CAPACITAÇÃO DE PROFESSORES DO ENSINO … · Mendes como requisito parcial para obtenção do grau...
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
CAPACITAÇÃO DE PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL E
MÉDIO PARA A EDUCAÇÃO FILOSÓFICA
Por: Clarice Maria da Silva
Orientadora: Profa. Flávia Cavalcante
Rio de Janeiro
2011
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
CAPACITAÇÃO DE PROFESSORES DO ENSINO FUNDAMENTAL E
MÉDIO PARA A EDUCAÇÃO FILOSÓFICA
Apresentação de monografia à Universidade Candido
Mendes como requisito parcial para obtenção do grau
de especialista em Docência do Ensino Superior.
Por: Clarice Maria da Silva
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AGRADECIMENTOS
À Profa.Flávia Cavalcante,orientadora da minha monografia, por toda dedicação e paciência.
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DEDICATÓRIA
A minha sogra, pela tolerância e atenção durante a execução deste trabalho e ao marido Luiz, companheiro de todas as horas, pelo apoio e incentivo.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 6
CAPÍTULO I – A EDUCAÇÃO DO HOMEM SEGUNDO PLATÃO 11
1.1 - Iniciando a questão 11
1.2 - A Educação para a Dialética 16
1.3 - Mito da Caverna, Ideal da Nova Educação 21
REFERÊNCIAS 29
BIBLIOGRAFIA 30
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INTRODUÇÃO
Percebemos que além da qualificação técnico-científica e da
nova consciência social, é ainda exigência da preparação dos professores
uma profunda formação filosófica. E esta formação é a tarefa que cabe à
filosofia da educação. A existência de disciplina desse teor no currículo dos
cursos de preparação de professores justifica-se não por alguma
sofisticada erudição ou academicismo: é uma exigência do próprio
amadurecimento humano do educador.
A reflexão filosófica, desenvolvida no âmbito teórico da filosofia
da educação, deverá dar ao futuro educador a oportunidade da tentativa de
explicitação do projeto existencial a se buscar para a sociedade brasileira,
na busca de seu destino e de sua civilização, ou seja, não é possível
compreender um projeto educacional fora de um projeto político, nem este
fora de um projeto antropológico, isto é, de uma visão de totalidade que
articula o destino das pessoas como o destino da comunidade humana.
Vale dizer, pois, que a filosofia da educação deve colocar para o
educador a questão antropológica, questão que deve equacionar
adequadamente, recorrendo à filosofia social e à filosofia da história, e
fundamentando-se numa antropologia, alicerce último de toda reflexão
sobre o realizar-se do homem. Obviamente, a explicitação do significado
da própria atividade filosófica é tarefa preliminar: o alcance do pensamento
humano, o seu equacionamento epistemológico é questão permanente
para a filosofia.
Assim, cabe à reflexão filosófica explorar o significado da
condição humana no mundo. E à filosofia da educação explicitar esse
significado para o educador, ou seja, o desafio radical que se impõe aos
educadores, é um grande esforço, para articulação de um projeto histórico-
civilizatório para a sociedade brasileira como um todo e para sociedade
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acadêmica em particular, através da Educação Filosófica no Ensino
Superior.
Esta pesquisa monográfica pretende levantar uma discussão
sobre a realidade existente a respeito da capacitação de professores para
a Educação Filosófica. Isto é: estabelecer um elo entre a Filosofia e a
Educação, com vistas a uma análise e entendimento de como se
relacionam e se desenvolvem, dentro do contexto sócio-político-
pedagógico.
Esta discussão tem um caráter amplo e envolverá professores,
alunos, orientadores, coordenadores educacionais, diretores de
universidades e etc. Com vistas à formulação de uma proposta, que poderá
resultar na adoção de uma forma horizontal de pensamento, surgindo daí,
um caminho, para a produção de um suporte teórico, que sirva como
pressuposto básico para se atuar na Educação Filosófica no Ensino
Superior.
Esclarecemos que, também, temos interesse em pesquisar, no
desenvolvimento desta pesquisa monográfica, o pensamento de Platão,
filósofo grego, que viveu entre os anos 427 e 347 a.C., especificamente
seu pensamento sobre a educação.
Não seria desenterrar fósseis do passado ou mesmo fazer
arqueologia filosófica? Entendemos que não. Platão tem permanente
atualidade. Apesar de engenhosos esforços de grandes estudiosos, não foi
ainda possível dar conta de entender a amplitude de seu pensamento.
Aliás, sua filosofia continua sendo objeto de grandes estudos, discussões e
interpretações.
No Livro VII de A República, antes da alegoria da caverna,
Platão diz expressamente que se trata de dar a conhecer o comportamento
da natureza, conforme ela é ou não submetida à educação. E o modo
como esta há de processar-se constitui o tema central do projeto.
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Desejamos refletir filosoficamente sobre o problema da
educação, a partir de Platão, para redescobrir seus valores, bem como
conservar uma postura crítica em relação àquelas idéias que hoje nos
parecem irrelevante. É importante retomar alguns elementos básicos
trabalhados por Platão a respeito da educação que continuam sendo
válidos para nossos dias. Somos desafiados a pensar uma educação
integral, que supere os unilateralismos de nossos sistemas educacionais.
Isso implica formar o homem em todas as suas dimensões e não somente
na dimensão intelectual. Parece-nos insuficiente educar apenas o indivíduo
competente e capaz de competir e fazer parte do mercado de trabalho.
Urge, também, e sobretudo, educar e formar o homem ético, participante
de uma comunidade humana e, como tal, incidente sobre a sua realidade
social, transformando-a.
O nosso trabalho tem como base à referência focalizada pelos
autores Marilena Chauí, Teixeira, entre vários outros, que buscam, através
de uma visão histórica, pautada no referencial teórico do materialismo
dialético, a compreensão da realidade, sobre a relação existente entre a
Educação filosófica e o processo Didático-Pedagógico (CHAUÍ, 1988).
Portanto, a análise da filosofia e a sua relação com a Educação
numa perspectiva histórico-cultural, parecem essencial para entendermos
as formas de relacionamento e desenvolvimento de ambas as áreas
(IDEM).
O mundo e a relação entre os seres, compreendidos como
históricos, processuais e dinâmicos, permitem-nos perceber a vida com
incessantes movimentos de transformações. O que nos propomos, então, é
evitar uma concepção de homem e de sociedade como algo estático,
fragmentado e fechado. Por isso a análise de cada período histórico não
significa separá-los ou estudá-los como se um período não estivesse
relacionado a outro, e, nem de antemão, apostar que o período posterior é
sempre melhor que o anterior. Significa sim perceber a conexão entre as
diferentes épocas e o reflexo das mesmas no pensamento humano.
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Desse modo, através de uma análise histórica do homem, da
sociedade, e que acreditamos estar contribuindo com respeito a discussão
da realidade existente sobre à Educação filosófica e o processo Didático-
Pedagógico, com vistas a melhoria da prática Educacional no Ensino
Superior.
Para que possamos aplicar a metodologia necessária para
alcançar os objetivos propostos, utilizaremos os recursos da pesquisa
bibliográfica e exploratória.
Pautaremos toda a ação metodológica, desta pesquisa
monográfica, no trabalho desenvolvido pelos autores Antonio Joaquim
Severino e Dermerval Saviani. Desenvolveremos o processo metodológico
de acordo com as etapas abaixo discriminadas:
- buscaremos conhecer a realidade existente, para adquirir um
maior conteúdo para o estudo do tema;
- utilizaremos questionários, reuniões de sensibilização com os
profissionais das áreas envolvidas e entrevistas;
- discutiremos com as entidades representativas da sociedade a
respeito do tema enfocado;
- as discussões e reflexões sobre o tema enfocado serão
baseados na leitura de textos, trabalhos em grupo, vivência de
técnicas, além de palestras proferidas por especialistas das
áreas de Educação e Filosofia;
- privilegiaremos a coleta de dados e as informações de
natureza qualitativa, por julgarmos que as características dos
profissionais envolvidos, tanto da Área da Educação como da
Filosofia, seriam melhor percebidas.
Para atingirmos os propósitos estabelecidos, que serão
sistematizados no desenvolvimento da pesquisa monográfica, utilizaremos a
seguinte estrutura:
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CAPÍTULO I – A EDUCAÇÃO DO HOMEM SEGUNDO PLATÃO
Neste capítulo abordaremos o pensamento de Platão a respeito da
Educação. Platão defendia uma educação integral, que formasse o
indivíduo em todas as suas potencialidades e capacidades, uma educação
que não separasse o indivíduo e o compromisso com o coletivo. Em que
consiste essa educação integral? Ajudar o ser humano a desenvolver-se
plena e sadiamente, aprimorando todas as suas potencialidades e
capacidades: capacidades físicas ou biológicas e intelectuais.
CAPÍTULO II – CONTEXTUALIZANDO A EDUCAÇÃO FILOSÓFICA
Depois de apresentarmos as idéias filosóficas da Antiguidade,
as primeiras que se organizaram, há vinte e cinco séculos, passaremos,
agora, a apresentar as idéias que agitam nossos dias. Faremos um grande
salto dentro da História da Filosofia.
CAPÍTULO III – ARTICULANDO FILOSOFIA, SOCIEDADE E EDUCAÇÃO
Começaremos a compreender a ligação existente entre filosofia,
sociedade e educação. A educação é uma prática humana direcionada por
uma determinada concepção teórica. A prática pedagógica está articulada com
uma pedagogia, que nada mais é que uma concepção filosófica da educação.
Tal concepção ordena os elementos que direcionam a prática educacional.
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CAPÍTULO I
A EDUCAÇÃO DO HOMEM SEGUNDO PLATÃO
1.1 Iniciando a Questão
Sabemos que a filosofia não tem uma “receita mágica” para resolver
os problemas da vida de ninguém, mas pode ser um instrumento interessante
para entendermos melhor as situações pelas quais passamos, possibilitando
que façamos escolhas mais bem pensadas.
Dizem que a palavra filósofo foi inventada por Pitágoras no século V
a.C. Ele era reverenciado como um sábio (sofos, em grego), mas, como era um
tanto modesto, dizia-se quando muito um amigo do saber (de filos, que significa
amante, amigo e sofia, sabedoria, saber), cunhando a palavra filósofo. Só mais
tarde surgiu a palavra filosofia, para designar a atividade daqueles que se
caracterizavam como filósofos (GAARDER, 1995, p. 30-31).
Esclarecemos que, Platão foi discípulo de Sócrates e também
cidadão ateniense. Era uma pessoa de família rica, culta, inteligente e produziu
discursos e várias obras filosóficas. Destacou-se após a publicação do discurso
em defesa de Sócrates, que havia bebido um cálice de cicuta, após ser
sentenciado com pena morte, vigente em Atenas (IDEM).
À escola que fundou em Atenas, ele deu o nome de Academia.
Nessa escola ensinava-se filosofia, matemática e ginástica. E também se
utilizava o método dialógico criado por Sócrates, pois Platão o considerava
seguro e importante para o desenvolvimento da filosofia (IDEM).
Mas Platão dava um papel importante aos exercícios físicos,
atribuindo a eles a qualidade de vivificar a alma e permitir a sua concentração
na contemplação das idéias. Ele mesmo era um atleta (seu verdadeiro nome
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era Aristóteles, mas recebeu o apelido de Platão que, em grego, significa
“ombros largos”) e acreditava que a ginástica e a música permitiam a
superioridade do espírito sobre o corpo. Assim, a alma só pode desenvolver-
ser com um corpo forte e saudável; ao contrário, a fraqueza física torna-se um
empecilho à vida superior do espírito (GAARDER,1995, p. 32-33).
Acreditamos que a figura de maior destaque da filosofia grega,
clássica, foi Sócrates. Ele nada escreveu, mas andava pelas ruas de Atenas
conversando com as pessoas. Gostava de interrogá-las sobre suas crenças,
levando-as a perceber o quão transitórias elas eram. Buscava um
conhecimento mais elaborado, mas, quanto mais conhecia, mais tinha
consciência de que sabia muito pouco. Por assumir humildemente uma posição
de ignorância, foi declarado pelo Oráculo de Delfos como o homem mais sábio
do mundo (IDEM).
Sócrates tinha certeza que nada sabia sobre a vida e o mundo. E
que isso era um ponto de partida para chegar à verdade. Ele próprio dizia que
a única coisa que sabia era que não sabia nada. “Eu só sei que nada sei” era
seu conhecido lema.
Descobrimos que Aristóteles pertenceu à Academia de Platão,
sendo visto como aquele que, na cultura grega, organizou, sistematizou e
ordenou as várias ciências, era um homem meticuloso e queria encontrar ou
explicar, racionalmente os acontecimentos dos fenômenos da natureza. Para
ele, era importante ficar claro como nossos sentidos captam as formas das
coisas. Não era ateniense, mas da cidade de Estagira, e filho de um
médico/cientista. Sua formação e seu interesse pela natureza fizeram com que
divergisse do mestre Platão (que não se preocupou muito com o mundo dos
sentidos), procurando ser também um estudioso da natureza viva e de seus
processos de mudanças e evolução. Ele dizia que as idéias não nascem
conosco, elas se formam em nós com base nas experiências que temos na
vida. Por exemplo: para Platão, existe primeiro a idéia de cavalo (razão) da
qual cada cavalo que vemos é uma cópia. Já Aristóteles dizia: que o cavalo
(forma) derivava daquilo que chamamos de espécie, classificação que fazemos
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pelos sentidos. Para ele, a realidade está em percebermos ou sentirmos tudo
que está a nossa frente e, com base nisso elaboramos nossa visão de mundo.
Pensava ele que, todas as nossas idéias, todos os nossos pensamentos,
tinham entrado em nossa consciência, através do que víamos e ouvíamos. E
acreditava que temos uma razão inata, isto é: a capacidade de ordenar em
diferentes grupos e classes todas as nossas impressões sensoriais. Somos
capazes de criar conceitos e classificá-los, por exemplo, em animal, vegetal ou
mineral (GAARDER,1995, p. 32).
Sentimos no pensamento de Aristóteles, uma preocupação com a
organização da sociedade (política) e também com a forma que cada indivíduo
dá para sua própria vida particular. Talvez ele tenha sido o primeiro filósofo da
antiguidade a falar em ética com uma preocupação central em relação à vida
humana. Para ele a vida humana se diferencia dos animais porque se
manifesta com intencionalidade, vontade e desejo de ser feliz. Aristóteles
acreditava em três formas de felicidade: a primeira é uma vida de prazeres e
satisfações; a segunda é uma vida de cidadão livre e responsável; e a terceira
é viver como pesquisador e filósofo. E essas três formas só se sustentam se
realmente forem integras entre si (GAARDER, 1995, p. 32).
Confirmamos que o gênero humano pode ser analisado por vários
aspectos, mas no filosófico, ele é marcado fundamentalmente por duas tríades:
a tríade composta de mente-vontade-coração e a tríade trágica marcada pelo
sofrimento-culpa e morte. Essas duas tríades afloram no homem sua
consciência de indagador. O ser humano, na crueza de seu ser, se percebe
como um eu que não está pronto. Vive sua vida segundo o reino das
possibilidades, cresce no ser e seu existir manifesta-se como um constante
fazer-se num eterno vir-a-ser (TEIXEIRA, 1999, p. 25-26).
Os animais são irracionais e estão na natureza como seres já
dados, prontos, e, portanto, fechados, o homem traz consigo o imperativo de
crescer sempre mais no seu ser. Sua vida se manifesta com abertura.
Através da relação e na relação, existe a possibilidade de tornar-se sempre
mais e melhor. A vida do homem, antes de tudo, se apresenta como um
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encontro. Essa possibilidade aberta ao homem pode ser chamada de
educação (TEIXEIRA, 1999, p. 25-26).
Com a educação e através dela, o homem não somente assume
uma condição de abertura ao novo, mas, sobretudo, supera a si mesmo,
atualizando suas capacidades e potencialidades, podendo, desta forma,
adquirir uma visão diferenciada a respeito do mundo. Por isso, a tarefa
primeira da educação é a humanização. Educar um homem implica ajudá-lo
a tornar-se humano (IDEM).
Constatamos, através dos séculos, que o homem é um ser
educável que consegue conservar e propagar a sua forma de existência por
meio da vontade e da razão. O ser humano cria por si próprio, pelo
conhecimento do mundo interior e exterior, formas de melhorar a existência
humana.
Daí advém uma velha e antiga pergunta filosófica, sempre nova e
sempre atual: o que é o homem? E o que torna este homem humano?
Numa análise mais profunda, poderíamos dizer que: está em jogo
uma visão Antropologia que poderia ser capaz de responder a estas
perguntas: que homem educar? Educar para qual sociedade? Ou seja, qual
é o modelo de homem e que sociedade queremos?
Esta talvez tenha sido a preocupação central de Platão: formar o
homem para uma sociedade ideal. E a ela dedicou grande parte de sua
filosofia.
Percebemos que a motivação filosófica-chave de Platão consiste,
em tentar reconstruir, com novos pilares, a Paidéia grega, forçando a
passagem de uma explicação predominantemente mítica da realidade para
uma compreensão mais consistente dela em que seus fundamentos se
encontrem na filosofia e não mais no mito (JAEGER, 1995, p. 8).
Verificamos que a Paidéia não é para os gregos um aspecto
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exterior da vida, incompreensível e anárquico. Na paidéia grega está
presente a idéia de uma educação do homem de acordo com a verdadeira
forma humana, com o seu autêntico ser. Não se pode evitar o emprego de
expressões modernas, como civilização, cultura, tradição, literatura ou
educação; nenhuma delas, porém, coincide realmente com o que os gregos
entendiam por Paidéia. Cada um desses termos se limitava a exprimir um
aspecto daquele conceito global, e, para abranger o campo total do conceito
grego, teríamos de empregá-los todos de uma só vez. A Paidéia deve ser
entendida com: a educação da pessoa física, estética, moral, religiosa e
política, ou seja, uma educação integral (JAEGER, 1995, p. 7).
Na mente brilhante e Filosófica de Platão, parece ser claro que
somente as matemáticas poderão provar as melhores naturezas e
selecionar aqueles espíritos que um dia serão dignos da Filosofia, porque
somente devem ocupar-se dela aqueles que estão à sua altura. A função
educativa que exerce a matemática é uma função preparatória, pois ao
mesmo tempo em que seleciona os filósofos, também os prepara para o seu
futuro trabalho: governar a cidade com justiça, coragem, temperança e
sabedoria.
Os jovens devem ser postos em contato, primeiramente, com o
mundo sensível, através da música e da ginástica. Gradativamente, com o
estudo da matemática, eles aprenderão a se desprenderem do mundo
sensível para contemplar a verdadeira realidade. O estudo da dialética
assumirá a cúpula dessa formação intelectual, visto que somente pela
dialética chega-se à Filosofia (TEIXEIRA, 1999, p. 26-27).
A formação educacional continua até os dezoito anos, quando
começa a preparação cívico-militar. Os rapazes mais velhos continuam a
educação depois dos vinte anos, já com caráter superior, onde se intensifica
o estudo das matemáticas, da dialética e da Filosofia. Dentre eles, se
escolhem os futuros governantes, cuja educação prossegue até os
cinqüenta anos, que em tese deverão continuar durante toda a vida. Pois a
educação filosófica possui um caráter permanente (TEIXEIRA, 1999, p. 26-
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27).
Reale, em seu estudo sobre as doutrinas não escritas de Platão,
que mais adiante teremos oportunidade de referir, fala de um Platão
esotérico, que insiste na oralidade dialética como única condição de
possibilidade de se chegar à doutrina dos primeiros princípios (REALE,
1994, p. 96-97).
1.2 A Educação para a Dialética
Reconhecemos o diálogo como o método, por excelência, adotado
por Sócrates para transmitir suas idéias. Daí resulta a palavra “dialética”.
Dentro desse contexto, dialético é aquele que está aberto ao diálogo, a um
diálogo vivo e livre. Nessa forma peculiar de ensinar socrático, o papel do
educador é muito mais o de perguntar e inquirir do que o de responder ou
contestar, isto é: levar o educando a pensar.
Detectamos que o método socrático era empreguinado de uma
Retórica, baseado no diálogo, compreendendo duas etapas: a ironia e a
maiêutica (utiliza a multiplicidade de perguntas para gerar novos conceitos).
Na primeira, Sócrates procura evidenciar as contradições presentes no
discurso de seus discípulos, repleto de conteúdos vagos e vazios, ajudando-
os a purificar o espírito da falsa ciência. Através da ironia. Sócrates tinha
como objetivo bombardear nos discípulos o orgulho e a arrogância do saber.
Por isso, a necessidade de conhecer-se a si mesmo. A intenção de Sócrates
não era propriamente destruir o conteúdo proclamado por seus
interlocutores, mas conscientizá-los de suas próprias respostas e de suas
imprecisões (TEIXEIRA, 1999, p. 22).
Após se libertar do orgulho e de toda a pretensão, o discípulo
poderia fazer o caminho de volta, reconstruindo suas próprias idéias e,
conseqüentemente, revendo onde errara, corrigindo-as. Essa segunda etapa
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Sócrates chamava de maiêutica, arte de parto ou arte de trazer à luz.
Sócrates traz para a Filosofia um exemplo baseado na sua experiência de
família, pois sua mãe era parteira. Assim como a mãe Fenareta ajudava a
trazer crianças ao mundo, Sócrates ajudava a extrair a verdade dos
discípulos.
Já na dialética de Platão o centro era o diálogo com a vida.
A esfera da dialética era a esfera da vida. Educar implicava em aprender a
perguntar sobre a vida, na vida e com a vida. A vida também traz perguntas.
O homem não apenas pergunta pela vida, senão também é perguntado por
ela. Dentro dessa perspectiva, aparece a pergunta pelo sentido. Não sou eu
que pergunto pelo sentido de minha vida, mas é a própria vida que me
indaga a respeito da qualidade de como eu a estou vivendo (TEIXEIRA,
1999, p. 22).
Esclarecemos que dialética está presente em todos os diálogos de
Platão. Ela consiste num processo de divisões e aproximações que
permitem ao indivíduo falar e pensar. Aptidão de dirigir a vista para a
unidade e a multiplicidade. O filósofo é aquele que possui uma visão de
conjunto. Somente ele é capaz de captar a unidade na multiplicidade. “Quem
sabe ver o conjunto é dialético, quem não sabe não o é”. A trajetória da
dialética tem como objetivo levar do sensível ao inteligível, passar do plano
físico ao metafísico, aproximar a multiplicidade do sensível à unidade do
inteligível. Uno e múltiplo se fundem e se juntam na síntese, possibilitando a
unidade na multiplicidade. O que busca a dialética é chegar à contemplação
das Idéias Supremas, ou seja, à abstração última da unidade absoluta. De
todas as idéias, a mais especial é a idéia do Bem.
Salientamos que a dialética tem como objetivo último elevar-se
até a nóêsis, a ciência suprema. Se a maioria dos homens é incapaz de ir
além da opinião, e, alguns, através das matemáticas, chegam à diánoia;
somente o filósofo, por meio da dialética, alcança a nóêsis. O filósofo é o
dialético por excelência. A dialética é este proceder pelo qual a inteligência
passa do sensível ao inteligível e vai de idéia em idéia até intuir a Idéia
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Suprema, ou seja, o Bem, o Uno, o incondicionado.
A dialética possui dois movimentos: um ascendente, outro
descendente. O caminho ascendente possui um caráter sinótico. Consiste
em libertar-se dos sentidos e abstrair de idéia em idéia até alcançar a Idéia
Suprema, no caso o Bem, a fonte de ser e inteligibilidade. O caminho
ascendente, portanto, passa das idéias, hipóteses inferiores às superiores.
Eis a afirmação de Platão:
Quem não for capaz de definir com palavras a idéia do bem, separando-a de todas as outras, e, como se estivesse numa batalha, exaurindo todas as refutações, esforçando-se por dar provas, não através do que parece, mas do que é, avançar através de todas estas objeções com um raciocínio infalível – não dirás que uma pessoa nessas condições não conhece o bem em si, nem qualquer outro bem, mas, se acaso toma contato com alguma imagem, é pela opinião, e não pela ciência que agarra nela, e que a sua vida atual a passa a sonhar e a dormir, pois, antes de despertar dela aqui, primeiro descerá ao Hades para lá cair num sono completo? (...) Mas se um dia tiveres de fato de educar na prática aquelas crianças que educas e instruir em palavras, não consentirás, segundo creio, que sejam como simples quantidades irracionais, se têm de governar a cidade e de ser senhores de altas instâncias (REALE, 1994, p. 166).
O outro caminho da dialética é o descendente, conhecido também
como diéreses. Esse caminho é oposto do primeiro. Ele parte da Idéia
Suprema e, através de sucessivas divisões, busca compreender a
complexidade existente entre as partes e o todo.
A fim de entendermos mais claramente esses dois procedimentos
da dialética, leiamos as devidas distinções feitas por REALE:
a) primeiramente é necessário ter bem presente que o procedimento sinóptico e o dialético se entrecruzam de várias maneiras e encadeamente, de sorte que um só é compreensível em conexão com o outro e reciprocamente; b) em segundo lugar, é preciso ter bem presente o fato de que os nexos fundacionais consistem exatamente nas relações Uno/muitos e que as gradações dos dois procedimentos dialéticos são as que levam passo a passo a se abraçar à multiplicidade na unidade suprema; e as que levam a decompor dialeticamente a unidade na multiplicidade, de modo que se compreenda como o Uno se desdobram nos muitos (IDEM).
- Perfeitamente.
19
- Ora, esse dom, o dom dialético, não atribuirá a nenhum outro,
acredito, senão àquele que filosofa com toda pureza e justiça.
Destacamos que, somente por meio da oralidade dialética chega-
se à verdade. A educação se faz no diálogo; portanto, no encontro de uma
ou mais pessoas. Parece ter estado muito presente na mente do fundador
da Academia que educação é, sobretudo, encontro e processo. Segundo
Reale (1994),
a dialética no seu sentido global leva à compreensão daquela coisa ‘admirável’, a saber, de como ‘os muitos sejam um e o um seja muitos’. No seu grau máximo, ela é exatamente o conhecimento que o demiurgo (a inteligência suprema) possui de maneira perfeita.
Percebemos que Platão é o filósofo que mais aplicou o jogo dos
opostos, levando-o à sua máxima perfeição. “Perfeição é aquilo para o que
Platão nos aponta, quando faz filosofia. Nunca antes dele, nunca depois, o
homem apontou para tão alto” (IDEM).
Carlos Cirne Lima, em sua obra Dialética para principiantes,
mostra a sutileza presente na dialética platônica. Platão é considerado o
filósofo das aporias. Com muita propriedade, esboça a tese e traceja a
antítese, mas a síntese quase nunca aparece (LIMA, 1996, p. 37). Como é
possível falar de perfeição sem remeter à síntese?
Para entendermos a dialética de Platão, não há outro remédio
senão recorrer às suas doutrinas não escritas. Somente aqui podemos
contemplar a síntese em sua máxima expressão. Comumente fala-se que
em Platão há duas doutrinas. Uma, a doutrina esotérica, outra, a doutrina
esotérica (IDEM).
A doutrina esotérica é destinada àqueles que estão fora da
Academia e, portanto, não possui as condições necessárias para
compreender com mais profundidade a doutrina. Aqueles que estão fora
recebem uma formação mais leve, mais didática; para esses, os jogos dos
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opostos ficam quase sempre em aberto (LIMA, 1996, p. 37).
Há também a doutrina esotérica, aquela destinada àqueles que
estão dentro da Academia, e que, portanto, não só gozam da intimidade do
mestre, como também estão a par das discussões. São os iniciados. Entre
esses, a dialética assume a sua máxima expressão. Aqui se fazem as
sínteses. Aqui se pratica a oralidade dialética em seu grau máximo. Aqui,
não há dualismos como aqueles que estão presentes na doutrina esotérica
(IDEM, p. 38-50).
Platão traz consigo certa desconfiança com relação à letra morta
da escritura. O que é a escritura em comparação ao logos vivo e falado? A
concepção de escrito em Platão remete para aquilo que o filósofo entendia
por linguagem. A linguagem verdadeira é oral. Na Carta VII contesta
seriamente a validade de sua filosofia escrita. Platão usa alguns
argumentos para provar que, se um escritor é “sério”, as coisas, que para
ele são as mais sérias, não são confiadas ao escrito, já que o lugar por
excelência onde devem ser guardadas é a própria alma (IDEM).
Posso dizer o seguinte sobre todos aqueles que escreveram ou que escreverão: todos os que afirmam saber as coisas sobre as quais medito, seja por tê-las ouvido de mim, seja por tê-las ouvido de outros, seja por tê-las descoberto sozinhos, não é possível, segundo meu parecer, que tenham entendido algo desse objeto. Sobre essas coisas não existe um texto escrito meu nem existirá jamais (IDEM).
Quais as razões que levaram Platão a confiar as coisas maiores
somente à oralidade dialética? As razões que levaram Platão a não
escrever possuem, sobretudo, um caráter didático-ético-pedagógico. E, por
outro lado, sabe ele do abismo existente entre o que é experimento e a sua
possibilidade de ser expressado e compreendido.
Segundo Reale:
o conhecimento dessas coisas não pode ser comunicado como o conhecimento das outras coisas, porque ele requer uma longa série de discussões feitas em conjunto e em estreita comunhão entre quem
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ensina e quem aprende e uma comunhão de vida, até que nasça na alma de quem aprende a luz que ilumina a verdade (REALE, 1994, p. 69-75).
Concordamos que a educação, com bases na dialética, não se reduz
a colocar à serviço do educando, determinadas ferramentas racionais que o
ajudem a pensar e conhecer a verdade das coisas. O método dialético,
sobretudo, tem o caráter de purificar a alma, portanto educar o coração. O
diálogo vivo, tão apregoado por Sócrates e assumido por Platão de modo
incondicional, prova, a rigor, que educar implica uma relação de comunhão.
Compreende uma relação de subjetividade e intersubjetividade. É no encontro
subjetivo e intersubjetivo que mestre e discípulo aprendem juntos, educam-se.
O diálogo vivo rompe com as unilateralidades onde “alguém” que sabe ensina a
“alguém” que não sabe. O diálogo vivo supõe exterioridade, onde se manifesta
à vontade de fazer o outro melhor e de ser melhor, mas também manifesta a
interioridade, isto é, diálogo interior com a própria alma. Num exemplo, Platão
diz: o filósofo, quando está exercendo sua atividade, que lhe é própria, fica em
silêncio, em colóquio íntimo com a própria alma, fica isolado do que está ao
seu redor, e coloca o exemplo de Tales de Mileto, que estava de tal modo
absorto, ao contemplar os astros e olhar o céu, que acabou caindo num poço
(IDEM).
1.3 Mito da Caverna, Ideal da Nova Educação?
Poderíamos começar questionando se Platão, por vezes, não é
contraditório, ou mesmo ambíguo: de um lado, critica e rejeita os mitos e, de
outro, usa constantemente mitos para expor sua filosofia. Posto de outro
modo: Platão parece estar ora numa e ora noutra margem do mesmo rio. De
um lado, propõe desmistificar; de outro lado, utiliza-se abundantemente do
recurso mitológico. De um lado, recorre à mitologia; de outro lado, rejeita-a.
Um exemplo do que estamos falando está em A República. Propõe expulsar
os poetas e dramaturgos de sua Politeía ideal e, nessa mesma obra, expõe
seu pensamento a respeito do mundo das idéias, valendo-se de três mitos: o
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mito do sol, o mito da linha e o mito da caverna. Aparentemente, não seria
uma contradição, ou mesmo uma falta de intelecção do filósofo da
Academia?
Platão começa como poeta da tragédia, depois a abandona, sob a
influência de Sócrates. No final das contas, sentia necessidade de voltar, de
retornar à própria mitologia.
Procuremos clarear a questão. Platão utiliza mitos, mas
diferencia-se da origem da palavra “mito”. Originalmente, mito se refere a
histórias sagradas tidas como verdadeiras. Em Platão o mito assume um
sentido de alegoria, ou como entendemos hoje, um sentido de metáfora.
Por isso, o uso de mitos em Platão não significa um simples recuo ao
mitológico, mas um recuo ao reflexivo. O mito não aparece da mesma
maneira. Há uma tentativa explícita de esclarecer o mito. Platão esclarece
o mito, e o mito esclarecido tem absoluta certeza de não ser verdade. Ou
melhor, o mito esclarecido está a serviço da própria verdade. Ele pertence
àquele deúteros + ploûs (segunda navegação) da qual fala Platão
(PAVIANI, 1993, p. 65-72). O recurso ao mito múltiplo na unidade, ou o
inverso: dissolver a unidade na multiplicidade, ao passo que o homem nem
é capaz agora de realizar essas duas operações, nem jamais chegará a
realizá-las no futuro.
Leiamos Jayme Paviani:
Não basta afirmar que o mito é ‘intuição e crença vivida e logos o verdadeiro pensar, a alma do discurso filosófico’. Na realidade, toda a linguagem carrega algo de mítico. Dizer que a crença mítica no Sol ou na Lua, enfim, nesse ou naquele deus, tem origem na falsa interpretação dos nomes de fenômenos naturais é desconhecer a estrutura, a organização e a linguagem do mito. Por isso, a distinção entre ‘mythos’ e ‘logos’, em Platão, permanece indeterminada, problemática, suspensa. Seu discurso filosófico, sua indagação teórica, recorre ao mito todas as vezes que a busca da definição e a tentativa das perguntas não encontram respostas. Seria absolutamente impossível eliminar o mito da filosofia de Platão. Não teríamos mais a teoria das Idéias, da alma, do conhecimento, do mundo, da imortalidade e também da escrita. O mito é mais que sabedoria camponesa (agroíkês sophía), a opinião comum. Ele é introduzido para apontar, possivelmente, a doutrina não escrita de Platão, o inatingível aos
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não-iniciados. Expressa o reino de devir. O mito remete romanticamente para a explicação onto-teológica (PAVIANI, 1993, p. 65).
Platão insiste em que devemos trabalhar as paixões, ou seja,
superar aquelas inclinações que puxam o homem para baixo, tornando-o
irascível.
“De acordo com esse princípio, quem de nós for temperante será
amigo de Deus, por assemelhar-se-lhe, enquanto o intemperante, que não
se lhe assemelha, é injusto e diferente dele”. A experiência humana tem
demonstrado que a capacidade de o homem decidir livremente depende do
teor de suas paixões. Educar as paixões implica não se deixar guiar pela
embriaguez da matéria, nem pela avidez dos sentidos que buscam somente
as gratificações aparentes.
Em Platão aparece fortemente a dimensão transcendente da
educação. O homem é um ser faminto de infinito, sedento da totalidade e do
inteligível. Assemelhar-se a Deus implica “trabalhar” os desejos irascíveis
presentes na obscuridade humana (IDEM).
Quando Platão fala das paixões a serem trabalhadas, está se
referindo às paixões negativas. A paixão tomada no sentido negativo diz
respeito à estrutura psicológica do homem. Daí a sua necessidade de
ordenação, para que o homem não fique abandonado à sua mercê, vindo a
falsear a realidade e a perder sua liberdade.
O homem impossibilitado de superar seus desejos irascíveis
torna-se um ébrio, um louco, debilitado na sua vontade, ignora a inteligência
e todo o bom senso, torna-se um sujeito imprudente, exagerado, pois
fantasia a realidade. Em contrapartida, quando o homem ordena seus
desejos e afetos desordenados, trabalhando a paixão negativa em si, então
será capaz de guiar-se por autênticos valores. Deixa-se guiar pelo bom
senso do logos, escolhendo sempre o melhor. O homem que age assim é
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um purificado, pois realiza por atos e palavras o melhor de si, enfim, torna-
se quase divino (MONDOLFO, 1966-67, p. 218-225).
Vejamos, resumidamente, o que diz Platão na alegoria da
caverna. Num primeiro momento, o que temos são homens numa habitação
subterrânea em forma de caverna. Estão lá desde a infância, algemados de
tal maneira que estão impedidos de se mexerem. Permanecem no mesmo
lugar e só podem olhar para uma única direção, para o fundo da caverna.
Serve-lhes de iluminação um fogo que está atrás deles. Entre a fogueira e
os prisioneiros há um caminho ascendente, e ao longo desse caminho
construiu-se um muro, ao longo do qual passam homens transportando
toda espécie de objetos. Os prisioneiros nessas condições não podem ver
os objetos, senão apenas a sombra desses objetos projetada ao fundo da
caverna.
A atitude dos prisioneiros é de total despreocupação. Estão
totalmente absortos na contemplação das sombras, que, por sua vez, para
aquele que as contempla, constituem a totalidade da realidade e, portanto,
a verdade. O homem nasce nessa situação de caverna, portanto de
ignorância. A tarefa do filósofo educador é mostrar o caminho aos
acomodados da caverna, para que estes superem seu estado de
ignorância (MONDOLFO, 1966-67 p. 218-225).
Eis que de repente um desses prisioneiros é solto dos grilhões
que o prendem e forçado a olhar para os lados, a andar e a olhar para a
luz.
(...) O que aconteceria, se eles fossem soltos das cadeias e curados da sua ignorância, a ver, se regressados à sua natureza, as coisas se passavam desse modo. Logo que alguém soltasse um deles e o forçasse a endireitar-se de repente, a voltar o pescoço, a andar e a olhar para a luz, ao fazer tudo isso sentiria dor, e o deslumbramento impedi-lo-ia de fixar os objetos cujas sombras via outrora.
A partir dessa perspectiva, a educação aqui consiste numa
provocação e numa ocasião. O educador é aquele que provoca o
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educando, forçando a sua desinstalação. Toda a desinstalação supõe uma
reeducação: abandono do “bem-estar” do mundo das sombras, portanto da
ignorância, para o mundo da realidade.
Mondolfo (1966-67, p. 218), interpretando essa passagem, diz
que:
O prisioneiro libertado das cadeias, que conseguiu ver a luz, é o filósofo que, da contemplação das causas sensíveis, sombras das idéias, se eleva à visão da luz das idéias mesmas. Mas então começa a sua missão iluminada e libertadora para os outros prisioneiros: e esta é a missão que Sócrates dizia ter-lhe sido confiada por Deus, comparável à descida ao Hades, celebrada por órficos e pitagóricos.
Explicamos, ainda que de modo sucinto, o pensamento de Platão
sobre a educação, nos parece conveniente fazermos algumas
considerações, identificando possíveis aproximações e divergências com o
filósofo.
A educação é bem diversa das flores do “jardim de Adônis”,
metáfora usada por Platão no Fedro, que florescem de oito em oito dias, e
assim como tão rapidamente florescem também murcham. Educar um
homem é semelhante à arte do verdadeiro camponês. Consiste num
trabalho sério, incansável e paciencioso. Exige valas profundas, preparar a
terra, escolher as sementes, intensificar o trabalho após a semeadura. Leva-
se muito tempo para educar um homem. Platão já o sabia muito bem,
quando na República escreve que “são necessários cinqüenta anos para
formar um homem”. O homem bem formado é aquele que se inclina à luz
radiosa da alma e contempla o verdadeiro Ser, que dá a luz a todas as
coisas. Esse é o filósofo que alcançou o cume da Paidéia platônica. Aquele
que, após ter visto o bem em si, usa-o como paradigma, para ordenar a si
mesmo e a cidade. O filósofo é aquele que mais perto chegou da síntese
entre individualidade e coletividade. Ele conseguiu aproximar a tensão
existente entre indivíduo e coletivo, pois sabe que a sua perfeição individual
chama-o para servir na polis.
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Platão tem presente que educação é uma atividade da alma. A
partir dessa perspectiva espiritual, a educação é troca e partilha, dar e
receber. Educação é, sobretudo, comunicação; deve estar fundamentada no
diálogo. Porém, não podemos dar e partilhar daquilo que não temos ou que
ainda não somos. Só damos o que possuímos.
A realidade nos tem mostrado que a educação, cada vez mais
unilateral, não está dando conta de resolver a complexidade do homem e
suas relações, tampouco está tornando o ser humano mais feliz. E o Estado
tem-se manifestado ineficiente na educação de todos e do cidadão em
particular.
Nossa tradição cultural se caracteriza por buscar saídas
individuais e isoladas para os problemas educacionais. Em geral, queremos
“boas escolas para os nossos filhos” sem maiores preocupações com o
todo.
Platão enfatiza uma educação integral, que forme o indivíduo em
todas as suas potencialidades e capacidades, uma educação que não
separe o indivíduo e o compromisso com o coletivo. Em que consiste essa
educação integral? Ajudar o ser humano a desenvolver-se plena e
sadiamente, aprimorando todas as suas potencialidades e capacidades:
capacidades físicas ou biológicas que dizem respeito à saúde do corpo.
Capacidades intelectuais, que dizem respeito aos valores noéticos, ligados à
inteligência, tão importantes para o desenvolvimento espiritual e a busca da
verdade. Formar o homem moral capaz de agir segundo o dever-ser de sua
consciência, educando para a liberdade e para a responsabilidade, que leva
a fazer aquilo que deve ser feito, e não ao que é mais conveniente. Uma
educação integral, a partir de Platão, deve também educar o homem social e
sociável, que não somente vive rodeado de outros, mas também é
convidado a promover a justiça, a conviver em harmonia e respeito com os
de sua raça, como semelhantes, e com toda a natureza e todo o cosmo,
como parte integrante de sua vida.
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No sentido platônico, a educação é a arte do desejo do bem; a
realização do bem implica a prática das virtudes. O homem bom é virtuoso
e, porque é virtuoso, é bom. O ideal máximo de perfeição e de humanidade
a ser buscado pela educação deverá ser a assemelhação com Deus. Tornar
o homem tão pleno na sua humanidade capaz de comparar-se à medida do
absoluto. O desafio é uma educação que forme o homem humano. Quanto
mais humanos, mais semelhantes seremos a Deus.
Platão constrói uma filosofia do Estado. Teoriza um Estado ideal
que deverá ser comandado por guardiães, filósofos capazes de legislar com
justiça e, consequentemente, garantir a felicidade à polis.
Para Platão, a família é dispensável.
Apesar de Platão ter dado à educação um acento demasiado
estatal e estatizante, tornado o homem vítima de um zelo contraproducente,
pôs em evidência que a educação é tarefa de toda a vida. Popper (1987)
admite que certo grau de controle do Estado é necessário na educação, a
fim de que os jovens sejam protegidos de uma negligência que os tornaria
incapazes de defender sua liberdade, e o Estado deve cuidar que todas as
facilidades educacionais estejam ao alcance de todos. A crítica de Popper
(1987) a Platão consiste justamente no fato de que um demasiado controle
do Estado em questões educacionais é um perigo fatal para a liberdade,
pois deve levar à doutrinação.
Sabemos que nos últimos anos, o nível ou pobreza das nações
está cada vez mais ligado ao grau de conhecimentos e de informações das
mesmas. Basta ver o progresso científico-tecnológico, que, nos últimos
cinquenta anos, cresceu surpreendentemente na história da humanidade.
Novos conhecimentos são gerados com tal volume e rapidez, que se torna
impensável sua assimilação por um ser humano.
Falamos hoje, muito, em globalização, como uma tendência. Daí
torna-se cada vez mais importante uma ação educacional que forme o
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cidadão para o mundo, sem que este perca suas raízes culturais. Aceitar a
mundialização da cultura, sem renunciar à própria cultura. A globalização
pode ser uma alavanca para a paz e crescimento dos povos, se esta estiver
fundamentada no diálogo, na solidariedade e na participação de todos os
segmentos da sociedade, acentuando, sobretudo, não o que nos separa,
mas o que nos une. Em contrapartida, pode conduzir a mais brutal exclusão
e marginalização, se norteada simplesmente pelo critério do neoliberalismo
e da competitividade (FURTADO, 1998, p. 39-42).
Consideramos que a maior contribuição de Platão para nosso
tempo, que influenciou grandemente a história do Ocidente, seja justamente
esta: construir mais justiça, tentar em todas as partes impor a harmonia
sobre o caos, quer dizer, mudar o mal para o bem, porque todo o
conhecimento e toda a educação são, efetivamente, bondade. E, caso isso
não seja possível, resta ainda para o educador platônico, representado na
figura do filósofo, o refúgio na solidão do ser, onde, com toda a dignidade,
segundo Sócrates, citado por Platão no Fédon, o filósofo aprenderá a arte
última, pois aprendeu, com a sophia, que a Filosofia, como possibilidade de
educação do homem, é a arte de aprender a morrer.
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