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CAPACIDADE DE RESSOCIALIZAÇÃO DAS PENAS ALTERNATIVAS: prestação de serviço à comunidade Igor Ribeiro Cavalcante* RESUMO Aborda-se neste ensaio, de maneira clara e objetiva, a importância das penas alternativas, dando-se ênfase à modalidade, prestação de serviço à comunidade, sua historicidade até os dias atuais, apontando os obstáculos e como é executada essa modalidade de pena alternativa na reinserção do apenado à sociedade. Conclui-se então, com o presente estudo, que a ressocialização não é para todos, pois nem todos que são submetidos a este tipo de sanção alternativa logram êxito, mas mesmo em comparação à pena de privação da liberdade, esta ainda é a melhor escolha, escolha esta ficando a critério do juiz na sentença ou se for o caso na execução, gerando assim os melhores efeitos. Palavras chaves: Penas alternativas. Prestação de Serviço à Comunidade ou Entidades Públicas. Obstáculos. Execução das Penas de Prestação de Serviço à Comunidade. _________________________ *Advogado, Especialista em Direito Penal e Processo Penal, Especializando em Direito Eleitoral, Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB – PI, Membro da Comissão de Segurança Pública da OAB – PI, Vice Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB – PI. ABSTRACT

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CAPACIDADE DE RESSOCIALIZAÇÃO DAS PENAS ALTERNATIVAS: prestação de

serviço à comunidade

Igor Ribeiro Cavalcante*

RESUMO

Aborda-se neste ensaio, de maneira clara e objetiva, a importância das penas alternativas, dando-se

ênfase à modalidade, prestação de serviço à comunidade, sua historicidade até os dias atuais,

apontando os obstáculos e como é executada essa modalidade de pena alternativa na reinserção do

apenado à sociedade. Conclui-se então, com o presente estudo, que a ressocialização não é para

todos, pois nem todos que são submetidos a este tipo de sanção alternativa logram êxito, mas

mesmo em comparação à pena de privação da liberdade, esta ainda é a melhor escolha, escolha esta

ficando a critério do juiz na sentença ou se for o caso na execução, gerando assim os melhores

efeitos.

Palavras chaves: Penas alternativas. Prestação de Serviço à Comunidade ou Entidades Públicas.

Obstáculos. Execução das Penas de Prestação de Serviço à Comunidade.

_________________________

*Advogado, Especialista em Direito Penal e Processo Penal, Especializando em Direito Eleitoral, Membro da Comissão de Direitos

Humanos da OAB – PI, Membro da Comissão de Segurança Pública da OAB – PI, Vice Presidente da Comissão de Direito Eleitoral

da OAB – PI.

ABSTRACT

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It is approached in this essay, clearly and objectively, the importance of alternative penaltys, giving

emphasis on the model, providing service to the community, its history until nowadays, pointing out

the obstacles and how you run this type of alternative sentence reintegration of inmates into society.

It can be concluded then, with this study that the rehabilitation is not for everyone, because not all

who undergo this type of alternative sanction manage to succeed, but even in comparison to the

penalty of deprivation of liberty, this is still the best choice , this choice left to the discretion of the

judge in sentencing, or if any execution, thus generating the best effects.

Keywords: Sentencing alternatives. Provision of Community Service or Public Entities. Obstacles.

Execution of Penalties of the Community Service Delivery.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................

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2 DAS PENAS EM GERAL...................................................................................................

2.1 Evolução histórica............................................................................................................

2.2 Conceitos............................................................................................................................

3 RAZÃO DA SANÇÃO PENAL..........................................................................................

3.1 Sistemas prisionais............................................................................................................

4 CLASSIFICAÇÃO DAS PENAS.......................................................................................

4.1 Penas privativas de liberdade........................................................................................

4.2 Regimes de pena...............................................................................................................

4.3 Penas pecuniárias..............................................................................................................

4.4 Penas restritivas de direito...............................................................................................

5 PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE..........................................................

5.1 Obstáculos às penas de prestação de serviços à comunidade........................................

5.2 Execução das penas de prestação de serviços à comunidade........................................

5.3 Quem são os prestadores da pena de serviços à comunidade.......................................

5.4 Pena de prestação de serviços à comunidade cumprida em empresa privada com fins

lucrativos..................................................................................................................................

6 PERSPECTIVAS DAS PENAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À

COMUNIDADE......................................................................................................................

7 CONCLUSÃO......................................................................................................................

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................................

1 INTRODUÇÃO

Falar da pena de prestação de serviços à comunidade não é tão simples quanto parece, pois

pressupõe uma série de outros conhecimentos, como os conceitos de penas restritivas de direito,

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razão da sanção penal, sistemas prisionais, sociedade, política dentre outros. Tudo isso em um

espectro histórico.

O objeto dessa monografia goza de especial relevância no sistema jurídico do país e do

estado, pois visa questionar e contribuir para um aceitável desenvolvimento do sistema prisional

brasileiro, tendo em vista a falência do sistema prisional dominante. Esse é justamente um dos

grandes problemas que enfrenta a sociedade brasileira. A escolha do presente tema acontece em um

momento em que se necessita de soluções rápidas, já que a população de apenados se agiganta em

termos numéricos, e o que se vê é que as instituições penitenciárias não cumprem com seu papel

ressocializador, e são inclusive alcunhadas de “escolas do crime”.

É, pois, um assunto polêmico e de difícil trato, pois envolve toda a sociedade e em maior

espectro os governantes do país. Não se pode, no entanto, apenas assistir o conflito negativo dos

que se eximem da responsabilidade desse contexto. Não se pode também, tratar os apenados como

apenas excrescências da sociedade, e como tal dispensar o tratamento mais degradante a essas

pessoas. Os presos são forçados a ficar em espaços mínimos, tendo sua dignidade ferida, assim

como também suas chances de recuperação.

O conceito de criminoso não pode ser tomado no lugar de um apenado ou condenado. Até

poderia, mas a palavra “criminoso” vem carregada de um sentimento negativo, o que poderia

atrapalhar no entendimento do caráter ressocializador da pessoa. Surgem assim, ramificações desse

problema: os presos não sendo ouvidos, promovem rebeliões, e revolta causa mais revolta e fica-se

a um passo de um Estado Primitivo.

É notório que um dos maiores problemas que assolam a sociedade brasileira nos dias de hoje

é o destino que se deve dar às pessoas que infringiram as leis ditadas pelo Estado.

É preciso conjugar a imposição da pena com a ressocialização do apenado de forma que o

condenado deve estar recuperado quando sair da prisão para que não mais volte a delinquir, nem a

agir em desacordo com a lei.

Há várias teorias que tentam explicar as finalidades das penas. Uns dizem que tem por

escopo a retribuição pelo dano causado; outros alegam que o fim primordial é o aspecto

intimidativo da pena, ou a prevenção geral, ou seja, evitar que atos ilícitos venham a ser cometidos

no futuro. No curso da evolução das sociedades, em especial da sociedade brasileira, essas duas

correntes rivalizavam a hegemonia no tocante à razão de ser da pena. No entanto, a sociedade, ou

pelo menos as ideias mais em consonância com o atual sentido de “vida em sociedade”, caminham

ou convergem para outro objetivo da pena, que é exatamente o caráter educativo, ou melhor,

reeducativo da pena.

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Esta monografia atua justamente nesse sentido, de lembrar à sociedade, de uma forma

concreta e objetiva a importância da aplicação das penas alternativas, mormente a pena de prestação

de serviço à comunidade na atividade fim e hodierna da pena, da re-inserção do apenado de volta na

sociedade.

A importância do presente trabalho reside numa explícita inovação: a pena de prestação de

serviço comunitário é aqui tratada não como sendo uma alternativa imediata à pena privativa de

liberdade, no sentido de subsidiariedade à constrição de liberdade. O enfoque dispensado a ela aqui

é no alternativo no sentido de concorrência com aquela pena privativa de liberdade, tendo como

influência principal a função social da lei objetivando tornar o sistema punitivo menos draconiano e

mais racionalista.

Importante ressaltar que as chamadas penas alternativas à privação da liberdade são

consideradas como sanções modernas, pois os próprios reformadores do Direito Penal, como

Beccária, Howard, e Bentham, não as conheciam. Beccária já havia antecipado que é a celeridade e

a certeza da pena, mais que a sua severidade, que produzem a efetiva intimidação. Sabe-se, no

entanto, que a pena privativa de liberdade foi um marco da humanização da sanção criminal, mas

que posteriormente, como propomos a analisar, fracassou em seus objetivos declarados.

Outra observação preliminar a ser feita é com relação ao aspecto da denominação e conceito.

Penas alternativas são as chamadas pela Lei de penas restritivas de direito. Essa denominação,

porém, é mais ampla do que deveria e engloba tanto as penas efetivamente restritivas de direito,

como as restritivas de liberdade (como é o caso da pena de prestação de serviços comunitários),

bem como as pecuniárias.

É importante perceber que o estudo racional e sistemático da pena de prestação de serviço à

comunidade, uma espécie de pena alternativa, sobeja no aspecto prático e pode ajudar a

compreender a sua real efetividade na sociedade brasileira moderna.

Muitas são as penas alternativas existentes, tais como limitação de fim de semana, prestação

pecuniária, interdição temporária de direitos, entre algumas outras, mas é claro e evidente que

nenhuma tem em sua natureza intrínseca o aspecto cidadão tão acentuado. A prestação de serviço

comunitário busca exatamente envolver o apenado na sociedade, com a comunidade e com as

questões sociais, procurando educá-lo ou orientá-lo a não mais delinquir.

Este trabalho reitera que essa modalidade de pena alternativa não deve ser utilizada ante

apenas à falência da pena de prisão. Este é um “plus” decorrente do contexto atual e tenta responder

a seguinte indagação: Será que as penas de prestação de serviço à comunidade prevista no nosso

ordenamento penal têm o condão de obter melhores resultados na ressocialização do preso?

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Levando-se em consideração o direito positivo, propõe-se a analisar a importância da maior

utilização da pena de prestação de serviço à comunidade na medida em que sua existência constitui

fato sobre o qual se deparam os operadores do direito, principalmente juízes e promotores de

justiça.

Não adentraremos os fatores causais da delinquência, mas partiremos da sanção imposta

pela reação do Estado. Assim sendo reservaremos algumas linhas iniciais à evolução das penas

tendo em vista seu fim específico até o momento em que culminou a falência das penas de prisão

para formularmos as seguintes questões: É real a presença das penas de prestação de serviço à

comunidade na sociedade brasileira ou não passa de mais um “coma jurídico”? E qual a

quantificação do seu aspecto ressocializador?

O problema de uso e mais adiante da efetividade da prestação de serviço comunitário se

revela de suma importância entre nós, porquanto constitui uma das penas alternativas que visa a

ressocialização do preso.

Chama-nos a atenção não à prestação da referida pena, mas o resultado gerado por essa pena

em detrimento das outras penas, alternativas ou não.

Deve ser ela utilizada porque é uma exigência da natureza humana, que é a vida em

sociedade. Onde há homens há sociedade.

De modo geral, o sistema penitenciário brasileiro possui um grande déficit e é nesse

contexto que as Penas Alternativas, mostram-se as menos onerosas, além de representarem maior

efetividade nos cumprimentos das determinações judiciais. Estão submetidas às Penas Alternativas,

pessoas que cometeram infrações de trânsito, crimes ambientais, delitos de menor potencial

ofensivo como lesões corporais leves, desacatos, ameaças, atos obscenos, pequenos furtos entre

outros.

No Brasil temos a Associação de Proteção e Assistência ao condenado- Apac - onde os

presos não são aprisionados como lixo social que não merece tempo e preocupação da sociedade. O

preso é um preso, mas tratado de forma diferente, como um ser detentor de direitos e deveres, um

cidadão latu sensu. Nesses presídios parece haver à primeira vista um milagre, mas o que este

trabalho quer justificar é que a solução é conhecida, ou pelo menos não é obra de intervenção

divina. O infrator sendo bem tratado, ou sendo tratado com o mínimo de dignidade, tem mais

chances de ser reeducado e de ter o crime, apenas como o seu passado, e de se reintegrar no seio

social, local de onde foi retirada a força.

Os métodos brasileiros de prisão são desumanos e cruéis, enquanto conquista o título de

campeão mundial da violência e da corrupção. E não se constrói um país assim da noite para o dia.

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Os presídios, de vez em quando, tornam-se palcos de carnificina, o que aparece constantemente nos

noticiários nacionais.

Essa violência ocorre dentro de um território que deveria ser administrado exclusivamente

pelo Estado. O que se observa claramente, no entanto, é a omissão das autoridades responsáveis

pelo setor.

Desde o descobrimento do Brasil, tudo se faz, sobretudo nos estabelecimentos que recolhem pessoas privadas da liberdade, em favor da violência, das atrocidades e da crueldade. Falta Lei? Não. Leis existem. O que não existe é a consciência de que devem ser cumpridos, respeitadas. O horror dos presídios brasileiros historicamente só é denunciado (e gera certa sensibilidade) quando gente graúda nele é recolhida.

Governar é prender, conforme dizia Francisco Campos; na realidade contudo, essa premissa

é levada ao absurdo de se prender sem necessidade. Mais de 40% dos presos ainda não foram

condenados ou já foram absolvidos, mas estão cursando as faculdades do crime.

Winston Churchill disse que os métodos penais de uma sociedade são o índice e medida do seu grau de civilização. Dostoievski, por seu turno, afirmou: os standards de civilização de uma nação podem ser aferidos quando abrimos as portas das suas prisões.

Não há duvidas de que o Brasil está atrasado com relação a vários outros países no que diz

respeito ao tratamento dispensado aos condenados. É inconcebível, portanto, que aos plenos olhos

do Estado, nos próprios presídios ocorram episódios de violência estatal.

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2 DAS PENAS EM GERAL

2.1 Evolução histórica

Analisando as penas em geral, sob a perspectiva da teoria contratualista, percebe-se que

inicialmente os homens se encontravam em um estado de natureza no qual eram inimigos

recíprocos (todos contra todos). Cada um se preocupava em defender-se da violência praticada

pelos outros de forma independente, não havia classes nem grupos formados, havia a luta de cada

um contra todos, conforme aduz Thomas Hobbes, em “Leviatã”. Numa visão mais branda do

“estado de natureza”, John Locke o tinha como “relativa paz” e harmonia caracterizando-o pela

mais perfeita liberdade e igualdade. Todavia, Locke admitia que em tal estado havia certos

inconvenientes, como, por exemplo, a violação da propriedade, vida, liberdade e bens. Por essas

razões e conflitos constantemente existentes celebraram entre si o contrato social, promovendo a

passagem do estado de natureza para a sociedade civil.

Não obstante, tal situação traz conflitos no seio social, o que dá suporte ao estabelecimento

de certos regramentos objetivando a consecução de um padrão de normalidade das coisas. Tem-se

assim a origem do direito de punir, ou seja, do jus puniendi, promovido pela própria sociedade civil.

O “jus puniendi” é o direito que o Estado tem de aplicar a pena relativa ou cominada no preceito

secundário da norma penal, sendo, portanto, um direito público subjetivo que, no entanto encontra

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limites no direito objetivo.

É nesse sentido que surgem as penas tidas como modernas. A origem das penas, porém, é

anterior à própria criação da sociedade organizada, onde era atribuído aos mais antigos grupamento

de homens um caráter divino, pois o descumprimento das obrigações, até então devidas aos

“deuses”, ensejava punições, dentre elas a tortura e a morte.

A evolução das penas teve o seguinte contorno: vingança privada (bem representada pelo

Código de Hamurábi), vingança divina (a punição era forma de aplacar a ira divina e purificar a

alma do delinquente), vingança pública (visando à segurança do próprio Estado), período

humanitário (com Cesare Bonesano, Marquês de Beccaria como um dos pilares dessa filosofia) e o

mais recente movimento científico (que busca compreender cientificamente os fenômenos criminais

e o próprio infrator).

Em sua origem, como já mencionado, a pena se revestia de caráter sacral, ou seja, era reação

contra o desrespeito aos tabus, às coisas míticas e religiosas. O homem acreditava que para obter as

graças das entidades divinas, deveria promover-lhes oferendas e sacrifícios. Castigavam-se os

infratores que provocassem o enfurecimento dos deuses. Um exemplo que destoa desse contexto

são as penas aplicadas pelo povo muçulmano através do Alcorão. O Alcorão foi escrito em 652 d.C.

e ao contrário dos povos ocidentais, o povo mulçumano fundamenta sua organização com base no

Alcorão. Deste modo, quem viola o Alcorão não apenas comete um pecado como também infringe

o ordenamento legal. A obediência a essa "lei" é um dever de fé e um dever social. O Alcorão é uma

lei acima das demais leis jurídicas e nele encontram-se penas de morte, penas de Talião, legitimação

para o assassinato de infiéis, penas de chibatadas e etc.

O que se tem de certo e unânime é que à medida que a sociedade evolui, menos cruéis vão

se tornando as penas e que as penas são imprescindíveis na sociedade, desde a primeira que se tem

notícias de origem bíblica. A primeira pena a introduzir o basilar princípio da proporcionalidade foi

a Lei de Talião: olho por olho dente por dente.

Foi adotado no código de Hamurabi:

Art. 209 – Se alguém bate numa mulher livre e a faz abortar, deverá pagar dez siclos pelo

feto.

Art. 210 – Se essa mulher morre, então deverá matar o filho dele.

Na linha histórica, surgiu em seguida a Composição, que introduzia a reparação do dano

causado como forma alternativa de substituição da pena. A pena de privação de liberdade, aponta os

dados históricos, foi utilizada pela primeira vez pela igreja na Idade Média. “Esta tinha o hábito de

punir seus infiéis com a pena de penitência realizada nas celas”.

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Daí a origem da palavra penitenciária. Saindo da Idade Média, para o Iluminismo,

abandonou-se a fundamentação teológica e ascendeu o fim utilitário da pena. É de Beccaria a ideia

de que a pena só é justa, quando necessária e de prevenção geral. Quanto à crueldade das penas,

afirmava que era de todo inútil, odiosa e contrária à justiça. Sobre as prisões de seu tempo dizia que

"eram a horrível mansão do desespero e da fome", todas essas idéias presentes na obra Dos Delitos

e das Penas.

Dos delitos e das penas é uma obra que foi escrita a muito tempo, porém se conserva bem

atual em alguns pontos de modo a ser uma obra muito lida para se solver problemas modernos.

Trata-se de uma obra atemporal com ideias igualmente modernas. “Entre as penalidades e no modo

de aplicá-los proporcionalmente aos delitos, é necessário, portanto, escolher os meios que devem

provocar no espírito a impressão mais eficaz e mais durável, e igualmente, menos cruel no corpo do

culpado.”

O caráter ressocializador da pena só foi dar seus primeiros suspiros nas fases antropológicas

e sociológicas, com Lombroso e Ferri e mais ainda na fase jurídica de sistematização com Rafael

Garofalo. Foi, por exemplo, César Lombroso, autor do livro L’uomo Delinquente, quem apontou os

novos rumos do Direito Penal, através do estudo do delinqüente e a explicação causal do delito. Em

1945, Filippo Gramatica fundou uma nova doutrina, a Nova Defesa Social, que tem influenciado as

legislações penais modernas com algumas idéias inovadoras: a função de proteção da sociedade,

além do caráter expiatório da pena; o caráter ressocializador da pena, além de ser exemplar e

retributivo, e que o tratamento penal seja mais humano.

Com o passar do tempo e evolução da sociedade humana, as penas de suplícios foram

desaparecendo.

No entanto, um fato é certo, em algumas dezenas de anos, desapareceu o corpo supliciado,

esquartejado, amputado, marcado simbolicamente no rosto ou no ombro, exposto vivo ou

morto, dado como espetáculo. Desapareceu o corpo como alvo principal da repressão penal.

A punição deixa de ser espetáculo para ser um procedimento da administração. A execução

da pena não pode ser tomada como um teatro da sociedade, esta não deve ser escrachadamente

pública, mas sim os debates e a sentença que precede a execução. O mundo todo, por muito tempo,

foi mestre na criação de apetrechos e parafernalhas com o único intuito da pena cruel, entretanto,

em princípios do século XIX, penetramos na época da punição sóbria, o que não quer dizer que foi

totalmente abolida.

O ato de julgar também se transformou. Não se indagava mais apenas “quem é o autor”, se

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perquiria agora o processo causal que o produziu, a origem do crime, o que realmente significa um

crime. Surgiram nesse contexto, alguns dos vários auxiliares da justiça que se tem hoje, tais como

peritos psiquiátricos, funcionários da administração penitenciária, o que fracionou o poder de punir.

Todas essas modificações ou evoluções como queiram, tiveram reflexos rápidos. “A delinquência

difusa, ocasional, mais frequentes das classes mais pobres é substituído por uma delinquência

limitada e hábil.”

É assim que aumentaram os delitos contra a propriedade em detrimentos dos crimes

violentos.

Na verdade, a passagem de uma criminalidade de sangue para uma criminalidade de fraude

faz parte de todo um mecanismo complexo, onde figuram o desenvolvimento da produção,

o aumento das riquezas, uma valorização jurídica e moral maior das relações de

propriedade, métodos de vigilâncias mais rigorosas, um policiamento mais estreito da

população, técnicos mais bem ajustados de descoberta, de captura, de informação: o

deslocamento das práticas ilegais é correlato de uma extensão e de um afinamento das

práticas punitivas.

2.2 Conceitos

Todo o processo penal existe para se alcançar uma única coisa ao final: a sentença penal. E a

sentença penal condenatória, a aplicação da pena é possivelmente o momento mais importante. A

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pena é o objetivo final da ação penal e seria assim o resultante legal da prática de ilícito,

concretizado pelo exercício da acusação na ação penal. A forma primitiva das penas não se

enquadra mais na moderna conceituação de sanção penal.

Devemos, entretanto, analisar o conceito de pena sobre outra perspectiva: para correção do

infrator, o Estado dispõe de vários meios antes de se utilizar da pena. O Estado fracassa quando

utiliza a pena, posto que somente deve ser utilizada como último recurso para corrigir o infrator. De

fato, há duas graves consequências quando se recorre em demasiado ao direito criminal: excesso de

processos no Poder Judiciário e o aumento do gasto público para acolher um número maior de

condenados. É o que Reinhart Franck chama de “hipertrofia penal.”

Alguns doutrinadores aventuram-se na busca por um conceito de pena: Aníbal Bruno diz que

“pena é a sanção, consistente na privação de determinados bens jurídicos, que o Estado impõe

contra a prática de fato definido na Lei como crime”. Basileu Garcia também nos traz um conceito

de pena: “Pena é o sofrimento imposto pelo Estado, em execução de uma sentença, ao culpado de

infração criminal.”

Com relação aos sistemas penais, foi no 6° Congresso das nações Unidas que se começou

uma discussão crítica sobre os altos índices de reincidência, concretizada e aprovada no 8°

Congresso da ONU. A proposta foi apelidada de Regras de Tóquio, também conhecidas como

Regras Mínimas das Nações Unidas para a elaboração de Medidas Não Privativas de Liberdade.

Esse congresso significou a aplicação das medidas alternativas na Era Moderna. Medidas

alternativas constituem assim qualquer medida que venha a impedir a aplicação da pena privativa de

liberdade. Penas alternativas, nas lições de Fernando Capez, constituem toda e qualquer opção

sancionatória oferecida pela legislação penal para evitar a imposição da pena privativa de liberdade.

Ao contrário das medidas alternativas, constituem verdadeiras penas, as quais impedem a

privação da liberdade. Compreendem a pena de multas e as penas restritivas de direitos. Outro

conceito bastante similar é o de alternativas penais. Alternativas penais: são todas as opções

oferecidas pela lei penal a fim de que se evite a pena privativa de liberdade. Comportam duas

espécies:

a) as medidas penais alternativas (transação, suspensão do processo etc.);

b) as penas alternativas.

Não é clara a diferença entre penas alternativas e alternativas penais, porquanto na prática da

execução penal só vai existir a pena que vai possibilitar maiores chances de ressocialização.

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3 RAZÃO DA SANÇÃO PENAL

A questão da finalidade da pena é um tema que percorre os séculos, envolvendo vários

ramos do conhecimento humano, os quais nos oferecem uma gama imensa de teorias e teses.

Algumas dessas teorias, contudo, advém de concepções primitivas, e hoje tidas como ultrapassadas,

mas que se tornam importantíssimas em uma análise mais sistemática. A pena, dessa forma, pode ter

um caráter aflitivo, retributivo, preventivo, educativo etc. É aflitiva porque consiste na privação de

bens jurídicos fundamentais (liberdade e patrimônio).

É retributiva porque guarda estreita relação com a gravidade do delito e o grau de

culpabilidade do agente.

É preventiva porque combate a criminalidade em perspectiva para prevenir a prática do

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delito. Na ótica de prevenção geral, pode-se dizer que as penas pretendem evitar que as pessoas em

geral cometam crimes. Na ótica da prevenção especial, pretende evitar que esse indivíduo volte a

cometer crimes.

Age por duas vias:

1 Ou porque esse indivíduo é segregado e enquanto está cumprindo a pena não tem a possibilidade

de reincidir;

2 Ou então já tem a idéia de regeneração, de recuperação ou de ressociabilização.

O objetivo da pena é essencialmente de exercer uma influência na comunidade geral,

prevenir a prática de crimes. É de Füerbach a teoria psicológica da “coacção”, (impulso de praticas

crime), sendo a função da pena exatamente combater esse impulso de cometer crimes. Intimida-se

as pessoas, com esta “coacção” para que os cidadãos em geral não cometam crimes. Esta prevenção

geral divide-se em:

1 Prevenção geral positiva: revelar o que acontece quando se praticar um crime;

2 Prevenção geral negativa: revelar a intimidação.

A teoria da prevenção especial tem também a ideia de prevenção, mas a prevenção do

indivíduo, ou seja, que o agente não volte a cometer um crime. Deseja evitar a reincidência.

Os principais defensores da teoria da prevenção especial asseguram-na de três formas:

1 Salvaguardar a comunidade do delinquente;

2 Intimidar o autor com a pena;

3 Evitar a reincidência.

O Direito Penal é cada vez mais dirigido à pessoa do criminoso, criando condições para a

socialização.

Na teoria retributiva, que mais se opõe a Teoria da Prevenção, o crime é a própria razão de

ser da pena: a sanção é aplicada porque foi praticado o delito. Na teoria da prevenção, visa-se à

intimidação de todos os componentes do grupo social bem como do próprio condenado. É essa

teoria a que mais condiz com a moderna concepção da pena.

A teoria mista sustenta, por sua vez, que a pena é necessária ao ideal de justiça; na expiação

do criminoso, mas é também modo de defesa social, sendo meio de prevenir delito.

A sanção penal pode assumir diversos contextos: pode ser a um só tempo aflitivo, retributivo

e preventivo. O contexto atual, prudente que se diga de antemão, é o da recuperação do preso de

modo a tentar reinseri-lo à sociedade.

Resultava de reações primárias, quase instintivas, mais de fundo emocional, refletindo a

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característica ético-social dos grupamentos sociais, o que se pode vislumbrar no exame das

primeiras espécies de sanções que se conhece, como o escárnio, expulsão da comunidade,

vingança do grupo, vingança privada, etc” p. 104.

A criação e desenvolvimento da pena de prisão possibilitaram a redução da pena de morte, e

em muitos países, até a aboliu. Considera que a pena de prisão vem recebendo diferentes ideias.

Um notável pensador e filantropo inglês, Jonh Howard visitando, de 1775 a 1790, as

prisões de diversos países da Europa, deixou em seu livro State of Prisons descrita a

situação lastimável em que se encontravam os prisioneiros, submetidos a regimes duros, a

penas disciplinares corporais, numa promiscuidade revoltante, mal alimentados, mal

vestidos, metidos em prisões sem higiene alguma; e por isso, foco de febres infecciosas que

os discriminavam e se propagavam para a população livre, deixando aquele livro profunda

impressão nos centros civilizados. Aos seus esforços, se deve a criação das prisões locais,

dotadas de celular e submetidas a regulamentos disciplinares em Horsan (1779) e em

Glericester (1791)..

3.1 Sistemas prisionais

A filosofia de se utilizar a prisão como forma de pena começou somente a partir do século

18. A evolução dos regimes de aplicação de penas está intimamente ligada à evolução dos próprios

sistemas penitenciários.

São três os sistemas penitenciários clássicos: o “pensilvânia” ou “filadélfico”, o

“auburniano” e o inglês ou progressista.

O sistema “filadélfico”, também chamado de belga, porque adotado na Bélgica, tinha como

característica principal o rigoroso isolamento, tanto diurno quanto noturno, a oração e a abstinência

total de bebidas alcoólicas. A saída da cela só era permitida para o pátio fechado. Esse isolamento

exacerbado só levava à loucura ou ao embrutecimento do condenado. Tinha uma forte

fundamentação religiosa, mas já apresentava a influência das idéias iluministas de Beccaria.

No sistema “auburniano”, originário da penitenciária de Auburn, só havia isolamento

noturno. O trabalho era obrigatório no regime de absoluto silêncio. Esse sistema surgiu da

necessidade de se superar as limitações e os defeitos do regime filadélfico, e como forma de

adequar a mão-de-obra penitenciária aos anseios capitalistas, aproveitando o apenado como força

produtiva. O sistema pensilvânico fundamentava-se basicamente em uma orientação religiosa,

enquanto o auburniano motivava-se claramente em razões econômicas.

O sistema progressivo ou inglês, de autoria do inglês Maconichia, primeiramente implantado

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na colônia penal de Norfolk (1840) na Inglaterra, o trabalho era como se fosse moeda de troca,

como estímulo à possível redução da pena imposta.

É o regime dos distintivos (estrela verde) que marca o progresso obtido no cumprimento da

pena, com a administração do trabalho externo; as saídas possibilitadas pelo regime semi-

aberto e aberto, com possibilidades de aprimoramento da instrução e cultura do condenado;

só aceito os castigos moderados e de natureza disciplinar, não ofensivos à condição

humana, com as seguintes características:

a) proibição de medidas ofensivas à dignidade humana;

b) que exponham os condenados a perigo relativo à saúde;

c) proibição de isolamento diurno, só admissível em caráter excepcional;

d) separação das mulheres, em regime adequado à sua condição e formação.

A adoção do regime progressivo coincidiu com a ideia da consolidação da pena privativa de

liberdade como instituto penal e da necessidade da busca de uma reabilitação do preso

possibilitando-lhe reintegrar-se à sociedade antes do término da condenação. O sistema progressivo

tinha como fundamento dois princípios: estimular a boa conduta do apenado e obter sua reforma

moral para uma posterior vida no seio da sociedade. A duração da pena baseava-se na conjugação

de três fatores: a gravidade do delito, o aproveitamento do trabalho e pela conduta do apenado.

É preciso entender a evolução da aplicação das penas de privação de liberdade para se

entender seus problemas. Desde sua origem, sua alma é de expiação do corpo do condenado.

Contudo, alem do caráter retributivo do mal causado à sociedade, os grandes doutrinadores

históricos nos ensinam que a pena deve também possuir caráter ressocializador.

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4 CLASSIFICAÇÃO DAS PENAS

Há basicamente quatro tipo de penas:

1 Privativas de liberdade: são sanções corporais, pois atingem a liberdade física do apenado, e em

regra, têm a noção de encarceramento através da prisão simples, reclusão e detenção;

2 Restritivas de liberdade: limitam em parte o poder de locomoção, embora não recolham à prisão

de forma absoluta, a exemplo do banimento;

3 Restritivas de direitos: diminuem direitos, que não a liberdade de locomoção (interdição

temporária de direitos, prestação de serviços à comunidade etc);

4 pecuniárias: possuem caráter econômico e acarretam diminuição do patrimônio do apenado (multa

e confisco).

A todas essas penas se aplicam princípios básicos do direito penal, tais como Legalidade,

Personalidade, Proporcionalidade e Inderrogabilidade.

Pelo princípio da Legalidade é necessária previsão legal da pena a ser aplicada. Nula poena,

nullun crimen sine praevia legem de acordo com o art. 1º do Código Penal brasileiro e o art. 5º,

XXXIX da Constituição Federal do Brasil de 1988.

O princípio da Personalidade significa que a pena se restringe a quem tenha praticado o

delito, sendo vedada a terceiros (art. 5, XLV). É através dessa individualização que se alcança a

eficiência do tratamento penal. “Nos termos do nosso novo Código penal, destina-se a pena a

exercer sobre o condenado – uma individualizada ação educativa, no sentido de sua recuperação

social.”

Proporcionalidade porque cada conduta criminosa deve ser reprimida com uma sanção

proporcional ao mal por ela causada.

Inderrogabilidade significa que a pena deve ser certa e deve ser cumprida, se praticado o

delito previsto.

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4.1 Penas privativas de liberdade

No Brasil, somente com a Constituição de 1824, em seu artigo 179 §18, declarou-se

expressamente o fim dos suplícios e das penas infamantes. Editou-se o Código Penal de 1890 com a

Proclamação da República, aboliu-se as galês e limitou em 30 anos as penas de prisão, instituiu a

prescrição das penas e mandou computar na pena o tempo de prisão preventiva. A Constituição de

46 restaurou direitos e liberdades individuais, proibindo expressamente, no art. 141 §31, a pena de

morte, banimento, confisco e prisão perpétua.

O ordenamento jurídico brasileiro atual possui mais de 260 infrações no Código Penal,

punidas com pena privativa de liberdade. Essa modalidade de pena é bastante influenciada pelas

teorias das penas já analisadas em momento anterior. Até meados dos anos 60, a pena serve como

retribuição do mal causado, ou na visão de Kant, o “restabelecer a justiça”.

Em momento posterior surgiram as teorias utilitárias ou instrumentais, que vislumbravam na

pena a ideia de prevenção, deduzindo a prevenção geral e especial. Inicialmente a pena privativa de

liberdade se coadunava com essas duas teorias. Observava-se que a pena que devia intimidar não

intimidava. A delinquência era uma conseqüência natural do aprisionamento, ou seja, a prisão

fracassava em seus objetivos declarados.

De uma forma geral, desde a Reforma Penal na Alemanha de 1975 que instituiu a pena

unitária privativa de liberdade, passou-se a defender a unificação da reclusão e detenção. Estas são

as duas formas possíveis de privação de liberdade. A Alemanha imperial nos deixou muitas

inovações no que diz respeito à sistemática jurídica, mormente com relação ao direito penal e suas

diversas penas. A legislação imperial alemã arrolava quatro espécies de pena de prisão:

• Reclusão como pena grave e infamante, com trabalho forçado;

• Encarceramento, pena de gravidade média, não infamante, mas com trabalho forçado;

• Detenção, pena leve, não infamante, ordinariamente sem trabalho forçado;

• Prisão em fortaleza, como pena grave, não infamante, ordinariamente sem trabalho forçado.

Na prática, observou-se que a diferença entre a reclusão, entre o encarceramento e a

detenção, era quase nenhuma ou nenhuma. Na teoria, a reclusão era a pena do crime; o

encarceramento, a do delito e a detenção a da contravenção. A reclusão era necessariamente

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acompanhada de trabalho forçado e era permitido o trabalho fora do recinto da prisão, desde que os

condenados fossem separados dos trabalhadores livres. O encarceramento permitia aos condenados

(art. 16) serem empregados em trabalhos que se correlacionem com suas aptidões e com suas

condições, desde que assim o pedissem; podiam trabalhar fora da prisão se os condenados

consentissem. Não havia trabalho forçado na prisão em fortaleza. Já era um suspiro da efetiva

aplicação da pena de trabalho comunitário.

Como primeiros precursores das prisões modernas, podem ser consideradas, a prisão

celular de Franci, aberta em Florença em 1677 e a casa de correção construída em Roma,

em 1704, por Clemente XI, destinada aos moços pervertidos; ahi foram pela primeira vez

experimentados com feliz resultado o trabalho em comum sob a lei do silêncio durante o

dia e a prisão celular durante a noite.

No Brasil, mesmo com a Reforma Penal de 1984, manteve-se reclusão e detenção como

espécies do gênero “pena privativa de liberdade”. A doutrina aponta algumas diferenças entre elas:

1 O regime inicial de cumprimento, na reclusão, pode ser fechado, o mais rigoroso de nosso sistema

penal, semi-aberto ou aberto. Na detenção, o regime inicial é o semi-aberto ou o aberto. A detenção

só poderá ser cumprida em regime fechado se houver a regressão. Infere-se que somente os crimes

mais graves são puníveis com pena de detenção, reservando-se a reclusão aos crimes de menor

gravidade;

2 A autoridade policial poderá conceder fiança apenas nas infrações punidas com detenção ou prisão

simples;

3 A pena de reclusão executa-se primeiro depois, a detenção ou prisão simples.

4 Somente os crimes punidos com reclusão, praticados pelos pais, tutores ou curadores contra os

respectivos filhos, tutelados ou curatelados geram a incapacidade para o exercício do pátrio-poder,

tutela ou curatela;

Essas são as diferenças primordiais entre reclusão e detenção. As penas privativas de

liberdade configuram o núcleo de todas as principais formas de punição da sociedade

contemporânea, e é a forma como a sociedade vem costumeiramente buscando que os condenados

“paguem” por seus crimes.

Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto.

A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a

regime fechado.

§ 1º - Considera-se:

a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média;

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b) regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou

estabelecimento similar;

c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado.

§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva,

segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as

hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:

a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime

fechado;

b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8

(oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;

c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá,

desde o início, cumpri-la em regime aberto.

§ 3º - A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância

dos critérios previstos no art. 59 deste Código.

4.2 Regimes de pena

O regime carcerário significa a sistemática, a marcha com que se dará o cumprimento da

sanção. São determinados pela espécie, quantidade da pena e pela reincidência, aliadas ao mérito do

condenado num sistema progressivo. São de três tipos:

• Regime Fechado: se o agente for condenado a pena superior a oito anos, deverá iniciar em

regime fechado (art. 33, § 2º, a) sendo cumprida em penitenciárias, com sujeição a trabalho

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diurno (na conformidade de suas aptidões ou ocupações anteriores desde que compatíveis com a

execução da pena) e isolamento noturno. Não tem direito a freqüentar cursos e o trabalho

externo só é possível em obras ou serviços públicos, desde que o condenado tenha cumprido

mais de um sexto da pena;

• Regime semi-aberto: se o agente condenado a pena superior a quatro anos e menor que oito for

primário, poderá iniciar nesse regime (art. 33, §2º, b), devendo cumpri-la em colônia agrícola,

industrial ou estabelecimento congênere. Não há previsão para o isolamento durante o repouso

noturno e terá direito a frequentar cursos profissionalizantes, de instrução de 2º grau (médio) ou

superior. Com relação ao condenado reincidente: “Súmula do STJ: 269 - É admissível a adoção

do regime prisional semi-aberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro

anos se favoráveis as circunstâncias judiciais.”

• Regime aberto: se o agente condenado a pena igual ou inferior a quarto anos for primário,

poderá iniciar nesse regime. Baseia-se na autodisciplina e no senso de responsabilidade do

apenado. O condenado é recolhido (em casa do albergado) durante o repouso noturno e nos dias

de folga. O condenado deverá trabalhar, freqüentar cursos ou exercer quaisquer outras

atividades autorizadas fora do estabelecimento e sem vigilância. Assim o detento deve

demonstrar que merece a adoção desse regime e que para ele está preparado, sem frustrar os fins

da execução penal, sob pena de ser transferido para outro regime mais rigoroso (art. 36, § 2º do

CP).

• Regras do regime disciplinar diferenciado (RDD): Pela nova redação do art. 52 da Lei de

Execuções Penais, o regime disciplinar diferenciado poderá ser aplicado, sem prejuízo da

sanção correspondente à falta grave, nas seguintes situações:

1ª) prática de fato previsto como crime doloso que ocasione subversão da ordem ou disciplina

internas;

2ª) apresente alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade;

3ª) quando houver fundadas suspeitas de envolvimento ou participação em organizações

criminosas, quadrilha ou bando. Esse regime terá duração máxima de trezentos e sessenta dias

prorrogáveis em caso de reincidência na falta grave até o limite de um sexto da pena aplicada. O

isolamento acontece em cela individual com direito à saída da cela por duas horas diárias para

banho de sol.

É essa mesma espécie de pena que se diz, com bastante verdade, que se encontra em

falência, decorrente de vários fatores: “O Brasil é considerado um dos países que mais desrespeita

os direitos humanos e também leva a fama de que só coloca na cadeia os três (3) ‘p’: preto, pobre e

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prostituta.”

O grande problema no Brasil é a desigualdade social, o que se reflete também na política

penal, sendo que vários são os problemas que atingem o Brasil e um deles (mais um) é a inflação de

leis absurdas, contraditórias e inúteis que estão em vigor. E são leis federais, estaduais e municipais.

Tem que ser colocado na equação que o Brasil possui muito mais de 5.000 (cinco mil) municípios.

O Brasil não se satisfaz nem com sua própria Constituição, visto que também são inúmeras

Emendas Constitucionais, sem contar as centenas e milhares de Medidas Provisórias todos os anos.

Toda essa situação no Brasil é um contra-senso tremendo: não obstante a produção de um

número absurdo de leis, o artigo 3° da Lei de Introdução ao Código Civil prescreve que “ninguém

pode escusar-se de cumprir a lei sob o pretexto de não conhecê-la”. O problema é ainda maior se

tratar de matérias de direito penal, posto que é o ramo do direito que alberga situações jurídicas tão

invasivas na vida do ser humano. O Ex. Ministro do Superior Tribunal de Justiça Francisco Assis

Toledo (I, II e III – Themis, Fortaleza, vol. 1, n° 2. p. 125, 132, 1998) afirmou que:

a) o ar que respiramos não é favorável a grandes inovações na área do Direito Penal na medida em

que se nota são condições propícias ao ressurgimento de idéias retrógradas como: endurecimento

das penas, a revogação dos benefícios concedidos aos condenados, a reedição de penas cruéis do

passado, o rebaixamento da idade limite da responsabilidade penal, o que recebe eco da mídia e, por

isso, conquista a adesão de políticos em busca de votos e de apoio popular;

b) Conforme levantamento do Ministério da Justiça foram apontados dados preocupantes no tocante

à pena de prisão: os espaços existentes nos estabelecimentos penais estão ocupados pelo dobro do

número de presos em relação ao número de vagas e o número de mandados de prisão expedidos

pela Justiça e não cumpridos aproxima-se de 300.000;

c) Como se vê, enigma da esfinge aí está: decifra-me ou te devoro. Mas para decifrá-lo teremos de

mudar a postura e rever profundamente nossas convicções tradicionais a respeito da infalibilidade

da pena de prisão como resposta única do Estado a toda e qualquer espécie de crime.

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4.3 Penas pecuniárias

O Código penal brasileiro estipula que a pena de multa consiste no pagamento ao fundo

penitenciário da quantia fixada e calculada em dias multa. Essa multa pode ser a sanção principal,

quando cominada abstratamente como pena específica a um tipo penal, ou alternativa ou cumulativa

com a pena privativa de liberdade cominada no tipo, podendo ainda ser instituída como pena

substitutiva.

No Brasil, a pena de multa deve ser paga no prazo de dez dias após transitado em julgado a

sentença penal condenatória. Importante salientar que a execução da pena de multa é considerada

dívida de valor e assim, aplicam-se as normas da chamada dívida ativa da Fazenda Pública. “STF

Súmula nº 693: Não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa, ou relativo a

processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada.”

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4.4 Penas restritivas de direito

Von Lirzt, ao seu tempo, lutou para a reformulação do sistema, propondo a substituição das

privativas de liberdade por recursos mais adequados. Uma das primeiras penas alternativas surgiu

na Rússia, em 1926, que foi a prestação de serviços comunitários, arts. 20 e 30 do Código Penal

soviético. Por outro lado, foi na Inglaterra que se aperfeiçoou o trabalho comunitário, com seu

“Comunity Service Order”, a partir de 16 anos. O êxito inglês influenciou inúmeros países. O

sistema penal sueco tem como base se evitar sanções privativas de liberdade, alegando-se que essas

sanções não contribuem com a readaptação à vida em sociedade.

No Brasil, paralelamente às penas privativas de liberdade, a legislação penal também prevê

algumas penas mais brandas, que não atingem de forma direta a liberdade do condenado: são as

penas restritivas de direito, ou penas alternativas.

Com a nova redação dada pela Reforma Penal, passou o artigo 43, do Código Penal, a dispor

o seguinte com relação às penas restritivas de direitos:

Art. 43. As penas restritivas de direitos são:

I – prestação pecuniária;

II – perda de bens e valores;

III – (Vetado);

IV – prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas;

V – interdição temporária de direitos;

VI – limitação de fim de semana.

As penas substitutivas foram denominadas penas restritivas de direitos e previstas no artigo

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43, com a redação da Lei nº 9.714/98. Ao final de 1998, a Lei 9.714 de 25.11.98 aumentou o rol das

penas restritivas de direitos. Além da prestação de serviços à comunidade, temos previsto na lei a

interdição temporária de direitos, limitação de fim de semana, prestação pecuniária, perda de bens e

valores de serviços a entidades públicas. É cabível a substituição da pena privativa de liberdade

inferior ou igual a quatro anos, não sendo o crime praticado com violência ou grave ameaça à pena.

Sendo culposo o crime, independe de quantum da pena aplicada. Se for doloso o crime, mesmo em

reincidência, o juiz poderá aplicar a pena substitutiva, desde que, em face de condenação anterior, a

medida seja socialmente recomendável e que não seja reincidência em mesmo crime.

Tais penas somente podem ser atribuídas aos réus que não ofereçam periculosidade e que

possam permanecer em liberdade.

Preconizar-se novo sistema de penas, dotado de substitutivos à pena de prisão, revertido de

eficácia pedagógica, de forma a restringir à privação da liberdade a crimes graves

cometidos por delinqüentes perigosos. A busca de outras sanções para criminosos sem

periculosidade diminuirá a ação criminógena do cárcere e atuará como fator de

despopulação das prisões.

Essas penas restritivas de direitos são autônomas, substitutivas e reversíveis. Salienta Juarez.

Cirino dos Santos:

As penas restritivas de direito possuem tríplice caráter (art. 44, inciso e parágrafos, e 54,

CP):

a) são autônomas como espécie independente de pena, existente ao lado das penas

privativas de liberdade;

b) são substitutivas, porque aplicáveis como alternativas da pena privativa de liberdade

aplicada (a única exceção é a interdição de direitos nos crimes com violação de deveres de

profissão, atividade, ofício, cargo ou função, em que a pena restritiva de direitos atua como

autêntica pena carcerária);

c) são reversíveis porque admitem, em determinadas hipóteses, reaplicação da pena

privativa de liberdade substituída, como garantia de eficácia da pena restritiva de direitos

aplicada.

Explicando: são autônomas e substitutivas. Autônomas porque a aplicação de uma delas não

significa aplicação conjunta das outras. Além disso, na sentença, devem ser aplicadas

automaticamente, diretamente pelo juízo das execuções penais. Substitutiva porque as penas

previstas para os crimes são sempre de reclusão ou detenção (ou multa); as restritivas são aplicadas

de modo substitutivo frente a uma pena de reclusão ou detenção. A prestação de serviços

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comunitários está prevista no art. 46 CP, ficando ressaltado o caráter de potencial oportunidade de

reeducação para a cidadania. O serviço deve ser prestado de forma gratuita e sem remuneração. As

condições para sua aplicação são:

• Objetivas:

• Ter sido o agente condenado à pena privativa de liberdade;

• Em crimes dolosos, a pena não deve ser superior a quatro anos;

• Não ter sido cometido mediante violência ou grave ameaça à pessoa;

• Em crimes culposos, qualquer que seja a pena imposta;

• O agente não pode ser reincidente em crime doloso.

• Subjetivas:

• Culpabilidade do agente;

• Antecedentes;

• Conduta social;

• Personalidade do agente;

• Motivos e circunstancias que indiquem que a substituição seja suficiente.

As penas restritivas de direito têm a mesma duração da pena privativa de liberdade

substituída e não devem ser penas acessórias, mas são penas autônomas e substitutivas menos

severas. Da leitura do artigo 44 do CP se depreende que as penas restritivas de direito substituem as

privativas de liberdade fixadas em quantidade não superior a quatro anos e desde que o crime não

tenha sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa. Outra possibilidade de aplicação é

em se tratando de crime culposo, qualquer que seja a pena aplicada. É também necessário que o réu

seja reincidente em crime doloso; sendo reincidente em crime culposo ou pela prática de crime

doloso e culposo, o juiz deverá analisar se a medida é socialmente recomendável perante a

condenação anterior, salve a reincidência não seja de um mesmo crime. Não terá problema algum a

substituição se a condenação anterior tenha transitado em julgado após o cometimento do crime

pelo qual está sendo julgado. Na mesma ressalva, se já houver decorrido o prazo de cinco anos do

art. 64, I da CP.

Apesar da pena restritiva de direitos ser autônoma, ela substitui a privativa de liberdade, e

dessa forma não pode o juiz fixá-la diretamente. Primeiro o juiz deve fixar penas privativa de

liberdade e em seguida a substituir, especificando por qual das modalidades possíveis, sob pena de

nulidade. Havendo sentença condenatória, a execução das penas restritivas de direito só se torna

possível com o trânsito em julgado da sentença condenatória, com o que se faz necessário para a

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expedição da guia de execução. Sendo necessária a colaboração de entidades públicas, ou

particulares para o efetivamento da pena restritiva de direito, o juiz da execução deve requisitar de

entidades públicas e solicitar a particulares. Aqui está evidenciada a divisão de responsabilidades no

cumprimento dessas alternativas com as pessoas jurídicas de direito público ou privado ou com os

particulares.

Alguns doutrinadores entendem que as penas restritivas de direito, na verdade, para uma boa

técnica, deveria se chamar de penas alternativas e já que algumas dessas sanções não são

propriamente restritivas de direito, a exemplo da perda de bens e valores, multa. Todas essas penas

alternativas não podem ser aplicadas diretamente, isto é, são subsidiárias à pena privativa de

liberdade, somente podendo haver a substituição se presente os requisitos legais. Não podem

também ser aplicadas cumulativamente com a pena privativa de liberdade.

O momento correto para haver a substituição é na sentença. No entanto o art. 180 da LEP

permite que seja feita a conversão na execução. A pena restritiva de direitos converter-se-á em

privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado, ou quando, por outro crime,

sobrevier condenação à pena privativa de liberdade.

Insta acentuar que, embora previstas no art. 43 do Código Penal como “penas restritivas de

direitos”, nem todas as penas dos artigos supramencionados, são restritivas de direitos,

como é o caso da perda de bens e valores, multa e prestação pecuniária, de natureza

pecuniária.

A impropriedade linguística de se chamar pena restritiva de direito ou penas alternativas

assume um tamanho muito pequeno se comparada com o problema da eficácia da sua aplicação.

Deve ser visto então, como questão meramente conceitual, sem quase ou nenhuma aplicação

prática.

Tal como se prevê no Brasil, na Alemanha existe a possibilidade de substituir a pena

privativa de liberdade, à disposição do juiz a ser executada no momento da determinação da pena na

sentença, cabendo-lhe escolher a medida mais adequada, levando em consideração a personalidade

do agente, entre outros requisitos. Na própria definição legal da pena de prestação de serviços

comunitários, está clara a preocupação em estabelecer onde deve acontecer tal prestação. Não se

aceita, a princípio, as entidades privadas que visam lucros. Alguns doutrinadores entendem o

contrário. Em alguns países, as penas são executadas no horário normal de atividades diárias do

apenado, mas no Brasil, será em horário que não coincida com o trabalho diário do apenado, em

respeito aos interesses do considerado e ao processo de reintegração social.

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Neste particular, parece-nos que a metodologia brasileira é absolutamente correta, conforme

se verá, pois possibilita ao juiz eleger, com margem de liberdade, a pena mais adequada,

assim como a substituição de uma pena de sérios efeitos negativos por outra menos

dessocializadora.

As penas restritivas de direitos, a exemplo da prestação de serviços à comunidade e

limitação de fim de semana podem ser alteradas durante o seu cumprimento pelo juiz da execução,

se houver motivo determinante, ou se precisar readaptá-las às condições pessoais do condenado. A

entidade beneficiada pelo serviço prestado pelo condenado deve encaminhar mensalmente ao juiz

da execução, um relatório de todas as atividades do condenado; pode também, a qualquer tempo,

comunicar falhas e faltas porventura existentes.

Essa alternativa a prisão não pode ser confundida com a modalidade de trabalhos forçados

que é vedada pela Constituição Federal, ela é modalidade gratuita de serviços, possui tempo

limitado, tem caráter retributivo e ainda devem ser consideradas as aptidões de seu

beneficiário, o que é completamente diferente de trabalhos forçados, nos quais seus

condenados exercem atividades penosas.

Atualmente o Código Penal contempla nove sanções alternativas além da pena pecuniária.

Trata-se, bom frisar, de rol taxativo, não havendo possibilidade de o juiz criar novas sanções

substitutivas. O objetivo dessas penas alternativas está esculpido no art. 5°, XLVI CF/88, que prevê

a pena de prestação social alternativa, diminuindo a superlotação dos presídios, reduzindo os custos

do sistema penitenciário, favorecendo a ressocialização e reduzindo a reincidência. As penas

alternativas restritivas de direito podem ser de dois tipos: penas restritivas de direito em sentido

estrito e as penas restritivas de direitos pecuniários. A prestação de serviço comunitário é da

primeira modalidade.

O Brasil está longe de perceber todos os efeitos da prestação de penas alternativas,

principalmente da prestação de serviço comunitário, que é dentre as penas alternativas, a que mais

se vincula ao caráter pedagógico da pena.

5 PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE

A Constituição do Brasil proíbe as chamadas penas de trabalhos forçados, contudo, não se

está proibindo trabalho ao condenado. A interpretação desse dispositivo deve ser conseguida de

acordo com o princípio da dignidade humana, que veda a aplicação de penas que aviltam a pessoa

do condenado, como aquela imagem do condenado trabalhando com uma bola de ferro presa aos

pés.

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Diplomas legais espalhados pelo mundo todo rechaçam a prestação de trabalhos forçados ou

obrigatórios. O trabalho deve ser visto tanto como um direito como dever do condenado, o que pode

demonstrar que o condenado está preocupado em voltar para a sociedade de forma produtiva, além

de ter o direito da remissão da pena: para cada três dias de trabalho, um dia de pena remida. A

própria sociedade não concorda, a princípio, com a ressocialização do apenado. De verdade, só que

não se pode generalizar o termo ressocialização.

A experiência atual mostra claramente que o penitenciarismo, ou seja, a ressocialização por

meio do encarceramento, não consegue alcançar suas expectativas. O que se observa é o

aviltamento da personalidade do preso. A culpa, porém, não é toda desse sistema falido: é também

da má distribuição de renda, do falho sistema de educação, falta de trabalho. Dessa forma “a prisão

não é a melhor alternativa, mormente por saber-se que ela se tem apresentado inútil como meio de

reinserção do condenado na vida comunitária” Com a Lei 7209/84, as possibilidades de penas

aplicáveis passaram a ser três:

- privativas de liberdade (reclusão e detenção);

- restrição de direitos (a principal inovação prevendo as penas de prestação de serviços à

comunidade, interdição temporária de direitos e limitações de fim de semana); e

- multa.

A pena de restrição de direitos não era inovação genuinamente brasileira, porquanto já

existia essa previsão na Rússia de 1926, com a prestação de serviços à comunidade, e em 1960, o

mesmo diploma penal instituiu a pena de trabalhos forçados com o intuito de corrigir e reeducar o

apenado. A Inglaterra, em 1972 também instituiu o trabalho comunitário, influenciando vários

outros países inclusive o Brasil. A primeira das penas restritivas de direito previstas (indicadas) no

dispositivo penal era a pena de prestação de serviços à comunidade.

O trabalho do detento é um fator comprovadamente que ajuda na transformação carcerária.

Quando se pune alguém, deve-se ter em mente que a certeza da punição é fator muito mais

importante nos efeitos da punição, que uma punição mais severa.

Além disso, com esse trabalho buscava-se diminuir os custos com os presos e ainda formar

uma quantidade de novos operários. O mecanismo disciplinar da prisão marca, por mais estranho

que pareça, a humanidade do direito de punir, visto o que existia antes e sendo ela à justa medida

segundo a variável do tempo. Deve a prisão proporcionar isolamento do detento em relação a outro

detento e em relação ao mundo exterior para que o condenado se afaste de tudo de nefasto que o

levou à infração. A solidão suscita, dessa forma à reflexão, um trabalho de sua consciência. “O

trabalho é definido, junto com o isolamento, como um agente da transformação carcerária.”

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Isso tudo é baseado no princípio da dignidade humana. A solução, outrora apontada por

muitos, da construção de novos presídios, não passa de uma brisa num vendaval, é necessária, mas

não suficiente. É necessidade inadiável dar novo enfoque à pena de prisão, bem como reformular o

conceito de pena. “Desde que se pretenda propiciar ao delinquente uma efetiva ressocialização.

Ressocialização entendida como proporcionar-se ao delinquente uma formação educacional e

profissional capaz de reajustá-lo ao meio social.”

E isso passa por outro grande problema:

Trata-se da necessidade de modificação da atitude da sociedade frente ao preso e da atitude

do preso frente à sociedade... O primeiro passo deve ser dado pela sociedade. Na medida

em que esta se interessar pelo problema do preso, passará a conhecê-lo melhor e poderá

compreender o drama que existe em cada delinquente.

Sua recuperação interessa a todos e mais ainda à própria sociedade e dessa forma a

sociedade tem que deixar de pensar que o crime e o criminoso são problemas só da justiça e da

polícia. Numa visão mais pormenorizada do fenômeno crime, percebemos que ele não é regido por

leis causais, mas sobretudo por leis estatísticas. Pela observação das pessoas residentes num

presídio qualquer, grande parte é pobre, o que se poderia concluir que a pobreza seja causa de

crime, o que não é verdade, porque igualmente muitos pobres não praticam crimes. O que se pode

concluir é que a pobreza é fator de crime. Temos assim que, além do problema carcerário

enfrentamos o problema penitenciário, que é a terapêutica penal visando à recuperação do

sentenciado.

Não seria nem um pouco ressocializador se não se pudesse alterar determinada pena

restritiva. Deve se levar em consideração, o sujeito da prestação da pena, ou seja, o condenado, se

ele está faltando, se ele pode ser melhor aproveitado em outra atividade etc.

No contexto da formação da definição da criminologia como uma nova ciência, o Brasil se

encontrava-se e ainda se encontra um passo atrás em relação à Europa.

Com uma enorme preocupação com a eficácia da ação judicial, o discurso jurídico no

Brasil no início do período republicano realizou um movimento que ia do trabalho às

práticas repressivas que deveriam ser as mais “modernas e eficientes”, discorrendo

amplamente acerca das penas e da ação ressocializadora da ação judicial. Neste sentido, a

instituição judiciária disparou um conjunto de práticas políticas e ideológicas que visavam

uma atuação decisivamente disciplinar, através a ‘educação para o trabalho.

Apesar da ideologia avançada, os sentenciados ainda eram tratados como mortos e almas, e

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os números mostram-nos, como informava relatórios anuais feitos pelo Ministro da Justiça de 1895,

Antônio Gonçalves Ferreira. Nesses relatórios, os sentenciados eram alcunhados de “almas”, isto é,

mortos, sem qualquer chance de retorno ao mundo dos viventes. Passada a República, já em 1903,

foram fundadas instituições no Rio de Janeiro, que viessem a obedecer aos dispositivos processuais

penais de se perseguir a ressocialização: Colônia Correicional de Dois Rios e a Escola Premonitória

Quinze de Novembro. É interessante notar a estreita relação que se observava nessa época.

5.1 Obstáculos às penas de prestação de serviços à comunidade

Vários fatores obstacularizaram seu sucesso efetivo: inexiste uma estrutura de apoio a essa

atividade, falta de conhecimento e/ou medo de obrigar um infrator (medo esse incutido pela própria

imprensa). Essa prestação completa perfeitamente o conceito moderno de “pena”, que abrange o

caráter retributivo, humanitário e ressocializador. Essa é uma das penas capazes de produzir o efeito

benéfico da punição, sem os inconvenientes da prisão.

O sucesso, em verdade, dependerá da participação de todos os envolvidos, do empenho no

sentido de que as modalidades de pena possam alcançar seus objetivos.

A sensibilidade e o engajamento da sociedade, também representam um fator decisivo para

que tal desidarato seja atingido.

Parece-nos que a sociedade não concorda, pelo menos à primeira vista, com a

ressocialização do condenado. O estigma da condenação, carregado pelo egresso, impede-o de

retornar ao normal convívio em sociedade. É interessante notar que a ideia de recuperação pelo e

para o trabalho estava na base da reflexão sobre a modernização institucional do controle social no

Brasil dos primórdios da República, tal como o ocorrido nos países europeus na passagem ao

capitalismo, desde o século XVI, quando os trabalhadores urbanos não tinham ainda, se organizado

politicamente.

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A prestação de serviços à comunidade respeita alguns detalhes: quando o somatório das

penas for superior a 6 (seis) meses de privação de liberdade; é possível o serviço em entidades

públicas, hospitais, escolas, orfanatos e outras instituições do gênero. Tem que se respeitar, porém, a

natureza do crime cometido e as aptidões do infrator quando da atribuição de que função prestar.

Em verdade, não podemos generalizar o termo ressocialização, razão pelo qual o processo

de individualização da pena existe. Aquele apenado que nunca aprendeu um ofício externamente,

enquanto gozava de sua liberdade, talvez desperte interesse em aprendê-lo no sistema penitenciário.

Se não tinha instrução básica, não sabia ler ou escrever, ou mesmo se, tendo algum conhecimento,

isso era insuficiente para colocá-lo no mercado de trabalho, talvez o sistema possa ajudá-lo de

alguma forma.

Cada preso tem sua particularidade, sua individualidade, não podendo ser confundido com

os demais. Para alguns, a ressocialização, entendida no sentido de educação e habilitação

para a prática de um ofício, seria um passo importante visando ao futuro egresso. A sua

especialização, em determinada área de trabalho faria com que sua mão-de-obra se tornasse

competitiva, mesmo sendo vista com reservas, considerando que ele traz consigo as marcas

do cárcere, ou seja, o efeito estigmatizante que dificilmente será esquecido, até que

efetivamente demonstre o seu valor.

No que concerne especificamente a prestação de serviço à comunidade ou a entidades

públicas, espera-se que aflore a sensibilidade do condenado, fazendo com que este se sinta inserido

na vida da comunidade. Essa modalidade de pena restritiva tem os seguintes aspectos: caráter

retributivo, intimidativo, ressocializador e alguns desdobramentos deste último, como por exemplo,

não gera desemprego e ainda presta serviços relevantes à sociedade. Deve ser respeitado, na escolha

do serviço, as aptidões do condenado para se dá maior utilidade à comunidade. “Escolhido” qual

serviço e onde, será o condenado intimado, para saber, os dias e horários de sua obrigação, no total

de oito horas semanais. Ao mesmo tempo, o condenado deverá saber que o descumprimento das

tarefas poderá acarretar a conversão da pena restritiva de direito em privativa liberdade, por isso que

será ele submetido a relatório mensal de suas atividades, por parte da entidade receptora dos

serviços. “Para promover a execução, o juiz deve requisitar, quando necessário, a colaboração de

entidades públicas, ou solicitá-las a particulares.” (art. 147).

No que se refere à prestação de serviço à comunidade, esse tipo de pena possui assento

constitucional no art. 9°, XLVI (como prestação social alternativa.) e consiste na atribuição de

tarefas gratuitas ao condenado. Deve ser feito pessoalmente, ou seja, o condenado não pode realizar

o serviço mediante atuação de terceiro.

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A Lei de Execução Penal assevera que o trabalho não somente é um direito, mas também um

dever do condenado, inclusive de natureza social Convém ressaltar que a jornada normal de

trabalho não pode ser prejudicada pela prestação de serviço à comunidade. No dizer que Guilherme

Sousa Nucci, a prestação de serviços gratuitos à comunidade depende da colaboração de entidades

assistenciais particulares, ou da atuação de órgãos estatais, com fins assistenciais, sem prejudicar o

trabalho normal do sentenciado.

A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas representa a mais adequada e

generosa modalidade de pena restritiva de direitos, entre todas as outras, concebida para substituir a

pena privativa de liberdade, mas sua aplicação é dificultada por obstáculos comunitários ou

oficinas: nem a comunidade, representada por entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos

etc., nem as entidades públicas, representadas pelos órgãos dos poderes da União, dos Estados e dos

Municípios, parecem receptivos à idéia de admitir a prestação de serviços substitutiva da privação

da liberdade de indivíduos estigmatizados por sentenças condenatórias do sistema de justiça

criminal.

O juiz encarregado da execução da pena é quem deve fazer a execução da prestação de

serviços à comunidade ou a entidades públicas. A intenção da lei não é prejudicar as atividades

normais do condenado, por isso é de uma hora de trabalho por dia, mas se tiver tempo disponível,

poderá trabalhar mais horas e se condenado a pena de mais de um ano, sua pena não poderá reduzir-

se para aquém da metade da pena privativa de liberdade originalmente fixada.

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5.2 Execução das penas de prestação de serviços à comunidade

No mundo atual, observamos as modernas teorias unificadas da pena, combinando as teorias

existentes, outrora teorias isoladas. O método utilizado na prisão é a disciplina, a política de coerção

objetivando reconstruir os indivíduos através de três recursos apontados por FOULCAULT:

vigilância hierárquica, sanção artificial normatizadora e o exame.

Antes de dezembro de 2003, com a Lei 10792 modificando a Lei de Execuções Penais, só se

permitia o trabalho do condenado realizado sob a gerência ou empresa pública e com o objetivo da

formação profissional do condenado (arts. 28 e 34, LEP). Com a Lei 10792/03, se admitiu

convênios do poder público com iniciativa privada para implantação de oficinas de trabalho em

instituições penais. As penas restritivas de direito surgiram com a reforma penal de 1984, e não

penas que criam obrigações, limitam direitos e reduzem a liberdade do condenado,

temporariamente.

Por mais que seja importante abordar as execuções de todas as ditas penas alternativas,

resume-se aqui somente à Prestação de Serviços à Comunidade, visto que esta alternativa à prisão

se apresenta como a maneira mais eficaz de frear a reincidência criminal.

A Prestação de Serviços à Comunidade ou Entidades Públicas, encontra-se explícita nos

artigos 43, IV e 46 do CPB. Esta modalidade, como já analisado, consiste na realização de

atividades gratuitas a instituições que visam a atender a comunidade, entendida como a sociedade

em geral, ou entidades públicas como ONG`s, creches, praças, orfanatos, escolas, ruas, hospitais,

Órgãos da Administração Direta ou Indireta, Fóruns entre outros. Os espaços dos hospitais, por

exemplo, por sua dinâmica e pela vivência que oferece, é ideal para o cumprimento da pena de

prestação de serviços pois aumenta o caráter educativo e permite a reinserção do infrator.

Entretanto, a possibilidade de convênio com capitais privados para implantar oficinas de trabalho

em instituições penais (art. 34 §2°, LEP) não inclui a terceirização da disciplina carcerária, porque o

poder disciplinar no sistema penitenciário continua monopólio exclusivo do Estado. Tem-se que,

normalmente, a prestação de serviços à comunidade desenvolve-se em média de 7 horas semanais,

não podendo prejudicar o prestador de serviços no seu horário habitual de trabalho e/ou atividades.

Prestando sem remuneração, seus serviços junto a entidades assistenciais, hospitais,

escolas, orfanatos, e outros estabelecimentos congêneres, além do descongestionamento das

instituições de custódia, tem-se por escopo sua ressocialização, esperando-se que a

experiência lhe sirva de reflexão para o seu crescimento como pessoa, ou no mínimo, para

que o iniba de reincidir em ato criminoso ou contravencional.

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Da mesma forma, assevera Edilhermes Marques Coelho na parte geral de seu livro Manual

de Direito Penal: a Dogmática numa ótica garantista que tais tarefas, no entanto, deverão ser

desempenhadas pelo condenado de forma gratuita, sem remuneração. A gratuidade tem singular

importância, pois resguarda o caráter punitivo da pena de prestação de serviços à comunidade.

Ademais, diferencia a prestação de serviços do trabalho do preso – este com jornada de trabalho e

sob remuneração.

Exemplificativamente, se a substituição for de uma pena de detenção de um ano, o juiz

determinará a prestação de 365 horas de serviços à comunidade. Se for de um ano e seis meses,

serão 365+180 = 545 horas, que deverão ser distribuídas a fim de não prejudicar a atividade laboral

do condenado, suas atividades normais, podendo ser prestadas durante a semana nos períodos

noturnos ou nos sábados e domingos.

Como leciona Fernando Capaz, a condenação a prestação de serviços à comunidade ou a

entidades públicas pode ser cumprida também de forma descontínua e em variados dias e com totais

de horas diferenciadas, desde que componha o montante de horas semanais prefixado pelo Juiz

executor.

Tal alternativa prisional é modalidade gratuita de serviços, as tarefas não podem ser

remuneradas, uma vez que se trata do cumprimento da pena principal (Lei de Execuções Penais art.

30) e não existe pena remunerada; possui tempo limitado, tem caráter retributivo e ainda devem ser

consideradas as aptidões de seu beneficiário (condenado), proporciona-lhe aprendizado, dando-lhe

oportunidades por meio do trabalho ter contato com pessoas habituadas a boas condutas e normas

de cidadania, oportunidades de demonstrar habilidades a serem valorizadas e aproveitadas,

transformando seu beneficiário de sujeito do crime para um sujeito social consciente da cidadania,

enfim, permiti-lhe acesso a serviços públicos por meio do exercício do direito de punir.

Analisando ainda sob a ótica da reintegração social, vislumbra-se também outro benefício

desta alternativa penal, uma vez que o fato de não ter sido preso evita o estigma ou alcunha de “ex-

presidiário”, facilitando-lhe oportunidades que são mais difíceis para pessoas egressas do sistema

prisional, a procura de sua reintegração.

Tal modalidade substitutiva à pena de privação de liberdade dá-se apenas quando o fato

processual reúne as condições previstas no art.44 do Código Penal Brasileiro, ou seja, quando a

pena privativa de liberdade aplicada ao caso for inferior a um ano; o réu não for reincidente e a

culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os

motivos e as circunstâncias indicarem que esta substituição seja eficiente. Finalizado ou suspenso o

processo penal com base no art.89 da Lei 9.099/95, o Ministério Público opinará acerca do

cabimento da pena de prestação de serviços à comunidade. Caberá então ao Magistrado, se acolher

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as razões do Ministério Público e de acordo com o seu próprio convencimento com relação àquele

acusado e às circunstâncias do caso concreto que o levaram a delinquir, sentenciar o condenado ou

processado (em caso de suspensão do processo), na forma legalmente prevista, pelo tempo que

julgar conveniente ao apenado, e indicar a entidade ou programa comunitário ou estatal onde será

prestado serviço pelo condenado (ou processado). Este, após intimado da sentença será cientificado

do local onde cumprirá a pena e seguirá com a documentação que lhe for fornecida pelo cartório

(ofício à entidade e cópia da sentença).

Art. 149 - Caberá ao juiz da execução:

I - designar a entidade ou programa comunitário ou estatal, devidamente credenciado ou

convencionado, junto ao qual o condenado deverá trabalhar gratuitamente, de acordo com

suas aptidões;

II - determinar a intimação do condenado, cientificando-o da entidade, dias e horário em

que deverá cumprir pena;

...............

Art. 150 - A entidade beneficiada com a prestação de serviços encaminhará mensalmente,

ao juiz da execução, relatório circunstanciado, bem como a qualquer tempo, comunicação

sobre ausência ou falta disciplinar.

Cabe ainda ressaltar que de acordo com o § 1º do art. 181 da LEP (Lei nº. 7.210/84), a pena

de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas será convertida em privativa de

liberdade quando o condenado não for encontrado por estar em lugar incerto e não sabido; não

comparecer, injustificadamente, à entidade ou programa em que devia prestar serviços; recusar-se,

sem justificativa, a prestar o serviço que lhe foi imposto como pena; e, praticar falta de natureza

grave.

Não é preciso que se elimine a pena privativa de liberdade, mas se deve conservá-la apenas

para os casos em que ela é indispensável. Há casos que essa pena deve ser substituída pelas medidas

e penas alternativas e restritivas de direitos, com resultados muito melhores. A aplicação da pena de

prisão atualmente no Brasil, não está reduzindo a criminalidade. Não funciona a pena privativa de

liberdade quando o sistema penitenciário não é adequado. Dados de pesquisa mostram que a

reincidência é maior a quem se submete à pena privativa de liberdade e menor em relação às penas

alternativas.

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5.3 Quem são os prestadores da pena de serviços à comunidade

Para a implementação a contento da efetividade da Prestação de Serviços à Comunidade é

mister delimitar-se quem são, a partir do cometimento de quais crimes ou infrações, pode-se falar

neste substituto penal. Como analisado no item passado, só cabe tal substituição quando a pena

privativa de liberdade aplicada ao caso for superior a seis meses de privação de liberdade (LEP, art.

30); se a pena substituída for superior a um ano é facultado ao condenado cumprir a pena

substitutiva em tempo inferior ao da pena privativa substituída (Código Penal, arts. 55 e 46 §4°)

nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada; cabe igualmente tal substituição se o

réu não for reincidente e deve-se levar em consideração a culpabilidade, os antecedentes, a conduta

social e a personalidade do condenado, bem como se os motivos, as circunstâncias e as

consequências di crime indicarem que esta substituição seja eficiente. São, portanto as infrações

leves, consideradas de menor potencial ofensivo, onde as mais comuns são:

• Lesão corporal leve;

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• Embriaguês ao volante;

• Dirigir sem habilitação;

• Desacato ou ameaça;

• Porte de entorpecentes ou substâncias ilícitas;

“O réu não deve ficar encarcerado senão na medida em que se considere necessário para

impedir de fugir ou de esconder as provas do crime.”

Além desses, podemos citar outros tipos penais suscetíveis de substituição com as penas

alternativas: Lesões corporais culposas delito de trânsito (art. 129); Periclitação da vida e da saúde

(arts. 130 a 137); Crimes contra a honra (arts. 138 a 145); crimes contra a liberdade pessoal (arts.

146 a 149); Crimes contra inviolabilidade do domicílio (art.150 e seus parágrafos); Crimes contra

inviolabilidade de correspondência (arts. 151 a 154); Do dano (art. 163 a 167); Da apropriação

indébita (art.168 a 170); Estelionato (art. 171); e contravenções penais.

Fática e estatisticamente, de acordo com o Programa de Prestação de Serviços à

Comunidade feito pelo GADAH, observa-se que há um certo padrão com relação aos infratores que

são alvos ou mais suscetíveis a essa substituição:

• 91% são do sexo masculino;

• 68% entre 18 e 35 anos;

• 47% com ensino fundamental;

• 93% tem vínculo com a região.

Ainda conforme o mesmo estudo, nas Unidades onde o Programa está implantado, os

prestadores de serviços podem desenvolver as seguintes atividades, dentre outras compatíveis

assemelhadas:

• Distribuir, recolher e organizar fichas de atendimento;

• Arquivo em geral;

• Organização de estoques;

• Distribuição de materiais, prontuários e documentos;

• Separação e distribuição de rouparia;

• Recepção;

• Trabalhos de digitação;

• Serviços de manutenção predial, de equipamentos e sub-frota;

• Cuidados nos parques e jardins e ruas;

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Dado importante está nas estatísticas que nos apresentaram a respeito da reincidència: o

retorno à criminalidade é maior em relação aos condenados que cumpriram pena privativa de

liberdade; menor no tocante aos submetidos a medidas alternativas, como a prestação de serviço à

comunidade, que tem a preferência da comunidade mundial. E essas informações não são novas. Há

duas décadas que nos Estados Unidos a reincidência do egresso prisional varia de 40 a 80%, na

Espanha, chega a 60% (BITENCOURT, C. R. Falência da pena de prisão, cit. p. 149 “apud” p.

13.)

Em 2002, a Portaria n° 153, de 27/02/2002, instituiu o Programa Nacional de Apoio e

Acompanhamento de Penas e Medidas Alternativas com vistas a expandir ou difundir e ainda

fiscalizar a utilização das penas e medidas alternativas em todos os estados da federação. Este

programa confere eficácia à Lei 7209/84, que introduziu no Brasil a possibilidade de se aplicar a

substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direito, as quais estão arroladas

no artigo 43 do Código Penal.

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5.4 Pena de prestação de serviços à comunidade cumprida em empresa privada com fins

lucrativos

Outro ponto a ser discutido entre os doutrinadores é a questão se é admissível que a

prestação de serviços à comunidade seja cumprida em uma empresa de natureza privada com fins

lucrativos.

Importante ressaltar que em nosso ordenamento jurídico, é ausente disposição sobre a

questão. De forma sistemática, conduzindo uma interpretação teleológica da norma, tem-se que é

possível a prestação de tal pena com entidades privadas com fins lucrativos, mas desde que

atendidas certas condições, de modo a não significar que a parceria resulte em exploração de mão

de obra, em relação empregatícia ou, ainda, em enriquecimento ilícito.

Consta no art. 46, § 2.°, do Código Penal, que além de hospitais, estabelecimentos

assistenciais, escolas etc. o Juízo da Execução pode designar outros locais para o cumprimento do

trabalho. Trata-se, portanto, de um rol exemplificativo, que inclui empresas privadas com fins

lucrativos, no processo de ressocialização do apenado.

Esse é o caminho a ser adotado pela política criminal brasileira, uma vez constatada a

falência de seu sistema tradicional de repressão ao crime. Como sabemos, a superlotação nos

presídios torna inviável que autores de delitos, cuja ofensa ao bem jurídico é considerada leve ou

média nos termos da lei vigente, sejam afastados do convívio social. Essa segregação impossibilita

o alcance da realização da finalidade principal da pena, que é a reabilitação do condenado.

Elas se justificam pela própria falência do sistema punitivo lavado na privação de liberdade.

Bem afirma Luiz Flávio Gomes que ”a prisão é um produto caro e reconhecidamente não

ressocializa. Pelo contrário, dessocializa. Em razão da superpopulação, dos seus métodos e

da sua própria natureza, é desumana e cruel; corta o vínculo com a comunidade, com a

família, com o trabalho, com a educação etc. Há séria dúvida, por tudo isso sobre se cumpre

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ou não seu papel de intimidação”. Havendo tal ineficiência do conjunto de penas privativas

de liberdade, as penas restritivas funcionariam como alternativas racionalizadoras do

sistema punitivo.

Conclui-se que é sim possível que a prestação de serviços à comunidade seja feita em razão

de celebração de parcerias entre o Estado e empresas privadas, com ou sem fins lucrativos, para a

execução das penas alternativas apropriadas ao caso. Seria adotado o mesmo procedimento

utilizado pelas Centrais de Aplicação de Penas Alternativas em suas parcerias com entidades

públicas e com Organizações Não-Governamentais (ONGs).

Não faria sentido excluir tais entidades privadas, pois não há motivo jurídico ou fático para

tal impedimento, a medida que o aproveitamento dessa prestação supera, em muito eventual ponto

negativo. Proporciona sim uma grande integração, e quando essa integração é com entidades

privadas com fins lucrativos, sendo estas de grande importância econômica para a sociedade, aflora

um sentimento de maior integração na sociedade pelo apenado; faz com que os apenados se sintam

mais úteis na sociedade, concretizando sobremaneira os intentos.

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6 PERSPECTIVAS DAS PENAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE

É consenso geral que as Penas Alternativas, principalmente a de prestação de serviços

comunitários e a entidades públicas tem apresentado resultados bastante satisfatórios no que diz

respeito à recuperação dos condenados para o processo de sociabilidade.

É nesse sentido que se infere claramente as duas funções da pena modernamente: reeducar e

ressocializar. O Estado atua trazendo o infrator para seus cuidados, oferecendo todas as condições

de educação e posteriormente o devolve já recuperado, ao convívio social e familiar normal. De

uma forma geral, a pena tem duas características: preventiva e repressiva contra os ilícitos penais.

Surge e se desenvolve nesse contexto os Juizados Especiais Criminais com a Lei 9099/95.

O Juizado Especial Criminal surge, em princípio, com três propósitos. O primeiro deles

vem ao encontro da modernização do direto penal mundial, com a finalidade de

proporcionar ao infrator a possibilidade de reparar o dano causado, facilitando a

distribuição da justiça pela própria comunidade, evitando, assim, a contaminação do

infrator com o sistema carcerário. O segundo propósito é descongestionar os tribunais de

processos judiciais, cuja infração penal é considerada de menor potencial ofensivo, uma vez

que o acúmulo de processos judiciais dificulta a abreviação do espaço de tempo entre a

infração cometida e a decisão judicial, tornando, muitas vezes, a pena inócua.

Como consequência dos dois primeiros objetivos, surge naturalmente o terceiro, que é a

concretização da economia estatal.

É importante ressaltar, ainda conforme Tailson Pires Costa, que a Lei n° 9099/95 não

descriminalizou nenhum ilícito penal; apenas adotou algumas medidas despenalizadoras com a

finalidade de evitar a aplicação da pena privativa de liberdade. Para que a reeducação do preso seja

viável, é preciso separar o direito penal da execução penal. Enquanto no primeiro existe o

sentimento retribucionista do mal causado, no segundo, a finalidade deve ser extremamente

utilitária.

Outra inovação fundamental da Lei n° 9099/95 está na preocupação, pela primeira vez

demonstrada pela norma, em relação à vítima, ao possibilitar a reparação do dano causado. A pena

de prestação de serviço à comunidade está presente no ordenamento jurídico brasileiro desde

quando o atual Código Penal (Decreto-lei 2848/40) ainda era o projeto Alcântara Machado. “No

Estado Democrático de Direito, o sistema que mais se ajusta à sua natureza é o do direito penal que

visa a ressocializar o delinqüente, reparar o dano sofrido pela vítima e prevenir o delito.”

A pena de prestação de serviço comunitário assume uma função que nenhuma outra pena

alternativa tem a coragem de assumir que é a preocupação com a vítima, com a reparação do dano

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causado à sociedade. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas tem sido um

referencial da magistratura na aplicação da execução penal. Essas penas têm sido também apontadas

como o mecanismo responsável pela suavização do sistema carcerário brasileiro.

Diante da tão decantada falência da pena privativa de liberdade, que não atende aos meios

de ressocialização, a tendência dos legisladores, em consonância com a doutrina, é procurar

substitutivos penais para tal sanção, ao menos no que se relaciona com os crimes menos

graves e criminosos cujo encarceramento por curto período não é aconselhável pelos

evidentes efeitos dessocializadores que decorrem do e encarceramento.

O modelo tradicional repressor e castigador adotado no Brasil, vem perdendo cada vez mais

espaço para as penas modernas, já estudadas neste trabalho monográfico.

Outra tendência observada no Brasil é que seja transferida a execução da pena de prestação

de serviços à comunidade ao juiz da sentença. Tal medida poderia inclusive funcionar como válvula

de escape para a população carcerária, quando significaria uma maior celeridade na resolução dos

processos.

A aplicação de penas alternativas para pequenos delitos foi pedida pelos participantes dos

debates sobre "A questão penitenciária", na I Conferência Internacional de Direitos

Humanos. De acordo com Luiz Flávio Borges D'Urso, presidente da Associação Brasileira

dos Advogados Criminalistas, a privação da liberdade não é o melhor para punir o

indivíduo. Para Julita Lengruber, membro do Conselho Nacional de Política Criminal e

Penitenciária, o modelo prisional em funcionamento é absolutamente fracassado. Hoje seria

preciso, por exemplo, investir no Brasil pelo menos R$ 1,8 bilhão para resolver o problema

das vagas carcerárias.

Julita Lengruber vai mais longe: 45 mil presos que praticaram crimes sem gravidade

custam hoje para o governo cerca de R$ 200 milhões por ano. Com esse dinheiro poderiam

ser construídas 391 escolas, ou 5 mil postos de saúde. ou ainda 20 mil moradias populares.

Para Luiz Flávio D'Urso, há uma falácia de que aumentando a quantidade das penas e do

encarceramento teremos a diminuição da criminalidade. É o que prega, por exemplo, o

movimento Lei e Ordem, responsável pelas alterações no projeto de lei sobre os chamados

crimes hediondos. Para D'Urso, as penas alternativas podem ser uma resposta penal mais

eficaz contra a criminalidade cada vez mais crescente.

José Carlos Brasileiro, preso carioca em liberdade condicional e presidente do Instituto

Nelson Mandela, que faz acompanhamento de presos egressos na sociedade, também pediu

a imediata aprovação de penas alternativas e que o governo crie um sistema de teleducação

em todas as penitenciárias. Ele pediu ainda que o governo conceda indulto aos presos com

bom comportamento, aproveitando a visita do papa João Paulo II ao Brasil.

A conferência sobre "A questão penitenciária" ganhou dois reforços importantes com a

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chegada do jurista Evandro Lins e Silva, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, e do

professor Fábio Konder Comparato, da Universidade de São Paulo.

7 CONCLUSÃO

Concluir que a pobreza é causa absoluta do fenômeno “crime” é tão errado quanto atribuir à

cor da pele qualidades e defeitos. Tem-se que analisar o fenômeno social como um todo para buscar

remédios para esse problema. Não é a pobreza a causa única, mas é ela um dos fatores que

contribuem para a criminalidade. Ao lado desse, não podemos olvidar a falta de educação, saúde

moradia, mesmo que possuam laços intimamente ligados à pobreza.

O Brasil, no tocante ao direito Penal, é influenciado por muitas nações, inclusive a

Alemanha. Nesse país foi desenvolvido na sua época imperial, um sistema penal bastante inovador

e interessante, introduzindo o trabalho na aplicação da pena, dentro ou fora da prisão. Fica claro

uma certa influência alemã no atual contexto penal brasileiro.

A criminalidade afluente na em todo o Brasil é um problema social, que deve ser

equacionado da mesma maneira como são visualizados os problemas de saúde, de educação, de

transportes e de infra-estrutura social.

Para a solução desse grave problema, é preciso que se focalize a pena e a sua execução, no

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sentido de que a prisão não deve ser enfatizada como solução penal, devem se buscar alternativas à

prisão sempre que possível ser o réu tratado de outra forma, seja em regime de semi-liberdade ou

em regime de liberdade fiscalizada.

Ao longo da história humana, os crimes são punidos com muito rigor, porque se acreditava

que uma pena severa expurgaria o infrator da sociedade e também serviria como exemplo geral,

prevenindo, ou pelo menos buscando prevenir a reiteração.

Sabe-se que tal mentalidade é ultrapassada e somente alguns poucos ainda a defendem,

contrariando a evolução do pensamento penalista, que busca privilegiar a oportunização aos

que incorreram em infrações penais, de formas diversas de repassar o erro.

Preconiza-se novo sistema de penas, dotado de substitutivos à pena de prisão, revertido de

eficácia pedagógica, de forma a restringir à privação da liberdade a crimes graves cometidos por

delinquentes perigosos. A busca de outras sanções para criminosos sem periculosidade diminuirá a

ação criminógena do cárcere e atuará como fator de despopulação das prisões.

Aqui se insere as penas, objeto deste estudo monográfico, da prestação de serviços à

comunidade e para se compreender as penas alternativas, mormente a pena de prestação de serviço

à comunidade, deve se entender suas características principais, que são autonomia, substitutividade

e também os requisitos de aplicação, como a não reincidência.

Observa-se na prática, que a pena de prestação de serviço à comunidade sofre, senão alguns

impedimentos, mas alguns fatores que dificultam sobremaneira sua efetividade, a exemplo do

preconceito. A prestação de serviço à comunidade não pode ser encarada como trabalho forçados, o

que é terminantemente proibida pela nossa Carta Magna. Esse dispositivo proibitivo colima a

consecução do princípio da dignidade humana. Dessa forma, o trabalho, em forma de pena

alternativa deve ser entendida até mesmo como um direito do apenado.

Ficou claro que a ressocialização não é para todos, isto é, nem todos submetidos a penas

com esse intuito lograram êxito. É dessa forma, uma loteria, sendo que o Estado deve apostar em

todos. Não pode o Estado apostar num e noutro não, deve sim oferecer suporte para a

ressocialização de todos, desde que atendidos os pressupostos de aplicação.

Deve-se, a quase todo custo, buscar-se a aplicação de sanções alternativas à pena de

privação de liberdade. Apesar dessa pena de privação da liberdade ter representado a humanização

das penas, ela claramente falhou no objetivo moderno de ressocializar. Uma das alternativas, quiçá

a melhor delas é a prestação de serviços à comunidade, a ser definida à disposição do juiz na

sentença ou se for o caso na execução. É fato que a pena de prestação de serviços, das mais

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altruístas, constitui a pena que gera os melhores efeitos.

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