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Universidade de Aveiro 2019 Departamento de Comunicação e Arte Carla Daniela Martins Costeira A Descoberta da Sala Verde: Estratégias lúdicas de iniciação e comunicação musical com crianças do ensino pré-escolar

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Universidade de Aveiro

2019

Departamento de Comunicação e Arte

Carla Daniela Martins Costeira

A Descoberta da Sala Verde: Estratégias lúdicas de iniciação e comunicação musical com crianças do ensino pré-escolar

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Universidade de Aveiro

2019

Departamento de Comunicação e Arte

Carla Daniela Martins Costeira

A Descoberta da Sala Verde: Estratégias lúdicas de iniciação e comunicação musical com crianças do ensino pré-escolar

Relatório de Estágio realizado no âmbito da disciplina de Prática Ensino Supervisionada apresentado à Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ensino de Música, realizado sob a orientação científica do Prof. Doutor Paulo Maria Rodrigues, Professor Auxiliar do Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro.

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o júri

presidente Professora Doutora Maria Helena Ribeiro da Silva Caspurro Professora Auxiliar, Universidade de Aveiro

Professora Doutora Cristina Adriana Toscano de Faria Professora Adjunta, Escola Superior de Educação de Coimbra

Professor Doutor Paulo Maria Ferreira Rodrigues da Silva Professor Auxiliar, Universidade de Aveiro

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Dedico este trabalho a todos os que me ajudaram a descobrir novos mundos – em especial aos “meus” três meninos coloridos.

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agradecimentos

Ao professor Paulo Rodrigues, por me ter orientado tão bem na descoberta de novos mundos musicais e pessoais; Ao meu professor, amigo e mentor para a vida, Henrique Portovedo; A todas as crianças, educadora e auxiliar da Sala Verde, por confiarem no meu trabalho e embarcarem comigo nesta descoberta; À Sara Vaz, por se ter tornado uma verdadeira amiga e por me ter permitido crescer com ela; À Maria, pela amizade e apoio incondicional em todos os momentos da minha vida; Ao Ricardo, por toda a sua paciência, motivação e amor; A todos os meus amigos, em especial à Márcia, à Ana Sousa, à Nádia, à Diana, à Isabel, ao Eduardo e às Marianas, por toda a ajuda; Aos meus pais, por nunca me deixarem sozinha nesta, e noutras tantas caminhadas.

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palavras-chave

Iniciação musical no ensino pré-escolar; brincar na aprendizagem; comunicação através da música; estratégias e recursos musicais não convencionais; saxofone.

resumo

O presente relatório está dividido em duas partes. A primeira parte descreve a implementação do Projeto Educativo desenvolvido com a participação das 20 crianças da Sala Verde, do Ensino Pré-Escolar, do Centro Paroquial e Social de Santa Marinha de Avanca, ao longo de cinco meses. Numa primeira fase, foram realizadas sessões de iniciação e contacto musical, usando estratégias e recursos que envolviam jogos/brincadeiras e instrumentos não convencionais. Posteriormente, foquei a minha intervenção em três meninos com problemas de comunicação verbal, através da criação de estratégias lúdicas que permitiram a comunicação através da música. A segunda parte deste relatório, descreve a componente de Prática de Ensino Supervisionada (saxofone), realizada durante o ano letivo 2018/2019 na Escola Artística do Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de Aveiro.

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keywords

Musical initiation in preschool; learning during play; communication through music; non-conventional musical strategies and resources; saxophone.

abstract

This report is divided in two parts. The first part describes the implementation of a 5 month long project with 20 children attending the kindergarten class Sala Verde from Centro Paroquial e Social de Santa Marinha in Avanca. The work started with sessions of musical contact and music initiation using a variety of strategies and resources such as games, play and non-conventional instruments. Subsequently, the work focused on a smaller group of three children with verbal communication problems, aiming at, the creation of ludic strategies that allowed a new way to communicate: musically. The second part of this report describes the practical component (saxophone) of the Supervisioned Teaching, taking place in 2018 / 2019 at the Artistic School of the Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de Aveiro.

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Índice de Conteúdos

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 21

PARTE I – PROJETO EDUCATIVO

1. MOTIVAÇÃO ........................................................................................... 25

2. OBJETIVOS ............................................................................................ 29

3. REVISÃO DA LITERATURA ................................................................... 31

3.1 Aprendizagem Infantil .............................................................................................................. 31

3.2 Importância do Brincar na Educação Infantil ....................................................................... 34

3.3 Importância do Contacto com a Música na Infância ........................................................... 38

3.4 Comunicação Não-Verbal ........................................................................................................ 44

4. DESCRIÇÃO DO PROJETO ................................................................... 47

4.1 Instituição ................................................................................................................................... 47

4.2 Participantes .............................................................................................................................. 48

4.3 Metodologias .............................................................................................................................. 48

4.4 Calendário das Sessões .......................................................................................................... 51

5. IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO ......................................................... 53

5.1. 1ª Fase – 20 Alunos da Sala Verde........................................................................................ 53 5.1.1. Descrição das Sessões .................................................................................................................. 55 5.1.2. Relações Pessoais ......................................................................................................................... 65

5.2. 2ª Fase – Os Três Meninos Coloridos .................................................................................. 68 5.2.1. Observação e Interação na 1ª Fase do Projeto ............................................................................ 69 5.2.2. Descrição das Sessões da 2ª Fase ................................................................................................. 72 5.2.3. Descrição das sessões individuais com cada um dos três meninos coloridos .............................. 81

6. REFLEXÃO FINAL .................................................................................. 93

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PARTE II – PRÁTICA DE ENSINO SUPERVISIONADA

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................ 99

2. CONTEXTUALIZAÇÃO ......................................................................... 101

2.1 História e Descrição da EACMCGA ..................................................................................... 101

2.2 Projeto Educativo e Oferta Formativa ................................................................................. 103

2.3 Calendário Escolar .................................................................................................................. 104

3. DESCRIÇÃO DA PRÁTICA LETIVA ..................................................... 105

3.1 Plano Curricular da Disciplina de Saxofone....................................................................... 105

3.2 Plano Curricular da Disciplina de Classe de Conjunto .................................................... 115

3.3 Planificações e Relatórios de Aulas .................................................................................... 116

3.4 Caracterização dos Intervenientes ...................................................................................... 119 3.4.1 Orientador Cooperante ........................................................................................................ 119 3.4.2 Aluno A – Coadjuvação Letiva .............................................................................................. 120 3.4.3 Aluno B – Coadjuvação Letiva............................................................................................... 121 3.4.4 Aluno C – Coadjuvação Letiva ............................................................................................... 123 3.4.5 Aluno D - Observação ........................................................................................................... 124 3.4.6 Pática Instrumental – Coadjuvação Letiva ........................................................................... 125

4. ATIVIDADES EM CONTEXTO DA PES ................................................ 127

4.1 Ciclo de Concertos de Música de Câmara .......................................................................... 128

4.2 Masterclasse de Saxofone e Ensembles de Saxofone ..................................................... 131

5. REFLEXÃO FINAL ................................................................................ 135

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 137

ANEXOS ........................................................................................................ 141

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Índice de Figuras

Figura 1 - Ciclo de Ação-Reflexão (Coutinho et al., 2009) ............................... 49

Figura 2 - Música do Pato ................................................................................ 57

Figura 3 - Malhão da Sala Verde ...................................................................... 58

Figura 4 - Secção "Tic Tac" do Relógio da Sala Verde .................................... 59

Figura 5 - Secção “Ding Dong” do Relógio da Sala Verde ............................... 59

Figura 6 - Exemplo de Tubalão ........................................................................ 64

Figura 7 - Fotografia com as crianças da Sala Verde ...................................... 67

Figura 8 - Grasnadores .................................................................................... 74

Figura 9 - Cartolinas com Animais ................................................................... 78

Figura 10 - Fotografia com os Três Meninos Coloridos .................................... 92

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Índice de Tabelas

Tabela 1 - Calendarização das Sessões do Projeto ......................................... 52

Tabela 2 - Calendário Escolar 2018/2019 ...................................................... 104

Tabela 3 - Proposta de Suporte Pedagógico para Alunos do 3º Grau/ 7º Ano108

Tabela 4 - Proposta de Suporte Pedagógico para Alunos do 4º Grau/ 8º Ano110

Tabela 5 - Proposta de Suporte Pedagógico para Alunos do 5º Grau/ 9º Ano112

Tabela 6 - Proposta de Suporte Pedagógico para os Alunos do 7º Grau/ 11º Ano ................................................................................................................. 114

Tabela 12 - Exemplo de Planificação de Aula ................................................ 117

Tabela 13 - Exemplo de Relatório de Aula ..................................................... 118

Tabela 7 - Horário das Aulas de Saxofone do Aluno A .................................. 120

Tabela 8 - Horário das Aulas de Saxofone do Aluno B .................................. 121

Tabela 9 - Horário das Aulas de Saxofone do Aluno C .................................. 123

Tabela 10 - Horário da Aula de Saxofone Observada do Aluno D ................. 124

Tabela 11 - Horário da Aula de Prática Instrumental ...................................... 125

Tabela 14 - Atividades da PES ....................................................................... 128

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Índice de Abreviaturas

ATL – Atividades de Tempos Livres

CPSSMA – Centro Paroquial e Social de Santa Marinha de Avanca

DB – Diário de Bordo

EACMCGA – Escola Artística do Conservatório de Música Calouste Gulbenkian

de Aveiro

PES – Prática de Ensino Supervisionada

PI – Prática Instrumental

UA – Universidade de Aveiro

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Introdução

Este documento contém duas partes. A primeira é dedicada ao Projeto

Educativo que realizei no Centro Paroquial e Social de Santa Marinha de

Avanca (CPSSMA), com um grupo de crianças do ensino pré-escolar. A

segunda parte diz respeito à Prática de Ensino Supervisionada (PES), em

saxofone, realizada na Escola Artística do Conservatório de Música Calouste

Gulbenkian de Aveiro (EACMCGA).

Enquanto futura professora de saxofone é provável que me venha a

deparar com um conjunto de desafios que transcendem o cenário tradicional do

professor que ensina exclusivamente o seu instrumento numa escola de

música do ensino vocacional. A evolução do mercado de trabalho, o meu

desejo intrínseco de poder, enquanto professora de música, intervir em

diferentes contextos e a necessidade de enriquecer e alargar a minha

mundividência e desenvolvimento pessoal, fizeram com que eu procurasse

complementar a experiência da PES com uma outra que me expussesse a um

tipo de trabalho diferente daquele que decorre normalmente na aula de

instrumento. A realização do projeto educativo no contexto do ensino pré-

escolar permitiu-me trabalhar com crianças muito mais novas do que aquelas

que conheci na PES, abordei temas como aprendizagem e importância do

brincar na educação infantil, a importância do contacto com a música na

infância e a comunicação não-verbal.

Este documento reflecte, assim, o meu desejo de solidificar e enriquecer

o meu conhecimento e experiência em diferentes campos do ensino de música,

e corresponde à visão que tenho para o meu futuro enquanto professora de

saxofone: gostaria de poder ir muito além do ensino técnico do instrumento, de

introduzir nas minhas aulas novas ideias e estratégias e gostaria de usar o

saxofone como recurso para a aprendizagem da música noutros contextos.

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PARTE I

Projeto Educativo

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1. Motivação

Quando eu tinha 10 anos de idade, estudei na Escola Básica Padre

Donaciano de Abreu Freire, em Estarreja. Esta escola era frequentada (e

continua a ser), por várias crianças da etnia cigana, sendo que muitas delas

vivem atrás do estabelecimento de ensino, em acampamentos. Enquanto aluna

desta escola, nunca tive muito contacto com estas crianças, pois as turmas

eram estruturadas de forma a separá-las. Desta maneira, e por assistir a vários

conflitos violentos que envolviam as pessoas desta etnia, criei uma opinião

pejorativa sobre a mesma.

Foi apenas no ano de 2017, já com 21 anos, que o meu pensamento

mudou, quando recebi uma bolsa de estudo do Programa Escolhas – U CAN.

No âmbito deste programa realizei diversas ações de voluntariado inseridas no

programa ESTA Integra de Avanca. O ESTA Integra dá apoio à etnia cigana, e

como eu estava a frequentar a Licenciatura em Música, decidi dar aulas de

música a crianças ciganas de faixa etária compreendida entre os 6 e os 12

anos, na mesma escola onde tinha estudado. Essas aulas decorreram ao longo

do segundo e terceiro período do ano letivo 2016/2017. Planeei-as de acordo

com a minha experiência enquanto aluna de formação musical, isto é, comecei

por ensinar a parte teórica e escrita da música. Ensinei-lhes as notas através

de canções com os nomes das mesmas, e tentei que soubessem desenhar

uma clave de sol. Em relação à parte prática, fizemos alguns jogos de imitação

rítmica corporal e também lhes ensinei algumas canções que incluíam

coreografia.

Com esta experiência, a ideia negativa que tinha em relação a esta

comunidade começou a desaparecer. Recordo-me que as crianças que

conheci foram sempre muito afáveis comigo e sentia que elas gostavam muito

da minha presença. Reparava que ficavam felizes quando me viam entrar na

escola, abraçando-me e contando-me como tinha corrido o seu dia. Tornei-me

muito próxima de todas as crianças com quem trabalhei e desejei ter feito

amigos desta etnia quando lá tinha sido aluna.

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No fim deste programa de voluntariado, fiquei com a sensação de que,

não obstante à riqueza da experiência do ponto de vista humano, eu não tinha

sido capaz de proporcionar aquelas crianças uma vivência plena da música. A

forma como eu tinha abordado as sessões, dando prioridade aos aspetos

formais e teóricos, refletia aquilo que eu própria tinha experienciado enquanto

aluna de formação musical, e comecei a questionar-me sobre se isso seria o

que de facto elas precisavam. Comecei a perceber que elas teriam beneficiado

de mim num formato mais descontraído e próximo delas, sem pensar tanto na

teoria musical, mas sim numa vertente mais prática, como a criação de música

em conjunto usando todo o tipo de recursos criativos. Esta foi a minha primeira

experiência a dar aulas de música a um grupo de crianças tão grande, tendo

ficado com vontade de aperfeiçoar as minhas competências nesta área, que

até então, enquanto professora de saxofone, não tinha explorado.

Ao longo do programa de voluntariado percebi que a realidade da escola

que eu tinha conhecido enquanto aluna se mantinha igual, isto é, certas turmas

continuavam a ser feitas só com alunos de etnia cigana, enquanto outras não

tinham um único aluno dessa etnia. Em 2018, quando tive que pensar sobre o

que poderia ser o projeto educativo a realizar no âmbito do mestrado, decidi

que queria complementar a Prática de Ensino Supervisionada em saxofone

com outra vertente do ensino de música. Desta forma, dada a minha vontade

em continuar a trabalhar com aquelas crianças, pensei em fazer o meu projeto

educativo com crianças de etnia cigana e crianças não ciganas, de forma a

conseguir criar ligações e promover a partilha cultural entre elas.

Em meados de maio de 2018, dirigi-me ao formador responsável pelo

ESTA Integra de Avanca, a fim de saber se era possível realizar o meu projeto

educativo a partir de janeiro de 2019 com o apoio deste programa. Ele

explicou-me que iriam renovar a candidatura em dezembro de 2018 e só aí

saberiam se iriam continuar com o programa no ano seguinte. Como era

importante para mim começar o projeto em janeiro, decidi contactar o Centro

Paroquial e Social de Santa Marinha de Avanca (CPSSMA), sabendo de

antemão que isso implicaria trabalhar com crianças mais novas, mas que

poderia manter a minha intenção de construir um projeto que pudesse

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promover a partilha entre crianças ciganas e não ciganas. O CPSSMA dá apoio

à comunidade, aos idosos e às crianças (creches e pré-escola), sendo que tem

várias crianças da etnia a frequentá-lo. O CPSSMA deu-me a possibilidade de

realizar o meu projeto com uma turma de 20 crianças do ensino pré-escolar

entre as quais se encontravam 5 de etnia cigana. Apesar deste cenário diferir

da minha ideia inicial, no que respeita às idades e também quanto ao número

de crianças de etnia cigana envolvidas, aceitei o desafio porque entendi que a

essência do que eu procurava se manteria num projeto com estas

características.

Decidi, assim, direcionar o meu projeto para a iniciação musical na

educação pré-escolar, mantendo a ideia do trabalho com crianças de etnia

cigana dentro das oportunidades reais que estavam ao meu alcance. Com esta

nova direção do meu trabalho, e com o contacto inicial com o grupo com quem

trabalhei, surgiram-me algumas questões-problema tais como:

• De que forma poderia estimular a aprendizagem inicial da música

através de atividades lúdicas?

• De que forma poderia usar a música para comunicar com crianças

com pouca ou nenhuma capacidade de comunicação verbal?

• De que forma poderia introduzir o saxofone e outros recursos

musicais na comunicação musical com as crianças?

Irei explorar estas questões no decorrer deste relatório e procurarei

comunicar os aspetos mais importantes deste projeto, que me fez crescer não

só a nível profissional, mas também a nível pessoal.

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2. Objetivos

Os objetivos que pretendi alcançar com o meu projeto, foram os

seguintes:

• Construir uma experiência de iniciação musical na educação pré-

escolar - dando às crianças um primeiro contacto com a música

através de experiências e conteúdos musicais pensados em

função delas;

• Explorar a possibilidade de comunicar, criar laços e empatia,

usando a música como mediador – recorrendo ao saxofone, à

voz, a instrumentos não convencionais, a jogos musicais e à

ligação a sensações corporais;

• Sair da minha zona de conforto - sempre estive habituada a ter e

a dar aulas de saxofone numa relação de um para um (professor

– aluno) com base em métodos tradicionais. Estar perante um

grupo de 20 crianças numa posição de grande proximidade

afetiva, usando métodos e recursos alternativos seria um desafio

muito grande que certamente me faria crescer como pessoa e

como professora.

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3. Revisão da Literatura

Dadas as características do grupo com que trabalhei - crianças do

ensino pré-escolar - revela-se pertinente que a revisão da literatura aborde

temas como: aprendizagem infantil, importância do brincar na educação infantil,

importância do contacto com a música na infância e comunicação não-verbal.

3.1 Aprendizagem Infantil

A forma como se constrói o pensamento da criança tem vindo a ser

abordada por vários autores, entre os quais Piaget (1978) e Vygotski (1991).

Para Piaget (in Pádua, 2009; Palangana, 2015) o desenvolvimento

intelectual passa pelos processos de assimilação e acomodação. Se por um

lado, a assimilação se refere à aquisição de novas experiências e informações

mentais, por outro, a acomodação define-se pela reorganização mental, de

forma a que o indivíduo possa incorporar novos conhecimentos, moldando-os e

ajustando-os de acordo com as diferentes situações. Desta forma, o indivíduo

entra em contacto com um objeto ou situação nova e desconhecida (processo

de assimilação), procurando modificar as suas estruturas mentais, de modo a

acomodá-la no pensamento (processo de acomodação). Este processo é

progressivo e acumulativo, envolvendo o desenvolvimento de funções

cognitivas como a memória, a representação e a linguagem. Assim, quando

estes dois processos cognitivos ocorrem consecutivamente e como é devido,

estamos perante o equilíbrio cognitivo.

Piaget (1978) dividiu o desenvolvimento cognitivo em quatro estádios:

sensório-motor (até aos 2 anos), pré-operacional (dos 2 aos 7 anos),

operações concretas (dos 7 aos 12 anos) e operações formais (dos 12 anos

em diante).

O estádio sensório-motor centra-se na permanência do objeto, ou seja, a

criança percebe que os objetos continuam a existir mesmo que ela não os veja

ou ouça (Piaget, 1978).

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O estádio pré-operacional caracteriza-se pelo egocentrismo, isto é, as

crianças não conseguem compreender outros pontos de vista para além dos

seus. Com a aquisição da linguagem, as crianças são capazes de distinguir

palavras, imagens e símbolos, daí este estádio ser marcado pela rápida

observação de esquemas simbólicos que se materializam em linguagem. A

linguagem torna-se um dos principais meios de representação mental.

Consequentemente, o pensamento tende a relacionar uma ideia a apenas uma

atividade. Posto isto, é importante que os educadores estimulem a relação de

várias ideias à mesma atividade, de maneira a que a criança construa

esquemas mentais mais complexos (Piaget, 1978).

No estádio de operações concretas, as crianças ainda não são capazes

de compreender conceitos abstratos, mas começam a ter um pensamento

lógico acerca de acontecimentos concretos. No último estádio - estádio de

operações formais - as crianças centram-se na competência de manipular

ideias ou ter pensamentos abstratos (Piaget, 1978).

Com outra abordagem, Vygotski (1991) não procura investigar as

funções cognitivas biológicas do ser humano, mas sim explicar a função e o

funcionamento psicológico das ferramentas necessárias à vida em sociedade.

Para o autor, o desenvolvimento psicológico cognitivo e a internalização de um

conhecimento acontecem por meio da interação social, possibilitando novas

experiências e conhecimentos em grupo. O funcionamento psicológico humano

é apresentado em duas funções psíquicas: elementares e superiores. As

funções psíquicas elementares dizem respeito ao que é biológico e inato. As

superiores relacionam-se com ações intencionais como a imaginação e a

tomada de decisões. Estas funções psíquicas desenvolvem-se no processo de

mediação, ou seja, na aquisição de conhecimento realizada entre o Homem e o

mundo. Assim, existem dois tipos de elementos neste processo: os

instrumentos (ação que temos sobre o objeto) e os signos (regulam a ação

psíquica através da representação de objetos que não estão presentes).

O papel que a música pode desempenhar no desenvolvimento da

criança tem sido reconhecido por vários autores, ainda que muitas vezes a

questão seja colocada no sentido de enfatizar o desenvolvimento genérico ou

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de competências que não as estritamente musicais. Dessa forma, faço uma

breve referência a ideias e autores que abordam a questão sob este ponto de

vista e remeto para o ponto 3.3. uma análise mais detalhada sobre ideias que

se relacionam especificamente sobre o desenvolvimento musical e as

estratégias de ensino-aprendizagem que daí decorrem.

Segundo Weigel (1988) e Barreto (2000) (in Chiarelli & Barreto, 2005) a

atividade musical contribui para o desenvolvimento da criança da seguinte

forma:

• a nível cognitivo/linguístico, criando estímulos de forma a

desenvolver a inteligência. Por exemplo: ao ouvir música as

crianças ganham sensibilidade auditiva; ao associar movimentos

corporais à música trabalham a coordenação motora e atenção;

ao imitar sons estabelecem relações com o meio envolvente;

• a nível psicomotor, estimulando a coordenação motora através de

movimentos corporais rítmicos. Por exemplo: ao moverem o corpo

ao som de uma música ou usando o corpo como instrumento

rítmico: batendo palmas e pés, batendo com as mãos nas pernas,

estalando os dedos, entre outros movimentos;

• a nível socio-afetivo, favorecendo o desenvolvimento da

compreensão, participação, colaboração e cooperação. Fazer

música em conjunto é importante para o desenvolvimento social e

aumenta a autoestima dos participantes.

Segundo Betti, Silva, e Almeida (2013), as crianças entre os três e os

seis anos de idade começam a reconhecer e distinguir sons, participando em

brincadeiras que envolvem o corpo, memorizando canções, produzindo os seus

próprios sons e reconhecendo ritmos. Os autores afirmam que as crianças

adquirem conhecimento quando o experienciam, pelo que se torna fundamental

a presença de estímulos diários para o seu desenvolvimento cognitivo. Deste

modo, estímulos como cantar, movimentar e percutir o corpo, desenvolvem a

psicomotricidade, o que se torna um auxílio à alfabetização.

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Segundo esta perspetiva, a aprendizagem musical no contexto genérico

do desenvolvimento da criança envolve um processo progressivo de

familiarização com o som: os sons que as crianças já conhecem vão sendo

progressivamente complementados por novos sons, que elas inicialmente

desconhecem, mas que vão sendo incorporados e catalogados/organizados

nomeadamente através do uso de palavras (Chiarelli & Barreto, 2005).

Contudo, de um ponto de vista que me parece ser mais atual, segundo a

teoria da aprendizagem de Gordon as crianças adquirem aptidões musicais

muito antes dos 3 anos de idade. Assim sendo, no subcapítulo 3.3 (importância

do contacto com a música na infância) abordarei este tema de uma forma mais

profunda.

3.2 Importância do Brincar na Educação Infantil

Embora todos saibamos, intuitivamente, que brincar é um conjunto de

atividades que fazemos para nos divertirmos, é importante refletir sobre esta

prática, pois é estruturante para o desenvolvimento das crianças.

Para Brown e Vaughan (2009), é difícil definir a ação de brincar, pois

varia de pessoa para pessoa. Os autores explicam que brincar é um impulso

biológico, ou seja, uma necessidade humana que nasce connosco. É o nível

básico da nossa vida, pois é pré-consciente e pré-verbal. Segundo Kishimoto

(2003), uma atividade pode ou não ser considerada brincar dependendo do

significado a ela atribuído.

Brincar é prazeroso, revitaliza energias, torna-nos mais otimistas,

alegres, criativos, motiva-nos, conecta emoções agradáveis, abre novas

possibilidades e cria relações. É um paradoxo pensar que uma atividade que

consideramos improdutiva nos possa dar tantos benefícios (Brown & Vaughan,

2009).

Johan Huizinga (in Brown & Vaughan, 2009), define brincar como uma

atividade sem interesse material, com lugar e tempo limitados, uma sequência

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própria, regras e ordens, que fomenta a formação social em grupo e com

caráter voluntário (se for imposto, deixa de ser brincar). “Although there are

many different definitions of play, most theorists and educators agree that play

involves free choice, enjoyment, self-motivation, and a focus on process rather

than on product.” (Niland, 2009, p. 18).

Piaget (1990) (in Freire & Freire, 2013), defende que atividades como

brincar e imitar são fundamentais no desenvolvimento das representações

mentais, ajudando as crianças a darem sentido ao mundo.

Segundo Marian Diamond (in Brown & Vaughan, 2009), brincar torna-

nos mais inteligentes, sendo que estimula o rápido crescimento e

desenvolvimento cerebral. Para que isto aconteça da melhor forma, é

necessário brincar com outras pessoas, tendo em conta que a participação

ativa em grupo é rica em estímulos e nutre o desenvolvimento social. Assim

sendo, também permite conhecer e identificar um grupo de amigos.

O movimento, a palavra, a imagem e a imaginação, são elementos que

constituem o processo de brincar. Os movimentos são das primeiras coisas

que fazemos quando nascemos, ajudando-nos a conhecer o espaço, tempo e

relações interpessoais. Estes elementos estimulam o cérebro, ajudando na

aprendizagem, inovação, criatividade e adaptabilidade. “Children’s play also

shows the developing use of imagination—the ability to think about things,

events, people, or ideas that are not necessarily physically present. Therefore,

play is regarded as being important in relation to children’s cognitive

development, particularly their flexible thinking and problem-solving skills”

(Niland, 2009, p. 18).

Segundo autores como Brown e Vaughan, a imaginação aparece por

volta dos dois anos de idade. É caracterizada pela necessidade que temos de

contar e vivenciar histórias, recuperando emoções e criatividade. Quando

brincamos podemos imaginar e experienciar situações totalmente novas, ou

seja, podemos criar possibilidades que antes não existiam e aprender com

elas. Isto dá-nos ferramentas necessárias para enfrentar o futuro, como por

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exemplo, aprender a não infringir as regras impostas no quotidiano (Brown &

Vaughan, 2009).

Segundo Vygotsky (1984) (in Wajskop, 1995), as crianças brincam por

meio da imaginação, retratando ações sociais passadas. Brincar é uma ação

predominante nas crianças e cria uma “zona de desenvolvimento proximal”, isto

é, a distância entre o nível atual de desenvolvimento (capacidade autónoma de

resolução de problemas) e o nível de desenvolvimento potencial (resolução de

um problema sob a orientação de alguém com mais capacidades).

Brincar desenvolve a nossa criatividade e inovação, pois é feito de forma

improvisada, ajudando-nos a estabelecer novas conexões cognitivas. Através

da diversão e criatividade, conseguimos desenvolver múltiplas compreensões

acerca de um tema, principalmente na infância (quando o desejo de brincar é

maior). Na infância, o nosso desenvolvimento cognitivo é mais rápido, contínuo

e organizado, o que ajuda na rápida evolução cerebral (Brown & Vaughan,

2009).

O cérebro acumula uma série de mapas que nos permitem reconhecer

objetos, sons, cores, situações sociais. Quando brincamos imaginamos novas

combinações cognitivas, que depois podemos descobrir se funcionam. Por

isso, brincar pode ser considerado uma estratégia de ensino-aprendizagem.

Tentar compreender um determinado assunto/tema sem antes brincar com ele,

pode confundir e desmoralizar as crianças (Brown & Vaughan, 2009).

O prazer que uma atividade produz é determinante para a atenção que

lhe é prestada, a informação aprendida e memorizada retém-se no nosso

cérebro de forma mais eficaz, e perdura por mais tempo se estiver associada

ao prazer. Por conseguinte, a memória está relacionada com essa atenção e

gratificação pessoal (Brown & Vaughan, 2009).

O impulso artístico surge das brincadeiras, envolvendo formas de

comunicação pré-verbal e com a capacidade de unir pessoas. A música faz

parte das brincadeiras quotidianas das crianças, através do canto, da

exploração de diferentes sons e da movimentação em concordância com o que

é ouvido. Se forem devidamente incentivadas, essas brincadeiras podem criar

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conhecimentos musicais profundos (Brown & Vaughan, 2009). Niland (2009),

defende a ideia de que um educador musical deve procurar fazer com que as

crianças respondam ludicamente à música. De acordo com os seus interesses

e capacidades individuais, as crianças devem criar a sua própria música

através de brincadeiras. Brincar pode fazer com que desenvolvam as suas

competências musicais, como o ritmo e a altura das notas. “Studies of

children’s free musical play have shown that children will be more deeply

engaged over long periods of time and show greater persistence than is often

evident in teacher-led group music making.” (Niland, 2009, p. 18).

Segundo Littleton (1998) (in Niland, 2009, p. 18) existem diferentes

formas de brincar com a música:

• “co-operative music play”: quando a criança interage e explora a

música em grupo;

• “functional music play”: quando a criança explora técnicas de

reprodução de som em materiais do quotidiano;

• “constructive musical play”: quando a criança explora a

criatividade na improvisação e composição;

• “dramatic music play”: quando a criança cria música através da

teatralização, do “faz de conta”;

• “kinesthetic music play”: quando a criança se movimenta e dança

consoante a música que ouve;

• “games with rules”: quando a criança se envolve em jogos

estruturados e orientados.

Niland defende que brincar é essencial para compreender auditivamente

os sons: “I have become firmly convinced that play is central to young children’s

engagement with songs and musical experiences and that through play children

can construct their own musical learning.” (Niland, 2009, p.18).

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Deste modo, brincar integra a nossa profunda capacidade psicológica,

emocional e cognitiva. É a melhor ferramenta para criar conexões cerebrais,

resolver problemas cognitivos e reter um conhecimento. Fomenta a confiança,

empatia, humanidade, generosidade e aumenta a comunicação com os outros.

Torna-nos mais criativos e inteligentes perante o mundo e é essencial nas

relações sociais e na aprendizagem. “El juego en realidade es un estado

mental y no una actividad” (Brown & Vaughan, 2009, p. 84).

3.3 Importância do Contacto com a Música na Infância

Para além das perspetivas genéricas apresentadas nos pontos

anteriores há razões intrinsecamente musicais que justificam que o contacto

com a música se faça o mais cedo possível. O desenvolvimento das

capacidades de fazer, entender e apreciar música alicerça-se em experiências

que devem ser iniciadas nas idades mais precoces. Autores como Gordon,

Dalcroze e Orff propuseram ideias que explicam a forma como se vai

construindo o pensamento musical, propondo estratégias e atividades

pensadas especificamente para esse desenvolvimento. É hoje geralmente

aceite que o contacto com a música deve ser uma realidade presente no

quotidiano das crianças, desde o seu nascimento, tanto em casa como na

escola. Embora as orientações curriculares do ensino pré-escolar e o currículo

do primeiro ciclo do ensino básico prevejam a existência de atividades musicais

o facto é que, para muitas crianças, a iniciação à música acontece apenas no

2º ciclo (5º e 6º ano).

A articulação de várias ideias e estratégias propostas pelos autores

mencionados anteriormente, e outros, pode ser complexa, mas é importante

não perder de vista que aspetos como “fazer” música e brincar pretendem, no

fundo, colocar as crianças no centro do processo de aprendizagem e permitir o

desenvolvimento das capacidades inatas que todas têm. “A playbased, child-

centered early childhood music curriculum can nurture the innate musicality of

young children so that they become and remain music makers throughout their

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lives” (Niland, 2009, p. 20). A perspetiva de centrar na criança o processo de

aprendizagem encontra eco nas ideias construtivistas:

“Construtivismo significa isto: a ideia de que nada, a rigor, está pronto,

acabado, e de que, especificamente, o conhecimento não é dado, em

nenhuma instância, como algo terminado. Ele se constitui pela interação

do Indivíduo com o meio físico e social, com o simbolismo humano, com

o mundo das relações sociais; e se constitui por força de sua ação e não

por qualquer dotação prévia, na bagagem hereditária ou no meio, de tal

modo que podemos afirmar que antes da ação não há psiquismo nem

consciência e, muito menos, pensamento.” (Becker, 2009, p. 2).

Sendo assim, caso o educador se reveja neste ponto de vista e tenha a

teoria construtivista como referência, então deve procurar conhecer o aluno,

dar-lhe importância como ser individual e saber como interage com os outros

(Becker, 2009).

Na música, as tomadas de decisões como os materiais musicais a usar,

a estética da performance, e a escolha de sons e ritmos, podem ser feitas com

a ajuda das crianças. Desta forma, é possível permitir que elas demonstrem os

seus interesses musicais e sociais no seu meio de aprendizagem. Dar esta

possibilidade às crianças é fundamental para o seu desenvolvimento (Niland,

2009).

É importante perceber que o objetivo de tornar a criança o centro da

educação musical não deve colidir com a essência da prática musical, que se

baseia na partilha de elementos de comunicação sonora entre indivíduos. Ou

seja, a criança deve ser encarada enquanto indivíduo que “faz” música em

conjunto com outros. Small (1998, p.8), criou o conceito de “musicking”, para

dar relevância ao “fazer” música em conjunto. O autor explica que a ideia de

“musicking” pretende retirar a carga e importância que, nas sociedades

ocidentais, se dá à performance musical finalizada, para poder enfatizar o

carácter social e comunitário da prática musical, isto é, dando relevância aos

atos de criar, partilhar e expor a música em conjunto.

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A ideia de “fazer” música na infância é considerada fundamental por

vários autores, tais como Gordon, Dalcroze e Orff. Cada um deles expõe

teorias e estratégias de aprendizagem que desenvolvem esta prática de “fazer”

música.

Assim que nascemos, antes de começarmos a falar, começamos por

ouvir. Segundo a teoria da aprendizagem musical de Gordon (1997) (in

Rodrigues, 2000), esse processo também devia acontecer na música: antes de

aprendermos a ler e a escrever música, devíamos compreendê-la

auditivamente, e a esse processo musical ele apelida de “audiação”. A

“audiação” é a capacidade do indivíduo para ouvir e compreender a música

sem que o som esteja presente fisicamente. Este processo é a base para que o

indivíduo fique apto para pensar musicalmente e formular as suas próprias

ideias musicais, como a execução, a audição, a improvisação, a composição, a

leitura e a escrita musical.

Desta forma, a “audiação” preparatória (logo após o nascimento) pode

ser de três tipos: aculturação, imitação e assimilação1. O educador deve criar

estímulos e interações musicais e este processo deve ser natural, rico, variado

e diversificado, para que as crianças adquiram melhor compreensão do

pensamento musical (Gordon, 1997 in Rodrigues, 2000). É importante referir

que cada criança se desenvolve ao seu tempo.

Na perspetiva de Gordon (1997) (in Rodrigues, 2000, pp. 33-34), a voz é

central para todo o processo de desenvolvimento da “audiação”. Desta forma,

ele propõe as seguintes orientações musicais:

• Repetição e contraste: uso de diferentes métricas, modos e

tonalidades, sendo que o mesmo exemplo deve ser apresentado

e repetido sempre com as mesmas características;

1 Segundo Gordon (1991) (in Rodrigues, 2000), a aculturação, imitação e assimilação são os três tipos de “audiação” musical na infância. A aculturação ocorre até aos 2 anos de idade e é a fase em que as crianças reúnem experiências musicais no seu meio envolvente, e começam a responder a estímulos musicais de forma aleatória (sem relação direta entre o estímulo e a resposta) ou intencional (responde consoante o estímulo). A imitação ocorre dos 2 aos 4 anos ou dos 3 aos 5, nesta fase as crianças ganham consciência das suas limitações e conseguem imitar com precisão padrões rítmicos e tonais. A assimilação ocorre dos 3 aos 5 anos ou dos 4 aos 6, nesta fase as crianças são capazes de se ouvir e autocorrigir, para além disso, ganham coordenação em cantar e movimentar o corpo em simultâneo.

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• Silêncio: permite que a criança assimile, ouça interiormente e

imagine o som;

• Audição do todo e das partes: dar a ouvir uma canção toda e

depois só partes, sendo que podemos fazer agrupamentos de

sons com diferentes alturas e sem alteração rítmica, e vice-versa;

• Movimentação: devem ser movimentos relaxados e fluidos, que

permitem a consciencialização corporal, a exploração do espaço

e a noção de tempo;

• Interatividade humana: a relação entre o educador e a criança

parte do contacto e da imitação de respostas, uma vez que a

música é considerada uma forma de comunicar.

Para além destas linhas orientadoras, Rodrigues (2000) apresenta as

atividades musicais sugeridas por Gordon:

• Ouvir música gravada: as músicas devem ser curtas,

contrastantes a nível tímbrico e de intensidade, diversificadas no

género, estilo, instrumentação, métrica e tonalidade, e devem

captar a atenção das crianças;

• Cantar canções sem texto: devem-se cantar canções sem texto

com as crianças, pois a letra faz com que o interesse se centre no

poder da palavra e não nas características musicais. Assim

sendo, Gordon privilegia a voz cantada e sugere o uso de sílabas

neutras como “ba”;

• Entoar cantos rítmicos: devem ser lentos ou rápidos e com

diferentes métricas, usando sílabas neutras;

• Movimentar e explorar no espaço: executar jogos que permitam

ganhar noção de tempo, espaço e sentido rítmico, usando

movimentos corporais fluídos;

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• Utilizar padrões tonais e rítmicos: criar padrões tonais e rítmicos

que possam ser facilmente repetidos pelas crianças.

Tal como Gordon, Dalcroze privilegia a escuta ativa antes da realização

de atividades teóricas. Assim sendo, propõe um sistema de educação musical

que liga a escuta consciencializada ao movimento corporal (Fonterrada, 2008).

Para Dalcroze, o corpo e a voz são os nossos primeiros instrumentos

musicais, daí ser necessário tirar o máximo partido deles, estimulando as

crianças a “fazer” música. O autor dá importância às atividades musicais em

contexto escolar e à relação entre indivíduos, defendendo que as aulas devem

ser feitas em grupo, visto que, através da música é possível expressar

sentimentos comuns e interagir com outros indivíduos (Fonterrada, 2008).

Desta forma, o sistema de educação musical de Dalcroze é

caracterizado pelo seu conceito de “rythmique”. A “rythmique” desenvolve a

escuta ativa, a voz cantada, o movimento corporal e o uso do espaço. O

objetivo principal é que todo o corpo “ouça” e se expresse consoante o que

ouve, ganhando uma consciencialização natural do ritmo (Del Picchia, Rocha,

& Pereira, 2013).

Os exercícios propostos por Dalcroze envolvem liberdade de expressão

através do movimento corporal e improvisação: correr, andar, marchar, saltar,

arrastar-se, deslocar-se em diferentes direções livremente; ou seguindo uma

estrutura rítmica: bater palmas nos tempos fortes, interromper ou recomeçar

subitamente um movimento e criar um movimento correspondente para uma

frase musical. Assim sendo, o movimento corporal estimula a memória, a

concentração, a audição interior, a rápida reação corporal a um som e a

exploração do espaço em diferentes direções, trajetórias e planos. Deste modo,

o autor defende que conseguimos chegar à compreensão, fruição, precisão e

rapidez do movimento, consciencialização e expressão da música (Del Picchia

et al., 2013; Fonterrada, 2008).

Assim como Dalcroze, Orff defende que a educação musical deveria

basear-se no ritmo, movimento e improvisação. Orff desenvolveu o conceito de

“música elementar”, que advém da fala, dança e movimento, e serve como

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base para a educação musical infantil. Para Orff o ritmo provém do movimento,

e esse ritmo é a base sobre a qual se desenvolve a melodia, tendo em conta

que esta nasce da fala. A improvisação tem um papel fundamental no ensino e

pode ser realizada através de atividades como o eco (repetir o que se ouve),

pergunta-resposta (responder musicalmente a um estímulo) ou “ostinatti”

(improvisar sobre frases rítmicas ou melódicas repetidas) (Fonterrada, 2008).

Para além disso, o autor adaptou um conjunto de instrumentos de

percussão, cordas e flautas de bisel, ao qual chama: “Instrumental Orff”2, para

que as crianças possam tocar e improvisar em conjunto, sem se preocuparem

com as técnicas instrumentais, e permitir a assimilação de diferentes sons

através da prática instrumental. As crianças começam por imitar e repetir o que

ouvem, depois são incentivadas a responder a estímulos sonoros de forma

contrastante ou semelhante, e por fim improvisam livremente. Esta é uma

forma fácil e motivadora de tocar em conjunto e desenvolver a improvisação

musical (Fonterrada, 2008).

O contacto com instrumentos musicais na infância é algo que vários

autores consideram importante. É questionável, contudo, que essas

experiências se devam restringir à afinação temperada (escala diatónica) e à

altura definida das notas, sobretudo se a questão lúdica, a experimentação e

descoberta forem tomadas em consideração. Existem várias alternativas para a

criação de recursos sonoros instrumentais de baixo custo e de fácil construção.

Além disso, a sua construção pode ser uma atividade interessante para

desenvolver com as crianças em sala de aula. Como exemplo, o caso dos

instrumentos criados por Bart Hopkin3 e o Super-Sonics4, que pretendem

divulgar instrumentos alternativos e não-convencionais, de fácil construção,

2 Estes instrumentos são ajustados às crianças e reproduzem as notas da escala diatónica. 3 O instrumental encontra-se no sítio da internet oficial: http://barthopkin.com/.

4 O Super-Sonics, é um dos fascículos do Manual Para a Construção de Jardins Interiores

criado pela Companhia de Música Teatral e editado pela Fundação Calouste Gulbenkian. Tem

como objetivo divulgar instrumentos de fácil construção, feitos com materiais do quotidiano,

criados e testados em projetos como o Opus Tutti. As ideias de Super-Sonics encontram-se

também disponíveis em acesso livre no endereço: http://super-sonics.blogspot.com/.

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realizados com materiais do quotidiano. Estes instrumentos permitem que as

crianças tenham contacto com outras texturas sonoras, brinquem e sejam

criativas nas diferentes possibilidades de reprodução de som.

“Young children engage with music in a range of ways. They engage

physically as they move, dance, dramatize, or play instruments. They

engage vocally as they sing, chant, or make vocal sound effects and

socially as they observe, imitate, lead, engage in dialogue, and take

turns with others. (…) All these forms of engagement, which are also

forms of play, can lead children to developing musical understandings

and skills.” (Niland, 2009, p. 19).

3.4 Comunicação Não-Verbal

A partir do momento em que começou a existir vida em sociedade, os

seres humanos passaram a ter necessidade de comunicar uns com os outros.

A comunicação é o processo de transmitir e receber informações de um recetor

e pode ser realizada de forma verbal ou não-verbal. Segundo Davis (1979),

antes da evolução do código da linguagem, o ser humano comunicava através

do corpo, gestos e grunhidos. A partir do momento em que foi desenvolvida a

comunicação verbal, passamos a usar esses dois tipos de comunicação.

Segundo Corraze (in Mesquita, 1997), a comunicação não-verbal é um

meio de transmitir informação através do corpo (fisiologia e movimentos) e da

imagem do Homem (roupas, cicatrizes, tatuagens).

Argyle (1978), defende que a comunicação não-verbal é feita através de

expressões faciais, olhar, gestos, movimentos, contacto corporal,

comportamento e aspeto físico. Os gestos e os movimentos fazem parte da

comunicação que o indivíduo utiliza para expressar as suas emoções e

personalidade.

Segundo Brannigan e Humphries (1981) (in Sestini, 2008), normalmente,

as crianças de 3 e 4 anos utilizam a comunicação verbal para falarem com os

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adultos, mas é comum usarem, maioritariamente, a comunicação não-verbal

enquanto brincam em grupo. No entanto, existem crianças que não se inserem

nestes padrões, por sofrerem de perturbações na comunicação e linguagem.

Nestes casos a música, por ser um tipo de comunicação não-verbal, pode

facilitar a comunicação e levar à vocalização. Segundo Kirk e Gallagher (2002)

(in Gomes & Simões, 2007), as crianças com patologias como a deficiência

mental, dificuldades de aprendizagem e surdez apresentam distúrbios de

comunicação ao nível da articulação e linguagem.

Segundo Benenzon (1988), o mundo não-verbal contém altura, timbre,

intensidade, densidade, volume e lugar. É isto que permite o reconhecimento

de uma mensagem, através de estímulos sonoros. Assim sendo, a música

pode ser vista como uma forma de linguagem (através de símbolos) ou como

uma fonte de expressão (através das emoções transmitidas). A música tem um

papel fundamental na comunicação, principalmente em crianças que sofrem de

perturbações da linguagem geradas por algum tipo de patologia. Nestes casos,

o trabalho com música é focado não nos aspetos convencionais daquilo que é

vulgarmente aceite como música, mas sim na criação de espaços de liberdade

de expressão que permitem formas de comunicar, usando o movimento, a voz

e instrumentos convencionais e não-convencionais. Para Bang (in Gomes &

Simões, 2007), a música estabelece comunicação sobretudo a nível emocional,

promovendo assim, o desenvolvimento da comunicação verbal.

Para Alvin (2005) (in Gomes & Simões, 2007), a música instrumental

desenvolve a cognição, a motricidade, a afetividade e a socialização, pois

através da audição e experimentação em grupo, as crianças com perturbações

linguísticas conseguem transmitir emoções sem precisarem de falar. A música

vocal permite que as crianças utilizem a voz e o corpo como instrumento

musical e que desenvolvam capacidades de expressão linguística.

A comunicação e interação com crianças com perturbações na

linguagem, pode e deve ser feita pelos educadores musicais. Todavia, segundo

Ruud (1990), é necessário analisar, compreender e garantir que a evolução

destas crianças se faz de forma eficaz, sendo essa a função dos

musicoterapeutas.

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A musicoterapia pretende resolver problemas no desenvolvimento do

indivíduo, usando a música e o movimento como meio de comunicação.

Através de quatro ferramentas básicas: a música, os sons, a voz e os

instrumentos musicais, o musicoterapeuta consegue diagnosticar e

compreender os sintomas de um paciente. Assim, a musicoterapia pretende:

organizar e estabelecer limites, desenvolver a perceção e cognição,

desenvolver a motricidade, aumentar a atenção e orientação, e diminuir a dor

(se for esse o caso) (Robb & Carpenter, 2009).

Deste modo, a musicoterapia passa por três etapas: a avaliação

diagnóstica, o tratamento e a avaliação. Na fase do tratamento, o

musicoterapeuta pode intervir de forma direta (definir as atividades da sessão),

ou indireta (aguardar a iniciativa do paciente para definir as intervenções)

Nesta fase, o corpo funciona como instrumento musical na realização de

atividades como: cantar, tocar instrumentos, improvisar, ouvir música e realizar

jogos musicais (Kim, Wigram, & Gold, 2009). As respostas por parte dos

pacientes a estas atividades e estímulos podem resultar: do corpo (andar,

correr, dançar), da emotividade (chorar, rir), do organismo (corar, relaxar), da

comunicação através da expressão sonora (gritar, cantar, vocalizar, gesticular,

movimentar) e da conduta (condicionar determinadas ações) (Benenzon,

1988).

No caso de indivíduos que perderam a capacidade auditiva, a

musicoterapia pode estimular a capacidade auditiva através do corpo (tato),

sentindo as suas vibrações sonoras (Benenzon, 1988). Os sinais e símbolos

são muito usados na musicoterapia, quando os indivíduos reagem/respondem

a eles, significa que estão preparados para comunicar. Assim sendo, quanto

mais elementos não-verbais acompanharem um símbolo, melhor será o seu

entendimento e, consequentemente, comunicação (Benenzon, 1988).

Considero importante conhecer estratégias de comunicação e perceber

o valor da musicoterapia, principalmente por ter trabalhado com crianças com

dificuldades de comunicação verbal. Contudo, enquanto professora de música

e dando uma maior atenção ao “fazer” musical, não tenho conhecimentos

suficientes na área da musicoterapia para considerar o meu projeto terapêutico.

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4. Descrição do Projeto

4.1 Instituição

O CPSSMA5 está localizado na vila de Avanca, concelho de Estarreja. A

instituição nasceu da necessidade da Paróquia em ter um Centro que pudesse

prestar apoio à catequese e a grupos paroquiais. Para além das salas de

reuniões, foram também criados uma biblioteca, um museu e um auditório.

Quando o projeto nasceu, há mais de 35 anos, as professoras da Escola

Básica do Mato de Avanca, pediram à Segurança Social um ATL (Atividades de

Tempos Livres), para as crianças que não tinham onde ficar desde o término

das aulas até à saída dos pais do local de trabalho. Consequentemente, após

10 anos, foi criado um ATL nas instalações da cantina da Escola Básica do

Mato. Algum tempo mais tarde, passou para as instalações do Centro

Paroquial, que edificou obras para poder abarcar um maior número de

pessoas. Seguidamente, houve necessidade de criar uma creche e um jardim

de infância, para acolher as crianças que não tinham lugar noutras instituições.

Numa fase final, quando as obras estavam praticamente acabadas, o espaço

foi adaptado para poder incorporar um lar de idosos.

Atualmente, o Centro Paroquial tem acordos com a Segurança Social,

que financia esta instituição nas diversas áreas: Creche, Ensino Pré-Escolar,

ATL do primeiro e segundo ciclo do ensino básico, Lar de Idosos, Centro de

Dia, Apoio Domiciliário e Intervenção Comunitária. Além da parte social, o

Centro suporta a Paróquia, acolhendo vários grupos e cedendo o espaço para

as reuniões de catequese e escuteiros.

5 Todas as informações relativas à instituição foram retiradas do sítio da internet oficial do

CPSSMA: http://centro-avanca.com/

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4.2 Participantes

Os 20 participantes deste projeto pertencem à turma da Sala Verde do

ensino pré-escolar do CPSSMA. Das 20 crianças, 10 são do sexo feminino e os

restantes 10 do sexo masculino. As idades estão compreendidas entre os 4 e

os 7 anos, sendo que a maioria tem 6 anos.

Ao longo das sessões, fui dando uma maior atenção a três meninos que

apresentavam capacidades de comunicação verbal muito reduzidas, sobre os

quais irei falar mais à frente. Tendo em conta que não consegui a autorização

dos encarregados de educação para a partilha dos nomes dos alunos, este

documento não irá conter qualquer informação que desrespeite a proteção da

identidade das crianças.

4.3 Metodologias

➢ Investigação-Ação

Este trabalho alicerça-se numa experiência musical com crianças da pré-

escola que envolveu a minha participação ativa em todo o processo de

construção e execução. A metodologia de Investigação-Ação apresenta as

características que mais se adaptam ao trabalho que pretendi desenvolver.

Este tipo de metodologia pode ser representada como uma família de

metodologias de investigação que sofrem mudança (ação) e compreensão

dessa mesma ação (investigação) (Coutinho, 2014).

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Fernandes (2006), explica-nos que esta metodologia se orienta mediante

a mudança e a aprendizagem que resulta dessa mesma mudança,

desenvolvendo-se numa espiral de ciclos de ação, observação e reflexão

(figura 1). Esses ciclos são aperfeiçoados até chegarmos ao resultado

pretendido.

Figura 1 - Ciclo de Ação-Reflexão (Coutinho et al., 2009)

Desta forma, a investigação-ação é uma metodologia de pesquisa

essencialmente prática, que serve como forma de ensino em si mesma

(Coutinho, 2014). Isto é, a procura do caminho para soluções mais benéficas

dá ao investigador novos conhecimentos a cerca da própria investigação.

Castro (2012), enumera algumas das principais características desta

metodologia referidas por Cohen & Manion (1994) e Descombe (1999):

• Participativa e colaborativa – todos os participantes na

investigação são ativos no processo de resolução de

problemas;

• Prática e interventiva – a ação prática tem de estar ligada à

mudança deliberada dessa mesma ação;

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• Cíclica – a investigação é realizada em espiral, alternando

entre a teoria e a prática, de forma a haver mudanças

positivas nos ciclos seguintes;

• Crítica – os participantes são agentes críticos sobre tudo o

que fazem para melhorar a investigação. As mudanças

acontecem não só na investigação, mas também nos

próprios participantes.

• Autoavaliativa – as mudanças são continuamente avaliadas,

de forma a produzirem novos conhecimentos.

Posso afirmar que o meu projeto se enquadrou mais nas características

prática e interventiva e cíclica. Prática e interventiva porque as atividades iam

sendo alteradas e moldadas, ao longo de toda a sessão, de acordo com a

necessidade e concentração dos intervenientes. E cíclica pois planeava as

sessões, executava o que tinha planeado (ainda que pudesse estar sujeito a

alterações) e voltava a pensar e a planear atividades que melhor se

adaptassem à aprendizagem daquelas crianças.

➢ Ferramentas de Registo

A principal ferramenta de registo utilizada ao longo do projeto foi a

redação de um Diário de Bordo (DB)6, cuja escrita é, predominantemente, feita

num registo informal. Todos os dados recolhidos resultaram da observação

direta da análise própria de cada situação. Neste diário pude relatar,

cronologicamente, os acontecimentos em tempo real, nomeadamente as

reuniões com o corpo docente da instituição; a descrição das sessões e ideias

para as sessões seguintes; as reações e respostas das crianças; as minhas

motivações, incertezas, experiências e reflexões pessoais; bem como a minha

relação interpessoal com todas as crianças.

De modo a não comprometer o registo escrito e de forma a retirar o

máximo de informações das sessões, gravei algumas sessões apenas para

6 Segundo Bogdan e Biklen (1994) (in Lopes, 2017), o DB é um relato escrito pelo investigador, ao longo da sua investigação, sobre tudo aquilo que ouve, vê, experiencia e pensa.

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uso próprio, pois não consegui obter as autorizações dos encarregados de

educação para partilhar a identidade dos alunos. O DB encontra-se, na sua

íntegra, no Anexo I.

Para além destas ferramentas, tirei muitas fotografias ao longo de todo o

projeto (também para uso próprio), de forma a poder rever os detalhes das

sessões. No fim do projeto realizei uma entrevista semiestruturada7 à terapeuta

da fala, visto ela ter assistido a uma das sessões com os três meninos com

problemas de comunicação verbal e termos conversado, várias vezes, sobre

cada um dos casos. Esta entrevista serviu para conhecer a sua opinião de

especialista acerca do impacto que o meu projeto possa ter no

desenvolvimento da comunicação destas crianças. A entrevista não pôde ser

transcrita na íntegra, pois inclui informações clínicas que a terapeuta não está

autorizada a partilhar. Posto isto, algumas partes dessa entrevista encontram-

se no Anexo II.

4.4 Calendário das Sessões

As sessões realizaram-se ao longo de cinco meses, entre janeiro e maio

de 2019. Inicialmente, tinha definido um limite de 10 sessões, porém ao longo

do projeto, cheguei à conclusão que, para obter a profundidade que queria,

precisaria de mais sessões. Consequentemente, resultaram um total de 15

sessões com a duração média de uma hora, sujeito ao tempo de concentração

das crianças. A tabela 1 apresenta a calendarização das sessões organizada

em duas fases, de acordo com o facto de eu ter realizado um conjunto inicial de

7 sessões com o grupo alargado a que seguiu um outro conjunto de 8 sessões

especialmente dirigidas às três crianças com dificuldades de comunicação

verbal.

7 A entrevista semiestruturada combina perguntas previamente definidas (fechadas) com perguntas que ocorrem no decorrer da conversa (abertas), num contexto muito parecido ao de uma conversa informal (Boni & Quaresma, 2005).

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1ª Fase

20 Alunos da Sala Verde

7 sessões:

14, 21 e 28 de janeiro

11, 13 e 18 de fevereiro

18 de março

2ª Fase

Os Três Meninos Coloridos

8 sessões:

20, 25 e 27 de março

01, 03, 17 e 29 de abril

06 de maio

Tabela 1 - Calendarização das Sessões do Projeto

Tentei calendarizar todas as sessões às segundas-feiras (ou

excecionalmente às quartas-feiras) com início às 10 horas. Todavia, devido às

atividades do centro paroquial, interrupções letivas e compromissos pessoais,

houve semanas em que não fui fazer sessão. Para o fim do projeto fui com

mais regularidade, sendo que houve semanas em que ia duas vezes

(segundas e quartas-feiras).

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5. Implementação do Projeto

Contrariamente ao que fiz no projeto de voluntariado com o programa

ESTA Integra, desta vez, quis usar o saxofone como recurso principal no meu

projeto, dando oportunidade às crianças de conhecerem o instrumento e a mim

própria de explorar novas formas de interagir musicalmente, sem estar

dependente de partituras ou de repertório pré-estabelecido. Quis também,

explorar diferentes sonoridades com as crianças, realizar atividades lúdicas

como forma de organizar a interação musical e criar momentos de

comunicação únicos através da música.

Decidi que queria evoluir enquanto música e como futura professora de

saxofone e que era importante procurar um caminho pessoal, mais do que

seguir uma linha ou pedagogia pré-estabelecida por um autor específico. Para

isso era essencial explorar as minhas próprias ideias, as diferenças que

poderiam surgir, nomeadamente pelo facto de ser saxofonista, e portanto, tive

de fazer com o que o meu instrumento fosse o impulsionador de todos os

momentos musicais e comunicativos. Desta forma, toquei muito ao longo de

todo o projeto, toquei vários géneros de música, improvisei e imitei, e criei

brincadeiras musicais colocando o saxofone em primeiro plano, com o objetivo

de me aproximar, a mim e ao meu instrumento, daquelas crianças. Pela

primeira vez não ensinei as crianças a tocarem, mas sim, usei o saxofone

como um recurso musical lúdico e de comunicação.

5.1. 1ª Fase – 20 Alunos da Sala Verde

Esta primeira fase contou com a participação das 20 crianças da Sala

Verde. Levei para todas as sessões uma linha orientadora das atividades que

queria realizar, sabendo que o rumo das mesmas poderia ser alterado

consoante as vontades e necessidades dos participantes.

Nestas sessões estive sempre acompanhada pela auxiliar e/ou

educadora, tendo todos os objetos da sala de jardim de infância ao meu dispor.

Na sétima e última sessão desta fase, convidei o professor Paulo Rodrigues

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para participar ativamente, ajudando-me a criar novas atividades e estratégias

musicais.

A longo prazo, o principal objetivo foi ganhar proximidade e confiança

com todas as crianças de modo a introduzir a música e as diferentes formas de

a fazer nas suas idades. Ao longo das sessões fui definindo objetivos a curto

prazo, tais como:

✓ Perceber que o silêncio faz parte da música;

✓ Estimular a escuta ativa para diferentes sons e

pormenores;

✓ Iniciar processos de imitação;

✓ Ter a oportunidade de improvisar e explorar diferentes

sons;

✓ Adquirir pulsação e ritmo: saber movimentar e percutir o

corpo segundo a música que se ouve;

✓ Criar atmosferas lúdicas com a música;

✓ Conhecer novos instrumentos;

✓ Sentir-se parte do projeto.

Para que tudo isto fosse possível, recorri a vários recursos musicais,

instrumentais e estratégicos (que serão detalhadamente explicados mais à

frente). Desta forma, utilizei duas músicas tradicionais portuguesas: As

Pombinhas da Catrina e O Balão do João, e três músicas do Manual para a

Construção de Jardins Interiores8 da Companhia de Música Teatral9 + Projeto

8 O Manual para a Construção de Jardins Interiores contém 3 publicações que se regem segundo a teoria da aprendizagem musical de Gordon, são elas: Colos de Música, Colos da Terra e Colos dos Bichos. (Companhia de Música Teatral & Projeto Opus Tutti, 2016).

9 A Companhia de Música Teatral tem como objetivo a realização de projetos artísticos e educativos na área da música, tendo como ponto de partida a interação e comunicação artística por meio do teatro musical. Sítio da internet oficial da Companhia de Música Teatral: http://www.musicateatral.com/.

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Opus Tutti10: Plic Ploc, Dorme, Dorme, meu menino e Cavalicoque. Para além

destas músicas, criei quatro músicas ao longo do projeto, com a ajuda de todos

os participantes, que se intitularam: Os Sons da Chuva, Música do Pato,

Malhão da Sala Verde e Relógio da Sala Verde. Além da voz, recorri a

instrumentos como o saxofone, tubalões, caixas de madeira, kalimba,

vassouras e sinos. Tendo todos estes recursos disponíveis, criei estratégias

como a “estátua” e o “saxofone mágico”, e utilizei estratégias já existentes, tais

como: a imitação, a improvisação, a movimentação corporal, o brincar/jogar,

tocar e cantar para as crianças, dar a conhecer novos instrumentos musicais e

dar importância às crianças individualmente.

5.1.1. Descrição das Sessões

A descrição cronológica e detalhada das sessões pode ser vista no

Anexo I (DB). O objetivo deste ponto 5.1.1. é proporcionar um relato mais

resumido e já incorporando elementos reflexivos.

A minha apresentação às crianças da Sala Verde foi feita a tocar

saxofone, um instrumento que provavelmente era desconhecido para elas.

“(…) ficaram todos muito atentos e impressionados com o som

do saxofone, pois provavelmente nunca nenhum deles tinha

ouvido um instrumento assim tão perto (…)” (DB, 14 de

janeiro).

Na primeira sessão decidi tocar músicas tradicionais portuguesas,

conhecidas por todos, como As Pombinhas da Catrina e O Balão do João. O

objetivo era que as crianças percebessem que tinham de imitar aquilo que eu

tocava, cantando simultaneamente (sem letra, numa primeira fase). Desde

esse momento, percebi que o canto era uma competência difícil de adquirir

10 O Opus Tutti foi um projeto da Companhia de Música Teatral, dirigido a crianças da primeira infância, que procurou desenvolver “aspetos sensoriais, motores, emocionais, afetivos, intelectuais, cognitivos e espirituais”. Teve como objetivos criar modelos e estratégias de ensino na infância, assim como dar oportunidade de participar no ambiente artístico, interagindo e partilhando conhecimentos com outros indivíduos. Este projeto deu a origem a várias publicações, entre as quais o Manual Para a Construção de Jardins Interiores. Toda a informação foi retirada do sítio da internet oficial da Companhia de Música Teatral: http://www.opustutti.com/p/blog-page.html.

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numa primeira instância, por isso introduzi outro tipo de atividades, para que a

voz cantada fosse sendo adquirida mais progressivamente. Posto isto, criei um

momento rítmico de percussão corporal e sons vocais ao qual chamei Os Sons

da Chuva.

Os Sons da Chuva foi uma música criada pela improvisação de

percussão corporal e sons vocais que faziam lembrar a chuva. Esta música foi

utilizada no início de quase todas as sessões, como forma de aquecimento

(através da percussão corporal), sendo que de sessão para sessão introduzi

novos sons. Para além disso, serviu muitas vezes para acalmar a agitação das

crianças, criando texturas sonoras suaves com os sons do corpo e sons vocais

sussurrados. Com esta improvisação, notei que ao longo das sessões, as

crianças desenvolveram rapidez na imitação e resposta, sensibilidade de

pulsação rítmica e puderam explorar novos sons.

Como líder e participante do projeto queria envolver, ao máximo, as

crianças nesta experiência, o que se mostrou um desafio. Por conseguinte,

quando lhes apresentei o saxofone (instrumento que não sabiam como se

chamava), pedi que me dissessem que outra coisa lhes fazia lembrar. No meio

de tantas respostas, quase todas as crianças concordaram que o formato do

instrumento se parecia com um pato. E desta forma criei a Música do Pato.

A Música do Pato é um canto rítmico em métrica binária, cujo as sílabas

da letra estão associadas ao ritmo (sendo que este nasceu através da letra)

(figura 2).

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Posteriormente foi inventada uma coreografia através da improvisação

corporal de todos os participantes, de modo a que decorassem a letra mais

rapidamente e ganhassem liberdade na movimentação corporal. Esta música

foi explorada em várias sessões, tendo uma secção de improvisação rítmica

em que todas as crianças podiam criar diferentes ritmos enquanto imitávamos

a forma de andar de um pato. Penso que a Música do Pato fez com que as

crianças se sentissem mais integradas no projeto, não só por ter sido feita a

pensar nelas, mas também por lhes dar a liberdade de descobrir novos ritmos,

dando-lhes o protagonismo de liderança do grupo quando iniciavam um novo

ritmo e os restantes imitavam.

Foram ainda criadas outras duas músicas na última sessão desta fase:

Malhão da Sala Verde e Relógio da Sala Verde, com a colaboração do

professor Paulo Rodrigues.

“(…) conseguimos que as crianças seguissem as nossas

regras e criamos muita música em conjunto.” (DB, 18 de

março).

Figura 2 - Música do Pato

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O Malhão da Sala Verde foi criado a partir de uma melodia inventada

por duas crianças com a estratégia do “saxofone mágico” (que irei explicar na

página 62). É uma música para saxofone, vassouras percutidas numa caixa de

madeira (pelo professor) e coro (crianças). Após várias repetições e

improvisações, a música estruturou-se da seguinte forma: secção coral na

sílaba “ah” em semínimas, introdução de saxofone, duas vezes o tema no

saxofone, duas vezes o tema cantado pelas crianças, acabando com um “shh”

(como forma de sinalizar as duas vezes). Toda a música foi acompanhada pelo

professor com diferentes ritmos das vassouras percutidas na caixa de madeira.

Esta música encontra-se na tonalidade de Dó Maior (jónico) e tem métrica

binária. Sendo o saxofone um instrumento transpositor (em mi bemol), é

importante referir que a tonalidade correspondente a Dó Maior é Lá Maior

(figura 3).

Foi uma música que se estruturou de forma improvisada com a

colaboração de todos os participantes, e ao fim de algumas repetições,

conseguimos chegar todos juntos ao resultado final.

Figura 3 - Malhão da Sala Verde

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O Relógio da Sala Verde foi uma música criada através de um jogo

entre som e silêncio. Estruturou-se da seguinte forma: quando eu e o professor

tocássemos sinos e caixas de madeira as crianças deviam dizer “tic tac” (figura

4), quando parássemos elas deviam cantar como um sino (figura 5).

Com este jogo conseguimos desenvolver a concentração e audição das

crianças para a alternância entre som e silêncio, respondendo com dois

motivos diferentes.

De sessão para sessão, procurei sempre apresentar-lhes algo novo, pois

perdiam rapidamente o interesse nas atividades que já conheciam. Para isto,

recorri a três músicas do Manual para a Construção de Jardins Interiores:

Plic Ploc é uma canção que integra os Colos da Música e foi uma das

mais usadas nesta fase do projeto. Está no modo frígio e é em métrica binária.

Pelo facto de a letra estar associada ao tema da chuva, esta música veio

complementar Os Sons da Chuva. Tal como na Música do Pato, criamos uma

coreografia gestual associada ao texto, de forma a que as crianças

memorizassem a letra e movimentassem o corpo de acordo com o que ouviam.

Contém também uma secção inicial e final mais livre, com jogos rítmicos nas

onomatopeias “plic ploc” e “atchim”, onde nos pudemos imitar uns aos outros.

Figura 4 - Secção "Tic Tac" do Relógio da Sala Verde

Figura 5 - Secção “Ding Dong” do Relógio da Sala Verde

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Era sempre muito difícil gerir as vontades das crianças, pois não as

conseguia manter interessadas e concentradas por muito tempo. Quando

deixavam de se interessar pelas atividades diziam que estavam cansadas e

com sono, acabando por não fazer mais nada. Indo ao encontro deste

comportamento, apresentei-lhes numa das sessões a canção Dorme, dorme

meu menino, uma canção tradicional portuguesa que faz parte do Colo da

Terra, que se encontra em modo maior e métrica binária. Com esta estratégia,

consegui que as crianças se acalmassem e se concentrassem na audição

daquilo que eu estava a cantar.

“Pedi que se abraçassem e baloiçassem enquanto eu cantava,

fingindo que estavam a adormecer.” (DB, 18 de fevereiro).

Cavalicoque é uma canção em modo lócrio e em métrica ternária, e

integra o Colo dos Bichos. Tal como o Plic Ploc, tem uma parte de canto rítmico

baseado em onomatopeias. Esta música foi apresentada na última sessão

desta fase e deu origem ao seguinte jogo: o professor percutiu com uma

vassoura numa caixa de madeira, enquanto eu e a educadora marcamos o

tempo percutindo as vassouras no chão. Tendo este ritmo como base, demos a

oportunidade a alguns meninos de imitarem um cavalo a andar, e quando

imitassem o relinchar do cavalo, todos tínhamos de parar de tocar. Desta

forma, conseguimos fazer com que as crianças que imitaram o cavalo se

sentissem protagonistas nesta atividade. Numa segunda fase, fizemos o jogo

ao contrário: as crianças batiam com as mãos nas pernas enquanto eu tocava

saxofone pela sala (imitando um cavalo a andar), e quando eu tocasse um

sobreagudo (imitando o relinchar do cavalo) elas deviam fazer silêncio.

“Todas as crianças respeitaram muito bem este jogo de música

e silêncio, sendo este um objetivo (…)” (DB, 18 de março).

Segundo Gordon (1997) (in Rodrigues, 2000, p. 33), as crianças devem

experienciar e ouvir outros modos para além do maior e menor. As músicas

Plic Ploc e Cavalicoque, nos modos frígio e lócrio (respetivamente), permitiram

explorar esta ideia.

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Ao longo do projeto fui descobrindo e adotando as estratégias que

melhor funcionavam com aquelas crianças. Esta descoberta foi realizada de

sessão para sessão, tendo em conta todas as reações das crianças às

atividades propostas. Posto isto, consegui perceber quais as estratégias e

atividades em que elas sentiam mais interesse, e assim, pude explorá-las.

A “estátua” foi uma estratégia que resultou muito bem ao longo de todo

o projeto. Consistia em que todos ficássemos imóveis, como uma estátua,

quando eu dissesse a palavra “estátua” a meio de uma música. Esta estratégia

foi muito utilizada para acalmar as crianças, mas também como um jogo para

que percebessem a importância do silêncio. Por vezes, quando discutiam,

pedia que fizessem estátuas em conjunto, por exemplo dando abraços (todas

as crianças adoravam esta interação).

Outra das estratégias que fui adotando foi a de tocar e cantar para as

crianças, muitas vezes começando de forma suave como um fundo sonoro

que estabelecia progressivamente um ambiente calmo, que as convidava a

darem-me atenção ou a pararem durante um momento para me ouvir.

A imitação foi uma estratégia que esteve presente em todas as

atividades desde o início ao fim do projeto. É uma estratégia muito eficaz com

crianças destas idades, pois muitas vezes não compreendem aquilo que

explicamos verbalmente. Assim sendo, exprimia-me muito através de gestos

corporais e musicais. Esta competência foi desenvolvida muito rapidamente por

elas, ajudando-as a saberem, desde cedo, responder de forma musical, ou

seja, a usar a música em vez de palavras. Tentava que falássemos o mínimo

possível, o que nos obrigava a expressar e comunicar não-verbalmente através

da música. Por vezes era eu que imitava as crianças, tentando interagir e

dando importância aquilo que elas faziam e inventavam.

“(…) toquei harmónicos, e eles associaram logo a pássaros, e

aí disse que só podiam falar em “passarês” uns com os outros.

Pedi que se levantassem e imitassem um pássaro, falando com

os colegas enquanto eu tocava.” (DB, 18 de fevereiro).

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Para além disto, tentei criar momentos de improvisação e movimentação

corporal e vocal livres. A forma mais fácil de conseguir isto foi enquanto tocava

saxofone. Tocava várias melodias e efeitos sonoros enquanto as crianças

imitavam os sons que eu reproduzia e associavam movimentos corporais aos

mesmos. Esses movimentos corporais ajudaram-nas a sentir a pulsação

rítmica. Para além disto, houve muita liberdade no início de todas as sessões

(no aquecimento), onde cada um era livre de criar novos sons e ritmos.

O “saxofone mágico” foi uma estratégia criada na última sessão desta

fase, que consistia em as crianças cantarem para dentro da campânula do

saxofone e eu imitar, tocando o que elas tinham cantado. Esta estratégia

funcionou como um jogo de ecos e imitações, o que entusiasmava as crianças

a quererem continuar a cantar para dentro do saxofone, pois ficavam com

curiosidade e expectantes em relação ao som que iriam ouvir como resposta.

Esta brincadeira deu-lhes liberdade de expressão na criação de novos gestos

sonoros, atenção auditiva e reconhecimento pessoal como parte integrante do

projeto.

Percebi desde cedo que só me conseguiria aproximar das crianças de

uma forma: a brincar. Desde o início do projeto que sempre brinquei muito

com as crianças, ou no início ou no fim da sessão. Sentia, porém, que

precisava de mais tempo para me igualar e relembrar como é ver o mundo

como elas o veem. Senti também a necessidade de brincar de forma mais livre

e num contexto que não tinha que estar relacionado com a minha função

musical. Posto isto, na quinta sessão fui até à Sala Verde apenas para brincar.

“(…) sempre que me chamavam de professora eu dizia para

me chamarem por Carla, de forma a tentar aproximar-me mais

deles, sem haver essa relação de distância de professor –

aluno. Quero estar ao nível deles e nunca acima.” (DB, 13 de

fevereiro).

Apercebi-me que lhes devia expor as atividades como jogos para que

não perdessem o interesse e pensarem no desafio de superar o jogo.

Considero que o facto de ter brincado com as crianças me deu muitas ideias de

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jogos musicais e liberdade criativa. Descobri que brincar com “carrinhos” ou

desenhar pode inspirar uma improvisação ou estruturar uma atividade que

englobe simultaneamente o ato de brincar e a presença da música.

“(…) posso concluir que brincar com elas é a forma mais fácil

de me aproximar.” (DB, 13 de fevereiro).

Um dos exemplos de jogos musicais foi o jogo do arco íris. Este jogo

foi inventado pelo professor: enquanto o professor tocava kalimba, uma das

crianças colocava um papel com uma cor, no chão. Posteriormente, a criança

tocava numa das cores de forma dançada e interpretada (com as mãos ou os

pés) e para cada cor eu tocava um som diferente. Este jogo despertou

entusiasmo em todas as crianças, provocando-lhes interesse em ouvir o som

correspondente a cada cor.

Para além de todas estas estratégias, desde o início do projeto que tive

o objetivo dar a conhecer aquelas crianças instrumentos convencionais

(saxofone, kalimba, sinos), mas também não convencionais, de forma a que

todos pudessem ter a experiência de reproduzir som e sentir fisicamente o que

é tocar um instrumento musical. Assim sendo, resolvi fazer experiências de

construção de instrumentos com materiais do quotidiano. Todas essas

experiências encontram-se registadas em texto e imagem no Anexo III.

Comecei por tentar criar um saxofone com tubos de PVC. Primeiramente

precisava de ter uma espécie de boquilha e palheta, para que houvesse

vibração. A “boquilha” foi feita com tubo PVC e a palheta com diferentes tipos

de plástico (plástico de garrafa de água e de encadernações). Porém, após

várias tentativas, percebi que:

“(…) é muito difícil obter som com qualquer tipo de plástico,

sendo que o tubo também é muito largo e dificulta o processo

de vibração do plástico. Posto isto, considero que não é viável

dar um instrumento deste a crianças”. (Anexo III).

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Persisti na minha ideia de criar instrumentos de sopro para aquelas

crianças e decidi recorrer a um instrumento mais fácil de tocar: o tubalão (um

dos “instrumentos” do Super-Sonics).

O tubalão é um instrumento de sopro feito com um tubo PVC e um

balão colocado na extremidade do tubo juntamente com um tubo de

eletricidade (Anexo III). O som é reproduzido pela vibração do balão e a altura

da nota depende do comprimento do tubo PVC (figura 6). Assim sendo,

comecei por fazer 11 tubalões com alturas indefinidas, mas desde cedo percebi

que não seria necessário fazer mais, pois as crianças não conseguiam

reproduzir som sozinhas, visto que estavam sempre a mudar a posição do

balão.

“No geral, tiveram muitas dificuldades em tirar som desse

instrumento, pois posicionavam incorretamente o tubo em

relação à boca, pondo as mãos por cima do balão,

impossibilitando-o de vibrar.” (DB, 18 de fevereiro).

Usei os tubalões em várias circunstâncias, seja apoiando as crianças na

procura de formas de produzirem os seus próprios sons, seja usando-os como

recurso complementar ao saxofone. Uma das minhas principais preocupações

durante todas as sessões foi dar importância a cada criança como participante

Figura 6 - Exemplo de Tubalão

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única, ou seja, tentei pôr em prática a ideia de colocar o aluno no centro da

aprendizagem. Queria que cada uma das crianças se sentisse valorizada na

participação do projeto. É claro que muitas vezes foi difícil dar protagonismo a

todas as crianças, mas tenho a certeza que essa abordagem terá contribuído

para o sentimento geral de que as sessões eram espaços e momentos onde as

crianças se sentiam bem.

5.1.2. Relações Pessoais

Independentemente das questões intrínsecas à natureza musical deste

projeto, sentia que todas as crianças gostavam muito de mim e das

brincadeiras que eu realizava com elas.

“(…) acho que as crianças gostam todas muito de mim. Sinto

que estão a ganhar confiança comigo, pois querem-me abraçar

e ficar à minha beira quando fazemos as atividades. Fico muito

feliz por isso!” (DB, 21 de janeiro).

Desde a primeira sessão, percebi que para haver ordem na sala, a

educadora e a auxiliar punham as crianças de castigo, sentadas à parte. Penso

que fui conquistando a confiança de todas as crianças por lhes ter dado a

liberdade que elas não tinham, por vezes.

“(…) pedi à educadora para ser eu a ter total responsabilidade

pelo decorrer das atividades. Por um lado, queria ter a

consciência do que era estar totalmente sozinha com tantas

crianças, e por outro lado, não queria que a educadora as

pusessem de castigo por mau comportamento ou por não

respeitarem o que lhes pedia, pois neste tipo de projetos não

há o certo e o errado, apenas o livre desenvolvimento da

imaginação e a aproximação humana.” (DB, 21 de janeiro).

Ainda assim, nem sempre foi fácil gerir o comportamento de 20 crianças

numa sala, pois eram muitas as vezes que se distraíam ou discutiam.

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“(…) já só metade da turma é que estava atenta, os outros

meninos estavam à luta, aos empurrões e discussões no fim da

sala.” (DB, 28 de janeiro).

Nestas alturas, tentava acalmá-los da melhor maneira que conseguia,

pedindo-lhes para se abraçarem em vez de discutir.

“(…) tentei sempre resolver as brigas da melhor forma, não

dando muita importância e tentado convencê-los a serem bons

uns com os outros (…)” (DB, 13 de fevereiro).

Ainda assim, por muito que não quisesse, algumas vezes tive de mostrar

assertividade e impor-me em relação ao seu comportamento.

“Contudo, por vezes é inevitável dar uma ou outra ordem para

que o grupo se acalme e preste atenção às tarefas que são

propostas.” (DB, 11 de fevereiro).

Como o meu objetivo nunca foi mandar naquelas crianças, também as

tentava convencer a estarem sossegadas em troca de algo. Como por exemplo

em troca de serem os primeiros a tocar tubalão, serem os líderes de uma

atividade, ou de presentes simbólico (como papéis coloridos).

“À medida que o tempo passava, as crianças foram ficando

cada vez mais agitadas. O professor perguntou “Quem é que

quer um presente?” e todos levantaram o braço a responder

“eu”. Porém, só tinha direito a presente quem se calasse aos

3.” (DB, 18 de março).

Para além desta dificuldade em manter as crianças focadas durante

muito tempo, houve um mês que não fui dar sessões, pois a turma tinha

atividades extracurriculares, ou o centro paroquial estava de férias letivas.

Nesta fase senti-me um pouco desmotivada, pois pensei que se poderiam

esquecer de muitas das coisas que fizemos, ou até de mim.

“Estou com medo que eles se tenham esquecido de mim (…)”

(DB, 11 de março).

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Felizmente, tal não aconteceu e quando regressei à Sala Verde, todas

as crianças me receberam como se me tivessem visto na semana anterior.

Concluindo, posso dizer que a minha relação com estas crianças foi

sempre muito boa. Criei uma ligação muito forte com todas elas e pude

disfrutar de momentos muito alegres com crianças tão pequenas.

“Sinto-me feliz e de coração cheio por poder fazer deste projeto

com crianças tão pequenas e genuinamente verdadeiras (…)

senti também que ganhei uma ligação mais forte com cada

uma delas. Algumas perguntaram-me se eu ia embora,

mostrando tristeza quando eu disse que sim.” (DB, 13 de

fevereiro).

Figura 7 - Fotografia com as crianças da Sala Verde

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5.2. 2ª Fase – Os Três Meninos Coloridos

Durante as sessões da primeira fase fui descobrindo que três dos

meninos tinham algumas características muito diversas dos restantes e percebi

que seria interessante trabalhar com eles num contexto diferente. Decidi, por

isso, criar uma nova fase do projeto após as sete sessões inicias. Estes três

meninos chamaram-me à atenção por serem diferentes de todos os outros,

pois não comunicavam de forma verbal. Um deles tinha um atraso na fala,

outro era parcialmente surdo, e sobre o outro suspeitava-se que sofresse de

mutismo seletivo11. Foi isto que os tornou tão especiais para mim, o serem

diferentes das outras crianças. Teria de arranjar e desenvolver metodologias

alternativas para conseguir comunicar com eles por meio da música o que se

tornaria uma experiência muito desafiante.

Assim sendo, foquei-me nestas três crianças com o principal objetivo de

criar comunicação através da música. Ainda assim, de forma a não deixar as

restantes crianças de parte, durante a segunda fase fui muitas vezes à Sala

Verde (no início ou no fim das sessões) brincar e realizar atividades (da

primeira fase do projeto) com todas as crianças.

Por não ter conseguido obter as autorizações dos encarregados de

educação para a exposição das suas identidades, dei-lhes nomes de cores:

Azul, Dourado e Laranja.

Sendo crianças com problemas a nível de comunicação verbal, os três

têm regularmente sessões de terapia da fala. Deste modo, realizei uma

entrevista à terapeuta da fala, depois dela ter assistido a uma das sessões, de

modo a conhecer melhor as patologias de cada uma destas crianças, assim

como a sua opinião acerca da segunda fase do projeto.

11 De acordo com o Código Internacional de Doenças – 10, mutismo seletivo, ou mutismo eletivo, é definido por uma seletividade determinada na fala, isto é, a criança demostra competências de linguagem nalgumas situações, mas noutras não. Esta variação na demonstração de competências na fala é definida dependendo o contexto, por exemplo, o caso mais recorrente é que uma criança com esta patologia fale com família e amigos mais próximos, mas não fale na escola, nem com estranhos, como é o caso do Laranja. Este transtorno psicológico está normalmente associado à personalidade dos indivíduos, ansiedade social, timidez ou resistência. A musicoterapia e ludoterapia são duas técnicas usadas no tratamento (Menicalli, 2002).

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Para se perceber o trabalho que realizei na segunda fase e as razões

que me levaram a fazê-lo, é importante analisar algumas das impressões que

recolhi nas sessões da fase inicial do projeto.

5.2.1. Observação e Interação na 1ª Fase do Projeto

Na primeira fase do projeto, apesar de ter tentado interagir com estas

três crianças, tornava-se muito difícil pela quantidade de participantes, dar-lhes

a devida atenção.

Desta forma, irei descrever cada um deles segundo as minhas

observações e interações na primeira fase do projeto.

O Azul tem 4 anos e é um menino de etnia cigana que tem um atraso na

fala.

“(…) parece um desenho animado a falar, pois exprime-se

muito através de sons e expressões faciais e corporais.” (DB 13

de fevereiro).

“Desde o início que estabeleci uma boa relação com ele, como

muitas vezes não percebo o que ele diz, comecei a perguntar

se ele estava bem com o gesto de “fixe”, e ele sempre me

responde com outro “fixe”.” (DB, 13 de fevereiro).

O facto de pertencer à etnia cigana pode explicar a dificuldade da

comunicação em português, pois muitas vezes usava palavras em caló (dialeto

da etnia cigana na Península Ibérica).

Reparei desde cedo que era uma criança muito alegre, amorosa e com

bastante energia, que acabava por realizar as atividades imitando os outros,

pois não compreendia bem a finalidade das mesmas.

O Dourado também tem 4 anos de idade e tem problemas auditivos

graves, e, portanto, a sua comunicação verbal é praticamente nula. Pelo que

me foi dito pela educadora, ele foi operado, semanas antes do início do projeto,

para que lhe colocassem um implante auditivo num dos ouvidos, tendo

começado a ouvir com a ajuda de um aparelho auditivo.

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Verifiquei desde cedo que se entusiasmava com sons fortes e tentava

comunicar gritando diferentes sons e onomatopeias. A primeira experiência que

ele teve ao ouvir o som do saxofone foi relatada por mim no diário de bordo:

“Quando comecei a tocar saxofone ele ficou completamente

imobilizado, pois, penso que conseguia ouvir perfeitamente o

som forte deste instrumento e provavelmente nunca tinha

ouvido nada assim. Fui tocar para a frente dele e reparei que

estava com um certo medo. Peguei na sua mão e coloquei-a na

campânula, para que pudesse sentir as vibrações, pois não

sabia ao certo se ele estava a ouvir, e assim podia sentir. Tive

de tocar uma nota grave, pois só assim a campânula vibra.

Desta forma, ele assustou-se e começou a chorar (…)” (DB, 21

de janeiro).

Tentei sempre em todas as sessões guardar um tempo para brincar e

interagir com ele usando sons vocais, pois o saxofone ainda era um

instrumento de que ele tinha medo, apesar de ficar muito atento e surpreendido

sempre que eu tocava.

Interagia com ele a brincar aos “carrinhos” ou a desenhar rabiscos,

imitando muitas vezes aquilo que ele fazia fisicamente, assim como os sons

vocais que reproduzia.

“(…) estava a brincar com os carrinhos no tapete, e comecei a

brincar com ele também, imitando alguns gestos e sons que ele

fazia. Ele ficou muito contente com a minha interação.” (DB, 11

de fevereiro)

“(…) estivemos a rabiscar numa folha. Eu ia imitando o que ele

fazia, mas também tentava que ele me imitasse a mim, por

exemplo: fazia só pontinhos ou só traços, e quando ele

começava a fazer linhas eu seguia com o meu lápis atrás do

dele. Penso que conseguimos comunicar bem um com o outro

desta forma, e para além disso criamos proximidade (…)” (DB,

13 de fevereiro)

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A ligação que estabelecemos foi, desde cedo, muito forte, prova disso

era ele sentir-se feliz com a minha presença e ser muito afetivo, vindo abraçar-

me no início e no fim das sessões. Assim como quando fazíamos atividades

sentados no tapete, ele vinha sempre sentar-se ao meu colo.

“O Dourado tem sempre um lugar fixo onde se costuma sentar,

mas ao ver-me (…) foi sentar-se ao meu colo todo contente.”

(DB, 18 de fevereiro).

Por vezes foi muito difícil incluir o Dourado nas atividades que

realizávamos em grupo. Porém, numa dessas vezes em que estávamos todos

sentados no tapete, ele:

“(…) começou a bater com os pés no chão e eu pedi aos

colegas que o imitassem. Para mim, este foi o ponto alto desta

sessão, ver a alegria dele ao perceber que toda a gente o

estava a imitar, fiquei logo mais animada. Ele começou a tentar

falar de tão feliz que estava, berrando muito alto e agudo.

Também suspirou e fez sons estranhos, fomos sempre

imitando tudo o que ele fazia com os pés, as mãos, a boca e

até mesmo quando ele se levantava. Foi um momento muito

bonito, que me encheu de alegria por ver que todas as crianças

se estavam a divertir e que o Dourado podia fazer parte

fundamental deste projeto, pois por vezes cheguei a sentir-me

culpada por não estar a conseguir integrar bem o Dourado nas

brincadeiras que fazíamos.” (DB, 18 de fevereiro).

Por fim, o Laranja, com 6 anos, é um menino de etnia cigana que não

fala, apenas “diz” sim e não com a cabeça. Foi-me dito pela educadora que

tinha entrado para a turma há pouco tempo e que em casa falava normalmente.

Pelo que observei nas sessões da primeira fase, é um menino muito atento,

envergonhado e desconfiado, além de não falar também não quis participar nas

atividades das primeiras três sessões.

Penso que fui conquistando a sua confiança ao longo das sessões, mas,

ainda assim, quando me dirigia a ele, mostrava-se envergonhado.

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“O Laranja começou a participar nas atividades, mostrando um

sorriso constante ao longo de toda a sessão. Ainda assim,

continua sem falar e sem reproduzir qualquer som vocal.” (DB,

11 de fevereiro).

Mesmo que entenda tudo o que lhe é dito, não se sabe ao certo se fala

corretamente português.

No fim da sétima sessão eu e o professor ficamos um pouco mais tempo

com estes três meninos. O Azul pôde brincar mais um pouco com o “saxofone

mágico”, brinquei às escondidas com o Dourado enquanto reproduzia sons

com o saxofone, e também consegui aproximar-me do Laranja tocando

saxofone encostado ao seu corpo. Desta forma, conseguimos perceber o quão

interessante seria se eu continuasse as sessões apenas com eles os três,

tentando criar e desenvolver métodos de comunicação que se adaptassem

melhor a cada um deles. E assim o fiz.

5.2.2. Descrição das Sessões da 2ª Fase

As três sessões iniciais da 2ª Fase ocorreram nos dias: 20, 25 e 27 de

março de 2019 e justificam uma descrição um pouco mais detalhada.

➢ Sessão nº1

O Dourado não quis participar nesta sessão, nem mesmo quando o

tentei convencer, mostrando-lhe os balões, por isso não insisti e fui com o Azul

e o Laranja para outra sala.

Comecei a sessão por lhes dar um balão, sem lhes ter explicado mais

nada. Começaram a brincar, e sempre que um deles batia no balão eu fazia um

slap no saxofone. O Laranja compreendeu muito bem este jogo, porém o Azul

não, então mudei um pouco a forma do jogo:

“Iniciei novamente o jogo de outra forma: quando eles batiam

no balão verde eu fazia slaps e no vermelho fazia harmónicos.”

(DB, 20 de março).

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No entanto, penso que o Azul continuou sem perceber esta

diferença entre sons.

Ao fim de algum tempo, a terapeuta da fala foi chamar o Laranja para ir

para a sua sessão de terapia. Nesse momento tive a oportunidade de falar um

pouco com ela acerca das falhas de comunicação verbal de cada um daqueles

meninos, ficando agendada uma entrevista.

“(…) fiquei a saber que se suspeita que o Laranja sofra de

mutismo seletivo (…). O Azul está muito atrasado na fala, e tem

também atrasos na compreensão, como já tinha dado a

entender nos jogos que tentava fazer com ele. O Dourado é um

caso diferente, pois começou a ouvir há pouco tempo e ainda

não se pode avaliar bem se tem problemas cognitivos.” (DB, 20

de março).

Por fim, fiquei com o Azul, mas não por muito tempo, pois o seu tempo

de concentração é muito curto. Pedi-lhe então que cantasse para o “saxofone

mágico”, porém, ele surpreendeu-me e colocou o balão na campânula,

sentindo as vibrações do saxofone enquanto eu tocava.

“Foi muito interessante ver como ele tinha imaginação para

tanta coisa. Ele falava e eu reproduzia os sons que ele fazia,

sentindo as vibrações nas mãos através do balão.” (DB, 20 de

março)

➢ Sessão nº2

Antes de iniciar a sessão com os três meninos coloridos, fui à Sala

Verde realizar algumas das atividades da primeira fase do projeto com todas as

crianças. Gostaram todos da minha presença, tendo sido muito acarinhada. No

fim, dei-lhes Grasnadores (instrumento do Super-Sonics), para que pudessem

ter um instrumento individual como memória deste projeto.

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O grasnador é um instrumento de sopro feito com um tubo de

eletricidade inserido num balão cortado (figura 8). O som é reproduzido pela

vibração do balão ao soprar através do tubo (Anexo III). Foi um instrumento de

fácil construção e todas as crianças conseguiram tocar.

Seguidamente, iniciei a sessão com os três meninos coloridos. Tentei

fazer novamente o jogo dos balões, do “saxofone mágico” e iniciar brincadeiras

com o grasnador, mas eles perdiam o interesse muito rapidamente, distraindo-

se com outros objetos.

Quis interagir com o Azul várias vezes, durante toda a sessão, mas

mostrou-se uma tarefa muito difícil, pois ele ficava muito concentrado a brincar,

fechado no seu mundo.

Já o Laranja, quando me viu distraída, cantou um pequeno motivo

melódico.

“(…) ouvi-o a cantar uma pequena melodia e apercebi-me logo

que ele tinha vocalizado algo pela primeira vez desde que

estou neste projeto. Consegui ouvir a sua voz pela primeira

vez! Fiquei muito contente e imitei-o logo, cantando igual a ele,

ele apercebeu-se e ficou a sorrir para mim, muito

envergonhado por eu o ter ouvido a cantar. Toquei essa

melodia no saxofone e consegui convencê-lo a cantar esse

motivo melódico para dentro do “saxofone mágico”. Depois de

Figura 8 - Grasnadores

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várias vezes a cantar a mesma coisa, pedi-lhe para cantar

outras melodias, exemplificando, mas ele não quis e saiu da

minha beira.” (DB, 25 de março)

Passado algum tempo, consegui fazer com que ele cantasse outros

motivos melódicos para além daquele que tinha inventado. Deste modo,

consegui ouvir mais vezes a sua voz cantada e fui capaz de perceber que ele

cantava afinado, demonstrando que atenta muito bem em tudo o que ouve.

“(…) aproveitei este momento de concentração para cantar

outros motivos melódicos (…) consegui que ele cantasse mais

alguns motivos para além do inicial.” (DB, 25 de março).

Para além deste avanço na comunicação com o Laranja, consegui

interagir com ele enquanto brincava com os “carrinhos”.

“(…) eu tocava consoante aquilo que ele fazia, por exemplo,

quando o carro batia em alguma coisa eu tocava um slap,

quando o carro perdia velocidade eu fazia um diminuendo. Ele

adorou esta interação e esteve sempre muito interessado e

animado a realizar a tarefa proposta.” (DB, 25 de março).

No meio de tantas brincadeiras, por vezes o Dourado tentava comunicar

comigo:

“(…) começando a dizer sons que eu imediatamente reproduzi

com o saxofone, enquanto andava atrás dele (sempre com

alguma distância, pois ele ainda tinha medo).” (DB, 25 de

março).

Numa dessas vezes, a sua curiosidade pelo instrumento foi maior que o

medo e dirigiu-se a mim enquanto eu tocava.

“(…) começou a mexer nas chaves enquanto eu tocava,

reparando nas mudanças do som. Ficou entretido durante

algum tempo a descobrir todos os sons que iam aparecendo.

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Foi a primeira vez que o Dourado se aproximou tando do

saxofone e começou a perder o medo.” (DB, 25 de março).

Considero que estes foram os pontos mais altos de comunicação com o

Laranja e o Dourado nesta sessão. Infelizmente foi muito difícil captar a

atenção do Azul com tanto movimento na sala.

No fim desta sessão, fui à Sala Verde e fiquei a ouvir as canções que as

crianças cantavam com a educadora. Ao despedir-me das crianças o Laranja

abraçou-me pela primeira vez, o que me deixou verdadeiramente feliz.

“(…) abri os braços ao Laranja na esperança de receber o

primeiro abraço vindo dele, ele parou 2 segundos a olhar para

mim desconfiado, mas depois deu-me um abraço. Fiquei muito

contente, senti que aos poucos vou conquistando a sua

confiança e carinho.” (DB, 25 de março).

➢ Sessão nº3

Convidei o professor e a Sara12 para participarem ativamente nesta

sessão e preparei um conjunto diversificado de materiais para podermos utilizar

(grasnadores, balões, tubos de cartão, tubos de plástico, cartolinas com

representações de animais, caixotes de cartão e tubalões), além, obviamente,

do saxofone.

Estivemos quase toda a sessão numa relação de um para um, pois

eramos três, tal como eles. Brincamos com os grasnadores, balões, tubalões,

tubos, entre outras coisas. Foi muito difícil fazermos todos a mesma atividade,

pois havia sempre um deles que se distraía ou que não queria participar.

12 A Sara é uma colega que também frequenta o Mestrado em Ensino de Música, sob a

orientação do professor Paulo Rodrigues, que tal como eu, desenvolveu um projeto educativo

que explora a comunicação musical em crianças com problemas de comunicação verbal.

Assim sendo, a partilha de ferramentas musicais e a participação nas sessões foi fundamental

para a expansão dos nossos projetos. O relato da minha participação nas sessões do seu

projeto encontra-se no final do DB (Anexo I).

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Decidi tocar o motivo melódico que o Laranja tinha cantado na última

sessão, para que o professor e a Sara pudessem ouvir o Laranja a cantar.

“(…) cantou esse motivo para dentro do “saxofone mágico”,

mas quando reparou que o professor se tinha apercebido, não

quis cantar mais, por não ter confiança. O professor ainda

cantou para dentro do saxofone, mas ele ficou a sorrir muito

envergonhado e não quis repetir.” (DB, 27 de março).

Por vezes, tornou-se bastante difícil a comunicação com eles. Para

ultrapassar essa dificuldade o professor pegou num dos tubos de cartão que

havia na sala e disse “olá” a cada um deles através do tubo, mas ninguém lhe

respondeu. O Laranja achou piada e:

“(…) pegou num tubo de cartão e foi para o fundo da sala olhar

através dele, como se fosse um binóculo. O professor foi logo

imitá-lo e começou a chamar por ele do outro lado da sala, mas

ele não respondeu. A Sara foi buscar um tubo para ela e

começou a comunicar com o professor do outro lado da sala,

mas mais ninguém interagia.” (DB, 27 de março).

Para além dos tubos de cartão, também havia tubos de plástico, que o

professor utilizou para criar momentos rítmicos, percutindo-os em várias

superfícies. Vendo como era divertido, o Azul e o Laranja também quiseram

experimentar, à sua maneira.

“O Azul e o Laranja pegaram num tubo de plástico (…) e

começaram a brincar às espadas. O Azul fazia sons como

“aya”. Quando nós parávamos de tocar, eles deviam ficar em

estátua e em silêncio, mas inicialmente foi difícil que o

respeitassem.” (DB, 27 de março).

Mais uma vez, o Azul tentou pôr os balões na campânula do saxofone e

o professor:

“(…) começou a cantar através do balão encostado à

campânula, enquanto eu tocava. O Dourado aproximou-se, pôs

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as mãos no balão e assim ficou durante algum tempo a sentir

as vibrações do som.” (DB, 27 de março).

Entretanto a terapeuta da fala apareceu na sessão para levar dois dos

meninos para a sessão de terapia, mas ao ver as atividades que estávamos a

fazer perguntou se podia ficar a assistir. Assim sendo, pedi ao Laranja para

cantar o seu motivo melódico para o “saxofone mágico”, de forma a mostrar à

terapeuta como ele cantava bem. Desta vez o Laranja não teve vergonha e

cantou de imediato.

“No caso do Laranja estou a conseguir avaliar coisas que não

consegui avaliar na minha própria avaliação”. (Terapeuta da

Fala - DB, 27 de março).

Posteriormente, espalhei pela sala umas cartolinas com diferentes cores

e representações de animais: pássaro, abelha, pato, ovelha e vaca (figura 9).

O objetivo do jogo era que eles parassem em cima das cartolinas, e para

cada cartolina eu tocava e a Sara cantava um som correspondente a cada

animal:

“Por exemplo, no passarinho fazia harmónicos, na abelha fazia

trilos, no pato fazia multifónicos, na ovelha fazia flatterzunge e

na vaca fazia uma nota grave.” (DB, 27 de março).

Só o Laranja é que entendeu o jogo, mas perdeu o interesse muito

rapidamente.

Figura 9 - Cartolinas com Animais

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Por vezes, durante a sessão, eu, o professor e a Sara criávamos

momentos musicais, com o objetivo de lhes cativar a atenção para virem

interagir connosco, o que se tornava muito difícil, pois estavam focados nas

suas brincadeiras. Ainda assim, o Azul cantava distraidamente e o Dourado

observava-nos surpreendido com todos os sons.

Enquanto estávamos a tocar e a beliscar os tubalões (num desses

momentos musicais, criando uma parte mais rítmica), o Azul colocou os tubos

de plástico nos braços e começou a andar pela sala como um elefante. Ao vê-

lo, o Dourado imitou-o, mas em vez de caminhar pela sala, foi percuti-los nuns

caixotes de cartão. Desta forma, fomos todos ter com ele e começamos a

percutir os caixotes com os tubos, os tubalões e as mãos. Assim, conseguimos

criar um momento musical em conjunto, que partiu da imaginação de duas

crianças, acabando por valorizar a criatividade e imaginação delas.

Nesta parte rítmica aproveitamos para fazer o jogo da “estátua”, dando

importância ao silêncio, também fizemos jogos de intensidades sonoras,

tocando mais piano ou mais forte. Para além disso, tentávamos sempre imitar

os ritmos que os meninos faziam, assim como as melodias que o Azul ia

cantando.

Entretanto, com todo o barulho que estávamos a fazer, as outras

crianças (que estavam na sala ao lado) tiveram curiosidade e começaram a vir

ter connosco. Assim sendo, o professor ensinou-lhe a música do Bom Dia do

Manual para a Construção de Jardins Interiores – Colos dos Bichos. Primeiro

com a melodia em “bababa” e depois com a letra, dizendo “bom dia” a cada

uma das crianças. Com esta música, o professor reparou que o Laranja estava

a gesticular a letra com a boca, porém não emitiu uma única palavra. Ainda

assim, ficamos com a certeza de que ele sabe falar português.

No fim da sessão, ficamos sozinhos com o Laranja. Tentamos comunicar

verbalmente, fazendo-lhe perguntas, mas ele só respondia com gestos.

Quando não lhe interessava “falar” mais connosco ficava quieto ou ia brincar

com alguma coisa.

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Pensámos sobre as atividades que lhe tinham interessado mais durante

a sessão e tentámos que ele cantasse com a ajuda da Sara para o “saxofone

mágico” a música do Bom Dia, mas ele não quis. Depois voltamos ao jogo das

cartolinas com animais, mas adaptámo-lo para que ele não perdesse o

interesse tão rapidamente:

“O jogo era o seguinte: o Laranja tinha de me procurar com o

seu binóculo de cartão, para saber se eu estava pronta para

tocar, e só depois é que se podia dirigir ao animal que queria

que eu tocasse. (…) Assim que ele pegava no animal, não só

eu tocava, como a Sara interagia com ele cantando e

aproximando-se dele, dando-lhe abraços, por exemplo. (DB, 27

de março).

Seguidamente, cantámos e tocámos algumas melodias enquanto ele

brincava com os tubos, que estavam a ser o seu ponto de interesse. Porém, só

quando passamos para motivos mais rítmicos é que conseguimos a sua

atenção.

“Tentámos passar para um motivo mais rítmico em que o

professor tocava num caixote fazendo de tambor e eu fazia

slaps. O Laranja achou isto divertido e veio ter connosco,

entrou facilmente no ritmo do tambor, imitando o professor a

tocar com as mãos.” (DB, 27 de março).

Mais uma vez ele distraiu-se com os tubos. Posto isto, deixámos que ele

brincasse livremente até começar a interagir connosco. Fingiu que os tubos

eram outros objetos, construiu pirâmides e colocou-os uns dentro dos outros,

criando as suas histórias do “faz de conta”. Isto mostra que o Laranja tem muita

imaginação e um profundo sentido teatral, conseguindo brincar facilmente com

qualquer objeto, dando-lhe a vida que ele quiser.

“Pegou numas rolhas de cortiça e levou algumas juntamente

com um tubo de plástico para o outro lado da sala. Com estes

objetos imitou uma granada a sair do tubo, atirando a rolha

para o meio da sala, e nós escondemo-nos fingindo ter medo

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(…) No fim, batemos palmas por toda esta representação

teatral.” (DB, 27 de março).

➢ Reflexão sobre as sessões 1, 2 e 3

No fim destas três sessões, percebi que é muito difícil trabalhar com

estas três crianças ao mesmo tempo. Apesar de terem todos a dificuldade em

comunicar verbalmente, são três situações muito diferentes e cada uma precisa

da minha atenção individual.

“Mesmo tendo convidado o professor e a Sara, é muito difícil

estar com os três meninos ao mesmo tempo, cada um deles é

muito diferente do outro e têm formas de comunicar muito

distintas.” (DB, 27 de março).

Ao longo destas sessões consegui criar novas estratégias que me

ajudaram a conhecê-los melhor. Posto isto, decidi que iria fazer mais três

sessões individuais com cada um deles, aprofundando assim as estratégias

que se adequaram melhor a cada um, a fim de entrar no seu mundo

comunicativo.

Em termos pessoais:

“(…) percebi que são os três muito especiais, não só por serem

diferentes dos outros, mas por demonstrarem tudo o que

sentem sem precisarem de dizer uma única palavra.” (DB, 25

de março).

5.2.3. Descrição das sessões individuais com cada um dos três meninos coloridos

Depois da realização de três sessões com os três meninos coloridos,

percebi que seria importante realizar mais três sessões individuais com cada

um deles, a fim de aprofundar a nossa comunicação. Contudo, apesar de ser

esta a minha vontade, não foi possível a realização de todas as sessões, por

motivos que irei mencionar mais à frente.

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Seguidamente, irei descrever os jogos e estratégias que se adequaram

melhor a cada um dos meninos, assim como a descrição pessoal de cada um e

a relação interpessoal que criei com eles. Esta descrição resulta da minha

observação detalhada de cada um deles, ao longo de todo o projeto.

Azul

Ao longo da segunda fase do projeto, consegui perceber quais as

estratégias de comunicação que melhor funcionavam com o Azul. Desta

forma, nas três sessões individuais seguintes, aprofundei essas mesmas

estratégias.

A segunda sessão contou com a participação do professor Paulo

Rodrigues e a terceira e última sessão, com a participação da Sara.

➢ Jogos e Estratégias

A estratégia da “estátua” esteve sempre presente em todas as sessões

em qualquer situação, fosse enquanto fazíamos brincadeira de imitação ou

quando estávamos a tocar. No meu ponto de vista foi a estratégia que ele

melhor compreendeu e que serviu muitas vezes para o acalmar ou manter a

sua concentração nas atividades que estávamos a fazer. Por vezes era ele

quem tinha a iniciativa de liderar o jogo da “estátua”.

“Sempre que o Azul fazia de “estátua”, ficava na mesma

posição: levantava os braços a 90 graus. Assim, nós

percebíamos que ele estava em “estátua” sempre que se

punha nessa posição e dizia “tato” (…). Era ele que liderava o

jogo.” (DB, 29 de abril).

“(…) paramos de tocar nesse momento, até que ele disse uma

palavra: “cata”, como se desse ordem para continuarmos a

tocar. (…) Era ele que mandava neste jogo.” (DB, 29 de abril).

Outra das estratégias muito presentes foi a imitação. Interagia com ele

através da imitação das suas brincadeiras, ritmos, sons vocais e da sua

linguagem tão própria.

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“(…) começamos a imitar elefantes, pondo os tubos nas mãos

e andando pela sala como se tivéssemos quatro patas, aqui

fizemos o jogo da “estátua” que ele tanto adora e faz tão bem.

(…) começou a mandar com os tubos nos balões, e sempre

que o fazia dizia “aya” como um guerreiro. Eu imitei-o e

comunicamos assim durante algum tempo. (…) começou a

cantar e a pular, e eu imitei o que ele cantava com o saxofone.”

(DB, 03 de abril).

Muitas vezes o Azul tentava comunicar verbalmente, porém ninguém

percebia o que ele dizia, por isso tentávamos entrar no seu mundo e usar a sua

“linguagem”.

“(…) começou a falar na “sua língua”, não se entendia nada do

que ele queria dizer, porém o professor começou a imitar as

suas palavras pondo ritmos e melodias às mesmas, e assim

estiveram a comunicar durante algum tempo.” (DB, 29 de abril).

“Depois começou a fingir que os copinhos de plástico eram

bonecos e brincamos os dois assim, a “falar” um com o outro.”

(DB, 06 de maio).

Tentávamos que o Azul me imitasse a mim ou ao professor, a fim de

realizar as atividades que propúnhamos, porém ele tinha vontades muito

próprias que por vezes impossibilitavam essa comunicação. Normalmente ele

imitava-nos quando estava distraído e sentia a falta de som na sala:

“O professor começou a cantar algumas melodias com as

interjeições que o Azul usava, e passado algum tempo, ele

imitou-o, cantando na mesma tonalidade. Por vezes o professor

parava de cantar e dizia “ai” e/ou “ui”, e o Azul, que continuava

a escrever distraído, imitava-o.” (DB, 29 de abril).

Partindo de estratégias como estas, foram muitos os jogos que criámos,

dando origem a novas estratégias. O Azul ia brincando e interagindo comigo de

várias formas: punha um balão na campânula para ouvir o que eu tocava

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através dele, fingíamos que os tubos de plástico eram espadas, cantavamos ao

ouvido um do outro através de um balão, ele cantava para dentro do “saxofone

mágico”, e por vezes, dançava enquanto eu tocava. Estas brincadeiras

duravam sempre muito pouco tempo e nunca chegavam a ser mais

desenvolvidas. Em contrapartida, houve momentos em que consegui ter a sua

atenção e interagir um pouco mais com ele.

Por um lado, era muito difícil que ele percebesse os jogos sem ser

através da imitação, por outro, muitas vezes era ele que tinha a iniciativa de

começar um jogo. Numa dessas vezes, pôs dois balões (de cores diferentes)

por cima da campânula do saxofone enquanto eu tocava, e foi alternando entre

um e outro:

“(…) quando ele encostava o balão azul eu tocava um ré, e

quando punha o verde tocava um sol.” (DB, 03 de abril).

Foi a primeira vez que senti que ele percebeu uma brincadeira, para

além do jogo da “estátua”.

Outro momento em que consegui entrar no mundo do Azul e comunicar

com ele através da música foi quando ele:

“(…) pegou no bloco de notas e na caneta, que o professor

tinha levado, e começou a fazer rabiscos enquanto dizia coisas

como “u a i a, tê tê”, de cada vez que desenhava um rabisco,

como se estivesse a ler o que escrevia, nós começavamos a

imitá-lo.” (DB, 29 de abril).

Ficava, durante imenso tempo, completamente absorvido e concentrado

em escrever e ler o que escrevia, para conseguir participar um pouco mais na

sua brincadeira, pedi-lhe que lesse para mim (na “sua” linguagem) o que tinha

escrito. Assim sendo, toquei saxofone de acordo com o que ele me ia lendo:

“(…) se dissesse palavras curta eu tocava notas curtas, se as

prolongasse eu tocava notas longas. Estivemos a comunicar

assim durante algum tempo.” (DB, 29 de abril).

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Para além de conseguirmos comunicar com ele desta forma, criamos

música juntos.

“A Sara começou a imitar o que ele dizia (…). Entretanto, ela

inventou uma melodia com as notas e palavras que ele mais

utilizava e estiveram assim os dois a cantar. Eu fui buscar os

copinhos de plástico, juntando ritmo, e fui imitando algumas

interjeições que ele dizia, enquanto escrevia.” (DB, 06 de

maio).

Sinto que mesmo quando ele está distraído e absorvido com as suas

brincadeiras interage muito mais, pois está sob uma escuta ativa.

O jogo das bolinhas de papel foi um jogo que resultou bastante bem

para cativar a sua atenção, mas não tanto a nível musical. O objetivo era que

ele atirasse as bolinhas para dentro do saxofone:

“Quando ele acertava dentro da campânula eu tocava um slap,

quando não acertava e caiam ao chão, eu fazia um

multifónico.” (DB, 29 de abril).

Não consegui perceber se ele entendeu esta comunicação musical, pois

estava muito concentrado e entusiasmado em acertar com as bolinhas na

campânula.

No fim de as colocar todas dentro do saxofone ele:

“(…) agarrava na campânula do saxofone e começava a gritar

muito forte lá para dentro (…)” (DB, 29 de abril).

Depois disso, eu virava o saxofone por cima dele e as bolinhas caíam.

“Ele adorava esta parte, por isso continuou com este jogo

durante mais tempo do que o costume.” (DB, 29 de abril).

Numa segunda fase, toquei diferentes notas e sons para cada cor das

bolinhas, porém, ao contrário dos balões, ele não compreendeu essa diferença.

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Como já referi, o Azul é uma criança com muita energia, percebemos

isso na forma como ele ouve e sente a música, pois canta e dança muito.

Considero que tem muito ritmo dentro dele e consegue sentir a pulsação de

tudo o que tocamos.

“Começou a dançar e a associar os movimentos a um tempo

fixo, pois trocava de posição sempre ao mesmo tempo, dizendo

interjeições de forma cantada como: “atata”, “aiô-ô”, “ya”. (…)

Pôs-se em cima dos caixotes e começou a dançar no ritmo que

estávamos a tocar (…)” (DB, 29 de abril).

Sendo uma criança muito ativa, acabava por ser também muito distraída.

Em alguns momentos tive de arranjar estratégias para desenvolver a sua

concentração na realização de determinado jogo, noutros momentos tentei que

parasse um pouco e se acalmasse.

“E, de forma a acalmá-lo, toquei uma música muito melodiosa e

calma. Ele continuou a berrar para dentro do saxofone, mas eu

não respondia e continuava a tocar (…) o professor dançava

com ele ao colo e cantavam muito delicadamente algumas

melodias na mesma tonalidade. Criaram uma melodia

inventada pelos dois de pergunta-resposta (…)” (DB, 29 de

abril).

➢ Descrição Pessoal e Relação Interpessoal

Com base nos dados recolhidos da entrevista com a terapeuta da fala, o

Azul tem um atraso na fala que pode estar relacionado com o facto de

pertencer à etnia cigana e misturar palavras em caló.

Apesar das suas dificuldades em comunicar verbalmente em português,

é uma criança muito faladora, ainda que não consigamos perceber quase nada

do que diz, comunica muito facilmente através de gestos e expressões

corporais.

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A nível de compreensão como não sabemos se ele percebe o que lhe

dizemos, a comunicação verbal não é o meio mais eficaz, pois ele acaba por

realizar as tarefas por associação e imitação.

“É muito engraçado que sempre que digo “estátua” ele para na

mesma posição todas as vezes.” (DB, 03 de abril).

“(…) professor disse “stop”, para fazermos estátua, porém o

Azul não percebeu que era para parar, pois só associava essa

ação à palavra “estátua”.” (DB, 29 de abril).

Posso descrevê-lo como um artista em ponto pequeno com muita

imaginação:

“(…) pois consegue arranjar sempre forma de brincar sozinho

com coisas diferentes.” (DB, 03 de abril).

Tem muita energia e ritmo no corpo, adora estar sempre a cantar e

dançar, o que acaba por ser uma forte característica da etnia cigana. Segundo

a terapeuta da fala ele tem um comportamento um pouco complicado, pois

quer que seja sempre tudo à sua maneira, daí gostar de ser o líder do grupo e

comandar as atividades. Para além disso, quer ser sempre o protagonista e

exibe-se muito, acabando por se tornar ciumento quando a atenção é dada a

outra pessoa.

Quando está concentrado é fácil criar interação com ele, porém o seu

tempo de concentração é muito curto, o que faz com que esteja sempre a

mudar de tarefa, e por vezes torna-se difícil de o acompanhar. Em algumas

sessões tive de retirar objetos da sala, para que ele não se distraísse, pois

muitas das vezes, ficava fechado no seu mundo a brincar com o máximo de

objetos diferentes que conseguisse.

“(…) é muito difícil de o manter concentrado numa só atividade

durante muito tempo, está sempre à procura de coisas novas

para fazer e acaba por perder o interesse com facilidade.

Muitas das vezes noto que faz o que lhe peço para me fazer o

favor, e depois volta a entrar no seu mundo.” (DB, 03 de abril).

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A nossa relação foi muito boa, ele é uma criança muito carinhosa e

amorosa e vive muito de afetos. É sempre o primeiro a ir ter comigo e a

abraçar-me. Nota-se que é uma criança muito feliz.

“Numa das vezes que fizemos estátua ele deu-me um

abracinho e a partir daí fizemos sempre estátuas em conjunto.”

(DB, 03 de abril).

“(…) é o menino que se calhar eu tenho que tem mais

dificuldades, mas se calhar é o menino mais feliz, porque ele

não tem a noção das dificuldades que tem, então é um menino

feliz (…) ele fala fala fala, não se percebe nada, mas é um

menino feliz”. (Entrevista - Terapeuta da Fala)

Dourado

Nas três sessões com os três meninos coloridos consegui conhecer

melhor o Dourado e perceber quais as estratégias de comunicação que melhor

funcionavam com ele. Assim sendo, foram delineadas três sessões individuais,

porém acabamos por ter uma sessão individual e outra com a participação do

Azul, pois o Dourado não queria ir sozinho. A terceira sessão não se realizou

porque ele saiu do CPSSMA para ir para uma escola com necessidades

educativas especiais para crianças com problemas auditivos.

➢ Jogos e Estratégias

A estratégia que melhor funcionou com o Dourado foi a imitação.

Atividades como a criação de ritmos através da percussão dos tubos de

plástico no chão, corpo e caixotes, a imitação de momentos de silêncio, e a

imitação de notas ou motivos melódicos cantados através dos tubos de cartão,

foram recorrentes ao longo das sessões individuais. No meio destas atividades

inventadas por mim, eu acabava por o imitar nos ritmos e melodias que ele

reproduzia.

“O Dourado é um menino que tem várias dificuldades de

compreensão, muito devido ao seu problema de surdez, porém

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tem a capacidade de realizar as tarefas por imitação.

Capacidade esta que foi melhorando ao longo das sessões.”

(DB, 01 de abril).

A comunicação musical com o Dourado foi sempre muito sensorial,

desde a colocação da sua mão na campânula para sentir as vibrações do som,

ou a descoberta de novos sons vindos do saxofone, ao tapar e destapar a

campânula com a mão, por exemplo. Apesar de não ouvir a 100%, o Dourado

tem muita sensibilidade auditiva e entoa as notas que ouve na perfeição.

Na segunda sessão o aparelho do Dourado estava avariado, e assim, a

sua comunicação através de sons vocais foi muito reduzida, porém tive a

certeza de que ele sentia o ritmo que eu percutia no seu corpo.

Na primeira sessão conseguimos comunicar de forma a que ele

compreendesse a minha interação com ele, da seguinte forma:

“(…) começou a colocar os tubos dentro da campânula.

Sempre que ele retirava um tubo da campânula, eu fazia uma

nota em sforzando, e quando colocava e retirava o tubo muitas

vezes seguidas eu fazia notas em staccato, de acordo com a

velocidade dos movimentos que ele fazia. Adorou esta

brincadeira e riu-se muito. Sei que com esta brincadeira

consegui interagir com ele de forma a que ele compreendesse

essa interação.” (DB, 01 de abril).

➢ Descrição Pessoal e Relação Interpessoal

O Dourado é uma criança muito bem-disposta e meiga, que dá muitos

abraços. Criamos uma ligação muito forte e afetiva logo desde o início.

A nossa comunicação foi sempre muito sensorial, ou seja, através do

toque. Tentei que a sua ligação com a música fosse muito mais corporal,

sentido as vibrações dos sons e os ritmos no corpo. Desta forma, não o queria

assustar com os sons (pois não estava habituado a ouvir tantos sons

diferentes), mas queria sim ter a certeza de que ele estava a experienciar algo

que o deixava tranquilo e feliz.

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Em conversa com a terapeuta da fala percebi que havia a suspeita de

existir uma patologia cognitiva, no foro da compreensão e aprendizagem,

associada à surdez. Ainda assim, informou-me que ele conseguiu evoluir a

nível da compreensão.

“(…) penso que ele naquela vossa sessão, que eu acabei por

ver, ele ia fazendo muita coisa até por imitação (…) mas ia-se

exprimindo através de gestos e assim, mas lá está, penso que

ali às vezes as dificuldades de compreensão que ele tem, se

calhar, possam ter feito com que ele não percebesse o objetivo

das coisas (…) Quando acabava por perceber, então lá fazia o

que era pretendido (…)” (Entrevista – Terapeuta da Fala).

Laranja

No final da terceira e última sessão dos três meninos coloridos, ficamos

sozinhos com o Laranja e conseguimos comunicar musicalmente, por meio de

jogos e atividades musicais. Desde então, não o voltei a ver, sempre que ia à

Sala Verde perguntava por ele, pois ambicionava poder aprofundar todas as

estratégias que tínhamos desenvolvido. Posto isto, passado umas semanas,

em conversa com a educadora, percebi que ele não ia ao CPSSMA por falta de

pagamento da propina mensal. Desta forma, não consegui realizar mais

nenhuma sessão com o Laranja, o que me deixou realmente triste.

➢ Descrição Pessoal e Relação Interpessoal

O Laranja sempre foi uma criança muito desconfiada, por isso, foi

bastante difícil ganhar a sua confiança. Por um lado, senti que a minha ligação

com ele se estabeleceu de forma muito mais lenta comparando com os dois

outros meninos, por outro lado, essa lentidão fez com que eu desse a máxima

importância a cada passo que dava na forma como comunicávamos. Para o fim

das sessões, mostrou ser uma criança muito meiga e afetiva.

Foi um menino que me surpreendeu bastante, pois consegui ouvir a sua

voz cantada e vivenciar toda a sua imaginação com os jogos que criava. Não

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era preciso ele falar para percebermos o que sentia, bastava o olhar misterioso

e o sorriso tímido.

Segundo o testemunho da terapeuta da fala, ela desconfia que o Laranja

tenha mutismo seletivo, porém não foi realizada uma análise psíquica que o

pudesse comprovar (por ter sido interrompida a intervenção terapêutica).

Quanto à sessão que a terapeuta observou, ela percebeu que estas

sessões podiam ser uma mais valia para o seu processo de comunicação

verbal. Para além disso, pôde ver qual seria a melhor forma para comunicar

com ele por meio da música, assim como as suas competências a nível da

compreensão.

“(…) é uma criança que eu nunca ouvi a voz dele, daí eu ter

dito que se calhar na sessão que estava a ver, estava a

aprender muito mais sobre o Laranja, do que propriamente em

três/quatro sessões que se calhar tinha dado antes daquele

momento (…)” (Entrevista – Terapeuta da Fala).

A nível de compreensão ela não conseguia perceber, nas suas sessões,

se ele não respondia porque não sabia ou porque não queria.

“(…) na vossa sessão, consegui realmente perceber que ele

compreende, pode não ter ali uma compreensão total, não é?

Pode haver ali algumas dificuldades na mesma, dificuldades na

aprendizagem e assim, mas consegui perceber que não está

assim tão afetado quanto isso.” (Entrevista – Terapeuta da

Fala).

A terapeuta acreditava que a música podia ser o meio para que ele

começasse a querer falar.

“(…) eu própria cheguei ao gabinete, mesmo naquele dia, e

falei com a psicóloga (…) e eu disse: “olha, fiquei maravilhada

e acho que com o Laranja o que vai funcionar é a música, vou

pegar nos meus instrumentos, vou… não sei” (risos) (…) ia

muito entusiasmada com isso, porque acho que realmente

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poderia ser uma forma. Eu vi que ele gostou. E ser algo que o

desbloqueasse ali, e que começasse a falar.” (Entrevista –

Terapeuta da Fala).

Porquê coloridos?

Porque dentro de cada um deles cabem todas as cores do mundo, e

para cada cor há um sentimento tão diferente e tão especial, que não consegue

ser explicado por palavras. Esse sentimento foi muitas vezes transmitido pela

forma como se libertaram e comunicaram através da música. Foi assim que os

vi e senti ao longo de todas as sessões, e é assim que os irei recordar para

sempre: os “meus” três meninos coloridos.

Figura 10 - Fotografia com os Três Meninos Coloridos

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6. Reflexão Final

Com a realização deste projeto consegui explorar estratégias lúdicas de

iniciação e comunicação por meio da música, com crianças do ensino pré-

escolar. Além disso, adotei uma relação de proximidade e amizade em relação

aquelas crianças, criando afinidade com elas.

Tal como defendem Gordon, Dalcroze e Orff, as crianças devem ouvir e

experienciar a música antes de a saberem ler e escrever. Desta forma, adotei

várias estratégias destes autores, como por exemplo: apresentar diferentes

métricas, modos e tonalidades; dar importância ao silêncio como parte

fundamental da música; ouvir partes do todo da música; imitar e comunicar

musicalmente; cantar sem texto; realizar padrões tonais e rítmicos; movimentar

o corpo de diferentes formas; improvisar; explorar sons corporais, vocais e

instrumentais.

Apesar de ter delineado o projeto antes de o começar, no início foi um

pouco assustador ter 20 crianças da pré-escola numa sala por minha

responsabilidade, pois enquanto professora de saxofone isso nunca tinha

acontecido. Estava habituada a ter apenas um aluno na sala de aula, com

idade superior a 7 anos.

“(…) confesso que estive sempre um pouco nervosa ao longo

de toda a sessão, por ser a primeira vez que fazia isto sozinha

e por não saber muito bem como o fazer.” (DB, 14 de janeiro).

Por não estar na minha área de conforto, muitas foram as vezes que

desmotivei e achei que estava no caminho errado.

“Comecei a ficar um pouco triste com esta sessão, pois estava

à espera que tivesse corrido de outra forma.” (DB, 18 de

fevereiro).

Só quando deixei de esperar algo das sessões e me concentrei no que

de facto acontecia e na possibilidade de ter que reagir de forma diferente do

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que tinha planeado, é que elas começaram a correr realmente bem. Creio que

isso aconteceu porque eu não estava tão preocupada em seguir as regras que

tinha estabelecido e comecei a dar espaço e liberdade à minha imaginação.

Poder criar jogos e estratégias musicais, sem determinar o que é certo e

errado, foi uma parte importante do que apreendi.

Apesar de não poder tirar conclusões objetivas, por ser uma

investigação que resulta da minha observação e interpretação dos

acontecimentos, a meu ver, todas as crianças experienciaram e sentiram a

música de diferentes formas. Penso que se lembrarão para sempre de um

instrumento amarelo com a forma de um pato: o saxofone. Além disso, espero

que se possam recordar de mim da melhor forma, pois o afeto demonstrado, de

ambas as partes, foi muito grande.

Na segunda fase do projeto o meu objetivo no contacto musical foi

direcionado no sentido de adquirir o máximo de ferramentas musicais possíveis

de forma a comunicar e aproximar-me dos três meninos coloridos. Nessa fase,

pude perceber que o leque de estratégia e recursos de comunicação por meio

da música é bastante alargado, bastava explorar o que melhor se adaptava a

cada uma das crianças, criando e inventando novos jogos e brincadeiras.

Acabou por ser fácil descobrir novos métodos de comunicação através de

recursos como: balões, tubos, saxofone, caixotes, entre outras coisas, não

desvalorizando a imaginação dos três meninos, por meio das brincadeiras que

inventavam.

Ainda que não possa tirar conclusões definitivas sobre a viabilidade do

meu projeto noutras circunstâncias, creio que consegui atingir o objetivo

principal desta segunda fase: comunicar e aproximar-me destes três meninos

através da música. Assim sendo, todas as estratégias foram aprofundadas, e

com elas, pude ver uma grande evolução na compreensão e confiança pessoal

de cada um deles.

Olhando para o projeto duma forma global e considerando as suas duas

fases, creio poder concluir que brincar é uma estratégia que potencia a

experiência da música e a comunicação musical. Brincar é uma atividade

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prazerosa que nos torna mais criativos, pois é feita de forma improvisada. Para

além disso, cria relações interpessoais e acelera o desenvolvimento cognitivo,

tornando a aprendizagem mais eficaz e retendo a informação por mais tempo.

Também é uma ótima forma de explorar sons, instrumentos e movimento,

criando comunicação entre indivíduos.

Como já referi anteriormente, saí várias vezes da minha zona de

conforto, como o facto de nunca ter liderado um grupo com tantas crianças. O

saxofone foi o instrumento que esteve presente de início ao fim. Deste modo,

foram muitas as vezes em que tive de improvisar e explorar estratégias de

comunicação através do mesmo, coisa que nunca tinha feito ao longo da minha

formação enquanto música e professora.

Descobrir a Sala Verde ensinou-me que não é preciso um indivíduo

compreender ou comunicar de forma verbal para “fazer” música, existem

formas infindáveis de criar e participar em momentos musicais.

A nível pessoal sempre fui uma pessoa difícil de demonstrar afeto, e

com este projeto percebi que tinha de ultrapassar essa barreira e dar todo o

meu carinho aquelas crianças. Por um lado, elas mereciam que eu o fizesse, e

por outro, era muito mais fácil comunicar com elas quanto mais próxima

estivesse. Desta forma, consegui criar laços muito fortes com todas as

crianças, especialmente com os “meus” três meninos coloridos, que me fizeram

sempre procurar as melhores estratégias para o desenvolvimento comunicativo

por meio da música. Para além disto, também sou uma pessoa muito

calculosa, sempre com medo de errar, e este projeto fez com que me libertasse

um pouco e arriscasse mais do que o habitual. Arrisquei, falhei e voltei a tentar

de outras formas, vezes sem conta, sempre em busca do melhor caminho

possível. E no fim, senti-me recompensada por todo este esforço psicológico e

de luta contra o medo de falhar.

A nível profissional e como professora de saxofone, adquiri algumas

ideias novas sobre como abordar a música e os alunos de diferentes formas.

Musicalmente passei a conseguir, com mais facilidade, produzir e improvisar

ambiente sonoros distintos, e espero poder continuar, noutros contextos, a

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desenvolver a ideia de que é possível adaptar a música ao aluno, e não só

adaptar o aluno à música, dando-lhe espaço e liberdade para explorar.

Enquanto professora, sinto-me mais preparada para observar e interpretar a

personalidade e comportamento de cada aluno, de forma a adaptar as

metodologias de ensino de acordo com as suas aptidões e qualidades

musicais. Creio também estar mais preparada para tentar abordagens

diferentes e continuar a procurar ferramentas e estratégias de ensino da

música.

Chego ao fim do projeto com a certeza de que me tornei uma pessoa

mais atenta às adversidades do dia-a-dia. Levo comigo as experiências,

pessoas e vontade de continuar a desenvolver e participar em projetos deste

género. Considero que este projeto foi apenas o início de uma longa

caminhada. Quero descobrir mais salas. Quero descobrir novos mundos.

Quero descobrir-me.

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Parte II

Prática de Ensino Supervisionada

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1. Introdução

No ano letivo 2018/2019 estagiei na Escola Artística do Conservatório de

Música Calouste Gulbenkian de Aveiro (EACMCGA)13 no âmbito da unidade

curricular Prática de Ensino Supervisionada (PES), sob a orientação científica

do professor Romeu Costa e orientação cooperante do professor Henrique

Portovedo.

Escolhi esta instituição, pois foi esta a escola que frequentei de 2007 a

2014, e também por ser uma escola organizada e de prestígio a nível nacional.

Tenho um enorme orgulho em poder ter continuado a fazer parte dela,

enquanto aluna estagiária. Não só pela escola, como já referi, mas também

pelo professor Henrique Portovedo, que foi o meu professor de saxofone nos

últimos dois anos do ensino secundário e é uma pessoa que eu admiro muito a

nível profissional.

A PES tem como objetivos o aprofundamento de conhecimentos e a

sensibilidade crítica à prática de ensino, o desenvolvimento da investigação em

educação e sua respetiva aproximação com o conhecimento científico. Com a

finalidade de atingir esses mesmos objetivos, o Plano Anual de Formação do

Aluno em PES propõe o seguinte: prática pedagógica de coadjuvação letiva e

observação, participação em atividades pedagógicas, organização de

atividades e participação ativa em ações a realizar no âmbito da prática de

ensino.

13 Todas as informações relativas à instituição de acolhimento, a sua descrição e

caracterização, o seu projeto educativo e oferta formativa, bem como os planos curriculares,

foram retiradas do sítio da internet oficial da EACMCGA: https://www.cmacg.pt/ .

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2. Contextualização

2.1 História e Descrição da EACMCGA

➢ História

A EACMCGA, foi fundada a 8 de outubro de 1960 com o nome de

Conservatório Regional de Aveiro Calouste Gulbenkian (o primeiro

Conservatório Regional a ser criado em Portugal). Teve como fundador o Dr.

Orlando de Oliveira, que planeou criar uma escola de música com as mesmas

ideologias das já existentes academias de música em Vila da Feira, Coimbra.

A criação desta instituição teve como apoios o Ministério da Educação

Nacional, a Fundação Calouste Gulbenkian (em nome do Presidente José de

Azeredo Perdigão), o Governo Civil de Aveiro, a Junta Distrital e a Câmara

Municipal Aveiro, entre outras entidades particulares e oficiais.

Desta forma, a Professora Gilberta Custódia foi eleita para o cargo de

primeira Diretora Artística e Pedagógica do Conservatório Regional de Aveiro,

pois foi quem também fundou e coordenou a Academia de Música de Santa

Maria (Vila Da Feira).

Durante os dois primeiros anos letivos, o Conservatório Regional de

Aveiro funcionou no Liceu Nacional de Aveiro, por não ter instalações próprias.

Dois anos mais tarde, em 1962 passa a instalar-se no edifício agregado à

Igreja da Misericórdia, na Rua dos Combatentes da Grande Guerra, nº2, onde

foi criado o atual edifício. A 30 março de 1971, quatro anos depois do início da

sua obra, foi inaugurado o edifício atual com o apoio da Fundação Calouste

Gulbenkian, tendo sido esta fundação a escolher o local e o arquiteto

responsável pelo projeto: José Carlos Loureiro.

De forma a promover, alargar e salvaguardar a continuidade do ensino

artístico, o Conservatório Regional de Aveiro de Calouste Gulbenkian, no dia 1

de outubro de 1985, passa a fazer parte do ensino público, intitulando-se de

Conservatório de Música de Aveiro de Calouste Gulbenkian. Após

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precisamente 25 anos da data de inauguração do Conservatório Regional de

Aveiro, o seu edifício foi doado pela Fundação Calouste Gulbenkian à Câmara

Municipal de Aveiro. Atualmente insere-se na rede pública do Ensino

Vocacional da Música e da Dança e é denominado de Escola Artística do

Conservatório de Música Calouste Gulbenkian de Aveiro.

➢ Descrição

A escola possui várias salas de aulas para grupos e individuais, um

anfiteatro, uma sala polivalente, uma biblioteca/mediateca, um bar, uma

secretaria, uma sala de professores, uma sala de reuniões, vários espaços de

lazer internos e externos e um conjunto de salas de pintura e dança. Tem um

lugar privilegiado na cidade de Aveiro, pois está situado numa zona central

urbana, no início do Campus Universitário e a 10/15 minutos a pé das escolas

públicas onde muitos dos alunos têm aulas, sendo de fácil acesso.

Este edifício foi contruído com o intuito de promover não só o ensino da

música, mas também da dança e das artes plásticas, sendo inicialmente

idealizado como escola artística. Nessa perspetiva, atualmente, a escola

pretende ir ao encontro desta visão e retomar a ideia original.

Ao longo destes anos, foram muitos os alunos que iniciaram e

concluíram os seus estudos nesta escola, e que tal como eu prosseguiram na

área da música no ensino superior. Alguns deles são hoje professores na

escola e ocupam posições de destaque a nível nacional e internacional como é

o caso do professor cooperante da PES da classe de saxofones, Henrique

Portovedo.

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2.2 Projeto Educativo e Oferta Formativa

No projeto educativo, constam as normas educativas da escola, a

autonomia estratégica, pedagógica, administrativa, financeira e organizacional,

e de promoção da participação de toda a comunidade escolar.

Para além da aprendizagem artística, tem como objetivos a promoção de

atividades na comunidade, criação das condições necessárias ao envolvimento

da comunidade na criação e realização de atividades artísticas e a promoção

de parcerias com entidades locais, regionais, nacionais e internacionais.

O projeto educativo da EACMCGA para além de desenvolver as

disciplinas já existentes, procura diversificar a oferta formativa noutra áreas

artísticas, para que a curto e médio prazo consiga captar a atenção de novos

públicos, e a médio e longo prazo possa avaliar e analisar a evolução da

escola, encontrando estratégias eficazes para o seu crescimento.

Ainda que o ensino da música seja o foco central desta escola, existe o

objetivo de procurar diversificar a oferta formativa, não só na música com o

novo ramo de jazz, mas também noutras áreas artísticas como a dança, o

teatro e as artes plásticas. Para além disto, pretende desenvolver cursos

profissionais na área da produção artística e tecnologias, luthearia e organaria.

Em termos de oferta formativa na área da música, o conservatório conta

com cinco departamentos curriculares: Instrumentos de Tecla, Instrumentos de

Sopro e Percussão, Instrumentos de Corda, Canto e Música de Conjunto e

Ciências Musicais.

Existem três níveis de ensino na EACMCGA: Iniciação (1ºciclo do ensino

básico), Curso Básico (2º e 3º ciclos do ensino básico) e Curso Secundário

(ensino secundário). Na área da música o curso básico e secundário divide-se

em dois regimes: supletivo e articulado. No regime supletivo o conservatório

não tem relação com a escola do aluno, enquanto que no regime articulado a

escola e o conservatório estão em consonância para que possa haver uma

redução da carga horária do aluno com a substituição de algumas disciplinas

escolares por disciplinas artísticas.

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2.3 Calendário Escolar

Na tabela 2 encontra-se o calendário escolar relativamente ao ano letivo

2018/2019, no qual decorreu a PES.

1º Período De 1 de outubro a 14 de dezembro

de 2018

Interrupção Letiva para Férias de Natal De 17 de dezembro de 2018 a 2 de

janeiro de 2019

2º Período De 3 de janeiro a 5 de abril de

2019

Interrupção Letiva para o Carnaval De 4 a 6 de março de 2019

Interrupção Letiva para Férias da Páscoa De 8 a 22 de abril de 2019

3º Período De 23 de abril a 14 de junho de

2019

Tabela 2 - Calendário Escolar 2018/2019

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3. Descrição da Prática Letiva

O modelo da unidade curricular PES conta com a coadjuvação letiva e a

observação da atividade pedagógica do orientador cooperante de 4 alunos,

sendo que um deles pode ser substituído por um grupo de música de câmara.

Esta prática deverá ser executada entre 25% a 75% do trabalho letivo dos

alunos atribuídos.

Enquanto aluna estagiária observadora, tentei captar ao máximo todas

as técnicas que o orientador cooperante me forneceu, enquanto participante na

coadjuvação letiva de alunos e música de câmara (prática instrumental), pus

em prática tudo o que me foi ensinado e também procurei estudar e pôr em

prática diferentes meios didáticos em diferentes situações e alunos.

No início da PES elaborei um plano curricular anual para cada grau de

escolaridade que lecionaria, e ao longo do ano estruturei todas as aulas

lecionadas com planificações e relatórios.

3.1 Plano Curricular da Disciplina de Saxofone

Os objetivos educativos da disciplina de saxofone são comuns a todas

as disciplinas do departamento onde este se insere: instrumentos de sopro e

percussão. Estes objetivos estão estruturados em 3 dimensões: cognitiva,

afetiva e psicomotora. A dimensão cognitiva diz respeito ao conhecimento de

factos, conceitos e processos, ou seja, a tudo aquilo que o aluno deve saber,

como por exemplo, sentido rítmico e de pulsação, harmonia, melodia e

fraseado, qualidade sonora e auditiva, diferentes articulações e execução de

dinâmicas. A dimensão afetiva diz respeito ao comportamento, atitude,

responsabilidade, respeito, emoção e valores, ou seja, à predisposição do

aluno para ouvir, participar em atividades escolares, seguir regras e cuidar dos

materiais e espaços da escola. Por fim, a dimensão psicomotora que

corresponde aos reflexos, movimentos básicos e aperfeiçoados e habilidade de

perceção, isto é, tudo o que são ações físicas, ou seja, a capacidade de

concentração, memorização, execução performativa em público, agilidade

técnica, fluência no discurso e postura em palco.

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Posto isto, a avaliação é feita de forma contínua e com a execução de

uma prova trimestral. A percentagem da avaliação de cada período é

distribuída da seguinte forma: 1º Período – 25%, 2º Período – 40%, 3º Período

– 35%.

Seguidamente apresentarei o plano curricular detalhado correspondente

a cada grau/ano que lecionei e observei na PES.

2º e 3º Ciclo do Curso Básico

Os alunos do 2º e 3º ciclo do curso básico seguem um conjunto de

objetivos gerais que devem ser geridos pelo professor, tais como:

• Estimular a formação do aluno e desenvolver todas as suas

potencialidades;

• Proporcionar o contacto com a música de diferentes formas;

• Estimular o gosto constante, assim como os bons hábitos de estudo;

• Integrar o aluno na comunidade escolar;

• Desenvolver técnica e execução musical;

• Aperfeiçoar a qualidade do som;

• Desenvolver a musicalidade performativa;

• Desenvolver a capacidade de concentração e memorização;

• Desenvolver o gosto do aluno pelas apresentações públicas.

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➢ 3º Grau/ 7º Ano

Para além dos objetivos gerais apresentados anteriormente, existe um

conjunto de objetivos específicos para cada ano. Neste caso, para o 3º Grau/

7º Ano os objetivos são os seguintes:

• Posicionar corretamente o instrumento em relação ao corpo;

• Consciencializar-se do controlo do sistema respiratório e da função do

diafragma;

• Aperfeiçoar a embocadura;

• Consciencializar-se e controlar a articulação;

• Executar corretamente a digitação completa do saxofone (sib grave a fá#

agudo);

• Saber afinar quando toca com outros instrumentistas;

• Saber utilizar diferentes dinâmicas e aperfeiçoar a sua amplitude;

• Dominar o sentido de pulsação em compassos compostos;

• Saber ler a partitura corretamente;

• Aplicar os conhecimentos já adquiridos em diferentes situações;

• Compreender e executar ideias musicais.

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Escalas

Executar escalas maiores e suas relativas menores até quatro

alterações;

Executar o arpejo de 7ª da Dominante das escalas até uma

alteração;

Executar a escala cromática no âmbito de duas oitavas.

Estudos

50 Études Faciles et Progressives vol.1 – Guy Lacour;

24 Études Faciles – Marcel Mule;

32 Pièces Varièes – Marcel Mule.

Peças

My First Concert – Vários;

Vacances – Jean Michel Damase;

My First Recital – Vários;

Rêverie Interrompue – Marcel Dautremer;

Pièce II – Cesar Franck.

Tabela 3 - Proposta de Suporte Pedagógico para Alunos do 3º Grau/ 7º Ano

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➢ 4º Grau/ 8º Ano

Para além de todas as competências que os alunos devem adquirir com

os objetivos propostos nos anos anteriores, o 4º Grau/ 8º Ano apresenta novos

objetivos:

• Aperfeiçoar a posição correta e natural do saxofone em relação ao

corpo;

• Executar corretamente a dedilhação da nota sol sobreaguda;

• Tocar com posições auxiliares e saber quando as usar;

• Saber respirar de forma natural nos momentos corretos;

• Estabilizar a embocadura;

• Desenvolver a qualidade sonora;

• Controlar e executar diferentes articulações;

• Executar exercícios de afinação para que seja possível corrigir a

afinação a qualquer momento;

• Aumentar o âmbito de dinâmicas;

• Saber ouvir diferentes timbres e cores;

• Saber reconhecer e contextualizar historicamente o reportório;

• Criar uma identidade própria ao tocar.

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Escalas

Executar escalas maiores e suas relativas menores até cinco

alterações;

Executar o arpejo de 7ª Dominante com inversões em todas as

escalas estudadas;

Executar a escala cromática em todo o registo do saxofone

com diferentes articulações.

Estudos

50 Études Faciles et Progressives Vol. ½ - Guy Lacour;

Progressive Jazz Studies – James Rae;

24 Études Faciles – Marcel Mule.

Peças

Saxophone Album – Fauré;

Winter Wind – Sonny Burnette;

Sept Pièces – Debussy;

Pièce en Forme d’Habanera – Ravel;

Rober Planel – Suite Romantique;

H. Ackermans – Petite Fantaisie Italienne.

Tabela 4 - Proposta de Suporte Pedagógico para Alunos do 4º Grau/ 8º Ano

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➢ 5º Grau / 9º Ano

Depois de todas as competências adquiridas nos anos anteriores, este é

o último ano do 2º e 3º ciclo do curso básico, o ano em que os alunos fazem

uma prova global e decidem se querem continuar na EACMCGA para o Ensino

Secundário. Caso queiram continuar, os alunos devem realizar uma prova de

acesso ao Ensino Secundário. O resultado dessa prova resulta da média da

nota da prova de Formação Musical com a nota da prova de Saxofone. Posto

isto, os alunos devem realizar a prova global e de acesso, orientando-se por

tudo aquilo que aprenderam até então, sendo que este ano serve para

aperfeiçoar os conhecimentos já adquiridos. Apresento os novos objetivos para

este grau/ano:

• Executar todas as notas do registo do saxofone de forma ligada e

articulada;

• Executar corretamente a dedilhação da nota lá sobreaguda;

• Aperfeiçoar a rapidez nos diferentes tipos de articulação;

• Ler rapidamente uma partitura à primeira vista;

• Saber executar trilos, mordentes e apogiaturas;

• Saber tocar o mesmo motivo melódico com diferentes interpretações;

• Introduzir o aluno ao uso do vibrato;

• Tocar em diferentes grupos musicais.

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Escalas

Executar todas as escalas maiores e menores com arpejos e

exercícios mecânicos.

Estudos

50 Études Faciles et Progressives Vol. 2 – Guy Lacour;

Progressive Jazz Studies – James Rae;

18 Études Berbeguier - Marcel Mule;

Exercícios Mecânicos - Jean-Marie Londeix.

Peças

Pièce en Forme d’Habanera – Ravel;

Fantaisie Concertante – G. Lecail;

Cinc Danses Exotiques – Jean Françaix;

Sonatine – René Guillou;

Fantasie Impromptu – André Jolivet;

Sarabande et Allegro – Gabriel Grovlez;

Piêce – Fauré.

Tabela 5 - Proposta de Suporte Pedagógico para Alunos do 5º Grau/ 9º Ano

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Curso Secundário

Tal como o plano curricular do 2º e 3º ciclo do curso básico, o curso

secundário também apresenta uma linha orientadora com os objetivos gerais.

Sendo os objetivos do curso secundário bastante idênticos aos do 2º e 3º ciclo

do curso básico, exponho os novos objetivos:

• Desenvolver os conhecimentos adquiridos de forma intelectual;

• Saber tocar mais do que um instrumento da família do saxofone;

• Desenvolver uma postura e atitude profissional nas apresentações

públicas;

• Preparar o recital final.

➢ 7º Grau/ 11º Ano

Tendo em conta que o curso secundário passa pelo aperfeiçoamento dos

conhecimentos já adquiridos, dando ao aluno reportório cada vez mais difícil,

os objetivos específicos são os seguintes:

• Aprendizagem e aplicação consciente do uso do vibrato;

• Introdução às técnicas expandidas do saxofone.

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Escalas

Execução de todas as escalas com arpejos e exercícios

mecânicos mais complexos.

Estudos

15 Études – Charles Koechlin;

46 Études – Ferling;

28 Études sur les modes de Messiaen – Guy Lacour.

Études Variées – Marcel Mule

Peças

Divertimento – Boutry;

Scaramouche – Darius Milhaud;

Sonatine Sportive – Tcherepnine;

Sonata – Paul Creston;

Improvisação Nº1 – Ryo Noda;

Partita em lá menor para flauta – J.S. Bach.

Tabela 6 - Proposta de Suporte Pedagógico para os Alunos do 7º Grau/ 11º Ano

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3.2 Plano Curricular da Disciplina de Classe de

Conjunto

Dentro da disciplina de Classe de Conjunto existem os grupos de Música

de Câmara ou Prática Instrumental (PI). Os objetivos educativos da disciplina

são estruturados em três dimensões: cognitivo, afetivo e psicomotor. A

dimensão cognitiva diz respeito à aquisição de competências, aplicação dos

conhecimentos já dominados e evolução na aprendizagem. A dimensão afetiva

corresponde aos hábitos de estudo, à autonomia e responsabilidade, ao

espírito de equipa, à tolerância, cooperação e solidariedade com os outros, à

autoestima, socialização, motivação e comportamento. Já a dimensão

psicomotora refere-se à performance do aluno e do sentido de

responsabilidade e compromisso artístico em grupo.

Posto isto, os objetivos da disciplina são os seguintes:

• Despertar o aluno para a importância da música em conjunto;

• Desenvolver o sentido de tempo;

• Desenvolver a atenção auditiva;

• Desenvolver a concentração;

• Motivar o aluno para a prática e expressão musical;

• Desenvolver as capacidades musicais, intelectuais e sociais do aluno;

• Promover a importância da performance em público;

• Desenvolver autonomia, sentido de compromisso e responsabilidade;

• Desenvolver a capacidade criativa;

• Desenvolver o interesse do aluno para todos os géneros musicais;

• Desenvolver a autoestima do aluno;

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• Promover uma postura profissional;

• Aperfeiçoar a projeção e qualidade sonora;

• Aperfeiçoar técnicas como a articulação e as dinâmicas em conjunto;

• Aperfeiçoar o sentido auditivo para a afinação;

• Desenvolver a noção de fraseado;

• Desenvolver sensibilidade auditiva para interpretação solística ou de

acompanhamento.

3.3 Planificações e Relatórios de Aulas

Neste subcapítulo encontra-se um modelo de planificação (tabela 7) e

relatório (tabela 8) de aula realizados a curto prazo. Para além da identificação

do aluno, data, número e duração da aula, a tabela de planificação contém os

conteúdos de forma estruturada a serem trabalhados na aula, assim como os

objetivos e estratégias para alcançar os mesmos; a tabela de relatório de aula

contêm as metodologias e estratégias usadas de forma descritiva e detalhada

no decorrer da aula, e o diagnóstico da aula com uma avaliação do

desempenho e comportamento do aluno, assim como os trabalhos que foram

pedidos para casa. Nas aulas observadas apenas consta o relatório de aula.

As planificações e relatórios das aulas dos Alunos A, B, C, D e Prática

Instrumental, podem ser consultados nos Anexos IV, V, VI, VII, VIII,

respetivamente.

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Planificação da Aula

Aluno Grau Instrumento

A 3º Grau Saxofone

Data Aula n.º Duração

14/05/19 46 45min.

Conteúdos / Estrutura de Aula

2º Andamento da Peça Petite Suite Latine de Jérôme Naulais

Objetivos

- Desenvolver autonomia com o pianista acompanhador;

- Aperfeiçoar a macroestrutura da peça;

- Aperfeiçoar leitura da partitura.

Estratégias

- Ouvir o aluno a tocar a peça de início ao fim;

- Solfejar e tocar com o metrónomo;

- Tocar com o aluno.

Tabela 7 - Exemplo de Planificação de Aula

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Relatório de Aula

Aluno Grau Instrumento

A 3º Grau Saxofone

Data Aula n.º Duração

14/05/19 46 45min.

Metodologias / Estratégias

Começamos a aula por aquecer o saxofone com a escala de Láb Maior: dois

tempos a cada nota e depois o aluno tocou sozinho a escala toda ligada e

articulada.

De seguida, o aluno tocou a primeira parte (Valsa Lenta) do segundo

andamento da peça Petite Suite Latine de Jérôme Naulais. Pedi-lhe para

solfejar e tocar com o metrónomo. Alertei-o para o facto de estar a crescer e a

acentuar as notas agudas, explicando e exemplificando como devia direcionar

as frases melódicas nessas passagens. Depois, tocou a Valsa Lenta com o

pianista acompanhador e estivemos a corrigir algumas entradas. Continua com

erros de solfejo, pois quando os ritmos são mais longos, o aluno perde a noção

do tempo. Por fim, toquei o segundo andamento todo com o aluno e o pianista,

e aconselhei-o a estudar tudo com o metrónomo.

Diagnóstico

O aluno conseguiu resolver alguns problemas de leitura que estava a ter na

primeira parte do andamento, porém ainda precisa de resolver muitos

problemas de solfejo, principalmente na segunda parte.

Trabalho para casa:

- Estudos nº9 e nº10 dos “50 Estudos Fáceis e Progressivos” de Guy Lacour.

Tabela 8 - Exemplo de Relatório de Aula

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3.4 Caracterização dos Intervenientes

A PES envolveu o orientador cooperante Henrique Portovedo, três

alunos de coadjuvação letiva, um aluno de observação e um grupo de Prática

Instrumental. Os participantes serão caracterizados com base no seu currículo

(no caso do orientador cooperante), pela observação e convivência direta ao

longo de todo o ano e pelos relatórios de aulas. Para preservação do

anonimato, os alunos envolvidos serão referidos com o género masculino e

uma letra do alfabeto.

3.4.1 Orientador Cooperante

O professor Henrique Portovedo14 é um saxofonista ligado à música

contemporânea, tendo já estreado mais de 40 peças dedicadas a si, por

compositores como C. Barlow, M. Edwards, I. Silva, S. Carvalho, L. Carvalho,

entre outros. Tocou a solo com a Orquestra de Sopros da Universidade de

Aveiro, Sond’Art Electric Ensemble, Orquestra de Viento Marcos Redondo,

entre outros. É diretor artístico do Aveiro SaxFest e co-fundador do

QuadQuartet. Ganhou vários prémios, entre os quais destacam-se o Prémio

Jovens Criadores pelo Instituto Português de Artes e Ideias (2002) e o Prémio

do Centro Nacional da Cultura, em Portugal (2004).

Foi artista residente na ZKM, Karlsruhe e investigador convidado da

Universidade de Edimburgo e da MAT Universidade da Califórnia em Santa

Bárbara. É membro fundador do European Saxophone Comité, Tenor Sax

Collective, Presidente da Associação Portuguesa de Saxofone e foi diretor

artístico do European Saxophone Congress, 2017. Como investigador na área

da Performance Aumentada no CITAR, Universidade Católica Portuguesa, foi

premiado pela FCT, Fundação para a Ciência e Tecnologia, com a bolsa

Fulbright.

Henrique Portovedo é professor de saxofone na EACMCGA deste o ano

letivo de 2006/2007, fazendo masterclasses em diversas escolas e festivais,

14 Toda a informação referente à biografia do professor Henrique Portovedo, foi retirada do seu sítio da internet oficial: https://www.henriqueportovedo.com/ .

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tais como: Real Conservatório Superior de Música de Madrid, Conservatório

Real de Buxelas, Maiorca SaxFest, entre outros.

Como professor, procura sempre incutir cultura musical nos alunos,

tentando primeiramente torná-los bons ouvintes e só depois bons saxofonistas.

Dá a conhecer ao aluno diferentes tipos de música e interpretes, e mostra-se

conhecedor de conceitos musicais diversamente distintos. Transmite sempre

bons valores e sabe como cativar alunos de diferentes idades a gostarem do

instrumento. É um professor jovem, que dá importância ao aluno tanto

musicalmente como socialmente, tentando que este se sinta parte essencial da

comunidade escolar. Considero-o uma pessoa dinâmica, visto que consegue

arranjar facilmente múltiplas estratégicas de ensino que possibilitam a evolução

dos alunos.

3.4.2 Aluno A – Coadjuvação Letiva

Horário das Aulas Conteúdos

Terça-feira, 11h05 – 11h50 Aula com piano - Peça

Quinta-feira, 08h30 – 09h15 Aula técnica – Escala e Estudos

Obs: Os conteúdos da aula podem ser alterados consoante as necessidades do aluno.

Tabela 9 - Horário das Aulas de Saxofone do Aluno A

O Aluno A tem 12 anos e frequenta o 3º Grau/ 7º Ano do curso básico

em regime articulado com a Escola Secundária Dr. Mário Sacramento. É um

aluno bem-disposto, educado e empenhado, tendo uma postura um pouco

tímida nas aulas. É também um pouco distraído, esquecendo-se muitas vezes

do material pedido para a aula. Antes das apresentações públicas e provas

revela sinais de ansiedade, provocando insegurança técnica. Toca num grupo

de quarteto de saxofones na PI, o que se torna uma mais valia para a sua

aprendizagem.

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Ao nível técnico do saxofone conseguimos desenvolver e aperfeiçoar

algumas competências ao longo do ano. Uma das metodologias mais utilizadas

com este aluno foi a imitação. Com esta e outras estratégias, alteramos

ligeiramente a posição da embocadura e desenvolvemos a capacidade da

pressão da coluna de ar com exercícios de notas longas e articulação (para

que pudesse melhorar a qualidade do som), porém o aluno precisa de mudar

de boquilha, pois a que tem já não lhe oferece a resistência que necessita.

Melhoramos a destreza mecânica e a sonoridade nos registos extremo grave e

agudo do saxofone, com a ajuda de escalas, fazendo exercícios de repetição

com diferentes ritmos. Aumentamos o âmbito de dinâmicas recorrendo a

exercícios de notas longas. Desenvolvemos a capacidade de tocar diferentes

tipos de articulação fazendo pressão com o diafragma, assim como noções de

afinação com o piano, recorrendo a chaves auxiliares. A sua má leitura musical

tornou-se um entrave em todas as aulas, pois passávamos maior parte do

tempo a solfejar (com a marcação do compasso).

Todas estas melhorias foram feitas de forma muito lenta, pois o estudo

do aluno não era realizado de forma regular, sendo que se preparava melhor

em altura de provas. No que diz respeito aos recursos programáticos, estava

mais avançado nas peças, mas um pouco atrasado nos estudos e nas escalas.

Assim sendo, a sua avaliação final foi positiva, ainda que o aluno tivesse

capacidades para fazer muito melhor.

3.4.3 Aluno B – Coadjuvação Letiva

Horário das Aulas Conteúdos

Terça-feira, 12h40 – 13h25 Aula com piano - Peça

Quinta-feira, 11h05 – 11h50 Aula técnica – Escala e Estudos

Obs: Os conteúdos da aula podem ser alterados consoante as necessidades do aluno.

Tabela 10 - Horário das Aulas de Saxofone do Aluno B

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O Aluno B tem 13 anos e frequenta o 4º Grau/ 8º Ano do curso básico

em regime articulado com a Escola Secundária Dr. Mário Sacramento. É um

aluno com bom sentido de humor, porém muitas vezes não respeita o que lhe é

pedido, tendo atitudes que revelam mau comportamento. É também muito

distraído e esquece-se do material para a aula ou no fim da aula deixa material

na sala. Revela muito nervosismo nas provas e está muito atrasado nos

estudos e peças para o ano que frequenta.

Durante todo o ano foi realizado trabalho de base com o aluno,

principalmente a nível mecânico e da compreensão do texto. Tentamos

também melhorar a sua postura em relação ao saxofone, pois ele tocava de

uma forma pouco natural. Uma das metodologias mais usadas com o aluno

para colmatar este erro foi encostá-lo à parede (da cabeça aos pés) enquanto

tocava, impedindo-o de se movimentar. Ao nível da qualidade sonora, a sua

embocadura não era estável devido ao uso de aparelho ortodôntico, tendo

sempre muitos ruídos no som, ainda assim, a sua pressão de ar era exercida

corretamente. Melhoramos a destreza mecânica nos registos extremo grave e

agudo, com a ajuda das escalas, fazendo exercícios de repetição com

diferentes ritmos. Também aperfeiçoamos a clareza na articulação e o âmbito

de dinâmicas com os devidos exercícios. Em termos de afinação, o aluno não

consegue perceber auditivamente se está afinado ou não.

É um aluno com muitas dificuldades e torna-se difícil trabalhar com ele,

pois raramente reconhece o erro e repete-o várias vezes de aula para aula. No

que diz respeito às escalas, é um aluno que compreende muito bem a teoria do

das mesmas, porém tem muitas dificuldades a ler e solfejar partituras. Nota-se

que o aluno não tem um estudo regular e correto fora da aula. Apesar de fazer

parte do grupo de PI que leciono, necessita de mais estímulos de participação

em grupos musicais, principalmente para ganhar destreza de leitura de

partituras à primeira vista, com a ajuda de terceiros. A sua avaliação final foi

positiva muito baixa.

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3.4.4 Aluno C – Coadjuvação Letiva

Horário das Aulas Conteúdos

Terça-feira, 11h55 – 12h40 Aula técnica – Escala e Estudos

Quinta-feira, 11h55 – 12h40 Aula com piano - Peça

Obs: Os conteúdos da aula podem ser alterados consoante as necessidades do aluno.

Tabela 11 - Horário das Aulas de Saxofone do Aluno C

O Aluno C tem 14 anos e frequenta o 5º Grau/ 9º Ano do curso básico

em regime articulado com a Escola Secundária Dr. Mário Sacramento. É um

aluno com um ótimo sentido de humor, está sempre bem-disposto e é educado,

motivado e predisposto a aprender.

A nível técnico, o aluno tem alguns problemas de base como a qualidade

do som, por falta de pressão de ar. Este foi o principal foco durante todo o ano,

fazer com que o aluno ultrapassasse esta dificuldade com exercícios de

respiração. Para além disso, teve alguns problemas de digitação (por ter as

mãos muito grandes), que foram colmatados com exercícios nas escalas e

métodos de estudo. Outra das competências que foram melhoradas foi a

rapidez na articulação e a amplitude de dinâmicas. Posso afirmar que o aluno é

muito bom a imitar o que lhe é exemplificado, porém tem muitas dificuldades

rítmicas e de pulsação, sendo necessário realizar um estudo regular de solfejo

com o metrónomo, que muitas vezes era feito apenas nas aulas.

Para além do grupo de PI – duo com piano, foi-lhe aconselhado a fazer

parte de uma orquestra de sopros, para que pudesse tocar com mais pessoas,

ajudando-o nos problemas de pulsação, porém não se mostrou interessado. No

fim do ano, senti que começou a ganhar identidade própria ao tocar, apesar do

estudo continuar a não ser constante. Independentemente da sua avaliação ter

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sido positiva, o aluno não quis realizar a prova de ingresso para o ensino

secundário.

3.4.5 Aluno D - Observação

Horário da Aula Conteúdos

Quinta-feira, 10h15 – 11h Aula técnica – Escalas e Estudos

Obs: Os conteúdos da aula podem ser alterados consoante as necessidades do aluno.

Tabela 12 - Horário da Aula de Saxofone Observada do Aluno D

O Aluno D tem 17 anos e frequenta o 7º Grau/ 11º Ano do curso

secundário em regime articulado com a Escola Secundária José Estêvão. É um

aluno calmo, empenhado e atento nas aulas, tendo bastante identidade ao

tocar, bem como muitas ideias musicais.

Os seus pontos fortes são a destreza na digitação e a boa leitura à

primeira vista, porém precisa de aperfeiçoar a qualidade sonora imprimindo

pressão de ar em todo o registo do saxofone. Para além de ter colmatado estas

pequenas falhas, aprendeu, com o professor cooperante, a forma como deve

encarar a performance, pois teve várias apresentações públicas e concursos

ao longo do ano. Também aperfeiçoou a sua memória ao tocar de cor e

introduziu obras contemporâneas ao seu reportório.

No que diz respeito aos recursos programáticos, o aluno esteve sempre

bastante avançado para o ano que estava a frequentar. O seu estudo foi

regular e por consequência a sua nota final foi bastante positiva, notando-se

muita evolução ao longo de todo o ano.

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3.4.6 Pática Instrumental – Coadjuvação Letiva

Horário da Aula

Quinta-feira, 9h15 – 10h

Tabela 13 - Horário da Aula de Prática Instrumental

O grupo de PI contou com a participação do Aluno B e outros dois

alunos de saxofone do 4º Grau/ 8º Ano do curso básico em regime articulado.

Ao longo de todo o ano os alunos tocaram duos para saxofone, em que um

deles dobrava sempre uma das vozes, pois o Aluno B tinha muitas dificuldades

de leitura e precisava de ajuda.

Por falta de estudo individual e de grupo antes das aulas, os alunos

tiveram muitas dificuldades de solfejo. Para além de solfejarmos o ano todo,

melhoramos também a música em conjunto em todos os aspetos: ao nível da

respiração, da pulsação, das dinâmicas e da articulação em simultâneo. Uma

das competências mais trabalhadas em grupo foi a de reconhecimento auditivo

da importância das vozes, ou seja, os alunos devem compreender quando têm

a melodia e podem tocar de forma mais exposta e quando estão apenas a

tocar o acompanhamento e devem tocar um pouco mais piano.

A avaliação do grupo foi positiva, ainda assim precisam de melhorar

muitos aspetos técnicos. Penso que as performances em público foram um

aspeto bastante positivo para a autoestima de cada um dos alunos.

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4. Atividades em Contexto da PES Com o objetivo de dinamizar e enriquecer a comunidade escolar, o

Plano Anual de Formação do Aluno da PES idealiza a criação, gestão e

implementação de atividades extracurriculares, das quais três devem ser

organizadas e duas participadas.

Assim sendo, quis organizar e participar em atividades que

promovessem o trabalho em grupo, não só entre alunos e colegas estagiários

do conservatório, mas também entre amigos e professores de saxofone.

Considero que as atividades abaixo apresentadas enriqueceram e marcaram

os alunos de forma positiva, tanto por aquilo que aprenderam enquanto

ouvintes e participantes, como a nível interpessoal, pois fizeram novos amigos

e criaram uma relação de maior proximidade com outros alunos e professores.

A nível pessoal, foram muito importantes as relações pessoais que criei e o

facto de ter conseguido gerir atividades para uma comunidade escolar tão

grande.

Seguidamente na tabela 14 apresento a calendarização das atividades

da PES. De seguida, irei apresentar cada uma delas de forma mais detalhada e

descritiva.

Ciclo de Concertos de Música de Câmara

- Flauta Transversal e Clarinete 12 de fevereiro de 2019

- Flauta Transversal e Guitarra Clássica 18 de fevereiro de 2019

- Ensemble de Trompetes da Universidade

de Aveiro e New Generation Ensemble

11 de março de 2019

- Quarteto de Saxofones 14 de março de 2019

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Masterclasse de Saxofone – Carl-

Emmanuel Fisbach

3 e 4 de maio de 2019

Ensembles de Saxofone 3 e 4 de maio de 2019

Tabela 14 - Atividades da PES

4.1 Ciclo de Concertos de Música de Câmara

Esta atividade decorreu ao longo de dois meses, contando com 4

concertos de Música de Câmara na Sala Azeredo Perdigão da EACMCGA. Foi

um Ciclo de Concertos organizado e realizado pelos Alunos do Núcleo de

Estágio da EACMCGA e seus convidados. Os principais objetivos desta

atividade foram os seguintes:

• Promover a música de câmara para diferentes formações instrumentais;

• Dar a possibilidade aos alunos de assistirem a concertos realizados

pelos próprios professores;

• Promover a música de diferentes compositores e de várias épocas

históricas;

• Apresentar reportório que os alunos possam estar a tocar nas suas

formações de música de câmara;

• Estreitar e fortalecer a relação com a comunidade académica.

Tendo em conta todos os objetivos gerais da atividade, passo agora a

apresentar cada um dos concertos realizados:

Concerto do dia 12 de fevereiro | 18h – Flauta Transversal e Clarinete

Repertório:

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• Duetto 1 pour Flute et Clarinette de K. Kummer (1.º andamento);

• Duos For Flute and Clarinet op. 24 de R. Muczynski (1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º

e 6.º andamentos);

• Chôros n.º 2 para flauta e clarinete de H. Villa-Lobos.

Sendo este um grupo pouco convencional, o objetivo foi promover a

atenção do ouvinte para diferentes sonoridades. A apresentação contou com a

participação da Gisela na flauta (do núcleo de alunos estagiários) e de uma

aluna de clarinete da Universidade de Aveiro (UA).

O concerto teve alguma adesão de alunos de iniciação e docentes da

escola.

Concerto do dia 18 de fevereiro | 18h40 – Flauta Transversal e Guitarra

Clássica

Repertório:

• Dezasseis canções com acompanhamento de guitarra de F. Schubert,

transcrito por T. F. Heck (1ª, 3ª, 10ª e 13ª canções);

• História do Tango de A. Piazzola (Café 1930);

• Músicas Populares Brasileiras de C. Machado (1.º e 4.º andamentos).

O objetivo deste concerto foi a apresentação de novas interpretações de

reportório clássico para dois instrumentos tão diferentes, que se conseguem

complementar pela sua riqueza sonora. Contou com a participação da Maria na

flauta (do núcleo de alunos estagiários) e de um professor de guitarra clássica

da Academia de Música de São João da Madeira.

Tendo em conta o horário do concerto, a adesão foi maior por parte do

público externo do que pelos alunos da escola.

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Concerto do dia 11 de março | 17h – Ensemble de Trompetes da

Universidade de Aveiro e New Generation Ensemble

Repertório apresentado pelo Ensemble de Trompetes da UA:

• Till Eulenspiegel de R. Strauss;

• Fantasia Brasileira de J. Silva “Duda”.

Repertório apresentado pelo New Generation Ensemble:

• Conquest de E. Morales;

• Trompet Fugue de J. S. Bach;

• Dürrenhorn Passage de K. McKee

Este concerto teve como objetivo mostrar à comunidade escolar o vasto

reportório para trompete, assim como a diversidade dos arranjos para um tipo

de formação mais alargada. Neste concerto participaram os alunos estagiários

João e Daniel, e os seus convidados.

Tanto o público externo como o interno mostraram-se recetivos a esta

iniciativa.

Concerto do dia 14 de março | 17h – Quarteto de Saxofones

Repertório:

• Concerto Italiano de J. S. Bach;

• Ciudades de G. Lago (Sarajevo e Addis Ababa);

• Tango Virtuoso de T. Escaich;

• Fuga y Misterio de A. Piazzola;

• Patchwork de P. Geiss.

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Normalmente os instrumentistas de saxofone formam quartetos que

integram os quatro tipos de saxofone: soprano, alto, tenor e barítono. Desta

forma, o principal objetivo foi, não só mostrar à comunidade escolar os

diferentes tipos de saxofone e a sua sonoridade, mas também abordar o

reportório clássico e adaptações de obras marcantes da história da música.

Outro dos objetivos foi mostrar aos alunos peças que estavam a tocar nos seus

quartetos, para que pudessem ouvir e enriquecerem-se com ideias

performativas da obra. Dou o exemplo do Concerto Italiano de J. S. Bach, obra

que estava a ser tocada pelo quarteto do Aluno D.

Este concerto contou com a minha participação no saxofone soprano,

duas alunas da UA nos saxofones alto e tenor e um professor de saxofone no

Conservatório de Música de Coimbra no saxofone barítono. Teve alguma

adesão por parte das comunidades internas e externas à EACMCGA.

Todos os cartazes e fotografias desta atividade encontram-se no Anexo

IX.

4.2 Masterclasse de Saxofone e Ensembles de

Saxofone

Esta Masterclasse decorreu nos dias 3 e 4 de maio e contou com a

participação do professor francês Carl-Emmanuel Fisbach. Carl-Emmanuel

Fisbach estudou no Conservatório Nacional Superior de Música e Dança de

Paris, ganhou diversos prémios e é patrocinado por grandes marcas do mundo

do saxofone. Para além de dar masterclasses, é solista em várias orquestras e

ensembles de música de câmara, fazendo diversos concertos nacionais e

internacionais ao longo do ano. É uma pessoa muito acessível, com um bom

sentido de humor e sempre disposto a ajudar e a melhorar a autoestima dos

alunos com quem se cruza.

A atividade foi organizada e participada pelos alunos do Núcleo de

Estágio de Saxofone da EACMCGA, e contou com a presença de alunos

internos e externos à EACMCGA, como participantes e/ou ouvintes. Para além

das aulas individuais os alunos também se puderem inscrever nos pequenos

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ensembles de saxofone, geridos por mim e pelo Paulo (aluno estagiário de

saxofone), contando com um concerto final sobre o qual irei falar mais à frente.

A atividade teve os seguintes objetivos:

• Promover a partilha de experiências e conhecimentos com um professor

estrangeiro;

• Proporcionar aulas e ensaios em grupo;

• Partilhar conhecimentos e ideias musicais entre alunos e professores

internos e externos à EACMCGA;

• Transmitir novas ideias através da observação;

• Fortalecer a autoestima dos alunos na performance em público;

• Melhorar aspetos técnicos e de performance do aluno;

• Criar e estreitar relações entre alunos e professores.

Como participante da masterclasse aprendi muito nesses dois dias, não

só a nível performativo, mas também como ouvinte e professora.

Tal como foi referido anteriormente, esta masterclasse contou com uma

outra iniciativa promovida por mim e pelo Paulo: a formação de pequenos

ensembles de saxofones. Assim sendo, enquanto as masterclasses individuais

decorriam, distribuímos os alunos por graus e realizamos dois ensaios sob a

nossa orientação e participação. Alguns grupos já estavam formados da

disciplina de PI e nesses casos apenas aperfeiçoamos e ajudamos na evolução

das peças. Outros grupos eram completamente novos, por isso tivemos de dar

mais apoio. Estes ensaios deram origem a uma aula com o professor da

masterclasse para cada grupo, culminando num concerto final na Sala Azeredo

Perdigão, aberto a toda a comunidade interna e externa à EACMCGA.

Na minha opinião, conseguimos corresponder positivamente a todos os

objetivos propostos, sendo que é importante destacar que os alunos gostaram

muito da iniciativa dos ensembles, pois conheceram pessoas novas, cujo o

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grau de aprendizagem era idêntico; estreitaram relações com todos os

professores de saxofone; quem nunca tinha tido a experiência de tocar em

grupo e para o público pôde vivenciar essa vertente; e acima de tudo

desenvolveu-lhes a autoestima enquanto alunos de uma comunidade escolar.

A nível pessoal e profissional aprendi muito acerca da organização de

um masterclasse com o professor Henrique Portovedo. A nível performativo e

educacional absorvi o máximo de informação com o professor Carl-Emmanuel

Fisbach, tanto nas aulas como nos momentos de lazer. Sem dúvida que foi

uma experiência que me fez crescer muito em todos os aspetos.

O cartaz, programa da audição, exemplo de certificado e fotografias

desta atividade estão disponíveis no Anexo X.

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5. Reflexão Final

Apesar de lecionar saxofone há 3 anos numa banda filarmónica, a PES

permitiu-me conhecer outras realidades. A mais importante para mim foi, sem

dúvida, a de organização de atividades extracurriculares pensadas no

desenvolvimento do aluno, que até então não tinha tido oportunidade de o fazer

de forma tão organizada e ampla, de modo a acolher toda a comunidade

escolar.

Aprendi que é importante não nos esquecermos que os jovens precisam

de bastantes estímulos positivos e que nós, professores, também somos os

seus educadores. Sem que nos apercebamos, os alunos podem repetir as

nossas ações pela convivência que têm connosco, por isso temos de tentar ser

as melhores pessoas antes de tentarmos ser os melhores professores. Afetiva

e emocionalmente, podemos mudar o dia de um aluno com uma conversa que

pode ou não estar relacionada com música, precisamos de nos aproximar

deles, precisamos de ganhar a sua confiança para que percebam a importância

da música e do estudo regular, a nível pedagógico e de saúde mental. Acima

de tudo devemos tornar o aluno um bom ouvinte e apreciador de cultura

musical, só depois disso é que conseguimos que ele ganhe o interesse pela

aprendizagem do instrumento.

É importante tocar muito para o aluno, pois como já referi, eles repetem

o que fazemos, e se queremos que eles se tornem bons músicos, temos de os

fazer ouvir da melhor forma. Acredito, por experiência própria, que na maioria

dos casos é mais fácil explicar o que queremos a tocar do que a falar, pois por

vezes é difícil explicar o sentido da música por palavras. Foi com este mesmo

intuito que se realizaram o Ciclo de Concertos de Música de Câmara, a

Masterclasse de Saxofone e os Ensembles de Saxofone, para que os alunos

tivessem a oportunidade de ouvir os professores a tocar num contexto

performativo e até mesmo para os professores tocarem com eles, dando-lhes

autoconfiança. Em relação aos Ensembles de Saxofone, penso que foi uma

mais valia para a promoção da autoestima de todos os alunos participantes.

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É importante que os alunos saibam que os professores estão em

constante aprendizagem, e dessa forma, decidi participar na Masterclasse de

Saxofone com o objetivo de lhes mostrar o reportório mais contemporâneo do

instrumento. Para além disso, todos os professores têm métodos de ensino

diferentes, assim sendo, a organização da masterclasse teve um propósito

didático não só para os alunos, mas também para os estagiários.

Relativamente a toda a prática letiva, considero que houve um progresso

positivo no trabalho desenvolvido por mim e pelos alunos. Os alunos

conseguiram melhorar e desenvolver alguns aspetos técnicos, acabando por

ter um ano positivo, apesar da maioria deles não executar um estudo regular.

Como consequência, era frequente ter de dedicar muitas aulas a corrigir

aspetos de leitura, como ritmos e notas erradas, sendo que as questões

interpretativas, como o fraseado melódico, não eram tão aprofundadas como

deveriam ser.

Resumidamente, a PES ajudou-me a adquirir competências enquanto

docente, procurando aplicar estratégias que utilizaram comigo enquanto aluna

e desenvolver outras, consoante as necessidades do aluno. Aprendi também

que cada aluno tem o seu ritmo de aprendizagem e que devemos procurar

estratégias diferentes que se adequam melhor a cada um deles. Esta unidade

curricular permitiu-me não só evoluir profissionalmente, mas também me deu a

oportunidade para refletir sobre o papel fundamental que o professor pode ter

na vida de um aluno. Acabo com a certeza que desenvolvi muitas qualidades a

nível profissional e pessoal.

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Anexos

ANEXO I - DIÁRIO DE BORDO ..................................................................... 143

ANEXO II – ENTREVISTA TERAPEUTA DA FALA ....................................... 197

ANEXO III – EXPERIÊNCIAS NA CONSTRUÇÃO DE INSTRUMENTOS MUSICAIS ...................................................................................................... 209

ANEXO IV – PLANIFICAÇÕES E RELATÓRIOS DO ALUNO A ................... 215

ANEXO V – PLANIFICAÇÕES E RELATÓRIOS DO ALUNO B .................... 315

ANEXO VI – PLANIFICAÇÕES E RELATÓRIOS DO ALUNO C ................... 399

ANEXO VII – RELATÓRIOS DO ALUNO D ................................................... 481

ANEXO VIII – PLANIFICAÇÕES E RELATÓRIOS DA PRÁTICA INSTRUMENTAL ........................................................................................... 501

ANEXO IX – CICLO DE CONCERTOS DE MÚSICA DE CÂMARA ............... 525

ANEXO X – MASTERCLASSE DE SAXOFONE E ENSEMBLES DE SAXOFONE ................................................................................................... 527

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Anexo I - Diário de Bordo

Em meados de maio de 2018 fui falar com o formador responsável do

ESTA Integra de Avanca, para saber se era possível realizar o meu projeto, a

partir de janeiro de 2019, com o seu apoio. Ele disse-me que iriam renovar a

candidatura em dezembro de 2018 e só aí saberiam se iriam continuar com o

programa em 2019. Posto isto, decidi arranjar uma segunda opção, o Centro

Paroquial e Social de Santa Marinha de Avanca (CPSSMA), porém só tinham

alunos entre os 2 e os 5 anos. Após muitos e-mails, telefonemas e reuniões,

percebi que o prazo de candidatura para o programa ESTA Integra tinha

alargado até meados de janeiro de 2019, por isso caso eles continuassem com

o programa, só conseguia iniciar o meu projeto no mês de fevereiro, o que

atrasaria o meu trabalho. Assim sendo, optei por fazer o projeto no CPSSMA.

Comecei o projeto em janeiro de 2019.

Quarta, 09/01/19 (30min.)

Conversa com a Técnica de Gabinete de Acompanhamento Social, Ana

Oliveira

Fui falar com a técnica Ana Oliveira e entreguei-lhe os pedidos de

autorização para dar ao Senhor Padre José Henriques da Silva, diretor do

Centro Paroquial e Social de Santa Marinha de Avanca (CPSSMA). De forma a

obter a sua aprovação formal do pedido de implementação do projeto na sua

paróquia. Também entreguei pedidos de autorização para os encarregados de

educação autorizarem a captação audiovisual dos alunos.

Nesta conversa fiquei a saber que existem duas turmas de pré-escolar:

uma com 18 alunos entre os 2 e os 4 anos, que tinha 4 alunos ciganos, e outra

com 20 alunos entre os 4 e os 5 anos, com 5 alunos de etnia cigana. Para além

destes alunos, foi-me proposta a possibilidade de trabalhar com os idosos.

Após refletir, decidi que o melhor para o meu projeto seria trabalhar com a

turma de 20 alunos, entre os 4 e os 5 anos, às segundas entre as 10h e as 11h

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(com possibilidade de alteração de horário), pois às sextas alguns deles tinham

aulas de música com um professor da Escola de Artes de Avanca.

Sendo o meu projeto direcionado à comunidade, a técnica explicou que

haviam poucos alunos ciganos a frequentar a pré-escola do centro paroquial,

talvez por ser pago. Os encarregados de educação das crianças ciganos que

frequentam este centro, foram, de alguma forma, convencidos pela sociedade

envolvente da importância do mesmo. Um dos benefícios que também ajudam

à aderência a esta pré-escola é a garantia de transporte de casa para o centro

e vice-versa.

Segunda, 14/01/19

Sessão nº1 (1h)

16 alunos.

As minhas sessões iam-se realizar na Sala Verde. Quando lá cheguei

apresentei-me à Educadora Filipa e à Auxiliar Luísa que já tinham

conhecimento do meu projeto.

Disse olá a todos os meninos montei o saxofone. Comecei por tocar As

Pombinhas da Catrina (música tradicional portuguesa), ficaram todos muito

atentos e impressionados com o som do saxofone, pois provavelmente nunca

nenhum deles tinha ouvido um instrumento assim tão perto a tocar uma

melodia que eles reconheciam.

Depois desta primeira abordagem apresentei-me e perguntei se alguém

conhecia o meu instrumento, eles iam dizendo “trompete”, “clarinete”. Eu

respondi que era um saxofone e que no fim lhes ia dar um. Eles ficaram muito

contentes.

Agora que já sabiam o meu nome e o nome do meu instrumento, pedi

que cantassem comigo enquanto eu tocava. Com a ajuda da Auxiliar Luísa eles

conseguiram fazê-lo muito bem. Depois toquei outra música tradicional: O

Balão do João e assim que se aperceberam que música era, começaram a

cantar comigo novamente.

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Para que eles não perdessem a atenção, decidi mudar de tarefa e

fizemos uma roda. Pus a música Sou uma taça do Panda e os Caricas e

passamos uma bola de papel de mão em mão enquanto dizíamos o nosso

nome. Por eu exemplo: “Eu sou a Carla”, sempre na pulsação da música.

Fizemos este jogo três ou quatro vezes para que eu pudesse assimilar todos os

nomes e para que eles tentassem dizer o nome ao ritmo da música. Com este

jogo reparei que dois meninos ciganos não diziam o seu nome, tinham de ser

os outros a responder por eles. O Azul apenas dizia palavras soltas que

ninguém entendia. Já o Laranja só abanava a cabeça com sim e não. A

educadora informou-me que tinha entrado para a turma há pouco tempo e não

falava com ninguém, porém os pais disseram que em casa falava

normalmente.

Depois, ainda numa roda, estivemos a percutir o corpo. Eu estava no

meio da roda e quando passava pelas crianças pedia que elas imitassem o que

eu fazia, uma por uma, até estarem todas a fazer o mesmo. Chamei Os Sons

da Chuva a esta interação – esfregar as mãos; - estalar os dedos; - bater com

dois dedos na palma da mão; - bater com as mãos nas pernas; - saltar e bater

com os pés no chão (como se fossem trovões); depois fizemos tudo igual na

sequência contrária. O Laranja para além de não falar também não quis

participar, apenas ficou a olhar muito atentamente para tudo o que fazíamos.

Por fim, dei origamis em forma de saxofone a todas as crianças e pedi

que me dissessem o que lhes fazia lembrar o saxofone. Tive respostas como:

pato, barco, escorrega, caranguejo, S, camião, sapato, cobra, pinheiro e avião.

Dei a sessão por encerrada e confesso que estive sempre um pouco

nervosa ao longo de toda a sessão, por ser a primeira vez que fazia isto

sozinha e por não saber muito bem como o fazer.

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Segunda, 21/01/19

Sessão nº2 (1h)

16 alunos.

Nesta sessão pedi à Educadora Filipa para ser eu a ter total

responsabilidade pelo decorrer das atividades. Por um lado, queria ter a

consciência do que era estar totalmente sozinha com tantas crianças, e por

outro lado, não queria que a educadora as pusessem de castigo por mau

comportamento ou por não respeitarem o que lhes pedia, pois neste tipo de

projetos não há o certo e o errado, apenas o livre desenvolvimento da

imaginação e a aproximação humana.

Quando cheguei à Sala Verde as crianças estavam a brincar, por isso

começamos por arrumar a sala todos juntos. Começamos com o mesmo

exercício da última sessão: Os Sons da Chuva, mas desta vez não usamos só

os sons percutidos corporalmente, mas também, sons com a boca não

vocalizados, como: “sss”, “ch”, “fff”, estalidos com a língua, e por aí fora.

De seguida, perguntei se ainda sabiam o meu nome e o do meu

instrumento. Alguns já não se lembravam, por isso relembrei-os e perguntei

novamente o que é que o saxofone os fazia lembrar, à medida que me iam

dizendo íamos imitando esses animais e objetos: leão, serpente, borboleta,

barco, gafanhoto e pato.

Como na última sessão muitos me tinham dito que o saxofone parecia

um pato, decidi fazer uma música para eles. Para acompanhar esta música

ensinei-lhes uma base rítmica: bater no peito, estalar dedo, bater palma; e

comecei a cantar por cima (em estilo rap), frase por frase para que eles

repetissem.

Música do Pato

Lá vai o pato (várias vezes) / Pata aqui (2x), pata acolá (2x) / Qua Qua (várias

vezes) / Lá vai o pato (várias vezes) / Para ver (2x) o que há cá (2x) / Qua Qua

(várias vezes com ritmos diferentes)

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Repetimos isto várias vezes, até que eles aprendessem a letra e fomos

andando e dançando pela sala. Fizemos algumas coreografias com a letra,

como por exemplo, quando chegava a parte do “qua qua” imitamos o bico e o

andar de um pato.

Nesta sessão apareceu o Dourado, um menino com problemas de

audição que foi operado recentemente a um ouvido, e começou a ouvir a 50%,

com a ajuda de um aparelho auditivo. Ao longo da sessão fui notando que ele

se entusiasmava quando os sons eram mais forte, pulando e fazendo sons com

a boca, tentando comunicar comigo. Quando comecei a tocar saxofone ele

ficou completamente imobilizado, pois, penso que conseguia ouvir

perfeitamente o som forte deste instrumento e provavelmente nunca tinha

ouvido nada assim. Fui então tocar para a frente dele com o saxofone e notei

que estava com um certo medo. Então peguei na sua mão e coloquei-a na

campânula, para que ele pudesse sentir as vibrações, pois não sabia ao certo

se ele estava a ouvir, por isso podia sentir. Tive de tocar uma nota grave, pois

só assim a campânula vibra. Ele assustou-se e começou a chorar, por isso

comecei a tocar As Pombinhas da Catrina muito calmamente e pianíssimo para

que ele ganhasse mais confiança. A partir daí senti que ele já se aproximava

um pouco mais de mim, mas sempre com um certo receio.

Depois, pedi para que eles dançassem de acordo com o que eu ia

tocando. Este exercício não resultou tão bem como os anteriores, pois já

estavam muito distraídos e cansados. Por isso, para terminar, decidi voltar ao

início da sessão cantando a Música do Pato para ver se eles ainda se

lembravam.

O Laranja continua sem falar e sem querer participar nas atividades, por

mais que eu me dirija a ele e tente interagir.

Em termos pessoais e num modo geral, acho que as crianças gostam

todas muito de mim. Sinto que estão a ganhar confiança comigo, pois querem-

me abraçar e ficar à minha beira quando fazemos as atividades. Fico muito feliz

por isso!

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Segunda, 28/01/19

Sessão nº3 (1h)

16 alunos.

Comecei a sessão por tocar a escala hispano-árabe. Algumas crianças

pararam o que estavam a fazer para me ouvir, nomeadamente o Dourado, que

ficou imóvel com uma caixa de brinquedos na mão. Quando parei de tocar ele

continuou sem se mexer, só quando falei para ele pedindo (com gestos) que

ele viesse ter comigo é que ele pousou a caixa.

Ajudei-os a arrumarem os brinquedos e jogamos a um jogo: eu tocava e

eles tinham de se movimentar de acordo com a música que ouviam. Expliquei-

lhe que quando eu parasse de tocar tinham que ficar em estátua, e quem se

movimentasse saía do jogo. Ao fim de algum tempo e depois de algumas

crianças terem perdido, pedi-lhes para se sentarem no chão comigo. Toquei

um pouco e elas tentaram cantar o que eu tocava, porém foram poucos os que

conseguiram.

De seguida, pedi que cantassem a Música do Pato, mas desta vez

toquei enquanto eles cantavam e faziam os gestos. Aqui, já só metade da

turma é que estava atenta, os outros meninos estavam à luta, aos empurrões e

discussões no fim da sala. Mas sempre que chegava a parte do “qua qua”

ficavam mais interessados para imitar o pato.

Acabamos a sessão fazendo Os Sons da Chuva, e desta vez

acrescentei a percussão no peito. Por fim, pedi que esfregassem as mãos aos

ouvidos uns dos outros, em silêncio, para que pudessem ouvir bem o som.

Nesta sessão, reparei que, num modo geral, crianças se sentem mais à

vontade para fazer ritmos do que cantar.

O Laranja continua sem falar.

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Segunda, 11/02/19

Sessão nº4 (1h)

19 alunos.

Quando cheguei à Sala Verde os alunos estavam a desenhar, então

comecei por ir ter com eles e dizer-lhes olá mesa por mesa, ajudando-os nas

suas tarefas. Depois fui ter com o Dourado, que estava a brincar com os

carrinhos no tapete, e comecei a brincar com ele também, imitando alguns

gestos e sons que ele fazia. Ele ficou muito contente com a minha interação.

Desta vez dividi a turma em dois grupos de 9 (excluí o Dourado nesta

primeira parte), pois tinha sido muito difícil para mim nas últimas sessões

estarem todos juntos. Em ambos os grupos fizemos exercícios de

aquecimento. Primeiro o corpo: demos as mãos numa roda e soltávamos

quando eu dissesse 3, abanamos o corpo, espreguiçamo-nos e fizemos

massagens na cara e no corpo, fizemos também massagens uns aos outros e

fingimos que estávamos a partir um tijolo - eu respirava e depois fazíamos um

gesto com a mão para baixo dizendo “ya” (aqui algumas crianças quiseram ser

elas a dar a respiração para o “ya”). Depois aquecemos a voz: cantamos uma

nota aleatória em cada uma das cinco vogais e deixamos essa nota cair

acompanhada pelo corpo, que ia para baixo. Em seguida, fiz um exercício para

lhes captar a atenção (pois eles não paravam quietos, fazendo coisas

aleatórias e pedindo-me sempre para ir à casa de banho): inspirei muito forte,

sustive a respiração durante alguns segundos e depois suspirei, eles acharam

imensa piada e imitaram-me logo de seguida. Comecei a fazer sons com a

boca como: “shh, tch, cloc, buzzing, plic, ploc” para que eles me imitassem e

aqui pudemos também interagir uns com os outros. Quando uma pessoa

começava a fazer um som diferente os outros respondiam com o mesmo som.

Depois do aquecimento feito, fizemos Os Sons da Chuva, incluindo os novos

sons vocais.

Quase no fim da sessão, cantei a canção Plic Ploc do Manual para a

Construção de Jardins Interiores – Colos de Música. Fui colocando alguns

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gestos associados à letra para que eles aprendessem mais rápido. Na parte do

Atchim, fizemos várias vezes de diferentes formas.

Depois perguntei quem é que ainda sabia a Música do Pato. E

conseguiram cantar sem a minha ajuda. Por fim, mostrei-lhes os Tubalões,

instrumento do Super-Sonics. Ficaram todos muito entusiasmados e estiveram

a experimentar tocar.

O Laranja começou a participar nas atividades, mostrando um sorriso

constante ao longo de toda a sessão. Ainda assim, continua sem falar e sem

reproduzir qualquer som vocal.

No fim, depois de ter estado com os dois grupos, fui ter com Dourado e

levei os Tubalões comigo. Pedi ao Laranja que tocasse num para exemplificar,

porém o Dourado ficou logo assustado e não quis tentar. Então decidi que tinha

de ir por um caminho mais simples e estive algum tempo a fazer alguns sons

com a boca e com o corpo, que ele foi tentado imitar.

Como já referi, sinto que todo o grupo gosta de mim, pois querem estar

sempre à minha beira e dão-me muitos abraços. Contudo, por vezes é

inevitável dar uma ou outra ordem para que o grupo se acalme e preste mais

atenção às tarefas que são propostas.

Quarta, 13/02/19

Sessão nº5 (1h40)

19 alunos.

Nesta sessão o meu objetivo foi apenas brincar com as crianças e

ganhar proximidade com elas.

Quando cheguei à Sala Verde estava tudo muito calmo, uns estavam

sentados no tapete e outros na mesa a fazer trabalhos manuais com a Auxiliar.

Dirigi-me à Auxiliar e expliquei o que queria fazer. Como queria entrar

nas brincadeiras das crianças e elas não estavam a brincar, pedi-lhe folhas em

branco para elas poderem desenhar para mim e para eu desenhar com elas

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também. Então, dividimos a turma em metade e fomos para a sala ao lado. A

Auxiliar disse-lhes: “É para se portarem bem com a professora Carla, se não

ficam de castigo”, eu respondi com um sorriso.

Estiveram a desenhar tudo o que queriam e iam-me pedindo ajuda para

desenhar as suas mãos na folha, para pintar o cabelo dos bonecos que

desenhavam, ou para afiar os lápis de cor. Quando lhes perguntei se os

desenhos podiam ficar para mim, houve um menino que disse que queria dar o

dele à mãe, por isso dei-lhe outra folha para que ele desenhasse um para mim.

Ao longo da atividade iam-me mostrando os desenhos e explicando o que

estavam a desenhar. No fim, pedi que escrevessem o nome com a ajuda de

umas placas que cada um tem com o seu nome. Muitos deles ainda não

conseguem, por isso pus a minha mão por cima da deles e ajudei-os a

escrever. Como sempre, pediam-me para ir à casa de banho, e também me

faziam queixas uns dos outros, como por exemplo um deles ter o lápis do

outro, e assim começavam a discussão. Eu tentei sempre resolver as brigas da

melhor forma, não dando muita importância e tentado convencê-los a serem

bons uns com os outros, emprestando o material aos colegas.

Quem já tinha terminado o desenho podia regressar à sala ao lado.

Quando o Dourado chegou, estivemos a rabiscar numa folha. Eu ia imitando o

que ele fazia, mas também tentava que ele me imitasse a mim, por exemplo:

fazia só pontinhos ou só traços, e quando ele começava a fazer linhas eu

seguia com o meu lápis atrás do dele. Penso que conseguimos comunicar bem

um com o outro desta forma e para além disso criamos uma proximidade, pois

depois ele entreteve-se a mexer no meu cabelo e a dar-me abraços. Enquanto

isso, eu ajudava os outros meninos a desenhar corações, afiar lápis ou a fazer

rabiscos como o caso do Azul, que também achava imensa graça à interação

com ele.

O Azul é o menino que não sabe falar corretamente, ninguém percebe

muito bem o que ele diz, parece um desenho animado a falar, pois exprime-se

muito através de sons e expressões faciais e corporais. Desde o início que

estabeleci uma boa relação com ele, como muitas vezes não percebo o que ele

diz, comecei a perguntar se ele estava bem com o gesto de “fixe”, e ele sempre

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me responde com outro “fixe”. Então agora sempre acaba alguma tarefa, ou

está a gostar do que está a fazer, faz-me um “fixe”.

Ao longo da sessão, sempre que me chamavam de professora eu dizia

para me chamarem por Carla, de forma a tentar aproximar-me mais deles, sem

haver essa relação de distância de professor aluno, pois quero estar ao nível

deles e nunca a cima. Porém eles têm muitas dificuldades em pronunciar o

meu nome, chamando-me sempre por “Cala”, o que tem imensa graça.

Uma das meninas, muito amorosa, desenhou-me a mim e a ela. O

Laranja continua sem falar, mas já me deixa interagir com ele.

Queria que as crianças acabassem de desenhar para depois ainda

poder tocar um bocado para eles, porém, no meio de tanta brincadeira e

conversa, nem dei pelo tempo passar e a Auxiliar foi-me dizer que eles tinham

de ir almoçar, então arrumamos tudo.

Quando regressamos à sala, a Auxiliar pediu para se sentarem no tapete

porque ainda tinham de esperar 10 minutos pelo almoço, então decidi fazer

umas brincadeiras com eles. Começamos por fazer sons com a boca e

percussão, por exemplo: bater com as mãos no tapete muito rápidos. O

Dourado adorou este som forte e começo a fazer também. Levantou-se de

onde estava foi-se sentar ao meu colo onde se manteve até ao fim da sessão.

Depois começamos a soprar uns para os outros e comecei a cantar o

Plic Ploc. Uma das meninas disse-me que estava muito cansada, então

embalamo-nos uns aos outros como se fossemos dormir. A Auxiliar disse que

tínhamos de terminar e batemos uma grande salva de palmas, acabando com

um “shh” para que se acalmassem.

No fim da sessão senti que já comecei a decorar melhor os nomes de

cada um e senti também que ganhei uma ligação mais forte com cada um

deles. Alguns perguntaram-me se eu ia embora, mostrando tristeza quando eu

disse que sim. No fim, o Dourado deu-me um abraço de despedida e o Azul

aprovou a sessão com um “fixe”, e dei um “mais cinco” a cada um deles como

forma de despedida.

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Depois desta sessão, posso concluir que brincar com eles é a forma

mais fácil de me aproximar. Sinto-me feliz e de coração cheio por poder fazer

este projeto com crianças tão pequenas e genuinamente verdadeiras.

Segunda, 18/02/19

Sessão nº6 (1h)

19 alunos.

Quando cheguei à Sala Verde, a Educadora estava-lhes a tirar as

medidas para os fatos de carnaval e as restantes crianças estavam sentadas

no tapete à espera. A Educadora saiu da sala levando sempre três crianças de

cada vez para testar as roupas e eu fiquei com os restantes.

O Dourado apercebeu-se que eu tinha chegado e veio logo abraçar-me,

berrando de felicidade. Ajudei-os a arrumarem os colchões do tapete e fizemos

uma roda de mãos dadas. Fiz a contagem até 3 e largamos as mãos,

espreguiçamos, massajamos e percutimos todo o corpo. A Auxiliar ausentou-se

e estivemos a fazer alguns sons para destravar a língua como: “traca, treque,

triqui, troco, trucu”. Muitos foram os que me disseram que não conseguiam, por

isso fizemos buzzing.

Sempre que ficavam demasiado agitados eu começava a fazer “shh” e

eles imitavam-me, sossegando logo um pouco. De seguida, pedi que se

sentassem todos no tapete enquanto eu montava o saxofone. Como eram

muitos, estava a ser difícil para mim controlá-los sozinha. Entretanto apareceu

a Educadora para ir buscar alguma coisa à sala e começou a ralhar com eles,

pois estavam todos de pé a fazer barulho.

Comecei a soprar para o saxofone e uma menina disse que parecia o

som de alguém a bater à porta, por isso começaram todos a fazer o gesto de

bater à porta com enquanto dizíamos “trus”. Depois fiz slaps e a mesma

menina disse que parecia o som da chuva, por isso começou a cantar a música

do Plic Ploc e os restantes meninos foram-se juntando a mim enquanto eu

continuava a fazer os slaps.

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De seguida, fiz umas notas muito agudas e rápidas, e eles disseram que

parecia uma minhoca, então imitamos uma minhoca a rastejar. Toquei também

uma nota longa e grave, à qual eles disseram que parecia um barco. Por fim,

toquei harmónicos, e eles associaram logo a pássaros, e aí disse que só

podiam falar em “passarês” uns com os outros. Pedi que se levantassem e

imitassem um pássaro, falando com os colegas enquanto eu tocava. No meio

desta brincadeira a Educadora entrou na sala para ir buscar mais alguma coisa

e algumas crianças pararam com medo de ficar de castigo por estarem a fazer

demasiado barulho, porém ela saiu calmamente e eles continuaram a imitar os

pássaros.

Depois, por questões de organização, pedi que se sentassem

novamente e disse que só quem tivesse sentado é que ia tocar nos Tubalões

que eu tinha levado, quem ainda estava de pé sentou-se de imediato.

Aproveitei o facto de eles estarem sossegados e atentos para fazer algumas

brincadeiras de comunicação como os suspiros. De seguida, chamei um por

um para tocar nos Tubalões. Eram apenas 11 Tubalões, por isso tinham que

emprestar uns aos outros, para que todos tocassem. No geral, tiveram muitas

dificuldades em tirar som desse instrumento, pois posicionavam incorretamente

o tubo em relação à boca, pondo as mãos por cima do balão, impossibilitando-

o de vibrar.

Ao fim de algum tempo, arrumamos os Tubalões e fomos todos pôs os

colchões no tapete para nos sentarmos. O Dourado tem sempre um lugar fixo

onde se costuma sentar, mas ao ver-me novamente no mesmo sítio da semana

passada, foi sentar-se ao meu colo todo contente.

Disse-lhes que íamos cantar uma música para acabar a sessão. Uns

começaram a cantar o Plic Ploc e outros a Música do Pato, eu deixei que eles

continuassem até ao fim. Depois perguntei quem tinha sono e a maioria deles

pôs a mão no ar, então comecei a cantar uma canção de embalar: Dorme,

dorme, meu menino do Manual para a Construção de Jardins Interiores – Colo

da Terra. Eu embalava o Dourado e as outras crianças começaram a embalar-

se também. Neste momento, a Auxiliar cantou comigo, mostrando que também

conhecia esta canção popular portuguesa. Pedi que se abraçassem e

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baloiçassem enquanto eu cantava, fingindo que estavam a adormecer.

Entretanto apareceu a Educadora muito chateada e interrompeu este momento

calmo com uma pergunta: “Quem é que foi o último a ir à casa de banho?”

Começaram a tentar perceber quem tinha sido, e ela: “Quem pôs o papel das

mãos para a sanita?”, mas ninguém se acusou.

Como o momento de embalo tinha sido quebrado e já estava na hora de

acabar a sessão, eu disse que ia embora. Comecei a ficar pouco triste com

esta sessão, pois estava à espera que tivesse corrido de outra forma. Porém o

Dourado, que continuava no meu colo, começou a bater com os pés no chão e

eu pedi aos colegas que o imitassem. Para mim, este foi o ponto alto desta

sessão, ver a alegria dele ao perceber que toda a gente o estava a imitar, fiquei

logo mais animada. Ele começou a tentar falar de tão feliz que estava,

berrando muito alto e agudo. Também suspirou e fez sons estranhos, fomos

sempre imitando tudo o que ele fazia com os pés, as mãos, a boca e até

mesmo quando ele se levantava. Foi um momento muito bonito, que me

encheu de alegria por ver que todas as crianças se estavam a divertir e que o

Dourado podia fazer parte fundamental deste projeto, pois por vezes cheguei a

sentir-me culpada por não estar a conseguir integrar bem o Dourado nas

brincadeiras que fazíamos.

Antes de me ir embora, deixei lá os Tubalões para que eles pudessem ir

treinando.

Segunda, 11/03/19

Tinha tudo delineado para a sessão de hoje, porém a Educadora enviou-

me uma mensagem a explicar que as crianças iam ter uma atividade na Junta

de Freguesia à hora que eu supostamente ia lá.

Estou com medo que eles se tenham esquecido de mim por serem tão

pequenos, pois já não apareço lá há três semanas, por motivos de trabalho e

férias de carnaval. Estou a pensar ir lá duas vezes por semana até ao fim do

projeto, gravando sempre todas as sessões.

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Segunda, 18/03/19

Sessão nº7 (2h)

19 alunos.

Convidei o meu professor orientador Paulo Maria Rodrigues, para

participar nesta sessão. Estava um pouco nervosa, pois era a primeira vez que

o professor ia observar o meu trabalho.

Quando chegamos à Sala Verde apresentei o professor à Educadora e à

Auxiliar. A Auxiliar disse-me que estariam lá fora caso precisássemos de

alguma coisa. Antes de ela se ir embora disse aos meninos: “Portem-se bem,

ajudem a menina, tá bem?” e foi embora a sorrir. A Auxiliar Luísa dá-me

sempre muito apoio em todas as sessões.

Tiramos os colchões do tapete e fizemos uma roda de mãos dadas.

Quando eu dissesse “3” tínhamos de largar as mãos, então comecei:

“1…2…5”. Enganados, alguns largaram as mãos, até que se aperceberam que

não tinha dito o “3” e todos se riram. Fizemos novamente a roda e desta vez

disse o 3, largamos as mãos e abanando os braços e o tronco. Aproveitamos

também para nos espreguiçarmos, de forma a alongar e relaxar o corpo.

O Dourado estava com muita energia e só berrava, tentando comunicar

connosco. Entretanto a Educadora apareceu e participou connosco nos

exercícios e brincadeiras, tentando também acalmar o Dourado.

Depois, fizemos Os Sons da Chuva e introduzi a música do Plic Ploc no

meio de todos estes efeitos, todos os meninos se juntaram a mim a cantar.

Enquanto isso, o professor foi buscar a kalimba para tocar. Voltamos

novamente aos ritmos suaves da chuva (como esfregar as mãos e fazer sons

com a boca), acompanhados pelo som da kalimba. Quando o professor parava

de tocar nós também tínhamos de parar com os sons e fazer silêncio.

Nisto, o Azul e o Dourado foram para o meio da roda dançar. Então o

professor pediu para toda a gente dançar, e quando a música parasse

tínhamos de ficar imóveis como uma estátua. Como o Dourado não percebia

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este jogo, quando a música parava ele continuava a “falar”. Então quando ele

“falava” no silêncio, nós repetíamos os sons que ele fazia: quando ele berrava

muito alto o professor cantava a nota em que ele tinha reproduzido, de forma

suave, e todos os meninos o imitavam.

No meio disto tudo, o Azul começou a queixar-se de que alguém lhe

tinha batido, então para que ele não desse importância a isso, o professor

disse que quando dissesse 3, dávamos todos um abraço à pessoa do lado.

Sempre que o professor falava era a sussurrar ou por gestos, para que não

houvesse muita confusão e para que todos tivessem de prestar mais atenção e

assim fazerem silêncio.

Depois, o professor pediu-nos para nos sentarmos e deu-me uma

vassoura a mim e outra à Educadora para marcarmos o tempo batendo com

ela no chão, enquanto ele tocava com outras duas vassouras em cima de uma

caixa de madeira. No meio de toda esta improvisação, o professor tentou

interagir com os meninos dando-lhes sinal para que batessem uma palma

todos juntos, mas não resultou, pois nem todos batiam ao tempo.

De seguida, o professor introduziu a música do Cavalicoque do Manual

para a Construção de Jardins Interiores – Colo dos Bichos, enquanto tocava

com umas caixinhas de madeira mais pequenas em ritmo de galope. Depois

deu essas caixinhas às crianças para que elas batessem o tempo no chão.

Mas, como era de esperar, entusiasmaram-se e começaram a bater muito

forte. O professor conseguiu acalmá-los e fez com que eles percebessem,

através de gestos, que quando ele parava de tocar e cantar, todos tínhamos de

parar também. O professor pediu a uma menina para ir ao centro da roda imitar

um cavalo, e quando ela relinchasse nós tínhamos de parar de tocar. Mais

meninos quiseram experimentar, por isso o professor elegeu 5 crianças para

irem ao meio imitarem cavalos todos juntos, mas desta vez fizemos o exercício

ao contrário, quando a música parasse, eles tinham de relinchar e de seguida

ficar em estátua.

Enquanto eu montava o saxofone, o professor arrumou as caixinhas. Fui

para o meio da comecei por tocar uma nota grave em galope (imitando o

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galopar do cavalo) e o relinchar fiz harmónicos muito agudos. Fizemos

novamente o mesmo jogo, mas desta vez as crianças batiam com as mãos nas

pernas e quando eu fizesse os harmónicos eles tinham de parar. O Dourando

levantou-se tentando comunicar connosco, então o professor andou sempre

com ele pelo meio da roda a imitar um cavalo. Todas as crianças respeitaram

muito bem este jogo de música e silêncio, sendo este um objetivo trabalhado

desde o início da sessão.

O Azul e o Dourado, foram os únicos que não entenderam o jogo,

apesar do Azul acabar por nos imitar. Sentimos que o Dourado gostou do jogo,

pois riu-se muito com a iteração que o professor criou com ele enquanto eu

tocava, e também ficava muito surpreendido quando eu tocava os harmónicos.

No fim deste jogo, todos bateram palmas.

Depois toquei As Pombinhas da Catrina e eles cantaram comigo. O

Dourado ficava sempre muito surpreendido cada vez que eu tocava. Toquei

sozinha e o professor pediu às crianças para cantarem em “bababa”. E em

seguida, cantou outras melodias também em “bababa” (na mesma tonalidade)

para que os meninos o imitassem. Entretanto o Dourado cantou uma nota na

tonalidade em que estávamos, o que fez com que o professor ficasse

fascinado, e todos o imitaram a cantar, enquanto eu reproduzia o mesmo som

no saxofone. O professor cantou essa nota para dentro do saxofone e depois

eu tinha que a tocar. Foi aqui que surgiu a ideia do Saxofone Mágico: tudo o

que cantassem para a campânula do saxofone iria ser tocado por mim a seguir,

ficaram todos muito encantados com esta brincadeira entre mim e o professor.

Enquanto todos se punham ao pé de mim ansiosos por experimentar o

Saxofone Mágico, o Laranja estava sentado no chão a observar muito

sossegadamente. Como estava muita confusão à minha volta, pedi para

formarem uma roda e eu fui-me dirigindo a cada um deles para que cantassem

para dentro do saxofone. Mais uma vez, os únicos que não participaram foram

o Dourado e o Laranja, o Dourado por não perceber e o Laranja porque não

reproduz nenhum som vocal.

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Do nada, uma menina cantou uma pequena melodia e eu imitei no

saxofone. A partir daí todos cantaram essa melodia para dentro do saxofone. O

professor começou a cantarolar uma segunda frase melódica e disse: “Primeira

audição mundial do Malhão da Sala Verde. Para saxofone, duas vassouras e

coro”. Quando o professor decidiu que a peça começava com percussão, o

Dourado começou a dizer “ah ah ah”, então o professor mudou de ideias e

disse que o início seria todo o coro em “ah ah ah” mais a percussão. Em

seguida eu toquei o refrão, seguido do coro a cantar duas vezes. Como as

crianças estavam a cantar o refrão mais do que duas vezes, o professor pediu-

lhes que dissessem “shiu” no fim das duas vezes. Assim, de um momento para

o outro, conseguimos criar uma música com a participação de todos,

apresentada à Educadora Filipa tinha entrado na sala nesse mesmo momento.

Estava muito barulho na sala e as crianças tinham começado a ficar

irrequietas. Neste alarido todo, o professor comunicou um pouco com o

Dourado. Depois disse-lhes que se estavam a portar tão bem que no fim lhes ia

dar uma prenda, eles ficaram todos muito contentes.

Em seguida, o professor perguntou se alguém sabia o que era um arco

íris e uma das meninas explicou que tinha muitas cores. Então o professor foi

buscar a caixa de madeira e a kalimba e deu uns papéis às cores a essa

menina. Começou a tocar e o Dourado ficou muito surpreendido, levantando-se

logo para ir ter com ele. O Azul pegou numa cadeira e sentou-se ao lado do

professor, por isso a Educadora foi buscar outra cadeira para o Dourado se

poder sentar no outro lado.

O jogo era o seguinte: quando a menina que tinha os papeis os

pousasse, todos tinham que dizer o nome da cor que ela tinha pousado. O Azul

pegou nas vassouras e começou a bater com elas no chão enquanto dançava

e cantava com o professor. De seguida, fui ajudar a menina das cores a

movimentar-se ao som da música antes de pousar o papel no chão. Depois das

cores estarem todas espalhadas no chão, outro menino tinha que ir tocar nelas,

aleatoriamente, e nós tínhamos que dizer o nome da cor. Fizemos o mesmo

jogo, mas desta vez eu toquei um motivo melódico para cada cor. Por fim,

improvisei sobre a base harmónica da kalimba e todos me bateram palmas.

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À medida que o tempo passava, as crianças foram ficando cada vez

mais agitadas. O professor perguntou “Quem é que quer um presente?” e todos

levantaram o braço a responder “eu”. Porém, só tinha direito a presente quem

se calasse aos 3. A primeira vez não resultou, pois acabou de contar e uma

menina disse “eu quero”, então o professor explicou outra vez as regras do

jogo, e da segunda vez todos cumpriram o que ele tinha dito. Distribuiu os

papéis com as cores, um por um, à medida que eles iam dizendo a cor que

queriam e o seu nome de seguida. Depois de todos os papeis distribuídos,

começamos a abaná-los e a bater com os dedos neles, sempre com momentos

de silêncio. Enquanto o professor foi buscar os sinos, eu continuei a comandar

o exercício.

Passamos para outro jogo: cada vez que o professor tocava no sino, nós

tínhamos de fazer silêncio. O Azul estava sempre a falar, por isso o professor

começou a tocar aos ouvidos dele e pediu aos restantes colegas para se

deitarem, enquanto se espreguiçavam.

Nesse momento eu estava sentada no chão e de repente vi o Azul a pôr

as mãos no meu saxofone e fui a correr para a mesa onde o tinha pousado, por

sorte consegui segurar o saxofone mesmo a tempo que ele caísse no chão.

Fiquei muito nervosa e com vontade de chorar, pois por momentos vi que o

saxofone ia cair no chão, felizmente correu tudo bem e a Educadora pegou

logo no Azul ao colo, evitando mais problemas.

Fui arrumar o saxofone num sítio mais seguro e peguei em 3 sinos para

tocar com o professor aos ouvidos das crianças, que estavam deitadas a fingir

que dormiam. Como sempre, o Dourado ficava fascinado com todos os sons

que ouvia e o Azul continuava sem parar quieto. O professor foi ter com o

Laranja para tentar comunicar com ele, pois reparou que era um menino muito

atento e calmo. Perguntou-lhe quantos anos tinha e ele respondeu 6 com os

dedos, não lhe dando muita mais confiança.

Seguidamente, trocamos os sinos pelas caixinhas de madeira e fizemos

vários ritmos. Quando parávamos de tocar era suposto não ouvirmos barulho,

porém as crianças estavam muito irrequietas e sempre a falar. De forma a lhes

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captar a atenção, o professor perguntou quem sabia fazer o som dos sinos e

todos começaram a dizer “dlin dlão”, então ele explicou que era esse o som

que deviam fazer quando parássemos de tocar nas caixinhas, e enquanto

tocávamos eles deviam dizer “tic tac” como um relógio, para criar uma maior

interação. No fim, todos batemos palmas pela excelente atuação do Relógio da

Sala Verde.

No fim, o professor pediu à Educadora para ficarmos só com o Azul, o

Dourado e o Laranja, por isso fomos para a sala ao lado. Aí, toquei notas

graves encostando o saxofone ao corpo do Laranja, para que ele pudesse

sentir a vibração. O Dourado, com medo, afastou-se. Também imitei sons que

eles iam reproduzindo e o Azul agarrou na campânula com toda a força para

cantar lá para dentro.

Como o Azul continuava muito enérgico, ficamos só com o Dourado e o

Laranja. O Dourado continuava sem se aproximar, então escondi-me atrás de

um quadro e sempre que aparecia tocava uma ou outra nota. Ele ficou mesmo

muito surpreendido e começou a tomar a iniciativa de me procurar para que eu

tocasse para ele, mas ainda assim não me consegui aproximar muito enquanto

tocava. O Laranja ria-se muito timidamente quando o Dourado se mostrava

pasmado com o som.

Depois o professor começou a beliscar um Tubalão na direção do

Dourado, e este começou a rir-se sem parar. Eu também me ri muito por vê-lo

tão feliz. No fim, deu-me um beijinho e um abraço.

Em conversa com o professor, decidimos que seria boa ideia focar-me

nestes 3 meninos, tentando comunicar com eles através da música, visto que

têm muitas dificuldades em comunicar de forma verbal.

Apesar de ter estado sempre um pouco nervosa, a sessão correu muito

bem, aprendi e diverti-me muito com o professor. Fizemos muitos jogos de

música e silêncio, conseguimos que as crianças seguissem as nossas regras e

criamos muita música em conjunto.

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Quarta, 20/03/19

Sessão nº1 com os três meninos coloridos (1h)

O objetivo desta sessão era eu ficar um tempo com os meus três

meninos coloridos e depois fazer atividades com toda a turma.

Quando cheguei à Sala Verde, as crianças estavam a fazer desenhos.

Decidi então ir primeiro com o Azul, o Dourado e o Laranja, para outra sala.

Montei o saxofone e Dourado ficou, como sempre, a observar de boca aberta.

O Azul e o Laranja foram logo ter comigo, porém Dourado não quis vir. Enchi

um balão que tinha levado para esta sessão e tentei convencê-lo a ir, mas ele

continuou sem querer. Todos os outros meninos queriam muito ir comigo, mas

eu disse-lhes que depois ia lá fazer um jogo com eles, o que acabou por não

acontecer por falta de tempo.

Não consegui convencer o Dourado, por isso fui com o Azul e o Laranja

para outra sala e levei o balão e o saxofone comigo. O Azul pegou logo no

balão, e eu pedi-lhe que atirasse o balão para o Laranja. Sempre que um deles

batia no balão eu tocava um slap. O Laranja começou a compreender o jogo e

brincou sozinho comigo, pois o Azul só queria brincar com o balão e começou a

ficar triste por ter que partilhá-lo, então enchi um balão para ele e continuei a

comunicar com o Laranja desta forma. Ficamos com dois balões verdes, então

pedi ao Laranja que escolhesse outra cor. Ele apontou para um vermelho e eu

perguntei-lhe de que clube de futebol é que ele era adepto, mas como já estava

à espera, ele não me respondeu. Depois perguntei-lhes se gostavam de jogar à

bola e eles disseram que sim. Iniciei novamente o jogo de outra forma: quando

eles batiam no balão verde eu fazia slaps e no vermelho fazia harmónicos.

Mais uma vez o Laranja compreendeu muito bem o jogo, mas o Azul andava

pela sala a brincar com o balão verde que sobrava, sem querer saber de nós,

dentro do seu mundo.

Fui fazendo este jogo com o Laranja, até que peguei num balão e cantei

através do balão ao seu ouvido. Pedi-lhe que fizesse o mesmo comigo, mas ele

não quis, por isso comecei a fazer sons não vocalizados com a boca e eles

imitaram-me.

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Entretanto o Azul pediu-me para ir à casa de banho e fomos os três até

lá. Cruzei-me com a Terapeuta da Fala com quem fiquei um pouco à conversa

enquanto esperávamos pelo Azul. Ela disse-me que tinha de levar o Laranja

para a sessão de terapia e ficou agendada uma entrevista para falarmos

melhor a cerca os meus três meninos coloridos. Nesta pequena conversa fiquei

a saber que se suspeita que o Laranja sofra de Mutismo Seletivo, isto é, só fala

com quem quer, sendo que já tem falado com alguns colegas, ainda que muito

raramente. O Azul está muito atrasado na fala, e tem também atrasos na

compreensão, como já tinha dado a entender nos jogos que tentava fazer com

ele. O Dourado é um caso diferente, pois começou a ouvir há pouco tempo e

ainda não se pode avaliar bem se tem problemas cognitivos.

Quando o Azul regressou fomos novamente para a sala, mas desta vez

só os dois. Ele pediu-me outro balão e perguntei qual era a cor que ele queria,

ele apontou para um branco. Agora, com 4 balões tentei fazer o mesmo jogo

que tinha feito com o Laranja, mas ele não me deu grande atenção e brincava

com os balões sozinho, muito dentro do seu mundo. De seguida, pedi-lhe para

cantar para dentro do Saxofone Mágico, como tinha feito na última sessão, mas

em vez disso foi buscar um balão e segurou-o com as mãos contra a

campânula do saxofone. Foi muito interessante ver como ele tinha imaginação

para tanta coisa. Ele falava e eu reproduzia os sons que ele fazia, sentindo as

vibrações nas mãos através do balão. Depois baixei-me e pedi-lhe que

pusesse a orelha no balão enquanto eu tocava. Ficou ali alguns segundos a

ouvir, até que perdeu o interesse e começou a rebentar os balões deitando-se

sobre eles.

Como não lhe estava a conseguir captar a atenção, levei-o para o

parque infantil onde estavam os outros meninos. No parque, tentei comunicar

com o Dourado através do balão, junto ao ouvido, ele achou imensa graça e

imitou-me uma vez. Foi muito difícil a comunicação com o Dourado neste dia,

ainda tentei tocar e beliscar o Tubalão como o professor tinha feito na última

sessão, mas ele não teve qualquer reação a isso.

Estavam muitas crianças no parque e tive de pôr os balões fora daquela

zona, pois começaram à guerra por causa deles. Nesse momento, o Azul veio

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reclamar comigo, na sua linguagem, porque queria um balão, eu disse que não

lhe dava mais nenhum porque ele tinha rebentado os outros. Ele entendeu

muito bem o que eu disse desta vez e bateu-me na perna com cara de mau.

Contudo, quando me estava a ir embora ele foi dar-me um abraço de

despedida, demonstrado todo o afeto que sentia por mim.

Fiquei um pouco desiludida com esta sessão, pois o Dourado não quis

participar e o Laranja que estava atento aos jogos, teve de ir para a consulta.

Acabei por ficar com o Azul, que tem um tempo de concentração muito curto,

impossibilitando-me de continuar a sessão por muito mais tempo.

Segunda, 25/03/19

Sessão nº2 com os três meninos coloridos (1h)

19 alunos

Quando cheguei à Sala Verde alguns meninos estavam a desenhar e

outros estavam sentados no tapete.

Comecei por montar a câmara e o Dourado foi logo ter comigo muito

timidamente, olhei para ele e fui fazer-lhe cócegas, ele começou a fugir de mim

enquanto se ria. O Azul abraçou-me e as outras crianças começaram também

a abraçar-me. Fiquei muito feliz com todo o afeto que recebi mal cheguei.

Penso que todos gostam de mim, e para mim esta é, sem dúvida, a melhor

parte deste projeto.

Depois do abraço coletivo, o Azul começou a afastar toda a gente que

me vinha abraçar, mostrando ciúmes. Contundo, eu consegui convencê-lo a

dar abraços em vez de afastar os colegas. Estive mais um bocado a falar e dar

abraços a todas as crianças, e houve uma menina que me disse: “eu gosto

tanto de ti Carla”, foi uma chegada muito calorosa à Sala Verde, que me deixou

de coração cheio.

Antes de começarmos as atividades, arrumamos os colchões e fizemos

uma roda. Sempre muito atenciosa, a Educadora foi embora e disse que se

precisasse de ajuda para a chamar. Começamos por abanar o corpo e a

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esfregar as mãos, baixei-me para ficar à altura deles, e eles, que já estão tão

habituados a fazer tudo aquilo que eu faço, baixaram-se também. Fizemos

sons com a boca e o corpo e a certa altura comecei a dizer “plic” e “ploc”,

aleatoriamente e com momentos de silêncio. Depois introduzi o som “qua”

imitando um pato a andar, porém eles ficaram muito agitados e começaram a

correr pela sala, por isso pedi que fizéssemos novamente uma roda de mãos

dadas. Comecei a cantar a Música do Pato, caminhamos para a frente e para

atrás, fazendo com que a roda se aproximasse e afastasse, eles adoraram esta

brincadeira, porém quando começamos a fazer a parte do “qua”, eles ficaram

outra vez muito agitados, então a Auxiliar interveio dizendo: “Meninos! Assim a

Carla não vem mais”. Eles acalmaram-se outra vez e eu fui buscar um Tubalão,

mas no momento em que ia explicar o próximo jogo, fizeram muito barulho

novamente sem me dar atenção, comecei a sentir-me impotente e

desrespeitada, não sabia o que fazer mais para os acalmar. Não me deixei ir a

baixo e decidi continuar mesmo estando muito barulho expliquei o jogo: todos

tinham que dizer “qua” enquanto caminhavam pela sala como patos e quando

eu soprasse no Tubalão tinham de parar e ficar em estátua.

Consegui a concentração deles com este jogo e no fim pedi que se

sentassem no tapete para eu lhes dar uma prenda: os grasnadores,

instrumento do Super-Sonics. Comecei por um ao Laranja e fizemos o mesmo

jogo do “qua”: tínhamos de ficar em estátua quando ele tocasse no Grasnador.

Quando ficamos em estátua, reparei que algumas crianças estavam a discutir,

por isso inventei uma nova regra: quando parássemos tínhamos de ficar em

estátua abraçados a outra pessoa, criando assim uma união entre o grupo.

Distribui os Grasnadores pelos restantes meninos e todos começaram a tocar

muito contentes. Fizemos um jogo parecido, mas desta vez eles tocavam nos

Grasnadores e quando eu tocasse no Tubalão eles tinham de calar. Esta

versão do jogo já não resultou tão bem, pois eles continuavam a tocar para

além do tempo que era suposto, por falta de concentração e por estarem tão

entusiasmados com o seu novo instrumento.

Por fim, arrumamos os Grasnadores e fiquei com o Azul, o Dourado e o

Laranja na sala sozinhos. Os outros meninos iam ter aula de Educação Física,

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apesar de alguns quererem ficar connosco eu disse-lhe que na quarta

regressava e eles lá se convenceram para a aula. É bom perceber que para

algumas crianças, o facto de eu ir ter com eles é uma alegria, e não me querem

deixar.

Ficamos então os quatro na sala e eu perguntei ao Azul de que cor é

que ele queria o balão e ele apontou para o vermelho. Depois montei o

saxofone enquanto o Azul e o Laranja tocavam Grasnador, e o Dourado

segurava num carrinho a observar-me muito surpreendido. Propus um jogo

para o Azul e o Laranja: sempre que tocassem no balão tinham de soprar no

Grasnador. Mais uma vez, só o Laranja é que entendeu este jogo, porém o seu

interesse durou muito pouco tempo.

O Dourado estava a fazer sons como se quisesse falar comigo, então

comecei a imitá-lo com o saxofone. Até que Azul foi ter comigo e começou a

cantar para dentro do Saxofone Mágico, mas também foi durante muito pouco

tempo. Depois pedi ao Laranja que soprasse para dentro do Saxofone Mágico.

Quando ele se afastou de mim, ouviu-o a cantar uma pequena melodia e

apercebi-me logo que ele tinha vocalizado algo pela primeira vez desde que

estou neste projeto. Consegui ouvir a sua voz pela primeira vez! Fiquei muito

contente e imitei-o logo cantando igual a ele, ele apercebeu-se e ficou a sorrir

muito envergonhado para mim, por eu o ter ouvido a cantar. Toquei essa

melodia no saxofone e consegui convencê-lo a cantar esse motivo melódico

para dentro do Saxofone Mágico. Depois de várias vezes a cantar a mesma

coisa, pedi-lhe para cantar outras melodias, exemplificando, mas ele não quis e

saiu da minha beira.

Decidi continuar a brincar a interagir com o Laranja, visto que o Azul e o

Dourado estavam entretidos a brincar com os carrinhos. Propus-lhe outro jogo:

sempre que ele batesse no balão tinha que dizer “uh” numa nota qualquer, mas

ele também não quis, então toquei eu no saxofone quando ele tocava no balão.

O Dourado começou a observar-nos e riu-se muito com a nossa interação,

começando a dizer sons que eu imediatamente reproduzi com o saxofone,

enquanto andava atrás dele (sempre com alguma distância, pois ele ainda

tinha medo).

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O Azul e o Dourado continuaram a brincar com os carrinhos. Fui buscar

alguns para brincar com o Laranja: eu tocava consoante aquilo que ele fazia,

por exemplo, quando o carro batia em alguma coisa eu tocava um slap, quando

o carro perdia velocidade eu fazia um diminuendo. Ele adorou esta interação e

esteve sempre muito interessado e animado a realizar a tarefa proposta.

De seguida, coloquei os colchões uns por cima dos outros de forma a

construir uma espécie de muralha. Ficaram os três a olhar para mim muito

atentos, e o Laranja foi ajudar-me a colocar umas cadeiras a segurar os

colchões. Chamei o Dourado e comecei a tocar atrás dele à volta da muralha.

Fiz novamente o jogo de me esconder e só tocar quando ele me via,

interagindo com ele sempre que tentava falar comigo.

Quando o Dourado perdeu o interesse, o Laranja começou a fazer novas

formas com os colchões. O Dourado foi brincar com os balões e o Azul

continuava no seu mundo a brincar com os carrinhos. Nesta altura percebi que

estava a perder a atenção deles, de tal forma que pedi ao Laranja para ir

buscar o Grasnador e ele não quis.

Fui então ter com o Dourado e comecei a falar e cantar através do balão,

ele imitou-me algumas vezes, mas depois também perdeu a vontade. Logo

depois pedi ao Azul para tocar no Grasnador imitando-o com o saxofone, mas

passado duas ou três vezes de ter tocado também não quis continuar e foi

brincar com os carrinhos para cima dos colchões. Por fim, tentei captar

novamente a atenção do Laranja, que tinha começado a brincar com os balões

enquanto eu fazia alguns motivos melódicos com o saxofone imitando as

trajetórias do balão. Mas também perdeu o entusiasmo muito rápido, estava

mais interessado em brincar com os colchões e as cadeiras, porém tive de

arrumar as cadeiras, pois alguém se podia magoar.

Comecei a tocar Grasnador para ver se eles me davam alguma atenção

e o Laranja foi buscar o dele para tocar comigo. Depois cantei através do

grasnador o motivo que ele tinha cantado anteriormente. Ele imitou-me e

aproveitei este momento de concentração para cantar outros motivos

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melódicos, contudo perdeu a concentração passado pouco tempo. Ainda

assim, consegui que ele cantasse mais alguns motivos para além do inicial.

Logo de seguida, toquei algumas melodias no saxofone, pois já não

sabia o que fazer mais para comunicar com eles. Ao ouvir-me, o Dourado foi

ter comigo, muito a medo, e começou a mexer nas chaves enquanto eu tocava,

reparando nas mudanças do som. Ficou entretido durante algum tempo a

descobrir todos os sons que iam aparecendo. Foi a primeira vez que o Dourado

se aproximou tando do saxofone e começou a perder o medo.

Quando o Dourado perdeu o interesse pelo saxofone, fui ter com o Azul

e disse que estava triste porque ele não brincava comigo. Sugeri que ele

brincasse com os carrinhos enquanto eu tocava saxofone, à semelhança do

que fiz com o Laranja anteriormente, porém ele não compreendeu o jogo e não

quis saber do que eu estava a fazer, só queria brincar.

Entretanto o Laranja pegou numa cadeira para colocar um colchão por

cima dela e eu disse-lhe para não o fazer, pois podia magoar-se. Ele ficou a

olhar para o nada muito sério, durante algum tempo sem se mexer, e sempre

com a mão na cadeira. Então eu disse-lhe que só podia usar a cadeira para se

sentar, assim, ele pegou no colchão e pôs em cima de metade da cadeira e

sentou-se na outra metade. Teve imensa piada a forma como ele deu a volta à

situação, ri-me bastante e consegui perceber, como em outros momentos, que

ele ouvia e compreendia tudo o que lhe dizia, apenas não comunicava

verbalmente.

Por fim, arrumamos tudo e fomos ter com os outros meninos ao parque

infantil. Quando chegamos lá fora o Dourado puxou-me, fazendo birra porque

queria voltar para sala onde estávamos a brincar. Então a Educadora decidiu

que iam todos para a sala, porque também já era quase hora de irem almoçar.

Chegamos à sala e os meninos foram à vez à casa de banho lavar as mãos

antes de irem almoçar. O Azul, quando regressou da casa de banho deu-me

um abraço, ao que a Educadora Filipa disse: “Estou parva”. Em conversa com

ela, percebi que o Azul não costumava demonstrar afetos. Fiquei muito

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contente por saber que ele tem confiança comigo para o fazer e que o faz cada

vez mais com maior frequência.

Sentei-me à beira deles nos colchões enquanto esperávamos que todos

fossem à casa de banho e o Azul começou a tirar as pessoas da minha beira,

mostrando mais uma vez os ciúmes tinha. Eu disse-lhe para dar abracinhos

aos colegas em vez de os empurrar, ele adorou a ideia e esqueceu-se dos

ciúmes, começando aos abraços a toda a gente. Isto demonstra que o Azul é

uma criança com os sentimentos à flor da pele, num momento está chateada e

no outro é amoroso. É disto que eu tanto gosto nele, a forma como se esquece

das coisas que o deixam irritado, sem dúvida que vive no seu mundo e é muito

feliz assim. O Dourado, como já é habitual, quando me viu foi-se sentar ao meu

colo, sempre muito amoroso.

Antes de irem almoçar, estive a ouvir as canções que eles cantavam

com a Educadora Filipa. No fim, fizeram uma fila para ir para o refeitório e eu

abri os braços ao Laranja na esperança de receber o primeiro abraço dele, ele

parou 2 segundos a olhar para mim desconfiado, mas depois deu-me um

abraço. Fiquei muito contente, senti que aos poucos vou conquistando a sua

confiança e carinho.

Nesta sessão concluí que é muito difícil trabalhar sozinha com o Azul, o

Dourado e o Laranja, pois eles são crianças muito diferentes e precisam da

minha total atenção para estarem concentrados. Contudo, também percebi que

são os três muito especiais, não só por serem diferentes dos outros, mas por

demonstrarem tudo o que sentem sem precisarem de dizer uma única palavra.

Quarta, 27/03/19

Sessão nº3 com os três meninos coloridos (1h30)

Para esta sessão convidei novamente o professor Paulo Rodrigues, e a

minha amiga Sara Vaz, que também está a realizar um projeto parecido com o

meu. Quando chegamos à Sala Verde o professor foi acolhido com imensos

abraços e uma menina disse-lhe que tinha gostado muito da última vez que ele

lá tinha estado. A Sara chegou um pouco mais tarde e fui com ela à Sala Verde

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para que conhecesse todos os meninos. Levamos connosco o Azul, o Dourado

e o Laranja para a sala ao lado.

O Azul queria mexer no meu saxofone, então para o distrair perguntei-

lhe se queria um balão, e ele foi logo a correr atrás de mim. Eu perguntei de

que cor é que ele queria o balão e ele disse vermelho, a Auxiliar Luísa ouviu e

disse: “Disseste vermelho, boa!”, dando-lhe um “mais cinco” com a mão. Aos

poucos o Azul começa a conseguir explicar-se verbalmente e a saber os

nomes das cores, que até então tinha muitas dificuldades em dizê-los.

O Azul começou a tocar no Grasnador e o professor chamou-o, a

esticando a ponta do balão enquanto ele soprava, para fazer novos sons. O

Laranja começou a brincar com outro balão e sempre que ele tocava eu fazia

um slap. A Sara encheu outro balão para o Dourado, que ficou muito contente

e animado com a interação que ela teve com ele, até começou a tentar falar.

De seguida a Sara começou a imitar o que eu estava a fazer com Laranja, mas

com a voz.

No meio desta brincadeira toda, comecei a tocar o motivo melódico que

o Laranja tinha cantado na última sessão. O professor e a Sara também

cantaram, mas o Laranja não quis.

O Azul começou a pular e a fazer gestos com o corpo, enquanto fazia

sons como “ya”. A Sara e o professor começaram a imitá-lo enquanto eu dava

um Grasnador ao Laranja na esperança que ele cantasse novamente. Comecei

por fazer o motivo melódico que ele tinha inventado e ele acabou por me imitar

com o Grasnador na boca. Depois até cantou esse motivo para dentro do

Saxofone Mágico, mas quando reparou que o professor se tinha apercebido,

não quis cantar mais, por não ter confiança. O professor ainda cantou para

dentro do saxofone, mas ele ficou a sorrir muito envergonhado e não quis

repetir.

O professor pegou num tubo de cartão que estava nessa sala e

começou a falar com o Azul através dele. Eu continuava a brincar com o

Laranja, que estava agora a fazer sons não vocalizados para dentro do

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Saxofone Mágico, aos quais eu respondia com slaps. A Sara brincava com o

Dourado, passando-lhe o balão enquanto fazia sons vocais.

Depois o professor dirigiu-se ao Laranja com o tubo e disse “olá”, porém

ele não respondeu de volta, então foi tentar o mesmo com Dourado, que se

começou a rir muito com este contato, mas também não respondeu.

Seguidamente, fiz uma nota grave no saxofone e o professor e a Sara

cantaram através dos tubos. Porém, nenhum deles prestou atenção ao que

estávamos a fazer, só brincavam com os balões. O único que ainda cantava

enquanto brincava era o Azul.

Visto que estavam os três muito entretidos a brincar com os balões, o

professor pegou num e cantou através dele encostando ao ouvido do Laranja.

Depois pediu-lhe para segurar no balão, para poder sentir as vibrações do som

nas mãos enquanto ele cantava.

Seguidamente, o Azul lembrou-se e começou a tentar pôr os balões para

dentro da campânula do saxofone, como já tinha feito noutra sessão. O

professor foi ter connosco e chamou o Dourado para segurar num balão

enquanto eu tocava, mas ele não quis. O Laranja, ao ver-nos, quis logo

experimentar, e para além das mãos até encostou o ouvido. O professor ficou

muito satisfeito com ele e fez-lhe um “fixe”, ele sorriu muito enquanto sentia o

balão a vibrar.

O professor começou a cantar através do balão encostado à campânula,

enquanto eu tocava. O Dourado aproximou-se, pôs as mãos no balão e assim

ficou durante algum tempo. Enquanto isto, a Sara brincava com os balões com

o Azul, imitando os seus gestos e sons.

De seguida, o Laranja pegou num tubo de cartão e foi para o fundo da

sala olhar através dele, como se fosse um binóculo. O professor foi logo imitá-

lo e começou a chamar por ele do outro lado da sala, mas ele não respondeu.

A Sara foi buscar um tubo para ela e começou a comunicar com o professor do

outro lado da sala, mas mais ninguém interagia.

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O professor pegou noutros tubos que lá havia, mas estes eram de

plástico, e começou a percuti-los nas pernas enquanto eu fazia um motivo

rítmico em loop com o saxofone. O Azul e o Laranja pegaram num tubo de

plástico, cada um, e começaram a brincar às espadas. O Azul fazia sons como

“aya”. Quando nós parávamos de tocar, eles deviam ficar em estátua e em

silêncio, mas inicialmente foi difícil que o respeitassem. Numa das vezes, o

professor começou a percutir os tubos no chão, produzindo um som mais

agudo, que o Dourado se apercebeu e riu sem parar.

Entretanto, a Terapeuta da Fala chegou para levar dois dos meninos

para a consulta, porém ao ver todas as atividades que estávamos a fazer,

perguntou se podia assistir à sessão, pois como ela disse: “No caso do Laranja

estou a conseguir avaliar coisas que não consegui avaliar na minha própria

avaliação”. Apresentei o professor à Terapeuta e ele disse-lhe que o Laranja

tinha cantado para dentro do Saxofone Mágico. Nesse momento, toquei o

motivo melódico, que o Laranja tinha inventado, e ele voltou a cantar mais duas

vezes para dentro do Saxofone Mágico, mostrando à Terapeuta a evolução que

tinha feito. Ficamos todos muito satisfeitos e felizes com esta avanço positivo

da parte dele. Eu e a Sara fartamo-nos de lhe dar elogios como reforço

positivo.

Continuamos a sessão na presença da Terapeuta. Eu tinha levado umas

cartolinas com diferentes cores e imagem de animais – passarinho, abelha,

pato, ovelha e vaca.

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Para que eles percebessem o jogo, a Sara exemplificou com o Dourado

ao colo. Andou com ele pela sala e quando paravam em cima de um animal eu

fazia o som correspondente a esse animal, enquanto a Sara imitava o som do

animal. Por exemplo, no passarinho fazia harmónicos, na abelha fazia trilos, no

pato fazia multifónicos, na ovelha fazia flatterzunge e na vaca fazia uma nota

grave. Depois o professor fez uma vez com o Laranja e disse-lhe para fazer

sozinho, mas em vez de os pisar, pegar na cartolina que queria obter som. Fez

tudo muito direitinho, um de cada vez. Concluiu a tarefa muito rápido e foi

pegar no tubo de cartão para fazer de binóculos, mais uma vez.

O professor e a Sara começaram a cantar enquanto eu fazia uma nota

pedal, porém ninguém interagiu connosco, estavam entretidos a brincar com os

tubos de plástico, apenas o Dourado nos observava.

O Azul enfiou os tubos de plástico nos braços e começou a andar com

eles no chão, como um elefante. Eu, a Sara e o professor começamos a tocar

Tubalão e depois beliscamo-lo, criando uma parte mais rítmica, que serviu para

fazermos o jogo das estátuas.

O Dourado que também tinha posto tubos de plástico nas mãos,

começou a percuti-los nuns caixotes de cartão que lá haviam, ficando muito

entusiasmado por estar a tocar connosco. Fomos os três tocar com os tubos

nos caixotes e assim conseguimos a atenção do Azul e do Laranja, que

acabaram por fazer o jogo da estátua muito bem. O Azul queria um caixote só

para ele, não deixando os outros meninos tocarem nele, então eu fui de

propósito tocar para o caixote que ele queria, até que ele deixou toda a gente

tocar, sem se importar com isso.

Depois, o professor com a ajuda do Laranja, começou a tocar nos

caixotes com as mãos. Enquanto eu e a Sara andávamos com o Azul pela sala

a percutir os tubos de plástico no chão, como elefantes. Aqui fizemos jogos de

diferenças nas dinâmicas: forte e piano.

De seguida, o professor começou a imitar o que o Dourado fazia

ritmicamente, e vice-versa, interagindo com ele. Continuamos com os ritmos

nos caixotes, no quadro, no chão, com tubos e mãos. Os outros meninos, que

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estavam na sala ao lado, ficaram curiosos com o barulho que ouviam e

começaram a ir para a nossa sala. A Auxiliar indicou que se sentassem para

ficarem a ouvir-nos tocar sem incomodar. Os três meninos coloridos estavam

muito felizes e vaidosos a tocar para colegas. O Azul só se exibia, todo

contente.

O professor começou a cantar um motivo melódico e o Azul imitou-o

enquanto tocavam nos caixotes. Numa das vezes que ficamos em estátua o

professor começou a cantar o motivo melódico que o Azul estava sempre a

cantar. Os outros meninos imitaram e bateram palmas enquanto nós

tocávamos, como forma de interação.

Depois sentamo-nos todos para o professor nos ensinar a música do

Bom Dia do Manual para a Construção de Jardins Interiores – Colos dos

Bichos. O professor começou por cantar a música “bababa” e com gestos, para

que eles assimilassem a melodia, numa primeira fase. Cantava alguns motivos

melódicos sempre em volta das notas da canção e eles imitavam. Foi difícil que

eles ouvissem antes de começarem a cantar, queriam logo cantar com ele. Em

seguida, começou a cantar com a letra, mas mais uma vez eles queriam todos

cantar antes de ouvir. Por fim, cantaram todos com a letra completa e dissemos

bom dia a cada um deles. Chegou a vez de dizer bom dia ao Laranja e teve de

ser a Sara e o professor a responder por ele. Também respondemos todos pelo

Dourado, que começou a querer falar connosco e parecia que estava a dizer

“olá”, por isso nós respondemos todos com um “olá” na nota em que ele estava

a falar.

Entretanto, o professor que estava ao lado do Laranja reparou que este

estava a gesticular as palavras na canção com a boca, então pediu para cantar

só ele com a Sara, mas aí já se sentiu envergonhado e não fez nada.

Por fim, todos regressaram à sala e ficamos só com o Laranja. O

professor começou a fazer-lhe perguntas às quais ele só respondia abanando a

cabeça com sim e não. A Sara e o professor cantaram a música do Bom Dia e

eu toquei, na esperança que ele sentisse novamente vontade de cantar

connosco. Depois fizemos um jogo: o professor dizia “bom dia” para dentro do

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saxofone e eu respondia com o refrão da música, mas o Laranja não mostrou

interesse em experimentar.

Colocamos novamente as cartolinas com os animais no chão e o

professor foi buscar os binóculos de cartão. O jogo era o seguinte: o Laranja

tinha de me procurar com o seu binóculo de cartão, para saber se eu estava

pronta para tocar, e só depois é que se podia dirigia ao animal que queria que

eu tocasse. Quando passou por todos os animais, parou de jogar. Então a Sara

disse que também ia jogar, e agora ele tinha de me procurar a mim e a ela

antes de ir pegar no animal. Assim que ele pegava no animal, não só eu

tocava, com a Sara interagia com ele cantando e aproximando-se dele, dando-

lhe abraços, por exemplo. Acabaram os animais e ele deu outra vez por

terminada esta tarefa.

A seguir, colocou os tubos de cartão dentro uns dos outros, segurando-

os todos em pé. O professor até comentou na brincadeira enquanto o

observávamos: “Ele claramente vai ser arquiteto”. Conseguimos continuar com

este jogo durante mais algum tempo, observando-o a montar e a desmontar os

tubos antes de nos procurar. No fim ele mandou os tubos todos para o chão

dando a entender que o jogo tinha acabado e nós batemos-lhe palmas.

Arrumou tudo sozinho nos sítios certos.

Sentamo-nos nas cadeiras e o professor e a Sara começaram a cantar,

enquanto eu fazia uma nota pedal, enquanto o Laranja ouvia muito sossegado.

Depois a Sara cantou para dentro do Saxofone Mágico e chamou o Laranja

para que fizesse igual, mas ele quis. Então a Sara pôs a mão na campânula e

eu toquei notas mais graves, para que esta vibrasse, assim ele também

experimentou.

De seguida, o professor começou a assobiar uma melodia por cima da

minha nota. O Laranja, sem querer saber, levantou-se e foi novamente

construiu coisas com os tubos de cartão uns dentro dos outros. A Sara tentou

interagir com ele escondendo-se atrás de mim e dizendo “cucu”, mas ele não

lhe deu muita atenção.

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Tentamos passar para um motivo mais rítmico em que o professor

tocava num caixote fazendo de tambor e eu fazia slaps. O Laranja achou isto

divertido e veio ter connosco, entrou facilmente no ritmo do tambor, imitando o

professor a tocar com as mãos. Depois, o professor pôs o caixote nas costas

dele para que sentisse o ritmo no corpo, mas ele não achou isto atrativo e

levantou-se para ir brincar novamente com os tubos.

Desta vez, fingiu que os tubos eram pistolas e deu um tiro a cada um de

nós que fingimos estar com medo e escondemo-nos. Como ele percebeu que

nós não íamos parar de representar e ele não queria brincar mais a isto,

começou a bater palmas como se o espetáculo já tivesse acabado. Dissemos-

lhe que ele era um grande ator, e foi arrumar tudo nos sítios.

Mais uma vez, o professor tentou comunicar verbalmente com ele,

perguntando-lhe quantos anos tinha, ele respondeu 6 com os dedos.

Perguntamos se tinha irmãos, quantos tinha e como se chamavam, como ele

não falou tentamos adivinhar, mas não conseguimos. Não estava interessado

no que dizíamos, por isso levantou-se e foi pôr um caixote em cima do outro e

começou aos murros. O professor foi ter com ele e quando batia nos caixotes

dizia “pa”, mas ele não o imitou, nem mesmo quando começaram a dar murros

um ao outro devagarinho. Depois o professor pegou num caixote e segurou-o à

sua frente, dizendo ao Laranja que iam brincar aos barrigudos, ele achou

imensa piada e imitou a forma como o professor andava devagar e

pesadamente, porém não o acompanhou a cantar grave e devagar. Nesta

brincadeira fizeram o jogo da estátua que ele respeita muito bem.

O Laranja foi novamente brincar com os tubos e o professor disse que

podiam ser uma flauta transversal, e começou a imitar uma flauta, assobiando

e cantando, mas ele não quis saber. Começou a brincar com umas rolhas de

cortiça que tinha lá e levou algumas juntamente com um tubo de plástico para o

outro lado da sala. Com estes objetos imitou uma granada a sair do tubo

atirando a rolha para o meio da sala, e nós escondemo-nos fingindo ter medo.

Depois veio ter connosco com o tubo de plástico e fingiu que deu um tiro a

cada um de nós. Fingimos que estávamos mortos e não “acordamos” por mais

que ele nos abanasse. Ficou aborrecido e chateado e quase se foi embora,

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mas tentou uma última vez e foi dar um abraço ao professor, que só assim

“acordou”, depois fez o mesmo comigo e com a Sara. No fim, batemos palmas

por toda esta representação teatral.

Por fim, todos os meninos saíram da sala para ir almoçar. Começaram a

dar-nos abraços de despedida.

Mesmo tendo convidado o professor e a Sara, é muito difícil estar com

os três meninos ao mesmo tempo, cada um deles é muito diferente do outro e

têm formas de comunicar muito distintas. Concluí, com a ajuda do professor,

que será melhor apostar em sessões individuais a partir de agora e até ao fim

do projeto. Irei fazer 3 sessões com cada um, adotando os jogos que melhor se

adaptam a cada um deles, procurando uma maior comunicação.

Segunda, 01/04/19

Sessão nº1 com o Dourado (1h)

Quando cheguei ao CPSSMA fui à Sala Verde cumprimentar todas as

crianças e buscar o Dourado para ir comigo para a sala ao lado.

Já na sala mostrei-lhe os balões que lá tinham ficado da última sessão e

ele ficou logo muito entusiasmado, começando a gritar enquanto brincava.

Montei o saxofone e soprei lá para dentro só com ar, na tentativa que ele

repetisse o que eu fiz e começasse a soprar para os balões, porém ele ainda

não consegue fazê-lo.

De seguida, pedi-lhe, com gestos, que colocasse o balão na campânula

para poder sentir a vibração do som nas mãos. Ele percebeu logo o que eu

tinha pedido, pois já o tinha feito na última sessão, e ficou muito contente

enquanto cumpria a tarefa.

Como uma criança muito atenta que é, ficou a ouvir-me tocar durante

alguns minutos, muito concentrado em todos os sons que ouvia. Depois,

indiquei-lhe que pusesse a sua mão por cima da campânula, tapando-a e

destapando-a, de forma a criar sons diferentes.

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Seguidamente, fui buscar os tubos de plástico e começamos a percuti-

los, a arrastá-los no chão e a bater com eles uns nos outros. Eu fui imitando o

que ele fazia e vice-versa. Durante esta brincadeira, tentei introduzir o jogo da

estátua. Até consegui que ele me imitasse algumas vezes, fazendo silêncio

quando eu parava de tocar, porém, penso que ele ainda não entende muito

bem este jogo, quando para de tocar é por imitação. Ainda assim conseguimos

estabelecer uma comunicação.

Posteriormente, fingimos que os tubos eram espadas e também

andamos como elefantes pela sala. Fizemos diferentes ritmos e tentei que ele

me imitasse, não só na forma como tocava, mas também nos momentos de

silêncio. Quando ele parou de me imitar, comecei a cantar para dentro de um

tubo de cartão e ele fez igual quando lhe pus o meu tubo à frente à frente da

boca. Ficamos assim a dialogar durante algum tempo, reproduzindo o que o

outro fazia.

Nesta altura da sessão, o Dourado começou a ficar mais distraído, por

isso sentamo-nos no chão e ficamos a percutir diferentes ritmos no chão e no

corpo (pés e pernas), com os tubos de plástico. Mais uma vez interagimos

assim, copiando o que o outro fazia.

Em seguida, levantamo-nos e eu peguei novamente nos tubos de cartão

para cantarmos lá para dentro. Logo depois fui buscar o saxofone na tentativa

que ele cantasse lá para dentro, mas em vez de cantar começou a colocar os

tubos dentro da campânula. Sempre que ele retirava um tubo da campânula,

eu fazia uma nota em sforzando, e quando colocava e retirava o tubo muitas

vezes seguidas eu fazia notas em staccato, de acordo com a velocidade dos

movimentos que ele fazia. Adorou esta brincadeira e riu-se muito. Sei que com

esta brincadeira consegui interagir com ele de forma a que ele compreendesse

essa interação. Depois deste jogo ter perdido o interesse para ele, toquei uma

nota aguda no saxofone e ele entoou-a na perfeição. Fiquei mesmo

surpreendida! A seguir ele fez um som e eu reproduzi a nota que ele tinha

cantado, e ele cantava-a novamente, comunicamos assim durante algum

tempo. Ele canta na perfeição!

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Posteriormente, o Dourado foi buscar os balões e começou a bater-lhes

com a mão. Sempre que o fazia eu tocava um slap, ele percebeu esta muito

bem esta interação e repetiu muitas vezes seguidas.

Gostou tanto de ouvir o som do saxofone que se começou a aproximar

enquanto cantava. Mais uma vez, toquei a nota que ele cantou e tentei que ele

cantasse outras notas para dentro do saxofone, mas não funcionou.

Como já tinha cantado tantas vezes através dos tubos de cartão, era

mais fácil de os associar à voz. E assim foi, fui buscar um tubo e cantei duas

notas, ele imitou a primeira na perfeição. Voltamos ao jogo de comunicação do

início e continuamos a cantar ao ouvido um do outro através dos tubos.

Quase no fim da sessão, o Dourado começou a arrumar tudo e deu a

entender que queria ir embora. Consegui captar-lhe mais um pouco da sua

atenção quando peguei nos tubos de plástico e fui percuti-los no quadro e nos

caixotes, como nas últimas sessões. Ele veio logo ter comigo e começamos a

brincar às escondidas enquanto tocávamos no quadro, um de cada lado. No

meio destes ritmos todos, tentei que fizéssemos de estátua algumas vezes,

contudo o Dourado continua sem entende este jogo.

Por fim, sentamo-nos no chão a percutir os tubos nos caixotes, no chão

e no corpo, imitando-nos sempre um ao outro, com momentos de silêncio, que

era o mais difícil de obter. No fim de algum tempo de comunicação, arrumamos

tudo e dei-lhe um abraço de despedida.

O Dourado é um menino que tem várias dificuldades de compreensão,

muito devido ao seu problema de surdez, porém tem a capacidade de realizar

as tarefas por imitação. Capacidade esta que foi melhorando ao longo das

sessões.

Quarta, 03/04/19

Sessão nº1 com o Azul (45 min)

Quando cheguei à Sala Verde cumprimentei todos os meninos e chamei

o Azul para ir comigo.

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Mal chegamos à sala ao lado, o Azul foi a correr buscar os balões e

estivemos a dizer as cores de cada um deles. Depois foi buscar os tubos de

plástico e estivemos a brincar às espadas. E, a seguir, começamos a imitar

elefantes, pondo os tubos nas mãos e andando pela sala como se tivéssemos

quatro patas, aqui fizemos o jogo da estátua que ele tanto adora e faz tão bem.

É muito engraçado que sempre que digo estátua ele para na mesma posição

todas as vezes.

O seu tempo de concentração para a realização de tarefas é muito curto,

estava sempre a mudar de brincadeira. Foi buscar novamente os balões e

segurou um em cada mão, fazendo círculos com eles no ar. Eu comecei a

soprar para dentro do saxofone reproduzindo o som do vento que os balões

faziam, e quando ele parava eu também parava. Depois encostou os balões à

campânula do saxofone enquanto eu tocava. Eram dois balões, por isso,

quando ele encostava o balão azul eu tocava um ré, e quando punha o verde

tocava um sol. Ele percebeu logo as diferenças e começou a trocar muito

rápido um balão pelo outro. De seguida, comecei a tocar uma melodia entre

aquelas duas notas e ele dançou um pouco, até que começou a cantar e a

pular, e eu imitei o que ele cantava com o saxofone.

Começamos a brincar às espadas com os tubos, fazendo sons vocais, e

aqui também fizemos o jogo da estátua, apensar dele não aguentar muito

tempo parado. Continuamos este jogo, mas desta vez o Azul começou a

mandar com os tubos nos balões, e sempre que o fazia dizia “aya” como um

guerreiro. Eu imitei-o e comunicamos assim durante algum tempo. Numa das

vezes que fizemos estátua ele deu-me um abracinho e a partir daí fizemos

sempre estátuas em conjunto.

É tão difícil segurar a atenção dele, tenho de estar sempre a trocar de

jogo para o conseguir cativar. Então, fui buscar uns copinho de iogurte de

plástico e comecei a percutir com eles no chão, mas o Azul não quis saber e

começou a tirar todos os tubos de plástico da caixa. Para tentar captar a sua

atenção, comecei a tocar em cima dos tubos que ele tinha tirado da caixa, mas

ele ignorou-me e afastou-os, fazendo-os rolar pelo chão for. O som reproduzido

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pelos tubos era diferente do habitual ao rolarem pelo chão, então eu imitei-o e

ele continuou muito contente.

Insisti mais um pouco para que ele tocasse copinhos comigo, mas ele

nunca quis, apenas ia dançando ao som da música ambiente que eu fazia,

enquanto mexia noutras coisas. A maneira que o fazia dar-me atenção era

quando eu parava de tocar e dizia estátua. É certo que este o jogo que

funciona melhor com ele. A seguir, virou a caixa dos tubos ao contrário e

estivemos a percutir em cima dela, eu com os copinhos e ele com os tubos.

Como já estava a ficar cansado, pediu-me para ir à casa de banho.

Quando regressou, tocamos mais um pouco na caixa, porém ele distraía-se

facilmente com outras coisas, como por exemplo: esteve durante imenso tempo

a pôr os tubos e balões para dentro da caixa e depois virava-a para baixo e

caía tudo no chão. De facto, ele tem uma imaginação muito fértil, pois

consegue arranjar sempre forma de brincar sozinho com coisas diferentes.

Foi buscar os caixotes e os balões, e reparou que as cores dos balões

eram iguais às dos caixotes. Tentou explicar-me isso pondo o balão azul em

cima do caixote azul e o balão amarelo em cima do caixote amarelo. Fiquei

muito contente por ele já saber as cores e tentar dizer os seus nomes, eu

ajudei-o a lembrar-se e elogiei-o muito.

Por fim, cantei algumas melodias e ele foi-me imitando, e vice-versa.

Depois cantou um pouco para dentro do Saxofone Mágico.

Queria ir embora, então eu pedi-lhe um abraço e ele veio ter comigo a

correr dar-me um abraço. Estivemos a falar um pouco e ele disse-me que a

mãe e o pai também davam abraços. Ainda consegui brincar um bocadinho

com ele aos piratas, com os tubos de cartão a imitar uns binóculos. Chamei o

nome dele e olhei através do binóculo para o encontrar, quando o encontrei ele

deu-me um abraço, depois fizemos ao contrário e eu dei-lhe um abraço.

O Azul é uma criança mesmo muito amorosa e afetiva, sente o ritmo no

corpo e isso nota-se, pois comunica muito através de expressões e gestos.

Dança imenso quando sente o balanço musical, mesmo que esteja entretido a

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fazer outras coisas. Porém, é muito difícil de o manter concentrado numa só

atividade durante muito tempo, está sempre à procura de coisas novas para

fazer e acaba por perder o interesse com facilidade. Muitas das vezes noto que

faz o que lhe peço para me fazer o favor, e depois volta a entrar no seu mundo.

Quarta, 17/04/19

Sessão nº2 com o Dourado (e o Azul) (40 min)

Cheguei à Sala Verde e as crianças abraçaram-me dizendo que tinham

tido saudades minhas. É tão bom ser recebida assim.

Queria fazer a primeira sessão com o Laranja, porém a Educadora

informou-me que ele já não aparecia na escola há muito tempo, pois o

encarregado de educação não pagava a mensalidade. Fiquei um bocado triste,

pois, desde a última sessão em que ele participou não o vi lá mais, estou sem

grandes expectativas que ele volte a aparecer.

Decidi então chamar o Dourado, que nesse dia estava sem o aparelho

auditivo, pois estava avariado. Após muita insistência para que ele fosse

comigo, ele não quis vir. Então disse ao Azul para ir comigo e assim fazia a

segunda sessão com ele. Ele levantou-se e foi buscar o Dourado para ir com

ele, e assim já foram os dois.

Montei o saxofone e o Dourado ficou a observar muito atento, como

sempre. O Azul foi buscar os tubos de plástico e os de cartão e estivemos a

repetir algumas brincadeiras que tínhamos feito última sessão. O Dourado

estava a participar muito pouco, sempre muito calado e a observar, nem gritava

como de costume, penso que fosse por sentir falta do aparelho.

Como referi, Dourado não interagiu muito, por isso comecei a fazer

ritmos no corpo e fui até ele fazer no dele também, conseguimos interagir um

bocado assim, pois ele sentia o ritmo e sorria muito.

Por fim, tentei que cantassem comigo, porém penso que o Dourado não

me ouvia, e o Azul estava muito distraído com outras coisas. Acabou por ser

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uma sessão mais curta do que o habitual, por não estar a conseguir comunicar

com eles.

Ao longo da sessão percebi que o Dourado respeita muito todas as

ordens que o Azul dava, mesmo comunicando de forma não verbal.

Estou um pouco preocupada por não saber se o Laranja vai voltar.

Espero que sim, pois estava a adorar a evolução que a nossa relação de

comunicação estava a ter.

Segunda, 26/04/19

De modo a saber se o Dourado já tinha o aparelho auditivo a funcionar,

para eu poder ir fazer mais sessões com ele, enviei uma mensagem à

Educadora Filipa. Ela respondeu-me dizendo que o Dourado tinha mudado

para uma Escola em com necessidades educativas especiais para meninos

surdos. Perguntei também pelo Laranja, ela disse-me que ele não voltou a

aparecer.

Fiquei muito triste por não poder continuar com eles os dois.

Posteriormente, tentei entrar em contacto com a nova escola do Dourado para

poder concluir as sessões, mas não obtive sucesso.

Resta-me o Azul!

Segunda, 29/04/19

Sessão nº2 com o Azul (45min)

Quando cheguei à Sala Verde o Azul pôs o dedo no ar e começou a

dizer o seu nome, pedindo ir comigo para a outra sala.

Convidei o professor Paulo Maria Rodrigues para fazer parte desta

sessão, por isso quando o Azul chegou à sala do lado, já lá estava o professor

à espera dele. Quando o viu deu-lhe um abraço e começou a falar na sua

língua, não se entendia nada do que ele queria dizer, porém o professor

começou a imitar as suas palavras pondo ritmos e melodias às mesmas, e

assim estiveram a comunicar durante algum tempo. Em seguida o Azul

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começou a dançar, enquanto cantava e fazia sons vocais, e nós imitámos tudo.

Sempre que o Azul fazia de estátua, ficava na mesma posição: levantava os

braços a 90 graus. Assim, nós percebíamos que ele estava em estátua sempre

que se punha nessa posição e dizia “tato”, nós parávamos e fazíamos de

estátuas. Era ele que liderava o jogo.

Começou a dançar e a associar os movimentos a um tempo fixo, pois

trocava de posição sempre ao mesmo tempo, dizendo interjeições de forma

cantada como: “atata”, “aiôô”, “ya”. Aqui também fizemos várias estátuas nas

posições mais estranhas que ele inventava.

Depois pegou no bloco de notas e na caneta que o professor tinha

levado e começou a fazer rabiscos enquanto dizia coisas como “u a i a, tê tê”,

de cada vez que desenhava um rabisco, como se estivesse a ler o que

escrevia, nós começamos a imitá-lo. Quando ele acabava o que estava a

escreve, soltava um grito de alegria e punha os braços no ar, demonstrando

que já tinha finalizado a tarefa.

O professor começou a cantar algumas melodias com as interjeições

que o Azul usava, e passado algum tempo ele imitou-o, cantando na mesma

tonalidade. Por vezes o professor parava de canta e dizia “ai” e/ou “ui”, e o Azul

que continuava a escrever, imitava-o.

Depois começamos a fazer ritmos vocais em “tsh”, só com ar, mas o

Azul começou a cantar coisas aleatórias e não nos quis copiar.

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De seguida, dançamos e cantamos pela sala, e professor disse “stop”,

para fazermos estátua, porém o Azul não percebeu que era para parar, pois só

associava essa ação à palavra “estátua”. Eu expliquei ao professor o porquê de

ele não estar a para e quando o professor disse “estátua” o Azul copiou-o

dizendo “tato” e parou na posição habitual. Para que ele mudasse de posição

quando parava, dissemos-lhe que ele tinha de nos abraçar quando fosse para

fazer estátua, e assim o fez.

Seguidamente, o Azul foi buscar um sofá e sentou-se. O professor

pediu-lhe que fosse com o seu bloco de notas mostrar-me o que tinha escrito

para eu tocar. Ele começou a “ler” e eu imitei-o de acordo com a forma dos

desenhos e com o que ele dizia: se dissesse palavras curta eu tocava notas

curtas, se as prolongasse eu tocava notas longas. Estivemos a comunicar

assim durante algum tempo.

O Azul continuou no seu mundo a escrever e a ler o bloco de notas, por

isso comecei a fazer o motivo do “tchtch” para dentro do saxofone, na tentativa

que ele me imitasse e pudéssemos assim continuar a comunicar. Quando eu

parava esse motivo ele imitava-me, por sentir falta do som, mas não tirava os

olhos do bloco.

Percebi que ele podia imitar-me quando houvesse silêncio, por isso

toquei o Papagaio Loiro, música tradicional portuguesa. Toquei-a em pequenos

motivos, na esperança que ele me imitasse quando eu parasse, mas desta vez

não resultou, ele estava absorvido pelo que estava a fazer.

Depois foi buscar um sofá para mim e outro para o professor e

encontrou uma varinha mágica de brincar e transformou-me com umas

palavras mágicas que disse. Sempre que ele me transformava eu tocava algo

diferente.

Logo a seguir, foi buscar as bolinhas de papel e começou a atirá-las

para dentro do saxofone. Quando ele acertava na campânula eu tocava um

slap, quando não acertava e caiam ao chão, eu fazia um multifónico. Depois

das bolinhas estarem todas dentro da campânula eu virava o saxofone por

cima dele, e elas caíam todas por cima dele, como se fosse chuva. Ele adorava

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esta parte, por isso continuou com este jogo durante mais tempo do que o

costume. Para o fim, depois de colocar todas as bolinhas dentro do saxofone,

agarrava na campânula do saxofone e começava a gritar muito forte lá para

dentro, eu imitava a nota em que ele gritava.

No meio de toda esta brincadeira, a Educadora apareceu na sala e disse

“Então Azul? Tu quando queres falas bem” e nós ficamos surpreendidos, pois

não nos parecia que ele comunicasse da mesma forma que nós. Ela disse-nos

que ele entendia tudo o que dizíamos, porém por vezes não sinto que ele

perceba as coisas que lhe dizemos.

Depois o Azul tirou o casaco, pois já estava a suar de tanta brincadeira.

E, de forma a acalmá-lo, toquei uma Aria muito melodiosa e calma. Ele

continuou a berrar para dentro do saxofone, mas eu não respondia e

continuava a tocar a melodiosamente. Continuava com muita energia, não

parava quieto, não se calava e não ouvia.

Sentou-se novamente com o caderno a escrever e a ler, mas nós não

lhe demos a atenção que ele queria e ele reparou nisso. O professor sentou-se

ao seu lado tentando fazer com que ele parasse e ouvisse o que eu estava a

tocar, mas sossegou.

Enquanto eu tocava, o Azul começou a cantar e o professor imitou, eu

toquei de seguida, comunicamos os três assim durante algum tempo, até que

ele foi buscar os caixotes. O professor pegou na varinha e fez uma magia para

que ele tocasse nos caixotes, mas ele decidiu que se queria transformar num

cão.

Em seguida, o professor começou a tocar nos caixotes, mas o Azul

sentiu que faltava alguma coisa e foi buscar os copinhos de iogurte que eu

tanto queria que ele tocasse na última sessão. Passado pouco tempo,

aborreceu-se e disse “shiuu”, nós paramos uns segundos e depois

continuamos, como se fosse jogo da estátua.

Pôs-se em cima dos caixotes e começou a dançar no ritmo que

estávamos a tocar, depois também cantou e nós imitamo-lo. Deu-me a varinha

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e eu fingi que lhe fiz um feitiço, paramos de tocar nesse momento, até que ele

disse uma palavra: “cata”, como se desse ordem para continuarmos a tocar.

Depois foi ele que me transformou a mim, paramos de tocar novamente, até

que ele começou a dançar e deu indicação para que tocássemos. Era ele que

mandava neste jogo.

Os outros meninos saíram da sala para irem para a Educação Física e

passaram pela nossa sala. O Azul começou logo a exibir-se para eles em cima

dos caixotes enquanto dançava e cantava.

Quando todos os meninos saíram, o Azul pediu ao professor para lhe

pôr a mão na testa, dando a entender que estava doente. O professor entrou

na brincadeira e disse que ele estava com muita febre e precisava de colo.

Aproveitei este momento tranquilo e toquei novamente a Aria, enquanto o

professor dançava com ele ao colo e cantavam muito delicadamente algumas

melodias na mesma tonalidade. Criaram uma melodia inventada pelos dois de

pergunta-resposta e eu toquei uma nota longa.

Tentamos que ele comunicasse mais um pouco connosco, mas ele

começou a arrumar tudo nos sítios, dando a entender que a sessão tinha

terminado. Então o professor deu-lhe um abraço e começaram a cantar

enquanto ele arrumava o resto das coisas. Por fim, fomos levá-lo à sala da

Educação Física.

O Azul é uma criança com muita energia e ritmo no corpo. Sendo que

estas características podem estar muito ligadas ao facto de ele ser cigano, pois

os ciganos são um povo com uma cultura muita rica em música e dança.

Segunda, 06/05/19

Sessão nº3 com o Azul (1h)

Convidei a Sara para ir comigo à última sessão no CPSSMA. Quando lá

chegamos decidi tirar alguns objetos da sala, que tinham criado distrações ao

Azul nas últimas sessões, de forma a que ele se focasse o máximo de tempo

possível nas tarefas que lhe pedíamos.

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Depois, dirigimo-nos à Sala Verde para cumprimentar todas as crianças

e ir buscar o Azul. Antes de o ir buscar, deixei o bloco de notas, da última

sessão, em cima da mesa. Mal ele chegou começou a escrever enquanto lia o

que escrevia, tudo na sua linguagem. A Sara começou a imitar o que ele dizia e

a escrever como ele. Entretanto, ela inventou uma melodia com as notas e

palavras que ele mais utilizava e estiveram assim os dois a cantar. Eu fui

buscar os copinhos de iogurte, juntando ritmo, e fui imitando algumas

interjeições que ele dizia enquanto escrevia.

A Sara começou a esfregar os copinhos sobre a mesa, ele gostou do

som e pegou neles para a imitar, fazendo também alguns ritmos e sons vocais

como “ya, psh, tsh”, que nós imitamos. Com toda esta envolvência musical, o

Azul criou uma história com os copinhos na mão, que parecia ser de luta, a

Sara imitava o que ele dizia e fazia, musicalmente e corporalmente.

Depois foi buscar dois dos tubos de plástico que eu tinha lá deixado e

começou a brincar às espadas com a Sara, enquanto eu montava o saxofone.

Ele estava com muita energia e quando parou, à semelhança da última sessão,

foi pedir que lhe puséssemos a mão na testa, dando a entender que estava

doente. Então tirou o casaco e ficou bom. Recomeçou a brincar com a Sara,

mas desta vez com mais tranquilamente, deslizando os tubos pelo chão.

Em seguida, cantou para dentro do tubo e eu imitei. Como ele não

consegue estar muito tempo a fazer a mesma coisa, logo a seguir começamos

a brincar às espadas e eu dizia “estátua” para pararmos, ele respondia com

“tato” e parava.

Desta vez levei bolinhas de papel de várias cores. Fui buscar o saxofone

e a Sara começou a atirá-las para dentro da campânula dizendo “ploc”, na

tentativa que o Azul fizesse igual, mas não o fez. Como aconteceu na última

sessão, ele acabava de pôr as bolinhas para dentro do saxofone e agarrava na

campânula para gritar lá para dentro, com toda a sua força, e eu reproduzia o

som. Como cada bolinha tinha uma cor diferente, toquei uma nota diferente

para cada uma, mas penso que ele não compreendeu isso.

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De forma a acalmá-lo um pouco, pois estava sempre a gritar, comecei a

tocar a música inventada por mim e pela Sara na última sessão com a

Margarida. Ele continuava a berrar para dentro do saxofone, mas eu a Sara

continuávamos com a melodia, sem lhe dar a importância que ele queria.

Percebeu então que este era um momento mais tranquilo e foi buscar os sofás

para nos sentarmos, à semelhança da sessão anterior.

Entretanto encontrou um balão que estava perdido pela sala, eu enchi-o

e indiquei-lhe que pusesse o balão em cima da campânula e encostasse o

ouvido, de forma a sentir e ouvir as vibrações da melodia que tocava. Depois a

Sara começou a cantar através do balão ao ouvido dele. Ele fez o mesmo ao

meu ouvido, imitando a Sara. Seguidamente, o Azul pôs o balão em cima da

campânula e indicou à Sara que cantasse através dele enquanto eu tocava a

nossa melodia, ele juntou-se a ela a cantar. A Sara dançou com ele muito

calmamente ao som do saxofone, porém ele continuava agitado.

O Azul e a Sara começaram a mandar bolinhas um ao outro, fazendo

sons vocais como: “aiaiai, tsh, ahh”. Tocaram copinhos, a Sara tocava e eu

batia palmas em diferentes ritmos, mas ele não quis entrar na brincadeira, por

isso fomos buscar os caixotes e começamos a tocar neles.

Ele estava noutro mundo com as suas brincadeiras e até fingiu que nos

matou com os tubos de plástico, nós fingimos que morremos em cima dos

caixotes. Para nos ressuscitar foi dar um abraço a cada uma e depois deu-nos

os copinhos para tocarmos nos caixotes, mas durou pouco tempo.

Levou a bolinha vermelha a um desenho que estava na parede com a

mesma cor, mostrando que já sabe identificar bem as cores e tentando dizer o

nome delas. Escondeu o resto das bolinhas que estavam em cima dos caixotes

por baixo dos copinhos, e eu imitei-o, criando uma comunicação. A certa altura

disse “estátua” e ele em vez de parar, deu-me um abraço, como fazia por

vezes. Depois começou a fingir que os copinhos eram bonecos e brincamos os

dois assim, a “falar” um com o outro.

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O Azul é uma criança cheia de criatividade, cansa-se facilmente das

tarefas propostas e muda de atividade de um momento para o outro, sempre

com muita energia.

Decidi fazer uma atividade final com todos os meninos da Sala Verde,

que consistia em recordarmos um pouco todas as atividades que tínhamos feito

ao longo do projeto. Começamos por fazer uma roda e aquecer o corpo.

Depois fizemos Os Sons da Chuva, e cantamos o Plic Ploc. Dissemos “qua

qua” enquanto andávamos como patos, fazendo estátuas e cantamos a Música

do Pato com uma coreografia.

No fim disse que tinha de ir embora e por isso lhes ia dar uma prenda

para que se recordassem de mim sempre que olhassem para ela: os

Grasnadores. Tiramos algumas fotografias juntos e despedimo-nos.

Foi tão bom conhecer estas crianças e poder brincar e comunicar com

elas através da música.

Quarta, 15/05/19

No dia 15 de maio fui entrevistar a Terapeuta da Fala e aproveitei para

fazer uma visita à Sala Verde. O Azul já estava pronto para ir comigo para a

outra sala, até me deu a mão e tudo, mas eu tive de dizer que depois voltava

para brincarmos mais. Expliquei-lhe que tinha ido fazer uma visita, e ainda

estive a falar e a brincar um bocado com todos.

Fui embora com a promessa de votar a fazer mais visitas. Ficaram todos

muito felizes por ver, alguns deles não me queriam deixar especialmente o

Azul.

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Sessões do Projeto da Sara com a Margarida

Quinta, 18/04/19

Sessão nº1 (1h)

Tal como convidei a Sara para fazer parte das minhas sessões no meu

projeto, também fui convidada por ela para fazer parte das suas sessões com a

Margarida, uma criança de 5 anos que nasceu prematura e tem sido

acompanhada por terapeutas. Aprendeu a falar e a ler mais de que uma língua

sozinha e tem dificuldades de comunicação, estando sempre no “seu mundo”.

Haviam fortes possibilidades de ser uma criança autista, porém não houve

resultados conclusivos aos testes de despiste que ela fez.

Os nossos projetos são muito parecidos, pois tentamos as duas

comunicar com crianças que “não falam na mesma língua que nós”, através da

música. Eu com a ajuda do saxofone e ela com o piano.

O objetivo desta sessão era que eu conseguisse cativar a atenção da

Margarida com algo novo: o saxofone, pois ela é muito parecida ao Azul no que

toca a perder o interesse pelas atividades.

Cheguei um pouco atrasada, pois era a primeira vez que ia a casa da

Sara e não sabia bem onde ficava. Quando cheguei conheci o Anouk (cão da

Sara que estava presente em todas as sessões, para dar confiança à

Margarida), a mãe da Margarida e a Margarida. Ela disse-me olá e ficou muito

atenta ao que eu estava a fazer. Abri a caixa do saxofone e ela mostrou-se

encantada e espantada ao mesmo tempo. Depois de montar o saxofone, a

Sara soprou para dentro da campânula e eu mandei ar dentro do saxofone, não

quis logo tocar pois tinha medo de a assustar como aconteceu com o Dourado.

Ela observava com muita atenção e copiou a Sara, sempre muito

entusiasmada. Tentamos fazer novamente, mas ela perdeu o interesse pouco

tempo depois.

Para que ela ouvisse o som do saxofone sem se assustar, decidimos

tocar um tema do projeto do projeto Paluí - tema dos kazoos - que cria um

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ambiente auditivamente agradável e calmo, e apesar de ela não interagir

connosco, ficamos com a certeza de que nos ouvia enquanto fazia outras

coisas.

Do nada, a Margarida começou a subir as escadas com o Anouk e eu

escondi-me na sala do piano. Comecei a tocar algumas notas e ela desceu as

escadas para me procurar com a ajuda da Sara. Quando me encontrou ficou

muito contente e reagiu como se a tarefa já estivesse realizada. Eu escondi-me

novamente noutro sítio, mas ela encontrou-me rapidamente e perdeu o

interesse.

Eu e a Sara tocamos mais um pouco, improvisamos juntas enquanto a

Margarida explorava todos os objetos que tínhamos levado. Percebemos que

tínhamos de parar quando ela começou a ficar aborrecida por não ter outro

desafio.

Levei as bolinhas de papel e fizemos o jogo que tínhamos feito com o

Azul. A Sara começou a atirar as bolinhas de papel para dentro do saxofone

enquanto eu fazia slaps e a Sara dizia “ploc”. A Margarida percebeu o jogo

muito rapidamente e pegou em todas as bolinhas para fazer sozinha, porém

não dizia o “ploc”, por isso a Sara continuava a dizer, incentivando-a.

A Margarida pedia-me “por favor” e apontava para o saxofone, pedindo

para tocar, mas eu fingi que não percebi e só a deixei tocar nas chaves, não

sendo bem o que ela pretendia, mas conseguiu estar concentrada neste

desafio.

Espalhamos as imagens dos animais pelo chão – abelha, vaca, ovelha e

passarinho – para brincarmos aos sons dos animais acompanhado pelo

saxofone e pela voz da Sara. O objetivo seria saltar para cada um deles e

reproduzir o som de cada um, tanto pela voz como pelo instrumento, como

fizemos com o Laranja na última sessão. Mas a Margarida não estava de todo

a aderir à brincadeira, pois estava distraída com os seus bonecos, então a Sara

peguou nela ao colo e fez o jogo. A Margarida achou uma certa piada, então a

Sara deixou-a no chão por cima da imagem da abelha e usou o contacto físico,

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fazendo-lhe cócegas, como se o animal estivesse a rondá-la, ao que ela

também achou muita piada e riu-se.

Para além das imagens dos animais, levei também os balões, copinhos

de iogurte, Tubalões e Grasnadores.

Começamos pelos balões e a Margarida teve uma certa rejeição que a

mãe explicou que era por ter receio que o balão rebentasse e o barulho era

demasiado agressivo para ela. Então a Sara encheu os balões com pouco ar

para que que ela não tivesse medo e pudéssemos interagir através deles. A

Sara tentou que a Margarida colocasse o balão no saxofone e ouvisse as

vibrações, mas ela recusou-se por completo e fez birra sempre que a Sara

tentava.

Usamos então os copos de iogurte que ela adorou! Dividimos os copos

pelas três e íamos fazendo ritmos em diferentes superfícies e criando sons que

interessaram bastante à Margarida. Depois de várias brincadeiras, a Margarida

resolveu tirar-nos os copinhos para ficar com eles, mas se nós lhos dessemos,

pois ela ia entrar no mundo dela e nós não íamos conseguir continuar. Por isso,

comecei a tocar notas com ritmos em galope, como os cavalos. A Sara disse à

Margarida que não podia ficar com os copinhos se não fizesse a brincadeira

dos cavalos. Foi birra imediata, mas nós continuamos o jogo sem ela.

Os Tubalões e os Grasnadores, apesar de terem balões, a Margarida

achou interessante e também tentava soprar para conseguir o mesmo

resultado que nós. Claro que viu que não conseguia e, por conseguinte,

desistiu e ficou apenas com o balão na boca enquanto nós tocávamos aos

ouvidos dela.

Entretanto apareceu a Mel (outra cadela da Sara) e a Margarida ficou

muito feliz. Esteve à volta dela imenso tempo a dar miminhos e a dizer “que

fofinha”, “mel”.

No meio da confusão toda que estava instalada no hall de entrada onde

estávamos, a Margarida ainda teve algum interesse em tocar no xilofone,

apenas uns segundos, enquanto a Sara acompanhava com a pandeireta.

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Vimos que a Margarida já estava a ficar sem interesse e resolvemos

terminar a sessão. Gostei muito de a conhecer e percebi que tem algumas

semelhanças nas dificuldades de comunicação com os meus três meninos

coloridos.

Quarta, 01/05/19

Sessão nº 2 (1h30)

Esta foi a última sessão da Sara com a Margarida, então fui com o

professor Paulo Maria Rodrigues até ao Porto.

Quando chegamos a Margarida ainda não tinha chegado, por isso deu

tempo para organizar tudo. A Sara colocou imagens nas paredes do jardim e

instrumentos pelo chão.

A Margarida chegou com os pais que traziam dois teclados de brincar.

Ficou muito entusiasmada e interessada com tudo o que viu. E lá estava o

Anouk no jardim para a receber. A Margarida ficou contente por vê-lo, deu-lhe

uma bolacha e andou um bocado pelo jardim, até que disse “mel?”. Queria a

outra cadela que tanto adora. Mas a Sara fingiu não perceber, pois podia ficar

só à volta dela, como no fim da última sessão, e não nos ligar nenhuma.

Tentávamos falar com ela, mas o que a cativou mesmo foi quando eu

abri a caixa do saxofone, que ela já tinha visto na sessão anterior, mas não

tinha experimentado tudo, por isso ficou interessada. A Margarida ficou ao meu

lado enquanto eu montava o saxofone e dizia “por favor” para eu a deixar

pegar, mas por enquanto só podia tocar nas chaves, como tinha feito da última

vez. Brincamos ao jogo de atirar as borrachas dos animais que a Sara tinha,

para dentro do saxofone e também falar lá para dentro. Depois, eu toquei e ela

ficou concentrada a olhar, mas quando viu que não ia conseguir mais nada, foi

para o mundo dela.

Entretanto, a caminho da casa da Sara, a Margarida tinha passado pelo

Sea Life, onde adora ir ver os “peixinhos”, como ela diz. Claro que foi uma

constante na sessão o tema dos “peixinhos”, pois ela queria lá ir.

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Andou por ali a falar, acompanhada pelos seus “bebés chorones”

(bonecos que tinha levado) e a Sara imitava o que ela dizia. Ela não quis saber

e foi ter com a mãe a dizer “vamos embora, peixinhos”. A mãe explicou-lhe que

primeiro tinha de brincar connosco. Ela fez o que a mãe diz, cumpre os

mínimos e volta ao mesmo “vamos embora, peixinhos”.

Havia um pequeno espaço com pedras rodeado por vasos e ela achou

piada. Pegou na mão da Sara e foram para lá. Ao saltar, a Sara tentou explicar-

lhe que tinha de fazer um som. Não valeu de nada, porque o que ela queria era

ter a aprovação e sentir-se segura para “entrar” nesse lugar. A Sara tentou

brincar às escondidas com ela nesse pequeno espaço, mas sem sucesso, pois

ela tinha uma companhia mais interessante que eram os seus brinquedos.

Então escondemo-nos pelo jardim para que ela nos encontrasse, eu ia tocando

saxofone e a Sara kazoo. Estivemos algum tempo a sermos ignoradas, mas a

mãe perguntou-lhe onde estávamos e ela a muito custo lá nos procurou.

O professor juntou-se a nós e começamos a improvisar com os

instrumentos que lá haviam, enquanto a Margarida nos ignorava e falava dos

peixinhos. Ela andava pelo jardim e nós parávamos de tocar por uns momentos

para ver se havia alguma reação diferente da parte dela. Voltou à mãe a pedir

para ir embora, disse-nos “xau” e nós continuámos a tocar sem lhe dar

importância. Isso sem dúvida que a irritava. O professor inventou uma música

dos peixinhos. Lógico está que a Margarida não quis cantar connosco e

continuou com vontade de ir aonde queria.

Como a Margarida gosta da Mel e já tinha falado dela, a Sara foi buscá-

la para o jardim. Ficou muito contente e não a largou, a dar-lhe mimos e

abraços. Por momentos acalmou-se e não pensou nos peixinhos.

Levei novamente os copinhos de iogurte que também usamos na sessão

anterior. Voltamos a utilizá-los para criar ritmos e ambientes sonoros, como

esfregar os copos no chão que a Margarida tanto adorou. Ela levava uma

camisola com brilhantes salientes e eu aproveitei isso a meu favor, usando a

camisola para esfregar os copinhos, que fazia um som engraçado, e ela adorou

e deixou-me estar ali algum tempo. Também pegou num copinho e

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experimentou. Utilizamos dois copinhos para tocar um no outro ao ouvido dela

e curiosamente interessou-lhe ouvir, ainda que por alguns segundos.

Voltou à história dos peixinhos e foi ter com os pais a pedir para ir

embora, mas a mãe disse que tinha de fazer o que a Sara pedia, então ela

para cumprir os mínimos, foi ter com a Sara. Ainda com o barulho dos

copinhos, brincamos ao jogo das estátuas, ou tentamos. Enquanto fazíamos

barulho com os copinhos, ela e a Sara pulavam. Quando parávamos, elas

deviam parar, mas esta era sempre a parte complicada de realizar com a

Margarida. Contudo, estava feliz por estar aos pulos.

Desligou novamente e foi passear pela relva. A Sara sentou-se no chão

com a Mel, ao pensar que era cativante para ela, e começou a cantar uma

melodia. Eu peguei no início da melodia e completei-a com o saxofone. Toquei

várias vezes enquanto a Sara cantava para a Margarida. Não foi durante muito

tempo, porque ela cada vez mais tinha menos paciência para nós.

No fim, deixei-a experimentar tocar no saxofone, que ela tanto queria,

mas não conseguiu tirar som e esqueceu a ideia.

Resolvemos então dar por encerrada a sessão e enquanto falávamos

com os pais, a Margarida via os seus desenhos animados no telemóvel. A

concentração dela ao observá-los era autêntica, absorvia o mais máximo que

conseguia.

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Anexo II – Entrevista Terapeuta da Fala

CPSSMA – 15/05/19, 10 horas

Duração: 34min

Carla Costeira: Bom dia, antes de mais queria pedir autorização para gravar,

dá-me autorização?

Terapeuta da Fala: sim, sim.

CC: Ok, pronto. Então ia pedir para falar sobre cada uma das crianças com

quem trabalhei, especificamente mais direcionado ao Dourando, ao Leandro e

ao Angelino.

TF: O Dourado é uma criança que tem perda auditiva. Foi feito o implante…

suspeita-se que possa haver ali mais alguma patologia, mas não está

diagnosticado. Portanto, algo mais associado à surdez. Começou a responder,

após a introdução do implante. Começou a responder mais a alguns estímulos,

embora não tinha desenvolvido muito a parte… a fala em si. Penso que ele

naquela vossa sessão, que eu acabei por ver, ele ia fazendo muita coisa até

por imitação, não é?

CC: Sim, sim.

TF: Pronto, mas ia-se exprimindo através de gestos e assim, mas lá está,

penso que ali às vezes as dificuldades de compreensão que ele tem, se calhar,

possam ter feito com que ele não percebesse o objetivo das coisas.

CC: Claro.

TF: Quando acabava por perceber, então lá fazia o que era pretendido, não é?

Pronto, o Laranja é uma criança que eu nunca ouvi a voz dele, daí eu ter dito

que se calhar na sessão que estava a ver, estava a aprender muito mais sobre

o Laranja, do que propriamente em três/quatro sessões que se calhar tinha

dado antes daquele momento. Dizem que ele fala, até hoje não sei.

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CC: Por acaso naquela altura, naquela sessão eu tinha vindo uma sessão

antes e tinha trazido uns instrumentos, tipo uma buzina, e como ele não estava

a conseguir soprar, começou a cantar. E a partir daí eu comecei a imitá-lo e

ele começou a falar, entre aspas, por berros e…

TF: Exatamente. Imitação quase de sons e vocalizos.

Eu: Sim, mas não mais do que isso.

TF: Pronto, porque eu acho que, lá está, mais uma vez não está nada

comprovado. Eu queria fazer ali uma análise… eu não, queria pedir uma

avaliação psicológica, mas depois é a tal situação: o Laranja deixou de vir e o

caso está aqui assim um bocadinho perdido, pronto. Porque eu desconfio de

um mutismo seletivo, ou seja, todos os meninos e os pais dizem que ele fala,

não fala muito, mas fala, portanto, então eu acho que o facto dele aqui na

escola não falar trata-se mais de uma questão comportamental de ele não

querer, não é?

CC: Sim.

TF: Pronto, e há ali alguma coisa que está aqui a bloquear a própria fala.

CC: Mas em casa ele fala?

TF: Sim, os pais dizem que ele fala, só que para mim… daí eu estar a querer

levar para um diagnóstico seletivo, porque isso existe. Pronto, mas nada de

comprovado, lá está, mais uma vez interrompemos aqui a própria intervenção e

às vezes é um bocadinho complicado dar continuidade. Não sei depois como

vai ficar o caso, tenho que… ele supostamente no próximo ano iria para a

escola, portanto terá que ir para a escola e o caso da terapia à partida depois

irá continuar lá, pronto e aí vamos ver. Mas a nível de compreensão, na minha

avaliação, como ele não verbalizava as coisas, eu não conseguia ter a certeza

se ele não me estava a responder porque não sabia ou se não me estava a

responder porque não queria.

CC: Sim.

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TF: E na vossa sessão, consegui realmente perceber que ele compreende,

pode não ter ali uma compreensão total, não é? Pode haver ali algumas

dificuldades na mesma, dificuldades de aprendizagem e assim, mas consegui

perceber que não está assim tão afetada quanto isso.

CC: Exato.

TF: Nas minhas sessões eu ia percebendo porque vou fazendo perguntas de

sim e não e ele vai respondendo sim ou não com a cabeça, mas pronto, é tudo

numa linguagem não verbal.

CC: Sim, claro. Por acaso eu notei que dos três era aquele que eu falava e ele

percebia, e acabava por fazer, não é? Os outros estavam no mundo dele e era

mais por imitação.

TF: Eu acho que ele acaba por ter uma compreensão muito melhor do que os

outros dois. Pronto, temos aqui a questão realmente do mutismo.

CC: De não querer.

TF: Sim, alguma coisa ali está a bloquear. Porque a dada altura ele dizia, com

sim e não, que não gostava de vir para a escola. A dada altura perguntei-lhe:

“mas tu não gostas da terapia? Do que nós fazemos na terapia?” e ele dizia

que gostava. Cheguei-lhe a perguntar: “mas sou eu?” e ele dizia que não era

eu, que queria ser meu amigo, que queria trabalhar comigo, mas que não

queria falar. Pronto, e, portanto, eu acho que há aí uma questão mais

comportamental do que propriamente… agora, se ele não falar, não sei se ele

diz todos os sons, se…

CC: Sim, exato.

TF: Não consigo avaliar. E aí será complicado por aí.

CC: E o Azul?

TF: Pronto, o Azul… muitas dificuldades a nível de compreensão, lá está, se

calhar por imitação ia fazendo as coisas. Muitas alterações a nível de fala

mesmo. Pronto, ele tem vindo… há um mesito para cá, mais ou menos, eu

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acho que ele deu um “pulo” grande a nível de fala, mas tem ali compreensão,

e…

CC: Eu às vezes acho que ele se calhar possa misturar a linguagem cigana

com o português.

TF: Sim, ele fala o dialeto deles. Ele mistura muito, muito, sim.

CC: Eu agora não me estou a recordar do nome.

TF: Mas isso é próprio da comunidade.

CC: Sim, sei que eles têm um da península ibérica, um dialeto.

TF: Sim, eles têm o dialeto deles, não é? Que é ali uma mistura com o

espanhol, com… que às vezes não dá para perceber muito bem o que é. Mas o

Azul há ali mais… também há ali a nível de compreensão, dificuldades de

aprendizagem… também tem outras coisas associadas.

CC: Pode estar a atrasar um bocado…

TF: Sim, sim.

CC: … a fala, não é?

TF: Sim.

CC: Pois, ele é mais novo, não é? O Azul é o mais novo?

TF: Sim, mais novo do que o Laranja, o Laranja já tem seis. Eu penso que o

Laranja é de dezembro… o Laranja já tem 6.

CC: Já devia estar no primeiro ano, é isso, não?

TF: Já tem 6, ele vai entrar na escola, vai fazer 7, eu acho que é isso.

CC: Pronto, o Azul ainda tem um ano, não é?

TF: Sim, sim, ele tem. Pronto, o Dourado então também não se fala, não é?

CC: Pois o Dourado agora está a aprender outra linguagem, não?

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TF: Sim.

(…)

CC: A nível da compreensão também está afetado, não é? Para além da

surdez.

TF: Sim, sim, bastante afetado.

CC: Eu notei que houve uma sessão que eu vim, que ele estava com o

aparelho estragado, e ele pronto, lá está, porque não ouvia já não berrava,

entre aspas, não é? Tentava falar, mas a nível de compreensão era muito…

imitava muito o Azul também…

TF: Ele vê o que é que os outros estão a fazer, embora ele já está… teve uma

evolução a esse nível, pronto.

CC: Sim, sim.

TF: Porque quando há dificuldades de compreensão não quer dizer que eles

não vão atingir… pronto, têm que ir lentamente e tentarem aprender o máximo

que puderem.

CC: Sim, sim.

TF: Mas o Dourado é um bocadinho assim, é. Inicialmente tínhamos a questão

da surdez. Sem ouvir é muito complicado, embora ele vai fazendo alguns sons

se nós colocarmos… o Dourado é muito do toque, se nós colocarmos, a mão

dele na garganta, nos meus lábios, ele tinha uma perceção de como eu queria

que ele colocasse a boca, e ele tentava. Às vezes saía, outras vezes não saía.

Pronto, mas eu até acredito que o Dourado vá adquirir a fala. Não digo uma

fala perfeita, mas eu acredito que sim.

CC: É como começar do início, não é?

TF: Sim, se nós juntarmos quase uma surdez, com dificuldades de

compreensão, tudo isto, não é? É um bolo grande, que dificulta tudo. Porque

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eles podem tentar a língua gestual, mas se não houver uma compreensão… a

compreensão acaba por afetar todos os tipos de…

CC: Sim, sim.

TF: Ele podia tentar escrever, mas… pronto. Temos a língua gestual, temos…

antes dele colocar o implante foi feito um trabalho a nível de sistemas

aumentativos e alternativos da comunicação. Mas a família também não ajudou

muito. Eu ia fazendo na terapia, ele ia associando, estávamos na parte de

aprender os sons, os símbolos, ou seja, aquele símbolo corresponde àquela

palavra, ou àquele objeto. Associar o símbolo a objetos, a coisas, não é? Ele

compreender o que é aquele símbolo. Mas tem de ser trabalhado em casa, tem

que haver uma continuidade. E depois houve aqui a questão dele ser operado

e então foi quase como “não, não vamos fazer isto porque ele vai ser operado

e…”

CC: “…vai ficar bem”

TF: Pronto, às vezes é muito complicado trabalhar com as famílias.

CC: Claro.

TF: A parte do Azul e do Laranja, têm a componente realmente da própria

cultura deles, não é? Não quer dizer…

CC: E será que o Laranja sabe falar português? Ou fala em…

TF: Há pais que já têm essa preocupação de falar o português em casa,

porque a verdade é esta: é cá que eles moram e eles vão ser inseridos numa

escola portuguesa.

CC: Claro.

TF: Pronto, e se eles falarem português, muito melhor. Mas por norma eles

conseguem todos que em casa seja feito um esforço para falar em português.

Exceto, já aconteceu comigo, alguns meninos que os próprios pais não sabem

falar português. Já são raros.

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CC: Sim, sim.

TF: Mas já aconteceu casos assim, pronto…

CC: Mas eu às vezes apanhava uma ou outra palavra do Azul.

TF: Sim, é muito comum nós estarmos a falar e eles até estão a falar

fluentemente português, mas de repente vem um “choche”, vem um… sim vem

assim qualquer coisa.

CC: Sim, ele exprimia-se muito através de expressões, não é?

TF: Sim, típicas deles.

CC: Como não conseguia falar, quer dizer, ele consegue falar só que ninguém

o percebe (risos).

TF: Mas o Azul, eu costumo dizer à Educadora: o Azul é o menino que se

calhar eu tenho que tem mais dificuldades, mas se calhar é o menino mais

feliz, porque ele não tem a noção das dificuldades que tem, então é um menino

feliz.

CC: Sim (risos).

TF: Ele fala, fala, fala, não se percebe nada, mas é um menino feliz.

CC: Vive no mundo dele.

TF: É um bocadinho assim. Pronto, o Laranja tenho pena porque estávamos na

fase em que eu queria propor aos pais a avaliação de psicologia, queria ver,

porque acho que há ali…

CC: Por acaso era o que mais me desafiava mesmo, até houve uma sessão

que estávamos só com ele. Estávamos todos, e estava cá o professor, acho

que não foi na mesma que você assistiu. E estavam os outros meninos todos e

começamos a cantar uma canção que é a canção do “Bom Dia”. Então ao fim

de algumas vezes o Laranja começou a fazer os gestos com a boca…

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TF: É mesmo isso, eu sei que ele fala, não é? Porque se os pais dizem eu

tenho de acreditar. Mas há ali alguma coisa que o está a bloquear. E eu senti

que a música, nessa sessão que eu vi, senti que a música poderia ser ali a

alavanca para ele começar a querer falar.

CC: Isso era o que eu ia perguntar, se sentiu alguma diferença.

TF: Sim, porque eu própria, depois daquela sessão que vi… eu até acho que

depois não tive mais com ele.

CC: Pois porque depois ele foi faltando.

TF: Depois acho que já não estive mais com ele mesmo. Porque eu própria fui

ao gabinete, mesmo naquele dia, e falei com a psicóloga. Porque nós já

estávamos a conversar sobre a possibilidade de fazermos uma avaliação

psicológica, e eu disse: “olha, fiquei maravilhada e acho que com o Laranja o

que vai funcionar é a música, vou pegar nos meus instrumentos, vou… não sei”

(risos). Nós chegamos a um ponto quase de desespero, não é? Quase que

fazemos tudo para os miúdos falarem. Neste caso eu já só queria que ele

dissesse qualquer coisa, mais que não fosse: “não gosto de ti” ou “vai-te

embora” ou.... (risos). Eu só queria que ele falasse, pronto. Queria ouvir

também para tentar perceber se ele a nível de articulação, se precisa de

alguma coisa ou não. Porque o Laranja vai para a escola, vai aprender leitura

escrita e eu não sei se ele sabe dizer todos os sons, não é? E é importante

para mim também ir começando a ouvir, pronto e sem ouvir eu não consigo

perceber.

CC: Claro.

TF: Mas ia muito entusiasmada com isso, porque acho que realmente poderia

ser uma forma. Eu vi que ele gostou. E ser algo que o desbloqueasse ali, e que

começasse a falar. Acho que aos poucos eu já estava a ganhar um bocadinho

a confiança dele, porque ele mesmo quando responde sim e não com a

cabeça, ele no início não me respondia tanto.

CC: Sim, sim, foi totalmente isso que me aconteceu…

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TF: Do género “eu não te vou dar confiança, eu não te conheço”, pronto e aos

poucos as coisas começaram a surgir e tenho pena porque acho realmente que

esta comunicação, por muito que eu até por exemplo no próximo ano… é como

digo, não sei como vão ficar as coisas. Vamos imaginar que eu até pego nele,

já foi quebrado aqui esta ligação.

CC: Claro.

TF: Mas ele não gosta, ele quer ficar em casa, ele não gosta de vir para a

escola.

CC: Pronto, é um bocado teimosia, não é? Quer dizer, pode estar relacionado

com algum trauma, alguma coisa, mas não se pode afirmar…

TF: Eu também queria que os pais viessem cá para falar, nomeadamente com

a psicóloga. Há muita coisa que nós não sabemos.

CC: Pois e será que ele deixou de vir porque não podia ou porque não queria?

Nunca se vai saber. A ideia depois seria, que só acabei por fazer com o Azul,

que correu tudo mal para o fim (risos). Era fazer três sessões com cada um

individualmente. Com o Dourado cheguei a fazer uma ou duas, e com o

Laranja comecei a perceber que ele estava sempre a faltar e então ia fazendo

com os outros. Depois perguntei à educadora: “então e o Leandro?” e ela me

contou que se calhar ele não vinha mais, e aí fiquei assim um bocado… depois

na semana a seguir o Dourado tinha o aparelho estragado e então eu mandei

mensagem à educadora a perguntar se valia a pena vir porque não havia tanta

comunicação, não é? Porque como não ouvia… e a educadora disse que o

Dourado tinha sido transferido.

TF: Uma das coisas pós-implante que dificultou muito também a terapia da fala,

e lá está… aqui todo o ambiente familiar e toda… está-se a perder ali muito do

potencial que aquele aparelho poderia estar a dar àquela criança… porque

muitas vezes não está ligado, não tem bateria, está com mau uso, está com…

CC: Muitas coisas.

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TF: Está com muita coisa. E isto é assim, eu cheguei a um ponto de questionar

se valia a pena o Dourado ter colocado o implante, porque é assim, sujeitamos

uma criança a uma intervenção, que tem os seus riscos, e depois não

seguimos o resto do tratamento. É que colocar lá o aparelho só por colocar,

não adianta. Se não o ligamos, se não… o que é que adiantou? E isto é muito

a luta com o Dourado, ele deveria estar com o aparelho quase a 100% e se

calhar estava a 20%. Estamos a falar de dia após dia.

CC: Mas dá para regular o…?

TF: Eles conseguem controlar, em Coimbra. Eles conseguem controlar a

percentagem a que o aparelho está ligado.

CC: Ok, e porque é que não punham o aparelho no máximo?

TF: Porque o aparelho vinha sem bateria e conta como desligado.

CC: Ok, pois.

TF: Se perder uma pecinha, o aparelho não está a funcionar.

CC: Ok, sim estou a perceber.

TF: Por aí.

CC: No início quando eu trazia o saxofone… porque ele tinha posto o aparelho

há pouco tempo, e ainda por cima a trazer o saxofone, que ele ficou um bocado

assustado, porque é um som muito forte.

TF: É assim, nós estamos a falar de uma criança que, se ouvia era uma

percentagem muito baixa, para uma criança que, de repente começa a ouvir

tudo, mesmo assim ele esteve mais de um mês em Coimbra, todos os dias,

esteve ele e a mãe. Em que o volume, as frequências sempre tudo ajustado,

porque de repente era uma confusão enorme dentro daquela cabeça. Depois

eu comecei a reparar que quando ele não tinha o aparelho, aí sim, ele estava

inquieto, gritava imenso, porque ele próprio sentia a falta do aparelho. As

nossas orelhas, os nossos ouvidos, faz parte do nosso corpo e supostamente o

aparelho teria de fazer parte do corpo, como se tivesse ali agarrado, colado,

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não pode sair, não pode estar desligado, não pode… só que isso tem de fazer

parte de uma higiene, um cuidado da família, não é só a escola, não é? Se o

aparelho vai para casa, se não vem para escola, não adianta. Se em casa não

o colocam a carregar, não adianta, não é? Eu espero que as coisas lá estejam

a correr melhor, muito sinceramente, porque acho que a evolução do Dourado

depende disso. O Dourado tem de usar aquilo para toda a vida e já chega ter

estado privado de audição. Se não recebe estímulos, não fala.

CC: Claro, com o Dourado notei isso, que o som ao início… eu uma vez até

toquei e ele ficou cheio de medo, depois cheguei-me à beira dele e pus-lhe a

mão no saxofone para ele sentir a vibração, só que para sentir a vibração do

saxofone eu tive de tocar uma nota mais grave, é uma nota mais forte, e ele

começou a chorar. Depois comecei assim aos pouquinhos, e para o fim ele já

agarrava o saxofone, porque já estava familiarizado.

TF: Sim, tem de ser, lá está, os sons também assim fortes e altos têm de ser ali

um bocadinho idealizados, porque podemos correr o risco realmente de

assustar. Não quer dizer que daqui a cinco anos, se tocasse à frente do

Dourado que ele se fosse… a verdade é esta: ele provavelmente nunca tinha

visto um saxofone.

CC: Ah, claro, nem ele nem os meninos todos que estão aí, claro (risos).

TF: E depois com aquela dificuldade que ele tem ainda mais o assustou e

ainda mais…

CC: Com o Azul senti… esta parte mais direcionada para a música… porque

eu senti que com cada um deles consegui comunicar de alguma forma através

da música, que era esse um pouco o objetivo, não é? Já que eram pessoas de

difícil comunicação verbal, senti que através da imitação ou… que eles

acabavam por entrar nas brincadeiras. Porque eu não ia lá impor nada, era

brincar com eles… no Azul senti que, também devido à cultura, tem imenso

ritmo e comunicava de outra forma. Ás vezes nós pedíamos alguma coisa e era

tudo à maneira dele e é super invejoso, queria tudo só para ele (risos).

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TF: Sim, sim. Ele é assim e ainda hoje tive sessão com ele e tem de ser tudo

como ele quer, se não atira tudo. Depois tem a parte muito meiga também,

ainda ontem estive cá para trabalhar com outros meninos e ele por ele vem

sempre (risos). Ele é o primeiro que quando chego à sala se vem agarrar a

mim, mas depois a nível de comportamento não é fácil. Todos eles têm um

bocadinho… mas sim ele… e mesmo em casa acho que também não é fácil, e

aparentemente parecem-me ser pais muito cuidadosos, parecem-me ser.

CC: Aqui neste caso é difícil prever se o que eu vim fazer fez algum efeito,

também não é esse o objetivo, fazer efeito, mas sim tentar criar…

TF: Também teria de ser algo mais prolongado, não é? Não sei, digo eu.

CC: Sim, claro… tentar criar uma comunicação com eles… acho que consegui,

dentro dos possíveis (risos). Tendo em conta os casos de cada um, não é?

TF: Sim, porque tem muita coisa associada… nesse aspeto sim, não são casos

fáceis.

CC: Se fossem fáceis também não queria (risos).

TF: Sim, também é verdade (risos), mas não são casos fáceis.

(…)

TF: O Azul é muito, muito, muito das expressões típicas da etnia.

CC: Sim, totalmente, a dançar e tudo. Às vezes começávamos a tocar mais

coisas rítmicas e ele começava a dançar logo (risos).

(…)

CC: Pronto, obrigada.

TF: Depois se precisarem de alguma coisa ou assim, alguma coisa que se

lembre também tem o meu contacto.

CC: Sim, sim, obrigada.

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Anexo III – Experiências na Construção de Instrumentos Musicais

Saxofone PVC (https://www.instructables.com/id/PVC-Saxophone-1/)

Experiência número 1 – Boquilha (https://www.instructables.com/id/The-Most-Marvelous-Honk/)

21/01/2019

Objetivos: Fazer uma boquilha com tubo PVC e obter som dela.

Materiais:

- Serrote;

- Lixa;

- Tubo PVC

- Plástico de garrafa de água;

- Fita adesiva.

Procedimentos:

1º Cortar tubo PVC com o serrote;

2º Com o serrote, fazer uma abertura, num dos lados, na diagonal;

3º Lixar as arestas;

4º Com uma tesoura, cortar o plástico de uma garrafa de água, com a mesma abertura do tubo;

5º Prender o plástico ao tubo, com fita cola.

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Observações: Ao fim de várias tentativas, consegui pôr o plástico a vibrar e

obter som da boquilha. Porém, o tubo era demasiado largo e nem sempre

consegui pôr a boquilha a tocar.

Conclusões: Penso que será necessário experimentar colocar um plástico

mais fino, de modo a facilitar a sua vibração.

Experiência número 2 - Boquilha

03/02/2019

Objetivos: Reproduzir som com a boquilha.

Materiais:

- Plástico das capas de encadernação de livros;

- Fita-cola.

Procedimentos:

- Colar o plástico junto ao tudo de PVC.

Observações: Depois de várias vezes a tentar tocar, percebi que era mais

difícil obter vibração deste tipo de plástico.

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Conclusões: Chego à conclusão que é muito difícil obter som com qualquer

tipo de plástico, sendo que o tubo também é muito largo e dificulta o processo

de vibração do plástico. Posto isto, considero que não é viável dar um

instrumento deste a crianças.

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Tubalões (http://super-sonics.blogspot.com/2013/01/projecto-1-tubaloes.html)

03/02/2019

Objetivo: Colocar um tubo de PVC a tocar.

Materiais:

- Balão;

- Tubo de eletricidade;

- Serrote;

- Tesoura;

- Lixa;

- Fita-cola;

- Elástico;

- Tubo PVC.

Procedimentos:

1º Com o serrote, cortar um tubo de eletricidade e lixar as arestas;

2º Com a tesoura, fazer uma abertura no balão;

3º Colocar uma ponta do balão no tubo de eletricidade, e a outra no tubo PVC;

4º Com fita-cola, colar o balão aos tubos;

5º Colar um elástico por cima do balão.

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Observações: A construção deste instrumento foi bastante fácil, assim como,

a vibração e reprodução de som.

Conclusões: Posso concluir que este instrumento é bastante fácil de tocar e,

deste modo, é muito adequado a crianças.

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Grasnador

12/03/19

Objetivos: Construir e obter som da junção de um tudo de eletricidade com um

balão.

Materiais:

- Balão;

- Serrote;

- Tubo de eletricidade;

- Tesoura;

- Fita cola.

Procedimentos:

1º Cortar a ponta de um balão;

2º Prender e colar o balão no tubo de eletricidade.

Observações: É um instrumento que se faz muito rapidamente e que é

bastante fácil de tocar.

Conclusões: Considero que o Grasnador é um instrumento muito apelativo

para crianças, pelas cores e tamanho, e cuja sua forma de tocar é bastante

orgânica e simples.

Page 217: Carla Daniela Martins A Descoberta da Sala Verde ...do segundo e terceiro período do ano letivo 2016/2017. Planeei-as de acordo com a minha experiência enquanto aluna de formação

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Os anexos entre o IV e o X, estão disponíveis no CD-ROM.