Calmon de Passos_2009_Há Um Novo Moderno Processo Civil Brasileiro_Revista Eletrônica Sobre a...

9
Número 18 – junho/julho/agosto 2009 – Salvador – Bahia – Brasil - ISSN 1981-1888 HÁ UM NOVO MODERNO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO? Prof. José Joaquim Calmon de Passos + Professor Catedrático da Universidade Federal da Bahia. Coordenador do Curso de Especialização em Processo da Universidade Salvador. Procurador de Justiça. Advogado. O ministro Athos Gusmão Carneiro, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual, convocou seus colegas para refletirem sobre os problemas do nosso processo civil a fim de que o Instituto pudesse editar as contribuições oferecidas. Fruto desta convocação foram os dois volumes da obra intitulada Bases cientificas para um renovado direito processual”. Não contribuí nessa publicação por um motivo bem simples. Considero-me, hoje, alguém à margem do pensamento quase unânime, ouso dizer, dos processualistas brasileiros. Já paguei um preço muito alto, em termos de perda de antigas amizades e não pretendo agravar esta ferida. Daí ter solicitado de Petrônio Calmon que não mais me convidasse para participar de iniciativas do Instituto, querendo com isto não continuar magoando pessoas que estimo e evitar o risco de dar a falsa impressão de ser apenas um pretensioso medíocre. Na publicação referida estão 43 trabalhos de mestres do processo civil pelo que é um adequado ponto de partida para a análise por mim pretendida. Selecionei os que me pareceram mais pertinentes com o tema que abordarei, o que não retira dos demais seus específicos méritos. Fala-se em mudanças estruturais (Ada) mudanças das bases teóricas (Alexandre Câmara) da necessidade de uma teoria crítica do direito processual (Petrônio) de idéias para um renovado direito processual (Marinoni), de deformalização (Guilherme Teixeira e Rogério Mollica), dos princípios e sua influência (Milton Carvalho) de bases para um pensamento contemporâneo do processo civil (Scarpinelli Bueno), de uma possível equalização do poder-dever (Luciana Dias), da subsunção da oralidade no processo eletrônico (Fagundes Cunha) das bases cientificas para um renovado direito processual (Gisele

description

J. J. Calmon de Passos

Transcript of Calmon de Passos_2009_Há Um Novo Moderno Processo Civil Brasileiro_Revista Eletrônica Sobre a...

  • Nmero 18 junho/julho/agosto 2009 Salvador Bahia Brasil - ISSN 1981-1888

    H UM NOVO MODERNO PROCESSO CIVIL

    BRASILEIRO?

    Prof. Jos Joaquim Calmon de Passos+

    Professor Catedrtico da Universidade Federal da Bahia. Coordenador do Curso de Especializao em Processo da Universidade Salvador.

    Procurador de Justia. Advogado.

    O ministro Athos Gusmo Carneiro, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual, convocou seus colegas para refletirem sobre os problemas do nosso processo civil a fim de que o Instituto pudesse editar as contribuies oferecidas. Fruto desta convocao foram os dois volumes da obra intitulada Bases cientificas para um renovado direito processual. No contribu nessa publicao por um motivo bem simples. Considero-me, hoje, algum margem do pensamento quase unnime, ouso dizer, dos processualistas brasileiros. J paguei um preo muito alto, em termos de perda de antigas amizades e no pretendo agravar esta ferida. Da ter solicitado de Petrnio Calmon que no mais me convidasse para participar de iniciativas do Instituto, querendo com isto no continuar magoando pessoas que estimo e evitar o risco de dar a falsa impresso de ser apenas um pretensioso medocre.

    Na publicao referida esto 43 trabalhos de mestres do processo civil pelo que um adequado ponto de partida para a anlise por mim pretendida. Selecionei os que me pareceram mais pertinentes com o tema que abordarei, o que no retira dos demais seus especficos mritos.

    Fala-se em mudanas estruturais (Ada) mudanas das bases tericas (Alexandre Cmara) da necessidade de uma teoria crtica do direito processual (Petrnio) de idias para um renovado direito processual (Marinoni), de deformalizao (Guilherme Teixeira e Rogrio Mollica), dos princpios e sua influncia (Milton Carvalho) de bases para um pensamento contemporneo do processo civil (Scarpinelli Bueno), de uma possvel equalizao do poder-dever (Luciana Dias), da subsuno da oralidade no processo eletrnico (Fagundes Cunha) das bases cientificas para um renovado direito processual (Gisele

  • 2

    Ges). A par destes, muitos outros que direta ou indiretamente versam o problema suscitado sem lhe dar, contudo, prioridade.

    Tentando sintetizar, acredito ser fiel afirmando que a linha mestra do pensamento desses juristas a de que o processo civil seria novo em termos de principiologia e, com muita liberalidade, tambm em termos de filosofia. Os demais, apenas sugerem modificaes procedimentais.

    Do que pude apurar, salvo tenha falhado minha percepo, estaramos dando uma guinada para o que , segundo eles, a coluna vertebral do entendimento contemporneo do direito: uma superao do positivismo, afastando-se a supremacia do legislador infraconstitucional para dar-se Constituio efetividade plena a ser deduzida pelos aplicadores do direito (magistrados) eliminando-se tambm a separao entre direito e moral, colocando-se o tico no cerne mesmo do direito mediante o que se pode chamar de principiologia.

    Ainda quando gentilmente convidado, como j disse, no colaborei. Quais as razes? Ningum mais do que eu tem insistido em dizer que nosso tempo um tempo de repensar, mas em funo de um novo momento histrico que a partir dos fins da dcada de 70 praticamente sepultou a chamada era de ouro, produto fugaz dos imperativos derivados da Segunda Grande Guerra e dos estragos materiais que ela causou ao capitalismo europeu, a par das ameaas em termos ideolgicos oriundas da marcante presena da Rssia socialista no cenrio das grandes potncias com seu poderio militar e sua mstica messinica, ainda vigorosa.

    As trs dcadas do sonho comearam a agonizar com a mundializao do capital (apelidada de globalizao) e o neoliberalismo (apelidado de economia de mercado). E uma e outra coisa s foram possveis, resumindo ao mximo, em virtude de ganhos tecnolgicos relevantes que, ao invs de se tornarem patrimnio da humanidade, foram transformados em mercadoria, assegurando lucros fabulosos para empresas transnacionais, protegidas pela relevncia dada proteo da chamada propriedade intelectual. Para assegurar tal estado de coisas, instituram-se organismos transnacionais dotados de excepcional poder poltico e econmico (FMI, Banco Mundial, OMC etc.), todos eles imunes a qualquer controle pelos Estados nacionais e pela sociedade em geral.

    Esta novidade, que fundamental, tem sido desconsiderada. Pensamos ainda como se estivssemos nas dcadas de 1940 a 1970 e em funo do que sobre ela pensaram os europeus, em realidade nicos protagonistas desse tempo histrico. Falamos sobre o Estado de Direito Social Democrtico, algo to fugidio e transitrio que nem mesmo tornou possvel sua teorizao poltica, e falamos do passado como se ainda fosse a realidade do presente. E o mais grave de tudo, falamos dele, hoje, em nosso pas, sombra de uma Constituio sobre a qual o menos que se pode dizer denomin-la de simblica, como feito, educadamente, por Marcelo Neves.

  • 3

    Desse convencimento que retiro a concluso de que nosso repensar deve ter necessariamente como ponto de partida a convico de que o sonho acabou.

    Por outro lado, julgo por demais irrealista pretender-se existam bases cientficas para se pensar ou repensar o direito. Alan Chalmers escreveu um livro interessante e instigante ao qual deu o ttulo de O que a cincia afinal?

    Ao fim e ao cabo, afirma inexistirem um conceito e um mtodo cientficos universais e atemporais de cincia ou de mtodo cientfico que possam servir para chegarmos Verdade, com letras maisculas, que seria a nica e a de sempre. Isto no implica, esclarece ele, um relativismo vale tudo, como se uma situao ou soluo fosse to boa como qualquer outra. E adverte: se uma situao deve ser mudada de uma forma controlada, quer a situao envolva o estado de desenvolvimento de algum ramo do conhecimento ou o estado de desenvolvimento de algum aspecto da sociedade, isto ser mais bem conseguido por meio de um controle da situao e de um domnio dos meios disponveis para mud-la. E concli: a poltica do vale tudo significa, na prtica, que tudo vai permanecer como est. 1 Se o qualificativo de bases cientficas tem este modesto propsito e este honesto empenho, que se releve o carter cientfico do direito.

    Se a lio de Chalmers foi por mim assimilada, no posso pretender fazer cincia jurdica (caso seja possvel falar-se em cincia jurdica) sem antes ter sido explcito sobre o que seja para mim o direito e a que necessidades ele atende. E esta a omisso em que tm incidido teimosamente todos os empenhados em afirmar que temos um novo processo civil. Afirma-se a conseqncia sem se haver determinado a causa, como se isto, por si s, j no desqualificasse qualquer concluso que se venha a tirar.

    Da minha insistncia, quase mrbida, em explicitar o que para mim o direito, alicerando nesta convico todas as conseqncias que defendo.

    As bases de meu pensamento so muito simples e muito claras: O direito linguagem, texto. Um dizer prescritivo dotado de especificidade: dizer de quem detm o monoplio do uso legtimo da fora. Enquanto um dizer prescritivo genrico, insuscetvel de coercibilidade, enquanto puro texto, um dizer prescritivo vazio de eficcia social relevante, igual aos dizeres da Bblia ou de qualquer outro livro sagrado ou compndio de mximas morais ou livros de auto-ajuda.

    Como todo texto, no nos submete, antes fica submetido a ns. Que o diga a Bblia, velha de muitos milnios, at hoje incapaz de fazer dos homens o que pretende. Nem mesmo sobre o povo judeu teve poder de conformao.

    O direito de igual impotncia enquanto texto. Quando de carter genrico, fruto de decises polticas, impotentes para conformar

    1 A. F. Chalmers, O que a cincia afina?, Brasileiense, SP, 1995, p.214/16.

  • 4

    necessariamente a convivncia social. Sua concreo, na disciplina das relaes sociais, se obtm mediante decises que, embora no de todo isentas de intenes polticas, necessariamente se revestem de propsitos e eficcia prtica.

    O direito, por conseguinte, no algo dado ao homem pela Natureza, mas um produto de sua atividade, do seu agir na convivncia social. E produto que se objetiva como linguagem e deciso com sua especificidade.

    Da sustentar ser imprescindvel distinguirmos o processo de produo do direito que se d em nveis variados de complexidade, como sejam: processo constitucional, legislativo, negocial, administrativo e jurisdicional de produo do direito, com seus produtos especficos: constituio, leis infraconstitucionais, atos administrativos, contratos e sentenas (lato senso) dos diversos procedimentos adotados por cada qual deles, tendo em vista certas particularidades de seu produto especfico. S para exemplificar: diverso o procedimento adotado para apresentar, discutir e votar emendas constitucionais daquele adotado para os projetos de lei ordinria, variando estes, inclusive, se oriundos do Executivo ou de algum integrante do Parlamento.

    Para se falar em um novo processo civil teramos que comprovar terem ocorrido mudanas no tocante ao processo de produo do direito ou de que a realidade social reclama modificaes nesse processo de produo do direito.

    Curiosamente, at hoje, nenhum dos meus colegas me honrou abordando os fundamentos de meu modo de pensar. Contudo isto que relevante. Como aceitar sejam atacadas as conseqncias sem antes se evidenciar o equvoco ou a inaceitabilidade da causa invocada?

    E que premissas coloco para minha concluso? Bem conhecidas, de to repetidas. Vou mencion-las e fundament-las ainda que brevemente porque j as expus e fundamentei em tudo quanto tenho escrito e falado nos ltimos vinte anos, ainda que pregando no deserto.

    S o homem precisa do direito e onde convivem homens presente sempre esteve e estar o direito. J era afirmativa da antiguidade clssica (ubi societas ibi jus) e continua vlida at hoje.

    Por qu? Resumindo: o homem o nico ser vivo determinado para decidir sobre o que deve ou no deve fazer. Todos os demais nascem geneticamente determinados e so o que no podem deixar de ser e fazem o que no podem deixar de fazer. por isto que uma colmia do tempo dos faras a mesma das abelhas de nosso sculo XXI e nem as sociedades nem a cidade dos homens so hoje o que eram no tempo dos faras.

    Conseqncia disto tambm a determinao imposta ao homem da necessidade de instituir alguma ordem social, sem o que jamais convivero e sobrevivero.

  • 5

    Por que assim com o homem? S duas respostas so possveis. Um fundamento metafsico (jusnaturalista explcito ou camuflado) ou de natureza antropofilosfica. O posicionamento claro e honesto de todo jurista, no particular, fundamental. Sem ele, apenas estar executando um samba do crioulo doido ou mistificando em proveito de algo que deixado na sombra.

    possvel falar-se em direito sem associ-lo ao monoplio legtimo do uso da fora? Invivel. Seria um dizer prescritivo, tico ou tcnico, como muitos outros enunciados pelos homens. Sem especificidade. Em todos os tempos e em todas as civilizaes foi assim. E ningum sabe disto melhor que os nossos processualistas renovadores que fizeram da efetividade a padroeira de seu saber e dos magistrados os sacerdotes de seu culto.

    possvel o monoplio do uso legtimo da fora (poder poltico) sem que tambm se detenha o poder econmico? No conheo nenhuma exceo. S episodicamente, em pocas de crise ou movimentos revolucionrios.

    E que instrumento assegura a eficcia social de quanto prescrito como direito? A ideologia em seu sentido fraco e em seu sentido forte, vale dizer, um convencimento socialmente introjetado de que as coisas devem ser como so e no h instrumentos eficazes ou conhecidos para torn-las diferentes.

    Dar prioridade a solues jurdicas para os conflitos sociais impossvel e indesejvel. A nvel macro, jamais existiu. A nvel micro, denuncia a falncia das instituies sociais. A sade de um povo decorre da sade de suas instituies sociais. Da a advertncia irnica de Deleuze: se voc chegar a um pas com muitas leis, no fique nele; isto denuncia a fragilidade de suas instituies. Mas se ele tiver poucas leis, pode nele fazer sua morada. As instituies so fortes e elas que garantem a sade social. Em pas civilizado, as leis apenas cuidam das instituies j socialmente consolidadas.

    Outra evidncia: o justo e o injusto, o licito e o ilcito precisam ser expressos como linguagem e para terem eficcia social segura devero ser ditos no por qualquer homem, sim pelos legitimados para diz-lo (produzir). E sero to mais eficazes quanto mais introjetados na precompreenso dos indivduos. O direito uma soluo extrema para o que se objetiva como uma doena social.

    Este dizer (objetivao) sempre foi monoplio de determinados agentes polticos para isto legitimados. Variou a fonte da legitimao: metafsica (jusnaturalismo fundamento em algo que se sobrepe ao homem) e hoje tambm antropofilosfica que tenta compreende-la tendo em vista o agir do homem atravs do tempo com vistas a sua convivncia e sobrevivncia,

    Para mim puro jogo de linguagem com propsitos ideolgicos chamar de positivismo o dizer do legislador infraconstitucional e subtrairmos dessa qualificao o legislador constitucional. Da meu empenho em demonstrar o mascaramento que as brancas vestes do neoconstitucionalismo ocultam, impedindo-nos de ver o roxo carregado da dominao dissimulada.

  • 6

    Outrossim, sobre que fundamentos se pode subestimar o legislador em benefcio do julgador do caso concreto? Nem gentica nem por outro fundamento biolgico ou de carter social seremos capazes de justificar esta particular excelncia. E politicamente ela impossvel, porquanto se as decises a nvel macro forem deslegitimadas por decises a nvel micro teremos subverso social, jamais ordem social. Maior escndalo que se d sabedoria divina ao legislador constituinte e aos que ficaro incumbidos da tarefa de fazer falar o mudo texto constitucional, quando os primeiros so escolhidos pelo mesmo povo que escolhe os legisladores ordinrios e os segundos nem direta nem indiretamente necessitam de legitimao popular.

    J Bobbio advertia sobre a necessidade de distinguir positivismo como ideologia (o direito positivo pelo s fato de ser direito justo) do positivismo como teoria (a supremacia do legislador tanto constituinte quanto ordinrio) do positivismo metodolgico que separa o direito da moral e recusa valoraes meta jurdicas, exigindo, ainda, uma justificao tcnica para quanto for decidido, sem excluir a exigncia de controles sociais sobre aqueles aos quais se vai deferir o poder de decidir.

    Os famosos antipositivistas se tornam exacerbados positivistas quando transferem do dizer do legislador para o dizer do julgador o mesmo tipo de poder e a mesma lea de riscos e encobrimentos, liberando-os, contudo, de legitimao popular, inclusive nem mesmo disciplinando algum tipo de legitimao a posteriori para agentes polticos to poderosos, mediante a institucionalizao de controles sociais eficazes.

    Em verdade uma simples transposio da legitimao do legislador (eleito) para o magistrado (concursado-vitalicio, inamovvel e beneficirio de outras slidas vantagens). E isto no um ganho poltico sim uma grave perda poltica.

    Por que est sendo isto possvel? J cuidei do problema em vrios de meus pronunciamentos. Resumo o quanto disse antes. A ordem social s possvel se existirem relaes de mando/obedincia e se a diviso do trabalho social no se submeter de modo significativo a determinaes que anulem ou minimizem a possibilidade de livres opes individuais. Os dois grandes instrumentos que asseguram tais exigncias so a domesticao dos indivduos pelas instituies sociais e os instrumentos de coero de que dispe o centro de poder para inviabilizar ou neutralizar resistncias significativas, dentre os quais destacam-se as instituies jurdicas.

    Por fora disto que todas as funes do poder ou se unificam ou, caso partilhadas, s podem s-lo de modo a que a unidade do poder jamais seja deslegitimada, visto como se isto ocorrer deixar de ser poder e estaremos em fase de mudana revolucionria. J o Evangelho adverte que o Reino que se divide, perece.

    Este problema de diviso dos poderes foi irrelevante at a Modernidade e nela s assumiu significado vital dado o fato de a transio da Terra como

  • 7

    fator de produo para o Capital, o que exigiu mudana radical na teorizao da legitimao do poder poltico.

    A sociedade tradicional, cujo poder assentava na propriedade da terra, transmissvel hereditariamente, tornou-se invivel quando o poder se transferiu para o capital e para comrcio, que exigem qualidades pessoais intransmissveis hereditariamente, donde o imperativo da ideologia da igualdade de todos os homens. Mas os novos titulares do poder de logo perceberam o risco que ela importava e institucionalizaram freios e contrapesos que assegurassem, na prtica, a hegemonia de determinado setor social teoricamente considerado abolido para sempre. E esta perfeita harmonia entre a ordem jurdica instituda e as exigncias da forma de capitalismo dominante sempre ocorreu nos ltimos sculos e explica muito do que ocorre em nossos dias.

    O capitalismo concorrencial instituiu a democracia censitria e teorizou o magistrado como a simples voz da lei, dado que os parlamentos, constitudos exclusivamente por integrantes do setor dominante, necessitavam de segurana contra a deslegitimao de suas decises. Foi o momento dos chamados direitos civis, asseguradores da autonomia privada em face do poder poltico como formalizado.

    O capitalismo da indstria monopolista, por vrios fatores, foi constrangido a ampliar a representao parlamentar e somar direitos polticos aos antigos direitos civis, o que retirou a antiga confiana depositada no Parlamento, agora contaminado pelo risco da presena de representantes dos dominados. Da terem sido engendrados alguns instrumentos de segurana, dentre os quais a institucionalizao do controle da constitucionalidade das leis e a organizao das Cortes em tais termos e com tal autoridade que a deslegitimao de interesses bsicos dos setores hegemnicos jamais pudesse ocorrer.

    J o capitalismo da ps-grande indstria, que o atual, em razo do que j apontamos sumariamente, logrou subtrair dos Estados nacionais, consequentemente das tradicionais funes legislativa, administrativa e jurisdicional, qualquer poder de deciso econmica ou poltica em nvel macro, Da seu total desinteresse quanto organizao, atribuies e atuao dos legislativos, executivos e judicirios dos Estados nacionais. E uma das conseqncias desse desinteresse, inclusive filho da anomia poltica que tem marcado as ltimas dcadas, foi precisamente ampliao do poder do Judicirio e de instituies satlites como forma de ainda mais fragilizar o poder dos Estados nacionais.

    Eis a a explicao do aodamento nas reformas do nosso processo civil. No por coincidncia, seus mais atuantes protagonistas so membros do Poder Judicirio ou a eles afetiva ou umbilicalmente vinculados. Da porque as reformas sempre se voltaram, diria mesmo que exclusivamente se preocuparam com dilatar o poder dos juizes em detrimento das partes (consequentemente dos cidados) e resolver o problema de sua sobrecarga,

  • 8

    filha de uma Constituio que mais um engodo, dentre os muitos que historicamente nossa elite tem colocado para que o povo brasileiro morda a isca e seja trazido para dentro do barco no como tripulante sim como pescado.

    Da concluir esta minha arenga biliosa afirmando que realmente h um novo processo civil brasileiro, um processo bem pragmtico, nutrido pela iluso de que, embora a doena da rvore esteja na raiz, podemos conserv-la podando alguns ramos, espargindo em suas folhas algum inseticida quando nada para que ela no caia sobre ns, fiando o problema para outras geraes. Problema delas e votos para que sejam to inteligentes quanto esta e consigam manter a rvore de p mesmo com a doena de suas razes.

    Concluo, portanto, com a mesma irresponsabilidade que tem caracterizado todo o meu pensamento nos ltimos tempos, que no estamos querendo solucionar problemas bsicos de nosso pas, mas adiar sua soluo, como temos feito sempre nestes nossos quinhentos anos de histria em que genialmente sempre soubemos conservar o binmio essencial. Nos primeiros tempos, casa grande e senzala; na repblica, sobrados e mocambos; na vigncia da Constituio cidad, condomnios fechados e favelas. No futuro, talvez ... Perdi a coragem de profetizar.

    Referncia Bibliogrfica deste Trabalho: Conforme a NBR 6023:2002, da Associao Brasileira de Normas Tcnicas (ABNT), este texto cientfico em peridico eletrnico deve ser citado da seguinte forma: PASSOS, J. J. Calmon de. H UM NOVO MODERNO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO? Revista Eletrnica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Pblico, n. 18, junho, julho, agosto, 2009. Disponvel na Internet: . Acesso em: xx de xxxxxx de xxxx Observaes:

    1) Substituir x na referncia bibliogrfica por dados da data de efetivo acesso ao texto.

    2) A RERE - Revista Eletrnica sobre a Reforma do Estado - possui registro de Nmero Internacional Normalizado para Publicaes Seriadas (International Standard Serial Number), indicador necessrio para referncia dos artigos em algumas bases de dados acadmicas: ISSN 1981-1888

    3) Envie artigos, ensaios e contribuio para a Revista Eletrnica sobre a Reforma do Estado, acompanhados de foto digital, para o e-mail: [email protected]

    4) A RERE divulga exclusivamente trabalhos de professores de direito pblico, economistas e administradores. Os textos podem ser inditos ou j publicados, de qualquer extenso, mas devem ser encaminhados em formato word, fonte arial, corpo 12, espaamento simples, com indicao na abertura do ttulo do trabalho da qualificao do autor, constando ainda na qualificao a instituio universitria a que se vincula o autor.

    5) Assine gratuitamente notificaes das novas edies da RERE Revista Eletrnica sobre a Reforma do Estado por e-mail:

  • 9

    http://www.feedburner.com/fb/a/emailverifySubmit?feedId=873323

    6) Assine o feed da RERE Revista Eletrnica sobre a Reforma do Estado atravs do link: http://feeds.feedburner.com/DireitoDoEstado-RevistaEletronicaDaReformaDoEstado

    Publicao Impressa / Informaes adicionais: Informao no disponvel.