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1 CARACTERIZAÇÃO IN SITU DE UM REBOCO ANTIGO ATRAVÉS DO MÉTODO DA RESISTÊNCIA À FURAÇÃO R. NOGUEIRA A.P. FERREIRA PINTO A. GOMES Eng.ª Civil Prof. Eng.ª Civil Prof. Eng. Civil ICIST, DECivil, IST-UL ICIST, DECivil, IST-UL ICIST, DECivil, IST-UL Lisboa; Portugal Lisboa; Portugal Lisboa; Portugal [email protected] [email protected] [email protected] RESUMO O presente artigo descreve a caracterização de um reboco antigo através do ensaio de resistência à furação. Os resultados obtidos num caso real são relacionados com os provenientes de quatro protótipos de rebocos de duas camadas fabricados em laboratório, compostos por argamassas de cal aérea semelhantes às que se encontram em rebocos antigos. A resistência à furação obtida nas várias situações analisadas é também relacionada com a resistência superficial dos rebocos, outro método frequentemente usado in situ, e com a porosidade das argamassas. A análise integrada dos resultados obtidos nos protótipos e no caso real contribui para uma maior clarificação das potencialidades e condicionalismos do método da resistência à furação, potenciando uma maior disseminação deste método na caracterização de rebocos antigos. 1. INTRUDUÇÃO O método da resistência à furação é usado na caracterização in situ de materiais porosos, tais como pedras ou argamassas. Consiste na realização de um pequeno furo na superfície do material através de um berbequim munido de célula de carga. Permite obter a resistência mecânica do material em profundidade com muito pouca intrusão (os furos têm, normalmente, cerca de 5mm de diâmetro). Quando aplicado na superfície de um reboco multicamada, pode ser usado para estimar a espessura de cada camada, a espessura total do reboco, a qualidade da ligação entre as camadas, bem como entre o reboco e o suporte. A aplicação in situ do método a rebocos antigos ainda não está muito disseminada. As argamassas antigas, normalmente de baixa resistência mecânica, são materiais muito heterogéneos. Em consequência, as medições possuem uma elevada variabilidade, o que dificulta a interpretação dos resultados. 2. ESTADO DE ARTE As argamassas de cal aérea são materiais heterogéneos, compostos por partículas de agregado dispersas numa matriz de pasta porosa, mais fraca e de menor dureza. A rotura destes materiais heterogéneos ocorre nas zonas mais fracas, isto é, na pasta e na interface pasta-agregado, não sendo afetadas, no essencial, as partículas do agregado. Na resistência à furação e à compressão, ou em outros testes que impliquem rotura, os resultados são muito influenciados pelas características da matriz e do agregado, ou seja, pela heterogeneidade do material [1]. Fotografia Autor 1 30 mm x 40 mm Fotografia Autor 1 30 mm x 40 mm Fotografia Autor 1 30 mm x 40 mm

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CARACTERIZAÇÃO IN SITU DE UM REBOCO ANTIGO ATRAVÉS DO

MÉTODO DA RESISTÊNCIA À FURAÇÃO

R. NOGUEIRA A.P. FERREIRA PINTO A. GOMES Eng.ª Civil Prof. Eng.ª Civil Prof. Eng. Civil ICIST, DECivil, IST-UL ICIST, DECivil, IST-UL ICIST, DECivil, IST-UL Lisboa; Portugal Lisboa; Portugal Lisboa; Portugal [email protected] [email protected] [email protected] RESUMO O presente artigo descreve a caracterização de um reboco antigo através do ensaio de resistência à furação. Os resultados obtidos num caso real são relacionados com os provenientes de quatro protótipos de rebocos de duas camadas fabricados em laboratório, compostos por argamassas de cal aérea semelhantes às que se encontram em rebocos antigos. A resistência à furação obtida nas várias situações analisadas é também relacionada com a resistência superficial dos rebocos, outro método frequentemente usado in situ, e com a porosidade das argamassas. A análise integrada dos resultados obtidos nos protótipos e no caso real contribui para uma maior clarificação das potencialidades e condicionalismos do método da resistência à furação, potenciando uma maior disseminação deste método na caracterização de rebocos antigos. 1. INTRUDUÇÃO O método da resistência à furação é usado na caracterização in situ de materiais porosos, tais como pedras ou argamassas. Consiste na realização de um pequeno furo na superfície do material através de um berbequim munido de célula de carga. Permite obter a resistência mecânica do material em profundidade com muito pouca intrusão (os furos têm, normalmente, cerca de 5mm de diâmetro). Quando aplicado na superfície de um reboco multicamada, pode ser usado para estimar a espessura de cada camada, a espessura total do reboco, a qualidade da ligação entre as camadas, bem como entre o reboco e o suporte. A aplicação in situ do método a rebocos antigos ainda não está muito disseminada. As argamassas antigas, normalmente de baixa resistência mecânica, são materiais muito heterogéneos. Em consequência, as medições possuem uma elevada variabilidade, o que dificulta a interpretação dos resultados. 2. ESTADO DE ARTE As argamassas de cal aérea são materiais heterogéneos, compostos por partículas de agregado dispersas numa matriz de pasta porosa, mais fraca e de menor dureza. A rotura destes materiais heterogéneos ocorre nas zonas mais fracas, isto é, na pasta e na interface pasta-agregado, não sendo afetadas, no essencial, as partículas do agregado. Na resistência à furação e à compressão, ou em outros testes que impliquem rotura, os resultados são muito influenciados pelas características da matriz e do agregado, ou seja, pela heterogeneidade do material [1].

Fotografia Autor 1

30 mm

x 40 mm

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R. Nogueira, A.P. Ferreira Pinto, A. Gomes, Caracterização in situ de um reboco antigo através do método da resistência à furação

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Trabalhos anteriores demonstraram que a distribuição dos valores de força obtidos no ensaio de furação pode ser usada para caracterizar essa heterogeneidade [2, 3]. Assim, a variabilidade dos valores apresentada por este ensaio, em vez de ser considerada uma limitação, é considerada como um aspeto a ser estudado por forma a dela se extrair mais informação sobre o material a caracterizar. Podem ser usados diferentes parâmetros estatísticos para avaliar esta variabilidade, nomeadamente o histograma dos valores da força de furação, Fd, o desvio padrão, DPd (parâmetro que mede a dispersão) ou o coeficiente de variação, CVd (quociente entre o desvio padrão e o valor médio) [2]. A Figura 1 apresenta o aspeto visual e os perfis de resistência em profundidade obtidos em ensaios de furação de duas argamassas de cal aérea (C1 e C2) com diferentes graus de heterogeneidade. A diferente heterogeneidade é, essencialmente, conferida pela dimensão máxima do agregado (D=2mm e D=1mm para C2 e C1, respetivamente). Os perfis de resistência em profundidade correspondem a ensaios individuais, representativos de cada uma das argamassas, realizados em provetes prismáticos (4x4x16cm).

Argamassa C1 Argamassa C2

Figura 1: Aspeto visual e perfil de resistência em profundidade das argamassas C1 e C2, com traço vol. 1:1 e 1:3, respetivamente, e igual consistência (220mm) [3]

Os perfis ilustram a evolução de Fd ao longo da profundidade ensaiada. O aspeto visual das secções transversais das duas argamassas permite reconhecer a heterogeneidade conferida pela diferente dimensão dos agregados. A maior heterogeneidade da argamassa C2 fica evidenciada na maior variabilidade do seu perfil em comparação com o de C1. Os agregados de maior dimensão da argamassa C2 provocam um maior número de ocorrências de valores mais altos de Fd, face a C1. Os coeficientes de variação de Fd traduzem esta diferença: CVd apresenta um valor superior para C2 face a C1 (0,92 e 0,38 respetivamente) [2, 3]. 3. MATERIAIS E MÉTODOS 3.1 Protótipos de reboco (laboratório) Os protótipos dos rebocos foram executados com quatro argamassas produzidas em laboratório (Tabela 1).

Tabela 1 – Argamassas produzidas em laboratório. Características principais [3]

Argamassa D1

(mm) Traço2 A/L3 Espalhamento4 (mm)

fc5

(MPa) Porosidade5

(%) A1 A2 B1 B2

1 1 2 2

1:1 1:1 1:3 1:3

1 0,85 1,6 1,2

222 172 220 142

2,4 3,4 0,9 2,1

34,5 32,1 26,8 23,8

1Dimensão máxima do agregado 2traço volumétrico 3razão água-ligante 4consistência avaliada pelo método do espalhamento 5resistência à compressão e porosidade avaliadas em prismas aos 14 meses de idade

As formulações foram definidas com o objetivo de obter argamassas semelhantes às presentes nos rebocos antigos, de acordo com a seguinte descrição: as argamassas A possuem um traço volumétrico de 1:1 e D=1mm, para serem semelhantes às presentes nas camadas de acabamento desses rebocos; as argamassas B possuem um traço volumétrico de 1:3 e D=2mm, para serem semelhantes às presentes nas camadas de base dos rebocos antigos [4, 5]. O ligante adotado é a cal aérea CL90 [EN459-1:2002] e, para cada grupo (A e B), foram produzidas duas misturas com razões água-ligante distintas, com o objetivo de obter argamassas com diferentes porosidades e características mecânicas (Tabela 1). A consistência foi avaliada pelo método do espalhamento [EN1015-3:1999] e a porosidade de acordo com a Rilem I.1. Os ensaios de resistência à compressão basearam-se no disposto na EN1015-11:1999 e foram executados numa Máquina Universal de Ensaio, Form Test – Shneider, modelo D-7940. Os resultados apresentados na Tabela 1

0

510

15

20

25

0 10 20 30 40

F d(N

)

Profundidade (mm)

C1D=1mm CVd=0,38

0

5

10

15

20

25

0 10 20 30 40

F d(N

)

Profundidade (mm)

C2D=2mm CVd=0,92C2

D=2mm 10mm C1

D=1mm 10mm

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correspondem a valores médios de seis determinações. Os prismas com 16x4x4cm foram produzidos de acordo com a EN1015-2:1998. Os agregados utilizados resultam de misturas de areias comerciais de natureza siliciosa, de composição química e mineralógica controlada e adequadas para a produção de betão [EN12620:2004] [3]. Os rebocos foram produzidos de acordo com o processo sinteticamente ilustrado na Figura 2.

1) base de alvenaria (30x30x10cm); 2) aplicação da camada de base (15-20mm de espessura); 3) e 4) aspeto final do reboco após a aplicação das duas camadas (camada de acabamento com 6-8mm de espessura)

Figura 2: Produção e aspeto final dos protótipos dos rebocos A camada de base foi aplicada dois meses após a execução do suporte e a camada de acabamento foi aplicada um mês após a camada de base. Os provetes foram conservados em ambiente de laboratório durante 14 meses (T=19±2ºC e HR=60±5%), período após o qual foram realizados os ensaios. As argamassas A e B foram combinadas de forma a obter quatro rebocos de duas camadas: B1 e B2 nas camadas de base e A1 e A2 nas camadas de acabamento. Os rebocos identificam-se pelas letras a, b, c, d, constituídos pelas argamassas A1B1, A1B2, A2B1 e A2B2, respetivamente. 3.2 Reboco real O reboco real estudado encontra-se localizado na igreja do antigo Convento das Mónicas, Travessa das Mónicas, freguesia de São Vicente, Lisboa (Figura 3-a), e corresponde a uma área na parede poente da sala do coro alto (1º piso elevado) (Figura 3-b).

Figura 3: a) Convento das Mónicas [6]; b) zona de reboco selecionada para os ensaios; c) ensaio de furação sobre

reboco sem camada de acabamento; d) provete recolhido em zona de reboco com camada de acabamento Foram extraídas amostras de reboco em zonas onde a camada de acabamento ainda estava presente (reboco i, superfície branca visível na Figura 3-b) e em zonas onde esta camada já se tinha perdido (reboco j, superfície amarelada visível na Figura 3-b). A observação visual das secções transversais dessas amostras sugere alguns aspetos importantes para a caracterização do reboco. O reboco foi aplicado em 2 a 3 camadas (Figura 3-d). A camada de acabamento com uma argamassa de cor branca (argamassas A0) possui uma espessura de 2-3mm, enquanto que a(s) camada(s) interior(es) são de cor amarelada (argamassa B0) e possuem uma espessura de 2-2,5cm. O reboco possui uma espessura total variável entre 3-5cm. Sempre que a espessura é superior a 3cm, o reboco apresenta a argamassa B0 em duas camadas. A argamassa B0 aparenta possuir maior proporção de agregados versus pasta e agregados de maior dimensão, em comparação com a argamassa A0. A presença de nódulos de cal é particularmente notória na argamassa B0 (Figura 3-d).

b) a) c) d)

1) 3) 2) 4)

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Estas estruturas de cor branca e forma arredondada são frequentes em argamassas antigas e são, geralmente, atribuídas a porções de cal que não foram convenientemente homogeneizados com os agregados aquando da mistura [7]. Para além da observação visual, a caracterização das argamassas baseou-se na avaliação da porosidade (Rilem I.1), na identificação dos minerais por difração de raios X e na determinação da dimensão máxima dos agregados. Foram analisadas amostras de argamassa B0 provenientes da 1ª e 2ª camada, da camada de base dos rebocos i e j. A difração de raios X foi realizada com um difratómetro X'Pert PRO da Panalytical, utilizando radiação CuK, varrimentos de 5º a 60º de 2θ, passo de 0.002º com 8s por passo, uma intensidade de corrente de 30 mA e voltagem de 40 kV. A dimensão máxima dos agregados foi obtida por peneiração do resíduo insolúvel após ataque ácido com HCl (7,5% p/p) dos fragmentos provenientes da desagregação de porções das argamassas. Os principais minerais presentes nas argamassas A0 e B0 revelados pelos difratogramas são o quartzo e a calcite, sugerindo argamassas produzidas com areias de natureza siliciosa e confirmando a cal aérea como ligante [7]. A maior intensidade relativa das reflexões de calcite no difratograma da argamassa A0 indica que esta deverá ser mais rica em cal do que a argamassa B0. Para além do quartzo, foram detetados outros minerais em menores quantidades também provenientes das areias: feldspatos, moscovite e minerais argilosos. As diferenças existentes nos difratogramas das argamassas A0 e B0 relativas a estes minerais são indicadoras do tipo de areias adotadas [7]. A argamassa B0 contém feldspato potássico (microclina) e minerais argilosos (ilite e caulinite), enquanto na argamassa A0 detetou-se plagioclase (albite), microclina e ilite. Estas diferenças sugerem que foram adotados areias diferentes nas argamassas do reboco. A análise granulométrica realizada ao resíduo insolúvel das argamassas A0 e B0 determinou D=0,5mm e D=2mm para as argamassas A0 e B0, respetivamente. Adicionalmente, o aspeto mais grosseiro das amostras provenientes da argamassa B0 e a cor das amostras (branca acinzentada para A0 e amarelada para B0), confirmam que foram adotadas areias diferentes nestas argamassas. 3.3 Avaliação da resistência em profundidade e da resistência superficial Os ensaios de furação foram realizados com o equipamento desenvolvido pela Sint Tecnology (Itália), modelo DRMS Cordless (Figura 3-c). Os ensaios foram conduzidos a partir da face exterior do reboco. No caso dos protótipos o ensaio atravessou toda a espessura do reboco, terminando ao atingir o suporte. No caso do reboco real, os ensaios foram realizados até ser atingida a profundidade máxima permitida pelo ensaio (cerca de 40mm); o suporte não foi atingido em nenhum ensaio. Foram realizados 12 ensaios em 3 provetes distintos para cada um dos reboco a, b, c e d e 4 ensaios em cada um dos rebocos i e j. Os furos foram realizados com uma broca de 5mm, de ponta plana diamantada. A furação foi realizada com uma taxa de penetração de 40mm/min e uma velocidade de rotação de 100rpm. A resistência superficial foi avaliada com recurso a um esclerómetro pendular tipo PT e realizaram-se 6 determinações para cada situação em análise. 4. RESULTADOS 4.1 Protótipos de reboco (laboratório) A Tabela 2 resume os resultados dos ensaios da resistência à furação e da resistência superficial obtidos com base em todos os ensaios realizados nos 4 rebocos fabricados em laboratório.

Tabela 2 – Resistência à furação e resistência superficial obtidas nos rebocos

Situação Reboco Composição

do reboco (argamassas)

Pico inicial C. acabamento (A1 ou A2) C. base (B1 ou B2) Resistência superficial ܨௗ

ଽ 1 (N) ܨௗതതത 3 (N) DPd 4

(N) CVd ௗതതത 3 (N) DPdܨ ( ) 5

4 (N) CVd 5 ( )

Real i j

A0B0 B0

21,5 3,7 (2,9) 2

(n/a) 6 (-)

11,5 8,9

6,6 5,1

0,58 0,57

42,8 (A0) 35,0 (B0)

Laboratorial

a b c d

A1B1 A1B2 A2B1 A2B2

23,6 24,8 19,7 19,9

6,1 6,6 8,1 9,0

2,7 2,5 3,2 3,8

0,44 0,37 0,40 0,42

11,2 16,1 13,8 15,7

7,0 7,2 8,4 7,5

0,63 0,45 0,61 0,48

51,0 (A1) 41,4 (A1) 64,0 (A2) 59,0 (A2)

1percentil 90 de Fd; 2valor médio (e desvio padrão entre parênteses) de Fd na camada superficial de baixa coesão; 3valor médio de Fd; 4desvio padrão de Fd; 5coeficiente de variação de Fd; 6não aplicável.

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Os resultados da resistência à furação da Tabela 2 apresentam-se diferenciados em termos de pico inicial, camada de acabamento e camada de base. Os valores de ܨௗതതത, DPd e CVd foram determinados considerando na amostra todos os valores de Fd obtidos no conjunto dos ensaios efetuados para cada camada de reboco, excluindo o troço relativo ao pico inicial. O troço relativo ao pico inicial encontra-se assinalado na Figura 4-a). O valor ܨௗ

ଽcorresponde ao percentil 90 de uma amostra que inclui os valores de Fd registados no conjunto dos ensaios efetuados no troço relativo ao pico inicial. Na Figura 4 são apresentados exemplos de perfis de resistência em profundidade obtidos nos ensaios de furação efetuados nos rebocos b e d. Estes perfis correspondem a ensaios individuais, representativos do reboco. Na Figura 4-a), em baixo, é indicada uma situação de empacotamento. O empacotamento é causado pela fricção gerada no interior do furo entre os fragmentos que se vão separando durante o ensaio, causando um incremento nos valores de Fd [8]. Os valores apresentados na Tabela 2 correspondem ao troço do perfil anterior à situação de empacotamento [3].

.

Figura 4: Perfis de resistência em profundidade dos rebocos b e d (a). Sobreposição dos perfis com a secção transversal dos provetes: reboco d (b), reboco b (c)

A análise dos perfis de resistência em profundidade (Figura 4) permite distinguir as 2 camadas que compõem os rebocos b e d. Os perfis apresentam um aspeto bastante distinto nas camadas de acabamento e de base, devido à maior variabilidade dos valores de Fd nas camadas de base. O mesmo acontece com os perfis de resistência dos rebocos a e c, embora não apresentados no artigo. A maior variabilidade de Fd nas camadas de base tem tradução no CVd, cujos valores variam entre 0,45 e 0,63, enquanto nas de acabamento variam entre 0,37 e 0,44 (Tabela 2). A dimensão máxima do agregado (D=2mm e D=1mm para B1-2 e A1-2, respetivamente) é o principal fator causador desta diferença [3]. Os valores médios de Fd são superiores para as camadas de base, em relação às camadas de acabamento. Esta situação deve-se à maior ocorrência de picos de Fd de valor mais alto nos perfis da camada de base. Tal como acontece com a variabilidade, a maior dimensão do agregado é também o principal fator causador da subida dos valores médios de Fd nos ensaios efetuados nas camadas de base [3]. As Figuras 4-b) e 4-c) apresentam a sobreposição de perfis de resistência em profundidade com a secção transversal de provetes extraídos dos rebocos b e d (apresentados na parte superior das mesmas Figuras). Os perfis foram obtidos em ensaios efetuados nos mesmos protótipos de onde se recolheram os provetes ilustrados. Na Figura 4-b) é possível observar a diferente dimensão dos agregados e relacionar esse aspeto com a diferente ordem de grandeza dos picos de Fd que se registam em cada camada.

B2

interf.A1

pico inicial

0

10

20

30

40

50

0 10 20 30

F d(N

)

Profundidade (mm)

suportereboco b(A1B2)

B2

A2

pico inicial

0

10

20

30

40

50

0 10 20

F d(N

)

Profundidade (mm)

suportereboco d(A2B2) B2

empacotamento

picos de A2 (D=1mm) picos de B2 (D=2mm) interface entre camadas

a)

A2 B2 (D=1mm) (D=2mm)

reboco d

b)

3x2,5cm 3x2,5cm

A1 B2 (D=1mm) (D=2mm)

pico inicial interface entre camadas

c)

reboco b

troço inicial

troço inicial

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A Figura 4 ilustra ainda a possibilidade de obter outras informações relevantes a partir dos perfis de resistência à furação em profundidade: a espessura de cada camada e a qualidade da ligação entre a camada de acabamento e a de base e entre esta e o suporte [3]. O pico inicial assinalado na Figura 4-a) e 4-c) sugere uma fina camada superficial de maior resistência à furação face à resistência média da camada adjacente. O valor do pico inicial (Tabela 2) destaca-se mais na argamassa A1 do que na A2, a de maior resistência mecânica (Tabela 1). Este comportamento da camada superficial do reboco poderá estar relacionado com o acabamento conferido à sua superfície. A superfície da camada de acabamento dos rebocos é normalmente alisada repetidamente com a talocha, com o fim de obter uma superfície regular [9]. Este procedimento foi adotado na produção dos protótipos de rebocos, obtendo-se a superfície lisa ilustrada na Figura 2-4). A ação da talocha desencadeia o “efeito de parede”, com criação de uma fina camada superficial onde a argamassa é mais compacta e rica em finos. É de esperar que este acabamento provoque uma alteração na composição da camada superficial superior em A1 face a A2, uma vez que a argamassa A1 é mais porosa e mais fácil de alisar (por ser mais fluida). 4.2 Reboco real Na Figura 5 são apresentados exemplos de perfis de resistência em profundidade obtidos nos ensaios de furação efetuados no reboco real. A Figura 5-a) corresponde a um ensaio individual efetuado numa zona sem camada de acabamento (reboco j), enquanto a Figura 5-b) ilustra um perfil recolhido numa zona com camada de acabamento (reboco i). Os perfis apresentados são representativos das duas situações que se pretende ilustrar. Os valores médios, desvios padrões e coeficientes de variação de Fd são apresentados na Tabela 2.

Figura 5: Perfis da resistência em profundidade dos rebocos i (a) e j (b). Coeficiente de variação de Fd e porosidade das

argamassas nos rebocos estudados (c) Analisando, numa primeira fase, os troços dos perfis que correspondem às camadas executadas com a argamassa B0, verifica-se uma semelhança com o aspeto dos perfis da argamassa B2 (Figura 4-a). Estes perfis caracterizam-se por uma grande variabilidade de Fd, traduzida nos valores de CVd: 0,57 para B0 e 0,45 a 0,63 para B1 e B2 (Tabela 2). Na Figura 5-c) são indicados os valores de CVd obtidos para as camadas de base e de acabamento dos vários rebocos; este gráfico evidencia a proximidade entre os valores da argamassa real (B0) e das argamassas produzidas em laboratório (B1 e B2) e a diferença em relação às argamassas A0, A1 e A2. Este resultado é expectável, uma vez que as argamassas B1 e B2 foram concebidas para serem semelhantes às que habitualmente se encontram nas camadas de base dos rebocos antigos. De entre os vários aspetos que definem a composição das argamassas, a máxima dimensão do agregado deverá ser o que tem maior influência neste resultado. A argamassa B0 possui D=2mm, tal como as argamassas B1 e B2, ao contrário das argamassas A1 e A2, com D=1mm. O valor médio de Fd da argamassa B0 no reboco i é semelhante ao obtido para a argamassa B1 no reboco a (11,5N e 11,2 N, respetivamente; Tabela 2). Este reboco reúne as duas argamassas de menor resistência mecânica (as argamassas A1 e B1). Já no reboco j, o valor de ܨௗതതത é inferior (8,9N). A redução da resistência em profundidade no reboco sem camada de acabamento poderá dever-se a um maior grau de alteração da argamassa devido à ausência da proteção conferida por esta camada. A inexistência da camada de acabamento também diminui o efeito de empacotamento, o que pode ser uma explicação adicional para o baixo valor de Fd [3]. A maior alteração do reboco j fica também evidenciada na existência de uma camada superficial, com cerca de 2 mm, onde a resistência à furação é inferior à média dos valores que se registam na espessura de argamassa interior adjacente

0

10

20

30

40

0 10 20 30

F d(N

)

Profundidade (mm)

B01ª camada

interf.B0

2ª camada

reboco j (B0)(s/ camada de acabamento)

0

10

20

30

40

0 10 20 30 40

F d(N

)

Profundidade (mm)

B01ª camadainterf.B0

2ª camada

A0pico

inicial

reboco i (A0B0)

(n/a

)A0i

A1a

A1b

A2c

A2d B0

jB0

iB1

aB1

cB2

bB2

d

0

10

20

30

40

0.0

0.4

0.8

Acabamento Base

Poro

sida

de (%

)

CV d

(%)

Porosidade

a) b) c)

baixa coesão (B0)

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(Figura 5-a). O valor médio de Fd nesta camada superficial é de 3,7N (Tabela 2). Esta camada caracteriza-se por uma falta de coesão das partículas, facilmente constatada nas visitas ao local e visível na Figura 6-a. As imagens da Figura 6 correspondem a sobreposições dos perfis de resistência em profundidade ilustrados na Figura 5-a) e 5-b) com secções transversais de provetes recolhidos no local (Figura 3-d). Os perfis resultam de ensaios efetuados em zonas próximas dos locais onde os provetes foram extraídos.

Figura 6: Sobreposição dos perfis com a secção transversal dos provetes: reboco j (a) e reboco i (b). Ao contrário do perfil de resistência apresentado na Figura 5-a), o perfil da Figura 5-b), apresenta um pico inicial de Fd, tal como os rebocos produzidos em laboratório (Figura 4). A existência deste elemento deverá conferir um grau de proteção adicional ao reboco i face ao reboco j. O pico inicial existente no perfil da Figura 5-b), relativo a uma zona do reboco com camada de acabamento, avalia, justamente, a resistência à furação conferida por aquela camada (Figura 6-b). O valor do pico inicial do reboco i enquadra-se no intervalo dos valores obtidos nos rebocos produzidos em laboratório (21,5N para o reboco i e 19,7 a 24,8N para os rebocos a-d; Tabela 2). No entanto, por a camada de acabamento do reboco i ser muito fina (cerca de 2 mm), o ensaio de furação penetra na camada de base imediatamente após o pico inicial (Figura 6-b). Por este motivo, ao contrário do que acontecia nos rebocos produzidos em laboratório, não foi possível avaliar o valor médio de Fd em troço regular da camada de acabamento do reboco real i (Tabela 2, indicação n/a). Os perfis de resistência em profundidade efetuados nos rebocos reais permitem obter outras informações relevantes. A argamassa B0 foi aplicada em duas camadas, possuindo a segunda uma espessura de 20-25mm (Figura 6-a, 6-b). A espessura total do reboco nas zonas ensaiadas excedeu a profundidade máxima do ensaio (dada pelo comprimento útil da broca, cerca de 40mm). Por este motivo, o ensaio de furação não permitiu determinar a espessura total do reboco (cerca de 3-5cm, secção 2.2). A diminuição de Fd na transição entre camadas permite avaliar a espessura e a qualidade da ligação entre camadas (Figura 6-a, 6-b). Poros e fissuras de maior dimensão também aparecem evidenciados nos perfis de resistência à furação, através de uma diminuição de Fd que se prolonga por um comprimento superior a 1mm (Figura 6-a). Os valores obtidos para a porosidade também revelam semelhanças entre as argamassas reais e as produzidas em laboratório dentro do respetivo grupo (camadas de base e acabamento). A Figura 5-c) apresenta os valores da porosidade obtidos nos vários rebocos, para os dois tipos de camadas. A análise integrada de todas as situações permite evidenciar que as argamassas A (relativas às camadas de acabamento) possuem uma porosidade superior às argamassas B (relativas às camadas de base). As porosidades das argamassas reais B0 e A0 enquadram-se nos respetivos grupos (base e acabamento, respetivamente). A análise da Figura 5-c) permite ainda concluir que as argamassas reais (B0 e A0) são mais porosas que as argamassas produzidas em laboratório do respetivo grupo. Os resultados obtidos através do ensaio do esclerómetro são consistentes com as considerações acima enunciadas. O valor da resistência superficial do reboco i enquadra-se dentro da gama de valores recolhidos para os rebocos produzidos em laboratório, embora muito próximo do limite inferior (42,8 no reboco i e 41,4 a 64,0 nos rebocos a-d;

2ª camada (B0) 1ª camada (B0)

cam.

acab.

interface entre camadas

2ª camada (B0) 1ª camada (B0)

interface entre camadas ca

mada superficial de baixa co reboco j reboco i a) b)

poro

R. Nogueira, A.P. Ferreira Pinto, A. Gomes, Caracterização in situ de um reboco antigo através do método da resistência à furação

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Tabela 2). O valor da resistência superficial do reboco j é inferior (35,0), como seria de esperar devido à existência da camada superficial de baixa coesão. 5. CONCLUSÕES O principal objetivo do presente artigo é evidenciar as potencialidades do método da resistência à furação na caracterização de rebocos antigos. Para o efeito, os resultados obtidos num reboco antigo foram relacionados com os provenientes de quatro protótipos de rebocos fabricados em laboratório, compostos por argamassas de cal aérea semelhantes às que se encontram em rebocos antigos. As semelhanças encontradas entre o caso real e os protótipos permitiram aumentar o grau de confiança nos resultados da caracterização do reboco real. Foi obtida informação relevante para a caracterização do reboco real, tal como a resistência à furação das camadas atravessadas, as respetivas espessuras e a qualidade da ligação entre as camadas. Confirmou-se a tendência crescente da variabilidade dos valores da resistência à furação com a dimensão máxima do agregado, espectável em argamassas de baixa resistência mecânica, como as deste estudo e de grande parte das argamassas antigas. Identificou-se a existência de um pico de força no início do ensaio de furação, observável na generalidade dos rebocos, que foi associado ao tratamento superficial habitualmente realizado com o objetivo de regularizar a superfície. Adicionalmente procedeu-se à interpretação de particularidades suscetíveis de ocorrerem em ensaios de furação (camadas de argamassa de baixa coesão, ligação entre camadas de diferente qualidade ou mesmo camadas não aderentes, presença de poros ou fissuras de maior expressão). Destaque-se que a existência de uma camada de acabamento muito fina pode sugerir uma argamassa de resistência mecânica superior à real, pois o pico de força medido pelo ensaio de furação corresponde a uma argamassa que resulta de um afagamento superficial. Se a espessura da camada de acabamento fosse suficientemente grande, seria espectável uma resistência à furação média inferior. Os ensaios do esclerómetro e da porosidade produziram resultados consistentes com os obtidos pelo método da furação. No entanto, verifica-se que o método da furação permite a obtenção de um conjunto vasto de características do reboco, conseguida à custa de uma reduzida intrusão no material. A qualidade da informação produzida pelo ensaio de furação é habitualmente referida como uma limitação à maior disseminação do método; no entanto, os resultados apresentados neste artigo sugerem que a qualidade dos resultados é boa, sem prejuízo da necessidade de outros estudos que contribuam para aumentar ainda mais o grau de confiança nos resultados. 6. AGRADECIMENTOS O presente estudo foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), através da bolsa SFRH/BD/42426/2007. Os autores gostariam ainda de agradecer ao ICIST-IST o apoio facultado, ao Eng. João Farinha e à sua equipa (Htecnic) a importante ajuda com os trabalhos realizados no Convento das Mónicas e ao Prof. Manuel Francisco Costa Pereira a realização das difrações de raios X. 7. REFERÊNCIAS [1] B. Chiaia, “Fracture mechanisms induced in a brittle material by a hard cutting indenter,” Int.J.Solids Struct., vol.

38, p. 7747-7768, 2001. [2] R. Nogueira, A. Ferreira Pinto e A. Gomes, "Assessing mechanical behavior and heterogeneity of low-strength

mortars by the drilling resistance method," Constr.Build.Mater., vol. 30, p. 50-62, 2014. [3] R. Nogueira, A. Ferreira Pinto e A. Gomes, “The drilling resistance test in the characterization of lime mortar

renders in multilayer system,” em 9th International Masonry Conference, Guimarães, 2014. [4] M. Stefanidou, “Methods for porosity measurement in lime-based mortars,” Constr. Build. Matr., vol. 24, p. 2572-

2578, 2010. [5] L. Toniolo, A. Paradisi, S. Goidanich e G. Pennati, “Mechanical behaviour of lime based mortars after surface

consolidation,” Constr.Build.Mater., vol. 25, p. 1553–1559, 2011. [6] J. Leitão Bárcia, “Arquivo Municipal de Lisboa,” Câmara Municipal de Lisboa, s.d.. [Online]. Available:

http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/pt/. [Acedido em Janeiro 2015]. [7] J. Elsen, “Microscopy of historic mortars—a review,” Cem.Concr.Res., vol. 36, p. 1416–1424, 2006. [8] S. Pfefferkon, “Correction functions for eliminating drill bit abrasion and blocked drill dust transport,” em

DRILLMORE, Firenze, 2000.

R. Nogueira, A.P. Ferreira Pinto, A. Gomes, Caracterização in situ de um reboco antigo através do método da resistência à furação

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[9] Q. Gillmore, Limes Hydraulic Cement and Mortars, Wexford College Press, 2000, p. 348.