05 Redes e Governança das Políticas - Calmon e Costa

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1 Revista de Pesquisa em Políticas Públicas Edição nº 01 – julho de 2013 REDES E GOVERNANÇA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS Paulo Calmon 1 Arthur Trindade Maranhão Costa 2 RESUMO O objetivo deste estudo é apresentar alguns conceitos fundamentais sobre a chamada aborda- gem de redes, que caracteriza um amplo conjunto de teorias e de modelos analíticos elabora- dos ao longo das últimas décadas que, por sua vez, objetiva entender a dinâmica social, políti- ca e administrativa com base na proposição de que indivíduos agem em uma rede de relações sociais complexa. A intenção é possibilitar uma introdução à abordagem de redes e de alguns conceitos básicos que possam auxiliar na gestão de redes de políticas públicas. Com esse pro- pósito, apresentamos uma revisão de parte da literatura que examina as principais características de duas abordagens de rede: a que trata das questões relacionadas às redes para elaboração de uma estratégia analítica e de um conjunto de heurísticas voltadas para a análise de questões so- ciais complexas e a que utiliza o mesmo conceito para caracterizar uma estrutura de governança específica que vem sendo adotada cada vez mais tanto no setor público, quanto no setor priva- do. Este estudo focaliza aspectos específicos relacionados às redes de políticas públicas. Como resultado, proporcionamos um ponto de partida para uma pesquisa mais aprofundada sobre o tema e para a condução de trabalhos de natureza empírica que possam ocasionar, entre ou- tras coisas, uma melhor compreensão das diferentes práticas de gestão de redes no Brasil as- sim como gerar recomendações voltadas para a gestão de redes de políticas públicas específicas. Palavras-chave: Abordagem de Redes. Gestão. Políticas Públicas. Governança. ABSTRACT The aim of this study is to present some basic concepts about the so called network approach, that characterizes a wide range of theories and analytical models developed over the past de- cades that, in turn, aims to understand social, political and administrative dynamics based on the proposition that individuals act in a complex network of social relations. The intention is to allow an introduction to networking approach and some basic concepts that can assist in the management of policy networks. For this purpose, we review the literature that examines the main characteristics of two network approaches: one that deals with issues related to networks for developing an analytical strategy and a set of heuristics occupied in analyzing complex so- cial issues and the other one that uses the same concept to characterize a specific governance structure that is being increasingly adopted in both the public and the private sectors. This study focuses on specific aspects related to public policy networks. As a result, we provide a starting point for further research on the topic and to conduct empirical work which can provide, among other things, a better understanding of different management practices networks in Brazil as well as generate recommendations aimed for network management of specific public policies. Keywords: Network Approach. Management. Public Policy. Governance. 1. Paulo Calmon é professor do Instituto de Ciência Política e Diretor do CEAG (Centro de Estudos Avançados de Governo) da Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis da Universidade de Brasília, Brasil. Contato: Paulo.cal- [email protected] ou [email protected] 2. Arthur Trindade é professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília e pesquisador do CEAG (Centro de Estudos Avançados de Governo) da Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis da Universidade de Brasília, Brasil. Contato: [email protected]

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Redes e Governança das Políticas - Calmon e Costa

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  • 1Revista de Pesquisa em Polticas Pblicas

    Edio n 01 julho de 2013

    REDES E GOVERNANA DAS POLTICAS PBLICAS

    Paulo Calmon1 Arthur Trindade Maranho Costa2

    RESUMOO objetivo deste estudo apresentar alguns conceitos fundamentais sobre a chamada aborda-gem de redes, que caracteriza um amplo conjunto de teorias e de modelos analticos elabora-dos ao longo das ltimas dcadas que, por sua vez, objetiva entender a dinmica social, polti-ca e administrativa com base na proposio de que indivduos agem em uma rede de relaes sociais complexa. A inteno possibilitar uma introduo abordagem de redes e de alguns conceitos bsicos que possam auxiliar na gesto de redes de polticas pblicas. Com esse pro-psito, apresentamos uma reviso de parte da literatura que examina as principais caractersticas de duas abordagens de rede: a que trata das questes relacionadas s redes para elaborao de uma estratgia analtica e de um conjunto de heursticas voltadas para a anlise de questes so-ciais complexas e a que utiliza o mesmo conceito para caracterizar uma estrutura de governana especfica que vem sendo adotada cada vez mais tanto no setor pblico, quanto no setor priva-do. Este estudo focaliza aspectos especficos relacionados s redes de polticas pblicas. Como resultado, proporcionamos um ponto de partida para uma pesquisa mais aprofundada sobre o tema e para a conduo de trabalhos de natureza emprica que possam ocasionar, entre ou-tras coisas, uma melhor compreenso das diferentes prticas de gesto de redes no Brasil as-sim como gerar recomendaes voltadas para a gesto de redes de polticas pblicas especficas.

    Palavras-chave: Abordagem de Redes. Gesto. Polticas Pblicas. Governana.

    ABSTRACTThe aim of this study is to present some basic concepts about the so called network approach, that characterizes a wide range of theories and analytical models developed over the past de-cades that, in turn, aims to understand social, political and administrative dynamics based on the proposition that individuals act in a complex network of social relations. The intention is to allow an introduction to networking approach and some basic concepts that can assist in the management of policy networks. For this purpose, we review the literature that examines the main characteristics of two network approaches: one that deals with issues related to networks for developing an analytical strategy and a set of heuristics occupied in analyzing complex so-cial issues and the other one that uses the same concept to characterize a specific governance structure that is being increasingly adopted in both the public and the private sectors. This study focuses on specific aspects related to public policy networks. As a result, we provide a starting point for further research on the topic and to conduct empirical work which can provide, among other things, a better understanding of different management practices networks in Brazil as well as generate recommendations aimed for network management of specific public policies.

    Keywords: Network Approach. Management. Public Policy. Governance.

    1. Paulo Calmon professor do Instituto de Cincia Poltica e Diretor do CEAG (Centro de Estudos Avanados de Governo) da Faculdade de Economia, Administrao e Cincias Contbeis da Universidade de Braslia, Brasil. Contato: [email protected] ou [email protected]

    2. Arthur Trindade professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Braslia e pesquisador do CEAG (Centro de Estudos Avanados de Governo) da Faculdade de Economia, Administrao e Cincias Contbeis da Universidade de Braslia, Brasil. Contato: [email protected]

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    1. Introduo

    O propsito deste texto apresentar alguns conceitos fundamentais sobre a chamada abor-dagem de redes, que caracteriza um amplo conjunto de teorias e modelos analticos elabo-rados ao longo das ltimas dcadas que objetiva entender a dinmica social, poltica e admi-nistrativa a partir da proposio de que indivduos agem inseridos em uma rede de relaes sociais complexa. Trata-se, portanto, de texto de carter introdutrio, que proporciona uma sntese de algumas das principais ideias apresentadas nesse campo do conhecimento que ainda se encontra em fase de desenvolvimento.

    O texto se inicia com uma apresentao das principais caractersticas da chamada aborda-gem de redes. Duas abordagens so descritas. A primeira trata as questes relacionadas s redes para elaborao de uma estratgia analtica e um conjunto de heursticas voltadas para a anlise de questes sociais complexas. A segunda vertente utiliza o mesmo conceito para caracterizar uma estrutura de governana especfica que vem sendo adotada cada vez mais tanto no setor pblico quanto no setor privado. Posteriormente, o texto focaliza aspectos especficos relacionados s redes de polticas pblicas, uma manifestao prpria de redes no mbito dos processos subjacentes formulao, implementao e avaliao de polti-cas pblicas e programas governamentais. Finalmente, so feitos breves comentrios sobre aspectos relacionados governana das redes de polticas pblicas, enfatizando a gesto do jogo das redes, aspectos relacionados gesto do ambiente em que se insere a rede e ques-tes relativas expanso da capacidade de gerenciamento das redes de polticas pblicas.

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    2. A abordagem de redes

    Ao longo das ltimas dcadas, cientistas sociais de diferentes orientaes tericas vm adotando a chamada abordagem de redes no estudo de problemas que tratam do carter relacional da organizao da vida social. Essa abordagem, que ainda se encontra em fase de desenvolvimento, parece oferecer uma alternativa para duas outras abordagens que at ento predominavam no mbito das cincias sociais. A primeira privilegiava uma tica determinstica das relaes sociais, que seriam percebidas como mero reflexo da estrutura produtiva ou da estrutura poltica; e a outra era fundada em um compromisso inarredvel com o individualismo metodolgico percebendo, portanto, a ao individual como refern-cia bsica para a compreenso da dinmica social. A abordagem baseada em redes gerou, em grande parte, um meio termo entre essas duas vertentes, na medida em que reconhece a relevncia da ao individual, mas entende que ela restringida e inserida (embeddedness) em uma estrutura de relaes sociais especfica.

    Paralelamente s vrias tentativas de elaborar teorias, modelos e hipteses com base na abordagem de redes, o termo passou a ser amplamente divulgado e utilizado, obtendo grande popularidade junto ao pblico em geral. Prova disso a grande quantidade de livros, revistas e at produes cinematogrficas que fazem uso do termo. O amplo uso do termo acarreta vantagens e desvantagens. Dentre as vantagens, destaca-se a aceitao, quase um consenso, de que estamos constantemente conectados a uma estrutura maior e mais complexa. Por outro lado, como desvantagem, a palavra redes passou a ser utilizada com pouco rigor, com diferentes sentidos, estabelecendo uma verdadeira panaceia.

    Examinando os diferentes usos dados palavra redes pelos estudos desenvolvidos com base na abordagem de redes, Powell e Smith-Doerr (1994) propem que possvel identificar duas vertentes principais que so distintas, mas relacionadas. A primeira vertente, funda-mentada na sociologia e na teoria das organizaes, emprega o conceito de redes como um instrumento analtico para compreender as relaes sociais nas organizaes, as relaes interorganizacionais e a relao das organizaes com o ambiente externo a ela. A segunda vertente tem carter multidisciplinar, com marcante influncia da economia, das polticas pblicas e da administrao pblica, e percebe redes como uma forma de governana, espe-cialmente aplicvel na gesto de sistemas complexos.

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    3. Redes como instrumento analtico

    A vertente da abordagem de redes que considera o conceito de redes como um instrumento analtico remonta pelo menos dcada de 20 e pode ser associada aos trabalhos de uma cor-rente especial da psicologia conhecida como Gestalt. Segundo essa abordagem, indivduos no percebem os objetos que os cercam de forma independente, mas sim a partir de esque-mas conceituais construdos socialmente. Portanto, as percepes e as aes dos indivduos so fortemente influenciadas pelo grupo ao qual pertencem, pela forma como eles se inserem nesse grupo e pela maneira como esse grupo se organiza (SCOTT, 2000) .

    Um dos pioneiros dessa abordagem foi Jacob Moreno. Nascido em Bucareste em 1889, mas com formao em medicina e psicoterapia em Viena, Moreno migra para os Estados Uni-dos em meados da dcada de 1920 e l aperfeioa uma abordagem teraputica que ficou conhecida como psicodrama. Sua abordagem buscava compreender como o bem-estar do indivduo influenciado por macroestruturas sociais. Uma das suas principais contribuies foi a tentativa de representar essas macroestruturas de relacionamentos mediante o uso de sociogramas, isto , diagramas anlogos aos da geometria espacial, em que indivduos so representados por pontos e suas relaes sociais com outros indivduos so representadas por linhas. (SCOTT, 2000, p. 10).

    Moreno propugnava que a estrutura social subjacente vida social de um indivduo pode-ria ser adequadamente representada mediante sociogramas. Com base nesses grficos, seria possvel compreender como a informao flui para o indivduo e que canais de influncia tm potencial de afetar seu comportamento. Lderes e seguidores, relaes de assimetria e reci-procidade e canais de influncia e informao poderiam ser claramente distinguidos atravs da anlise de sociogramas.

    Em 1937, Moreno funda a Sociometry, uma revista acadmica dedicada ao estudo analtico de redes, principalmente mediante o uso de sociogramas. A anlise de redes proposta por Moreno pode ser considerada a principal precursora da atual perspectiva analtica de redes.

    No entanto, foi outro importante estudo o responsvel por inserir o conceito de redes como estratgia analtica para o exame da dinmica organizacional. Conhecido como Experimen-tos de Hawthorne, esse estudo foi desenvolvido por um grupo de pesquisadores da Harvard Business School, liderados por Elton Mayo, um socilogo australiano que possua, entre seus objetivos, o desejo de conhecer melhor a influncia e a dinmica das estruturas informais dentro de uma organizao, mais particularmente a formao e atuao de pequenos

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    grupos informais3 . Chamados de cliques ou blocos, esses pequenos grupos foram devi-damente identificados por Mayo e seus colegas.

    interessante notar que Mayo e seus colegas conceberam inicialmente seus estudos ten-tando se moldar s teses mais tradicionais da teoria clssica das organizaes. Com base nessa perspectiva, a variao na produtividade dos trabalhadores era percebida como sen-do influenciada, predominantemente, por mudanas nas seguintes variveis: (i) o ambien-te fsico do local de trabalho, (ii) a forma de organizao dos processos produtivos, (iii) estrutura de incentivos materiais. No entanto, a evidncia advinda dos Experimentos de Hawthorne apontou em outra direo e Mayo e seus colegas no conseguiam explicar as variaes em produtividade a partir das hipteses da abordagem clssica. Diante dessas evidncias, o estudo muda de rumo e outras variveis, propostas a partir de trabalhos de-senvolvidos no campo da psicologia social, passaram a ser consideradas e demonstraram ter maior poder explicativo.

    Os Experimentos de Hawthorne foram realizados na dcada de 30, sendo contemporneos do trabalho de Moreno4 . Eles foram importantes no mbito dos estudos sobre redes no apenas por terem feito uso ostensivo de sociogramas para identificao e caracterizao da influncia dos cliques, mas tambm por demonstrar que esses pequenos grupos constituem uma estrutura informal que se sobrepe hierarquia formalmente estabelecida. Essa estru-tura informal paralela afeta, de maneira importante, as relaes de poder e autonomia dos grupos dentro da empresa e, em ltima anlise, a sua produtividade.

    Ao longo das ltimas dcadas, vrios outros estudos importantes utilizando redes como ins-trumento analtico se somaram s contribuies pioneiras de Moreno e Mayo. Como apon-tam Powell e Smith-Doer (1994), desde ento foram realizados diversos estudos que fizeram uso da abordagem analtica de redes, objetivando caracterizar padres de relacionamento formal e informal em organizaes; descrever o ambiente externo de uma determinada or-ganizao; estabelecer estratgia para analisar poder e autonomia em organizaes.

    Os estudos sobre o relacionamento entre estruturas formais e informais nas organizaes, especialmente a influncia de cliques e normas tcitas, tm sido foco de ateno constante de especialistas em diversas reas das cincias sociais. Assim como ocorreu com os resultados obtidos em Hawthorne, h hoje amplo reconhecimento de que esses mecanismos informais criam uma estrutura paralela de autoridade, amizade e lealdade que afeta a produtividade dos trabalhadores e o desempenho de organizaes pblicas e privadas.

    3. Hawthorne o nome da cidade onde est localizada a Western Eletric Company of Chicago, onde se basearam os estu-dos realizados por Mayo e seus colegas.

    4. Curiosamente, os relatrios produzidos por Mayo e seus colegas de Harvard no fizeram meno contribuio pionei-ra de Jacob Moreno, o que, posteriormente, criou certa polmica.

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    A vertente que analisa o ambiente onde se inserem as organizaes tem tambm trazi-do contribuies muito importantes, argumentando que aspectos demogrficos, culturais e institucionais (regras formais e informais de legitimidade, comportamento profissional, confiana e sistemas de crenas) afetam o desempenho das organizaes. Uma linha de pesquisa interessante nessa rea a perspectiva de que a presena de densas relaes entre organizaes estabelece um campo organizacional e tendncia para mimetismo no que se refere s estruturas e solues para problemas comuns. Estudos com base nessa vertente demonstraram ser muito promissores, principalmente para explicar a dinmica de diferen-tes configuraes de cadeias produtivas e aglomerados (clusters) de empresas. Outra linha de estudos nessa rea explora a influncia do ambiente externo de uma organizao sobre sua dinmica interna, e aponta para a influncia que esse ambiente exerce nos processos subjacentes organizao.

    Mais recentemente, no mbito da economia poltica, foram desenvolvidos estudos que analisam a existncia de variedades de capitalismo, onde a trajetria histrica e o nexo de regras formais e informais e a maneira de aplicar essas regras criam espao para distintos relacionamentos entre mercado e Estado, assim como para cooperao entre empresas. Em outras palavras, essa abordagem reconhece a influncia do ambiente, assim como o carter relacional das empresas. Nesse sentido, empresas e indstrias se desenvolvem em contex-tos especficos como parte de uma rede importante. Essa abordagem, que tem se mostrado muito promissora, tem desafiado, de maneira importante, a tese at ento hegemnica da convergncia nas configuraes institucionais das economias nos pases desenvolvidos e em desenvolvimento5.

    A anlise das estruturas de poder, influncia e do fluxo de informao em funo da posio do indivduo como parte de uma rede relacional tem sido desenvolvida coletivamente me-diante diversos estudos realizados em cincias sociais. H vrios estudos interessantes nessa linha que trouxeram contribuies muito importantes para a compreenso da dinmica das redes. Dentre eles destacam-se os trabalhos sobre a fora dos laos fracos (weak ties), sobre os vazios estruturais (structural holes) e sobre o efeito da densidade da rede.

    A perspectiva da fora dos laos fracos foi desenvolvida por Granovetter (1973). Primeira-mente, importante definir que o autor caracteriza como a fora de um lao, ou vnculo, em uma rede: uma combinao do tempo, da intensidade emocional e da confiana mtua que caracteriza esse vnculo. Vrios estudos demonstram que indivduos conectados por laos fortes tendem a ser parecidos. Portanto, se laos fortes conectam A e B, e A e C, bem pro-vvel que B e C sejam parecidos de vrias maneiras e h grande possibilidade de que tambm

    5. Veja, por exemplo, o importante trabalho desenvolvido por Kathleen Thelen e seus colegas sobre esse assunto (THELEN, 2009).

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    entre B e C sejam estabelecidos laos fortes. Nesse sentido, A, B e C tendem a formar um clique composto por laos fortes. Como consequncia, h a tendncia de que a informao que circule pelos laos fortes seja pouco inovadora e repetitiva.

    Por outro lado, o clique formado por A, B e C pode se conectar com outros cliques atravs de laos fracos. Em contraste com o que ocorre nas conexes fortes, pelos laos fracos ten-dem a circular as novas ideias, propostas e oportunidades. Isso ocorre porque laos fracos unem pessoas mais diferentes do que aquelas unidas por laos fortes. Ademais, laos fracos conectam pessoas que esto h menos tempo juntas. Como indivduos conectados por laos fracos se movem em crculos de amizade distintos, eles tendem a compartilhar informao bastante diferente. Embora amigos conectados por laos fortes possam ter maior interesse em nos ajudar em momentos de necessidade, provvel que conhecidos conectados por laos fracos sejam mais capazes de identificar oportunidades, abrir novos caminhos e proporcio-nar ideias verdadeiramente inovadoras. Portanto, os laos fracos possuem fora na medida em que so pontos de conexo com novas perspectivas e oportunidades.

    A importncia dos vazios estruturais (structural holes), propostos por Burt (1992 e 2005), outro exemplo da abordagem analtica das redes centrada na perspectiva posicional dos in-divduos e dos cliques. Ao invs de focalizar nos laos fracos, Burt discute a importncia dos espaos vazios entre diferentes cliques, ou seja, a distncia que separa os diferentes cliques de uma rede. O autor percebe que esses vazios separam fontes de informao no redundan-tes, fontes que so mais aditivas do que sobrepostas. Vazios estruturais em redes cheias desses espaos adquirem valor estratgico e geram vantagem competitiva por desenvolver oportunidades mais ricas e variadas do que em redes estruturadas de forma densa, compacta e formada apenas por laos fortes. Por outro lado, um contexto rico em vazios estruturais exige a atuao de intermediadores (brokerage), que estabelea conexes com mltiplas redes separadas uma das outras. Esses intermediadores podem gerenciar e explorar os va-zios estruturais, facilitando o fluxo de informaes e ideias e fomentando confiana e capital social entre os vrios cliques6.

    Finalmente, um ltimo exemplo da abordagem analtica de redes est relacionado questo do nmero e densidade das regras de uma rede. Uma rede formada por n indivduos possuir potencialmente [n(n-1)]/2 laos, ou ns. Em uma rede que possui todos os ns, ou seja, uma rede densa em que todos se comunicam com todos, a informao e as ideias podem fluir de diversas maneiras entre dois ns. Com isso, essas informaes so recebidas vrias ve-zes, sendo mais bem absorvidas e discutidas. Ao mesmo tempo, qualquer desvio de normas mais facilmente percebido, sendo punido. Como grupos pequenos tendem a ter relaes

    6. Mais adiante sero feitas observaes sobre a importncia da intermediao e do brokerage na gesto de redes de polticas pblicas.

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    mais densas do que grupos grandes, eles geralmente tornam-se mais coesos, suas regras so mais bem internalizadas e so mais fceis de coordenar. Grupos grandes tendem a ser menos densos, ou seja, mais difcil manter conexes cognitivas, ideolgicas e emocionais com um grande nmero de pessoas. Nesse contexto, a ao coletiva mais difcil de ser coordenada, mais provvel ocorrer o problema da carona ( free rider) e o grupo tende a possuir menos capital social (GRANOVETTER, 2005).

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    4. Redes como forma de governana

    Segundo Powell e Smith-Doerr (1994), haveria uma segunda vertente da abordagem de redes, cuja caracterstica seria propugnar a utilizao do conceito de redes para representar novas formas de governana. No mbito da atividade produtiva, essas novas formas de governana se manifestariam em uma nova lgica de produo, marcada por especializao flexvel que estaria substituindo a fase de produo em massa com base em uma rgida integrao verti-cal, regras de trabalho cristalizadas e uma diviso de trabalho rgida.

    O estudo de economia industrial tem dedicado ateno destacada formao de redes e cooperao interindustrial. Britto (2002), em uma boa reviso de literatura sobre o assunto, apresenta uma lista de razes que tm contribudo para o surgimento de redes de empresas. Segundo o referido autor, as razes seriam as seguintes7:

    1. A consolidao de um paradigma organizacional baseado na experincia das empresas japonesas, incorporando novos princpios gerenciais que enfatizam a cooperao interindustrial nas articulaes entre produtores e fornecedores.2. A estruturao de sistemas produtivos que incorporam o conceito de especia-lizao flexvel enquanto princpio organizador das atividades.3. A intensificao da concorrncia e a globalizao dos mercados, que resul-tam em estmulo montagem de alianas estratgicas com mltiplos formatos de empresas.4. A consolidao do paradigma tecnolgico baseado em novas tecnolo-gias de informao e telecomunicao que facilitam a interao entre agentes. 5. A evoluo no sentido de uma nova sistemtica de realizao de ati-vidades inovadoras, crescentemente baseadas na aglutinao de mlti-plas competncias e em projetos cooperativos de carter interdisciplinar. 6. A mudana de enfoque da poltica industrial implementada em diversos pa-ses, no sentido de privilegiar o apoio a redes envolvendo diversas empresas, em contraposio ao apoio a empresas isoladas.

    Que formas concretas tomam essas redes no mbito das empresas? Britto (2003) sugere uma breve lista descrevendo esses mecanismos8:

    1. Alianas estratgicas entre empresas e outras formas de cooperao produtiva e tecnolgica.2. Programas de cooperao especficos, envolvendo agentes com competncias

    7. Vide Britto (2003), pgina 346.

    8. Idem, pgina 345-346.

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    em reas distintas, que interagem entre si para viabilizar determinada inovao. 3. Processos de subcontratao e terceirizao realizados por empresas especia-lizadas em determinadas atividades, que dariam origem a redes estruturadas ver-ticalmente no interior de cadeias produtivas.4. Sistemas flexveis de produo baseados em relaes estveis e coo-perativas entre empresas atuantes em determinado ramo de atividades. 5. Distritos industriais baseados na aglomerao especial de empresas e ou-tras instituies que interagem entre si no mbito de determinada regio. 6. Sistemas nacionais e regionais de inovao baseados na especializao e in-terao de diversos tipos de agentes envolvidos com a realizao de atividades inovadoras (empresas, universidades, outras instituies, etc.).

    Alguns estudos tm apontado para o potencial da aplicao de redes como forma de gover-nana. Por exemplo, anlises sobre o mercado de trabalho tm demonstrado, de maneira sistemtica, como redes so capazes de influenciar a oferta e a demanda de trabalho, consi-derando que empregados e empregadores confiam nas informaes sobre as oportunidades de emprego e trabalho quando elas so geradas por pessoas conhecidas ou que possuem relaes afetivas. Essa perspectiva afeta, de modo importante, as concluses dos modelos de busca (search models) que preconizam que trabalhadores e oportunidades de trabalho so combinados mediante um processo de busca cujos custos e benefcios so igualados na margem. Mas se a informao flui atravs de redes, o processo de busca passa a ser influen-ciado e regulado por uma estrutura relacional especfica, que afeta tal processo no mercado de trabalho e, consequentemente, o nvel de desemprego na economia9.

    Outra linha de estudo que merece destaque diz respeito s polticas voltadas para a criao de oportunidades para a grande parcela da populao dos pases em desenvolvimento que se localiza na chamada base da pirmide (BOP), ou seja, o segmento mais pobre dessas popu-laes. Prahalad, proponente do termo base da pirmide, propugna que a sustentabilidade da erradicao da pobreza implica que oportunidades de trabalho e emprego para a popula-o mais pobre demandam o estabelecimento de um ecossistema para criao de riqueza e desenvolvimento social. Esse ecossistema resulta na criao de parcerias entre instituies sociais e empresas privadas, estabelecendo um mercado especfico.

    H vrios outros exemplos em que o conceito de redes utilizado como uma forma de governana. No entanto, para fins deste trabalho, o que mais interessa o caso das redes de polticas pblicas, que ser examinado a seguir.

    9. Essa linha de pesquisa estende e qualifica muitas das concluses obtidas nos estudos sobre modelos de busca no mer-cado de trabalho que tm como origem as pesquisas realizadas por Peter Diamond, Dale T. Mortensen e Christopher Pissarides, ganhadores do Prmio Nobel de Economia em 2010.

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    5. 5HGHVGHSROtWLFDVS~EOLFDVDQWHFHGHQWHVHGHQLomR

    A ideia de que polticas pblicas so formuladas, implementadas e avaliadas a partir de uma rede de atores no nova. Ela caracteriza uma tentativa de representar a natureza social e po-ltica dessas atividades e enfatizar seu carter interorganizacional, enfatizando que no podem ser compreendidas de forma dissociada do seu contexto estratgico e institucional. O contexto institucional aqui definido como o conjunto de regras formais e informais que influenciam no comportamento entre pessoas e organizaes, assim como os modos de interpretar e apli-car essas regras na prtica. Cabe aqui ressaltar no apenas as regras formais (leis, normas, estruturas organizacionais), mas tambm a importncia das regras informais que muitas vezes so historicamente determinadas e influenciadas pela cultura, valores e tradies.

    O conceito de redes de polticas pblicas tem um carter inovador, porque combina conheci-mentos advindos de diferentes reas do conhecimento. Tanto a tradio analtica quanto a perspectiva da governana so incorporadas no estudo de redes de polticas pblicas. Mas so trazidos tambm elementos que so prprios do campo das polticas pblicas, da cincia poltica, da economia e do estudo de relaes interorganizacionais. Portanto, se a abordagem de redes em geral claramente interdisciplinar, esse tipo de abordagem se estende e se apro-funda no mbito do estudo das redes de polticas pblicas.

    A noo de redes de polticas pblicas se contrape percepo tradicional de que o gover-no pode ser compreendido como uma entidade independente e, em grande medida, acima do restante da sociedade. Dada essa posio estratgica e mediante a utilizao dos seus recursos de poder, o governo teria a possibilidade de dirigir a sociedade no sentido de gerar iniciativas que promovessem o bem comum. Essas iniciativas, materializadas na forma de polticas pblicas e programas governamentais, seriam concebidas e implementadas a partir de critrios tcnicos e racionais, caracterizando-se, assim, como um conjunto de iniciativas em que a separao entre poltica e administrao se materializa.

    Aqui cabe um breve comentrio sobre o Problema da Separabilidade, ou seja, a percepo de que poltica e administrao so atividades bastante distintas, desempenhadas por esfe-ras diferentes da sociedade e que, portanto, so regidas por lgicas diferentes. A defesa da separao entre administrao e poltica tem longa tradio nas discusses no mbito da administrao pblica e remonta, pelo menos, aos debates do final do sculo XIX e incio do

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    sculo XX, com a presena marcante do chamado Movimento Progressista, cujos propugna-dores defendiam essa separao10.

    No entanto, a realidade da administrao pblica demonstrou ser diferente. Grandes planos de desenvolvimento e diferentes conjuntos de polticas pblicas concebidas den-tro dos princpios da separabilidade enfrentaram importantes obstculos na sua con-cepo e implementao e, consequentemente, grande parte dos resultados esperados no se concretizou. Grandes programas governamentais no lograram xito, a despeito dos esforos e da enorme quantidade de recursos aplicados. Problemas de concepo somaram-se s barreiras para a implementao, gerando resultados pfios e decepcio-nantes. Mais ainda, estabeleceu-se a imagem de que polticas pblicas no so fontes geradoras de bem-estar social, mas de gastana desmesurada, desperdcio e muitas ve-zes arbitrariedades e corrupo. Essa imagem prevalece hoje, com a presena de uma ampla coalizo na sociedade que advoga a reduo das atividades do Estado, entendido no como um ente racional e benevolente, como propugnavam os progressistas, mas como um Leviat descontrolado.

    A alternativa perspectiva da separabilidade a noo de que polticas pblicas so in-seridas (embeddedness) em uma estrutura especfica que combina elementos dos setores pblico e privado, assim como da sociedade civil.

    A proposta de que polticas pblicas so inseridas no nova e est presente no debate sobre poltica e economia pelo menos desde o sculo XIX. Grande pensadores polticos na poca, de maneira especial Marx e Weber, percebiam, sob ticas distintas, que a ao do governo, principalmente no mbito das polticas pblicas e de governo, no poderia ser dissociada da estrutura social subjacente ao Estado. Nesse sentido, a tradio das cincias sociais de se opor perspectiva da separabilidade11.

    10. A influncia do Movimento Progressista na administrao pblica brasileira foi marcante, especialmente durante as dcadas de 30 e 60 com a presena no pas de diversas iniciativas voltadas para estabelecer uma administrao para o desenvolvimento. Em grande medida o DASP, a criao da EBAP/FGV e instrumentos como a Lei n 4.320/64 e o DL n 200/67 foram inspirados nos princpios da separabilidade propugnados pelos progressistas. A histria recente da administrao pblica brasileira e a questo da separabilidade tm sido objeto de pesquisas realizadas na Universidade de Braslia atravs do Centro de Estudos Avanados de Governo (CEAG/UnB).

    11. Esse um exemplo curioso e intrigante de persistncia de um conflito entre a viso predominante na burocracia, na prtica da administrao pblica, no direito administrativo e nas chamadas escolas de governo de um lado e, de outro, das cin-cias sociais. Enquanto no mbito da burocracia ainda se propugna conceitualmente a separabilidade, embora se reconhea que se trata de um artifcio conceitual, na academia essa viso j foi abandonada e buscam-se modelos que incorporem a insero das polticas pblicas. Essa diferena indica outro ponto de discrdia em relao ao debate entre agncia e estrutura: enquanto a viso paradigmtica da administrao pblica dentro do governo preconiza a preponderncia de elementos que privilegiam a ao do indivduo (agncia), as perspectivas no mbito da pesquisa preconizam a influncia da estrutura e da insero (embededness). Dificuldades na disseminao do conceito de redes no setor pblico, em contra-partida facilidade de penetrao da viso empresarial do governo, principalmente a percepo gerencial e do choque de gesto, tm subjacente a ele o equacionamento da questo da separabilidade, que , para muitos, um problema ainda de natureza ontolgica para a administrao pblica. Em outros pases, especialmente na Europa, h fortes indcios de que essa barreira j foi superada.

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    Mas a anlise de redes de polticas pblicas traz dois elementos adicionais que demons-tram ser muito importantes: os problemas de ao coletiva relacionados a um conjunto de atores interdependentes.

    Questes relacionadas ao coletiva tornam-se fundamentais porque demonstram que se trata de um contexto marcado por um conjunto de atores distintos, com preferncias hete-rogneas, com recursos de poder distintos e assimetricamente distribudos, e que precisam resolver seus problemas de coordenao, cooperao e comunicao. Alm disso, como res-saltam vrios autores, esses problemas so tratados em um ambiente marcado pela ambi-guidade e incerteza, o que torna ainda mais difcil articular a ao coletiva. Embora alguns modelos possam assumir que esses atores so racionais, no sentido de que suas negociaes e barganhas respondem lgica das consequncias, h outras perspectivas que entendem que so atores que processam informao de maneira idiossincrtica e comportam-se muito mais em funo da lgica da adequao do que dos princpios preconizados nos modelos de escolha racional.

    O outro elemento fundamental a questo da interdependncia. Sem a noo de interdepen-dncia as redes de polticas pblicas correm o risco de se tornar uma panaceia, um termo que se aplica a qualquer grupo de indivduos e a qualquer poltica pblica. Atores so interdepen-dentes porque no podem produzir sozinhos os produtos e resultados gerados pela poltica pblica, portanto dependem dos outros para que esses sejam gerados. Em outras palavras, os recursos financeiros, polticos e organizacionais necessrios para produzir os produtos e resultados, alm da informao essencial para implementar as aes preconizadas, esto distribudos por uma ampla gama de atores e organizaes dentro e fora do governo.

    As interaes entre os diversos atores envolvidos em uma determinada poltica pblica so, portanto, fundamentais para todos eles. Mais ainda, elas ocorrem de maneira frequente e sem um determinado horizonte de tempo especfico. Em funo disso, h a tendncia de que essas interaes sejam institucionalizadas, estabelecendo-se regras formais e informais de interao, arenas, processos de certificao de atores, diviso de trabalho, jurisdies, espe-cializao e procedimentos para lidar com delegao e monitoramento das aes sujeitas a relacionamento entre agente e principal. Em outras palavras, as transaes entre atores pas-sam a ser reguladas por um arranjo institucional especfico, nem sempre formalizado, que reflete a estrutura da rede na qual esses atores se inserem.

    Interaes recorrentes com base em um arranjo institucional especfico indicam a presena de dois elementos muito importantes no estudo de redes de polticas pblicas. O primeiro elemento diz respeito formao de subsistemas de polticas pblicas, conceito que tem

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    longa tradio no mbito das polticas pblicas, mas que vem sendo expresso mediante a utilizao de diferentes termos.

    Os termos subsistema de polticas pblicas ou subgovernos ganham notoriedade no meio acadmico na dcada de 60 quando passam a ser utilizados para expressar um arranjo infor-mal ou formal que caracterizaria as interaes recorrentes de atores envolvidos na formula-o, implementao e avaliao de uma determinada poltica pblica. Um subsistema tpico envolve atores no Poder Executivo, muitas vezes em diferentes rgos governamentais, no Po-der Legislativo, incluindo polticos e seus assessores, no Poder Judicirio, envolvendo minis-tros, juzes e seus assessores, grupos de interesse ligados a empresas, sindicatos, associaes patronais e movimentos sociais, representantes de organismos internacionais e membros da academia e da mdia.

    Com base nessa definio, podemos afirmar existir diferentes subsistemas de polticas pbli-cas no pas hoje. Por exemplo, a rea de sade pblica claramente caracteriza um subsistema especfico, que possui sua prpria histria, tradio, conjunto de valores, arenas decisrias, ins-trumentos de ao, etc. Paralelamente, a poltica de defesa nacional forma um subsistema dis-tinto, assim como h subsistemas especficos nas reas de segurana pblica, educao, poltica urbana, agricultura, transporte, energia, meio ambiente, telecomunicaes, dentre outros.

    Consequentemente, ainda dentro dessa mesma perspectiva, no podemos falar em apenas uma arena de deciso especfica, ou em um governo, mas em vrias arenas com mltiplos atores, ou seja, diferentes subsistemas de governo ou subgovernos, compostos de atores in-terdependentes, que interagem para a soluo dos problemas de ao coletiva relacionados determinada poltica pblica.

    Posteriormente, outros termos foram cunhados para expressar a presena de subsistemas em polticas pblicas, tais como comunidades de polticas pblicas, comunidades temticas, comunidades epistmicas e coalizes de defesa. H diferenas e nuances entre esses con-ceitos, pois foram formulados a partir de referenciais tericos distintos ou com propsitos especficos. Mas, apesar das diferenas, eles tm em comum a noo de que no se pode pensar sobre governo como uma entidade unitria, mas sim como um conjunto de sistemas distintos, com estruturas prprias, histria, tradies e valores particulares e que atuam de maneira semiautnoma.

    A constatao da existncia de subsistemas resultou tambm na compreenso de que exis-tem arranjos institucionais prprios nesses vrios subsistemas que lidam com questes re-lativas coordenao, cooperao e comunicao entre atores. Como j observado anterior-mente, esses arranjos, compostos por instituies formais e informais, estabelecem as bases da diviso de trabalho, da especializao, da delegao e do monitoramento, assim como um

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    conjunto de instrumentos e arenas que orientam a interao entre esses atores. Esse conjun-to de instituies formais e informais, assim como a maneira como elas so interpretadas e aplicadas na prtica, denominado de estrutura de governana.

    Com base nessas consideraes, pode-se propor a seguinte definio: Redes de polticas p-blicas so um conjunto de relacionamentos entre atores heterogneos e interdependentes, que atuam em um mesmo subsistema de polticas pblicas a partir de uma determinada estrutura de governana, composta por regras formais, informais e maneiras e formas de interpret-las e implement-las.

    A definio acima sugerida para o termo de polticas pblicas uma variante de muitas ou-tras propostas por outros autores. No entanto, apesar de existir muitas variaes, todas essas definies tendem a enfatizar, em maior ou menor grau, quatro elementos fundamentais: a heterogeneidade e interdependncia entre atores, a existncia de um subsistema e a presena de uma estrutura de governana.

    Segundo Schneider (2005), a partir de um levantamento sobre vrios estudos empricos re-alizados sobre redes de polticas pblicas nos EUA e na Europa, h cinco caractersticas dis-tintas associadas ao conceito de redes. So elas:

    1. O denominador mais comum de todas as anlises de redes de polticas pblicas que a formulao de polticas pblicas no mais atribuda somente ao do Estado enquanto ator singular e monoltico, mas resulta da interao de muitos atores distintos. A prpria esfera estatal entendida como um sistema de mltiplos atores.2. Na formulao e implementao de polticas pblicas, alm de muitos atores pblicos, esto envolvidos atores privados de distintos setores sociais e reas.3. O prprio conceito de rede se refere a vnculos diretos e indiretos relativamente duradouros, por meio dos quais os atores envolvidos esto integrados na formulao de polticas pblicas.4. Embora muitos atores estejam envolvidos direta e indiretamente na produo de pol-ticas, existe entre eles diferenas de poder e influncia.5. Posies de poder e influncia no so determinadas somente atravs de status poltico-institucional formal, mas tambm por meio de vnculos informais (por exemplo, comunicao, intercmbio de recursos, interao estratgica) (SCHNEIDER, 2005, p. 38).

    A Figura 1 abaixo apresenta graficamente um exemplo de rede de polticas pblicas, que faz uso de uma variao dos sociogramas propostos por Moreno e mencionados no incio do tra-balho. Trata-se de uma representao da rede de polticas pblicas formada pelos 24 atores mais influentes diretamente envolvidos na reforma do setor de telecomunicaes ocorrida na Alemanha nos anos 90. Ela foi proposta por Schneider e Werle (1991) e Schneider(2005)12.

    12. Os sociogramas apresentados nesta seo constam do artigo de Schneider (2005) e foram produzidos com o uso do software Visione, desenvolvido por Ulrik Brandes da Universidade de Konstanz. O critrio para desenho do sociograma o vetor de autocentralidade, a partir do qual um n mais central quanto mais vnculos possuir com outros ns igual-mente centrais.

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    Figura 1 Rede de Polticas Pblicas da Reforma das Telecomunicaes Alem

    Fonte: SCHNEIDER, 2005.

    A representao da rede acima indica, como esperado, a presena de diferentes atores do governo, assim como partidos polticos, sindicatos, associaes e grandes empresas. A figura tambm nos permite perceber a complexidade das relaes entre esses atores. No centro da rede encontra-se o Ministrio das Comunicaes (BPM). No entanto, um partido poltico (CDU) e vrias associaes econmicas assumem papel de destaque nessa rede, demons-trando que a reforma das telecomunicaes alem foi marcada por um conjunto de relaes complexas e variadas.

    Outro exemplo, tambm citado por Schneider (2005), refere-se poltica de energia nos EUA e est apresentado na Figura 2 abaixo.

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    Figura 2 Rede do Setor de Energia dos EUA

    Fonte: SCHNEIDER, 2005.

    Assim como ocorre no exemplo anterior, a representao dos 25 atores mais influentes na rede do setor de energia nos EUA demonstra haver complexidade e atores advindos de dife-rentes setores da sociedade. No centro, com destacada influncia, encontra-se o Ministrio da Energia (Department of Energy), a Casa Branca (White House) e o Departamento de Gesto e Oramento (OMB Oce of Management and Budget) Mas tambm exercem influncia marcante uma srie de associaes empresariais e grandes empresas do setor de petrleo. As organizaes ambientais esto mais distantes do centro, o que indica que de-sempenhariam uma funo de carter mais perifrico.

    As duas figuras acima so bons exemplos de aplicao da abordagem de redes combinando uma orientao que foi caracterizada como analtica e a abordagem da governana. A repre-sentao grfica nos permite no apenas identificar atores e seus relacionamentos, mas d tambm indicaes especficas sobre aspectos relacionados estrutura de governana subja-cente a essa rede13 .

    13. No o propsito deste trabalho explorar os aspectos relacionados aplicao de sociogramas e outras formas de re-presentao visual das redes de polticas pblicas. Detalhes adicionais sobre o trabalho de Schneider e seus colegas, as-sim como consideraes complementares sobre formas de representao visual das redes de polticas pblicas, podem ser encontrados em Brandes, U., Kenis, P., Raab, J., Schneider, V.; Wagner, D. (1999). Explorations into the Visualization of Policy Networks. Journal of Theoretical Politics , 11:1, 75-106.

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    6. Governana de redes de polticas pblicas

    Aps delinear algumas caractersticas da chamada abordagem de redes nas cincias sociais, tanto na sua viso analtica quanto na sua perspectiva da governana, e apresentar uma introduo ao conceito de redes de polticas pblicas, importante examinar a questo da governana dessas redes.

    Cabe inicialmente dizer que, embora haja uma ampla bibliografia tratando de questes rela-cionadas natureza e importncia das redes de polticas pblicas, existem poucos trabalhos voltados para a anlise dos aspectos relacionados governana dessas redes.

    As razes para a escassez de trabalhos sobre governana de redes so compreensveis. Aps praticamente um sculo de estudos sobre administrao pblica, o foco tem sido na gesto de uma organizao, estruturada de maneira predominantemente hierrquica e com mo-noplio de poder, informao e recursos sobre determinada rea. Embora exista alguma literatura sobre relaes interorganizacionais, as pesquisas nessa rea no ganharam lugar de destaque na agenda de estudos sobre administrao pblica.

    Por exemplo, ao listar as funes fundamentais exercidas na gesto das organizaes p-blicas, o foco tem sido nas funes caracterizadas pela sigla POSDCORB (Planning, Orga-nizing, Stang, Directing, Coordinating, Reporting and Budgeting). Mas em que medida essas funes podem ser transpostas quando se fala na administrao de redes formadas por mltiplas organizaes heterogneas como ocorre no mbito das redes de polticas pblicas? Essa uma pergunta que no foi ainda adequadamente respondida.

    A ausncia de paradigmas consolidados sobre relacionamento interorganizacional no setor pblico e a preponderncia de perspectivas fundadas na gesto de organizaes isoladamente so, em grande medida, paradoxais, visto que grande parte dos processos relacionados gesto pblica envolve mltiplas organizaes. Considere-se, por exemplo, a elaborao de planos e oramentos no setor pblico. Esses processos envolvem esforos voltados para o alinhamento de um grande nmero de organizaes distintas e com valores e princpios heterogneos.

    O quadro abaixo compara trs diferentes perspectivas sobre governana das polticas pbli-cas em um contexto de mltiplas organizaes: (i) a perspectiva tradicional, fundamentada em uma viso top-down da gesto de polticas pblicas, atribuindo ao governo federal papel preponderante; (ii) a perspectiva participativa, fundamentada em uma viso bottom up e que preconiza a importncia da descentralizao das polticas pblicas, atribuindo ao poder local maior autonomia nas suas aes, o que seria desejvel considerando que ele possuiria melhor capacidade de identificar as preferncias dos cidados para atend-las de maneira adequada;

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    (iii) a perspectiva de governana de redes de polticas pblicas, em que prevalecem atores heterogneos, relaes de interdependncia e problemas de ao coletiva.

    Quadro 1 Trs Perspectivas da Formulao de Polticas Pblicas

    Perspectiva Tracional Top-Down

    Perspectiva Participa-tiva Bottom-Up

    Perspectiva da Governana de Redes

    Objeto de Anlise Governo central aten-de diferentes seg-

    mentos da sociedade

    Governo central atende a atores locais que interagem com a

    sociedade

    Redes de atores hete-rogneos em diferen-tes nveis de governo

    e na sociedade

    Foco Principal Autoridade hierrqui-ca

    Atores locais Inter-relao entre atores heterogneos

    Tipo de Relao Autoridade e controle

    Centralizao vs

    descentralizao

    Interdependncia

    Implementao Implementao do planejado

    Representao de interesses mediante normas e controle de

    recursos

    Interao com troca de informao, objeti-

    vos e recursos

    Critrio de Sucesso Consecuo das me-tas da poltica conce-

    bida centralmente

    Satisfao das preferncias locais e obteno de recurso

    para atores locais

    Realizao da ao coletiva

    Critrio de Fracasso Falhas de controle, polticasPDOGHQL-das ou mal monito-

    radas

    Falhas na descentralizao ou pouco engajamento

    local

    Arranjo institucional GHFLHQWHGLFXOWD

    ao coletiva

    Recomendaes Centralizao e coordenao

    Descentralizao e participao

    Gesto do ambiente e da infraestrura de in-terao nas polticas

    pblicas

    Fonte: KICKERT; KLIJN; KOPPENJAN, 1999 (adaptado).

    O quadro demonstra que h diferenas importantes entre as trs perspectivas e que seu foco principal, o tipo de relao, as formas de implementao e os critrios de sucesso e fracasso so bastante diferentes. No h, portanto, como adaptar a percepo top-down ou bottom-up ao contexto da gesto de redes. Consequentemente, no h como transplantar os princpios do POSDCORB para a perspectiva da gesto de redes sem adaptaes importantes. Ento, que funes fundamentais deveriam ser exercidas na gesto de redes de polticas pblicas?

    Tentativas de caracterizar essas funes, principalmente baseadas nos trabalhos de Kickert e Koppenjan (1999) e McGuire (2003) apontam para um conjunto de estratgias, e no espe-cificamente de funes, que deveriam ser exercidas na gesto de redes de polticas pblicas.

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    7. Governana do jogo das redes

    A administrao da rede pode ser representada como equivalente gesto de um jogo es-tratgico envolvendo as seguintes funes: ativao da rede, enquadramento das relaes, intermediao, facilitao e criao de consenso e mediao e arbitragem14. Nos pargrafos seguintes feita uma breve descrio de cada uma dessas funes.

    7.1 Ativao da rede

    Redes possuem laos potenciais entre atores que nem sempre esto adequadamente ativados, ou seja, h atores que poderiam estar interagindo com os demais para a soluo de determi-nados problemas coletivos, mas, por razes diversas, no esto devidamente engajados.

    Nesse contexto, a funo ativao envolve identificar e incorporar pessoas e organizaes necess-rias para o alcance dos objetivos de um determinado programa. As habilidades, o conhecimento e os recursos de cada um desses membros devem ser analisados e avaliados cuidadosamente.

    A ativao talvez a mais importante funo a ser exercida na administrao de uma rede. Seu equivalente no POSDCORB seria a tarefa de stang, ou seja, a gesto de competncias em uma organizao (seleo, recrutamento e alocao de pessoas em uma organizao).

    A ativao de atores pode ser seletiva, ou seja, a identificao e envolvimento dos atores po-dem ocorrer especificamente em funo de um determinado problema ou programa governa-mental. A ativao seletiva demanda a gesto estratgica dos atores e, consequentemente, da informao disponvel na rede, permitindo acesso informao especializada apenas dos ato-res que foram devidamente selecionados para atuar no mbito de um determinado problema.

    7.2 Enquadramento das relaes

    Aps a ativao dos membros da rede necessrio desenvolver as bases para a interao, facilitando a formao de acordos e definindo arenas e procedimentos para interao dos atores. Assim como ocorre com a ativao, o enquadramento das interaes deve ocorrer na fase formativa de uma rede, ou quando ela tem sua efetividade reduzida.

    atribuio da liderana da rede a iniciativa de estabelecer as bases para o enquadramen-to das interaes, assim como cultivar, desenvolver e disseminar as bases que orientam esse enquadramento.

    Uma preocupao constante estabelecer garantias de que o envolvimento de um dos ato-res no ser explorado de maneira oportunista pelos demais. Alm disso, como se trata de

    14. As funes mencionadas so, em grande medida, uma combinao das propostas de Kickert e Koppenjan (1999) e McGuire (2003).

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    atores heterogneos, bvio que conflitos entre eles podem surgir e, portanto, necessrio haver procedimentos e arenas apropriadas para lidar com esses conflitos. Sem a garantia de que o oportunismo ser evitado e na ausncia de mecanismos de resoluo de conflitos, os membros da rede podem perceber que os riscos de envolvimento so proibitivos. Para reduzir esses riscos, necessrio desenvolver um quadro de referncia para interao que es-tabelea bases institucionais para a cooperao. Esse enquadramento pode ser estabelecido de diferentes formas. Por exemplo, pode existir uma estrutura de liderana legtima que seja capaz de tolher o oportunismo. Alternativamente, pode ser necessria a formalizao de um acordo, termo de compromisso ou at mesmo um contrato.

    7.3 Intermediao

    No exame da vertente analtica da abordagem das redes, destacou-se a importncia e o po-tencial subjacente fora dos laos fracos e presena de vazios estruturais. Ao mencionar esses pontos, enfatizou-se a possibilidade do surgimento de intermedirios, que explorem esse potencial e auxiliem na articulao dos vrios cliques que compem a rede. O papel da intermediao est diretamente relacionado com essa perspectiva.

    Redes de polticas pblicas tendem a operar em um ambiente onde prevalecem organizaes fracamente acopladas, com grande fragmentao e multiplicidade de atores heterogneos, sendo que vazios estruturais e laos fracos so esperados. A importncia da intermedia-o reside no fato de que ela resulta na reunio de diferentes recursos, informaes, ideias e solues que esto presentes na rede, mas que podem estar dispostos em cliques distintos, havendo um vazio estrutural entre esses elementos.

    Como preconizado em modelos organizacionais do tipo lata de lixo, nesse contexto de organizaes fracamente acopladas h a tendncia de que problemas, solues e atores evo-luam de maneira relativamente independente15. Consequentemente, para que possa haver deciso necessrio que esses elementos estejam sincronizados. nesse contexto que sur-gem os empreendedores de polticas pblicas, ou seja, indivduos dispostos a investir tempo e recursos em troca de polticas que revertam a seu prprio favor. Esses empreendedores no apenas encaminham solues, mas tambm propem novos problemas e, mais importante, articulam outros atores a coordenarem suas aes.

    7.4 Facilitao e criao de consenso

    A facilitao objetiva primordialmente o estabelecimento de condies que permitam a in-terao favorvel e produtiva dos diferentes membros da rede no intuito da promoo dos objetivos preconizados na ao coletiva.

    15. Ver Kingdon (1984) para uma discusso do Modelo de Mltiplos Fluxos, que discute a dinmica da agenda governamen-tal em um ambiente de ambiguidade e organizaes fracamente acopladas.

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    A facilitao fundamental porque a interao entre diferentes atores heterogneos quase sempre marcada por dificuldades de comunicao e por alto risco de conflitos. Nesse con-texto, faz-se necessria a presena de um facilitador que organize a interao entre os atores, auxilie na comunicao, incentive a compreenso das diferenas de identidades e valores e viabilize a formao de consenso.

    A facilitao envolve aspectos de natureza processual, como agendamento de reunies, su-porte para os encontros, gesto da informao e a comunicao interna e externa. Mas, alm disso, envolve tambm o monitoramento da qualidade do dilogo e a traduo e adaptao de conceitos, a promoo de valores compartilhados, a reduo da complexidade e da incer-teza nos relacionamentos e outras iniciativas que possam promover o entendimento mtuo e a formao de consenso.

    7.5 Mediao e arbitragem

    Mediao e arbitragem so funes muito similares facilitao e criao de con-senso. No entanto, a mediao e arbitragem so fundamentalmente exercidas aps o surgimento de conflitos, enquanto a facilitao e criao de consenso tm natureza preventiva, sendo exercidas antes que o conflito se estabelea. A mediao sempre exer-cida por uma terceira parte, normalmente a direo da rede. A deciso final para a reso-luo do conflito no cabe ao intermediador, mas sim s partes diretamente envolvidas.

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    8. A importncia do ambiente das redes de polticas pblicas

    A anlise das funes associadas governana de redes de polticas pblicas nos proporcio-na uma perspectiva importante dos pontos que os gestores devem levar em considerao na gesto dessas redes. Mas h outros elementos importantes que ainda no foram adequada-mente analisados. Um dos que merece destaque especial diz respeito ao ambiente em que a rede se insere.

    Conforme aponta McGuire (2003), fazendo aluso ao trabalho de Herbert Simon, a conse-cuo dos objetivos de uma rede implica na adaptao dos vrios ambientes internos da rede ao seu ambiente externo. E essa adaptao acontece de maneira idiossincrtica, ou seja, o ambiente interno se adapta apenas a algumas caractersticas do ambiente externo. , por-tanto, fundamental compreender que caractersticas seriam essas e como elas influenciam o ambiente externo rede.

    McGuire cita cinco caractersticas bsicas do ambiente em que se insere uma rede e que podem afetar o seu desempenho. So elas:

    Consenso sobre os objetivos uma rede onde h consenso sobre os objetivos a serem per-seguidos pelos seus membros tende a ser mais efetiva do que uma rede onde h ainda ne-cessidade de definir e pactuar esses objetivos. Em uma rede com objetivos bem definidos e consensuais, os seus gestores dedicaro mais tempo ativao da rede, ao enquadramento e intermediao. Nas redes onde os objetivos no so claros, ou ainda no foram pactuados, seus gestores dedicaro mais tempo facilitao, mediao e arbitragem.

    Distribuio de recursos as interdependncias em uma rede ocorrem em funo da dis-tribuio de recursos entre seus membros. Os recursos incluem a distribuio da autoridade legal, recursos materiais, informao, expertise e experincia. A participao na rede deriva da quantidade de recursos disponveis para cada ator. Se esses recursos so bem distribudos entre uma vasta gama de atores, isso resultar em uma rede vasta. Se os recursos so concen-trados em poucos atores, ento a rede tende a ser mais restrita. Gestores de rede experientes sabem como os recursos so distribudos e mobilizam esses recursos no momento mais ade-quado para a gerao dos resultados preconizados pelo grupo.

    Apoio poltico O apoio poltico para atuao da rede e o apoio poltico obtido pelos mem-bros da rede nas suas respectivas organizaes so tambm fundamentais para o bom fun-cionamento da rede. Se os participantes de uma rede no possuem apoio das suas organi-zaes ou da sociedade, ento grande parte do esforo na gesto da rede ser voltada para a obteno desse apoio, muitas vezes em detrimento do exerccio das outras funes.

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    Relacionamentos Confiana e capital social so fundamentais para o bom funcionamento de uma rede. Se os membros de uma rede j interagiram no passado, conhecem bem um ao outro, ento menos tempo precisa ser dedicado ao enquadramento e intermediao do que numa rede formada por estranhos ou pessoas que interagem pela primeira vez.

    Orientao em relao s polticas pblicas Se h um paradigma de polticas pblicas compartilhado entre todos os atores e esse paradigma indica metas, objetivos, prioridades e instrumento, ento o gestor da rede necessita gastar menos energia na formao de consenso sobre esses elementos fundamentais das polticas pblicas. Por outro lado, se os membros da rede adotam diferentes paradigmas para orientar sua atuao, ento o potencial de mobiliza-o reduzido e o risco de ocorrerem conflitos cresce bastante.

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    9. Expandindo a capacidade das redes de polticas pblicas

    Caracterizadas as funes bsicas a serem desempenhadas com intuito de gerenciar os v-rios aspectos de uma rede e considerando os aspectos relacionados ao ambiente em que se insere uma rede, cabe examinar um ltimo aspecto relacionado ao conjunto de estratgias e variveis que podem ser utilizadas para o desenvolvimento de uma rede ou, mais especifica-mente, para aumentar a capacidade de uma rede.

    A noo de capacidade de redes est associada normalmente com a quantidade de infor-mao que essa rede capaz de transmitir. No entanto, quando se fala de redes de polti-cas pblicas, o conceito deve ser adaptado e o foco no apenas no volume de informao transmitido, mas na capacidade de mobilizar atores na resoluo dos problemas enfrentados pela coletividade. Em outras palavras, a questo envolve a capacidade da rede de resolver os problemas de ao coletiva, especialmente aqueles voltados para a cooperao, coordenao e comunicao entre atores, gerar os resultados esperados e sustentar essas aes ao longo do tempo.

    Para diagnosticar a capacidade de governana das redes de polticas pblicas, sugerimos ana-lisar as seguintes dimenses: a) capital social; b) institucionalizao; c) sustentabilidade; d) estrutura e instrumentos de coordenao; e) comunicao e f) informao e anlise.

    9.1 Capital social

    O grau de governana de uma rede de polticas pblicas depende da existncia de capital social. Em outras palavras depende: (i) do estabelecimento de um clima de credibilidade e confiana mtua entre esses atores, (ii) de uma ampla participao nos processos decisrios e (iii) da transparncia, fiscalizao e responsabilizao das aes.

    March e Olsen (1989) sustentam que a melhor forma para entender as instituies atravs dos valores dos seus membros. Estes valores criados ou reinterpretados por cada instituio guiam os comportamentos dos membros e, portanto, o seu prprio comportamento. Isto tambm vlido para as redes de polticas pblicas, uma vez que a existncia de valores co-muns aos diversos membros e atores sociais que as compem pode facilitar a coordenao das suas aes.

    Algumas redes so mais integradas do que outras. Em alguns casos possvel trat-las como uma nica instituio. Noutras ocasies, elas so to pouco integradas que difcil perceber seus membros como pertencentes a uma rede de polticas pblicas.

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    9.2 Institucionalizao

    Uma rede de polticas pblicas bem estruturada deve ser institucionalizada, o que implica no estabelecimento de normas e procedimentos, que definam claramente as arenas decisrias e a diviso de competncias e atribuies dos atores. Para isto, algumas redes estabelecem mar-cos regulatrios, destacando as competncias de cada um dos atores envolvidos. Outras redes constituem fruns especficos para discusso de temas e deliberao de propostas de atuao.

    Mesmo as redes pouco integradas, ou seja, com baixo capital social, podem estar formalmen-te estabelecidas, enquanto outras redes dependem das relaes informais entre seus membros. Redes formalmente institucionalizadas aparentemente podem dispor de maior grau de gover-nana. Entretanto, um excesso de normas e formalidades pode dificultar a participao e a co-ordenao destas redes. A definio e institucionalizao de procedimentos e arenas decisrias dependem muito mais do estabelecimento de rotinas e prticas sociais compartilhadas entre os atores da rede.

    9.3 Sustentabilidade

    No raro as aes preconizadas por uma rede so interrompidas em funo da troca de governos, mudanas ministeriais, reorganizaes administrativas, interrupo de fluxo de recursos financeiros ou outros fatores externos. Em funo disso, as redes esto sujeitas a um processo dinmico, que requer contnua adaptao a transformaes e a busca permanente de aperfeioamentos em sua forma de atuar. O grau de governana de uma rede depende da sua sustentabilidade. Ou seja, da capacidade de realizar aes continuas e de longa durao.

    9.4 Estrutura e Instrumentos de Coordenao

    A concepo e implementao das aes numa rede implicam a existncia de uma estrutura de coordenao capaz de articular a atuao dos diferentes atores. Algumas redes estabele-cem secretarias de coordenao. Noutras redes, a coordenao das aes realizada a partir de rgos colegiados com ampla participao dos atores. Em qualquer dos casos, esta estru-tura de coordenao deve gozar de legitimidade entre os atores da rede.

    Alm de legitimidade, a estrutura de coordenao de uma rede precisa dispor tambm de ins-trumentos adequados para o exerccio de suas atividades. O grau de governana de uma rede de polticas pblicas depende tambm da qualidade destes instrumentos. Planejamento, diretrizes e contratos de cooperao so alguns dos principais instrumentos de coordenao das redes.

    9.5 Comunicao

    A forma como se estabelece a comunicao entre os atores que compem uma rede de polticas pblicas fundamental tomada de decises e implementao das aes preco-

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    nizadas. Ou seja, o grau de governana de uma rede depende da qualidade das interaes entre os atores.

    A comunicao pode ser analisada em duas dimenses: (i) interna (entre os atores gover-namentais) e (ii) externa (entre o governo e a sociedade). A boa comunicao entre atores implica no intercmbio de informaes e na existncia de sistemas formais e informais de consultas mtuas. Algumas redes estabelecem estruturas organizacionais dedicadas ges-to da comunicao entre os atores da rede e entre esses atores e a sociedade. Noutras redes, esta comunicao feita espontaneamente pelos atores.

    As redes de polticas pblicas variam em funo do grau de interdependncia entre seus membros. Por definio, elas s podem existir se os atores envolvidos guardam determinado grau de interdependncia. Entretanto, as formas de interao e comunicao interna e exter-na podem variar bastante.

    9.6 Informao e anlise

    O planejamento e a implementao das aes demandam um fluxo de informaes confi-veis e detalhadas sobre o tema e seus diferentes aspectos. Alm disso, essas informaes precisam ser analisadas e disseminadas em tempo hbil, de maneira a subsidiar o processo de tomada de deciso. Normalmente, para que esses objetivos sejam alcanados, requerida uma estrutura especializada para gerao e anlise das informaes. O grau de governana de uma rede de polticas pblicas depende da qualidade e confiabilidade das informaes disseminadas entre os atores.

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    10. Concluso

    O objetivo deste trabalho foi possibilitar uma introduo abordagem de redes e alguns conceitos bsicos que possam auxiliar na gesto de redes de polticas pblicas. Com esse propsito, procuramos apresentar uma reviso de parte da literatura que examina esses as-pectos, proporcionando, assim, um ponto de partida para uma pesquisa mais aprofundada sobre o tema e para a conduo de trabalhos de natureza emprica que possam ocasionar, entre outras coisas, uma melhor compreenso das diferentes prticas de gesto de redes no Brasil, assim como gerar recomendaes voltadas para a gesto de redes de polticas pbli-cas especficas.

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