Capital corpo Mercado de trabalho, discurso e forma artística da dança

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    32 ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS

    GT 10: Cultura, economia e poltica

    Ttulo: Capital corpo: Mercado de trabalho, discurso e forma artstica da dana

    Autora: Juliana Neves Simes Gomes

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    Introduo

    Na dcada de 90, despontou no mundo dos bailarinos uma srie de mudanas

    que alterou e vem mobilizando novas configuraes para o universo da dana. O que

    chamado de dana contempornea ganhou fora no campo e promoveu dinmicas de

    renovao, que estabeleceram uma situao transitria animada por deslocamentos entreas posies de bailarinos, coregrafos, crticos, intelectuais e modelos de mecenato. A

    emergncia de discursos e prticas, a manuteno e elaborao de tcnicas corporais, os

    diferentes modos de consagrao, o papel da universidade e a produo de formas

    artsticas mais sintonizadas com a sociedade atual so alguns aspectos que caracterizam

    o momento de inflexo pelo qual o meio est passando.

    Data do incio do sculo XX, a construo da histria da dana no contexto das

    artes no Brasil, que foi e ainda marcada por um lento e adverso processo de

    desenvolvimento. No entanto, recentemente, o ritmo da progressiva autonomizao docampo da dana se acelerou em razo, sobretudo, do vnculo entre as transformaes

    artsticas que ocorreram no seu interior e as polticas culturais implementadas pelo

    governo federal, no incio dos anos 90. 1 Um dos principais desdobramentos desse

    estado de transio foi o redimensionamento da carreira de bailarino. A profisso, que

    se limitava ao restrito mundo das artes do corpo, avanou para o espao da

    universidade, estabelecendo um ponto de interseco entre atividade artstica e

    acadmica. O bailarino qualificado de hoje, no apenas aquele que se destaca pela

    encenao e pelo virtuosismo tcnico, mas tambm o bailarino docente e pesquisador.

    Para alm do aparecimento de escolas e de espaos para apresentaes, da

    proliferao de grupos e novos artistas; da atuao de companhias estveis e

    independentes, do papel de interveno mais incisivo da crtica, da organizao de

    bienais e festivais, que faz circular a produo realizada dentro e fora do Brasil, dos

    projetos sociais da rea, e, consequentemente, da ampliao e qualificao do pblico; a

    criao de novos cursos de dana no ensino superior e a produo expressiva de

    dissertaes e teses sobre o assunto se revelaram fenmenos centrais para iluminar o

    alargamento e as estratgias de legitimidade do campo da dana.

    1 Em 1991, foi criado o Programa Nacional de Apoio Cultura que compreende o Fundo Nacional deCultura, a lei Rouanet ou Mecenato e o Fundo de Investimento Cultural e Artstico. Contudo, essa polticas foi efetivada, em 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Essas iniciativas aumentaram demodo expressivo os recursos financeiros destinados cultura. Para se ter uma idia, em 1996, as artescnicas, onde se insere a dana, captava em torno de 20 milhes de reais. J em 2006, esse nmero subiupara 173 milhes de reais. Informaes obtidas no relatrio do Projeto Temtico (coordenao LilianaSegnini) Trabalho e formao profissional no campo da cultura: Professores, msicos e bailarinos.

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    O ofcio de bailarino elemento importante da constituio do campo da dana e

    pode revelar peculiaridades sobre o conjunto de regras e de princpios, que orientam o

    mundo atual dos bailarinos. De acordo com isso, esse trabalho tem por objetivo

    apresentar um breve estudo sobre a profisso do danarino no Brasil de hoje, tomandocomo ponto de partida a articulao entre a universidade, as expresses artsticas da

    dana contempornea e o mercado de trabalho. Trata-se de um exerccio sociolgico

    cujo foco analtico reside em apreender e problematizar, por meio dos nexos entre a

    proliferao das instituies do sistema acadmico, a produo e o significado da forma

    da improvisao e a predominncia da intermitncia que caracteriza as condies de

    trabalho do danarino, aspectos de um contexto social mais amplo em que o bailarino

    profissional est inserido. 2

    Emergncia e ampliao dos cursos de graduao em dana

    Em 1956, foi criado o primeiro curso de dana no ensino superior no Brasil. O

    projeto inovador para a poca foi da Universidade Federal da Bahia, que fundou as

    escolas de msica, dana e teatro investindo na qualificao acadmica do profissional

    de arte e cultura. Durante 28 anos, a UFBA foi a nica instituio a cumprir a funo

    universitria em dana e tornou-se centro de formao, produo e difuso de

    conhecimento da rea. Tal empreendimento deu credibilidade e destaque nacional

    2 Essa pesquisa teve como principal referncia terica as noes de campo e habitus de Pierre Bourdieu.Tais noes foram utilizadas pelo autor como instrumentos de investigao de uma de suas temticascentrais, apreender o mundo da arte como experincia social.O campo artstico e literrio se constitui e passa a se desenvolver quando comea a se estabelecer umarelao de autonomia com as instncias de poder como a Igreja, o Estado, a imprensa. A libertaoprogressiva do campo artstico s ocorre com a urbanizao e a revoluo industrial, que fizeram surgirum pblico burgus cada vez mais amplo, o que permitiu o surgimento do mercado de obras de arte e oaumento do nmero de produtores e de instncias culturais ligadas s artes. Contudo, se, por um lado,essa situao livrou os agentes da dependncia de poder anterior, por outro, eles tiveram que se submeteras regras do mercado. J o habitus dos indivduos que pertencem a esse universo, diz respeito aos cdigosadquiridos em suas trajetrias de vida, sobretudo, na famlia e nas instituies de ensino. Isto , ascondies sociais que, por sua vez, apontam a posio do agente no campo artstico. Essas posies

    mobilizam as obras e as prticas destes produtores, na medida em que levam os mesmos a tomadas deposio na disputa por legitimao cultural. no processo de autonomizao do campo e na busca por prestgio que reside construo desimbolismos como elemento de diferenciao. No caso da arte, a concorrncia entre os agentes (artistas,crticos, colecionadores, marchands) que participam do jogo e que produzem e reproduzem a crena novalor e no sentido do que est em jogo no campo artstico, um dos fatores essenciais que mobiliza aproduo simblica deste meio. A dinmica coletiva que se estabelece pelas disputas que animam ocampo, diz respeito s posies e diferentes atitudes estticas de seus agentes, que constroem o podersimblico e lutam por ele. (Sobre as noes de campo e habitus ver de Pierre BourdieuAs regras da arte:gnese e estrutura do campo literrio, So Paulo, Cia das Letras, 1996; e Gnese histrica de umaesttica pura. In: O poder simblico. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2001).

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    instituio, que at os dias de hoje referncia para bailarinos e artistas. Em 2006, a

    UFBA foi novamente pioneira e abriu o nico e primeiro curso de mestrado (stricto

    senso) em dana no pas.

    somente nos anos 80, que outras alternativas foram criadas. 3 Entre elas, o

    curso de graduao em dana da Unicamp, outro centro de formao importante nomeio. Na dcada seguinte, ocorreu um crescimento mais significativo com o surgimento

    de outras opes que se distriburam pelo pas, que pode ser considerado um marco na

    construo da rea no ensino superior. No entanto, o alargamento mais expressivo da

    dana no sistema acadmico est em processo nos anos 2000.

    Atualmente funcionam no Brasil 18 cursos de graduao em dana, sendo 10 em

    instituies privadas e 8 em pblicas. Boa parte deles localiza-se na regio sudeste e sul

    do pas. Para se ter uma idia desse fenmeno de expanso foi realizado um estudo

    comparativo dos dados referentes, ao ano de 1995 e de 2005, que diz respeito aonmero de cursos, de matrculas e de alunos concluintes. 4

    1995

    Total

    Cursos Matrcula Concluintes

    8 484 58

    3 Federais 191 Federais 15 Federais

    2 Estaduais 174 Estaduais 31 Estaduais

    3 Particulares 116 Particulares 12 Particulares

    2005

    Total

    Cursos Matrcula Concluintes

    16 1.049 164

    3 Federais 417 Federais 46 Federais

    4 Estaduais 313 Estaduais 56 Estaduais

    9 Particulares 319 Particulares 67 Particulares

    3 Est ainda em processo de investigao compreender as razes que justificam esse longo perodo detempo entre a criao do primeiro curso de dana da UFBA e o aparecimento de outras possibilidades noensino superior da rea.4 Os dados sobre a graduao em dana no Brasil foram obtidos no site do Inep/Ministrio da Educao.

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    Os dados acima apontam o redimensionamento pelo qual passou o ensino

    superior em dana no perodo de dez anos. No que diz respeito aos cursos, o

    crescimento foi de 100%. J o nmero de matrculas aumentou em 116% . Por fim, o

    aumento do nmero de alunos que concluram a universidade foi de 182%. Alm disso,

    cabe levar em conta a criao de instituies privadas, em 2005. Outra coisa que chamaateno a desproporo entre o nmero de matrculas e o nmero de concluintes.

    Sobre esses dados cabe aventar algumas hipteses.

    possvel dizer que a mudana que ocorreu na dana na dcada de 90, e que fez

    com que o bailarino passasse a ser concebido como um profissional que deve associar a

    atualizao do corpo com a qualificao acadmica, tenha mobilizado a proliferao dos

    cursos de dana no ensino superior. A universidade passou a ser mais uma alternativa de

    trabalho, em um ofcio em que a reconverso profissional, em funo do

    envelhecimento do corpo, inevitvel depois de certa idade. Essa nova tendncia e osinvestimentos na rea despertaram maiores interesses por parte das instituies

    privadas.

    No obstante, o bailarino parece ter dificuldade para seguir um curso superior.

    Talvez o estilo de vida destes artistas seja um obstculo para a freqncia na

    universidade. Aulas, ensaios e temporadas com espetculos podem impedir a

    regularidade de presena na faculdade, o que acaba por desestimular a concluso do

    curso. A situao financeira de parte dos bailarinos pode tambm ser uma das razes de

    interrupo deste processo. Alm disso, cabe sugerir certa incompatibilidade entre os

    contedos de alguns cursos e a realidade destes artistas.

    O subsistema da formao de ps-graduandos em dana

    Em 2006, a UFBA criou a primeira e nica ps-graduao em dana do Brasil.

    No entanto, a produo de dissertaes e teses sobre o assunto acompanhou a dinmica

    de crescimento dos cursos de graduao. Estes trabalhos se dispersam por instituies

    federais, estaduais e particulares de todo pas e esto submetidos a mltiplas reas de

    conhecimento. Como no h dados oficiais sobre esse subsistema foi preciso recorrer

    produo destas pesquisas para realizar um mapeamento das instituies, das principais

    reas de conhecimento e dos centros de formao. 5 Alm disso, para compreender de

    5 Esta pesquisa foi realizada com as informaes do site Bibliografia de Dana no Brasil, de Lucia Villar.Os dados apresentados dizem respeito a uma amostra da produo acadmica de dana, entre os anos de

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    maneira mais ampla o perfil das pesquisas e os agentes mais relevantes deste universo

    foi realizada uma investigao nos sites de ps-graduao das universidades mais

    importantes e no curriculum lattes de pesquisadores que tratam do tema.

    Este trabalho de pesquisa est baseado em uma amostra da produo de

    dissertaes e teses no Brasil, entre os anos de 1974 e 2007. Neste perodo, foramdefendidos 427 trabalhos voltados para a temtica da dana. Contudo, esse nmero se

    distribui de maneira bastante irregular entre as dcadas que compreendem esse intervalo

    de tempo. A concentrao da produo diz respeito, sobretudo, aos anos 90 e 2000, o

    que indica a concordncia entre a produo da ps-graduao e a proliferao de cursos

    de graduao. Entre as dcadas de 70 e 80, a produo quase inexistente e conta com

    apenas 21 pesquisas (4,91%). No decorrer dos anos 90, esse nmero cresceu para 143

    (33,4%). Mas, o salto quantitativo est ocorrendo em 2000. At o ano de 2007 a

    produo passou para 263 trabalhos (61,5%).Destes 427 trabalhos, 287 (67,2%) foram produzidos em trs universidades de

    So Paulo: Universidade de So Paulo USP 99; Universidade Estadual de Campinas

    UNICAMP 98 e Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo PUC-SP 90. A

    UFBA segue com 33 trabalhos. O restante, que soma 107 (25%) pesquisas do total, se

    dispersa por inmeras ps-graduaes espalhadas pelo Brasil.

    Curiosamente, a USP est inserida no grupo dos principais centros de produo.

    As teses e dissertaes sobre dana so produzidas, sobretudo, na Escola de

    Comunicao e Artes ECA e na Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas

    FFLCH. No entanto, boa parte dos orientadores destes trabalhos no pesquisador da

    rea. 6 Alm disso, a produo se dispersa para a Faculdade de Educao, de Educao

    Fsica, de Enfermagem e para o Instituto de Psicologia. O que justifica esse destaque o

    fato da USP ser o plo de excelncia de produo acadmica do pas, que funciona

    desde 1934. Outra coisa, que boa parte dos trabalhos das dcadas de 70 e 80 foi

    defendido nesta universidade.

    A despeito da expresso quantitativa e das temticas bastante interessantes de

    suas pesquisas, voltadas para a histria social da dana no Brasil, a dana

    contempornea, o bal russo e cubano, a filosofia da dana, no possvel apreender as

    principais caractersticas do campo por meio dessas experincias. A universidade apesar

    1974 e 2007. O perodo estipulado levou em conta o momento em que o tema da dana comea a serabordado, com mais regularidade, nas pesquisas acadmicas.6 Foram analisados dez trabalhos, entre dissertaes e teses, de alunos de ps-graduao da USP.

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    de formar alunos que atuam no meio, no tem atualmente um grupo de estudiosos e um

    espao acadmico para o qual se dirige os estudos de dana.

    J a UNICAMP uma das principais instituies de formao em ps-graduao

    em dana no pas. O estudo de dana tem seu lugar no Instituto de Artes e est

    submetido rea de concentrao de artes cnicas. A Ps-Graduao em Artes(mestrado 1994 e doutorado 2004) um centro de estudos interdisciplinar voltado para

    as artes visuais, teatrais e dana com enfoque na produo e criao contempornea. Os

    trabalhos de dana, no entanto, esto vinculados ao setor das artes cnicas, o que

    caracteriza, entre outras coisas, as mltiplas direes temticas da produo de seu

    corpo docente. 7

    O corpo docente da ps-graduao em artes cnicas constitudo por dezoito

    membros. Boa parte destes tem formao acadmica na prpria UNICAMP. A produo

    de pesquisas destes professores busca contemplar os estudos da dana em diversosngulos. Entre eles, a poltica cultural da dana, o mtodo bailarino - intrprete -

    pesquisador, dana e gnero, o corpo e a sociedade indgena, o corpo na capoeira, a

    dana africana, a dana e a sade mental, as linguagens cnicas do corpo, entre outros. 8

    A Faculdade de educao da UNICAMP tambm outro centro, menos

    expressivo, mas tambm importante na produo de pesquisas de dana. Exemplo disso

    o trabalho que a sociloga Liliana Segnini desenvolver, por meio de um temtico da

    Fapesp cujo ttulo Trabalho e formao no campo da cultura: professores, msicos e

    bailarinos.

    A despeito da centralidade da UNICAMP na formao de ps-graduandos em

    dana, a PUC-SP ocupa lugar estratgico nesse contexto. O Programa de Ps-

    Graduao em Comunicao e Semitica foi responsvel pela formao de muitos

    pesquisadores que hoje atuam no universo acadmico e artstico da dana e exerce um

    papel relevante na formao de novos estudiosos. Um dos principais nomes envolvidos

    neste projeto o de Helena Katz, que atua de modo expressivo no mbito da

    universidade e do campo da dana.

    Helena Katz professora dos cursos de ps-graduao de Comunicao e

    Semitica e de graduao de Comunicao das Artes do Corpo. coordenadora do

    7 Em razo do carter ecltico da produo acadmica da rea de artes cnicas do Instituto de Artes, opteiem consultar os trabalhos dos professores do curso de dana.8 Foram analisados o curriculum lattes de dez membros do corpo docente do curso de Ps-Graduao emArtes rea de concentrao artes cnicas, para identificar o lugar que defenderam o doutorado e atemtica central do mesmo. Alm disso, foi realizada uma pesquisa nos ttulos de dissertaes e teses dealunos deste Programa, que revelaram a variedade dos temas da produo.

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    Centro de Estudos do Corpo, certificado pela Capes, e do Centro de Estudos em Dana

    certificado pelo Cnpq, e orienta boa parte dos trabalhos de dana da PUC-SP. Alm

    disso, bastante considerada pelo desenvolvimento, junto com Christine Greiner, da

    Teoria Corpomdia. Ainda do ponto de vista acadmico, Katz est bastante envolvida

    com a criao do curso de ps-graduao em dana da UFBA. colaboradora daproposta e co-cordenadora, junto com Dulce Aquino (diretora dos cursos de graduao e

    ps-graduao em dana da UFBA), do projeto de intercmbio acadmico CAPES/PQI

    firmado com a UFBA. Cabe tambm levar em conta a presena de Katz no corpo

    docente do recente projeto. O Programa de Ps-Graduao em dana da UFBA

    constitudo por um corpo docente de oito membros, sendo dois coordenadores e seis

    professores. Alm dos dois coordenadores outros trs professores defenderam o

    doutorado no Programa de Comunicao e Semitica da PUC-SP. Destes cinco

    trabalhos, quatro foram orientados por Helena Katz e um por Christine Greiner. Htambm um professor da casa e dois com formao no exterior.

    Alm disso, desde 1986 Katz faz a critica de dana do jornal O Estado de S.

    Paulo. Organiza tambm eventos como o Frum Internacional de Dana, compe jris

    de festivais e de bienais. , portanto, figura emblemtica do trnsito entre o universo

    artstico e acadmico, que caracteriza um aspecto do meio da dana de hoje. 9

    Boa parte da produo da PUC-SP reveladora desse intercmbio. As

    caractersticas e temas mais freqentes dos trabalhos mostram o papel de legitimao

    que o discurso acadmico busca exercer sobre um segmento do campo artstico da

    dana. No caso, trata-se das expresses contemporneas desta arte. Esse processo de

    legitimao diz respeito aos contedos de teses e dissertaes que se orientam,

    principalmente, pela preocupao em defender o que se considera como dana

    contempornea e em apresentar os registros de acontecimentos, de protagonistas e de

    manifestaes deste meio. Nessa perspectiva, o bal clssico que ainda tem presena

    relevante na formao e profissionalizao de bailarinos pouco problematizado e

    muitas vezes considerado um estilo fora do lugar no mundo transitrio e efmero

    de hoje.

    tambm significativo o nmero de trabalhos que tratam das polticas culturais

    destinadas dana, sobretudo, no Brasil. Entre temas como a crtica jornalstica e a

    formao do pensamento em dana, o bal romntico e a semitica, a educao infantil

    9 Informaes obtidas no curriculum lattes e nos sites: www.danca.ufba.br e www.pucsp.br.

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    em dana, o bal e o nacionalismo, destacam-se os seguintes ttulos: A poltica da

    dana nos anos 90, em Florianpolis; O sistema da dana contempornea carioca, nos

    anos 90; A poltica cultural em dana: Sesc Santos e a co-autoria cultural; e Dana

    brasileira em Lyon: estudo de uma Bienal Verde Amarelo (pesquisa sobre as polticas

    culturais em dana no Brasil e na Frana). Estas pesquisas comeam a desenhar o mapado campo da dana contempornea de maneira bastante interessante. Por um lado,

    contribuem como registro histrico e acadmico e, portanto, para a construo do

    patrimnio da dana. Por outro, esses textos mais valorizam o prprio meio e os seus

    principais representantes do que problematizam questes que as pesquisas sugerem. 10

    O mercado de trabalho do bailarino

    A interpretao ou criao do artista no s resultado de inspirao inventiva e

    original, mas tambm de um processo de formao e de condies de trabalho. Omundo da arte est inserido nas lgicas de mercado, ainda que artistas e obras se

    orientem por uma coerncia particular no espao social de trabalho e estejam em tenso

    constante entre a liberdade e a pureza de sua arte e os princpios econmicos da

    sociedade. Iluminar a dimenso do trabalho do universo artstico tambm

    compreender as dinmicas de diferenciao que os artistas produzem na luta por

    sobrevivncia e prestgio e que, muitas vezes, se concretizam nos discursos e na prpria

    obra. 11

    10 Foram analisados dez trabalhos, entre dissertaes e teses, de alunos da PUC-SP, e os doutorados deHelena Katz e de Christine Greiner.11 O universo artstico dotado de valores e sentidos que parecem transcender as prticas mais comuns dasociedade moderna. Artistas e obras so como que envolvidos por uma atmosfera espiritual, magntica,esfumaada, que os elevam ao plano sagrado, distante e protegido da lgica menor de organismos comoo econmico e o social. Para Bourdieu, essa dimenso mgica da arte, que faz do artista o criadorincriado (Bourdieu, 2001, p.34) e que concebe um objeto como obra de arte, diz respeito a um universo

    social onde se produz e reproduz o valor da obra. No se trata aqui de destituir o universo artstico de suaaura, mas de apreend-la como efeito de construo de sentido e valor produzido no interior de umcontexto histrico por atores sociais. (Bourdieu, 2001, p. 285, 286)A aura que envolve a atmosfera dos artistas e das obras e os faz descolar e desprender das prticas sociais, portanto, atividade social de simbolizao. A fabricao e sofisticao de simbolismos fazem com quea arte, assim como a religio e o meio intelectual, defina-se como um universo a parte da sociedade. Acriao e colorao desses sentidos e valores, que transcendem a arte ao estado subjetivo, mgico,sagrado, so efeito e alquimia de experincias sociais, econmicas e profissionais deste mundo. (Sobre oprocesso de autonomizao e diferenciao das esferas religiosa e intelectual ver de Max Weber o textoSociologia da religio. In Economia e Sociedade (vol 1), Braslia, DF, Editora Universidade deBraslia; So Paulo, Imprensa Oficial do Estado de So Paulo, 1999. Pgs 279-418).

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    intermitentes de trabalho. Ocorre hoje uma rotinizao do estado precrio desse

    mercado, que pode ser apreendida nos princpios de formao e das expresses artsticas

    da dana contempornea, e na organizao mais ampla das prticas da profisso. Novas

    estratgias tambm so forjadas para driblar as instabilidades do metier. Mas aqui cabe

    a ressalva de que muitas das solues se projetam para fora do mundo da dana.Boa parte dos bailarinos trabalha de projeto em projeto, isto , por contratos de

    curta durao, sem carteira assinada e, portanto, sem direitos de trabalho como o 13

    salrio, as frias, ou a licena maternidade assistida. Em 2004, de acordo com os dados

    do PNAD/IBGE, havia 901 profissionais da dana em situao estvel no Brasil

    (12.8%), enquanto 6.138 trabalhavam informalmente (87.2%). 14 As possibilidades de

    contrato estvel para o bailarino so oferecidas, de um modo geral, nos teatros pblicos

    subsidiados pelo Estado. Contudo, segundo Segnini, esta j no mais, por exemplo, a

    realidade do Theatro Municipal de So Paulo:Desde 1988, os artistas que se aposentam ou so demitidos so substitudos por outrossem contrato [...] No Bal (da Cidade de So Paulo), dos 38 artistas, somente duasbailarinas permanecem em contrato permanente, o restante so temporrios. 15

    No entanto, ainda de acordo com Segnini, as informaes do PNAD/IBGE

    divergem dos dados do Ministrio do Trabalho, que mostram que, no perodo de 2002 a

    2004, ocorreu um crescimento de emprego formal em dana. Em 2002, havia 1.137

    trabalhos com vnculo empregatcio formal; em 2003, 1.939; e, em 2004, 2.103. Para

    Segnini, uma das hipteses para compreender esse aumento a expanso dos postos detrabalho do bailarino-docente no ensino superior. 16

    Essa hiptese bastante plausvel, sobretudo, se os dados apresentados no

    texto, a respeito do ensino superior em dana, forem levados em considerao. Mas,

    apesar deste novo espao de atuao, a intermitncia ainda a forma de trabalho que

    representa a profisso. O bailarino sobrevive, principalmente, de cach em cach 17 e

    essa vivncia de vnculos temporrios e incerteza o leva a realizar mltiplas atividades.

    Contudo, no possvel negligenciar os fatores positivos que o ensino superior

    em dana produziu no mercado de trabalho do bailarino. O aumento de contratosestveis, a possibilidade de renda fixa, a qualificao acadmica do bailarino que o

    liberta do corpo, como principal suporte de trabalho, a ampliao de grupos de

    14 Segnini, Liliana,Relaes de gnero nas profisses artsticas: Comparao Brasil-Frana, p. 9. Dadosobtidos PNAD/IBGE.15 Ibid, p.16.16 Ibid, p. 10.17 Ibid, p. 7.

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    sociabilidade, indicam a diminuio da precarizao da profisso. Mas, esse fenmeno

    leva tambm a desintegrao do bailarino, que para alm de bailarino deve tornar-se,

    para ser bailarino, docente e pesquisador.

    Apesar dessa nova possibilidade de trabalho estvel, a intermitncia, a

    instabilidade e a multiplicidade de atividades ainda predominam como formas detrabalho e podem ser apreendidas de diversas maneiras no discurso apresentado e

    desenvolvido pela prpria universidade, que hoje ocupa posio particular no interior do

    universo artstico da dana.

    Para tanto, a PUC-SP ser tomada como exemplo, pelas seguintes razes. Em

    primeiro lugar, a universidade localiza-se na cidade de So Paulo, onde se concentra

    boa parte do mercado da dana do pas. Isso viabiliza ao bailarino freqentar a

    universidade sem ter que se distanciar do epicentro cultural do universo da dana e,

    consequentemente, de seu principal ambiente de trabalho. Essa proximidade tambmpromove um dilogo mais estreito entre o mundo da dana artstico e o acadmico.

    Alm disso, o curso de graduao Comunicao e Artes do Corpo e o Programa de Ps-

    Graduao em Comunicao e Semitica foram e so centrais na formao de

    pesquisadores e bailarinos no s da cidade, como de outros centros importantes como o

    Rio de Janeiro e a Bahia. E, por fim, a produo acadmica da PUC-SP estabelece uma

    relao de troca direta com o segmento da dana contempornea, uma das principais

    tendncias responsveis por parte significativa das mudanas deste campo e que

    pressupe um bailarino que deve investigar outras maneiras de exprimir artisticamente o

    seu corpo e produzir uma arte conectada com o que h de mais inovador em seu tempo,

    que tem por manifestao do movimento, a improvisao.

    Bailarinos intermitentes: flexibilidade e improvisao nos discursos acadmicos e

    nas formas artsticas contemporneas da dana

    O texto de apresentao do curso de graduao Comunicao e Artes do Corpo

    da PUC-SP 18 material revelador, a um s tempo, de reao e de manifestao da

    situao do mercado de trabalho da dana. O curso criado, em 1999, pela Faculdade de

    Comunicao e Filosofia se qualifica como projeto inovador do campo do

    conhecimento, na medida em que faz conexes entre saberes at ento isolados. O

    18 As principais idealizadoras desta proposta foram Helena Katz e Christine Greiner.

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    artista do corpo (bailarino, ator de teatro e performer) 19 aquele que est inserido e

    sintonizado em uma perspectiva interdisciplinar em que o corpo, a arte, as pesquisas, e

    os processos de comunicao mais avanados de redes contemporneas 20 (as novas

    mdias), se confundem. O termo contemporneo deve ser entendido aqui na sua dupla

    dimenso: de tempo atual e de tendncia artstica e intelectual pioneira, como mostra oincio do discurso sobre essa proposta:

    [...] sem precedentes no Brasil e no exterior o curso se dirige a todos aqueles queentendem o corpo como mdia primria da cultura. Isso quer dizer: o corpo comoprimeiro meio de comunicao do homem em seu processo evolutivo, nos diversostempos e ambientes em que convive. 21

    Para tratar da relao entre os contedos do projeto deste curso e as formas

    intermitentes de trabalho do bailarino, cabe orientar a anlise do texto, dirigido para pais

    e alunos, para o discurso sobre a formao e o perfil profissional do artista do corpo.Desta forma, o curso tem por objetivo:

    [...] formar profissionais que podero explorar novas fronteiras de atuao comodivulgador do corpo como mdia nos seus processos de comunicao com o ambiente,como criador-intrprete, dramaturgista, preparador corporal, curador, produtor eprogramador cultural. 22

    Este trecho do texto mostra a inteno de formar profissionais que investiguem

    novas alternativas de atividade profissional e uma variedade de prticas que revela a

    necessidade de criar um universo profissional pouco definido, propcio para aqueles que

    dependem do exerccio de mltiplas atividades. A idia de formar o artista capacitado a

    pesquisar e criar possibilidades para o seu prprio campo e instrumento de trabalho o

    corpo e a pluralidade e concepo dos espaos de atuao e apresentao do danarino

    se manifestam de modo mais descritivo nos perfis profissionais estabelecidos pelo

    curso. Cabe destacar as preocupaes centrais para a formao destes artistas.

    A primeira diz respeito ao redimensionamento do corpo como instrumento de

    trabalho. Isto , a criao de novas formas corporais que tornem o corpo mais plstico,

    habilitado a transitar por diversas linguagens artsticas e atuar no s em espetculos,mas de se exprimir em atos pouco convencionais. Nesse sentido, o curso concebe o

    profissional como:

    19 Texto de apresentao do curso de graduao Comunicao e Artes do Corpo publicado no site:www.pucsp.br.20 Ibid.21 Ibid.22 Ibid.

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    [...] artistas aptos a explorar a teatralidade fsica em espetculos e outros tipos deintervenes artsticas; participar da criao de espetculos cnicos, partindo de novaelaborao corporal; pesquisar novos procedimentos cnicos para o corpo que dana,para o corpo que atua cenicamente e para o performer[...] investigar e experimentar asnovas dramaturgias do corpo. 23

    A segunda iniciativa que sobressai o entrelaamento entre as prticas artsticas

    e as acadmicas, que propicia o artista do corpo do sistema do ensino superior capaz de

    criar suas prprias obras e/ou personagens atuando como pensadores-pesquisadores e

    no apenas como executores; [e de] desenvolver pesquisa terico-crtica sobre o

    corpo.24 E, por fim, a terceira soluo, que prope a atuao deste profissional no

    interior e para alm das fronteiras de seu campo em espaos no institucionalizados. O

    artista do corpo contemporneo deve atuar no mbito da publicidade, da moda, da

    mdia e de espetculos em ambientes no convencionais. 25

    As mltiplas perspectivas de formao e de atuao do bailarino, apresentadas

    nesse texto, revelam muito das condies de trabalho do danarino hoje. Isso no

    significa dizer que o mercado mobiliza de modo unvoco o discurso e a produo

    artstica, mas que essas duas dimenses do espao social estabelecem nexos bastante

    complexos, que devem ser levados em considerao.

    O corpo flexvel apto a circular em espaos dispersos e em inmeras atividades

    artstico-profissionais pode tambm ser apreendido como um corpo virador 26, aquele

    que se vira na sua realidade adversa, que cria possibilidades de adaptao em um

    contexto que predomina o trabalho informal, a instabilidade, caracterizado pela atuao

    em diversos projetos de curta durao e a necessidade de exercer mltiplas funes.

    Esse corpo multifacetado, que se prope como um corpo novo, isto , que encarna e

    representa as linguagens corporais mais contemporneas, est criando um lugar no

    espao dos possveis do campo da dana e concorrendo com o bal clssico pela

    hegemonia de tcnicas e conceitos na formao e profissionalizao do bailarino.

    Alm disso, as alternativas de trabalho que extrapolam os limites de atuao do

    artista do corpo como a academia, a publicidade, a moda, a mdia podem indicar arestrio de possibilidades e condies de trabalho no interior do universo da dana e a

    23 Ibid.24 Ibid.25 Ibid.26 Expresso derivada do termo Virao, empregado pela antroploga Maria Filomena Gregori em seulivro, cujo ttulo Virao: experincias de meninos de rua. Aqui foi utilizado para caracterizar asrelaes entre o corpo do bailarino e as formas intermitentes de trabalho.

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    abertura de novos postos em outros mbitos profissionais. Mas, salvo na universidade, a

    sugesto de exercer atividades dspares em ambientes no convencionais 27 pode ser

    tambm uma maneira de mascarar, por meio da atuao em atmosferas

    indisciplinadas, o reduzido espao institucionalizado para os profissionais de dana e,

    portanto, a menor estabilidade no emprego.***

    A possvel ligao entre a intermitncia e o mundo da arte do bailarino no se

    manifesta somente na dimenso profissional do campo da dana, mas tambm em uma

    das formas artsticas mais expressivas da produo atual: a improvisao. O bailarino

    deve investigar outras maneiras de exprimir artisticamente o seu corpo e produzir uma

    arte conectada com o que h de mais inovador em seu tempo, que tem por manifestao

    do movimento a improvisao. A centralidade da improvisao tema explorado por

    Helena Katz em um artigo cujo ttulo O coregrafo como DJ. 28Para Katz essa nova dana, que caracteriza a sociedade contempornea, deve se

    impor como uma alternativa natural que supere as prticas oriundas da tcnica clssica.

    Como mostra a autora,

    No caso, a complexidade do movimento de dana pede por auxlios tericos fora dahabitual moldura das teorias estticas. Ao menos, para evitar que as lendas de amplacirculao no meio da dana continuem se consolidando como verdades oficiais. Quemcontinua apresentando a dana como a linguagem universal ou o bal como uma tcnicacapaz de preparar o corpo para qualquer tipo de dana est colaborando para a difusode lendas, no de conceitos capazes de promover uma investigao a respeito domovimento e da dana [...] A compreenso da dana como pertencente a este mundo eno a um claustro, isolada das discusses em circulao neste fim de sculo, marca umadiferena bsica. Dessa conectividade entre dana e mundo pode surgir bonsargumentos para esclarecer que as lendas so apenas lendas. 29

    A proposta de Katz se orienta pela elaborao de um novo vocabulrio de

    linguagens corporais, que estabelea diferentes padres de movimento e que supere os

    procedimentos tcnicos do bal clssico e das manifestaes que dizem respeito aos

    seus desdobramentos formais e artsticos. O bailarino deve adquirir e organizar nos seus

    registros corporais, uma gramtica da improvisao. Segundo Katz,Para olhar mais de perto a ao da improvisao, h de se entender melhor o que sejauma rotina motora do corpo [...] ao improvisador em dana pedido que aprenda uma

    27 Texto de apresentao do curso de graduao Comunicao e Artes do Corpo publicado no site daPUC-SP.28 Katz, Helena. O coregrafo como DJ. In: Lies de dana 1. (org. Roberto Pereira e Silvia Soter) Riode Janeiro, Faculdade da Cidade, 1998. p. 11.29 Ibid, p. 14.

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    nova rotina, isto , que aprenda a desarticular aquilo que estava estabelecido comoformas de conexo habitual no seu corpo. Esta, todavia, uma rotina de ordem um tantodiversa das outras, uma vez que implica, basicamente, buscar recursos exploratrios eno consolidar famlias de movimentos. Para realizar est tarefa, o corpo conta com umvocabulrio e as experincias confirmam que quanto mais slida for a formao destecorpo, mais apto ele estar a realizar as desarticulaes que pretende. No se trata de um

    paradoxo, mas de uma condio [...] Para improvisar um corpo precisa havercolecionado muitas experincias motoras. A sua capacidade de inovar parece dependertotalmente da sua habilidade em haver adquirido muitos conhecimentos motores. 30

    Ainda de acordo com Katz, a dana como improvisao praticada da seguinte

    maneira pelo bailarino:

    Quando entra num estdio para improvisar, um bailarino se v s voltas com a suacapacidade de lidar com as aes motoras que desenvolveu como dana dentro daproposta de criar algo diferente a partir do que j existe no seu corpo. nesse sentidoque ele se torna um DJ de si mesmo. Como um cientista num laboratrio, comea atestar novos comandos e vai conferindo os resultados. Tanto segura a velocidade

    habitual de execuo de um movimento, como a acelera (tal como um DJ interferindocom a mo na velocidade com que o toca-disco roda a bolacha do LP) [...] A repetiodo novo estmulo tem o sentido de promover outro rearranjo para aes motoras jdominadas. Cabe, ao bailarino, ento, descobrir todo um repertrio de novos estmulos emodos de lidar com eles, ou seja, de introduzir a si mesmo numa outra tcnica(sistematizao de instrues para fins especficos). 31

    A produo artstica da dana voltada para a improvisao se apresenta como

    uma alternativa ao bal clssico. Trata-se de uma tendncia que est ocupando lugar

    estratgico na hierarquia de gneros da dana, por meio de elaborao e investigao de

    novas tcnicas corporais mais atualizadas com seu contexto e, portanto, de mais um

    segmento para concorrer no campo, j que o bal clssico est presente, praticado e

    encenado na sociedade contempornea.

    Nesse sentido, cabe observar que o movimento da improvisao pressupe uma

    relao de menos esforo e rigor com o corpo, em relao ao bal clssico. O fsico do

    bailarino no precisa se preparar para o virtuosismo, mas deve exprimir combinaes de

    movimentos espontneos promovidos pelo repertrio motor da improvisao. possvel

    dizer que a relao distinta dessa prtica com o corpo permite ao bailarino exercer

    atividades no universo mais amplo das artes corporais, maior disponibilidade para atuar

    em outros mbitos profissionais, permanecer por mais tempo danarino. Alm disso, a

    forma improvisada dispensa o aparato do espetculo e pode ser executada nos mais

    diversos espaos alternativos.

    30 Ibid, p. 21, 22.31 Ibid, p. 22, 23.

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    Nesse sentido, cabe aqui levantar a hiptese de que a flexibilidade do corpo

    proposta pela dana contempornea e a forma artstica da improvisao revelam

    questes inseparveis da dinmica de articulao entre a arte, a universidade e o

    mercado desse complexo mundo do trabalho da sociedade globalizada, que se

    caracteriza cada vez mais pela intensificao de formas maleveis de trabalho e pelodescompromisso com a proteo social e a estabilidade de emprego. 32

    32 Sobre a problematizao da flexibilidade no trabalho artstico no mundo globalizado ver: Segnini,Liliana.Relaes de gnero nas profisses artsticas: comparao Brasil-Frana, p. 12 e 13.

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