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Janeiro de 2015 Agroanalysis Especial Café 31 Transferência de informações Silas Brasileiro* É um enorme prazer cultivar e manter a parceria que o Conselho Nacional do Café (CNC) e a Fundação Getulio Vargas (FGV) firmaram para o desenvolvimen- to do caderno Especial Café na revista Agroanalysis. Desde 2006, quando teve início, esta união traz a todos os elos da sociedade, em especial aos profissionais do agronegócio café, uma oportunidade para transmitir informações relevantes sobre o ano que se finda e o próximo. Em 2014, vivenciamos um cenário completamente atípico na produção de café no Brasil. O veranico do primeiro bimestre e a prolongada estiagem até meados de outubro afetaram drastica- mente a fitossanidade de grande parte dos cafezais. Isso gerou dificuldades da “porteira para dentro”, como bem analisou o pes- quisador José Braz Matiello, da Fundação Procafé. Além da renda do cafeicultor ser impactada seriamente pelo clima, o presidente e a assessora técnica da Comissão de Café da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Breno Mesquita e Natália Fernandes, respectivamente, anali- sam a elevação ocorrida nos custos de produção. Diante dessa realidade, o CNC aponta as principais políticas para a cafei- cultura continuar como a maior geradora de emprego rural no Brasil e um dos cinco maiores produtos na balança econômica do agronegócio. O desempenho de exportações em 2014 demonstra a receptivi- dade do mercado mundial para com os cafés do Brasil. As remes- sas apresentaram crescimentos em volume e receita no comparati- vo anual. Para explicar esse avanço e traçar um cenário para 2015, temos duas matérias: uma de Guilherme Braga, diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (CeCafé), e outra de Marcus Magalhães, sócio da Maros Corretora. Para clarear o cená- rio complicado da produção e as probabilidades mercadológicas, Nelson Carvalhaes, do Escritório Carvalhaes, mostra os melhores caminhos para produtores, corretores, exportadores e industriais no complexo mercado cafeeiro. O exercício de 2014 também celebra os vinte e cinco anos do Selo de Pureza – iniciativa responsável pelo constante crescimen- to do consumo no Brasil –, narrados pelo presidente da Associa- ção Brasileira da Indústria de Café (ABIC), Américo Takamitsu Sato. Por fim, o provador, degustador e professor certificado pelo MAPA Silvio Leite comenta as 100 edições do Cup of Excellence, principal concurso de qualidade do mundo, realizado por nossa associada BSCA (Brazil Speciality Coffee Association) no Brasil e do qual ele é um dos idealizadores. Com a apresentação do “menu” de mais este caderno Especial Café, deixamos o convite para uma atualização sobre os fatos da cafeicultura e esperamos contribuir para a transferência de in- formação confiável e verídica a todos os elos do setor. * Presidente executivo do Conselho Nacional do Café (CNC) Café: obstáculos e os caminhos em busca de sinergia SHUTTERSTOCK

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Janeiro de 2015 AgroanalysisEspecial Café 31

Transferência de informações

Silas Brasileiro*

É um enorme prazer cultivar e manter a parceria que o Conselho Nacional do Café (CNC) e a Fundação Getulio Vargas (FGV) firmaram para o desenvolvimen-to do caderno Especial Café na revista Agroanalysis. Desde 2006, quando teve início, esta união traz a todos os elos da

sociedade, em especial aos profissionais do agronegócio café, uma oportunidade para transmitir informações relevantes sobre o ano que se finda e o próximo.

Em 2014, vivenciamos um cenário completamente atípico na produção de café no Brasil. O veranico do primeiro bimestre e a prolongada estiagem até meados de outubro afetaram drastica-mente a fitossanidade de grande parte dos cafezais. Isso gerou dificuldades da “porteira para dentro”, como bem analisou o pes-quisador José Braz Matiello, da Fundação Procafé.

Além da renda do cafeicultor ser impactada seriamente pelo clima, o presidente e a assessora técnica da Comissão de Café da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Breno Mesquita e Natália Fernandes, respectivamente, anali-sam a elevação ocorrida nos custos de produção. Diante dessa realidade, o CNC aponta as principais políticas para a cafei-cultura continuar como a maior geradora de emprego rural no Brasil e um dos cinco maiores produtos na balança econômica do agronegócio.

O desempenho de exportações em 2014 demonstra a receptivi-dade do mercado mundial para com os cafés do Brasil. As remes-sas apresentaram crescimentos em volume e receita no comparati-vo anual. Para explicar esse avanço e traçar um cenário para 2015, temos duas matérias: uma de Guilherme Braga, diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (CeCafé), e outra de Marcus Magalhães, sócio da Maros Corretora. Para clarear o cená-rio complicado da produção e as probabilidades mercadológicas, Nelson Carvalhaes, do Escritório Carvalhaes, mostra os melhores caminhos para produtores, corretores, exportadores e industriais no complexo mercado cafeeiro.

O exercício de 2014 também celebra os vinte e cinco anos do Selo de Pureza – iniciativa responsável pelo constante crescimen-to do consumo no Brasil –, narrados pelo presidente da Associa-ção Brasileira da Indústria de Café (ABIC), Américo Takamitsu Sato. Por fim, o provador, degustador e professor certificado pelo MAPA Silvio Leite comenta as 100 edições do Cup of Excellence, principal concurso de qualidade do mundo, realizado por nossa associada BSCA (Brazil Speciality Coffee Association) no Brasil e do qual ele é um dos idealizadores.

Com a apresentação do “menu” de mais este caderno Especial Café, deixamos o convite para uma atualização sobre os fatos da cafeicultura e esperamos contribuir para a transferência de in-formação confiável e verídica a todos os elos do setor.

* Presidente executivo do Conselho Nacional do Café (CNC)

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32 Especial Café Janeiro de 2015Agroanalysis

Estiagem causa perdas

José Braz Matiello*

As principais áreas produtoras de café Arábica, situadas em diferentes regiões de Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo, foram afetadas por um fenôme-no climático anormal, com a ocorrência de estiagem severa, geradora de prejuí-zos tanto sobre a safra colhida em 2014,

quanto a esperada para 2015.A pouca chuva continuou a partir de abril de 2014, com atraso

de sua retomada. E, no início de novembro, as precipitações vão normalizando-se de forma irregular. O déficit hídrico acumu-lado passa de 200 mm, sendo que a lavoura cafeeira é capaz de suportar, sem perdas, apenas 100 mm.

Os dados climáticos evidenciam que a falta de chuvas, asso-ciada a altas temperaturas e estresse hídrico, ocorreu em dois períodos críticos:

• De janeiro a março de 2014 – quando o suprimento de água para as plantas é muito importante na granação dos frutos, no crescimento dos ramos e na nutrição das plantas; e

• De maio a outubro de 2014 – quando a umidade é necessária ao armazenamento de água no solo, ao crescimento dos ramos produtivos, à turgescência, ao enfolhamento e ao abotoamento/floração dos cafeeiros.

Efeitos da seca na safra 2014Em decorrência da falta de chuvas, agravada pelas altas tem-

peraturas no período, verificou-se forte estresse hídrico das plantas de café, que entraram em processo de murcha, com efei-to na formação dos frutos da safra 2014. Desse modo, houve baixo enchimento dos frutos, causando chochamento, má gra-nação e grãos negros e ardidos (perda de peso e de qualidade).

As estimativas efetuadas sobre as perdas médias, realizadas logo após a retomada das chuvas, previram de 6 a 7 milhões de sacas na safra 2014. As perdas avaliadas por meio do exame dos frutos vêm sendo confirmadas e até aumentadas pela observação do baixo rendimento obtido no processo de beneficiamento dos cafés, os quais apresentam favas menores e grãos menos densos.

Problemas para 2015O efeito continuado do déficit hídrico afetou o crescimento

dos ramos, resultando em nós mais curtos e, nas folhas, causou escaldadura e desfolha. Nos ramos, a falta de água provocou seca, especialmente nos ponteiros e nas plantas já estressadas pela carga. houve, ainda, aumento de pragas e doenças – broca, bicho mineiro, ácaros e cercóspora. Com o menor crescimento dos ramos, haverá menor número de rosetas para floração. Além disso, as plantas desfolhadas terão menor pegamento de florada.

Em setembro/outubro, teve início a florada nas lavouras. ha-via o receio de que o estresse hídrico, mais cedo, de fevereiro até maio, poderia dificultar a indução floral, na fase inicial de formação das gemas, mas, felizmente, a indução veio normal na-quelas lavouras que produziram menos em 2014. Os ramos e as rosetas possuem um adequado número de botões florais, com boa uniformidade no amadurecimento das gemas, pelo próprio efeito da seca, de maio a setembro.

Com a retomada das chuvas em pequeno volume e mal distribu-ídas, existem variações no comportamento da florada. Em muitas áreas, houve uma pequena florada, de ponteiro e mais nas lavouras novas; em outras, com um pouco mais de chuvas, a florada foi maior. Estas primeiras floradas apresentaram algumas anormalidades, por terem ocorrido em período de pouca chuva, embora tendam, no geral, a se transformar em frutos, com pegamento satisfatório.

No entanto, em áreas mais quentes e secas, onde chegaram a secar ramos e houve muita desfolha, a floração ficará prejudicada pela morte de gemas e pelo menor pegamento da floração, pois as reservas que se acumulam nas folhas ficaram prejudicadas.

Ocorreu, ainda, uma situação em que a florada surgiu com pouca chuva, de 5 a 20 mm apenas. Aí já podem ser observados alguns problemas com a floração. Onde a água foi pouca, sur-giram botões chamados de grãos de arroz, pois foram estimu-lados a crescer pelo diferencial hídrico ocorrido, mas a pouca água não foi suficiente para o crescimento completo e para a abertura dos mesmos.

Em conclusão, as lavouras que produziram pouco em 2014 estão preparadas para dar uma boa safra em 2015. Aquelas que produziram bem em 2014 se encontram desfolhadas e têm pou-cas condições de florescimento e de pegamento da florada. As que tiveram carga média no ano passado e ainda dariam um pouco de café em 2015, também pelo estresse cumulativo da car-ga e da seca, quase não produzirão. Com isso, cresceu significa-

set outmaiabrfev

Balanço hídrico Em Varginha-mg: comParaTiVo EnTrE a condição normal E os anos dE 2013 E 2014 – mÉTodo ThorThWaiTE & maThEr

240

180

120

60

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-240

-300

mm

2013 2014Balanço hídrico típico para a região

jan mar jun dezago novjul

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Janeiro de 2015 AgroanalysisEspecial Café 33

tivamente o uso da poda para zerar a safra, com esqueletamento, antecipando o que seria feito depois da safra de 2015.

De fato, a estiagem pode prejudicar a próxima safra de café, fazendo com que a colheita seja até um pouco menor do que na safra colhida em 2014, estimada pela Conab em cerca de 45 mi-

lhões de sacas. Quanto? Isso dependerá da retomada das chuvas, e só mais para frente é que poderemos avaliar melhor.

Por efeito da seca no início de 2014, os frutos de café ficaram chochos ou mal granados, dando origem a perdas de tamanho e peso dos grãos beneficiados.

* Engenheiro agrônomo da Fundação Procafé

Quebra da safra de café arábica impacta

custos de produção no Brasil

Breno Mesquita1 Natália Fernandes2

O Brasil, maior produtor mundial de café, esperava co-lher uma safra recorde em 2014, ano de bienalidade alta. Contu-do, um longo e severo período de estiagem atingiu as principais

regiões produtoras, com prejuízos significativos. A próxima safra será afetada, com déficit no abastecimento mundial do produto.

Com a oferta reduzida do produto, tanto as cotações do mer-cado interno como do externo acumularam altas expressivas ao longo de 2014. No mercado físico, segundo o Indicador Cepea/Esalq, a saca do café Arábica, tipo 6, bebida dura para melhor, teve valorização de cerca de 44%.

Apesar dessa alta nas cotações, as simulações do impacto da quebra de safra nos custos de produção realizadas pelo Progra-ma Campo Futuro – uma inciativa da Confederação da Agricul-tura e Pecuária do Brasil (CNA), junto ao Centro de Inteligência em Mercados da universidade Federal de Lavras (CIM/uFLA)

– mostram uma redução na produtividade nas principais regi-ões do cinturão cafeeiro. Isso gerou uma deseconomia de escala, já que, na maioria das regiões, as perdas foram observadas no processo de beneficiamento do café, mas com o mesmo custo de produção por área para as operações de colheita.

De acordo com o Levantamento de Safra do Café realizado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Brasil produziu 45,14 milhões de sacas na safra 2014, com redução de 16,14% do volume para a variedade Arábica frente à safra an-terior. A região mais afetada pela estiagem foi o sul de Minas Gerais, que teve redução de 21,8% na produtividade frente ao prognóstico inicial.

Na simulação de redução na produção feita pelo Programa Campo Futuro, Guaxupé aparece como o município de Minas Gerais (principal estado produtor) com o maior aumento no Custo Operacional Total (COT), atingindo 27,9%, com custo de r$ 596,47/saca, em setembro de 2014. Caso a produção na região tivesse sido plena, este custo seria de r$ 466,30/saca. Dentre outros municípios mineiros, a segunda maior varia-ção no COT ocorreu em Santa rita do Sapucaí, onde o COT aumentou em 27,37%, seguida de Manhumirim (+10,87%) e

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34 Especial Café Janeiro de 2015Agroanalysis

Monte Carmelo (+7,43%). O aumento menos expressivo ocorreu em Capelinha, onde o COT ficou em r$ 332,02/saca após a redução da pro-dução – um aumento de 3,71%.

Na cafeicultura manual, os valores do grupo de custos “Pessoas” (condução da lavoura) e do grupo de custos “Colheita e Pós-colheita” são consideravelmente superiores aos da cafeicultu-ra mecanizada. Com isso, o custo unitário para a cafeicultura manual ficou ainda menos competi-tivo, já que o preço médio de venda é semelhante para ambos os tipos de produção.

Sem mesmo considerar a quebra de safra, análises do Campo Futuro mostram que o Cus-to Operacional Efetivo (COE) da produção de Arábica foi 1,43 vez maior nas regiões manu-ais em comparação às regiões mecanizadas, com preço de r$ 388,85 a saca em setembro. No mesmo período, na cafeicultura manual, os custos com pessoas foram 3,38 vezes maiores e os custos com colheita e pós-colheita se apre-sentaram 3,19 vezes maiores.

Além da impossibilidade de mecanização da colheita, a cafei-cultura paranaense também sofre com as adversidades climá-ticas. Sem considerar a quebra de safra em 2014, o município de Abatiá registrou COE de r$ 378,14 por saca e COT de r$ 446,18 por saca, em setembro de 2014, um aumento médio de 4,6% em relação ao mesmo mês do ano anterior. De um modo

geral, a estiagem agravou a situação financeira da cafeicultura com processo produtivo manual, que já trabalhava com mar-gens negativas por longos períodos.

1 Presidente da Comissão de Café da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)

2 Assessora técnica da Comissão de Café da CNA

imPacTos da rEdução da Produção no coT da cafEicul-Tura Em minas gErais (cusTos rEfErEnTEs à safra 2013/14)

640,00

480,00

320,00

160,00

0,00

+27,92%

Set/14 Set/14 Set/14 Set/14 Set/14Simulação

guaxupé santa rita do sapucaí manhumirim monte

carmelo capelinha

sul de minas(-21,88%)*

matas deminas

(-9,86%)*

cerradomineiro

(-6,95%)*

chapadas deminas

(-3,60%)*

Simulação Simulação Simulação Simulação

+27,37%

+10,87%

+7,43%+3,71%

*Estimativa de redução na produção entre o 1º e 3º Levantamentos de Safra da Conab

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coE depreciações + Pró-labore (+ coE = coT)

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Janeiro de 2015 AgroanalysisEspecial Café 35

Balanço de 2014 e projeção para 2015

Marcus Magalhães*

O ano de 2014, com certeza, entrará na história da cafeicultura. Foi um perí-odo em que as estatísticas não bateram, os discursos caíram por terra e a ansie-dade do negócio café testou limites ini-magináveis. O exercício começou com a expectativa de uma grande safra cafe-

eira e, infelizmente, preços ruins. Mas, um fato novo e surpre-endente roubou a cena, contrapondo rotinas, apostas, opiniões, convicções e até amizades. A imprevisibilidade climática, criti-cada por alguns e seguida por outros, deixou a rotina recheada de adrenalina e ansiedade.

um veranico épico, com calor fora do normal, aliado à to-tal falta de chuva em importantes regiões produtoras de Minas Gerais, imperou por mais de setenta dias no cinturão produti-vo. Esse quadro deixou as apostas e as especulações da grande safra brasileira em uma situação nada confortável. Se fizermos um esforço de memória, chegaremos aos números especulados na virada do ano-safra 2013/14. As previsões foram caindo por terra, dia a dia, semana a semana, mês a mês.

O mercado especulava com a expectativa de o Brasil colher, dentro da normalidade climática, quantidades acima de 50 milhões de sacas. Porém, em virtude da assustadora novidade climática, a re-alidade produtiva ficou mais próxima do intervalo de 40 a 43 milhões de sacas, dividas entre Arábica e Conilon. Dentro desse mar de incertezas e espe-culações, os envolvidos não poderiam esperar nada diferente daquilo que foi visto e vivido.

Com grandes oscilações nas bolsas, preços inter-nos em forte alta, o setor produtivo deu um verda-deiro show de competência e sabedoria mercadoló-gica. Grandes volumes tanto de estoques existentes quanto de safras futuras foram negociados, em uma clara postura de diluição de riscos, dentro de um canal de alta.

Essa nova estratégia mostrada pelo setor produti-vo ao mercado, aproveitando-se das máximas testa-das, foi uma sabedoria bonita de se ver. O setor dei-xou claro aos envolvidos uma mudança de postura que veio para ficar. E, ao que parece, o recado foi bem entendido por muitos do setor.

Não há mais intimidação ante as fortes quedas nas bolsas ou perante os discursos nocivos de alguns operadores que sempre apregoam e apostam em um cenário de “quanto pior melhor” e, ainda, de sempre prevalecer o caos mercadológico. O mundo cafeeiro

mudou em 2014. A nova crença é de que não há como operar no negócio café sem as volatilidades nas bolsas internacionais.

Espaço para discursos infundados e especulações sem prece-dentes pode até existir, pelo próprio jogo democrático, mas, fe-lizmente, estes já não ecoam tanto nas regiões produtoras como ecoavam no passado. O discernimento mercadológico, a transpa-rência nas informações e o acesso globalizado aos mercados es-tão proporcionando ao setor produtivo uma condição ímpar para buscar dias melhores. Como sempre dizemos e afirmamos, uma coisa é derrubar a bolsa e outra, bem diferente, é comprar café.

O ano de 2014 vai acabando e deixando seu legado mais vivo do que nunca. Grandes oscilações nas bolsas, complexo quadro climático vivido em importantes origens produtoras, forte acele-ração cambial, economia global recheada de percalços e, por fim, uma missão desafiadora: enfrentar de pé, de olhos bem abertos e focados no horizonte, todos os desafios que o ano de 2015 nos reserva. Que as lições mercadológicas aprendidas em 2014 sejam os pilares de um novo mercado cafeeiro, mais digno, promissor e recheado de oportunidades para todos os envolvidos.

* Sócio da Maros Corretora e analista de mercado parceiro do CNC

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aprimorar as estatísticas

Nelson Carvalhaes*

Após dez meses de uma seca histórica, iniciada em janeiro de 2014, que atingiu estados brasileiros produtores de cafés Arábica, temos como reflexo a redução da produção da safra 2014/15. O tama-nho desse impacto afeta a próxima co-lheita, de 2015/16, mas vamos aguardar

o começo de 2015 para trabalhar com números mais confiáveis.O importante e curioso dessa historia é a disparidade das esta-

tísticas para a “estimativa da atual e da próxima safra”, bem como sobre os “estoques existentes”. Com as mais diferentes projeções e avaliações oferecidas, ocorrem variações da ordem de 10% a 20% ou mais no volume colhido ou a ser colhido e estocado.

um país como o Brasil pode ter algumas variações, devido às diferentes regiões produtoras. Não está em julgamento se essas estimativas estão corretas ou não. O Brasil é o maior produtor e exportador, segundo maior consumidor de cafés, sem falarmos

na excelência na cadeia do café (pesquisa, produção, máquinas e equipamentos, comércio e exportação, indústria, produtos fi-nanceiros, consumidores). Então, a pergunta muito simples é: como um país com forte tradição histórica neste produto não pode informar ao mercado números absolutamente confiáveis, que fazem parte de sua estratégia no mercado mundial do café?

O Brasil é responsável por mais dos 50 milhões de sacas das 150 milhões de sacas do consumo global, ou seja, a terça parte deste consumo tem como origem a cadeia do agronegócio na-cional. No mundo de hoje, a velocidade das informações pos-sui um reflexo enorme, seja pelo lado positivo ou negativo, para qualquer negócio. A eficiência da produção e de toda a cadeia pode ser anulada por uma simples informação de mercado, sem a devida pesquisa necessária para a sua comunicação, causando fortes distorções e criando incertezas para os operadores.

Somos mais de cinquenta países produtores de café, aliados a uma feliz e grande quantidade de países consumidores. Portanto, não podemos mais trabalhar de forma tão amadora. As estratégias não permitem mais erros desse tipo, e, assim, os investimentos em

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“estatísticas confiáveis” são urgentes e de suma importância para o País. Temos total capacidade e nível técnico para estimarmos o parque cafeeiro, a produção, a produtividade e a armazenagem, entre outros fatores, com absoluta precisão. Podemos argumentar e esclarecer dúvidas com a metodologia aplicada, atenuando ou evitando as possíveis distorções de mercado originadas pela falta ou pelo excesso de informações dessa origem.

O Brasil, com toda a sua estrutura, da produção ao consumo, está perfeitamente apto a agregar valores com mais credibilida-de, pois, além de investir em estatísticas confiáveis, os cafés do Brasil deveriam investir na divulgação de sua sustentabilidade. Trata-se de uma importante e saudável solicitação por uma parte dos consumidores, futuramente se tornando uma exigência bem maior por parte dos mesmos. um forte trabalho de comunicação a ser desenvolvido esclarecerá ao mercado consumidor que as leis brasileiras são rígidas, tanto na área social, como na ambien-tal. Essa real informação, se bem desenvolvida e trabalhada, sem dúvida resultará no aumento da confiança em nossos cafés, bem como incrementará o consumo nos mercados a cada dia mais exigentes com as origens. Implantando isso, mais consumidores certamente irão à procura por uma xícara de café nacional, que,

pela sua reconhecida qualidade, é sustentável, gerando mais res-peito, atração e simpatia do consumidor global.

A posição brasileira de liderança na produção, consumo e ex-portação de cafés é fruto de um forte trabalho desenvolvido ao longo de muitos anos por seus segmentos. O desenvolvimento e a possível precisão das informações das estatísticas de produção, aliados à divulgação precisa de nossa natural sustentabilidade ao mercado, colaboram e incrementam os resultados dos esforços obtidos pela cadeia do agronegócio café em sua história.

A proposta de otimizar investimentos em melhores pesquisas e estatísticas, assim como agregar à nossa realidade que somos sustentáveis, socialmente e ambientalmente, só a esclarecerá e aumentará a rastreabilidade do produto junto ao consumidor. Tudo isso exatamente em um mercado com excelentes perspec-tivas futuras de consumo, cujo crescimento global, hoje da or-dem de 2% ao ano, significa, em dez anos, a necessidade mundial de 185 milhões de sacas, sem contarmos com o possível e forte desenvolvimento dos bebedores de cafés em novos mercados, como China, Índia e outros.

* Analista de mercado do Escritório Carvalhaes

saldo positivo para as exportações

Guilherme Braga*

As exportações brasileiras de café surpreenderam positivamente em 2014. Nos primeiros dez meses do ano (de ja-neiro a outubro), os embarques para o exterior alcançaram 29,961 milhões de sacas, média, portanto, de quase 3 mi-lhões de sacas mensais. Esse desempe-

nho aponta para um volume provável de 36 milhões de sacas no ano corrente, o maior da história, com uma receita cambial próxima de uS$ 7 bilhões.

Esses números tornam-se especialmente marcantes, pois coin-cidem com um cenário caracterizado por fortes incertezas quanto à dimensão da safra 2014/15 e pelas consequências que poderiam causar na comercialização externa de nosso café. Como se sabe, a seca que assolou os cafezais brasileiros, a partir de janeiro, es-tendeu-se nos meses seguintes, agravada também pela ocorrência continuada de altas temperaturas, acima de 35ºC. Tudo isso im-pactou a produção em desenvolvimento nas árvores, com efeitos sobre o rendimento. Estimativas de quebras pela má granação e pela redução das favas, bem como os prognósticos sobre os efeitos prejudiciais dos déficits hídricos sobre a safra 2015/16, em face do estado das árvores, quase sempre com viés pessimista, trouxeram preocupações quanto à efetiva disponibilidade do produto.

Quanto à disponibilidade interna, o levantamento anual, feito pela Conab em 31 de março de cada ano, mostra que os estoques de passagem evoluíram de 8,4 milhões de sacas, em março de 2012, para 13,9 milhões, em 31 de março de 2013. Essa situação explica-se pelo forte estímulo à retenção interna feito em 2012. Já em 31 de março deste ano, a contagem da Conab indica um crescimento de 9% no estoque de passagem, para 15,2 milhões de sacas. Parte do crescimento dos embarques em 2014 pode ter origem na variação dos estoques internos.

Sem dúvida, o aumento do volume das exportações teve con-tribuição importante do incremento das vendas externas de café da variedade Conilon, decorrente de uma colheita generosa e de excelente qualidade. A maior safra possibilitou o nivelamento

Ano Janeiro a outubro Janeiro a dezembro

2010 26,51 33.17

2011 27,72 31.81

2012 22,74 28,55

2013 25,97 31,66

2014* 29,96 36,00

* ProjeçãoFonte: CeCafé

Brasil: ExPorTaçõEs dE cafÉs VErdEs E indusTrializados (milhõEs dE sacas)

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38 Especial Café Janeiro de 2015Agroanalysis

dos preços internos às cotações internacionais, tornando o café Conilon competitivo no mercado.

No caso do café Arábica, as vendas externas, de janeiro a outubro, evoluíram de 21,8 milhões de sacas, em 2013, para 24,5 milhões, em 2014, podendo aproximar-se de 30 mi-lhões no ano-calendário de 2014. A boa qualidade da atual safra, a despeito da menor proporção das peneiras graúdas, contribuiu para esse resultado.

O balanço das exportações de café em 2014 deve ser en-tendido como muito positivo. Iniciamos o ano com preços internos deprimidos, por volta de r$ 270/saca para os cafés Arábica, preços externos ligeiramente acima de uS$ 1 por libra/peso (Bolsa de Nova York), que se comparam, hoje, a r$ 450/saca e uS$ 1,85 por libra/peso, respectivamente. Fo-ram comercializados 36 milhões de sacas para o exterior, com mercado em alta e preservando um importante market share para o café brasileiro, confirmando, mais uma vez, que as po-líticas de contração da oferta para buscar preços mais altos somente atendem os interesses de nossos concorrentes.

* Diretor-geral do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (CeCafé)

fortalecimento de um grande mercado

Américo Takamitsu Sato*

Com mais de 20 milhões de sacas de café industrializados por ano, o mer-cado brasileiro, segundo no ranking mundial, atrás apenas dos Estados unidos, conta com grande potencial de crescimento, apesar de o produto já ter uma penetração de 98,7% nos lares do

País, segundo dados da Nielsen. Com as inovações, os consu-midores adotam novas formas de preparo, saboreando mais xícaras por dia, seja em casa ou fora do lar.

A maior qualidade dos produtos ofertados no mercado cons-titui o motor desse crescimento, mas, paralelamente a ela, está outro importante quesito: a pureza do café. Esta foi a grande bandeira assumida pela ABIC há vinte cinco anos, quando lan-çou o seu programa de autorregulamentação, responsável pela concessão do Selo de Pureza, primeira certificação da área de alimentos e bebidas.

Em meados da década de 1980, os consumidores vinham abandonando o hábito de consumir café, por acreditarem que o produto puro era exportado e o brasileiro só consumia aquele de baixa qualidade, impuro ou com misturas, conforme cons-tatado em pesquisa de opinião. De lá para cá, o programa do Selo de Pureza resultou na moralização do mercado e resgatou

a credibilidade do produto: o consumo anual saltou de 6,4 mi-lhões de sacas para mais de 20 milhões de sacas. Nesse mesmo período, o consumo per capita aumentou de 2,83 kg/ano para 6,09 kg/ano. Atualmente, participam do programa 459 empre-sas, com 1.148 marcas certificadas.

Único no mundo, a credibilidade do programa é garantida por sua estrutura técnica, que não permite vícios ou influências externas no monitoramento contínuo das marcas no mercado. A coleta de amostras é realizada por auditoria independente, e a análise, feita em sete laboratórios credenciados, com envolvi-mento de cinquenta técnicos. Já são monitoradas 1.350 marcas (75% do volume de café produzido no País), mas a entidade busca sempre ampliar essa cobertura. Com todas as despesas totalmente custeadas pelas próprias associadas, 3.500 amostras são coletadas e analisadas por ano. Desde o lançamento, em 1989, já foram mais de 60 mil amostras analisadas.

O Programa do Selo de Pureza, além de moralizar o setor, resgatou os tradicionais consumidores e incorporou uma nova geração de apaixonados por café. As pessoas hoje na fai-xa dos trinta e cinco anos cresceram em um novo ambiente, marcado, sobretudo, pela inovação na oferta de marcas, novos blends e outros conceitos de consumo. Na conquista destes públicos, ajudaram os benefícios do consumo diário e mode-rado de café para a saúde humana, apontados pelas pesquisas médicas e científicas. A ABIC apoiou e continua apoiando es-

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Janeiro de 2015 AgroanalysisEspecial Café 39

tes estudos, pois é preciso acabar com o preconceito e mostrar que café faz bem.

O crescimento do mercado ocorreu, ainda, pelas parcerias estratégicas conquistadas pela ABIC, a exemplo dos setores de produção e comercialização, que, se, antes, limitavam-se aos cafés commodities, passaram a destinar grãos de maior qualidade, com maior valor agregado, para o consumo inter-no. Nesse período, o varejo, principalmente supermercadista, aderiu às ações da ABIC e abriu gôndolas e áreas gourmet ex-clusivas para o café. Somam-se, ainda, as mais de 60 mil pani-ficadoras e centenas de casas de café e redes de cafeterias, de extrema importância na divulgação e promoção da qualidade e da cultura do café.

Foram fundamentais, também, no desenvolvimento do mercado as certificações criadas pela ABIC no lastro do programa do Selo de Pureza, avançando em novos concei-tos: o PQC (Programa de Qualidade do Café), criado em 2004, passou a trabalhar o mercado em categorias de pro-dutos (tradicional, superior e gourmet); o PCS (Programa Cafés Sustentáveis do Brasil), lançado em 2006, certifica o café produzido com respeito à sustentabilidade econômica,

ambiental e social, desde a lavoura até a indústria; e o CCQ (Círculo do Café de Qualidade), lançado em 2007, qualifi-ca e certifica os estabelecimentos que promovem os cafés de qualidade.

Todos estes programas fazem da ABIC uma referência no universo do café, o que é motivo de orgulho, principalmente para aqueles que, como nós, viveram todas essas grandes trans-formações. Para comemorar esses vinte e cinco anos do Selo de Pureza, completados em agosto, retornamos neste segun-do semestre à mídia, com uma campanha que tem como mote “Tudo que é Puro é Melhor. Inclusive seu Café”. Totalmente custeada pela ABIC, a campanha está em mídias sociais, moni-tores de elevadores de prédios comerciais, portais da internet, ações de merchandising em programas como o Mais Você, com a Ana Maria Braga, na TV Globo, e em emissoras de rádio de praticamente todo o País. É mais um grande esforço da nossa entidade. E um marco: Selo de Pureza – vinte e cinco anos de pura confiança.

* Presidente da Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC)

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40 Especial Café Janeiro de 2015Agroanalysis

cup of Excellence: história de

sucesso e, ainda, longeva

Silvio Leite*

Foi emocionante o anúncio dos vinte e um vencedores do 15º Cup of Excellence – Early harvest Brazil, que também ce-lebrou a 100ª edição mundial do concur-so. Nesta safra, produtores da pequena cidade de Piatã, na Chapada Diamantina (na Bahia), abocanharam nove coloca-

ções entre os vinte e um vencedores. Também foram premiados vários lotes das Matas de Minas Gerais, que, agora, juntam-se à maior vencedora desta competição, a região de Carmo de Minas.

Esse concurso foi iniciado no Brasil pela BSCA, em 1999, com o objetivo de apresentar ao mundo os cafés especiais nacionais, até então sem nenhum reconhecimento de qualidade, fazendo do País apenas um grande fornecedor de café commodity, sem agregar valor a seu produto.

Por meio da iniciativa do presidente da BSCA à época, Mar-celo Vieira, surgiu a ideia da criação do concurso de cafés es-peciais para os produtores do Brasil. O que não se imaginava eram as dificuldades técnicas a serem transpostas para um cer-tame com regulamento e auditoria externa. Até então, as fer-ramentas de análise permitiam classificar os lotes muito mais por seus defeitos do que pela qualidade. Para isso, junto com o consultor George howell, criamos uma nova metodologia de torras e provas, que revolucionou a metodologia de avaliação do café no mundo.

Foi assim que, em 1999, se deram a concretização do primeiro concurso e a venda dos cafés vencedores por meio de leilão e via internet, fruto do trabalho de Susie Spindler, consultora de ma-rketing do projeto, que se tornou diretora executiva da Alliance for Coffee Excellence (ACE), organização sem fins lucrativos que dirige esse programa em outros dez países atualmente.

O resultado do preço de venda deste primeiro leilão represen-tou o dobro que o mercado commodity pagava aos cafés brasi-leiros. Para muitos compradores internacionais, a metodologia de análise de qualidade apresentada foi uma forma de conhecer as regiões, as características do produto e os produtores do País.

No Brasil, para cada r$ 1 investido, segundo dados prelimi-nares da ACE, o retorno foi de aproximadamente r$ 5. Como aplicamos r$ 6 milhões, obtivemos r$ 30 milhões até agora.

Em quinze anos, o Cup rompeu barreiras e permitiu ao Brasil ser visto como o principal celeiro mundial de cafés especiais, devido à diversidade de qualidade, consistência de produção e entrega ao mercado. O cuidado na colheita fez com que se apa-nhassem apenas grãos maduros para serem secados lentamente em terreiro suspenso e estufas, com mudança no sabor final.

Após sua criação no Brasil, o concurso, devido ao interesse surgido em vários outros países, originou a Alliance for Coffee Excellence, com sede nos EuA, para organizar e desenvolver o trabalho em todo o Planeta. hoje, além do Brasil, a competição é realizada em honduras, Colômbia, Costa rica, Nicarágua, El Salvador, Guatemala, México, ruanda e Burundi.

* “Cupper”, provador, degustador, professor certificado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

(MAPA) e um dos idealizadores do Cup of Excellence

Busca da qualidade

É extremamente prazeroso ver, ao final de cada concurso,

descobertas de novas regiões, sabores e produtores felizes

com a valorização do trabalho. Amostras de 10 quilos foram

despolpadas, amostras à mão, para obter uma avaliação do

grão sem nenhuma influência de defeitos. A esse exemplo

chamamos de “máximo potencial de qualidade”, oriundo de

pequenos produtores da Chapada Diamantina, bicampeões

da competição.

A criação do Cup of Excellence deu um salto enorme para

o mundo dos cafés, mas ainda existe um grande universo

nos processos e qualidades a ser descoberto. Os cafés na-

turais colhidos a seco e com casca, conhecidos desde 1727,

no Brasil passam por uma redescoberta. Já na colheita de

grãos maduros e com secagem lenta, não há fermentação,

resultando em sabores novos, porém trata-se de um méto-

do que precisa de estudo para que se aperfeiçoe o procedi-

mento perfeito e se permita a receptividade do processo e,

consequentemente, dos sabores.

Temos desafios pela frente para seguirmos rumo à valo-

rização da produção brasileira. As safras são anuais, e as

quebras de paradigmas são lentas. Vamos confiar e seguir

nesse caminho de produzir sem defeitos, para nos consoli-

darmos, junto ao mercado consumidor, como fornecedores

de cafés especiais.

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O SETOr produtor da cafeicultura brasileira, há tempos, convive com

dificuldades diversas, as quais emergiram ao longo dos últimos anos, gerando, aos cafeicultores, a equivocada fama de in-satisfeitos por reclamarem da falta de – e batalharem por – estruturação de políti-cas públicas e privadas que possibilitem um cenário de equilíbrio e rentabilidade.

Passados dois anos de preços aviltados, a virada de 2013 para 2014 esboçou uma reação nas cotações, motivada por fatores múltiplos, entre os quais prognósticos de safras menores na América Central, devi-do ao impacto da ferrugem; na Colômbia, com o processo de recuperação da reno-vação de seus cafezais; e no Brasil, onde o excesso de chuvas em dezembro e o veranico do primeiro bimestre deste ano geraram preocupações sobre a colheita.

As cotações tocaram máximas não vis-tas desde 2012 na Bolsa de Nova York, e o mercado físico acompanhou. Pronto! Cenário ideal para comentários como: “cafeicultor é que está bem”, “cafeicul-tor está rico”, “vou mudar ‘pro’ café para ganhar dinheiro” etc. Esses pseudoentu-siastas esquecem-se, porém, do acúmulo de dívidas que o setor viveu ao longo de aproximadamente uma década – começo dos anos 2000 até 2010 – e, mais recen-

temente, em 2012 e 2013. Esse contexto relata apenas alguns de muitos cenários de amnésia relacionada à cafeicultura brasileira, seja por agentes de fora da cadeia, seja em seu âmbito privado ou, principalmente, governamental.

Como acabar com essa visão? O presi-dente executivo do Conselho Nacional do Café (CNC), Silas Brasileiro, recomenda o consenso entre os elos do setor privado e sinergia com os órgãos governamentais responsáveis pela gestão do café. “Pro-dução, exportação e indústrias possuem pontos divergentes, mas um grande passo para caminharmos na mesma direção foi dado no final de 2013, quando o CNC e a OCB (Organização das Cooperativas Brasileiras) realizaram o seminário ‘ru-mos da Política Cafeeira no Brasil’, o que possibilitou o alinhamento das priorida-des do setor, as quais foram elencadas no Projeto rumos”, destaca.

Por outro lado, ele aponta que o exces-so de mudanças ocorridas no staff res-ponsável pela cafeicultura do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimen-to (MAPA) tem complicado a elabora-ção e o desenvolvimento de políticas proativas e estruturantes para o setor. “Infelizmente, as alterações travaram a implantação do Projeto rumos e de

políticas públicas para o café, de forma que a liberação de recursos do Funca-fé, em 2014, veio um pouco atrasada e não ocorreu de forma unificada, além de terem impedido qualquer utilização de instrumentos de mercado disponíveis para apoiar a produção”, lamenta.

Também como reflexo da falta de siner-gia na gestão, vemos inúmeras especula-ções a respeito do tamanho das colheitas brasileiras de café, cujos volumes “estima-dos” apresentam discrepâncias superiores a 10 milhões de sacas para a mesma safra. “As lideranças do setor produtor mantêm sua preocupação em relação a esse assun-to, até porque há contradições por parte do próprio Governo, que adota dois insti-tutos diferentes para o levantamento, um ligado ao Ministério da Agricultura e ou-tro ao Ministério do Planejamento, fazen-do com que a especulação continue sendo usada em larga escala, causando incerteza no mercado”, explica Brasileiro.

O presidente do CNC recorda que o Brasil já possui instrumentos necessários para aflorar a clareza dos números e, por-tanto, entende que é hora de realizar um estudo para harmonizar as ferramentas disponíveis e trabalhar de forma inteli-

Café

cnc aPonTa PrEocuPaçõEs E nEcEssidadEs do sETorPaulo André Colucci Kawasaki*

Especial CNC

“sE o Brasil não Possuir uma EsTaTísTica EficiEnTE E confiáVEl, não sErá caPaz

dE rEBaTEr as inúmEras EsPEculaçõEs ExisTEnTEs.” Silas Brasileiro, Presidente

executivo do Conselho Nacional do Café (CNC)

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42 Janeiro de 2015Agroanalysis

gente para informar ao mundo qual é o nosso parque cafeeiro, a nossa produção e quanto temos de estoque. “Nesse sentido, a unificação dos anúncios e a implanta-ção do georreferenciamento são extre-mamente necessários. Além disso, vemos com bons olhos a realização de um traba-lho com os demais segmentos da cadeia produtiva (exportação e indústrias) para a divulgação conjunta de documentos es-tatísticos ao mercado, para que todos pas-sem a ter respeito pela posição brasilei-ra”, argumenta. Brasileiro completa: “se o Brasil não possuir uma estatística eficien-te e confiável, não será capaz de rebater as inúmeras especulações existentes”.

A falta de critérios e a não revisão anual dos preços mínimos de garantia para ní-veis condizentes com a realidade dos cus-tos de produção do café são outros pontos que preocupam as lideranças do setor. Em 2013, após quatro anos de congelamento, o governo federal elevou o preço mínimo do Arábica para r$ 307,00 por saca frente aos r$ 261,69 estipulados em 2009. “Con-tudo, estudo sobre os custos de produção realizado pela Conab, no ano passado, apresentou uma média de r$ 336,13 por saca, o que não nos permite aceitar os r$

307, bem abaixo dos gastos na produção, definidos pela área econômica”, critica Brasileiro. Em 2014, o valor do Arábica não foi atualizado, mesmo diante da ele-vação constante dos custos de produção. Já o preço mínimo do Conilon saiu de r$ 156,57 – em vigência desde 2009 – para r$ 180,80 por saca neste ano, valor que também começa a ficar defasado para a variedade, segundo o CNC.

Com o objetivo de melhorar esse cená-rio, o Conselho informa que, em reunião realizada no dia 7 de novembro, deu o primeiro passo para uma proposta a ser encaminhada pelo setor ao Governo. Téc-nicos da universidade Federal de Lavras (uFLA), em parceria com a Confedera-ção da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), realizaram levantamentos dos custos nas diversas áreas produtoras do Brasil e apresentaram os valores atuais, os quais serão contrastados com os custos apurados pelas cooperativas associadas ao CNC para alcançar a média que ser-virá de embasamento à indicação aos Mi-nistérios vinculados à atividade cafeeira.

“Na cafeicultura, todos reconhecem o elevado custo resultante da mão de obra, dos encargos sociais, dos defensivos e fertilizantes, dos maquinários, do com-bustível etc., que refletem diretamente na renda do produtor. Esse cenário, aliado a preços de mercado abaixo dos gastos na produção por falta de um ‘colchão’ gera-do por preço mínimo real, tem feito com que muitos cafeicultores, ao longo dos úl-timos anos, desfaçam-se de seu patrimô-nio para honrar os compromissos finan-ceiros assumidos”, lamenta o presidente do CNC, que completa recordando que a seca de dez meses neste ano complicou ainda mais a rentabilidade.

O representante da produção cita, ain-da, que há preocupação quanto ao Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Fun-café), a respeito do qual o Governo tem autorizado a liberação dos recursos com certo atraso nas safras recentes, além de não fazer o anúncio unificado dos valores

destinados a cada linha de financiamento. “Assim que estiver formatada a estrutura governamental – após as eleições –, en-traremos em contato com o Ministério da Agricultura para apurarmos o ativo do Fundo e definirmos uma melhor aplica-ção de seus recursos, sendo possível até pensarmos em meios que gerem uma ‘realimentação’ dos valores do Funcafé”, comenta Silas Brasileiro.

um melhor ordenamento e o incre-mento de recursos no Fundo podem ser o ponto-chave para melhorar a promoção dos cafés do Brasil, que é um problema reconhecido por todos os elos do setor privado. “Aliado a isso, entendemos como crucial a organização da cadeia produtiva para promover a produção sustentável de café no Brasil, o único país com leis so-ciais e ambientais corretas”, indica.

A esse respeito, o presidente do Conse-lho recorda que a entidade deu um passo inicial, na 113ª Sessão do Conselho Inter-nacional do Café da OIC (Organização Internacional do Café), realizada de 22 a 26 de setembro, em Londres (Inglaterra), oportunidade em que apresentou a to-das as delegações cafeeiras presentes no encontro o vídeo institucional “Cafés do Brasil: um negócio sustentável do peque-no ao grande produtor”, demonstrando as características da cafeicultura nacional e destacando os comprometimentos eco-nômico, ambiental e social da atividade em busca da sustentabilidade do setor.

O vídeo também trata da promoção da base da cadeia produtiva no Brasil, apresentando uma estrutura pujante, envolvendo cooperativas, exportadores e indústrias, que consegue dar liquidez ao mercado. “Esse alicerce secular, que se aperfeiçoa com o passar do tempo, precisa ser divulgado internacionalmen-te, frisando todo o trabalho desenvolvi-do para comércio, exportação, pesquisa cafeeira etc., pois essa base que o Brasil possui fortalece preços, dá credibilidade e cria parcerias de mercado”, conclui o presidente do CNC.

Especial CNC

* Jornalista profissional, diretor de Comunicação do Conselho Nacional do Café (CNC) e assessor de imprensa da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA)