidariedade, afeto, sinceridade e compaixão.

Nesse entrelaçamento o campo da cultura tem relevância, sobretudo ao se considerar

esta temática, uma particular idéia força que, invadindo corações e mentes e conformado

sentidos, atua na direção de uma certa impossibilidade de serem realizadas mudanças

substantivas na vida social, seja pela ausência de perspectivas quanto à geração de

alternativas novas, ou ainda, pela contínua propagação do quanto tais mudanças

implicariam em perigo e violência quando intentadas.

Há, portanto, uma subordinação real à lógica mercantil que vai sendo implementada,

direção intelectual e moral constituída, que, embasada na economia, na política e num

determinado campo cultural e ideológico, vai afetar as formas de sociabilidade existentes,

produzindo marcas profundas nos sujeitos individuais e coletivos.

Na construção desta apassivização, vale destacar:

- a inevitabilidade da pobreza frente à lógica mercantil;

- a idéia de que a humanidade só se desenvolve, e portanto os sujeitos humanos, a partir

de suas competências individuais. Assim, não só são culpabilizados os mais pobres, como

estes internalizam a responsabilidade pelo seu fracasso, não percebendo as origens no

próprio sistema capitalista;

- dissemina-se o des-sentido das causas coletivas;

- constrói-se a perspectiva da inexorabilidade do presente e da inexistência de uma

perspectiva de futuro;

- assim, se desqualificam as próprias construções identitárias de resistência e de lutas

sociais;

- conforma-se um disciplinamento social, se fortalece o consenso na ordem, se ampliam os

processos de apassivização e conformismo.

Ainda nesta direção MÉSZÁROS registra o domínio operado pelo capital ao fazer com que

sejam adotadas por cada indivíduo, como suas, as metas de reprodução objetivamente

possíveis do sistema.(p. 44). Afirma ainda:

Em outras palavras, no sentido verdadeiramente amplo do termo educação, trata-se de uma questão de “internalização” pelos indivíduos da legitimidade da posição que lhes foi atribuída na hierarquia social, juntamente com suas expectativas “adequadas” e as formas de conduta “certas”, mais ou menos explicitamente estipuladas nesse terreno. Enquanto a internalização conseguir fazer o seu bom trabalho, assegurando os parâmetros reprodutivos gerais do sistema do capital, a brutalidade e a violência podem ser re legadas a um segundo plano(embora de modo nenhum sejam permanentemente abandonadas) posto que são modalidades dispendiosas de imposição de valores, como fato aconteceu no decurso do desenvolvimento capitalista moderno. (2005:44)

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Nesse itinerário pode-se inferir igualmente que, o projeto societário hoje hegemônico -

ainda que tenha como base essencial a acumulação privada - se reforça através de

hierarquias, normas e legislações legitimadoras de uma igualdade anunciada, ainda que

formal, para a qual se atribuem regulações e disciplinamentos democráticos que irão dar

sustentabilidade legal à desigualdade instituída. E este projeto, o do capital,

majoritariamente é aceito e, mais que isto, internalizado pelos sujeitos. Ao se reproduzir,

assegura também a permanência do modo de produção capitalista, da sociedade

capitalista.

Neste quadro, gostaria de destacar duas questões relevantes:

1) a de que num certo campo da esquerda se faz ainda presente, a subestimação política

e histórica, do lugar da subjetividade na valoração da constituição de sujeitos individuais – e

coletivos - nos processos de transformação histórica.

No rol desta subestimação, uma certa cegueira em decifrar as modificações dos processos

da vida real e da própria subjetivação das classes trabalhadoras de conformismo à ordem.

Acrescido a este fator, vale também ressaltar a ausência de investimentos formativos de

mais longo prazo, numa dimensão de formação humana omnilateral, tal qual formulada por

Antonio Gramsci.

Esta concepção percebe o homem enquanto totalidade harmônica, que é ao mesmo

tempo, natureza, individualidade e sobretudo, relação social. Unidade na diversidade física,

psíquica e social. O que implica na percepção do homem com necessidades materiais,

antenadas às suas possibilidades de crescimento em outras esferas da vida.

A segunda questão diz respeito ao necessário investimento efetivo nesse processo

de subjetivação, a partir da valoração de um certo campo teórico – o marxismo – com

capacidade de auxiliar no desvendamento da sociedade mercantil e das possibilidades de

sua superação.

Educação e educação para um outro projeto

Como pensar a Educação numa sociedade tão profundamente desigual? Como pensar,

de fato, a reflexão e a experiência da igualdade, a partir da noção construída no âmbito do

pensamento liberal, de um sujeito abstrato – ainda que figuradamente branco - desprovido

de classe social, subordinado á lógica mercantil – que, na sua invisibilidade fetichista,

inscreve a grande maioria das classes trabalhadoras num certo “lugar social”, espaço de

subordinação real à forma como a vida social está organizada, a determinar a estes

agrupamentos, escolhas, chances, acessos e pertencimentos absolutamente distintos aos

da minoria que estrutura esta sociabilidade, necessariamente desigual.

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Em verdade, a questão educacional no Brasil tem causas estruturais tanto de natureza

sócio-econômica quanto política, compreensíveis a partir do traçado da própria história

brasileira, com a marca do corte de classe que a conforma.

Nos limites deste texto não nos deteremos nos indicadores sociais que vão conformar

esta feição do sistema educacional brasileiro. Apenas reiteramos que este não é um setor

autônomo, tendo íntima conexão com os demais setores que compõem a realidade

nacional e que vão constituir as estruturas sócio-econômicas e políticas da sociedade.

Neste quadro como entender a Educação Popular, do ponto de vista teórico?

1-como um investimento político que constrói um lugar voltado para o processo de

conhecimento da realidade.

2-como espaço que vai possibilitar o transito do senso ao bom senso. Lugar de apropriação

individual e coletiva, no qual está presente uma dimensão ideológica fundamental; a de

compreender a base de estruturação da vida social sob o capitalismo, e da conformação

possível de outras alternativas de organização da vida social, sob outras bases.

3-como espaço das classes trabalhadoras, a conformar um outro NÓS, antagônico ao

hegemônico, este último constituído sob a égide do individualismo, da ausência de

solidariedade, etc.

Portanto, espaço no qual possam ser experimentados novos valores, novos pensares,

numa dimensão de práxis na qual ativamente se busca a elaboração da realidade a partir

de uma perspectiva humano-social.

4-finalmente, um espaço no qual os sujeitos possam exercitar o singular exercício de suas

próprias sínteses, redefinindo e recriando referências de vida, sentidos novos à sua

existência individual e coletiva

Esta concepção de educação supõe, portanto 2 eixos fundamentais:

- uma perspectiva epistemológica, que através da utilização de um método de

conhecimento, possa auxiliar no desvendamento dos conteúdos que estruturam a ordem

vigente, tornando assim compreensíveis a banalização da vida social, a naturalização das

desigualdades sociais, a presença do efêmero e do descartável presidindo as relações, o

sentido utilitário e de curto prazo próprio da sociedade das mercadorias. Compreensão que

supõe a adoção de uma outra perspectiva que perscruta e interroga a realidade, buscando

compreendê-la na sua estruturação, para além de sua aparência.

Esta perspectiva dialética do processo de conhecer entende o real numa dimensão

de não redutibilidade e simplificação.

O segundo eixo desta concepção de educação supõe que a realidade social não está

dada. Ela é processo contínuo de criação, que comporta novas construções, com a

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potencialidade de que possa ser tornada diferente, numa dimensão de DEVIR, de um vir-a-

ser outro, radicalmente distinto. Tal recriação da vida social, para além das condições

objetivas, supõe uma outra premissa essencial: a da indispensabilidade dos sujeitos, da

constituição possível de uma vontade coletiva que comporte a criação, a instituição de um

projeto, desejo e busca de materialização de um outro tipo de sociedade. Uma nova

sociabilidade que coloque na ordem do dia, efetivamente, a perspectiva de emancipação

das classes subalternizadas.

Penso que a educação popular é um dos componentes estratégicos essenciais nesta

direção, pois realiza intervenções de forma explícita e deliberada, com capacidade de

transmutar a passividade e a indiferença que a ordem burguesa busca consensuar, em

constituição de sujeitos dotados de personalidade, imersos e parte de uma história da qual

possam fazer parte na qualidade de protagonistas e não peças de uma engrenagem que

determina a sua forma subalterna de participar.

Portanto o desafio que está posto é o do desenvolvimento de práticas educativas e

políticas que exercitem ou tenham no horizonte, este real protagonismo dos sujeitos, o que

supõe como centralidade em termos de seu sentido, a construção de uma contra-

ofensiva ideológica e política à ordem do capital, materializada na constituição de uma

vontade coletiva das classes subalternas, em uma nova hegemonia.

Ora, esta perspectiva navega na contra-corrente da perspectiva vigente na educação,

que vai submeter esta dimensão formativa à capacitação para o trabalho. Trata-se,

logicamente não de uma trabalho que emancipa e humaniza os sujeitos, mas de um

trabalho voltado para servir à sociedade das mercadorias, ao lucro e às classes detentoras

dos bens econômicos e do poder político, mantenedor do reinado do capital.

A questão da relação entre escola e cidadania se inscreve na perspectiva real do

direito dos sujeitos se apropriarem do conhecimento para o direcionarem não apenas às

funções que lhes serão úteis e agradáveis individualmente, mas sobretudo que este tenha

também uma perspectiva de retorno social.

No entanto, como registra Emilio Gennari (1987), se perguntarmos a professores qual

é o objetivo de seu ensino, a resposta tende a ser a seguinte: transformar o aluno em

cidadão. Mas o que é ser cidadão? A resposta muito clara e simples se refere á condição

do indivíduo de gozar direitos civis e políticos de um Estado, ao mesmo tempo em que

igualmente desempenha deveres no seu interior. O autor salienta que “o exercício da

cidadania, portanto, apenas legitima e fortalece uma ordem que estabelece direitos,

normas e limites aos quais cada indivíduo é chamado a se submeter.”(p.14)

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A observação de Gennari trafega na perspectiva do reconhecimento de que o

sentido de igualdade socialmente presente é meramente formal – proclamado por esta

concepção vigente de cidadania – que no seu desenvolvimento tende a ocultar e legitimar

as desigualdades sociais presentes na estruturação da sociedade. Em última instância

podemos pensar que esta perspectiva de transformar o aluno em cidadão, termina

reforçando um grau de subsunção á ordem estabelecida, conformada por um caráter

necessariamente excludente forjado no âmbito das relações sociais. Assim, a questão dos

valores que tendem a reproduzir as relações existentes, também permanece obscurecida.

Edmundo Dias (1991) registra o fato de que hoje não há para o indivíduo espaço para

uma cidadania positiva, visto que hoje, os direitos não estão mais associados ao mito da

igualdade da Revolução Francesa; nesse sentido, diz o autor, os direitos não são mais

inerentes mas puramente contingentes e até mesmo descartáveis.(p. 30). Generaliza-se

para o autor, uma cidadania que exclui o conjunto da sociedade, fingindo incluí-la.

Neste contexto vale registrar que ainda que a apreensão de si e do mundo se

apresente aos sujeitos de forma fragmentada, confusa, fatalista, gestada a partir dos

valores hegemônicos, isto não se constituirá empecilho à emergência de outros interesses

individuais e coletivos, outros sentimentos, valores, interpretação diversa da conjuntura ou

ainda de outro projeto societário. No entanto, isso não ocorrerá espontaneamente nem

automaticamente no interior das relações sociais. Supõe um investimento na criação de

espaços coletivos, espaços formativos, instâncias organizativas com enraizamento social,

campo através do qual possa ser exercitado o aprendizado de construção de referências

identificatórias e de diferenciação de classe.A formulação de Antonio Gramsci ajuda a

melhor esclarecer este sentido:

Deve-se insistir sobre o fato, existe realmente uma forte atividade volitiva, uma intervenção direta sobre a “força das coisas”, mas de uma maneira implícita, velada, que se envergonha de si mesma; portanto a consciência é contraditória, carece de unidade crítica, etc. Mas quando o “subalterno” se torna dirigente e responsável pela atividade econômica de massa, o mecanismo revela-se em certo ponto um perigo iminente; opera-se, então, uma revisão de todo o modo de pensar, já que ocorreu uma modificação no modo de ser social. Os limites e o domínio da “força das coisas” são restringidos. Por quê? Porque, no fundo, se o subalterno era ontem uma coisa, hoje não mais o é: tornou-se uma pessoa histórica, um protagonista;(...)

Estes elementos desagregados, incoerentes, não críticos e episódicos que vão

compor a concepção de mundo do conjunto das classes subalternas, consistem no

senso comum, ponto de partida e ao mesmo tempo, produto do devenir histórico. O

movimento de fazer a crítica desta visão de mundo reside num dos elementos

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essenciais à conformação dessa subjetividade com a marca da maioridade histórica.

Acrescenta o autor:

O início da elaboração crítica é a consciência daquilo que somos realmente, isto é, um ‘conhece-te a ti mesmo’ como produto do processo histórico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de traços recebidos sem benefício no inventário. Deve-se fazer, inicialmente, este inventário.(Idem:12)

Nesta mesma direção Emílio Gennari ressalta os distintos impactos produzidos nos

sujeitos, num amálgama de sentimentos não só diversificados mas de natureza distinta.

Assim:

um movimento contraditório entre a coerção imposta pelas necessidades de sobrevivência, que gera no homem-massa sentimentos de impotência, medo, submissão ou até de dívida de gratidão, e a busca constante de espaços de liberdade nos quais seja possível reafirmar a subjetividade dos indivíduos negada pela ordem dominante. (1996:6)

Ressalte-se, portanto, que na dinâmica da vida social, as apreensões dos sujeitos

podem ocorrer de forma diferenciada, ainda que tenham como ponto de partida a

mesma realidade social, o que não significa afirmar nem que estão alienados dessa

realidade, nem que estão cooptados pela racionalidade que a organiza de forma

hegemônica. A presença destes distintos olhares - e lugares -, verdadeiros para cada

sujeito, de per si, introduzem de forma contundente a temática da subjetividade e de sua

importância efetiva, seja nos processos de conhecimento e reconhecimento individual,

seja na gestação de campos coletivos, a agregar componentes culturais, simbólicos, de

partilha com outros sujeitos dos experimentos de solidariedade e conflitos, e a

materialização de ações coletivas.

Assim, retomar este debate de forma mais substantiva sugere a sua inscrição na

agenda educativa e político-formativa dos trabalhadores, componente essencial para

que a perspectiva do devir se coloque como possibilidade.

Encerro esta reflexão com uma pertinente formulação de Antonio Gramsci:

Dou à cultura este significado: exercício do pensamento, aquisição de idéias gerais, hábito de conectar causas e efeitos. Para mim, todos já são cultos, porque todos pensam , todos conectam causas e efeitos. Mas o são empiricamente, não organicamente. E assim sei como a cultura é também um conceito basilar do socialismo, porque integra e concretiza o vago conceito de liberdade de pensamento, assim gostaria também que ele fosse vivificado por outro. Pelo de organização. Organizemos a cultura, assim como buscamos organizar toda a atividade prática. (1978:34)

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