Campus - nº 408, ano 43
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INTERIOREM EXTINÇÃOCom cada vez menos jovens, povoado de Baunilha (GO) é um retrato das comunidades rurais brasileiras
TRÂNSITOTRANSPORTE IRREGULARUtilizados de maneira clandestina no Distrito Federal, mototáxis aguardam regulamentação
ESPORTEREDES INTERNACIONAISJogadores de vôlei buscam melhores oportunidades e participam de competições fora do Brasil
BRASÍLIA, 26 DE NOVEMBRO A 2 DE DEZEMBRO DE 2013
CAMPUS
Comum em mulheres, câncer de
mama também atinge o sexo masculino.
Há preconceito e despreparo no atendimento
HOMENS NA MIRA
Camila Menezes
NÚMERO 408 ANO 43
CAMPUS2 Brasília, 26 de novembro a 2 de dezembro de 2013
CAMPUSJornal-laboratório da
Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília
Editora-chefe: Alessandra AzevedoSecretário de redação: Eduardo BarrettoEditores: Jéssica Gotlib, Jhésycka Vasconcelos, Laura Tizzo e Washington LuizDiretor de arte e fotografia: Thiago AmâncioRepórteres: Caroline Bchara, Emily Almeida, Gabriel Lopes, Jéssica Moura e Marina Carlos
Fotógrafos: Hermano Araújo, Johnatan Reis e Nívea RibeiroColaboração: Camila MenezesProjeto Gráfico: Beatriz Ferraz, Hermano Araújo, Marianna Nascimento e Nadjara MartinsProfessores: Sérgio de Sá e Solano NascimentoMonitoras: Marianna Nascimento e Nadjara MartinsJornalista: José Luiz Silva
Gráfica: Palavra ComunicaçãoTiragem: 4 mil exemplaresContato: 61 3107-6498 / 6501E-mail: [email protected]ço: Faculdade de Comunicação, Universidade de Brasília, Campus Darcy Ribeiro, Instituto Central de Ciências - Ala Norte (Minhocão), Brasília, Distrito Federal CEP: 70.910-900
Foram nove edições publi-cadas por duas turmas, mais de 90 dias de trabalho e 74 pági-nas escritas. Contas fechadas, o Campus chega ao último número do semestre.
O que ainda não chega a lugar algum é a regulamenta-ção da atividade dos mototá-xis. Há 18 anos no Distrito Fe-deral, e ainda clandestinos, eles procuram espaço no trânsito e nas leis brasilienses. A matéria da página 7 mostra que faltam fiscalização e segurança, mas sobra indiferença.
Há descaso também nos relacionamentos modernos ou é apenas choque de gerações? A página 8 fala de aplicativos de celular criados com a fina-lidade de formar casais, mes-mo que só por um dia. “Esse eu quero. Esse não é bonito o suficiente. Esse talvez dê para o gasto.’’ Algumas avaliações – baseadas unicamente na apa-rência – e cliques depois, surge uma relação em potencial.
Seja para conhecer gente nova ou para fins de traba-lho, é difícil pensar em um mundo sem internet. Imagine um lugar desconectado, que não tenha wifi, 3G ou celular. Não é preciso voltar ao pas-sado para conhecê-lo – fica
Carta do Editor
logo ali, a 400 km de Brasília. Além de um único orelhão, duas igrejas, uma escola e um mercado resumem o povoado de Baunilha, em Goiás. A matéria das páginas 4 e 5 explica por que o número de jovens diminui significa-tivamente a cada contagem. Baunilha está com a data de validade expirando?
Os jogadores de vôlei brasileiros também não estão satisfeitos com as condições oferecidas em casa. A maté-ria da página 6 mostra que eles procuram – e encontram – oportunidades melhores em outros países. Valoriza-ção dos novos talentos e sa-lários mais altos motivam os atletas a enfrentar desafios no exterior.
Já a matéria da pá-gina 3 traz histórias de pessoas que se superam em outro aspecto. Homens que tiveram câncer de mama provam que a doença não escolhe o alvo de acordo com o gênero. Além do des-conhecimento, é visível o despreparo da sociedade e dos profissionais da saúde em lidar com o problema quando ele é voltado ao sexo masculino.
Memória
Alessandra Azevedo
O Campus número 306, de julho de 2006, trouxe a matéria Transporte ilegal de-
safia fiscalização. A repórter Taline Barros lançou luz à questão, que, à época, causava divergências entre o Detran e o DFTrans, impasse entre ju-ristas e um acidente grave por semana. A reportagem des-tacou a deficiência do trans-porte público, uma das causas da ilegalidade. Além disso, foi
RecorteJohnatan Reis
Ombudskvinna
No primeiro semestre de 1993, a última edição do Campus trazia a fotografia da equipe – o que se repetiu algumas vezes mas cessou enigmaticamente ainda nos anos 90. A turma B, mais de 15 anos depois, resgata o costume
Professores desafinados apre-senta excelente pauta e va-riedade de fontes – apesar de o repórter não considerar a opinião de algum aluno da EMB. O problema da repor-tagem é a forma confusa e um tanto burocrática como foi redigida. Uma solução para tornar o texto mais claro é apresentar no lead um exemplo prático de como seria ter aulas com um professor de música que nem sequer sabe tocar o instrumento que ensina.
Há tempos a ombudskvin-na não lia um nariz de cera como o que aparece em Finan-
ciamento sem fronteiras. Mas o texto fica melhor nos parágra-fos que se seguem. Se diferen-cia em dois aspectos: apresenta uma ideia inusitada e conta quase que exclusivamente
com fontes internacionais. No entanto, o fato de o site ser acusado de fraude deveria, no mínimo, aparecer no sutiã e não apenas no sétimo pará-grafo do texto – quando o lei-tor já está deslumbrado com a possibilidade de viajar de graça para o exterior.
Quedas e prejuízos apre-senta lead convidativo e per-sonagens que ilustram bem o conteúdo. No entanto, não deu certo a ideia de encerrar o texto fazendo referência a uma declaração que aparece no abre. O efeito é interes-sante, mas a maneira como foi construído o último pará-grafo, não. Sotaques, sobreno-mes e imigrações gaúchas não têm nada a ver com a falta de luz no PAD. Além disso, da-dos da CEB que aparecem no
sutiã precisam ser credita-dos, da mesma forma em que ocorre no subtítulo de O grupo
mais exposto, com informações do Datasus.
Faz de conta levado a
sério é a típica matéria relatório; sem valor notícia e sem graça.
Lavouras na cidade é igual-mente tediosa e a impres-são é de que o texto não passou por revisão alguma. A palavra “urbana” aparece três vezes no mesmo parágrafo, o espaçamento entre carac-teres está incorreto em três ocasiões, falta vírgula em alguns lugares e sobra em ou-tros. Emater foi escrito com letra minúscula no sétimo parágrafo e a palavra “fomen-tar” ganhou um “r” a mais no dicionário brasileiro.
Nathalia Zôrzo
Termo sueco que significa "provedor da justiça", discute a produção dos jornalistas sob a perspectiva do leitor
exposta uma questão ética. Conta a repórter: “Fiscais do Detran e DFTrans assegu-ram que 70% dos motoristas pegos são policiais militares”.
Brasília, 26 de novembro a 2 de dezembro de 2013 3CAMPUS
NÃO É SÓ COISA DE MULHERSAÚDE
Marina Carlos
Um em cada cem casos de câncer de mama se desenvolve em homens. Doença ainda é conhecida como exclusividade feminina
Frequente em pessoas do sexo feminino, com 13.225 mortes no ano de
2011, o câncer de mama é a do-ença que mais mata mulheres no Brasil. Os dados do Institu-to Nacional do Câncer (Inca) revelam que o diagnóstico não é exclusivo das mulheres. No mesmo ano, 120 casos foram registrados em homens, com idade entre 50 e 70 anos. De acordo com a Sociedade Bra-sileira de Mastologia (SBM), em cada cem casos de câncer de mama no Brasil, um é de-senvolvido em homens. Para a presidente da SBM do Distri-to Federal, Fernanda Salum, a doença é rara, mas merece atenção. “É recomendado que homens que encontrem qual-quer tipo de alteração no peito procurem um mastologista”, alerta a médica.
O câncer masculino tem características parecidas com o de mulheres. No entanto, não há testes, como a mamografia, que previnam a doença neles. O autoexame é a única manei-ra de perceber qualquer alte-ração. “Geralmente, o homem acaba sentindo algo diferente e vai ao médico. É necessário ficar atento em nódulos que apareçam’’, explica o oncolo-gista clínico Rafael Kaliks. Foi o caso de Walter Gomes, de 74 anos, que em 2003 sofreu com a doença. Ao trocar de roupa, ele percebeu que havia um caroço embaixo do peito e mostrou para a mulher. “Ime-diatamente procuramos um médico. Eu só pedia a Deus para que nada acontecesse ao meu marido”, conta Dilma Gomes, mulher de Walter.
A família realizou os pri-
meiros exames no Hospital de Base e continuou o tratamento em São Paulo. Quando des-cobriu a raridade do câncer, Dilma procurou o melhor es-pecialista na área: “Há 10 anos a doença era ainda mais rara. Meus filhos logo organizaram a operação do pai fora daqui”. Após trinta dias da cirurgia, Walter retornou a Brasília e fez quatro meses de quimio-terapia e radioterapia em uma clínica especializada do DF. “Ele reagiu muito bem ao tra-tamento, não caiu cabelo nem sobrancelha. A vida dele era normal, íamos ao shopping e passeávamos como qualquer casal”, recorda Dilma. A pre-sidente da SBM explica que o tratamento em homens é semelhante ao das mulheres. “Uma diferença é que o ho-mem geralmente, no período de hormonioterapia (fase fi-nal do tratamento), usam mais hormônios que as mulheres”, ressalta Salum.
Após passar cinco anos to-mando a mesma medicação, Walter lembra que, no últi-mo aniversário, pediu a Deus que ele pudesse comemorar mais “uma dúzia de idade”. “Os médicos diziam que meu ma-rido era um homem de muita fé, a gente sabia que ele sairia daquela situação”, diz Dilma. Ela conta ainda que as pesso-as não acreditam que a doença possa afetar homens. “Até hoje onde eu chego é uma surpresa. Sempre me perguntam como é possível. Por isso, faço questão de contar a história para aler-tar a todos”, explica.
A falta de informação não ocorre só entre os leigos. Dentro do ambiente hospita-
lar também é comum encon-trar profissionais que ainda não sabem lidar com o câncer de mama masculino. “É cons-trangedor chegar para fazer um exame de mama e a recep-cionista se assustar por ser um homem”, conta Geraldo Dias, aposentado de 74 anos que teve um nódulo encontrado no pei-to há um ano e meio. Para José Bines, do Instituto Nacional do Câncer (Inca), o que faltam são médicos e profissionais preparados para a situação. “Apesar de raro, é necessário dar formação às pessoas para lidarem corretamente com este tipo de paciente”, afirma o oncologista clínico.
A técnica de enfermagem Evangela Ferreira, que traba-lha há cinco anos no setor de mastologia do Hospital Uni-versitário de Brasília (HUB), diz que os profissionais da área não recebem nenhum tipo de treinamento. “Não sabemos como lidar com um paciente homem que tenha a doença”, reconhece. Ela ressalta que seria importante capacitar os funcionários para que eles não façam comentários inadequa-dos. “Nós não podemos falar ‘nossa, essa doença pode afetar o sexo masculino’. É descon-fortável para o paciente.”
Geraldo diz que ao des-cobrir o nódulo imaginou que poderia ser câncer. “Mi-nha mãe morreu de câncer de mama. Por isso, com medo, procurei ajuda.” De acordo com Rafael Kaliks, aproxi-madamente 20% dos homens que desenvolveram a doen-ça tinham parentes com o mesmo câncer.
A presidente da SBM aler-
ta: “Toda pessoa que teve um homem na família com a do-ença deve ficar de olho. Por ser raro, pode ser genético”. No dia 11 de novembro, Ge-raldo fez a cirurgia de retira-da do nódulo e aguarda o re-sultado dos exames. “A gente acha que só mulher pode ter isso, não tomamos cuidado. É preciso acabar com esse tabu”, reforça o paciente.
Curado do câncer de mama, Walter Gomes passou por tratamentos semelhantes aos utilizados em mulheres. Foram cinco anos usando medicamentos contra a doença
Marina Carlos
CAMPANHASDepois do outubro dedicado às mulheres, o novembro azul chama a atenção para a saúde do homem. No entanto, em meio às campanhas governamentais de prevenção de doenças, ainda não existem aquelas que divulguem o câncer de mama mas-culino. A presidente da SBM afirma que, pela raridade, a doença não é uma preocupação de saúde pública, mas acrescenta que o alerta é válido. Bines, do Inca, complementa: “Para que campanhas fossem feitas pelo governo, esse câncer deveria estar no mínimo entre uma das principais causas de mortes em homens e a realidade atual não é esta.”
CAMPUS4 Brasília, 26 de novembro a 2 de dezembro de 2013
O LUGAR ENTRE PASSADO E PRESENTEBAUNILHA
Sem acesso ao estilo de vida que caracteriza as cidades, povoado a 400 km de Brasília sofre com o êxodo de jovens
É apenas uma rua o es-paço que determina o povoado de Baunilha.
Em frente à pequena mercea-ria, uma mesa de sinuca e um telefone público – o único da região – movimentam o lugar. A alguns passos dali, a escola e duas igrejas – uma protes-tante e uma católica – ajudam a saber que se trata de uma comunidade rural. O silêncio da rua só é quebrado quando algum vaqueiro atravessa o gado para levá-lo ao pasto. Ou pelo trânsito dos turistas para a pesca esportiva no Lago da Serra da Mesa, para o qual o povoado é caminho.
Nesse lugar, que pertence ao município de Niquelândia (GO) e está a 400km de Bra-sília, vivem 30 famílias, que tiveram ao menos duas ge-rações criadas e crescidas ali. Cristiane Martins de Freitas, 27 anos, é neta do primeiro homem a construir casa no local onde havia ramos de baunilha do cerrado. Cristiane lembra que ela e sua irmã Jo-cilene, 26, costumavam brin-car com as várias crianças da vizinhança. Hoje em dia, po-rém, esta cena se torna rara. Nos três dias que a repor-tagem passou em Baunilha, nenhuma criança foi vista se divertindo na rua.
Um quadro repetido em muitas comunidades rurais do país, Baunilha tende a desapa-recer. “Eu fico me perguntan-do como vai ser daqui a alguns anos. Porque a maioria dos jo-vens já foi embora. E as crian-ças não vão querer continuar aqui”, constata Cristiane. Ela saiu aos 19 anos, após concluir
o ensino médio, para cursar biomedicina em Niquelândia. Hoje, ela e a irmã moram no Distrito Federal e só voltam ao povoado nos feriados e fins de semana, para visitar os pais. Jocilene, fisioterapeuta, teme pelo futuro do lugar. “Eu não queria que acabasse. Nasci e fui criada aqui.”
O caminho das duas irmãs parece ser o destino comum da juventude da região. Josiane Nunes de Farias tem 15 anos e conta que aguarda apenas concluir o ensino básico para ir morar com o irmão, que cresceu no povoado e hoje trabalha em uma empresa de mineração em Niquelândia. “Ninguém da minha idade pla-neja ficar por aqui. Aqui não tem estudo, e estudo é tudo, né?”, diz. Josiane faz o ensino médio em povoado próximo, Indaianópolis. Durante as tar-des, ela trabalha de balconista na Mercearia Martins. Para se divertir, as opções são os forrós ocasionais na própria mercearia ou churrascos na casa de vizinhos.
A adolescente sabe que o futuro de Baunilha é incerto. “É uma pena porque construí aqui a minha história.” A pro-ximidade com os vizinhos, mesmo com a longa distância entre uma casa e outra, per-mite que Josiane possa con-versar um pouco com todos que chegam à mercearia. “É o que ajuda o tempo a passar mais rápido”, diz. No final do dia, ela volta de moto para o sítio em que vive com os pais, o avô e os tios, a poucos quilômetros dali.
Josiane concluiu o ensino
fundamental na Escola Mu-nicipal Quirino Pereira dos Santos, que ainda hoje é a úni-ca presença do Estado para os moradores. O espaço da escola serve de base para campanhas de vacinação e eventuais con-sultas médicas, para as elei-ções, para reuniões com auto-ridades. O resto do povoado é formado por pequenas casas, sítios mais afastados e um ou outro pequeno comércio (um bar, por exemplo). Divani Ri-beiro Pereira, 60 anos, trabalha na escola desde 1985, quando chegou ao vilarejo. Ela se apo-sentou do cargo de professo-ra há dois anos e atualmente é coordenadora da merenda. “Hoje, tem 69 alunos aqui. Mas já houve época que eram mais de 200.”
Devido à queda crescente de alunos matriculados, a pre-feitura de Niquelândia ame-açou fechar a escola há dois anos e deixar apenas o colégio de Indianópolis. Mas os mora-dores se manifestaram e impe-diram o fechamento. A redu-ção é consequência do êxodo de jovens no povoado. Os que cresceram ali não criam mais seus filhos nas regiões, mas nas cidades para onde vão estudar e trabalhar. Sem perspecti-vas na comunidade rural, eles só pensam retornar quando se aposentarem.
Na década de 1970, quando surgiam as primeiras casas em Baunilha, o Instituto Brasilei-ro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou 1,3 milhão de pessoas morando na zona rural de Goiás. Em 2010, esse núme-ro era de 583 mil. Uma queda de 56%. No Brasil, esse nú-
mero foi de 38,9 milhões para 29,8 milhões. O que represen-ta uma redução de 29,5% da população rural. “Aqui agora só tem velho. Os meninos saem para estudar e os filhos puxam os pais para fora”, lamenta Divani.
Para o presidente da Asso-ciação de Produtores Rurais de Baunilha, Ciredes Martins Arruda, 57 anos, a saída dos jovens é um problema para a economia local, baseada na agricultura familiar, na produ-ção de milho, mandioca e tam-bém de leite. “Às vezes, a gen-te precisa de, pelo menos, 15 pessoas para o serviço na roça comunitária e só tem cinco para trabalhar.”
Para manter os jovens na terra, o Ministério do Desen-volvimento Agrário aposta em medidas federais específicas. Como a linha de crédito espe-cial do Programa Nacional de Agricultura Familiar Jovem (Pronaf Jovem) e o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego no Campo (Pronatec Campo). Baunilha, contudo, ainda espera receber esses benefícios.
Paulo Rogério Mansan, mestre em sociologia rural pela Universidade Federal de Campina Grande, acredita que as ações não são suficientes para conter a migração e o en-velhecimento do campo. “Não há políticas realmente estrutu-
Na casa feita de adobe, a quilômetros de distância dos vizinhos, vive Lourenço Martins. Ao lado, há uma pequena plantação de milho, mantida pelo senhor de 87 anos
Emily Almeida (texto) e Johnatan Reis (fotos)Enviados especiais
Brasília, 26 de novembro a 2 de dezembro de 2013 5CAMPUS
O LUGAR ENTRE PASSADO E PRESENTESem acesso ao estilo de vida que caracteriza as cidades, povoado a 400 km de Brasília sofre com o êxodo de jovens
rantes para atrair a juventude. Problemas como saneamento, saúde, formas de lazer, cultura e em especial geração de ren-da não são pensados”, explica.
O êxodo rural foi discutido entre governo e movimentos sociais do campo no ano pas-sado, durante o 1º Seminário Nacional da Juventude Rural e Políticas Públicas, em Bra-sília. Mansan representou a Pastoral da Juventude Rural no evento, e explica que a sa-ída dos jovens do campo vem da incapacidade dos assenta-mentos e das propriedades de absorvê-los. Segundo ele, esses jovens, filhos de assentados e agricultores, perdem o vínculo com a terra.
Na casa feita de adobe, a quilômetros de distância dos vizinhos, vive Lourenço Martins. Ao lado, há uma pequena plantação de milho, mantida pelo senhor de 87 anos
Acima, três gerações de crescidos em Baunilha. Josiane Nunes de Fárias, ado-lescente que trabalha como balconista na Mercearia Martins. Depois, Belarmino
Martins Pereira, dono da mercearia. E, em seguida, Lourenço Martins Pereira, morador mais velho do povoado
Memórias preservadasA Mercearia Martins é
parada obrigatória para os tu-ristas que vão para o Lago da Serra da Mesa. O proprietário Belarmino Martins Pereira conta que recebe pessoas de Brasília, Goiânia, Anápolis, São Paulo e de Niquelândia, município ao qual o povoado pertence. “Eu sou mais con-hecido que nota de um real”, brinca Belarmino – ou Belo, como é apelidado. Com 54 anos, Belarmino construiu a mercearia quando tinha 36.
Ele conta que veio para o povoado ainda criança com o pai, Luís Martins Pereira, nascido em 1926. No início da década de 1970, Luís con-struiu a primeira casa no vi-larejo. Foi ele quem ajudou a levantar a única escola do lu-gar. Belarmino revela que seu tio Lourenço é o guardião da memória local. “Pode pergun-tar para ele que ele sabe de como tudo foi aqui”, diz.
Aos 87 anos, Lourenço Martins Pereira é o morador mais velho do povoado. Em sua casa, atrás de muitas por-teiras, ele explica que já havia pessoas morando em fazendas próximas, antes da fundação de Baunilha, há quase 50 anos. Ao relembrar a história da região, Lourenço tem como principal referência a data de seu casamento: “Casei com 22 anos, em 1950. Em 57, a mul-her morreu. Ela pediu para ser enterrada aqui. Luís ainda não tinha chegado”.
Conversando um pouco mais com Lourenço, percebe-
mos que aquele pequeno pov-oado guarda um pedaço da história do Brasil. Na região, os bandeirantes exploraram ouro e outros minérios no rio Traíra, afluente do rio Maranhão, enquanto mui-tos alimentos eram produzi-dos nas grandes fazendas. “O povo daqui mesmo mexia com roça. Era cativeiro”, conta. Por “cativeiro”, Lourenço se refere ao sistema escrav-ocrata, cuja abolição em 13 de maio de 1888 ainda não havia se consolidado em todo o país. “Esse serviço todo fo-ram os escravos que fizeram. Ninguém estudava. Por um acaso, alguém sabia assinar o nome. Comecei a trabalhar e não ganhava nada, nem bem para comer.”
As tradições preservadas e as ansiedades da modernidade formam o pequeno vilarejo numa fenda entre o presente o passado. Os jovens estão di-vididos. Jocilene e Cristiane ainda hoje participam de fes-tas tradicionais, como a cav-algada e a Folia de Reis, que passam por Baunilha e arras-tam os mais entusiasmados. Da mesma forma como antes levavam o avô e o tio-avô das irmãs, Luis e Lourenço. Os dois iam e voltavam. As duas foram para Brasília, onde vivem novas histórias, outras tradições. Só querem voltar ao povoado no futuro distante, quando estiverem cansadas do ritmo da cidade grande. Antes disso, Baunilha tenta sobreviver.
CAMPUS6 Brasília, 26 de novembro a 2 de dezembro de 2013
A GRANDE SACADAESPORTE
S e no mundo do basquete o sonho é ir para os Estados Unidos disputar a NBA
(National Basketball Associa-
tion), para os que vivem do vo-leibol jogar no Brasil já figura entre as principais ambições. Em competição constante com as ligas russa e italiana no que diz respeito ao campeonato nacional mais forte do mundo, a Superliga (primeira divisão do Campeonato Brasileiro de Voleibol) repatriou, em 2009, os principais atletas do país – que atuavam em equipes es-trangeiras – e passou a atrair a atenção de jogadores de nível internacional.
O fortalecimento do cam-peonato trouxe grandes no-mes para o cenário brasilei-ro, mas tornou mais difícil o acesso de jovens com menos experiência na modalidade ao principal torneio adulto entre clubes do país. Luiz Perotto, atleta brasiliense que defende as cores do Al-Wakrah Sport
Club, no Qatar, acredita que jogar no exterior é, hoje, a melhor opção para os jovens que procuram um desenvolvi-mento no voleibol. “No Brasil, muitos jogadores estão sem es-paço, principalmente os mais novos e menos experientes”, completa Perotto.
Em situação semelhante à do compatriota, Djalma Mo-reira iniciou a carreira pro-fissional no vôlei de Brasília há dois anos e hoje defende o Al-Shamal Sport Club, também no Qatar. “Os times de elite do Brasil contratam apenas pro-fissionais experientes”, lamen-ta o jogador. “Poderiam abrir mais vagas para jovens atletas, assim o país revelaria vários novos talentos.”
Moreira optou por jogar no Qatar pela diferença na qualidade de vida oferecida pela equipe, em comparação com a que estava acostumado no Brasil. Assim que chegou ao país árabe, recebeu um car-ro para utilizar durante o perí-odo de contrato e um aparta-mento, que divide com outro jogador da equipe. A estrutura para fisioterapia e recuperação de atletas lesionados também pesou na decisão. “O país tem um hospital apenas para atle-tas e, em caso de necessidade de cirurgia, o clube se dispõe a ajudar com os gastos”, conta o jogador. E o salário também estimula – ele recebe, no Qa-tar, o triplo do que ganhava para jogar no Brasil.
Apesar de a Liga Qataria-na de Voleibol não ter o mes-mo nível técnico da Superliga brasileira, o investimento no esporte torna possível a evolu-ção. Sem tradição de disputar grandes campeonatos, como os Jogos Olímpicos, o país ára-be busca técnicos experientes que possam trabalhar o talen-to dos jovens atletas dentro do campeonato nacional.
Arthur Rinaldi, também atleta de Brasília, viu na chan-ce de jogar por um clube do Qatar a oportunidade de se profissionalizar no vôlei. Mas, diferentemente de Perotto e Moreira, não conseguiu fe-char contrato no país. “Te-mos bastante dificuldade em conquistar o cenário aqui (no Brasil). Às vezes é preciso sair de casa para ser visto em casa”, ressalta o atleta.
Com uma bagagem de 40 anos dedicados às categorias de base, Jeronimo Perdomo – atual técnico da seleção de
vôlei de Brasília e técnico de referência da Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) – não acredita que falte espa-ço para os jovens atletas no cenário nacional. “Espaço há, desde que o jogador, na ver-dade, apresente condições de jogo”, frisa.
Outro motivo apontado como estímulo para a ida dos jovens ao exterior é o número reduzido de patrocinadores da modalidade no Brasil, o que gera certa insegurança por parte dos atletas. “Hoje, mui-tos times estão acabando por falta de patrocínio”, lamenta Perotto. Como exemplos mais recentes, os casos das equipes de Florianópolis (SC) – tetra-campeã da Superliga – e de Araçatuba (SP) – campeã pau-lista em 2010 –, que se viram fora do principal campeonato nacional justamente por terem perdido seus patrocinadores.
Caroline Bchara
Djalma Moreira, que joga com a camisa número 9, saiu de Brasília para competir na liga do Qatar
Arquivo Pessoal
Sem espaço na Superliga de vôlei, jovens deixam o Distrito Federal para disputar campeonatos em outros países
Devido à escassez de anun-ciantes no voleibol, Perdomo acredita que se torna difícil para o jovem brasileiro con-seguir um bom time dentro do país. “É mais fácil ir para o exterior. Inclusive, eles (jo-vens atletas) são olhados, mui-tas vezes, por jogarem lá fora”, aponta o técnico.
FEMININOA migração de atletas bra-
sileiros para times do exterior não acontece somente no uni-verso dos campeonatos mas-culinos. Um exemplo disso é Linia Marques, que deixou o país pela primeira vez em 2011 e hoje joga pelo Ekuba Volley, time da série B italiana que conta com outras duas jogado-ras brasileiras. “O que me fez ir para a Itália foi a estrutura que eles oferecem aos atletas. O país apoia o vôlei, incen-tiva e, acima de tudo, valo-
riza os jogadores”, justifica a brasiliense.
A atleta de 23 anos nunca chegou a disputar uma Su-perliga nacional. Defendeu o Distrito Federal em cinco edições do Campeonato Bra-sileiro de Seleções de Voleibol, nas categorias infanto-juvenil e juvenil. Em termos de série B, acredita que no Brasil ain-da faltam estrutura e incenti-vo para manter os atletas em atuação no país.
A CBV criou, há dois anos, a Superliga B, com o obje-tivo de aumentar o número de competições de alto ní-vel no Brasil. O campeonato classifica os dois primeiros colocados para a disputa da série A, no ano seguinte. No-vidade anunciada pela CBV no último dia 12 de novembro, o torneio será disputado pela primeira vez por equipes femi-ninas em 2014.
Brasília, 26 de novembro a 2 de dezembro de 2013 7CAMPUS
Transporte de passageiros em motos funciona de forma irregular. Cerca de quatro mil mototaxistas fazem condução no Distrito FederalJéssica Moura
N
o ponto de mototáxi
mais antigo de So-
bradinho, há 11 anos,
o ronco dos motores das mo-
tocicletas se confunde com o
barulho quase ininterrupto
do telefone tocando. Na li-
nha, estão clientes apressados
que precisam chegar aos seus
destinos com rapidez.
Iara Milhomem, estudan-
te, recorre todas as semanas
aos mototaxistas para ir à
faculdade ou fazer compras.
Ela telefonou para o ponto
de mototáxi: uma sala com
cadeiras, um telefone e um
quadro onde estão dispostos
os nomes dos mototaxistas
responsáveis por atender os
próximos chamados. Para a
estudante, optar pelo moto-
táxi “é uma questão de econo-
mia e de praticidade, pois o
motociclista para na porta de
casa e anda mais rápido pela
cidade.’’ O que ela não sabe é
que esse meio de transporte
alternativo opera de modo
irregular no DF, pois ainda
não foi regulamentado pelo
Governo do Distrito Federal.
O Código Brasileiro de
Trânsito proíbe o transporte
remunerado de passageiros
em motocicletas. A infração
é considerada média e os mo-
totaxistas flagrados em ativi-
dade podem ser multados e
ter a moto retida. O professor
da Universidade de Brasília e
presidente do Instituto de Se-
gurança no Trânsito, David
Lima, explica que, nesse caso,
cabe ao Detran fiscalizar o
serviço de mototáxi.
Jonas Araújo é um dos
mototaxistas que trabalha
em Sobradinho. Ele conta
que “a fiscalização não pega
tanto no pé. Circulamos em
todos os lugares’’. Além dis-
so, não são coibidos de atuar
nas cidades-satélites. O Cam-
pus entrou em contato com
o Detran, mas o órgão infor-
mou que não se pronunciaria
sobre o assunto.
Os primeiros mototáxis
começaram a circular ile-
galmente nas ruas do DF em
1995, nas cidades de Planal-
tina e do Gama. De acordo
com dados da Associação
Nacional de Mototaxistas e
Motofrentistas, cerca de qua-
tro mil profissionais estão
distribuídos em quase todas
as regiões administrativas,
predominantemente em So-
bradinho e São Sebastião. Só
nessa última, há pelo menos
18 pontos de mototáxi.
O professor David Lima
destaca que a “deterioração
do transporte público’’, prin-
cipalmente em áreas afasta-
das do Plano Piloto, somada
à “ineficiência do estado em
fiscalizar práticas irregulares
no transporte de passagei-
ros’’, abrem espaço para que o
mototáxi se consolide no DF.
Outro motivo para a expan-
são do setor foi a proibição
de transporte de passageiros
em vans.
Por vezes, o mototáxi tem
que suprir a falta dos serviços
públicos nas comunidades
onde atuam. O mototaxista
Gilberto Nascimento con-
ta que em um acidente, um
passageiro caiu no chão e
fraturou o pé. A ambulância
demorou a chegar e pessoas
ligaram para o ponto de mo-
totáxi. “Coloquei ele na ga-
rupa da moto e levei para o
hospital’’, lembra.
Para resolver a ilegalidade
do serviço, uma proposta de
Projeto de Lei foi elaborada
em conjunto pelo Sindicato
dos Mototaxistas (SindMo-
totáxi), pela Subsecretaria
de Transportes (Sutransp),
e pelo deputado Cristiano
Araújo (PTB-DF). O projeto
ainda precisa ser aprova-
da na Câmara Legislativa
do DF. Para o presidente do
SindMototáxi, Luiz Carlos
Galvão, com a regulamenta-
ção “a categoria vai ganhar
dignidade, pois, por enquan-
to, os mototaxistas traba-
lham de modo clandestino
e sem direitos trabalhistas.’’
LEGISLAÇÃO A profissão de motota-
xista foi reconhecida pela
Constituição brasileira em
2009, a partir da sanção do
Projeto de Lei 203/2001. A lei
12.009/09 deu aos municípios
e ao Distrito Federal a tarefa
de regulamentar o serviço
de mototáxi. Pesquisa reali-
zada em 2011 pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Es-
tatística (IBGE) mostra que
em mais de três mil dos quase
seis mil municípios brasilei-
ros o mototáxi já foi regula-
mentado (ver quadro).
O subsecretário de Trans-
portes, Ronaldo Persiano,
está receoso com a regula-
mentação do serviço no DF
“A subsecretaria não tinha
interesse de que o mototáxi
rodasse, pois o considera um
veículo perigoso. Mas não
podemos negar a realidade de
que esse serviço é explorado
no DF.’’
Além da lei federal, em
2010, o Conselho Nacional de
Trânsito editou duas resolu-
ções que orientavam a atua-
ção dos mototaxistas. Entre
outras medidas, as normas
especificavam itens básicos
de segurança para conduto-
res e motos.
Marcos da Silva, motota-
xista há 15 anos em Sobra-
dinho, segue algumas das
regras. A moto de Marcos é
equipada com alças de segu-
rança para os passageiros,
proteção de escapamento e
corta-pipa.
A comerciante Cristian-
ne Borges é uma das clientes
regulares de Marcos. Há seis
DIREÇÃO
anos ela usa o mototáxi, o
qual considera uma alterna-
tiva mais rápida e econômi-
ca para chegar ao trabalho.
A passagem de R$3 cobrada
pelos mototaxistas é mais ba-
rata do que a tarifa do ônibus.
Para andar nas motos, Cris-
tianne comprou o próprio
capacete. “Acho pouco higiê-
nico usar o mesmo capacete
que os outros passageiros’’,
ressalta. Apesar do medo de
dirigir, a comerciante afirma
que a liberdade, a velocidade,
o vento no rosto, e o frio da
barriga são atrativos extras
na corrida de mototáxi.
Mototaxistas
3.079 municípios oferecem serviços de mototáxi
Cerca de 5 mil mototaxistas atuam em Belém, a capital com
mais profissionais na área
Cerca de 4 mil profissionais atuam no DF e 2 mil são
sindicalizados
VOU DE MOTOTÁXI
Hermano Araújo
CAMPUS8 Brasília, 26 de novembro a 2 de dezembro de 2013
D
izer que a internet e
as demais novas tec-
nologias influencia-
ram intensamente o modo
de as pessoas interagirem já
se tornou redundância. Con-
tudo, quando essa relação
é feita a partir da geração
Y – jovens nascidos entre
1980 e 1995 –, tal análise nos
permite enxergar efeitos
mais interessantes. Exemplo
disso é a febre de aplicativos
de geolocalização que surge
para ressignificar o antiqua-
do termo “paquera’’. Tinder,
Grindr, Bang with Friends e
Hot or Not são apenas algu-
mas das várias plataformas
que contribuem para mu-
dar o modo como os jovens
têm se relacionado.
Segundo a psicóloga Na-
thália Leão, especialista em
adolescência e juventude, os
novos softwares, que cho-
cam alguns usuários mais ve-
lhos devido à “banalização’’
dos relacionamentos huma-
nos, devem ser compreen-
didos de forma natural e in-
trínseca às gerações recentes.
“Quando falamos de geração
Y, temos como epicentro
motivacional a tecnologia. É
um grupo que, sem exceção, é
pautado por um novo ritmo
de mundo. Com isso, tudo re-
ferente a essas pessoas ganha
um ar diferenciado, e com os
relacionamentos não seria
diferente. É um movimento
natural da geração’’, explica.
Para a especialista, aplica-
tivos como o Bang with Frien-
ds refletem a necessidade de
um novo modelo de busca
romântica e sexual. “Do mes-
mo jeito que um indivíduo
de 50 anos se escandaliza ao
escutar sobre um programa
ELA SÓ PENSA EM BEIJARPAQUERA
que permite encontros ca-
suais, um adolescente de 18
acharia incoerente dar vol-
tas na praça observando os
‘brotos’ no coreto. Cada gera-
ção tem um perfil e cria me-
canismos favoráveis a ele’’,
complementa Nathália.
Dados divulgados por
Justin Matten, cofundador
do Tinder, revelam que o apli-
cativo cresce mais de 140%
ao mês no Brasil, devendo
Gabriel Lopes
ultrapassar a marca de 1 mi-
lhão de usuários muito em
breve. Ao redor do mundo,
a ideia já alavancou mais
de 75 milhões de encon-
tros e até mesmo algumas
dezenas de casamentos.
Usuária do Tinder, a estu-
dante Gabriele Dias, 20 anos,
acha a proposta divertida.
“Muitas vezes passo horas
passeando pelos perfis das
pessoas, me distraindo e co-
nhecendo coisas novas. Com-
bina com a nossa geração, é
bem despretensioso’’, conta a
jovem. Porém, Gabriele é ob-
jetiva ao falar sobre seus reais
motivos para ter uma conta
na rede. “Eu quero beijar na
boca, todo mundo quer. Cla-
ro, é possível fazer amizades,
descobrir pessoas com gostos
semelhantes. Mas todo mun-
do ali quer encontrar alguém
interessante’’, opina.
O social media Guto Dias
explica que o sucesso dos pro-
gramas ocorre da compilação
dos verdadeiros instintos hu-
manos. “Quando conhecemos
alguém, a primeira coisa à
qual nos atentamos é a apa-
rência. Se existe compatibi-
lidade, avançamos na intera-
ção. A partir daí, buscamos
interesses compatíveis e, à
medida que as coisas desen-
volvem, percebemos o objeti-
vo de cada um. É assim numa
festa, é assim nos aplicativos’’,
compara. Como em outras re-
des sociais, Guto defende que
tais aplicativos não criam um
novo modelo de vida, apenas
expandem o presencial para
o digital. “O que temos nos ta-
blets e smartphones é apenas
um braço do que já acontece
na vida real. Esses softwares
trazem mudanças, mas todas
oriundas de nós mesmos. Não
é a rede que pauta as pessoas,
são estas quem criam e trans-
formam a rede’’, pondera.
Exemplo disso é o Grindr,
que surgiu da dificuldade em
ampliar redes de relaciona-
mentos homossexuais. Apli-
cativo pioneiro na ideia de
geolocalização, o programa
trouxe alternativa de intera-
ção para o meio gay e impac-
tou fortemente o segmento.
“Podemos dividir o meio gay
como ‘Era pré-Grindr’ e ‘Era
pós-Grindr’’’, brinca Maria-
na Borges, especialista em
marketing digital. “A gente
leva o assunto de forma des-
contraída, mas o fato é que
essas tecnologias são mais
sérias do que a gente ima-
gina’’, pontua. “Aplicativos
como o Grindr deram a mui-
tos homossexuais a opor-
tunidade de serem mais li-
vres e se relacionarem mais.
Longe de mim dizer que sem
isso todos estariam sozi-
nhos numa bolha, mas é algo
que facilitou os processos
de interação.’’
Com opinião semelhan-
te à de Marina, Pedro Lima,
20 anos, afirma que os apli-
cativos de geolocalização
quebraram barreiras entre
os gays. “Percebo que, an-
tes dessas tecnologias, fazer
novos contatos no meio era
mais complicado. Se você
quisesse conhecer alguém
era preciso ir a lugares de-
finidamente homossexu-
ais. Com os aplicativos, essa
obrigatoriedade deixou de
existir’’, explica Pedro.
Multiconectado, ansioso,
dono de linguagem própria,
desapegado. Assim é rotu-
lado o jovem de hoje e, con-
sequentemente, seu modo
de se relacionar. E para
quem acha tudo isso mui-
to revolucionário, o psicó-
logo Cláudio Luiz alerta:
vem mais por aí. “Cada
geração tem sua demanda e
um modo diferente de supri-
la. A geração Y já tem dado
suas respostas e, muito em
breve, a próxima geração
também começará a fazer
barulho’’, ressalta.
Com filtros como localização, idade e sexo, a ferramenta Tinder mostra pessoas com perfis compatíveis que estão próximas aos usuários
Nova geração desenvolve hábitos inovadores na busca por parceiros e revoluciona o modo de se relacionar
Nívea Ribeiro
Dicas da especialista Mariana BorgesEvite enviar fotos muito íntimas. "Nunca sabemos de fato quem é a pessoa do outro lado, uma brincadeira pode virar algo traumático no futuro."
Ao se encontrar com desconhecidos, procure saber se possuem amigos em comum. Caso não tenha referências do outro usuário, escolha um local de encontro público.
Seja cauteloso ao fornecer dados como telefone, endereço e local de trabalho.