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1 Caprilat: Mais Vale uma Cabra Gorda que um Rebanho de Vacas Magras Autoria: Leonardo Sertã Rezende, Mariana Saraiva David, Felipe Patrício Vignoli, Victor Manoel Cunha de Almeida RESUMO O caso de ensino “Caprilat” apresenta uma situação decisiva enfrentada pelos diretores da CCA Laticínios: priorizar esforços para a linha de leite de cabra ou de vaca? O dilema reside nas diferenças significativas de rentabilidade, volume e mercado potencial de cada linha. Oportuniza, sobretudo, a discussão sobre o posicionamento do leite de cabra, um produto singular em busca de uma categoria. Esse caso é recomendado para disciplinas de Gerência de Marketing ou Canais de Marketing de cursos de pós-graduação e possibilita a discussão da relação entre posicionamento, mix de produto e alinhamento dos canais de distribuição.

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Caprilat: Mais Vale uma Cabra Gorda que um Rebanho de Vacas Magras

Autoria: Leonardo Sertã Rezende, Mariana Saraiva David, Felipe Patrício Vignoli, Victor Manoel Cunha de Almeida

RESUMO

O caso de ensino “Caprilat” apresenta uma situação decisiva enfrentada pelos diretores da CCA Laticínios: priorizar esforços para a linha de leite de cabra ou de vaca? O dilema reside nas diferenças significativas de rentabilidade, volume e mercado potencial de cada linha. Oportuniza, sobretudo, a discussão sobre o posicionamento do leite de cabra, um produto singular em busca de uma categoria. Esse caso é recomendado para disciplinas de Gerência de Marketing ou Canais de Marketing de cursos de pós-graduação e possibilita a discussão da relação entre posicionamento, mix de produto e alinhamento dos canais de distribuição.

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INTRODUÇÃO

No fim daquela tarde de quarta-feira, Antônio Carlos, Diretor Executivo da CCA Laticínios, aguardava ansioso a chegada de um e-mail que traria os últimos resultados de vendas do leite de cabra Caprilat com as novas embalagens da Tetra Pak. Antônio Carlos esperava que a nova embalagem, mais moderna e funcional, alavancasse as vendas do Caprilat, reforçando seu pioneirismo e o reconhecimento da marca em escala nacional. Seus pensamentos foram interrompidos pela chegada de Paulo Bruno, Diretor Comercial da CCA.

- Já viu os resultados da operação de leite de vaca? Estamos crescendo 50% sobre o volume do início do ano.

Antônio Carlos questionou de pronto sobre a margem de contribuição. Paulo Bruno balançou a cabeça negativamente e em seguida foi buscar uma calculadora para refazer algumas contas. Mais uma vez, o resultado havia reduzido a rentabilidade total da CCA. Retomando seu pensamento sobre o impacto da nova embalagem Caprilat nos resultados da empresa, Antonio Carlos ainda tinha dúvidas se ela seria suficiente para alavancar as vendas do leite de cabra de forma a compensar a baixa rentabilidade do leite de vaca. ANTECEDENTES A Região Serrana do Rio de Janeiro abriga importantes produtores de cabra do Sudeste brasileiro. Um marco importante para o desenvolvimento dessa cultura nas fazendas da serra foi a criação da Queijaria Escola Suíca de Nova Friburgo-RJ, em 1987. Fundada por colonos suíços com o objetivo de difundir a bacia leiteira da região e promover o desenvolvimento rural, a Queijaria realizava treinamentos profissionalizantes e workshops de boas práticas e tecnologia na produção de queijos. O médico-veterinário Paulo Cordeiro acompanhava de perto toda essa movimentação no mercado leiteiro. Apaixonado pela caprinocultura, ele foi um dos pioneiros na região, investindo na aquisição de rebanhos e na construção de um capril e instalações, onde produzia artesanalmente leite e iogurte. Sua incessante busca pela qualidade transformou seu produto no primeiro leite de cabra do país com selo de inspeção sanitária, pois até 1988 a comercialização desse leite no Brasil ainda era feita de forma desregulamentada. Esse pioneirismo tornou Paulo um produtor nacionalmente conhecido no ramo de cabras e estimulou sua participação em palestras e cursos por todo país. Em uma dessas ocasiões, ele foi apresentado a um produto que lhe instigou: o leite em pó de cabra Meyenberg. Comercializado nos Estados Unidos em latas de 400g, o leite estava presente no mercado norte-americano desde 1938, mas era desconhecido no Brasil. A qualidade superior do produto chamou a atenção de Paulo, pois não existia nada similar no país, o que poderia indicar uma grande oportunidade. O irmão de Paulo, Antônio Carlos, partilhava a mesma opinião. Com grande experiência na área comercial e em redes de distribuição, ele acreditava que o crescimento da demanda pelo leite de cabra estava apenas começando e um produto como esse poderia oferecer valor superior aos consumidores. Assim, em 1995, os dois viajaram para os Estados Unidos para negociar com o fabricante do Meyenberg a importação do leite e a autorização para criação de uma marca para o mercado brasileiro. Em seguida, fundaram a Celles Cordeiro Laticínios (CCA), que passou a comercializar o leite em pó de cabra em Nova Friburgo e na cidade do Rio de Janeiro sob a marca Scabra.

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Naquela oportunidade, a empresa ainda era bem modesta e contava com menos de dez funcionários em seu escritório, uma casa alugada no Humaitá, no Rio de Janeiro. Todo o trabalho consistia basicamente em receber um container de produtos a cada dois meses e distribuir o leite em alguns canais específicos, como lojas de produtos naturais. O aprendizado com a dinâmica do setor foi rápido. O leite em pó de cabra importado foi bem avaliado pelos consumidores, porém seu público era muito restrito. Buscando expandir o potencial de mercado, Antônio Carlos decidiu acompanhar a prática observada no setor de leite de vaca, mediante o lançamento, em 1998, do leite de cabra longa vida com a marca Caprilat. Para viabilizar a operação, a CCA desenvolveu parcerias com cooperativas de produtores do Rio de Janeiro e Minas Gerais, além da terceirização da planta industrial da CCPL, em São Gonçalo-RJ, para beneficiamento, processamento e envase do leite. A nova dimensão dessa categoria de produtos exigiu investimentos no estabelecimento da matriz, em Nova Friburgo, e também a distribuição de atividades entre os dois sócios: Antônio Carlos seria o Diretor Executivo, responsável pelas operações e negociações da CCA, enquanto Paulo seria o Diretor Técnico, gestor de toda cadeia produtiva da empresa. Alguns anos mais tarde, o filho de Paulo, Paulo Bruno, assumiria a Diretoria Comercial da companhia. Era necessário também ampliar os canais de distribuição e a abrangência geográfica para dar visibilidade e volume de vendas à marca Caprilat. Desse modo, foram negociadas novas representações comerciais com agentes especializados, com acesso a praticamente todas as grandes contas nacionais e supermercados regionais do Grande Rio. Nacionalização do leite em pó de cabra Em 2002, a CCA Laticínios iniciou a fabricação do leite em pó Caprilat 200g para combater o lançamento de um produto concorrente – mais barato – que tentava capturar mercado do Caprilat importado 400g. A oportunidade surgiu através da aproximação com a Laticínios Canaan, uma pequena empresa regional de leite de vaca e derivados em Macuco-RJ, que tinha ociosidade em sua linha de produção. A essa altura, as importações estavam concentradas em um fornecedor da Holanda, que oferecia um produto com maior valor agregado a preços inferiores aos do fabricante norte-americano. Entretanto, o súbito aumento do Euro às vésperas das eleições presidenciais de 2002 elevou o custo de toda operação e expôs a fragilidade da CCA à volatilidade do câmbio e sua dependência exclusiva das importações. Como a empresa já vinha adquirindo know how na produção do leite e apresentando aprimoramentos em sua qualidade, a decisão de substituir as importações pela operação local foi facilitada. Toda a produção foi então concentrada na usina de Macuco-RJ, que já havia desenvolvido uma versão instantânea do leite, possibilitando ainda a entrada em um novo segmento dentro da categoria. A marca Scabra foi substituída e a unidade de negócios de cabras foi unificada sob a bandeira Caprilat. Entrada no setor de leite de vaca Em meados de 2009, a Canaan ameaçou interromper as atividades devido a dificuldades de solvência, oferecendo à CCA o arrendamento de toda a operação da unidade. Para garantir a continuidade no negócio de cabras, a CCA aceitou a proposta e assumiu todo o maquinário da empresa. Entretanto, mesmo concentrando todo o volume anteriormente importado e as novas demandas de leite de cabra, a fábrica ainda apresentava níveis consideráveis de ociosidade e elevados custos fixos no processo de beneficiamento e armazenagem, ameaçando a rentabilidade das operações.

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Os sócios decidiram então aproveitar o conhecimento de toda cadeia produtiva dos laticínios de cabra, o know how da fabricação de leite em pó e a proximidade com produtores e clientes de leite de vaca para viabilizar a entrada da empresa em uma categoria de grande volume, contribuindo para ganho de escala e diluição dos custos fixos. Nascia assim a Fazendas do Rio, linha de leite em pó de vaca da CCA, com distribuição restrita ao mercado do estado do Rio de Janeiro e com objetivo inicial de diluir custos para sustentar o negócio de leite de cabra. Nas palavras de Antônio Carlos:

O foco regional no leite de vaca nos permitiu continuar operando, pois em nível nacional é impossível competir com os grandes players desse segmento.

A partir de então a empresa mudou rapidamente de patamar de faturamento. Os grandes volumes de leite de vaca multiplicaram as receitas – e também as despesas –, transformando a CCA em uma companhia mais abrangente no setor de Laticínios. Além dos leites, a empresa passou a fabricar queijo de cabra e a prestar serviços de broker e representação comercial no Rio de Janeiro. CCA LATICÍNIOS Em 2011, com faturamento anual de aproximadamente R$ 49 milhões, a CCA Laticínios estava dividida em três unidades de negócios principais: Caprilat (produtos de cabra), Fazendas do Rio (leite em pó de vaca e concentrado) e Serviços de Broker e Representação Comercial. Além da matriz da empresa em Nova Friburgo-RJ, faziam parte da estrutura a fábrica de Macuco-RJ (produção leite de cabra e de vaca em pó), a fábrica terceirizada em Castro-PR (leite de cabra longa vida), a fábrica terceirizada em Cruzília-MG (fabricação de queijos), o centro de distribuição e filial de vendas de Duque de Caixas-RJ e a filial de vendas de Saquarema-RJ. Linha de Produtos Caprilat A linha de produtos de cabra Caprilat é composta por leite longa vida UHT integral e light, leite em pó, leite em pó instantâneo e queijos de cabra (Caprino Esférico, Caprino Serrano e Gran Caprino). É a marca mais conhecida da CCA em função de seu pioneirismo no setor e abrangência geográfica dos clientes. Em 2011, estava presente em mais de dois mil pontos de venda em 25 estados e no Distrito Federal. Segundo Antônio Carlos:

São 16 anos de estrada conhecendo varejistas, distribuidores e clientes. Nas reuniões setoriais, temos grande exposição, graças a nossa atuação em nível nacional. Estamos presentes hoje em praticamente todos os principais varejistas do ranking da ABRAS1.

Embora respondesse por cerca de 12% do faturamento total da empresa, Caprilat era a unidade com melhor margem de contribuição – aproximadamente 25% no leite de cabra e 10% na linha queijos. As características nutritivas especiais dos produtos os diferenciavam frente ao leite de vaca comum, permitindo precificação de aproximadamente 2,5 vezes o valor do leite comum.

Para manter a liderança em leite de cabra, a CCA Laticínios investiu na formação de uma rede de representantes em todo o Brasil, apostando na força do seu pioneirismo nesse segmento. Embora cerca de 60% dos seus clientes estivessem concentrados nos estados do

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Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, os produtos Caprilat chegavam a outros 22 estados e ao Distrito Federal.

Essa expansão geográfica foi fundamental para o ganho de escala com a operação de leite de cabra. Mesmo com uma distribuição intensiva nos principais supermercados, a empresa era incipiente na realização de esforços promocionais e comunicação com os consumidores e a marca Caprilat era, de forma geral, conhecida apenas pelo público com dietas restritivas. Dessa forma, o giro de produtos nos pontos de venda era baixo, com frequência média de reabastecimento de estoques de uma vez ao mês. No segmento de queijos, a CCA possuía três tipos finos de produtos, direcionados principalmente ao público gourmet e clientes apreciadores de queijos sofisticados. A distribuição ficava restrita a alguns mercados do Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba, onde era possível realizar ações de trade marketing mais específicas. Fazendas do Rio Além do leite de em pó de vaca Fazendas do Rio, destinado ao consumidor final, existiam ainda dois produtos voltados ao segmento industrial: o leite em pó concentrado, que grandes clientes – como a Nestlé – usam para confecção de novos produtos; e o leite em pó em sacos de 25 Kg usado em sorveterias. A distribuição da linha Fazendas é restrita ao estado do Rio, onde os representantes da CCA têm proximidade com os canais de venda e conseguem minimizar a concorrência com as grandes empresas do setor. Entretanto, o produto é encontrado majoritariamente em lojas do pequeno varejo, em função da resistência das grandes redes em cadastrar o leite para comercialização. Essa unidade de negócios operava com volumes e rentabilidade bem diferentes do negócio de cabras. Em 2011, sua produção era cerca de 25 vezes superior – respondendo por aproximadamente 78% do faturamento total da companhia – sendo de grande importância para a cobertura dos custos fixos de sua operação na fábrica de Macuco-RJ. Deste total, 65% eram do leite concentrado, 25% da marca Fazendas do Rio e o restante dos produtos industriais em sacos de 25 Kg. Todavia, sua margem de contribuição de 5% era consideravelmente inferior à rentabilidade da Caprilat Serviços de Broker e Representação Comercial Em 2007, a CCA firmou uma parceria para utilizar a fábrica da Laticínios Bom Gosto para o beneficiamento e envase do leite de cabra longa vida. A proximidade do relacionamento permitiu que a diretoria da Bom Gosto observasse as operações de vendas e logística da CCA no atendimento aos clientes e convidasse Antônio Carlos e Paulo para representar a empresa na região do Grande Rio. Assim, desde então, a CCA tornou-se responsável pela representação comercial e entrega da Bom Gosto no varejo do Rio de Janeiro. Em 2011, essa unidade de serviços da companhia faturava cerca de 10% do total da CCA e apresentava uma margem de contribuição aproximada de 5%.

Entretanto, mesmo acreditando na relevância da expertise logística gerada com essa parceria, os diretores da CCA planejavam encerrar essas atividades no fim de 2011 e concentrar esforços nos seus próprios produtos, principalmente devido às baixas margens geradas pelos serviços.

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SETOR DE LATICÍNIOS DE CABRA O mercado de leite e derivados no Brasil apresenta competição bem acirrada, assim como em outros grandes países produtores. O governo exerce forte influência no setor, regulando a produção e distribuição através de incentivos fiscais.

É importante ressaltar a distinção entre os produtos de cabra e de vaca, pois há uma grande desproporção entre o volume produzido e a cultura de consumo. A produção mundial de leite de vaca e derivados foi de aproximadamente 580 milhões de toneladas em 2009, contra 15 milhões de leite de cabra. Só a França, líder mundial nesse segmento, produziu cerca de 620 mil toneladas desse leite, enquanto sua produção do leite de vaca girava em torno de 23 milhões de toneladas. Essa proporção foi ainda menor no Brasil: foram produzidos cerca de 29 milhões de toneladas de leite de vaca e apenas 140 mil toneladas de leite de cabra2 (ver Figura 1, Apêndice 1).

No mercado, o leite de cabra é reconhecido pelo seu valor nutritivo e melhores condições de digestibilidade (recomendado para pessoas que possuem intolerância à lactose, por exemplo)3. Mas a maior parte da produção nos países desenvolvidos é destinada à fabricação de queijos finos, voltados ao público de alta renda.

Já no Brasil, o segmento para este tipo de leite ainda está em desenvolvimento: em 2008, somente 10% da produção era destinado à indústria. Na região Nordeste, que concentra a maior parte do rebanho caprino, quase todo leite era utilizado para subsistência, em programas institucionais do Governo4 (ver Tabela 1, Apêndice 1). CONSUMIDORES DE PRODUTOS DE CABRA

O consumo de produtos de cabra é, em linhas gerais, motivado por um fator específico. De acordo com Antônio Carlos:

Os principais consumidores de leite de cabra no Brasil são crianças com intolerância à lactose, o que é identificado pelo pediatra ainda nos primeiros anos de vida. Mas há também as pessoas com dietas restritivas, principalmente por problemas no aparelho digestivo.

São os propósitos medicinais, como alergia ao leite de vaca e outras mazelas gastrointestinais,5 que levam a CCA a utilizar os médicos e pediatras como principais agentes promotores dos benefícios do leite de cabra. Para reforçar esse relacionamento, a empresa participa de congressos científicos para divulgar a linha Caprilat, expondo aos médicos as características de digestibilidade, absorção de nutrientes e composição nutricional superior desse tipo de leite. Essa abordagem é fundamental para orientar os pediatras a prescrever o leite de cabra em dietas restritivas ao leite de vaca e constitui praticamente a única ferramenta de comunicação usada pela CCA.

Mesmo concentrando os esforços nesse nicho de consumidores, Paulo Bruno reconhece que as características do produto também podem atender necessidades de outro tipo de público:

Além disso, podemos pensar em quem busca uma alimentação mais saudável e equilibrada, já que o leite de cabra é mais nutritivo do que o leite comum.

Mas ainda existem barreiras comportamentais para a ampliação do universo de consumidores, principalmente a falta de hábito6 (Tabela 2, Apêndice 1).

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Já o queijo de cabra atende um mercado diferente: os apreciadores de queijo, com paladar mais apurado. Esse público gourmet valoriza a textura, aroma e sabor diferenciado desse tipo de produto, que pode ser utilizado em pratos sofisticados, saladas ou acompanhamento em degustações de vinho.

CANAIS DE VENDA Em geral, os produtos da CCA chegam até os consumidores via super e hipermercados, desde grandes contas nacionais até mercados regionais. As diferenças de produtos e foco de atuação levaram ao estabelecimento de representantes distintos para comercialização da linha de leite de cabra e de vaca. De acordo com Paulo Bruno:

São trabalhos e ordens de grandeza completamente diferentes. Se colocarmos os representantes que vendem Caprilat para vender leite de vaca, eles perderão o foco dos produtos de cabra, que precisam de uma venda mais consultiva, oferecendo mais informações ao cliente.

Nos supermercados, o leite de cabra não é classificado em nenhum segmento específico dentro da categoria “Leites” e está localizado junto aos leites de vaca comum e especiais. Com preço sempre mais elevado e sem materiais de merchandising específicos, o leite de cabra é geralmente identificado apenas pelos principais consumidores do produto: os pais de crianças com restrições à lactose. Nesse canal, o giro é consideravelmente inferior ao do leite de vaca, com frequência média mensal de um reabastecimento de estoques. O leite em pó de vaca Fazendas do Rio é comercializado somente no pequeno varejo. Em 2010, foi iniciado um projeto com 19 representantes para desenvolver esse canal, em especial mercados de bairro, mercearias e padarias. Além do menor volume de vendas – comparado ao auto-serviço –, as características e dinâmicas particulares do pequeno varejo demandavam uma equipe distinta, com foco de atuação na cobertura geográfica e visitação dos pontos de venda.

Já a linha de queijos é distribuída de forma diferente no Rio de Janeiro e nas outras regiões. No mercado carioca, há um representante específico para esses produtos, com grande experiência no setor e acesso a contas de supermercados regionais e pontos de venda mais sofisticados, como delicatessen. Nas palavras de Antônio Carlos:

Esse é um canal diferente, em que os consumidores são mais exigentes e prezam pela sofisticação do produto. Na Europa esse segmento está bem desenvolvido e acho que isso também pode acontecer no Brasil. E quem sabe até impulsionar o leite de cabra, como um produto premium.

A Tabela 3, Apêndice 2, reúne os preços médios de cada produto da CCA Laticínios. CONCORRÊNCIA A CCA Laticínios é líder na venda de leite de cabra no Brasil sob a marca Caprilat. Com distribuição em praticamente todos os estados brasileiros, em 2011 a empresa comercializou cerca de 1,1 milhão de toneladas de leite de cabra, sendo 480 mil toneladas sob a forma de leite em pó e 620 mil toneladas sob a forma de leite longa vida.

O volume de produção da Caprilat é aproximadamente quatro vezes superior ao segundo maior fabricante, a Capprys, produtora do sul do Brasil. Essa concorrente também

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tem distribuição em outros estados. Seus produtos estão disponíveis em alguns supermercados na região Sudeste e competem diretamente com a Caprilat.

Em 2011, a média de preço do leite longa vida Capprys para o consumidor final era de R$ 5,00, enquanto a Caprilat tinha a média de R$ 5,80. No segmento de leite em pó, a lata de 400g da Caprilat era encontrada no mercado por aproximadamente R$ 29,00 e não existiam concorrentes diretos expressivos.

Nos pontos de venda, a Caprilat disputa espaço em gôndola com leite de vaca, principalmente os leites especiais – produtos enriquecidos em ferro e cálcio, com redução de colesterol e menor teor de lactose. Esse segmento representa uma das principais alternativas dos grandes fabricantes para aumentar a rentabilidade no negócio de leites. A média de preço ao consumidor da versão longa vida desses produtos é próxima de R$ 4,00.

Na categoria de leite em pó de vaca, a concorrência também é intensa. As principais marcas têm grande poder de barganha sobre o canal, dificultando a entrada de novos produtos, como o leite Fazendas do Rio. Com preço final médio de R$ 4,90 (embalagem de 400g), o Fazendas é encontrado somente no pequeno varejo do Grande Rio.

DESAFIOS PARA O FUTURO Na CCA, o expediente na quarta-feira chegava ao fim. Antes de ir embora, Paulo Bruno voltou à sala de Antônio Carlos:

─ Vou pedir ao Departamento Financeiro para rever aqueles cálculos da rentabilidade no mês passado. Acho que o resultado foi melhor do que o reportado. Ainda temos muito potencial nesse mercado de leite de vaca: expandir para outros estados, entrar nas grandes contas de autosserviço. Essa categoria tem o giro muito maior, é onde podemos realmente crescer.

Antônio Carlos balançou levemente a cabeça e finalmente exclamou:

─ Será? Mas e o nosso reconhecimento, nossa história em leite de cabra?

Um novo e-mail surge no seu computador, mas não era a apresentação com os resultados de vendas. Era uma mensagem de um renomado chef de cozinha e amigo de longa data reclamando sobre a dificuldade de encontrar os leites e queijos de cabra Caprilat no mercado. Antônio Carlos começa a digitar uma resposta ao amigo, enquanto um pensamento recorrente percorre a sua mente: “Será que estamos fazendo a coisa certa investindo no leite de vaca?”.                                                             1ABRAS: Associação Brasileira de Supermercados 2FAOSTAT: Food and Agriculture Organization of the United Nations. Recuperado em 08 de dezembro, 2011, de http://faostat.fao.org/site/569/default.aspx#ancor 3Quadros, D. Leite de Cabra: produção e qualidade. Capritec. Recuperado em 19 de novembro de 2011 de http://www.capritec.com.br/pdf/leitecabraproducaoqualidade.pdf 4FAOSTAT: Food and Agriculture Organization of the United Nations. Recuperado em 08 de dezembro, 2011, de http://faostat.fao.org/site/569/default.aspx#ancor  5Ribeiro, A. C.; Ribeiro, S. D. A. Specialty products made from goat milk. Small Ruminant Research. Elsevier, 2010. 6Martins, E. C., Wander, A. E., Chapaval, L., Bomfim, M. A. O mercado e as potencialidades do leite de cabra na cidade de Sobral: a visão do consumidor. Fortaleza: Embrapa Agroindústria Tropical, 2007. 

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APÊNDICE 1 Mercado e consumidores

Figura 1. Série histórica de produção de leite de cabra no Brasil Fonte: FAOSTAT, 2009.

 

Tabela 1: Indústrias compradoras de leite de cabra a granel

Indústria Volume (L) Observação Governo do Estado do Paraiba 5.800.000 Leite destinado a programa institucional

ACOSC, RN 3.600.000 Leite para o programa institucional do governo

CCA Laticínios, RJ 1.752.000 Leite longa vida, leite em pó e queijos

Cappry’s, RS 430.000 Leite esterilizado, queijos e leite em pó Paulocapri, SP 420.000 Leite congelado, iogurte e queijos

Capril Geneve, RJ 256.000 Leite em pó, queijos e iogurte

Queijaria Escola de Nova Friburgo, RJ 170.000 Leite em pó, queijos e iogurte Agropecuária Sanri, MG 78.000 Leite congelado, queijos, leite em pó Laticínio Montanhês, Rancho Grande e Cooperafa, RJ

62.000 Leite em pó, queijos e iogurte

Capriminas – MG 40.000 Leite congelado, queijos, leite em pó. CabraStop, RS 35.000 Leite esterilizado, queijos e leite em pó

Fonte: Cordeiro, 2008. Revista do Conselho Federal de Medicina Veterinária

Tabela 2: Motivações e resistências ao consumo de leite de cabra e derivados na cidade de Sobral (NE)

O que motivaria o consumo Leite Derivados Resistência ao consumo Se houvesse aumento da oferta 20,4% 21,4% Falta de hábito 40,3%

Se o preço fosse mais acessível 17,7% 19,1% Falta de oferta do produto 25,6%

Se houvesse mais informação sobre o produto

16,0% 19,1% Não gostam do sabor e cheiro forte

19,4%

Se o produto tivesse mais qualidade 13,3% 13,3% O preço é alto 5,4%

As características próprias do produto

16,1% 12,7% Porque só fornece para crianças

2,3%

Outros motivos 16,5% 14,4% Outros motivos 7,0%

Fonte: Martins et al (2006)

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Ton

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Produção de Leite de Cabra no Brasil

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APÊNDICE 2 Faturamento das unidades de negócios e preços dos produtos da CCA Laticínios

 

Figura 2. Faturamento da CCA Laticínios por produtos/ serviços em 2011 (R$ mil )    

Tabela 3: Preço médio de alguns produtos da CCA Laticínios ao varejo e ao consumidor final (Dezembro de 2011)

Tipo de produto

Produto (Unidade ou Quilo) Preço médio unitário ao

varejo (R$)*

Preço médio unitário ao consumidor* (R$)

Leite de Cabra

Caprilat (1l)- 1U 4,22 5,80

Caprilat Inst. 400g – 1U 16,40 29,00

Caprilat Pó 200g – 1U 8,04 13,90

Caprilat Light (1l) – 1U 4,26 5,80

Queijo de Cabra

Queijo Cabra Gran Caprino – 1kg 35,47 74,80

Queijo Cabra Caprino Serrano – 1kg 33,74 74,80

Queijo Cabra Caprino Esférico – 1kg 32,67 69,80

Leite de Vaca

Leite em Pó – Fazendas do Rio 400g – 1U 4,38 4,90

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez Anual

Serviços 438 408 352 367 386 426 442 416 357 342 372 368 4.674

Queijo de Cabra 16 23 35 32 41 43 27 23 35 25 34 34 368

Leite de Cabra 505 498 491 391 483 554 488 569 534 495 441 515 5.964

Leite de Vaca 2.763 2.645 2.192 2.417 3.091 3.049 3.670 3.643 4.156 3.019 3.832 4.378 38.855

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NOTAS DE ENSINO O caso “Caprilat” relata os desafios que a CCA Laticínios enfrenta no gerenciamento da rentabilidade de suas linhas de produtos. As duas principais áreas de atuação, leite de cabra e de vaca, apresentam panoramas distintos de volume, rentabilidade e mix de canais de venda e suscitam a discussão: qual seria o principal negócio da CCA? O segmento de leite de cabra – a origem da companhia, mas com possibilidades restritas de crescimento – ou de vaca – responsável pela maior parte do faturamento?

Os diretores da CCA devem decidir como gerenciar o mix de produtos da empresa, considerando as divergências de volume, rentabilidade e tamanho de mercado entre os leites de cabra e de vaca. Entretanto, essa questão é permeada pela indefinição do posicionamento do leite de cabra – a que categoria pertence – e afeta diretamente a escolha dos canais de distribuição para atender o mercado. Essa incongruência entre categoria e canais altera a forma como o leite de cabra é percebido pelos consumidores e também sua dinâmica com produtos concorrentes, afetando o desempenho da linha e, consequentemente, seu grau de atratividade. Nesse contexto, é apresentada a situação de um produto singular em busca de uma categoria, possibilitando a discussão de alternativas de categorização e possibilidades de estruturação dos canais de marketing em cada uma das alternativas. Objetivos educacionais Este caso foi desenvolvido para proporcionar uma discussão sobre posicionamento, gestão de portfólio e canais de distribuição. Os alunos devem perceber que o leite de cabra é um produto que ainda não foi categorizado em um segmento específico, o que pode ser observado pela aparente incongruência entre a definição do público alvo idealizada pela CCA, os canais de venda utilizados e a localização do leite nas gôndolas dos supermercados – competindo diretamente com os leites especiais de vaca.

O caso é recomendado para disciplinas de Gerência de Marketing e Canais de Marketing de um curso de pós-graduação lato ou stricto sensu. Ele foi idealizado para ser usado como instrumento didático para possibilitar a aprendizagem através do processo indutivo. Nessa circunstância, leituras prévias não seriam obrigatórias. Se o professor preferir, o caso pode ser acompanhado de leituras prévias que familiarizem o aluno com os conceitos relacionados à segmentação e posicionamento (Aaker & Shansby, 1982; Hooley, Saunders, & Piercy, 2005) e alinhamento da estrutura do canal (Friedman, 2002; Coughlan, Anderson, Stern, & El-Ansary, 2012). Protagonista e Fonte das informações O dilema do caso foi apresentado sob o ponto de vista de Antônio Carlos Celles Cordeiro, sócio-fundador e Diretor Executivo da CCA Laticínios. As informações utilizadas para elaboração deste caso foram coletadas entre outubro e dezembro de 2011. Foram realizadas várias entrevistas com o sócio-fundador e com Paulo Bruno, Diretor Comercial da empresa. Os executivos relataram os números e a história da CCA, além de sua dinâmica de funcionamento e do mercado. As informações foram complementadas com fontes secundárias, especialmente instituições do setor, como a Capritec e Embrapa Caprinos, além de artigos acadêmicos e estudos direcionados sobre o setor de laticínios de cabra. Foram consultados também o site da empresa, de seus concorrentes e de outros produtores internacionais de derivados caprinos, além de dados de mercado da Tetra Pak, fornecidos pela CCA Laticínios.

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Aspectos pedagógicos - Abertura do caso em plenário O principal dilema vivenciado pelos diretores da CCA – priorizar a linha de leite de cabra ou de vaca – pode ser potencializado a partir da seguinte provocação: Caprilat é um leite com viés terapêutico e medicinal, voltado para pessoas com restrição de alimentação ou ele é um leite especial, enriquecido em nutrientes? O enfrentamento dessa questão é necessário não apenas para definição do público alvo do produto, mas também de quem são seus concorrentes e dos canais de distribuição usados para chegar ao mercado, com impacto significativo em volume, rentabilidade e potencial de crescimento. O aluno deve identificar que a empresa percebe os consumidores com dietas restritas como seu público alvo, mas utiliza os mesmos canais e exposição no ponto de venda do leite de vaca e suas versões especiais. Essa inconsistência distorce a percepção de consumidores e varejistas sobre o produto e inibe o desenvolvimento do leite de cabra no mercado. Para cristalizar o entendimento dessa questão, uma boa pergunta de abertura da sessão seria: Como está configurado o sistema de canais de distribuição da CCA? O desenho do path to market da CCA Laticínios visa desenvolver o senso crítico do aluno sobre as diferenças entre o posicionamento de cada linha de produto e seus canais de distribuição correspondentes. A partir do entendimento sobre essa estrutura de canais (ver Figura 3), as questões para discussão permitirão a reflexão sobre categoria de produto, público alvo e gestão de mix de produtos.

 Figura 3. Path to market da CCA

Questões para discussão 1. Quão atrativa é cada unidade de negócio da CCA? 2. Qual é a imagem que o consumidor percebe do leite de cabra? 3. Quais seriam as alternativas de posicionamento da CCA para o leite de cabra? 4. Até que ponto a CCA deveria priorizar esforços no negócio de leite de cabra?

Produtores deLeite (Vaca)

Produtores deLeite (Cabra)

Fábrica UHTCastro - PR

Fábrica PóMacuco - RJ

Fábrica QueijoCruzília - MG

DaMatta e Bom Gosto

Armazenagem e DistribuiçãoDuque de Caxias - RJ

RepresentantesCaprilat leite (32)

RepresentantesDaMatta e BG (6)

RepresentantesFazendas (19)

Representante Caprilat Queijo (1)

Key Accounts SM Regionais Peq. Varejo SupermercadosRestaurantes e Delicatessen

Consumidor Leite de Cabra Consumidor Leite de Vaca Consumidor Queijo de Cabra

CCA

TERCEIROS

Indústria

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Análise das questões 1. Quão atrativa é cada unidade de negócio da CCA? Para refletir sobre essa questão, o aluno deverá examinar informações financeiras e do tamanho do mercado e as fontes de valor de cada negócio em que a CCA Laticínios está inserida. Uma das informações financeiras que deverá ser analisada é a composição da margem de contribuição de cada unidade de negócio da CCA. Examinando-se o Figura 2 do Apêndice 2 é possível observar o faturamento das unidades de negócios. Em uma análise longitudinal, pode-se avaliar a estabilidade do mix de faturamento entre elas.

Os dados evidenciam que o leite de vaca tem participação bastante superior em relação às outras unidades de negócio. No entanto, sua margem de contribuição é relativamente baixa, o que gera questionamentos sobre o foco adotado neste segmento. A margem atrativa do queijo de cabra pode levantar questões sobre a possibilidade de crescimento dessa unidade de negócio, pouco representativo para a empresa até o momento. Por fim, a unidade de serviços também possui baixa margem de contribuição e participação no mix de faturamento: estaria a empresa perdendo foco ao levar adiante a prestação de serviços de broker?

É importante notar também que a rentabilidade das linhas de produtos é um indicativo das motivações dos varejistas em trabalhar com os leites. Com a razão entre o preço médio no atacado e no varejo (Tabela 3, Apêndice 2), é possível estimar o mark up do queijo de cabra (acima de 115%), leite em pó de cabra (cerca de 75%), leite de cabra longa vida (cerca de 36%) e leite em pó de vaca (em torno de 10%). As margens mais elevadas do queijo e leite de cabra podem compensar seu giro inferior, tornando o produto atrativo para operação dos varejistas. A Tabela 4 mostra as informações sobre o mix de faturamento, margem de contribuição e mark up médio dos produtos.

 

Tabela 4: Margem de contribuição e composição do faturamento das unidades de negócio da CCA

Produtos Serviços

Leite de Cabra

Leite de Vaca

Queijo de Cabra

Representação Comercial e Broker

Mix de Faturamento (média 2011) 12,0% 77,9% 0,7% 9,4%

Margem de contribuição aproximada 25,0% 5,0% 10,0% 5,0%

Mark up médio dos produtos 56% 12% 115% -

Os números apresentados do setor de laticínios demonstram que a razão da produção

entre leite de cabra e de vaca é bastante diferente entre países desenvolvidos e em desenvolvimento: enquanto na França 2,6% (620 mil ton./ 23 milhões ton.) do leite produzido em 2009 era proveniente das cabras, no Brasil esta razão se aproximava de 0,5% (140 mil ton./ 29 milhões ton.), sinalizando a possível existência de um mercado ainda pouco explorado no leite de cabra. Todavia, cabe ressalvar que o consumo, especialmente o de alimentos, é fortemente influenciado pela cultura local. 2. Qual é a imagem que o consumidor percebe do leite de cabra? O aluno deve perceber que o leite de cabra não está associado a uma categoria específica de produtos e sua delimitação de público atual é restrita, apesar da busca por cobertura intensiva nos canais super e hipermercados. Mesmo com distribuição nacional e presença nas maiores redes, a marca tem reduzida visibilidade junto ao consumidor final, já que possui menor

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aderência à categoria na qual está posicionada nos pontos de venda. Dessa forma, o leite de cabra é um produto com fins terapêuticos posicionado na categoria de leites especiais, mas sem marca e volume de vendas para competir com os produtos desse segmento. Os consumidores que buscam os benefícios terapêuticos do leite de cabra – geralmente por indicações de médicos ou amigos – encontram o produto pela sua especificidade e pela liderança da Caprilat entre os fabricantes de derivados caprinos. Entretanto, os consumidores que desconhecem os benefícios do leite de cabra não o consideram uma opção de compra no momento de busca por leites especiais.

O distanciamento da CCA em relação aos varejistas – em virtude da utilização de representação comercial – pode levar a uma compreensão equivocada por parte deles sobre o posicionamento mais adequado do leite de cabra e como gerenciá-lo no ponto de venda. Em geral, cada varejista desenvolve seu sistema próprio de classificação de produtos e categorias (Parente, 2009; Mattar, 2011). Consequentemente, o leite de cabra é exposto nos supermercados nas gôndolas de leites especiais, de acordo com o entendimento do canal sobre qual seria a sua categoria. Isso pode afetar a maneira como os consumidores percebem o produto e a marca Caprilat e também o posicionamento competitivo do leite de cabra na mente desses consumidores (Hooley, Saunders, & Piercy, 2005).

Nesse ponto da discussão, os alunos podem ainda inferir que não existe comunicação clara do produto para seus consumidores atuais e potenciais, visto que a divulgação é feita basicamente em congressos científicos. Mas existem formas de mitigar essa lacuna entre o posicionamento do produto e a percepção do consumidor, seja pela clara especificação da categoria de produto – e definição de uma comunicação adequada –, ou pelo alinhamento do mix de produto aos canais de distribuição (Friedman, 2002). 3. Quais seriam as alternativas de posicionamento da CCA para o leite de cabra? O aluno deve perceber que, apesar da representatividade e liderança da Caprilat no mercado de leite de cabra no Brasil, os executivos da CCA Laticínios vislumbram uma limitação ao crescimento desse negócio, principalmente em relação à identidade terapêutica do produto. Em razão dessa limitação, a CCA Laticínios tem transferido esforços para o mercado de leite de vaca com a marca Fazendas e a venda para clientes industriais. A gradual mudança para um mercado muito mais concorrido, no qual não possuem relevância nem mesmo regional, consome a atenção dos executivos, em detrimento da expansão do mercado de leite de cabra.

As oportunidades de expansão do mercado de leite de cabra passam, portanto, pelo posicionamento do produto em uma categoria específica, implicando em diversas decisões como indicação de público alvo a ser atendido e imagem que se pretende transmitir (Aaker & Shansby, 1982). Além disso, é necessária a formulação de uma estratégia de marketing, e do estabelecimento de novos canais ou aperfeiçoamento dos canais existentes (Coughlan, Anderson, Stern, & El-Ansary, 2012).

É importante que o aluno identifique que há possibilidades de enquadramento do produto em outras categorias, para diferentes opções de consumidores, e que esse enquadramento interfere na decisão do mix de marketing (Hooley, Saunders, & Piercy, 2005). A Figura 4 ilustra três alternativas de posicionamento distintas para o leite de cabra, sugerindo o alinhamento com os elementos do composto de marketing. O aluno pode concluir que as possibilidades de categorização do produto não são excludentes. A CCA poderia investir em pequenas modificações do produto – como, por exemplo, amenização do sabor forte para a categoria de leites especiais – e de embalagens para manter o leite de cabra em diferentes categorias simultaneamente. Nesse caso, seria adequado que equipes de venda especializadas atuassem no relacionamento com os diferentes canais de distribuição (Friedman, 2002).

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 Figura 4. Alternativas de categorização do leite de cabra

4. Até que ponto a CCA deveria priorizar esforços no negócio de leite de cabra? Nesse momento da discussão, os alunos podem sintetizar as informações usadas nas questões anteriores para avaliar como a CCA poderia otimizar seus recursos para incrementar a rentabilidade da empresa. O primeiro passo é identificar como cada unidade de negócio contribui para o lucro total da companhia. A Tabela 5 reúne as informações de faturamento total (Apêndice 2, Figura 2) e a margem de contribuição de cada linha de produto. Tabela 5: Margem de contribuição, faturamento e lucro de cada linha de produto

Leite de Cabra

Leite de Vaca

Queijo de Cabra

Serviços Total

Margem aproximada 25% 5% 10% 5% Faturamento anual – 2011 (R$ milhares) 5.964 38.855 368 4.674 49.861Lucro - R$ milhares 1.491 1.943 37 234 3.705Participação no Lucro Total 40% 53% 1% 6% 100%

A partir desses dados é possível verificar que, embora a linha de leite de vaca

apresente um faturamento aproximadamente seis vezes superior ao leite de cabra, a diferença entre suas participações para o lucro total da CCA é bem inferior. Dessa forma, é possível concluir que a elevada margem de contribuição na operação com leite de cabra compensa a diferença entre os volumes de venda.

Produto Terapêutico Leite Especial Produto Gourmet

Conceito da categoria

• O leite de cabra é um produto indicado por médicos para pessoas com intolerância ou problemas na digestão da lactose. O pioneirismo da Caprilat no mercado de leite caprino é reconhecido pelos consumidores quando comparado a outros fabricantes de leite de cabra

• O leite de cabra é uma opção nutritiva e completa para pessoas em busca de uma alimentação mais balanceada e saudável. Maior teor de cálcio, melhor digestibilidade e menor teor de lactose são benefícios claros do produto com relação ao leite de vaca

• O leite de cabra é um leite de qualidade e sabor superiores para pessoas de gosto apurado. O sabor único e os benefícios nutricionais reforçam a identidade de um produto direcionado a um público seleto quando comparado ao leite de vaca

Consumidor

• Mães (para crianças com intolerância)

• Pessoas com problemas digestivos

• Pessoas em busca de uma alimentação mais saudável e/ou balanceada

• Pessoas com hábitos de consumo premium

Preço médio ao consumidor

• R$ 5,80 • R$ 4,90 • Acima de R$ 6,00

Canal

• Lojas especializadas em alimentação natural ou restritiva

• Distribuidores especializados para farmácias

• Supermercados e grandes redes

• Distribuidores para pequeno varejo (padarias, mercearias)

• Supermercados selecionados• Delicatessen• Cafeterias

Modelo de Cobertura

• Híbrido • Intensivo • Seletivo

Comunicação

• Participação em Congressos e eventos de divulgação científica

• Embalagem ressalta as funcionalidade do produto

• Divulgação no ponto de venda sobre os benefícios do produto em comparação ao leite de vaca

• Embalagem atrativa, coerente com a categoria de leites especiais

• Associação ao queijo de cabra: plataforma gourmet

• Divulgação do produto com chefs de cozinha e formadores de opinião na culinária

• Embalagem premium e diferenciada

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Uma segunda análise possível é decidir como priorizar os esforços em cada linha, de acordo com suas especificidades. Em leite de vaca, é necessário um aumento substancial no faturamento para produzir um impacto significativo nos lucros, considerando a baixa margem gerada nesse negócio. Além disso, a CCA distribui seu leite de vaca apenas no pequeno varejo, sem acesso aos grandes supermercados. Dessa forma, seria preciso um investimento significativo para a aquisição de um número expressivo de clientes, o que acarretaria também o aumento dos custos de atendimento e de coordenação nesse canal (Friedman, 2002).

Por outro lado, a linha Caprilat – em função de sua margem mais alta e do mercado de potencial crescimento – necessitaria de um incremento menor no faturamento para alcançar o mesmo resultado no lucro total. Conforme verificado na discussão da Questão 3, as diferentes alternativas de posicionamento da linha de leite de cabra podem ampliar o mercado consumidor do produto, incrementando seu volume de vendas com um investimento significativamente inferior ao que seria necessário na linha de vaca. Adicionalmente, o enquadramento do leite de cabra na plataforma gourmet poderia alavancar também as vendas do queijo de cabra, até então pouco significativas para a empresa.

Os alunos podem perceber ainda que os resultados financeiros provenientes da representação comercial e serviços de broker não são significativos e que os esforços comerciais concentrados nessa unidade de negócio poderiam ser redirecionados para ações de expansão do mercado de leite de cabra e no redesenho do produto em suas diferentes categorias.

Portanto, a concentração dos esforços da CCA na delimitação de categoria e exploração do potencial da Caprilat poderia trazer um resultado mais significativo para companhia em termos de lucratividade. Todavia, isso não implica a redução da atuação na linha de leite de vaca, que tem um papel importante na viabilidade operacional e na diluição dos custos fixos da empresa.

Aspectos pedagógicos - Encerramento do caso em plenário Para finalizar a discussão em plenário, é sugerido que o professor ilustre o potencial de crescimento do mercado de leite e derivados de cabra no Brasil, principalmente se forem considerados os benefícios do leite de cabra em relação ao leite de vaca. O seguinte vídeo pode ser utilizado com esse propósito: http://www.youtube.com/watch?v=DT97avHhnOc. Referências Aaker, D. A., & Shansby, J. G. (1982). Positioning your product. Business Horizons , 25 (3), pp. 56-62. Coughlan, A. T., Anderson, E., Stern, L. W., & El-Ansary, A. I. (2012). Canais de marketing (7 ed.). São Paulo: Pearson. Friedman, L. G. (2002). Go to Market Strategy. Oxford: Butterworth-Heinemann. Hooley, G. J., Saunders, J. A., & Piercy, N. F. (2005). Estratégia de Marketing e Posicionamento Competitivo (3 ed.). São Paulo: Pearson. Mattar, F. N. (2011). Administração de Varejo. Rio de Janeiro: Elsevier. Parente, J. (2009). Varejo no Brasil: Gestão e Estratégia. São Paulo: Atlas.