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CAO – Crim Boletim Criminal Comentado n° 96 6/2020 Procurador-Geral de Justiça Mário Luiz Sarrubbo Secretário Especial de Políticas Criminais Arthur Pinto Lemos Junior Assessores Fernanda Narezi Pimentel Rosa Ricardo José Gasques de Almeida Silvares Rogério Sanches Cunha Valéria Scarance Paulo José de Palma (descentralizado) Artigo 28 e Conflito de Atribuições Marcelo Sorrentino Neira Fernando Célio Brito Nogueira Analista Jurídica Ana Karenina Saura Rodrigues

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CAO – Crim

Boletim Criminal Comentado n° 96

6/2020

(semana nº 2)

Procurador-Geral de Justiça

Mário Luiz Sarrubbo

Secretário Especial de Políticas Criminais

Arthur Pinto Lemos Junior

Assessores

Fernanda Narezi Pimentel Rosa

Ricardo José Gasques de Almeida Silvares

Rogério Sanches Cunha

Valéria Scarance

Paulo José de Palma (descentralizado)

Artigo 28 e Conflito de Atribuições

Marcelo Sorrentino Neira

Fernando Célio Brito Nogueira

Analista Jurídica

Ana Karenina Saura Rodrigues

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SUMÁRIO

SUMÁRIO......................................................................................................................................2

AVISO - Projeto de Lei 3185/2020 Câmara dos Deputados: Homicídio

Racista...................................................................................................................................................3

ESTUDOS DO CAOCRIM.................................................................................................................6

1 -Tema: ENUNCIADO 74 CAO-CRIM “É cabível o acordo de não persecução penal nos crimes

culposos com resultado violento, pois, nesses delitos, a violência não está na conduta, mas no

resultado não querido ou não aceito pelo agente, incumbindo ao órgão de execução analisar as

particularidades do caso concreto”......................................................................................................6

STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM...................................8

DIREITO PROCESSUAL PENAL:........................................................................................................8

1-Tema: Conflito de atribuição entre MPF e MPE deve ser resolvido pelo

CNMP....................................................................................................................................................8

2- Tema: Para Quinta Turma do STJ, exigência de representação para ação por estelionato não afeta

processos em curso.............................................................................................................................10

DIREITO PENAL:...........................................................................................................................13

1 - Tema: Quinta Turma do STJ aplica tese do STF sobre interrupção da prescrição por acórdão que

confirma sentença condenatória........................................................................................................13

MP/SP: decisões do setor art. 28 do CPP......................................................................................16

1- Tema: Recusa de formulação de acordo de não persecução penal. Homicídio culposo. Circunstâncias do caso concreto não recomendam a proposta. Manutenção da recusa pelo PGJ....16

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AVISO

Projeto de Lei 3185/2020 Câmara dos Deputados: Homicídio Racista.

O Ministério Público de São Paulo, por meio de seu Centro de Apoio Operacional Criminal –

CAOCRIM, redigiu minuta de Projeto de Lei visando alterar o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de

dezembro de 1940 - Código Penal, e a Lei 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes

Hediondos), para tipificar o crime de homicídio qualificado em razão de discriminação ou

preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional ou orientação sexual. A proposta foi

recebida pelo Deputado Federal Carlos Sampaio, e já apresentado à mesa diretora da Câmara dos

Deputados. Abaixo o texto e sua justificativa, na íntegra:

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º. Esta Lei altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, e a

Lei 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos), para tipificar o crime de homicídio

qualificado em razão de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência

nacional ou orientação sexual e acrescentá-lo ao rol dos crimes hediondos.

Art. 2º. O art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, passa a

vigorar com a seguinte redação:

“Art. 121. ........................................................................................

.........................................................................................................

§ 2º. ...............................................................................................

........................................................................................................

IX – em razão de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional ou

orientação sexual.

Art. 3º. O art. 1º da Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar com a seguinte alteração:

“Art. 1º ...................................................................................................

I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que

cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, incisos I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII e

IX);

Art. 4º. Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação

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JUSTIFICATIVA:

A República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como um dos

fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88). Constitui objetivo fundamental da

República Federativa do Brasil, dentre outros, promover o bem de todos, sem preconceitos de

origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV, CF/88). A

República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais, dentre outros, pelos

princípios da prevalência dos direitos humanos e do repúdio ao racismo (art. 4º, II e VIII, CF/88).

A Carta das Nações Unidas, que se baseia em princípios de dignidade e igualdade inerentes a todos

os seres humanos, foi ratificada pelo Brasil, comprometendo-se a tomar medidas separadas e

conjuntas, em cooperação com a Organização, para a consecução de um dos propósitos das Nações

Unidas, que é promover e encorajar o respeito universal e a observância dos direitos humanos e

das liberdades fundamentais para todos, sem discriminação de raça, sexo, idioma ou religião.

Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito a igual proteção contra qualquer

discriminação e contra qualquer incitamento à discriminação.

A Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de

20 de dezembro de 1963 (Resolução 1.904 (XVIII) da Assembleia Geral) afirma solenemente a

necessidade de eliminar rapidamente a discriminação racial no mundo, em todas as suas formas e

manifestações, e de assegurar a compreensão e o respeito à dignidade da pessoa humana.

A discriminação entre as pessoas por motivo de raça, cor ou origem étnica é um obstáculo às

relações amistosas e pacíficas entre as nações e é capaz de perturbar a paz e a segurança entre os

povos e a harmonia de pessoas vivendo lado a lado, até dentro de um mesmo Estado.

A existência de barreiras raciais repugna os ideais de qualquer sociedade humana.

Diante desse quadro, com o fim de obedecer e concretizar os fundamentos, objetivos e os

princípios estabelecidos na Constituição Federal, nos documentos internacionais de direitos

humanos, em especial na Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de

Discriminação Racial, sugere-se a inclusão no art. 121 do Código Penal (homicídio) uma nova

qualificadora (inc. IX), aplicada quando o crime é cometido em razão de discriminação ou

preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional ou orientação sexual, merecendo, a

exemplo das outras formas qualificadas do crime, dos consectários da Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes

Hediondos).

Com relação à orientação sexual, merece ser lembrado que, nos autos de Ação Direta de

Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) n. 26, de relatoria do Ministro Celso de Mello, o Supremo

Tribunal Federal decidiu, por maioria de votos, que as chamadas condutas de homofobia ou

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transfobia são consideradas como crimes de racismo, ao menos até que o Poder Legislativo emita

normativa específica sobre o tema, ainda inexistente.

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ESTUDOS DO CAOCRIM

1 -Tema: ENUNCIADO 74 CAO-CRIM “É cabível o acordo de não persecução penal nos crimes

culposos com resultado violento, pois, nesses delitos, a violência não está na conduta, mas no

resultado não querido ou não aceito pelo agente, incumbindo ao órgão de execução analisar as

particularidades do caso concreto”.

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS:

Compreende-se o acordo de não persecução penal (ANPP) como sendo o ajuste obrigacional

celebrado entre o órgão de acusação e o investigado (assistido por advogado), devidamente

homologado pelo juiz, no qual o indigitado assume sua responsabilidade, aceitando cumprir, desde

logo, condições menos severas do que a sanção penal aplicável ao fato a ele imputado.

É evidente que os instrumentos negociais, há tempos presentes no processo cível, cumprem

expectativas dos indivíduos e agentes políticos-econômicos, porque abreviam o tempo para a

solução do conflito, e atendem um prático cálculo de utilidade social. O consenso entre as partes se

estabelece em um ambiente de coparticipação racional, mediante vantagens recíprocas que

concorrem para uma aceitabilidade no cumprimento da medida mais efetiva, sentimento que eleva

o senso de autorresponsabilidade e comprometimento com o acordo, atributos que reforçam a

confiança no seu cumprimento integral.

O processo penal carecia de um instrumento como o ANPP. Inegavelmente, o acordo de não

persecução penal trará economia de tempo e recursos para que o sistema de justiça criminal

exerça, com a atenção devida, uma tutela penal mais efetiva nos crimes que merecem esse

tratamento.

São pressupostos do acordo de não persecução penal, dentre outros, infração penal cuja pena

mínima seja inferior a 4 (quatro) anos, cometida sem violência ou grave ameaça à pessoa. A

violência inibidora do ajuste é aquela presente na conduta, e não no resultado. Logo, homicídio

culposo, por exemplo, em tese, admite o ANPP.

Nestes termos, o Enunciado nº 23, da PGJ/CAOCrim, no sentido de que:

“É cabível acordo de não persecução penal em infrações cometidas com violência contra a coisa,

devendo-se interpretar a restrição do caput do art. 28-A do CPP como relativa a infrações penais

praticadas com grave ameaça ou violência contra a pessoa (‘lex minus dixit quan voluit’).”

Como reforço, temos o Enunciado 24 do GNCCRIM (Grupo Nacional de Coordenadores de Centro

de Apoio Criminal):

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“É cabível o acordo de não persecução penal nos crimes culposos com resultado violento, uma vez

que nos delitos desta natureza a conduta consiste na violação de um dever de cuidado objetivo por

negligência, imperícia ou imprudência, cujo resultado é involuntário, não desejado e nem aceito

pela agente, apesar de previsível”.

A avaliação da pertinência e o cabimento do acordo devem aquilatar o caso concreto, não havendo

motivo razoável, nesse tipo de delito, para negar a medida despenalizadora com fundamento na

gravidade em abstrato, como acontece com o crime de racismo, por exemplo.

Como forma de balizar essa análise casuística, imaginemos motorista que se envolve em acidente,

ceifando culposamente a vida do passageiro. Apurando-se que dirigia sob influência de álcool ou

em altíssima velocidade ou que percebeu o risco, mas acreditava levianamente poder evitar ou, por

fim, evadiu-se do local sem socorrer a vítima etc, são particularidades que podem ser usadas pelo

órgão de execução para, legitimamente, negar ofertar o acordo.

Nesse sentido, em vários casos remetidos à Procuradoria-Geral de Justiça nos termos do art. 28-A,

§14 do CPP, as decisões acerca do cabimento ou não do acordo de não persecução penal em crimes

de homicídio culposo de trânsito (art. 302, CTB) têm se pautado pela análise dos elementos de

prova do fato delituoso e demais circunstâncias reputadas relevantes de cada caso concreto, não

sendo suficiente unicamente considerações sobre a eventual gravidade abstrata do delito ou ainda

a utilização de ementares do tipo penal para a recusa do acordo.

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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM

DIREITO PROCESSUAL PENAL:

1-Tema: Conflito de atribuição entre MPF e MPE deve ser resolvido pelo CNMP

STF ACO 843- Decisão: O Tribunal, por maioria, entendeu não ser da sua competência a resolução

do conflito, vencidos os Ministros Marco Aurélio (Relator) e Celso de Mello, que entendiam pela

competência do STF. Dentre os Ministros que entendiam ser o STF incompetente, foi assentado,

por maioria, que a competência para dirimir o conflito é do Conselho Nacional do Ministério

Público – CNMP. Nesse sentido, votaram os Ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Gilmar

Mendes, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. Ficaram vencidos os Ministros Roberto Barroso,

Edson Fachin e Rosa Weber, que entendiam pela competência do Procurador-Geral da República.

Redigirá o acórdão o Ministro Alexandre de Moraes. Não participou deste julgamento, por motivo

de licença médica, o Ministro Dias Toffoli (Presidente). Plenário, Sessão Virtual de 29.5.2020 a

5.6.2020.

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

O Supremo Tribunal Federal, nas Ações Cíveis Originárias (ACO) 924 e 1394, mudou seu

posicionamento e decidiu que, no conflito de atribuições entre Ministérios Públicos de Estados

diversos, ou entre o Ministério Público estadual e Ministério Público da União, é o Procurador Geral

da República quem deve solucionar a controvérsia. Com o merecido respeito, esse entendimento

da Corte Maior deve ser revisto, pois afronta a Constituição Federal e a legislação

infraconstitucional. Não sem razão rendeu MOÇÃO DE DESCONTENTAMENTO aprovada no

Conselho Nacional de Corregedores Gerais dos Estados e da União, em agosto de 2016. Esse

descontentamento é geral (ao menos, nos MPs dos Estados). Vejamos.

Nos termos do art. 128 da CF/88, o Ministério Público abrange: o Ministério Público Federal, o

Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar, o Ministério Público do Distrito Federal

e Territórios e os Ministérios Públicos dos Estados. O §1o. do mesmo artigo anuncia que o

Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República (...).

Percebe-se, com certa facilidade, autonomia entre o MPU os MPEs, os últimos não sendo

subordinados funcional, financeira e/ou administrativamente ao primeiro. Essa arquitetura

montada pelo Constituinte fica confirmada pelos §§ 1o. ao 3o. do art. 127 da Carta Maior, ao dispor

que são princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a

independência funcional (§1o.), sendo que cada MP elaborará sua proposta orçamentária dentro

dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias (§3o.).

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Informada pela estrutura anunciada na Constituição, a Lei Complementar 75/93 (Lei Orgânica do

MPU), nos seus artigos 26, inciso VII, e 49, inciso VIII, estabelece ser atribuição do PGR, como chefe

do MPU, dirimir conflitos de atribuição entre integrantes de ramos diferentes do MPU e os conflitos

de atribuições entre órgãos do MPF. Já a Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional dos MPs estaduais),

no seu artigo 10, inciso X, prevê competir ao PGJ, como chefe da instituição, dirimir conflitos de

atribuições entre seus membros.

A LOMPU, portanto, seguindo fielmente a Carta Maior, consideradas as atribuições legais do PGR,

estabeleceu a ele competir, como chefe do MPU, apenas e tão somente solucionar os conflitos

entre integrantes de ramos diferentes do MPU e entre órgãos do MPF. E não poderia ser diferente.

MP da União e MP dos Estados têm estruturas funcionalmente autônomas. Por isso, alerta Emerson

Garcia:

“Tratando-se de estruturas funcionalmente autônomas, é juridicamente insustentável a tese de

que o conflito deveria ser solucionado por integrante de uma delas, o que terminaria por dar azo a

uma espécie de subordinação institucional. Nessa perspectiva, sendo a federação a forma de

Estado adotada no Brasil, não é admissível, com parece a alguns, que um órgão que atue no âmbito

federal, como é o PGR, possa impor suas deliberações aos MPs dos Estados. A resolução dos

conflitos de atribuições, em sede administrativa, pressupõe a existência de um escalonamento

hierárquico entre a autoridade que irá solucioná-lo e aqueles que deverão acatar sua decisão,

pressupondo que permitirá a eventual punição do recalcitrante e que se encontra ausente na

hipótese” (Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico, 5a.ed, SP, Saraiva, 2015,

p. 315).

Ora, não sendo possível, lógica, política e juridicamente, a tese de o PGR dirimir conflitos

envolvendo órgãos do MPU e MP dos Estados ou entre MPs de Estados diferentes, pergunta-se:

qual (a instituição) o órgão que deve assumir essa tarefa? A lacuna existe e o uso da analogia é

inevitável. Na tarefa de suprimi-la, no entanto, o intérprete deve ater-se aos seguintes

pressupostos, a saber: a existência de um conflito federativo, cuja apreciação só pode passar por

órgão institucionalmente equidistante daqueles envolvidos e, ao mesmo tempo, colegiado.

Dentro desse espírito democrático, no plano constitucional chama a atenção um dispositivo: o

artigo 102, inciso I, “f”, que afirma ser de competência do STF processar e julgar, originariamente,

as causas e conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros,

inclusive as respectivas entidades da administração indireta.

Quando dois MPs de Estados diferentes (ou MP estadual e MPF) colidem nas suas teses, instaurado

está um conflito federativo. Por esta razão, nos parece que o STF é o órgão competente para dirimir

a controvérsia, na esteira do já mencionado artigo 102, I, “f”, da nossa Bíblia Política”. E não seria a

primeira vez que se recorreria à Corte Maior na salvaguarda da federação. Sabemos que a ação

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popular deve ser proposta, originariamente, no primeiro grau da Justiça comum, não existindo

competência originária dos Tribunais para julgar ações dessa natureza, ainda que movida contra

alguma autoridade detentora de foro por prerrogativa de função. Contudo, como bem lembram

Juliano Taveira Bernardes e Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira, o STF, na ACO 622/RJ e Rcl

2.833/RR, já decidiu a ele competir julgar originariamente ação popular quando envolver conflito

federativo estabelecido entre a União e Estado-membro ou Distrito Federal, aplicando o art. 102, I,

“f”, da CF (Direito Constitucional Positivo, T II, 2017, Salvador: Juspodivm, versão digital).

E, de fato, não existe no nosso arcabouço legislativo, constitucional ou infraconstitucional, solução

melhor. De lege lata, não cabe ao STJ, pois encarregado apenas de resolver conflitos de jurisdição

(art. 105, I, “d”, CF). Ao PGR muito menos, pois lhe falta os pressupostos acima mencionados,

destacando-se: órgão institucionalmente equidistante dos interessados e colegiado. Aliás, suas

decisões em futuros conflitos não vinculam o Judiciário, bem como os MPs sobre os quais não

exerce tem função de chefia.

Nem se argumente que o “pano de fundo” que inspirou essa mudança na orientação da mais alta

Corte do país estaria relacionado ao excesso de trabalho e aos inúmeros pedidos de solução dos

conflitos pendentes de apreciação. Tratam-se, com efeito, de questões que, embora relevantes,

não podem culminar com a adoção de teses que violem a CF e leis dela decorrente, periclitando o

pacto federativo.

Na ACO em análise, o STF voltou a negar sua competência e entendeu que a solução do conflito

cabe ao CNMP.

O promotor de Justiça, ao se deparar com conflito de atribuição externo, não deve encaminhar ao

CNMP, mas submeter a questão ao PGJ para análise. O Aviso Conjunto 150/17 PGJ/CGMP é

exatamente nesse sentido, e será atualizado de acordo com a recente decisão da Corte Maior.

2- Tema: Para Quinta Turma, exigência de representação para ação por estelionato não afeta

processos em curso

DECISÃO DO STJ- Publicado em notícias do STJ

Ao interpretar uma mudança introduzida pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019), a Quinta Turma

do Superior Tribunal de Justiça (STJ) não conheceu de habeas corpus que buscava a aplicação

retroativa da regra do parágrafo 5º do artigo 171 do Código Penal para anular o processo que

resultou na condenação de um vendedor pelo crime de estelionato.

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Para o colegiado, a regra – que exige a representação da vítima como pré-requisito para a ação

penal por estelionato – não pode ser aplicada retroativamente para beneficiar o réu nos processos

em curso, pois isso não foi previsto pelo legislador ao alterar a redação do artigo 171 no Pacote

Anticrime.

Segundo o ministro Reynaldo Soares da Fonseca, relator, a Lei 13.964/2019 transformou a natureza

da ação penal no crime de estelionato, de pública incondicionada para pública condicionada à

representação do ofendido (salvo algumas exceções) – mudança que só pode afetar os processos

ainda na fase policial.

De outro modo – ressaltou o relator –, a representação passaria de condição de procedibilidade da

ação penal (condição necessária ao início do processo) para condição de prosseguibilidade

(condição que deve ser implementada para o processo já em andamento poder seguir seu curso).

Para o ministro, o entendimento mais acertado é o de que a representação da vítima possa ser

exigida retroativamente nos casos que estão em fase de inquérito policial, mas não na hipótese de

processo penal já instaurado.

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

No caso analisado pelo colegiado, o réu foi condenado em 2018 por estelionato – condenação

mantida pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina no início deste ano, já sob a vigência do Pacote

Anticrime.

No habeas corpus, a Defensoria Pública reiterou o pedido de aplicação do parágrafo 5º do artigo

171 para anular o processo, uma vez que seria necessária a representação do ofendido para só

então se proceder à ação penal.

Reynaldo Soares da Fonseca afirmou que os tribunais superiores ainda não se manifestaram de

forma definitiva sobre o assunto, em razão do pouco tempo de vigência da nova lei.

Ele destacou que, em tese, pelo fato de o instituto da representação criminal ser norma processual

mista ou híbrida, a aplicação retroativa seria possível para beneficiar o réu, mas o Pacote Anticrime

não trouxe nenhuma disposição expressa sobre essa possibilidade na fase do processo, devendo se

limitar à fase do inquérito.

O MPSP, logo que publicada a Lei 13.964/19, firmou, de forma pioneira e antes de todos, tese nesse

mesmo sentido:

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ENUNCIADOS PGJ-CGMP – LEI 13.964/19: A Procuradoria-Geral de Justiça e a Corregedoria-Geral

do Ministério Público de São Paulo apresentam enunciados de entendimento sobre a aplicação das

alterações introduzidas pela Lei n. 13.964/19 (Lei Anticrime), direcionados à interpretação das que

tenham relevante interesse geral e institucional, à exceção das disposições que constituem objeto

de ações diretas de inconstitucionalidade em trâmite no Supremo Tribunal Federal. Neste

momento, os enunciados se concentram nas mudanças ocorridas nos Códigos Penal, de Processo

Penal e de Processo Penal Militar, na Lei de Execuções Penais, e nas Leis ns 8.072/90, 9.296/96,

10.826/03, e 12.850/13.

3. É dispensável a representação do ofendido no crime de estelionato se oferecida a denúncia antes

da eficácia da Lei nº 13.964/19, em respeito ao ato jurídico perfeito.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):HC 573093

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DIREITO PENAL:

1 - Tema: Quinta Turma do STJ aplica tese do STF sobre interrupção da prescrição por acórdão

que confirma sentença condenatória

DECISÃO DO STJ- Publicado em notícias do STJ

Ao analisar o caso de uma pessoa condenada por envolvimento em grupo criminoso que negociava

máquinas caça-níqueis, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou o recente

entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do HC 176.473, no sentido de que

o acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, inclusive quando confirma a sentença de

primeiro grau – seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena.

O STF adotou o novo entendimento em abril, ao interpretar o artigo 117, inciso IV, do Código Penal.

Anteriormente, as turmas de direito penal do STJ consideravam que o acórdão que apenas

confirma a sentença de primeiro grau, sem decretar nova condenação por crime diverso, não

constituiria marco interruptivo da prescrição, mesmo na hipótese em que houvesse reforma

considerável no tamanho da pena.

Caça-níqueis

No caso julgado pela Quinta Turma, o réu foi condenado a menos de dois anos de reclusão, motivo

pelo qual a prescrição da pretensão punitiva se daria em quatro anos, conforme previsto no artigo

109, inciso V, do Código Penal.

Levando em conta que a sentença foi publicada em 2013 e considerando que não houve marco

interruptivo da prescrição, pois o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) apenas confirmou a

condenação, a turma julgou extinta a punibilidade, estendendo os efeitos da decisão aos corréus.

Por meio de embargos de declaração, o Ministério Público Federal alegou que o acórdão proferido

pelo TJRJ, publicado em 2017, deveria ser considerado marco interruptivo da prescrição,

mantendo-se a possibilidade de executar a pena imposta ao réu.

Com a adequação da jurisprudência ao entendimento do STF, a Quinta Turma acolheu os embargos

de declaração com efeitos infringentes e afastou a ocorrência da prescrição punitiva.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):RHC 109530

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

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O tema ora comentado foi objeto de estudo do CAOCRIM no Boletim da primeira semana de

fevereiro de 2020. Somos obrigados revisitar o assunto para atualizar o conteúdo antes

repassado.

O inciso IV do art. 117 do Código Penal foi modificado pela Lei nº 11.596/07 para anunciar que,

além da sentença condenatória, também o acórdão condenatório interrompe o curso da

prescrição. Antes, tão somente a sentença condenatória recorrível era causa de interrupção.

Com a edição da lei, duas orientações passaram a debater qual espécie de acórdão

condenatório recorrível tem efeito interruptivo.

Há quem sustente que a alteração contempla somente os acórdãos condenatórios em ações

penais originárias e os reformatórios da absolvição em primeira instância. Por isso, tendo

havido condenação em primeira instância, o acórdão que simplesmente a confirma, negando

provimento ao recurso da defesa, ou que somente majora a pena, não interrompe o prazo

prescricional. Aqueles adeptos desta orientação se alicerçam no fato de que a lei lança mão da

partícula “ou” entre as expressões “publicação de sentença” e “acórdão condenatório”; logo,

exclui-se a possibilidade de que ambos irradiem efeitos interruptivos do prazo fatal.

Outra orientação defende que a interrupção do prazo prescricional se dá inclusive pelo acórdão

que se limita a confirmar a condenação de primeira instância ou a aumentar a pena, segundo,

aliás, deixou claro o relatório do projeto da lei que viria a alterar o Código Penal:

“O texto atual do Código Penal se refere à sentença condenatória recorrível. O Projeto passa a

fixar a data da publicação, não deixando margem a dúvidas quanto ao momento da sentença,

que será o da publicação, e não o de sua prolação. Também o Projeto inclui, nesse inciso, a

publicação do acórdão condenatório recorrível, contemplando a hipótese de confirmação de

condenação de primeira instância em grau recursal”.

Esta orientação é adotada há algum tempo pela 1ª Turma do STF:

“1. A prescrição é, como se sabe, o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão

executória pela inércia do próprio Estado. No art. 117 do Código Penal, que deve ser

interpretado de forma sistemática, todas as causas interruptivas da prescrição demonstram,

em cada inciso, que o Estado não está inerte. 2. Não obstante a posição de parte da doutrina, o

Código Penal não faz distinção entre acórdão condenatório inicial e acórdão condenatório

confirmatório da decisão. Não há, sistematicamente, justificativa para tratamentos díspares. 3.

A ideia de prescrição está vinculada à inércia estatal e o que existe na confirmação da

condenação é a atuação do Tribunal. Consequentemente, se o Estado não está inerte, há

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necessidade de se interromper a prescrição para o cumprimento do devido processo legal” (RE

1.182.718 AgR/RS, j. 15/03/2019).

A 2ª Turma, por sua vez, vinha se orientando em sentido diverso:

“Jurisprudência desta Suprema Corte, cujas decisões corretamente distinguem, para efeito de

interrupção da prescrição penal (CP, art. 117, IV), entre acórdão condenatório

e acórdão meramente confirmatório de anterior condenação penal, em ordem a não atribuir

eficácia interruptiva do lapso prescricional à decisão do Tribunal que simplesmente nega

provimento ao recurso interposto pelo réu contra anterior sentença condenatória.

Precedentes. Doutrina” (RE 1.227.490 AgR/RS, j. 29/11/2019).

Em sessão plenária realizada ontem (05/02/2020), a maioria dos ministros adotou a orientação

da 1ª Turma. Interrompido por pedido de vista do ministro Dias Toffoli, o julgamento do HC

176.473 teve sete votos favoráveis e dois votos contrários à interrupção do prazo prescricional

pelo acordão confirmatório da condenação.

Em resumo, para os ministros contrários à interrupção o acórdão que simplesmente confirma a

condenação ou altera a pena não tem natureza substitutiva, mas meramente declaratória da

situação jurídica que se firmou na sentença de primeiro grau. Por isso, o acórdão de que trata o

art. 117 do CP é apenas o condenatório. Interpretação diversa contraria a natureza do instituto

da prescrição e viola o direito fundamental ao julgamento em prazo razoável.

Já os ministros que votaram pela tese da interrupção o fizeram sob o fundamento de que a

prescrição é uma espécie de punição pela inércia do Estado, que, obviamente, não pode ser

invocada quando atuam os órgãos de justiça criminal, ainda que em segunda instância e em

caráter apenas reiterativo. Além disso, o texto do inciso IV do art. 117 não faz nenhuma

distinção entre o acordão condenatório e o confirmatório, e não há razões plausíveis para

interromper a prescrição quando um réu é absolvido na primeira instância e condenado na

segunda e não o fazer quando é condenado nas duas instâncias. Concluindo o voto, o relator

propôs a seguinte tese, adotada por outros seis ministros:

“Nos termos do inciso IV do artigo 117 do Código Penal, o acórdão condenatório sempre

interrompe a prescrição, inclusive quando confirmatório da sentença de primeiro grau, seja

mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta”.

Agora o STJ, por meio da sua QUINTA TURMA, segue o mesmo entendimento.

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MP/SP: decisões do setor do art. 28 do CPP

1- Tema: Recusa de formulação de acordo de não persecução penal. Homicídio culposo. Circunstâncias do caso concreto não recomendam a proposta. Manutenção da recusa pelo PGJ.

CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ART. 28

Autos n.º 1503814-13.2018.8.26.0099 – MM. Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Bragança Paulista

Réu: xxx

Assunto: recusa de formulação de acordo de não persecução penal – manutenção

Cuida-se de ação penal instaurada contra xxx, denunciado incurso no art. 302, caput, do Código de

Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97), porque, nas circunstâncias narradas na peça inicial, no dia 22

de dezembro de 2018, por volta das 14h00, no interior do Condomínio Quinta da Baroneza,

localizado na Alameda dos Coqueiros, no município e comarca de Bragança Paulista, praticou

homicídio culposo na direção de veículo automotor, produzindo a morte de TMN.

Narra a inicial que o acusado é motorista profissional e é piloto automobilístico da Porsche Cup. Na

tarde de 22 de dezembro de 2018, agiu com negligência, ao permitir que mais quatro pessoas

ingressassem em seu veículo, cuja capacidade máxima é para 04 pessoas, já considerado o

motorista. Em razão dessa negligência, T., J. e ML, que se sentaram no banco traseiro, não

colocaram cinto de segurança. Em dado momento, conduziu o veículo de forma imprudente, em

velocidade acima da permitida para o local e, mesmo sendo piloto experimentado, com habilidade

acima da média dos motoristas comuns, perdeu o controle do veículo, saindo com ele do leito

carroçável e se chocando frontalmente com uma árvore, do embate resultando a morte da vítima

(cf. denúncia de fls. 01/06).

O Douto Promotor de Justiça recusou motivadamente a formulação de proposta de acordo de não

persecução penal, em face da inexistência de confissão formal dos fatos, assim como por entender

que o acordo não é suficiente à reprovação do crime, uma vez que o acusado agiu com negligência,

conduzindo veículo com número de pessoas acima da capacidade do automóvel e com

imprudência, mesmo sendo motorista profissional, com habilidade acima da média na condução de

veículos, perdeu o controle do veículo em local em que a velocidade máxima permitida era de 30

km/h, lesionando três das vítimas e acarretando a morte de uma delas, jovem de 18 anos de idade

(cf. fls. 01).

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A denúncia foi recebida (fls. 372).

A Douta Defesa insistiu no cabimento do acordo de não persecução penal, sustentando que o crime

é culposo e que se trata de direito subjetivo do acusado (cf. fls. 375/385).

A MMª Juíza determinou a remessa dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça, para revisão, nos

termos do art. 28-A, § 14, do Código de Processo Penal (cf. fls. 386/387).

O Douto Defensor do acusado estabeleceu contato por e-mail com a Subprocuradoria-Geral de

Justiça de Relações Institucionais e requereu a oportunidade de audiência pelo Microsoft Teams,

com a assessoria da Procuradoria-Geral de Justiça, o que se deu no dia 11 de maio de 2020,

devidamente gravada no sistema informatizado da Instituição, oportunidade em que expôs suas

razões, sustentando o cabimento do acordo de não persecução penal. Referiu ainda que houve

várias indenizações às vítimas e familiares daquela que faleceu, dispondo-se a juntar os

comprovantes.

A Douta Defesa do acusado anexou aos autos vários comprovantes de indenizações civis havidas,

postulando, assim, reconsideração da negativa ministerial quanto à formulação do acordo de não

persecução penal (cf. fls. 402 e seguintes).

Sobreveio nova manifestação do Douto Promotor de Justiça natural, observando que as reparações

civis poderão ser consideradas em momento oportuno, mas que a recusa do acordo de não

persecução penal, por ausência de requisitos subjetivos, permanecia mantida, aguardando, então,

decisão da Procuradoria-Geral de Justiça acerca do tema (cf. fls. 454).

É a síntese do necessário.

Com razão o Douto Promotor de Justiça, com a máxima vênia da Ilustre Defensoria.

É preciso sublinhar, de início, na esteira do Enunciado n.º 21, PGJ – CGMP – Lei n.º 13.964/19, que

“a proposta de acordo de não persecução penal tem natureza de instrumento de política criminal e

sua avaliação é discricionária do Ministério Público no tocante à necessidade e suficiência para a

reprovação e prevenção do crime. Trata-se de prerrogativa institucional do Ministério Público e

não direito subjetivo do investigado” (grifo nosso).

De acordo com o art. 28-A, caput, do Código de Processo Penal, com a redação que lhe deu a Lei n.º

13.964/2019: “Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e

circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima

inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal,

desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes

condições ajustadas cumulativa e alternativamente”.

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O trecho em destaque evidencia o primeiro pressuposto jurídico para o cabimento do instituto,

qual seja, que não seja caso de arquivamento ou, a contrario sensu, que exista nos autos da

investigação penal (em sentido lato) prova da materialidade e indícios de autoria ou participação.

O segundo pressuposto é a existência de confissão formal e circunstanciada da prática da infração

penal pelo agente.

Em seguida, o dispositivo enumera os requisitos materiais objetivos do instituto, a saber:

a) que não se trate de infração praticada com violência ou grave ameaça;

b) que a pena mínima cominada no tipo seja inferior a 4 (quatro) anos (consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis);

c) que não seja cabível a transação penal, nos termos da lei;

d) que não seja caso de crime praticado no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.

Há, ainda, requisitos materiais subjetivos, consistentes em:

a) que o investigado não seja reincidente;

b) inexistência de elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas;

c) que o investigado não tenha sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo;

d) que a celebração do acordo atenda ao que seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime.

Há que se observar, por fim, como requisito formal ou procedimental, a formalização por escrito

do acordo, o qual deverá ser firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por

seu defensor.

Cumpridas essas exigências, abre-se a possibilidade de ajustar, com o agente, a barganha

processual, mediante as seguintes condições, a serem ajustadas de maneira alternativa ou

cumulativa:

(i) reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, salvo impossibilidade de fazê-lo;

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(ii) renunciar voluntariamente a bens e direitos, indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;

(iii) prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução penal;

(iv) pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo juízo da execução penal, devendo a prestação ser destinada preferencialmente àquelas entidades que tenham como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito;

(v) cumprir outra condição estipulada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal aparentemente praticada.

Atendidos os requisitos legais e depois de celebrado, por escrito, o acordo, será ele submetido à

homologação judicial, a fim de que, com a chancela do Poder Judiciário, seja ele devolvido ao

Ministério Público e, na sequência, encaminhado ao juízo da execução penal (art. 28-A, §6.º).

No caso de inadimplemento, o qual deverá ser verificado no âmbito do juízo da execução,

assegurada a ampla defesa, o acordo será rescindido e encaminhado ao juízo de origem, para que o

membro do Ministério Público ofereça denúncia ou realize novas diligências, se necessário.

De acordo com a lei, o descumprimento poderá ser utilizado como justificativa para o não

oferecimento de suspensão condicional do processo (art. 28-A, §11).

Cumprido integralmente, será declarada a extinção da punibilidade (art. 28-A, §13).

Conforme dispõe o art. 28-A, §14, do Código de Processo Penal, aplicado pelo MM. Juiz, no caso de

recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo, poderá o investigado requerer o envio

do caso ao órgão superior de revisão, que é, no caso do Ministério Público estadual, o Procurador-

Geral de Justiça, a fim de sejam adotadas as seguintes providências:

(i) oferecer denúncia ou designar outro membro para oferecê-la;

(ii) complementar as investigações ou designar outro membro para complementá-la;

(iii) elaborar a proposta de acordo de não persecução, para apreciação do investigado.

Pois bem.

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Preliminarmente observa-se que, em tese, o acordo de não persecução penal é cabível em sede de

crimes culposos, nos quais a violência está no resultado, não na conduta.

Nesse sentido, o enunciado nº 23, da PGJ/CAOCrim, no sentido de que é cabível acordo de não

persecução penal em infrações cometidas com violência contra a coisa, devendo-se interpretar a

restrição do caput do art. 28-A do CPP como relativa a infrações penais praticadas com grave

ameaça ou violência contra a pessoa (lex minus dixit quan voluit).

Porém, a avaliação da pertinência e cabimento do acordo aventado deve ser feita caso a caso.

Na hipótese dos autos, é caso de manutenção da recusa, que foi devidamente motivada, com a

devida vênia da Douta Defesa.

Conforme se observa dos autos, o acusado, a rigor, não fez confissão formal e circunstanciada do

fato, uma vez que, ao prestar declarações sobre os fatos, negou ter agido com culpa, não se

recordando sequer do acidente e do que levou o minicooper a se chocar contra uma árvore.

Com a máxima vênia da Culta Defensoria, admitir o fato, apenas, não configura a confissão formal e

circunstanciada exigida pelo art. 28-A, caput, do Código de Processo Penal (cf. fls. 235/236).

A norma, ao exigir confissão formal e circunstanciada do fato, não se contenta, claramente, com

uma admissão incompleta do fato.

Logo, não houve confissão formal e circunstanciada do fato, ausente requisito de ordem objetiva

para a formalização do aventado acordo.

E, de outra parte, a avaliação, no tocante à necessidade e suficiência do acordo em face do caso

concreto, é privativa do Ministério Público, por exercer a titularidade exclusiva da ação penal,

nos termos do art. 129, I, da Constituição Federal.

No caso concreto, a culpabilidade do acusado revela-se acentuada: primeiro, por transportar mais

quatro pessoas em seu veículo, que tinha capacidade para mais três, além dele, motorista, sem

cinto de segurança; segundo, por imprimir velocidade incompatível com o local, a ponto de perder

o controle do carro, deixar o leito carroçável e chocar-se contra uma árvore, disso resultando a

morte de uma das ocupantes do carro.

Nesse sentido, há o relato de um vigilante do condomínio, que chegou a acionar a viatura no local,

ao ver o veículo em velocidade incompatível com a segurança (fls. 43/41; assim como o

depoimento de uma das vítimas, ML, que refere que o veículo estava a uns 60 km/h (fls. 208); tudo

isso, além dos grandes danos produzidos no veículo, que teve a frente totalmente destruída ao se

chocar com a árvore, tal a violência do impacto, conforme demonstram as fotografias constantes

do laudo pericial do veículo, registrando-se que o fato ocorreu em dezembro de 2018 e a perícia no

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veículo foi feita somente em maio de 2019 (cf. laudo de fls. 257/261), demonstrando o laudo

mostra, ainda, que o veículo era dotado de cinto de segurança para 04 ocupantes (fls. 257).

E também há um dado que torna o desvalor da conduta ainda maior, ou seja, o acusado é motorista

profissional, piloto de conceituada indústria de veículos automotores, tendo, portanto, habilidade

superior à média dos condutores.

Isso lhe impunha maior cautela, não lhe permitia empreender manobras temerárias ao volante no

interior de um condomínio, fora das pistas adequadas para tanto, cuidando-se ainda de via interna

de baixíssima velocidade (30 km/h), por medida de segurança de outros condutores, transeuntes,

trabalhadores do local, moradores etc.

As circunstâncias e o resultado de sua negligência e de sua imprudência são extremamente graves,

culminando com a morte de uma jovem de 18 anos de idade.

Por tudo isso, correta a negativa formulada pelo Douto Promotor de Justiça, que se mantém por

sua adequação ao caso concreto, que teve grande repercussão na mídia, conforme demonstram

elementos contidos nos autos, concluindo-se que o acordo pretendido, em consonância com a

fundamentação invocada pelo Douto Promotor de Justiça natural, não atenderia aos critérios de

necessidade e suficiência para repressão e prevenção do fato delituoso objeto dos autos.

Os documentos anexados pela Douta Defesa (fls. 403 e seguintes) dão notícia de que o acusado e

seus familiares arcaram com várias indenizações civis em virtude do ocorrido. Isso poderá ser

objeto de valoração em momento oportuno, conforme bem observado pelo Douto Promotor de

Justiça natural, ao ratificar a recusa do acordo de não persecução penal.

Diante do exposto, com fundamento no art. 28-A do Código de Processo Penal e nos arts. 1.º e

4.º, inciso I, ambos da Resolução n.º 1.187/2020 – PGJ-CGMP, insiste-se na recusa de oferta do

acordo, restituindo-se os autos ao juízo competente para o prosseguimento da ação penal.

No caso concreto, porém, formula-se importante ressalva que se submete à prudente apreciação

do Douto Promotor de Justiça natural, conforme se verifica a seguir.

Em reunião havida com a assessoria da Procuradoria-Geral de Justiça, devidamente gravada no

sistema informatizado da Instituição, pelo Microsoft Teams, no dia 11 de maio último, a Douta

Defensoria, entre outros pontos, aventou a possibilidade de, em eventual hipótese de

reconsideração e formulação do acordo de não persecução penal pelo Douto Promotor natural, o

acusado aceitar condição consistente em prestação de caráter social, na forma de doação de

insumos, equipamentos de proteção individual, respiradores etc. para hospitais de Bragança

Paulista e região, visando o combate à pandemia da Covid 19 (essa doação poderia ser de grande

vulto, haja vista o potencial econômico do acusado, que, segundo informado, já arcou com

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indenizações que superam a casa de 20 milhões de reais, em face do fato); a Defesa, além dessa

informação, explicitou ainda que havia uma relação de mais de 40 anos entre a família do acusado

e a da vítima fatal, com quem o réu iniciava namoro, tendo ele passado a se submeter a tratamento

psiquiátrico, por conta do fato objeto destes autos.

Conclui-se, porém, enfatizando que eventual decisão de reconsideração incumbe exclusivamente

ao Promotor de Justiça natural, na esfera de sua independência funcional.

São Paulo, 26 de maio de 2020.

Mário Luiz Sarrubbo

Procurador-Geral de Justiça