Cântico negro, José Régio, poesia
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Transcript of Cântico negro, José Régio, poesia
Cântico Negro
Poemas de Deus e
do Diabo, José
Régio
Conto Contigo 7, p. 207
Cântico Negro - José Régio O https://www.youtube.com/watch?feature=p
layer_detailpage&v=8Lu4C9q5J-0
William Turner. Snow Storm: Hannibal and His Army
Crossing the Alps. 1812. Oil on canvas. Tate Gallery,
London, UK.
Cântico negro, José Régio
O "Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces.Estendendo-me os braços, e segurosDe que seria bom que eu os ouvisseQuando me dizem: "vem por aqui!"Eu olho-os com olhos lassos,(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)E cruzo os braços,E nunca vou por ali...
O A minha glória é esta:Criar desumanidade!Não acompanhar ninguém.— Que eu vivo com o mesmo sem-vontadeCom que rasguei o ventre à minha MãeNão, não vou por aí! Só vou por ondeMe levam meus próprios passos...
O Se ao que busco saber nenhum de vós respondePor que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,Redemoinhar aos ventos,Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,A ir por aí...
O
Se vim ao mundo, foiSó para desflorar florestas virgens,E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!O mais que faço não vale nada.
O Como, pois, sereis vósQue me dareis impulsos, ferramentas e coragemPara eu derrubar os meus obstáculos? ...Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós.E vós amais o que é fácil!Eu amo o Longe e a Miragem,Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
O Ide! Tendes estradas,Tendes jardins, tendes canteiros,Tendes pátria, tendes tetos,E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...Eu tenho a minha Loucura !Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
O Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém!Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;Mas eu, que nunca principio nem acabo,Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
O Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,Ninguém me peça definições!Ninguém me diga: "vem por aqui"!A minha vida é um vendaval que se soltou,É uma onda que se alevantou,É um átomo a mais que se animou...Não sei por onde vou,Não sei para onde vou- Sei que não vou por aí!
Leitura do poema
O 1.1. O poema é iniciado com um
convite feito por alguém
indeterminado, que o sujeito poético
não identifica, “Vem por aqui” – dizem-
me alguns com olhos doces”.
O 1.2. O sujeito poético não aceita o
convite, “Eu olho-os com olhos lassos,
“/”E cruzo os braços,/ E nunca vou por
ali…”
Leitura do poema
O 1.3. Versos que ao longo do poema
comprovam a reação inicial do sujeito
poético.
O “Não acompanhar ninguém”;
O “Não, não vou por aí! Só vou por onde/
Me levam meus próprios passos…”;
O “Sei que não vou por aí!”
2. A atitude do sujeito poético opõe-se à dos que lhe dirigiram o convite inicial
O 2.1. Atitude do sujeito poético em relação à
vida
O “ironias”, “cansaços”, “cruzo os braços”,
“nunca vou por ali”, “Criar
desumanidade”, “Não acompanhar
ninguém”, “Me levam meus próprios
passos”, “busco saber”, “Prefiro
escorregar nos becos lamacentos,
/Redemoinhar aos ventos, /Como farrapos,
arrastar os pés sangrentos, /A ir por aí…”,
“Deus e o Diabo é que me guiam”, “nunca
principio nem acabo”, “Não sei por onde
vou”, “- Sei que não vou por aí!”
2. Oposição sujeito poético “outros”
O 2.1. Atitude dos “outros”
O “Vem por aqui”, “olhos doces”,
“Estendendo - …os braços”, “seguros/
De que seria bom que (…) os ouvisse”,
“nenhum de vós responde”, “repetis:
‘vem por aqui?’”, “amais o que é
fácil!”, “tendes estradas, jardins,
canteiros, pátrias, tetos, regras,
tratados, filósofos, sábios”.
Caracterização do sujeito poético quanto aos
valores que defende:
O 2.2. O sujeito poético caracteriza-se
por não aceitar as regras impostas,
pela sua individualidade e
singularidade, pela constante busca e
renovação, age de acordo com os seus
instintos, mesmo correndo riscos, tem
uma atitude crítica e desafiadora face
aos outros (sociedade).
“A minha vida é um vendaval que se soltou./ É uma ondaque se alevantou. /É um átomo a mais que se animou…”
O 3.2. O recurso expressivo é a metáfora,
utilizada para estabelecer uma
aproximação entre o modo como o
sujeito poético quer viver a sua vida,
sem se submeter à vontade de outras
pessoas, e a elementos da natureza
difíceis de controlar.
Repetições nas estrofes sete e nove
O 4. A repetição das expressões
“Tendes” e “ninguém” destaca a
oposição entre o sujeito poético e os
outros.
O 4.1. O recurso expressivo é a anáfora.O “…Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,Tendes pátria, tendes tetos,E tendes regras, …”
O “ … ninguém me dê piedosas intenções,Ninguém me peça definições!Ninguém me diga:…”
O 5. O sujeito poético quer ser ele
próprio a escolher o seu caminho,
rejeitando com rebeldia as regras
definidas pela sociedade. O “eu”
individual sobrepõe-se de tal forma à
lei coletiva que o sujeito poético pode
apenas ter uma certeza, a de não ir por
onde o “eu” coletivo vai. Assim, o título
Cântico Negro traduz o distanciamento
do sujeito poético relativamente às
normas por que a sociedade se rege.
Gramática – recursos expressivos
O “Só para desflorestar florestas virgens,”
O ALITERAÇÃO
O “Ninguém me peça definições!/ Ninguém me diga:”
O ANÁFORA
O “Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,”
O COMPARAÇÃO
O “Amo os abismos, as torrentes, os desertos...”
O ENUMERAÇÃO