calligaris_servemficcoes

2
7/23/2019 calligaris_servemficcoes http://slidepdf.com/reader/full/calligarisservemficcoes 1/2 PARA A DISCIPLINA LINGUAGEM II Folha de S. Paulo, quinta-feira, 18 de janeiro de 2007 - Ilustrada CONTARDO CALLIGARIS Para que servem as ficções?  A ficção de uma vida diferente da minha me ajuda a descobrir o que há de humano em mim ESTÁ E !arta" #ais Estranho que a Fi!$%o#, de ar! Forster &!o' u' e(traordin)rio roteiro de *a!h +el'. Se o! l ro'an!es e !ontos, se freq/enta !ine'as e teatros, se, e' su'a, a fi!$%o te' alu'a relen!ia na sua ida, n%o er!a o fil'e. 3 a hist4ria &enra$ada e terna de u' auditor de i'ostos que, de reente, !o'e$a a ouir a o" 'isteriosa de u'a narradora5 sua ida, aarente'ente insinifi!ante, 6 o te'a de u' ro'an!e, do qual ele 6, oia'ente, o rotaonista. Sa do !ine'a ensando no luar que as fi!$9es o!uara' e o!ua' na 'inha ida. :res!i nu'a fa'lia e' que ler ro'an!es e assistir a fil'es, ou seja, 'erulhar e' fi!$9es, n%o era !onsiderado u'a erda de te'o. Podia atrasar os deeres ou sa!rifi!ar o sono ara a!aar u' !atulo, e n%o era re!iso 'e tran!ar no anheiro ne' ler ; lu" de u'a lanterna. eus ais, eentual'ente, edia' que orani"asse 'elhor 'eu hor)rio, 'as dei(aa' !laro que 'eu interesse elas fi!$9es era u'a arte !ru!ial &e aroada de 'inha #for'a$%o#. Eles sequer e(iia' que as ditas fi!$9es fosse' edifi!antes ou tiesse' u' alor !ultural estaele!ido. <' oli!ial e u' =ostoi6s>i era' tratados !o' a 'es'a defern!ia. ?uando foi 'inha e" de ser ai, ai da 'es'a for'a. Por qu@ E(iste a id6ia &!o'u' seundo a qual a fi!$%o 6 u'a #es!ola de ida#5 ela nos aresenta a diersidade do 'undo e !onstitui u' reert4rio do ossel. Alu6' dir)5 o 'es'o n%o a!onte!eria !o' u'a s6rie de ons do!u'ent)rios ou ensaios etnor)fi!os@ :erto, do!u'ent)rios e ensaios a'lia' nosso hori"onte. as a fi!$%o oera u'a ')i!a sule'entar. To'e, or e(e'lo, #B :a$ador de Pias#, de Chaled +osseini. A leitura nos fa" !onhe!er a arti!ularidade do Afeanist%o, 'as o que torna o ro'an!e irresistel 6 a hist4ria sinular de A'ir, o rotaonista. A'ir, afastado de n4s elas arti!ularidades de seu ruo, reela-se iual a n4s ela sinularidade de sua e(erin!ia. A ida dos afe%os  ode ser ojeto de u' do!u'ent)rio, que, se' dDida, ser) instrutio. as a hist4ria fi!t!ia #daquele# afe%o o torna 'eu se'elhante e 'eu ir'%o. Esta 6 a ')i!a da fi!$%o5 no 'eio das diferen$as arti!ulares entre ruos, ela inenta e(erin!ias sinulares que reela' a hu'anidade que 6 !o'u' a todos,  rotaonistas e leitores. A fi!$%o de u'a ida diferente da 'inha 'e ajuda a des!orir o que h) de hu'ano e' 'i'. +) u'a outra id6ia, 'enos !o'u', seundo a qual a ida da ente ode &e tale" dea ser iida !o'o u'a narra$%o. %o tanto ara que ela se transfor'e nu' roteiro 'iraolante, 'as ara que nosso !otidiano &or hu'ilde e anal que seja assu'a u'a

Transcript of calligaris_servemficcoes

Page 1: calligaris_servemficcoes

7/23/2019 calligaris_servemficcoes

http://slidepdf.com/reader/full/calligarisservemficcoes 1/2

PARA A DISCIPLINA LINGUAGEM II

Folha de S. Paulo, quinta-feira, 18 de janeiro de 2007 - Ilustrada

CONTARDO CALLIGARIS

Para que servem as ficções?

 A ficção de uma vida diferente da minha me ajuda a descobrir o que há de humanoem mim

ESTÁ E !arta" #ais Estranho que a Fi!$%o#, de ar! Forster &!o' u'e(traordin)rio roteiro de *a!h +el'. Se o! l ro'an!es e !ontos, se freq/enta !ine'as eteatros, se, e' su'a, a fi!$%o te' alu'a relen!ia na sua ida, n%o er!a o fil'e.

3 a hist4ria &enra$ada e terna de u' auditor de i'ostos que, de reente, !o'e$aa ouir a o" 'isteriosa de u'a narradora5 sua ida, aarente'ente insinifi!ante, 6 o te'a

de u' ro'an!e, do qual ele 6, oia'ente, o rotaonista.Sa do !ine'a ensando no luar que as fi!$9es o!uara' e o!ua' na 'inha ida.:res!i nu'a fa'lia e' que ler ro'an!es e assistir a fil'es, ou seja, 'erulhar e'

fi!$9es, n%o era !onsiderado u'a erda de te'o. Podia atrasar os deeres ou sa!rifi!ar osono ara a!aar u' !atulo, e n%o era re!iso 'e tran!ar no anheiro ne' ler ; lu" deu'a lanterna.

eus ais, eentual'ente, edia' que orani"asse 'elhor 'eu hor)rio, 'asdei(aa' !laro que 'eu interesse elas fi!$9es era u'a arte !ru!ial &e aroada de 'inha#for'a$%o#. Eles sequer e(iia' que as ditas fi!$9es fosse' edifi!antes ou tiesse' u'alor !ultural estaele!ido. <' oli!ial e u' =ostoi6s>i era' tratados !o' a 'es'adefern!ia.

?uando foi 'inha e" de ser ai, ai da 'es'a for'a. Por qu@E(iste a id6ia &!o'u' seundo a qual a fi!$%o 6 u'a #es!ola de ida#5 ela nosaresenta a diersidade do 'undo e !onstitui u' reert4rio do ossel. Alu6' dir)5 o'es'o n%o a!onte!eria !o' u'a s6rie de ons do!u'ent)rios ou ensaios etnor)fi!os@:erto, do!u'ent)rios e ensaios a'lia' nosso hori"onte. as a fi!$%o oera u'a ')i!asule'entar.

To'e, or e(e'lo, #B :a$ador de Pias#, de Chaled +osseini. A leitura nos fa"!onhe!er a arti!ularidade do Afeanist%o, 'as o que torna o ro'an!e irresistel 6 ahist4ria sinular de A'ir, o rotaonista. A'ir, afastado de n4s elas arti!ularidades deseu ruo, reela-se iual a n4s ela sinularidade de sua e(erin!ia. A ida dos afe%os ode ser ojeto de u' do!u'ent)rio, que, se' dDida, ser) instrutio. as a hist4ria

fi!t!ia #daquele# afe%o o torna 'eu se'elhante e 'eu ir'%o.Esta 6 a ')i!a da fi!$%o5 no 'eio das diferen$as arti!ulares entre ruos, elainenta e(erin!ias sinulares que reela' a hu'anidade que 6 !o'u' a todos, rotaonistas e leitores. A fi!$%o de u'a ida diferente da 'inha 'e ajuda a des!orir oque h) de hu'ano e' 'i'.

+) u'a outra id6ia, 'enos !o'u', seundo a qual a ida da ente ode &e tale"dea ser iida !o'o u'a narra$%o. %o tanto ara que ela se transfor'e nu' roteiro'iraolante, 'as ara que nosso !otidiano &or hu'ilde e anal que seja assu'a u'a

Page 2: calligaris_servemficcoes

7/23/2019 calligaris_servemficcoes

http://slidepdf.com/reader/full/calligarisservemficcoes 2/2

relen!ia e u'a intensidade que o torne' dino de ser iido. %o fi!a !laro@ Fa$a ae(erin!ia5 asse trs horas de seu dia a!o'anhando suas a$9es de se're, seus ensa'entos, seus en!ontros e suas rotinas !o' u'a narra$%o 'ental detalhada, !o'o seo! fosse o rotaonista de u' ro'an!e que est) sendo es!rito enquanto o! ae. ?ue oresultado seja u' ator'entado 'on4loo interior ou u'a se!a des!ri$%o, de qualquer 

for'a, seu 'undo &e(terno e interno ser) transfor'ado.Se o! rolonar a e(erin!ia &rediindo u' di)rio, e' for'a de lo ou nu'!aderno, ou!o i'orta, a narra$%o assar) a !o'andar sua ida5 aos ou!os, suases!olhas ser%o de!ididas e' fun$%o do te(to que o! est) es!reendo. :rit6rios est6ti!os&#!o'o fi!a isso na hist4ria@# a!aar%o se 'isturando !o' os !rit6rios 6ti!os elos quais,at6 ent%o, o! se norteaa.

#ia sua ida !o'o se ela fosse o ojeto de u' ro'an!e# 6 u' i'eratio 'oralestranho e efi!iente, e'ora ne' se're seuro &e ;s e"es, ali)s, fran!a'ente erioso. u' 'o'ento do fil'e de ar! Forster, o rotaonista a!eita que a narradora es!rea sua'orte &e o !ondene, ortanto, a 'orrer, ois esse are!e ser, naquela altura, o desfe!hoadequado da hist4ria. Essa atitude do rotaonista lea a es!ritora a oserar que, naerdade, a ente deeria reserar a ida de u' ho'e' que 6 !aa" de a!eitar a 'orte araque sua hist4ria ossa ser !ontada da 'elhor 'aneira ossel. 3 u' equeno arado(o&6ti!o ou est6ti!o, dif!il di"er que 'ere!e refle(%o.

Enfi', se eretuei e trans'iti o reseito de 'eus ais elas fi!$9es 6 orque elas'e are!e' ser a 'aior e 'elhor fonte n%o de nossas nor'as 'orais, 'as de nosso ensa'ento 'oral.!!alliariGuol.!o'.r