Tempo de Descoberta

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    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Diniz, FbioTempo de descoberta / Fbio Diniz Santa Brbara dOeste,

    SP : SOCEP Editora, 2009.

    1. Diniz, Fbio 2. Memrias autobiogrficas I. Ttulo.

    09-07435 CDD-920.71

    ndices para catlogo sistemtico:1. Homens : Memrias autobiogrficas 920.71

    autor

    Fbio Diniz

    editorresponsvel Alberto Jos Bellan

    reviso

    Juana del Carmen C. Campos

    capa

    Marcio Baccan Conte

    produoediagramao

    impressoeacabamento Associao Religiosa

    Imprensa da F - SP

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    1 EdioJulhode 2009

    copyright 2009por SOCEP Editora

    Todos os direitos reservados eprotegidos pela Lei 9.610 de19/02/98. Nenhuma parte destelivro, sem autorizao prvia por escri-to da editora, poder ser reproduzidaou transmitida sejamquais forem os meios empregados:eletrnicos, mecnicos, fotogrficos,gravao ou quaisquer outros.

    todososdireitosreservados,

    nalnguaportuguesa, por

    SOCEP Editora Ltda.

    Rua Floriano Peixoto, 103Centro - CEP 13450-022Santa Brbara dOeste - SP - BrasilTel/Fax: 19 - [email protected]

    www.socep.com

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    Agradecimentos ............................................................................... 7

    Introduo ....................................................................................... 9

    1 - Um menino fora do seu tempo ................................................. 13

    2 - O bom atraso e o vestido rosa .................................................. 23

    3 - O pequeno grande amigo ........................................................ 35

    4 - A vingana ............................................................................... 47

    5 - O fim da dor ............................................................................ 55

    6 - Mundo injusto .......................................................................... 65

    7 - A despedida ............................................................................. 73

    8 - Unidos na amizade ................................................................... 81

    9 - Boas recordaes ..................................................................... 89

    10 - O ltimo encontro dos trs no p de jabuticaba ..................... 97

    11 Ironia do tempo ................................................................... 105

    12 Palavras no ditas ................................................................ 115

    13 Sem mscaras ..................................................................... 125

    14 - A conversa ........................................................................... 133

    15 Tempo de escurido ............................................................ 143

    16 A mudana .......................................................................... 157

    17 - Novos sonhos....................................................................... 165

    Sumrio

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    18 - A surpresa ............................................................................ 175

    19 A fuga .................................................................................. 185

    20 O atraso .............................................................................. 193

    21 Vida sem mscaras .............................................................. 19722 - A viagem .............................................................................. 209

    23 - A revelao .......................................................................... 219

    24 - A despedida ......................................................................... 233

    25 A escolha ............................................................................. 239

    26 - O reencontro ........................................................................ 245

    Final ............................................................................................ 253

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    Agradecimentos

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    Ao Leandro Nonato, rico Braga e Roger Wendel, que foram osprimeiros a lerem, fazendo uma leitura crtica do livro, dandoconselhos teis no que precisava mudar. A Carolina Grechi, quesempre me incentivou e muito ao ler os captulos, fazendo com que medesse cada vez mais vontade de escrever, e talvez sem essas palavras

    de nimo no tivesse terminado.Ao Maurcio Baccan, que quando o tempo ficou apertado para

    a publicao, deu todo apoio correndo atrs de tudo o que faltava,amigo que Deus me deu j h longa data, que sempre acreditou nosmeus projetos. Ao Emerson Perriello e Edinho, que acreditaram einvestiram no livro, meu muito obrigado.

    Ao Mrcio Baccan, grande amigo e grande profissional que meajudou na escolha do nome e fez a capa com muita dedicao.

    Ao Luiz Silva e Adnan, que uma vez me pediram para escreverum artigo no jornal da cidade: Folha Popular. Depois deste artigo,passei 7 anos escrevendo no jornal, comeando assim a adquirirprazer no escrever.

    Ao Rev. Jonas Zulske e Rev. Arthur Fernandes Junior, que deram

    todo apoio na reta final quando precisei, conversando com a editora,e SOCEP, que acreditou na ideia e com alegria ajudou na edio epublicou o livro.

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    TEmpodE dEscobErTa

    Finalmente, s tantas vidas e amigos que me inspiraram atravsde suas vidas a escrever este livro, que uma srie de fatos vividos oupor mim, ou pessoas que tive o prazer de conhecer.

    A Deus, que o grande inspirador da minha vida, a quem euconheci aos 15 anos de idade e depois disso minha vida mudou parasempre, a Ele agradeo por tudo que tenho aprendido.

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    screver as prximas linhas talvez seja a coisa mais difcil e,ao mesmo tempo, a mais emocionante de toda a minha

    vida, pois significa varrer da memria emoes boas e ruins, sentirnovamente a alegria e o medo, as lgrimas derramadas e os sorrisosdistribudos. Memrias boas, mas tambm memrias tristes que tantas

    vezes procurei esquecer ou encontrar algum culpado.Mas isso significa aprender com as memrias, e como aprendi,

    pois professores da vida prximos a mim nunca me faltaram. Significatambm lembrar o primeiro dia de aula, e como gostaria de dizer parapapai que ele no se atrasou, que no foi culpa dele. Principalmente, lembrar o encontro na loja, o dia em que papai seria s meu, estavacom muitas saudades, havia muito para falar, tanta coisa para ser

    dita, mas queria que ele soubesse que nunca chegou atrasado em suavida, tanto comigo como com Amanda e Maria das Dores. Tudo queaconteceu j estava escrito na eternidade, eternidade essa em que umdia estaremos todos juntos. Sim, papai, voc nunca chegou atrasadoe, naquela tarde, na loja, voc me deu a vida pela segunda vez.

    Escrever as prximas linhas entrar na memria de papai,mostrar um pouco quem ele foi, como foi transformado a cada dia,como aprendeu a viver sem barganhar a vida, e como viveu estaintensamente.

    Introduo

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    Muitas histrias aqui apresentadas foram contadas por ele,outras por minha me, meu av senhor Caio, pessoas que fizeramparte da vida de papai e que, de alguma maneira, o influenciaramgrandemente. Mas, com certeza, ningum o influenciou mais do que Amanda e, principalmente, minha querida e doce av Maria dasDores, que foi a primeira a descobrir o que realmente a vida e assimcontaminou todos sua volta.

    Escrevendo um pouco da histria de papai, comeo a sentir umpouco mais de sua vida, suas paixes e medos, e principalmente, assuas questes, dilemas que marcaram a sua vida, algum que pagou

    o preo para ser livre, mas foi livre.A cada pgina ele se torna mais e mais um heri real em minha

    vida, no um heri sem erros ou sabedoria fora do comum, masalgum que simplesmente tentou aprender, sonhar, lutar por seussonhos, aprendeu a amar, perdoar aos outros e a si mesmo e viver avida, escolhendo ser autor e no vtima de sua histria.

    Talvez ele seja meu heri simplesmente por ser meu pai, mas

    no importa, pois para mim, o que ele , um heri em minha vidae memria.

    Escrevendo, volto a sentir o seu cheiro, seu abrao, parece queouo novamente sua risada, suas piadas sem graa, mas que davamuita vontade de rir, s de ver como ele se divertia contando, achandoque era a coisa mais engraada do mundo.

    s vezes fico pensando o que meu pai acharia de escrever ahistria de nossas vidas e, algumas vezes, penso que ele gostaria, outras,que talvez se chateasse por esquecer fatos importantes ocorridos emsua vida, mas no fundo, sentiria orgulho de me ver livre para ser eue escrever o que senti, pois com ele aprendi a sentir a vida e assimeternizo nestas pginas um pouco de sua, ou melhor, nossas vidas.

    Mas, acima de tudo, resolvi escrever, pois sei que a nossa vida

    nada mais do que o reflexo da vida de milhares de pessoas quevivem, j viveram e vivero no nosso mundo, que se tornaram escravasde pseudo emoes vendidas no mundo de iluses no qual vivemos,

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    inTroduo

    trocando o ser pelo ter, vivendo de maquiagem com medo dese ver no espelho e descobrir que a vida que viveu foi sempre umaeterna iluso.

    Papai sempre questionou o mundo das iluses, no erasimplesmente do contra, pois muitas vezes questionava o do contratambm, o simples desejo dele era viver por um ideal, um ideal reale verdadeiro, no imposto por pessoas ou o meio em que vive, maslimpar o caminho da mente em busca de si e da Vida na vida.

    Ele era como um pssaro que nasceu para ser livre, voarlivremente sentindo alegremente o vento bater no peito, o sol no rosto.

    Assim era ele e assim somos ns, mas muitas circunstncias e pessoasque nos cercam nos trancam em gaiolas, escravizando o que temosde mais sublime, que o direito de sermos simplesmente livres parasermos ns mesmos, talvez at mesmo muitos de ns, esquecemos oque voar, como o pssaro preso na gaiola h anos. Assim vivemmuitos de ns, e como papai que um dia abriu a porta da gaiola e saiuvoando, desejo de corao que quando acabar de ler a ltima linha,

    possa abrir a porta da gaiola e sair para voar no mais alto e belo cu.

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    ra uma manh chuvosa e fria, mesmo j sendo primavera nofinal do ano de 1961, na cidade de Divinpolis, interior de

    Minas Gerais, a gua batia forte na janela de madeira, como sealgum batesse desesperadamente querendo entrar. Ao mesmo tempo,alguns raios de sol apareciam sutilmente no cho passando atravs da

    janela, como se estivessem bravamente vencendo a guerra contra atempestade que no dava trguas do lado de fora.

    Era uma janela como tantas outras, nada de especial, mas obarulho da chuva, o silncio da casa e a solido da alma fazia comque Maria das Dores, que estando em dores, enxergasse mais doque uma simples janela, mais do que um vidro molhado, era comoum espelho refletindo a sua vida como at ento tinha sido, em sua

    grande parte atribulada e com dores, mas com momentos felizes e, noexato momento, com dores, felicidade e medo, muito medo de perdernovamente, assim, assentada na cadeira com a mo na barriga,olhando para a janela, lembrava de sua histria.

    Tinha sido uma vida difcil. Maria das Dores teve um paialcolatra e a me morreu quando tinha apenas 7 anos. Vivia doente s vezes achava que era maldio pelo nome era criada pelo pai,

    outras pocas, pela av solitria ou ainda pela tia solteira cheia degatos, os quais fizeram Maria das Dores pegar averso por gatos.

    Nunca foi destaque na escola, pois no era muito inteligente,

    Captulo

    1

    Um meninofora do seu tempo

    O tempo muito lento para os que esperam, muito rpido para os que tm medo,muito longo para os que lamentam, e muito curto para os que festejam.Mas, para os que amam, o tempo eternidade. William Shakespeare

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    mas tambm no era medocre, no se destacava pela beleza, masno era feia, tinha 1,67m de altura, cabelos castanhos um poucoabaixo dos ombros e sempre os mantinha presos com um lao. Oque ela no gostava muito era dos lbios por os achar grandes, mas

    gostava particularmente das orelhas, simetricamente perfeitas, pormficava pensando se algum iria reparar em suas orelhas. Por ser tmidasempre ficava s, namorando sem namorar, sonhando s um sonhoa dois.

    Na multido de adolescentes da escola se via apenas comomais uma, mas sabia que no era mais uma, que no existia maisuma, pois cada um tem sua histria, seus sentimentos e sua vida.

    Mesmo ningum sabendo quem ela era, queria ser algum, ela eraalgum, algum para ela principalmente, e esse sentimento ambguobatia forte em sua cabea: ser ignorada por todos fazendo com quese achasse ningum ou lutar contra isso e saber que era algum,algum especial.

    Um dia conheceu um vendedor de iluses, e ela, como todoser humano, resolveu comprar iluses, pois era muito mais fcil doque encarar a vida, pelo menos assim pensava, pois sempre existiaum se. Foi assim que ela conheceu o seu marido Caio, que pareciaser uma boa pessoa e no bebia, pois pelo trauma que possua deter um pai alcolatra a nica coisa que ela pedia a Deus, mesmo nosendo religiosa, era um marido no alcolatra.

    Ele foi o brilho de luz na tempestade da vida, um bom homem,12 anos mais velho do que ela, verdade, mas um bom homem,religioso, no bebia e no fumava. Ela o conheceu, inclusive, numdaqueles momentos da vida onde parece que entramos nos filmesromnticos e protagonizamos o principal personagem.

    Estava Maria das Dores voltando da escola, com seu habitualvestido rosa, que gostava de usar, pois alm de ser um dos poucospresentes que havia ganho de seu pai, era herana de sua me e, comoseu pai gostava de dizer, ela s tinha usado uma vez, quando eles seconheceram no casamento de um amigo em comum. Este vestido afazia se sentir mais mulher e lhe trazia memria lembranas de suame, talvez muitas destas lembranas eram apenas fantasias de sua

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    capTulo 1 - ummEninoforadosEuTEmpo

    cabea, mas gostava de assim imaginar, era num tom de rosa suavecom flores delicadas que vinha at quase o tornozelo, meio antigopara a poca, mas ela no ligava, afinal, era a identificao que tinhacom a sua me.

    Enfim, ela voltava da escola mais triste e solitria que o normal,pois j estava com 17 anos, nunca tinha namorado ou feito algoextraordinrio na vida, estava entrando no ltimo ms de aula doltimo ano da escola, e por no ter dinheiro para pagar uma faculdadeparticular e nem ter estudado em uma boa escola para entrar em umaescola estadual, teria que trabalhar em algo que no tinha a menorideia do que seria e, talvez, passar a vida inteira trabalhando s.

    Foi nessa tarde, aps uma tempestade que havia cado, queMaria das Dores, ao ir atravessar a rua, passou um carro a toda velocidade jogando uma grande quantidade de gua sobre ela, e,ao tentar recuar, tropeou na sarjeta, quebrando a sola do sapato ecaindo com o traseiro na poa enlamaada.

    No mesmo instante, ela pensou que a vida j lhe tinha dado

    tanta humilhao que no precisaria passar por outra ainda. Tinhamedo de olhar para os lados e ver a quantidade de pessoas queassistiram a cena, quantos amigos da escola, talvez um dos rapazesque ela sempre teve vontade de conversar; talvez o Maurcio, quedepois de trs anos estudando juntos, finalmente naquela semana veio pela primeira vez conversar com ela, deixando-a sem reao;quantas pessoas ser que estavam presenciando e rindo da situao?

    Na lama, era assim que ela se sentia. Talvez aquele fosse o lugardela, pensou com um ar de autopiedade. A vontade era se enfiar nobueiro sua frente. Ah, quanta vontade do bueiro estar sem tampapara se atirar l, no infinito e nunca mais sair.

    -Maria, tudo bem? Precisa de ajuda? D-me a sua mo!

    Quem ser que estava falando? A vontade de Maria era de sumirainda mais, mas quem era? A voz vinha de um carro que havia parado

    na sua frente. Mas, quem dos seus muitos amigos tinha carro? Numsinal de coragem resolveu olhar para cima e reconheceu o jovemprofessor de 29 anos, que h pouco tempo tinha sido contratado

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    pela escola no lugar do professor de histria que sofrera um enfarte.Este, diferente do anterior, era jovem, cabelos castanhos claros, umpouco mais comprido do que o normal, mas nada extravagante, olhoslevemente esverdeados, sempre sorridente e com ar de intelectual,

    no era magro, mas tambm no era gordo, bem que se perdesse unscinco quilos no lhe faria mal.

    Ele nunca havia falado com ela, a no ser por algumas poucasperguntas que havia feito, e sempre com muita formalidade, mas comcerteza nunca lhe tinha pronunciado o nome, alis, ela desconfiavaque ele no sabia o seu nome, e agora, ele a v nessa situao ridcula,mas querendo ajudar.

    Tudo muda na viso de Maria das Dores, de repente a vergonhae a dor se transformam em coragem, se v como uma princesaperdida que encontrada pelo prncipe, nesse momento ela toma osegundo ato de coragem, lhe estende a mo, talvez a nica intenodo prncipe fosse ajud-la, mas o que importa, ela viveria pelomenos por alguns segundos o seu sonho de princesa, sairia do casuloe entraria no castelo.

    -Entre no carro, eu lhe levo para casa, - disse ele sorrindo.

    - Mas vou sujar o carro disse Maria das Dores, todaencabulada.

    - No tem importncia, o importante voc estar bem, disseo professor com um sorriso, como quem quer dizer para no sepreocupar com a situao.

    Aquilo deixou Maria das Dores muito mais aliviada e, pelaprimeira vez, viu algum lhe tratando com dignidade, sim, naquelemomento ela se achou especial, viu que era especial.

    E, no dia seguinte, novamente ficaram de se encontrar. Ele, naverdade, sempre foi muito recatado, at pelo motivo de ser professordela, mas sempre demonstrou interesse, convidando-a inclusivepara ir igreja, qual ela foi e gostou muito. Era uma dessas igrejasprotestantes, meio barulhentas, mas ela sentia l algo diferente,e pelo que ela sabia, os crentes no bebiam, no fumavam e,principalmente, no traam suas esposas e nem abandonavam o lar.

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    capTulo 1 - ummEninoforadosEuTEmpo

    Aps o final do ano letivo o professor Caio finalmente a pediuem namoro. Ela nem conseguia acreditar, ela no era feia, mas porser tmida achava que nunca ningum a pediria, foi um sonho e quisfalar sim antes que ele mudasse de ideia. Aquela noite, no conseguiu

    dormir, lembrava do pedido, do primeiro beijo, ficou preocupada seele gostou ou no, afinal, no tinha nenhuma experincia nessa rea,tambm ficou com medo dele voltar no dia seguinte e falar que foitudo um erro. A cabea dela no parou durante toda a noite, mas,para alegria, no dia seguinte, l estava ele, na porta de sua casa comseu Fusca vermelho.

    Foi assim que, pouco depois de seis meses de ter transformadoo pior dia no melhor dia de sua vida, ela se casou com Caio, deixandode se sentir um peso para o pai e a famlia, como assim pensava,comeando ento a sua prpria famlia.

    Mas, infelizmente, como o nome j diz, Maria das Dores aindateve muitas dores, desde o comeo percebeu a diferena do maridona igreja e no lar, e como o humor dele mudava principalmente pela

    falta de dinheiro.Aquele homem que no comeo a procurava com tanto ardor

    na cama, fazendo com que descobrisse prazeres inimaginveis, agoramal lhe dava boa noite e j comeava a roncar, e cada vez mais altocom o crescimento contnuo da barriga.

    Rapidamente o sonho do conto de fadas se desfez como a ondado mar sobre o castelinho de areia. Apesar disso, ela percebia que seu

    marido era uma boa pessoa, mas no entendia essas mudanas emsua personalidade. Ele a tinha salvo, mas salvo do que e para qu?,perguntava-se sempre Maria das Dores para si mesma.

    Uma das atitudes de Caio que mais irritava Maria das Dores, eracomo na igreja ele tratava todo mundo de irmo e irm e um Deus teabenoe para todo o lado, mas, chegando em casa, condenava todomundo. Reclamava do violo alto do Jnior da equipe de louvor; que

    o senhor Z, tesoureiro da igreja, era um incompetente, e ele quedeveria possuir o cargo; que a dona Maria e a dona Cida deveriamfazer algo mais do que comentar da vida dos outros; que o doutor

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    Paulo era um materialista e preso no pecado da vaidade trocandotodo ms de carro s para mostrar para os outros. As crianas naigreja eram verdadeiros capetinhas que s atrapalhavam o culto,enfim, ningum prestava, exceto ele, claro, e fico pensando quantos

    julgamentos no foram feitos, simplesmente talvez por inveja.

    Maria das Dores comeou a querer entender o porqu dessaatitude contra tudo e todos, e nessa procura, ela comeou a percebercomo ele tinha sido influenciado pela famlia e pelo meio em que vivia.Assim como ela, a diferena era que cada um tinha o seu defeito, o seupecado, que eram camuflados em situaes onde sempre se achavaoutro culpado.

    Ele comeou a chegar em casa, muitas vezes, tarde demais ealterado. No comeo ela fingia no perceber, mas no demorou paraque ele comeasse a comprar bebida e beber em casa, e isso pioroudepois que perderam o segundo beb, que j estava com mais de 11semanas. Foi muito triste, e Maria das Dores percebia que, mesmosem falar, de alguma maneira, ele tambm a culpava.

    As dores na vida de Maria aumentaram quando Caio comeoua sair com outras mulheres. Na verdade, Maria das Dores nunca teveprova de nada, mas as longas visitas a irms da igreja que ele faziasozinho, telefonemas estranhos, chegando sempre muito tarde dotrabalho, isso quando chegava, e aquele ar de culpado e autopiedadeo denunciavam. Entretanto, Maria das Dores, como grande parte daspessoas, preferia viver a iluso que tudo aquilo poderia no ser o queela pensava, afinal, o autoengano a nossa melhor arma de salvaoou perdio.

    Os anos foram se passando, Maria das Dores cuidava da casa,mas como no conseguiam ter filhos, ela arranjou um emprego emuma biblioteca, onde comeou a pegar mais gosto por leituras, e assimviajava muito em suas leituras.

    A vida de Maria das Dores e senhor Caio era sempre medida

    pelo dinheiro apertado do salrio deles, no viajavam muito, massempre que podiam iam para Belo Horizonte ou Caldas Novas, umabela cidade turstica.

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    Maria das Dores sempre pensava em como melhorar o seucasamento, mas, ao mesmo tempo, se preocupava muito em seencontrar. Sempre lhe vinha cabea a imagem daquela garotinhade vestido rosa na escola que era ignorada por todos. Afinal, quem

    era ela? Nos livros, na igreja, na Bblia, no rdio, enfim, em tudo elaprocurava uma resposta.

    Vinte anos se passaram, Caio passou de roncar s vezes, paras vezes no roncar. A barriguinha j havia se transformado em ummonte a ser escalado, os cabelos, antes castanhos, j estavam em partebranqueados e com uma grande falha na frente, os quais ele semprepenteava puxando os fios de trs, que tornava muito engraada a

    tentativa de esconder a calvcie j iminente. Maria das Dores, apesarde ainda nova, apenas com trinta e sete anos, j tinha abandonadode vez a vaidade, engordou relativamente, no tanto como o marido,as roupas j eram mais simples, sem se preocupar tanto com a modaou combinar cores. O cabelo, que era um dos orgulhos que ela tinha,pois eram compridos e bem tratados, j h um bom tempo eramcurtos e tingidos, e o olhar tpico de quem vai levando a vida, mas no

    fundo no se conformando em levar a vida, e sim procurando umaresposta.

    J haviam mudado de igreja algumas vezes, uma vez para evitarum escndalo, j que Caio estava sendo acusado de ter dormidocom a esposa de um dos lderes da igreja, e outras vezes por buscaruma igreja que lhes prometesse o to sonhado filho esperado umdos poucos sonhos que sonhavam juntos. J haviam perdido cinco

    filhos e, o ltimo, no sexto ms de gestao. a qual estava indo bem,apesar dos riscos. Se no fosse o acidente de carro que sofreu quandoCaio, pela pressa em voltar para casa aps o culto para assistir ao jogo do seu time, fez com que passasse no sinal amarelo causandoum acidente leve. O susto de Maria das Dores foi grande e o abortoinevitvel. Percebia-se, depois disso, que Caio culpava indiretamenteMaria das Dores, outras vezes se culpava, mas ao invs de abandonar

    a bebida, se entregou de vez a ela.Quantos anos se passaram desde ento, e Maria das Dores j

    estava decidida a ir simplesmente levando a vida, pois no via muitas

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    opes, a no ser se enganar e achar que tudo isso era normal na vidade todos.

    Os sintomas de gravidez eram parecidos com o das outras cinco

    vezes que Maria das Dores ficou grvida, mas agora a f de Mariadas Dores j era menor, pois, alm de estar mais velha, o marido lheprocurava to pouco na cama que, se realmente estivesse grvida,daria para saber exatamente o dia em que ficou, alm disso, ela tinhamedo de mais uma frustrao, mais um sonho morrer antes de nascer,mais uma dor em sua vida.

    No tinha mais como negar, feitos os exames, o Dr. Srgio

    confirmou a gravidez complicada e que exigia repouso, como todas asoutras, mas desta vez absoluto. Ao contar para o marido a notcia, seurosto misturava expresses de alegria com medo, ansiedade, frustraoe esperana, mas tambm o pavor de uma nova derrota. Talvez porisso, ou pelo ltimo incidente, ou at mesmo para tentar comover aDeus, Caio parou de beber totalmente nesse perodo, indo mais vezes igreja, sempre chegando em casa logo aps o servio.

    Maria das Dores, mesmo ficando praticamente vinte e quatrohoras na cama, se sentia como uma princesa, como no dia em queconversou com Caio pela primeira vez, s vezes at desejava que agravidez durasse mais tempo.

    Caio no s parou de beber por esse tempo, como era maisgentil, chegando inclusive a trazer flores. Ela lembrou, ento, que anica vez que ele lhe trouxera flores foi quando ela ficou com uma gripe

    e febre de quase 40 graus, ficando sem sair de casa por quase 10 dias,deixando Caio muito assustado, ainda mais que fazia pouco mais deum ms de namoro. Ela sempre se lembrava do cheiro das rosas queele lhe enviou e, depois de casados, por mais que ela pedisse, nuncamais havia mandado, sempre dava uma desculpa, ou esqueceu, ouo dinheiro estava curto. Mas como foi bom sentir o cheiro da rosanovamente, ela no sabia se ele comprara a mesma que a primeirae nica vez que lhe mandou por romantismo ou s sabia compraresta. Bem, como sonhar no faz mal, ela preferiu acreditar que eraromantismo, afinal, tinha o direito de ser novamente uma princesa.

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    capTulo 1 - ummEninoforadosEuTEmpo

    No fazia cinco minutos que Caio tinha ido trabalhar, ela haviase levantado apenas para ir ao banheiro, mas a dor comeou fortedemais, os raios lhe provocavam medo, j estava entrando no stimoms de gestao, um recorde e no podia fazer nada de errado para

    perder mais uma criana. Caio, com aquela chuva, iria demorar pelomenos mais uns 15 minutos para chegar ao emprego, ento ela poderiatentar esperar ou ligar para um txi e ir ao hospital. Tinha medo detomar uma deciso errada e perder mais um filho, alm do que, Caioa culparia pelo resto da vida, sem contar na volta bebida. Como elaachava que ele no gostaria que ela fosse ao hospital sozinha j queacompanhou de perto toda a gestao resolveu esperar.

    E foi durante os 15 minutos esperando, olhando a guaescorrendo no vidro da janela e os raios de sol sobrevivendo tempestade penetrando como um intruso dentro da casa, que Mariadas Dores fez uma reflexo sobre o que tinha sido a sua vida ataquele momento e que mudanas ocorreriam depois daquele dia.

    Ela sabia que essa era provavelmente a ltima chance de teremum filho. Por ter se casado jovem, sempre achou que teria filhosem breve e agora sabia que a esperana estava por um fio, por issodecidiu que, se fosse menina, se chamaria Esperana, e se fosse ummenino resolveu colocar o nome de Samuel, pois sempre lembravaque a primeira vez em que ouviu a histria bblica de Ana e Elcana foilogo aps perder o primeiro filho, e assim sempre se achou como ela,chorando, pedindo a Deus um filho. E como Ana tinha dedicado aDeus o filho e dado o nome de Samuel, assim faria ela, pois at ento

    a aflio era a mesma, lhe faltava o filho, o Samuel que tantas vezesmorreu antes de nascer.

    Caio praticamente no falou nada ao ouvi-la ao telefone e,alguns minutos depois, ele j estava l com um amigo que lhe levoude carro. Um Fusca azul novo que ele tinha tanto cuidado que noandava mais do que 50 Km/h. Caio at ficou admirado com a rapidezdo amigo, percebendo que este realmente se preocupava com ele.

    Depois disso, Caio comeou a ver o amigo com olhos de amizademais transparente como ele jamais tinha tido antes.

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    J no hospital a levaram logo para a emergncia e, sem dvida,os minutos seguintes foram uma eternidade para Caio, que suava frio efez tantos votos e promessas para Deus que ficou difcil depois lembrartudo o que prometera. J Maria das Dores, em meio s dores, sentiu

    uma paz e pela primeira vez na vida sentiu a presena de Deus comela de uma maneira que nunca havia sentido. Percebeu a importnciado voto que fizera e, nesse mesmo instante, percebeu que seria ummenino. Samuel finalmente nasceria, nasceria fora do tempo, comsete meses, mas Maria das Dores nem imaginava que o tempo seriaum amigo e inimigo, que o abraaria e o empurraria, pregaria vriaspeas na vida de Samuel, tirando e colocando pessoas e amores, e

    assim moldando o carter dele. s vezes brincando outras brigando,mas em tudo isso Samuel teria que viver e aprender sozinho, apesarde nunca estar realmente s.

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    suor escorria no rosto de seu Caio, j marcado pelo meiosculo de vida, a gravata marrom se encontrava totalmente

    torta, o palet na mo, alis, sempre passando de uma mo outra, ea camisa branca molhada de suor. A cada 15 segundos o senhor Caiopassava a mo no cabelo, olhava para o relgio ou para a porta para

    ver se o mdico vinha trazer alguma notcia.Nunca fez tantas promessas e oraes, e lgico que a principal

    promessa era parar de vez de beber, pois, como Maria das Dores,sabia que talvez fosse a ltima chance de terem um filho.

    No final do corredor surge o mdico que havia estado na salacom Maria das Dores. Para quem pensa que todos os segundos soiguais, para o senhor Caio, aqueles foram uma eternidade, parecia

    que o mdico andava em cmera lenta e, quando se aproximou, Caio j percebeu pela expresso no rosto do mdico que tudo tinha idobem.

    -Parabns senhor Caio! um grande menino para quem nasceude sete meses, e forto, 38 cm e 2800 g. Venha conhecer o seufilho, disse o mdico.

    O senhor Caio no podia acreditar naquelas palavras, depoisde 20 anos de espera, finalmente nasceu no dia 7 de novembro de1961 o seu filho to esperado, e ainda era um menino, o to desejadomenino.

    Captulo

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    O bom atrasoe o vestido rosa

    S porque algum no te ama como voc quer,no significa que no te ame com todo seu ser.Gabriel Garca Mrquez

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    O

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    Um susto. Creio que essa a melhor definio para a primeiraolhada que Caio deu em seu filho. Ele realmente era grandinho parauma criana prematura, mas ele nasceu muito sujo, uma mistura desangue com fezes e todo enrugado. Geralmente os pais acham o filho

    o mais lindo do mundo, mas definitivamente no foi esse o sentimentoque Caio teve.

    -Pode pegar! disse a enfermeira.

    O senhor Caio, esboando um sorriso meio sem graa, fezque no com a cabea. Ele nunca entendeu direito por que noquis pegar, talvez por medo de machucar a criana que parecia to

    indefesa, talvez porque estava assustado, ou ento por medo de seussentimentos, medo esse que teria um dia de enfrentar ou passar toda avida fugindo, medo este que o pequeno Samuel iria vivenciar sempreem seu pai, deixando-lhe sempre muitas perguntas em sua cabea.

    Um sorriso, sim, apenas um sorriso foi toda a fala de Caiocom Maria das Dores. Na verdade, ela esperava um elogio para acriana, um beijo na testa, passar os dedos entre seus cabelos, mas foi

    apenas um sorriso que Caio deu antes de sair do quarto.Maria das Dores j estava acostumada com a maneira de se

    expressar de seu marido, mas esperava que o nascimento do filhodesenterrasse expresses, como na gravidez j tinha comeado afazer, mas, para a sua frustrao, foi s um sorriso, ou pior, um sinalque talvez voltasse a ser como era antes, o que ela mais temia.

    Como era duro conviver com algum onde voc percebe que

    h sentimentos, mas eles no so demonstrados, e assim tinha sidodurante os 20 anos de casamento. Maria das Dores contava nos dedosas vezes que Caio soube demonstrar carinho, e isto geralmente ocorriaaps alguma falha, como quando ele esqueceu o aniversrio de 10anos de casamento. Essa acabou sendo a melhor coisa que ele fez,pois na ocasio, ao chegar em casa e ver Maria das Dores com umbelo vestido ela havia juntado um dinheiro vendendo salgados para

    um bar perto de sua casa durante seis meses para comprar o vestido e um jantar luz de velas, perguntou: O que aconteceu? Acabou aenergia? Que vestido esse?.

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    Nesse momento Caio percebeu como essas palavras cortaram ocorao de Maria das Dores, que, diferente dele, sempre expressavaseus sentimentos. No dia seguinte, ele se tornou o homem mais gentilque ela conheceu o prncipe encantado do primeiro encontro e a

    levou a um restaurante chique, o mais chique que ela j tinha entrado,depois a levou para um hotel, no muito caro, mas um bom hotel etiveram uma noite como muitas no passavam.

    Em menos de uma semana o pequeno Samuel e Maria dasDores j estavam em casa, e a cada dia Samuel ficava mais bonito, jno se parecia com aquela criana coberta de sangue com fezes, umlindo menino que crescia sempre sorrindo. O cabelo a princpio era

    liso com alguns cachinhos que lhe davam um charme a mais, depoisfoi ficando lisinho.

    Aos poucos Caio demonstrava sentimentos por Samuel, pelomenos j tinha demonstrado muito mais do que por ela nesses anos decasamento, mas, infelizmente, voltou a beber, com mais moderao, verdade. Porm, tambm bom destacar que Caio nunca foi depassar muito dos limites, foram poucas as vezes que Maria das Doreso viu embriagado, e isso geralmente acontecia quando lhes faltavadinheiro ou quando ele aprontava alguma, talvez por remorso.

    Samuel, quem sabe por ironia do destino, desde pequenocomeou a fazer tudo fora do seu tempo, mesmo tendo nascido comsete meses, j com 10 meses de vida comeou a dar seus primeirospassos, dando grande alegria aos pais, e o pai todo convencido, jfalava da sabedoria do menino, que contava para os amigos, dizendoque logo mais ele iria comear a falar. Entretanto, para a frustrao,Samuel comeou a falar depois do tempo normal de uma criana,com quase dois anos de idade, e a primeira palavra que disse, no foipapai ou mame, e sim xixi. Alis, a palavra papai demorou tantopara Samuel falar que Maria das Dores, percebendo a chateao etristeza de Caio, vrias vezes por dia repetia a palavra para ver se elefalava, e a primeira vez foi inesquecvel, principalmente para o senhor

    Caio. Foi no aniversrio de dois aninhos, quando o senhor Nivaldo,o chefe de Caio, o pegou no colo. O senhor Nivaldo, percebendo oconstrangimento, o entregou nas mos de Caio e disse:

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    -Ele est chamando voc.

    Assim, ningum soube entender a quem o pequeno Samuel sereferia, mas preferiram acreditar que ele chamava pelo pai.

    Maria das Dores percebeu que Samuel tinha as perninhas umpouco tortas e o levou ao mdico, que recomendou botas ortopdicas.Samuel nunca esqueceu aquelas botas, que no incio at achou bonitas,diferentes, mas depois, sendo obrigado a passar grande parte do diacom elas, e at mesmo dormir s vezes, e sendo pesadas, comeou ano gostar, ainda mais que alguns amiguinhos comearam a caoardele quando todos saiam correndo e ele era o ltimo a chegar por

    causa do peso das botinhas. Usou apenas durante seis meses, maspara o pequeno Samuel aquilo parecia uma eternidade.

    Se o pequeno Samuel demorou muito para comear a falar,depois no parou mais, muitas vezes irritando os pais, especialmenteo senhor Caio que sempre pedia para ele ficar quieto, principalmentequando ele estava assistindo futebol ou o telejornal. Samuel no sgostava de falar, como tambm de correr e se aventurar pela casa

    escalando tudo. Subia na pia, no fogo, no armrio e, com cinco anos,j tinha escalado at a geladeira, provocando um tremendo susto emsua me.

    Maria das Dores sempre se preocupou muito com a educaode Samuel, queria que ele crescesse sem os traumas que ela teve emsua vida, por isso sempre estava muito prxima dele, lhe contavahistrias antes de dormir, principalmente histrias bblicas, pois depois

    do nascimento de Samuel, ela comeou a se aprofundar mais emconhecer a Deus, mesmo achando muita coisa estranha na igrejaprocurava, atravs da Bblia e das oraes, relacionar-se mais comDeus.

    Samuel, como um bom mineirinho, desde pequeno amavacomer po de queijo, especialmente os feitos por sua me. Alis,praticamente tudo que Maria das Dores cozinhava Samuel gostava.

    O arroz e o feijo na panela de ferro, o bife mal passado, so aromasque faziam Samuel sempre lembrar-se de sua doce me.

    Como ele sempre caa, Maria das Dores costurava couro em suas

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    Captulo 2 - o bomatrasoeovestidorosa

    roupas na parte do cotovelo e joelho, ele achava aquilo um charmee ficava todo orgulhoso, se achando especial, que realmente especialele era, mas no como imaginava.

    Na infncia ele tinha alguns grandes amigos, como Cazu e Riro,filhos de um casal de orientais. Com eles Samuel aprendeu as suasprimeiras palavras em japons: gorram, otha, que significa arroze ch, pelo menos era assim que ele pronunciava. Tambm havia oRicardinho, a Solange e a bela Paty. Ah, ela era a garota que todos osmeninos ficavam apaixonados e queriam namorar. O Ricardinho erao namorador, enquanto Samuel era o peralta da turma.

    O aniversrio de seis anos de Paty, Samuel nunca esqueceu.Depois de cantar os parabns Paty, mais bela do que nunca, escolheuo menino de shorts vermelho para dar o primeiro pedao do bolo.Foi quando Samuel olhou e viu que era Ricardinho o menino deshorts vermelho. Na hora ele pensou sabia, s podia ser ele, elej com aquele sorriso que tambm dizia j sabia, mas nessa horaPaty vai em direo de Samuel, foi a que ele percebeu que tambmestava com shorts vermelho. No acreditava, o sorriso ultrapassava aorelha, no via mais nada alm da sua vitria, e foi a primeira vezna vida, com seis anos de idade, que Samuel sentiu o gosto da vitriae o sentimento de superioridade, sentimentos que ele passaria a vidatentando entender e vencer ou se entregar.

    Samuel sempre foi muito ligado aos pais, e mais com a me,no por sua culpa, mas pela ausncia do pai em muitas situaes.O interessante que as memrias boas e ruins de Samuel, quandocriana, esto mais ligadas ao pai do que me.

    As lembranas ruins geralmente eram ligadas bebida, quandoCaio bebia demais e Maria das Dores o criticava. Uma das cenas queele nunca esqueceu foi um dia em que, chegando tarde, sua meperguntou, furiosa e chorando, onde ele estava. Samuel respondeuque estava com amigos, mas parecia que ela no acreditava e lhedeu uns tapas. Ele apenas se defendeu e saiu andando cambaleando,enquanto Maria das Dores ficou em um canto chorando. Essa cenatriste marcou por muitos anos a mente de Samuel, que depois destedia, comeou a tratar o pai tambm com mais frieza e descobriu, logo

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    cedo, o que era esconder sentimentos.

    Dos bons sentimentos Samuel lembra-se de coisas bobas,mas que o marcaram. Como quando pulava em cima da barriga do

    papai e imaginava como ele tinha conseguido adquirir uma barrigato grande. Quando corria do papai e assim ganhava coceguinha,fazendo parecer que iria morrer de tanto rir. Por mais irnico queparea, sentia saudades quando o pai bebia um pouco demais e saade carro com ele, pois corria muito e pagava doces vontade, alm defalar muito. Era o momento em que o pai de Samuel mais falava comele. No falava muita coisa importante, mas falava, e em um dessesdias, ele lembra o pai falando que ele j estava ficando grandinho e

    precisava saber como as crianas nasciam. Samuel ficou muito semgraa, tentava imaginar, mas era difcil. Queria mudar de assunto dequalquer maneira, pois no se sentia preparado para um assunto toimportante.

    Nessa poca Samuel tinha muita vontade de dizer para o pai queo amava e tambm desejava muito ouvir isso do pai, mas o senhorCaio nunca lhe dava liberdade para isso, ao contrrio de sua me,que sempre dizia que o amava e como ele era importante. Isso faziacom que Samuel sentisse ainda mais vontade de falar com o pai, lhecausando assim ainda mais tristeza e dvidas se realmente seu pai oamava ou no. Muitas vezes at quis perguntar para o senhor Caio seele o amava, mas nunca teve coragem para isso.

    Como Samuel sempre foi fora do tempo, com cinco anos ele jsabia ler muitas coisas e escrever vrias palavras. A me tinha grandeorgulho, o pai nunca falava nada. Ele lembra da primeira vez quefoi falar para o pai que j sabia escrever o nome dele e do papai, eesperava aquele elogio, pois era uma grande proeza, alm do queseu pai era professor e sentiria orgulho de ver o filho to jovem jescrevendo. Porm, o que Caio fez foi s falar que bom; Samuelento saiu triste e foi chorar no quarto, achou que nada do que fizessefaria o papai gostar dele.

    Maria das Dores percebia o quanto isso machucava o pequenoSamuel, a criana to desejada e esperada; s vezes ela falava comele, para no ligar, que era o jeito do papai, mas que ele se importava,

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    outras vezes ela falava com o Caio, da importncia de demonstraros sentimentos, que mesmo no demonstrando para ela, tinha quedemonstrar para o filho. Mas ela notou que isto, no lugar de fazer comque ele percebesse, s o irritava mais, e a acusava de querer ensin-

    lo a educar o filho, de querer lhe jogar na cara que ele no era umbom marido, fazendo com que ele se fechasse mais e, s vezes, fosseprocurar a bebida. Com tudo isso, Maria das Dores frequentementeapenas ficava calada e orava.

    Mesmo sendo Caio quem lhe apresentou a f que ela abraou,depois de anos parecia que apenas ela que tinha f, pois tudoera motivo para no ir igreja, ou porque estava quente demais,

    ou frio demais. Por vezes pelo jogo na TV, visitas de amigos e assimpor diante. S Maria das Dores e o pequeno Samuel frequentavama igreja periodicamente, para tristeza de Maria das Dores, que tinhaesperana que o nascimento do pequeno Samuel despertaria a f queum dia Caio teve.

    Maria das Dores tinha dvidas sobre de quem era a culpa da faltade f de Caio, se era dele mesmo, das pessoas que o cercavam ou dasigrejas e pastores que j tinham passado, pois tinham experimentadotantas coisas em nome de Deus. Porm Deus parecia estar to longe.Tantas promessas de filhos, riquezas e sempre quando algo nodava certo, os pastores os culpavam por falta de f ou culpavam odemnio.

    Mas, de todas as igrejas que tinham passado e tantos pastores,essa ltima igreja, a qual j frequentavam h nove anos, era a igrejaque Maria estava achando que tinha roubado a f do marido e asua estava confusa, como se estivesse tentando achar uma rvore nodeserto que uma vez tinha sido uma floresta.

    No sabia o que era mais importante para o pastor, quantidadede pessoas, dinheiro, ser reconhecido como super-homem ourealmente as pessoas. Mas sobre este pastor Narciso e a igreja FogoUniversal falaremos depois, nos grandes questionamentos e conversasde Samuel com o pastor e seus lderes, que modificaram muito, no sa sua vida e maneira de pensar, mas a de seu prprio pai.

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    Como Samuel aprendeu a ler e escrever bem cedo, resolveramcoloc-lo na escola antes da poca, j com seis anos de idade.

    Samuel j havia frequentado o parquinho, mas agora o primeiro

    ano, era um passo muito importante, j se sentia um verdadeirohomem cheio de responsabilidades.

    Aquela manh, do primeiro dia de aula, mal sorriu, acordousrio, foi se pentear sozinho, pois j se sentia responsvel, mas a meveio em seu socorro quando viu o caminho de rato em seu cabelo,colocou gel, o uniforme, que era uma camiseta branca com o smboloda escola, uma cala azul e, principalmente, o seu novo tnis, e de

    marca, seu primeiro all star. A lancheira ele tinha comprado com ame depois de uma grande e minuciosa pesquisa, enfim escolheu umaazul com a figura do homem aranha, seu grande super heri, quepor sinal, lhe tinha feito ficar de castigo vrias vezes ao tentar escalaras paredes da casa e deixar a marca do tnis fazendo com que a suame descobrisse suas tentativas frustradas. Como tambm gostava dosuperman, resolveu ir com a cueca do superman no primeiro diade aula, a lancheira continha um lanche de po francs com presuntoe queijo, um delicioso bolo de chocolate, o seu preferido, e um sucode laranja natural.

    Assim, foi ele todo srio para a escola, saindo de casa e aindaprocurando no ltimo olhar a figura do pai para lev-lo escola juntocom a me, afinal, ele estava virando homem e era importante afigura do pai junto. Nesse momento a me, percebendo isso, falou queo pai queria muito ir, mas tinha que trabalhar, contudo, ele sempre sequestionou se era verdade aquilo, pois que trabalho poderia ser maisimportante do que acompanhar o filho no seu primeiro dia de aula?

    Samuel lembrara-se de como na noite anterior tinha sentadoperto do pai que estava assistindo o telejornal, e perguntou srio seele iria lev-lo escola. A sensao de Samuel era que aquela eraa primeira conversa de homem para homem que estava travandocom seu pai. Seu pai, sem olhar para ele, simplesmente respondeuque no poderia, mas que sua me o levaria e o mandou dormir quej era tarde.

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    Como tinha sido frustrante para Samuel esse primeiro dilogosrio. Foi curto, o pai nem olhou nos olhos dele para responder e eracomo se a televiso fosse mais importante do que o primeiro dia deaula de Samuel. Assim, foi dormir Samuel com esse sentimento de

    desprezo na noite anterior ao grande primeiro dia de aula.

    Mesmo a escola no sendo muito longe, Maria das Doresresolveu ir de nibus, pois estavam atrasados, j que na hora de sairSamuel deixou abrir a lancheira derrubando o po e o suco, tendoque preparar tudo de novo. Aquele atraso deixou Samuel nervoso,pois no queria ser o ltimo a chegar, talvez pegasse o pior lugarpara sentar, talvez o diretor no o deixasse entrar, talvez os futuros

    amiguinhos zombassem dele, enfim, poderia ser uma verdadeiracatstrofe. Contudo, para piorar, o nibus no chegava, j fazia dezminutos que estavam esperando e Samuel ouviu a me sussurrar eramelhor ter ido a p. Com isso Samuel pensou, definitivamente esttudo perdido, se meu pai tivesse ido, iramos de carro, e chegaramosa tempo, ento Samuel fez sua ltima tentativa de levar o pai junto.Disse sua me:

    - Me, e se o papai levar a gente...- Olha l Samuel, est vindo o nibus respondeu a me.

    Assim Samuel viu dissipar a sua ltima chance de conseguirconvencer o pai a lev-lo escola, que era mais importante quequalquer trabalho que ele poderia ter.

    Mal sabia Samuel que essa no seria a nica vez que chegaria

    atrasado ou adiantado, mas esse tinha sido um bom ou, o melhormaravilhoso atraso.

    Quando chegou l, ele no pde acreditar no que viu. O portoj fechado, ningum mais l fora a no ser um casal com uma crianaque havia acabado de estacionar o carro. Samuel parou e a me lhedeu um pequeno empurrozinho nas costas, mas da ele parou devez, olhou para a me com o rosto j triste e disse:

    - No, no tem mais como, est tudo perdido, j est todo mundol dentro. Vamos embora, amanh a gente volta com o papai e euentro.

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    - Vamos querido respondeu a me, - voc no est sozinho,tambm tem uma amiguinha l esperando para entrar.

    Foi a que Samuel percebeu que era uma garotinha da sua idade

    tambm.-Mas ela est sem uniforme respondeu Samuel.

    - Vai ver que ela no teve tempo de comprar ainda lhe disseMaria das Dores.

    Assim, Maria das Dores conseguiu ir levando Samuel para maisperto da escola, foi nesse momento que Samuel lhe disse:

    - Me, ela usa um vestido igual da historinha que voc sempreme conta.

    Nesse momento, Maria das Dores viu que ela usava um vestidorosa com flores, e lembrou que vrias vezes quando ia colocar Samuelpara dormir, contava a histria do vestido que tinha ganhado do seupai. O vestido tinha sido de sua me e, quando conheceu papai estavausando este vestido que ela guardava at aquele dia. Tambm contava

    que queria que quando fosse encontrar com o papai do cu estivesseusando esse vestido. Ela lembra que a primeira vez que contou paraSamuel, ele pediu para ela comprar um vestido para ele, e mesmo elaexplicando que quem usava vestido era menina, ele no conseguiaentender o porqu no poderia ter um, j que sua me gostava tantode vestido rosa.

    Talvez pelo vestido, quem sabe pelo olhar carinhoso da

    garotinha para Samuel, que respondeu com a mesma ternura, umolhar que Maria das Dores nunca tinha visto em Samuel, sua mepercebeu que ela seria algum especial na vida de seu filho. Percebeuque essa garotinha tinha um brilho na vida e assim ajudaria Samuel,s no imaginava o quanto mudaria para sempre a vida do pequenoSamuel.

    Ao chegar mais perto, foi que Samuel sentiu pela primeira vez o

    corao bater de uma forma aceleradamente mais forte.- Oi, eu me chamo Amanda disse a garotinha sorrindo por

    detrs do vestido rosa, lhe estendendo a mo.

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    Ela tinha o sorriso mais belo que Samuel j tinha visto, mesmofaltando um dente em cima, bem no meio, e outro em baixo, mostrandoque j estava com sete anos. Tinha o cabelo um pouco abaixo dosombros, preso por um lacinho rosa, era castanho bem claro, quase

    loiro, possua uma franjinha que a deixava ainda mais bonita e nosolhos havia uma doura que Samuel nunca tinha visto, eram verdesclaros e brilhavam de alegria, era um olhar de amor e carinho, alancheira tambm era rosa, mas no possua nenhum super-heri, eracheia de flores, foi assim que Samuel soube que ela amava flores.

    - Voc no vai me dizer o seu nome? insistiu ela.

    - Sa... Samuel disse ele sem conseguir falar direito ou pensar.- Vamos logo! A aula j comeou e eu no quero ser a primeira

    a tomar bronca da tia, - disse Amanda levando Samuel pela mo.

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    ejam bem-vindos disse tia Laura, a professora que tinhapor volta de seus 45 anos, usava uma blusa branca com uma

    saia bege comprida at o calcanhar.

    - Como se chamam? - perguntou tia Laura.

    -Amanda.

    - Samuel - eles responderam.

    Muito prazer, Samuel. Pode se sentar ao lado do Clever - eapontou o lugar ao lado de um garoto sorridente que estava sentadosozinho na segunda fileira. Os lugares eram para dois, por isso Clever j foi tirando alguns lpis e folhas que estavam do outro lado damesa.

    - E voc Amanda, sente-se com a Cristina - apontou uma meninaque tinha um culos muito estranho de to grande que era.

    Logo de cara Samuel gostou muito de Clever, talvez porque eleera um pouco menor que Samuel mesmo sendo um ano mais velho,ou pelo sorriso maroto e carismtico que possua.

    - Meu nome significa esperto em ingls foi a primeira coisaque Clever sorrindo disse para Samuel, mostrando que tambm lhefaltava um dente na frente. Samuel ouviu, mas s conseguia pensarem Amanda e seu vestido rosa.

    Captulo

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    O pequenogrande amigo

    H pessoas que nos falam e nem as escutamos; h pessoas que nos fereme nem cicatrizes deixam, mas h pessoas que simplesmente aparecemem nossa vida e nos marcam para sempre. Ceclia Meireles

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    No recreio os trs j ficaram juntos. Mrio tambm se juntou paralanchar com eles. Ele era o mais gordinho da sala, muito sorridente ebrincava com tudo. Desde o primeiro dia os trs gostaram muito deMrio, que por sinal, era bem diferente do outro gordinho, Fred, que

    j no primeiro dia empurrou o Ricardinho que era muito quieto, eroubou um pedao do lanche da Cristina que mal podia enxergar, porisso, Samuel e seus amiguinhos no ficavam muito perto de Fred.

    Clever sempre queria demonstrar que era inteligente, comodizia que significava o seu nome. Contou para Samuel e Amandaque j conseguia escrever o seu nome sozinho, e j fazia seis mesesque tinha aprendido. Com isso, Samuel no pde deixar de comentar

    que j sabia escrever muitas coisas olhando todo orgulhoso paraAmanda com ar de vitria mas, para sua decepo, Amanda olhouignorando o comentrio e disse para os dois:

    - Eu s sei escrever uma palavra, mas a mais bonita eimportante que existe, - falando isso abaixou e escreveu na areia apalavra JESUS.

    Samuel e Clever se olharam sem entender muito aquilo, masmal sabia Samuel que no futuro, sempre que lesse uma passagem naBblia em que Jesus se abaixa e escreve no cho, ele imaginaria queJesus escreveria o nome de Amanda, lhe trazendo fortes emoes elembranas do passado.

    Mal Amanda acabou de escrever e Fred chegou pisando emcima e saiu rindo. Na hora Samuel quis mostrar a sua valentia paraAmanda, se imaginou correndo e chutando o traseiro de Fred, masficou com medo do tamanho dele, que para ele parecia um gigante,e, enquanto apenas pensava no que poderia ter feito, ele viu a cabeade Fred ser acertada por um pedao de giz branco que Clever tinhapegado escondido da professora. Ao som do grito de Fred, Clevergritou rindo:

    - Corre - aquela foi a primeira de muitas boas aprontadasde Clever, sempre causando orgulho da amizade e cimes ao mesmotempo no corao de Samuel, que comeou a conviver logo cedocom sentimentos to contrrios e difceis de lidar, mas, acima de tudo,ele gostava muito da amizade de Clever e sobretudo a de Amanda.

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    capTulo 3 - o pEquEnograndEamigo

    Samuel estranhava muito que Clever nunca falava do pai, esempre que ele perguntava, Clever dizia que estava viajando, massempre elogiava muito a sua me que se chamava urea. Ela eraprofessora de portugus, e ele dizia que urea era o nome pequeno

    de aurola, que era um crculo na cabea que s tinham os anjos eas pessoas muito boas, e a sua me era uma dessas pessoas.

    J Amanda falava dos pais a cada momento, e sempre com muitoamor, inclusive do irmo mais velho Alexandre. Samuel estranhavaalgum conseguir amar tanto o irmo mais velho, que geralmente sserve para brigar com o mais novo. Isso fazia Samuel sentir inveja,pois os pais de Amanda pareciam perfeitos e ela tinha irmo, algo queele sempre quis ter.

    Samuel nunca esqueceu a primeira vez que foi fazer lio nacasa de Clever junto com Amanda aps a aula. Ele havia ido coma me dele, a senhora urea, e realmente Clever estava certo, elaparecia um anjo de to boa, tinha uma voz muito doce e tinha feitoum bolo de chocolate que Samuel devorou quase todo.

    Nesse dia, novamente Samuel perguntou do pai para Clever quedisse, como sempre, que estava viajando. Assim Samuel respondeu:

    - Ele s viaja.

    E para a surpresa de Samuel, Clever abaixou a cabea triste, eessa foi a primeira vez que Samuel o viu triste e falou meio sem voz:

    - Desde que eu nasci ele saiu pra viajar e nunca mais voltou.

    Foi a que Samuel percebeu que Clever no conhecia o seu pai.Nesse momento Amanda lhe deu um abrao com tanto carinho queSamuel ficou com vontade de no ter um pai s para receber aqueleabrao, e ela lhe disse:

    - No fica triste, voc tem um papai no cu que nunca sai praviajar, mas est a cada dia com voc, - falando isso ela orou: -Papaido cu, nunca deixe que o Clever fique triste, pois ele tem voc que

    o nosso grande e querido Pai. - E logo em seguida disse: - Vamospintar! E na prxima vez vamos fazer a lio na minha casa, - aquelefoi o primeiro dia em que Samuel viu Clever quieto.

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    No final da tarde os pais de Amanda a vieram buscar e logodepois chegou o pai de Samuel. Quando viu que o seu pai estavamuito quieto com a cabea baixa e olhava para Clever, Samuel pensouque seu pai havia percebido que Clever estava triste, ou pior ainda,

    que havia bebido antes de ir busc-lo. Como a dona urea tambmestava quieta e de cabea baixa, Samuel concluiu que novamentetinha bebido, nisso ficou com vontade de falar para Clever que nemsempre ter pai significa ser feliz, mas ficou quieto e foi embora. Durantetoda a volta, o senhor Caio no disse nada, fazendo com que Samuelficasse na dvida se era melhor ter um pai que saiu para viajar ouum que sai para viajar mesmo estando em casa.

    Na semana seguinte foram fazer a lio na casa de Amanda,como combinado. Dona Rosa, me de Amanda, abriu a porta comum largo sorriso e em um s abrao, o abraou junto com Clevere o Mrio, que tinha ido com eles dessa vez. Na casa havia vriasfotos deles, fotos do Natal, na praia e, principalmente, na igreja. Foia que Samuel ficou sabendo que eles tambm eram protestantes,mas de uma igreja mais tradicional. Seu pai falava que era quase

    igual Catlica, uma igreja com nome difcil e que Samuel demoroupara aprender, ele chamava de pesbriteriana. Dona Rosa havia feitoum delicioso bolo de cenoura com cobertura de chocolate e, quandoSamuel viu, logo em seguida olhou para Mrio que estava com oolho arregalado fixado no bolo. Tambm havia um piano na casa, oqual a me de Amanda tocava e ensinava a filha. Nesse dia Samuelconheceu Alexandre, o irmo mais velho, que era alto e magro, j

    tinha quase 12 anos e, como Amanda, era muito alegre, mas ficoupouco com eles, j foi para o quarto tocar bateria, nisso Amandareclamou sorrindo:

    - Todo dia tenho que aguentar isso.

    Samuel e Clever foram se tornando cada vez mais amigos,principalmente depois daquele dia na casa de Clever onde Samuelficou sabendo que ele no tinha pai.

    Acostumaram-se a pegar carona na traseira dos caminhesque passavam em direo da escola, s vezes aprontavam alguma,mas sempre sob a liderana e ideias de Clever, que, por sinal, era bem

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    capTulo 3 - o pEquEnograndEamigo

    criativo. Um dia desses acharam uma foto de mulher nua no banheiro,alis, foi a primeira vez que Samuel viu uma mulher despida, queo deixou com um sentimento bom, estranho e corado de vergonha.Clever resolveu colocar dentro do livro de histria do Mrio, que

    quando abriu o livro estava junto com Patrcia, a garota que elegostava, e ao ver a foto ela ficou muito desapontada e ele, muito semgraa. Tentou explicar que no sabia de nada, mas as palavras nosaiam da boca, ficou com a bochecha toda vermelha de vergonha, ea Patrcia ficou quase um ms sem falar com ele. Por vezes Samuel eClever se arrependiam, mas a vontade de zombar era maior. Mrionunca descobriu que foram eles os responsveis pela foto, pensava

    que era o Fred o qual Clever e Samuel faziam questo de concordarque achavam; foi nesse momento que Samuel percebeu que era maisfcil culpar algum do que confessar a falha.

    Uma vez, alis, a nica que Samuel conseguiu enganar Clever,foi quando estavam na segunda srie, e Samuel chegou escolamascando chiclete e com outro no bolso, o qual tinha tinta azul quedeixava a boca toda manchada. Assim que Clever viu Samuel j foi

    pedindo um chiclete. Ele pretendia dar o chiclete para o Mrio, mascomo Clever pediu antes, ele viu a grande chance de zombar do amigointeligente. Clever abriu um sorriso, pegou o chiclete e com todogosto colocou na boca e entrou na fila da sala, nisso os amiguinhoscomearam a rir, Fred disse:

    - O tampinha t ficando azul, - (tampinha era o apelido queFred tinha dado para ele, mas ele fingia que no ligava, talvez para o

    apelido no pegar), foi a que ele percebeu que estava com a bocatoda azul.

    Naquele dia, voltando da aula, eles pararam embaixo de umajabuticabeira, um lugar j de propriedade deles, pois ficava em umaparte alta da cidade de onde podiam enxergar vrias ruas e se sentiamlivres e importantes. Com frequncia sentavam l embaixo, outrassubiam na rvore como se fosse o trono deles, e apostavam quem

    comia mais jabuticaba jogando no ar, quem ganhasse seria o rei e ooutro o escravo. Samuel no gostava muito da brincadeira, pois Cleverera mais gil que ele, por isso vrias vezes Samuel voltava sozinho

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    para treinar. Nesse dia Samuel conseguiu ganhar e ficou duplamentefeliz, pelo chiclete e pela jabuticaba, foi quando Clever lhe disse:

    -Parabns, voc foi mais inteligente do que eu hoje, - e olhou

    sorrindo para Samuel, e mal deu tempo para Samuel se orgulhar, eleabaixou a cabea e perguntou, meio que para si mesmo:

    - Ser que um dia eu vou conhecer meu pai? - essa tinha sido aprimeira vez que ele falava do pai, desde aquele dia no primeiro anoda escola.

    Samuel, sem saber muito o que falar, lembrou o que Amandatinha dito e lhe disse:

    - Lembra do que Amanda falou, tem um Pai no cu que te ama,- mas nisso Clever respondeu:

    - Para ela fcil falar, ela tem um pai que a ama, est semprecom ela e nunca sai para viajar.

    Vendo que no deu certo, Samuel falou uma frase que o fezpensar muito no que era verdade, mas na maioria das vezes, lhe

    trouxe grande arrependimento.- Se fosse para ter um pai como o meu era melhor que ele tivesse

    ido viajar tambm, disse Samuel, mas j com uma sensao de estartraindo o amor do pai, que por mais que fosse estranho, ele sabiaque o amava. Tudo aquilo deixou Samuel e seus sentimentos muitoconfusos.

    Eles frequentavam muito a casa um do outro e a da Amanda.

    Dona urea, sempre um doce de pessoa, era bem simples, tinhampouco dinheiro, mas havia uma paz que ele no entendia comoconseguia, vivendo naquela situao e, principalmente, sem marido.J a casa de Amanda era a preferida deles e principalmente de Mrio,que amava os doces de dona Rosa. L tudo era muito alegre, semprehavia msica, apesar que tinham que aturar Alexandre na bateria, eos pais de Amanda sempre sorridentes e amveis.

    Os pais de Samuel tambm gostavam de receber os amiguinhosdo filho, principalmente o senhor Caio que era sempre gentil comtodos, provocando at um certo cimes em Samuel. Sempre que

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    os pais de Amanda no levavam Clever para casa, o seu pai faziaquesto de levar, at o Mrio que acabava com as balas e chicletes,o senhor Caio gostava. J Maria das Dores, era sempre gentil comeles, mas no participava muito das conversas, ficava mais na cozinha

    preparando alguma coisa e tossindo cada vez mais constante, o quedeixava o pequeno Samuel cada vez mais preocupado.

    Estavam no primeiro semestre da quarta srie, a amizade cadavez maior e o amor de Samuel por Amanda tambm aumentava como tempo. Ele desconfiava que ela tambm sentia algo por ele, nocomeo tinha at cimes de Clever, mas como percebeu que Clevergostava era de paquerar todas, foi perdendo o cimes, entretanto,

    estava pensando em uma maneira mais clara de demonstrar o seuamor por Amanda, mas mesmo gostando tinha medo, de como o seupai, acabar vivendo escondendo os sentimentos.

    Tinha dado o sinal do recreio, dessa vez Clever no esperou poreles, provavelmente saiu correndo para aprontar alguma. Amandafoi arrumando as coisas bem devagar, como se quisesse ficar sozinhacom Samuel, pelo menos foi o que ele pensou, mas vendo que Frede seus dois amigos no saam da sala, se levantou para sair. Foi nessemomento que Fred esbarra em Amanda e lhe levanta um pouco asaia ao ponto de poder ver a calcinha e ainda fazendo um comentriochulo a respeito da cor.

    Nesse momento Samuel no tinha tempo para pensar ou agir.Poderia at mesmo sacrificar a vida, afinal, eram trs gigantes queele enfrentaria, mas ao lembrar da histria que sua me contavaacerca de Davi e Golias, criou coragem. Porm, na histria de Davi,havia apenas um gigante para enfrentar, pensou ele logo em seguida,mas seria o heri do seu grande amor, demonstrando o maior ato debravura que algum poderia ter, alm do que poderia conquistar devez o corao de sua amada. Ao contrrio, poderia ignorar a situaoe ser, aos olhos de Amanda, um covarde que no pde defend-la.A verdade que Samuel j se achava isso mesmo, um covarde que

    nunca soube falar dos seus sentimentos, e at mesmo com o pai, quenunca conseguiu question-lo porque ele nunca demonstrava que oamava.

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    Foi nesse momento que Fred sentiu um empurro que lhederrubou no cho e Amanda ouviu Samuel gritar:

    - Corra Amanda, corra - ordem que ela obedeceu imediatamente,

    tanto por causa do choque em que estava, mas tambm para procurarClever e Mrio para irem ajudar Samuel. J Samuel quis que elacorresse, tanto para ela ficar livre deles, como para no ver a maiorsurra que ele estava prestes a tomar, como imaginava.

    Apesar de todo o peso, Fred levantou-se rapidamente bufandocomo um touro. Os outros dois amigos j estavam segurando Samuelcontra a parede, cada um segurando em um brao. Cerrando o punho

    e com os olhos vermelhos de dio, Fred disse:- Voc agora vai se arrepender de ter nascido.

    Nesse momento Samuel fecha os olhos esperando o golpe fatal.O murro, dado com muita violncia, bem no meio da testa e umgrito de muita dor, fazendo com que os amigos soltassem Samuel.Novamente Fred vai ao cho, agora ao lado de um sapato, o sapatode Clever. Naquela hora Samuel agradeceu aos treinos que eles

    faziam quando sentavam no galho da jabuticabeira e atiravam pedrasem alvos que achavam, como gatos, latas, ou simplesmente, verquem atirava a pedra mais longe. Golias estava novamente no cho,Davi no era ele e sim seu melhor amigo, Clever. Entretanto, Goliasno estava morto, ento levantou-se novamente e os trs foram emdireo de Clever, que toma uma atitude que fez o corao de Samuelparar. Ao invs de sair correndo como de costume, ele tira do bolso de

    trs um canivete suo que tinha ganhado de presente de Caio, no seultimo aniversrio, e apontou para Fred dizendo com uma voz firme ealta que Samuel nunca tinha ouvido antes de Clever:

    - Pode vir seu porco, que vou enfiar esse canivete inteiro atsumir na sua banha.

    Fred e seus amigos no podiam acreditar no que estavam vendo.Eles param, mas o dio continuava no olhar. Samuel estava perplexo,

    ficou com vontade de sair correndo, mas no poderia fazer isso, seriaa pior atitude, contudo, se preparou para correr e gritar se acontecessealguma coisa.

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    - Ok, essa voc venceu, mas me espere, voc no perde poresperar disse Fred. E assim os trs vo embora olhando friamentenos olhos de Clever.

    Nesse momento Samuel, que estava tremendo, percebe queClever tambm estava tremendo de medo e deixa o canivete cair nocho, ele veste de novo o sapato e pergunta:

    - Ser que eu teria coragem de enfiar o canivete na barrigadele?

    Nisso surge Amanda acompanhada de Mrio.

    - Graas a Deus voc est bem, mas o que aconteceu? - perguntaAmanda. Samuel no queria dar o gosto da vitria para Clever, pormais que estava grato, ele quem tinha que ser o heri de Amanda.Percebendo o silncio de Samuel, Clever disse:

    - No sei direito, quando cheguei vi os trs sarem correndo eSamuel de punho fechado gritando para no voltarem mais.

    Amanda achou aquilo meio estranho, mas o importante era que

    ele estava bem, j Samuel olhou para Clever com um ar de duplagratido.

    - Vamos Samuel, mas por favor no precisa se arriscar assim,mas...., muito obrigada, voc foi o meu heri disse Amanda dando-lhe um beijo na bochecha. Essa frase passaria pela cabea de Samueldurante anos, at mesmo depois de adulto. E a bochecha ficou umasemana sem lavar.

    Ao sarem da escola Samuel e Clever pararam embaixo dajabuticabeira, ficaram um tempo em silncio, depois Samuel cortouo silncio:

    - Obrigado disse Samuel.

    - No tem de que, afinal, voc gosta dela e ela de voc, eu jtenho namorada, e sei que voc faria a mesma coisa por mim falou

    Clever com um sorriso malandro nos lbios, revelando um grandesegredo. Mas Samuel ficou quieto pensando, pois no sabia se faria amesma coisa, alis, tinha quase certeza que no, pois a coragem no

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    era o seu forte, mas lgico, no admitiu isso para Clever, fez um simcom a cabea, logo em seguida Clever continuou:

    - Sabe a Sheila da quarta b? Ontem na aula de natao eu dei

    um beijo nela embaixo da gua disse Clever, agora com um sorrisode conquistador.

    - Foi de lngua? indagou Samuel, que tinha ouvido algum daquarta srie falar que beijo de verdade tinha que ser de lngua.

    - Claro que no, ia entrar gua na nossa boca respondeuClever, mas novamente abriu um sorriso de conquistador e continuou mas o prximo ser.

    Samuel sentiu uma certa inveja, pois ainda no tinha beijadoe j tinha quase 10 anos, mas ele no queria beijar qualquer uma,apenas Amanda tinha importncia, e Samuel ficou pensando no queClever falou voc gosta dela e ela de voc.

    - Voc acha mesmo que ela gosta de mim? perguntouSamuel.

    - lgico! respondeu Clever.- Voc o irmo que eu nunca tive disse Samuel, sendo uma

    das primeiras vezes na vida que tinha sido sincero e transparente nosseus sentimentos, provocando um medo e alvio ao mesmo tempo;depois do que Clever o abraou e retribuiu o elogio:

    - Voc tambm falou j se levantando e apostando com Samuelquem chegava primeiro l embaixo.

    Definitivamente, Samuel tinha decidido expor seus sentimentospara Amanda, no importavam as consequncias que isto teria.

    Aquelas frias de julho foram as mais longas que ele j tinhatido, pois Amanda tinha ido passar as frias na casa dos avs, nointerior de So Paulo, e s voltaria no incio do prximo semestre.

    Clever passou metade das frias na casa dos primos em So

    Paulo. Mesmo no tendo pai, a famlia de Dona urea era grande,ela tinha quatro irmos e vrios sobrinhos e Clever sempre voltavacontando as aventuras que aprontava na grande cidade.

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    Samuel aprendeu a respeitar mais as pessoas com a vida daDona urea, ele achava que toda mulher que tinha filho e no eracasada, era ruim, mas depois de conhecer Dona urea, ver o amor queela dava para o filho e o sacrifcio que fazia, trabalhando e cuidando

    da casa, fez com que Samuel mudasse de ideia, alm de seus paissempre elogiarem a garra de Dona urea, principalmente sua me,que mesmo sem conhec-la muito bem, achava ela uma vitoriosa pelaeducao que dava para o filho.

    Samuel passou as frias em casa, pois no tinha uma grandefamlia e nem primos. s vezes achava meio tediosas as frias, masMaria das Dores sempre estava presente, at brincando com ele,

    perguntando dos amigos, o que ele achava da escola, pintava juntocom ele seus desenhos, ele tinha um verdadeiro orgulho da me.

    Tambm gostava muito da comida, do po de queijo que elafazia e, principalmente, das refeies de domingo. Mesmo sendo quasesempre macarro com muito molho, frango assado, farofa e maionese,Samuel amava, achava divino o tempero da me. Sentia muita falta dopai que, mesmo presente, era muito calado. Quando Samuel tentavapuxar uma conversa, o pai apenas respondia s perguntas. Se Caiocomeasse uma conversa perguntando algo da vida de Samuel, elecontava tudo achando que finalmente o pai estava interessado nele,mas logo em seguida ele j ficava quieto novamente, fazendo comque Samuel pensasse se tinha falado algo errado.

    Quando Clever voltou das frias, Samuel ficou muito feliz, poisteve de volta seu melhor amigo. Se encontravam quase todos os diasna jabuticabeira e Samuel ouvia as histrias da viagem de Clever commuita alegria, apesar da ponta de cimes que sentia.

    Soltavam pipa, jogavam bolinha de gude, nadavam no aude.Samuel se sentia livre e seguro ao lado de seu melhor amigo, pensavaque nada poderia separar a amizade deles, mas mesmo assim, todosos dias Samuel contava nos dedos quando Amanda voltaria das frias,a cada noite pensava: uma noite a menos.

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    ra o ano de 1970, j tinha passado mais da metade do segundosemestre e Samuel ainda no tinha falado nada para Amanda,

    e isto o deixava preocupado, pois na quinta srie talvez ela fosseestudar em outra sala e tudo seria diferente. A amizade deles era cadavez mais forte, e Samuel s conseguia enxergar Amanda, diferente de

    Clever que todo ms trocava de namorada, apesar que at agora onico beijo que tinha conseguido dar foi aquele embaixo da gua.

    Naquele segundo semestre, um dos momentos mais marcantespara Samuel, foi o dia em que ele e Clever resolveram levar Amanda para conhecer o lugar preferido deles, o refgio secreto,a jabuticabeira, pois a vista da cidade era linda. Tanto embaixocomo sentado nos galhos daquela rvore, eles se sentiam grandes e

    colocavam para fora sonhos, fantasias e alegrias.O que marcou a vida de Samuel naquele dia, foi que ao ver

    aquele lugar, Amanda pediu o canivete suo de Clever emprestado,apesar que ela j tinha falado para ele vrias vezes que aquilo noera bom, era perigoso. Ela mal sabia que o canivete os tinha ajudadoa no tomarem a maior surra de suas vidas. Pegando o canivete, elaescreveu na rvore o nome dela, ao lado o nome de Samuel, e o de

    Clever ela escreveu na vertical. Logo depois olhou para eles sorrindoe desenhou uma cruz, sendo que em um brao estava o nome dela,no outro o de Samuel e no corpo o de Clever, e disse:

    Captulo

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    A Vingana

    Voc quer ser feliz por um instante? Vingue-se!Voc quer ser feliz para sempre? PERDOE!Tertuliano

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    E

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    - No amor de Deus, aprendemos a amar uns aos outros, e foiJesus que nos uniu para a nossa amizade ser eterna - falando isso,ela estendeu a mo como um smbolo da unio, e quando os trscolocaram uma mo sobre a do outro, eles as ergueram dando gritos

    para o alto. Foi como se naquele momento tivessem feito um pacto deamizade eterna.

    Mas o que deixou Samuel pensativo, foi o fato de o nome deClever ser mais curto, ento a lgica seria o nome dele estar do outrolado do brao da cruz e o seu no corpo, pois era o mais comprido,mas ela resolveu colocar o seu ao lado do dela, deixando ele muitoorgulhoso, e percebendo que ele era especial para ela.

    Samuel a achava perfeita, tudo o que fazia e dizia era como umanjo em sua vida. Depois de sua me, Amanda se tornou a pessoaque Samuel mais gostava e a nica que lhe tirava o sono, mesmoestando apenas com nove anos.

    Tudo isso fez com que finalmente tomasse coragem. Ento, nodia seguinte, durante a aula, ele escreveu um bilhete para Amanda:

    Querida Amanda, sempre lembro do primeiro dia que eu te vi, como vestido rosa, muito parecido com o vestido que a minha me tantogosta, queria que voc soubesse como voc especial para mim, egostaria de saber o que voc pensa de mim. Assinado: Samuel.

    Depois de escrever, ele ficou tremendo, pensando mil vezes sedeveria entregar ou no. Como era difcil expor os sentimentos, tinhamedo dela falar que ele confundiu tudo ou achar muito bobo o bilhete,

    tudo vinha sua cabea, por isso, resolveu agir logo para no pensarmais e se esconder como sempre fazia.

    Para isso ele pediu o livro dela emprestado e colocou o bilheteno meio dele, ele percebeu que ela leu e ficou simplesmente parada,como se tivesse ficado congelada. Samuel ficou sem entender seaquela era uma boa ou ruim reao.

    Quando chegou o intervalo Amanda foi a ltima a sair para

    deixar um bilhete no estojo de Samuel. Naquele intervalo Samuel noconseguiu chegar perto de Amanda com tanta vergonha e medo queestava, mas ficava ouvindo as histrias de Clever, suas conquistas e

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    capTulo 4 - a vingana

    travessuras, que Mrio sempre escutava com muita admirao.

    Assim que bateu o sinal do fim do recreio, Samuel foi o primeiroa voltar para a sala para ver se tinha algum bilhete da Amanda.

    Quando ele observa um papelzinho dobrado em seu estojo fica imveldurante alguns segundos que pareceram uma eternidade com amo tremendo ele abre para ler o que estava escrito no papel, mascomo um ar de defesa ele abre o papel ao mesmo tempo que fechaos olhos, para ento respirar fundo e abrir calmamente e ler o recadovoc especial para mim. Ele abriu um sorriso de alegria e alvio;quando foi ler novamente com calma e mais ateno, viu que tinhauma palavra pequena, mal escrita no comeo da frase que o deixoubranco, assustado e pareceu que o cho saiu debaixo de seus ps. Oque realmente estava escrito era: voc no especial para mim.

    Ele cerrou os olhos, no podia acreditar que metade da sualonga vida tinha sido dedicada um amor que no era correspondido,que tinha sido enganado, bobo durante todo esse tempo, enquantopensava tudo isso comeou a ouvir gargalhada do restante da classe,

    provavelmente j zombando do romantismo estpido dele, pensou,forando para segurar as lgrimas que lutavam para sair de seusolhos.

    Foi nesse momento que ele abre os olhos e v vrias fotoscoladas no quadro, pois ele tinha entrado com tanta preocupao emsi mesmo que no tinha reparado no quadro. As fotos continham aimagem de uma mulher nua ao lado de um garoto e na cabea da

    mulher e da criana havia uma foto da me de Clever e dele mesmo,e na frente a foto de vrios homens, todas fotos tiradas de revista, ena cabea do garoto havia um balozinho com a pergunta: quem omeu pai?, qual a me respondia: no sei, foram tantos homens.

    A vingana que Fred tinha prometido para Clever tinha secumprido, ele no tinha dvida que tinha sido Fred o autor da terrvelbrincadeira, e tinha atingido Clever justamente no que mais lhe

    doa, ele tinha voltado no meio do intervalo, roubado as fotos doestojo de Clever e juntamente com o seus dois comparsas tinhammontado aquilo.

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    Mas o que Samuel tambm no sabia e ficou anos sem saber,foi que o no na frase de Amanda tambm tinha sido colocado porFred, que observando a troca de bilhetes, fez tudo isso no intervalopara se vingar de todos, e com certeza no imaginava que aquele

    simples no mudaria a vida de Samuel e seus amigos para sempre.

    Clever sai correndo e chorando da sala de aula, onde Amanda oacompanhou, ignorando totalmente a dor de Samuel, alis, que ficouto forte em sua dor que esqueceu de tambm ir socorrer o amigo quetinha sido humilhado publicamente.

    Pela primeira vez Samuel foi sozinho para o p de jabuticaba

    depois da aula, onde sentou olhando para o nome deles que Amandatinha escrito e tentando entender o que estava acontecendo. Sentiupena de Clever pelo que tinha acontecido, mas nesse momento, eleestava ao lado da pessoa mais importante que Samuel conhecia,fazendo com que ele ficasse mais uma vez com o sentimento confuso,agora misturando compaixo com cimes por Clever e amor e raivapor Amanda.

    Naquela noite Samuel no conseguiu dormir direito, tentandoentender o que tinha acontecido. Sua me, vendo a tristeza, perguntavao que tinha acontecido, mas ele preferiu guardar para si o sentimento,pois o seu pai o tinha ensinado bem a guardar. Mesmo assim, Mariadas Dores foi noite ao seu quarto e lhe contou a histria da mulherque levaram para Jesus acusando de ter cometido um terrvel pecado,Ele simplesmente se cala e escreve no cho, at que diz quem notem pecado que atire a primeira pedra. Ao sua me contar a histria,lembrou imediatamente de quando Amanda escreveu no cho, elogo depois de Clever atirando o giz na cabea de Fred e na outravez, atirando o sapato. Talvez Clever se achasse sem pecado, talveztivesse que perdoar Amanda, talvez simplesmente no entendia nadae queria apenas sumir, preocupado tanto com a sua prpria dor quenem telefonou para Clever para saber como estava. Em meio a tossesMaria das Dores beijou a testa de Samuel com a ternura de sempre e

    lhe deu boa noite, retirando-se do quarto.No dia seguinte na aula, ele perguntou para Clever como ele

    estava, tentando mostrar que estava preocupado com o amigo.

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    capTulo 4 - a vingana

    - Eu odeio aquele gordo - foi a resposta que deu, quase fechandoos olhos de raiva. Samuel nunca tinha visto tanta raiva no olhar deClever como naquele dia.

    Nessa e na semana seguinte Amanda preocupou-se mais emconsolar Clever do que com Samuel, e este tambm j estava maisfrio, resolvendo esconder mais os sentimentos, negando inclusive oconvite dela para ir igreja, onde pela primeira vez foram apenas elae Clever.

    Mas teve que ir igreja com os pais, pois dessa vez o senhor Caiotambm foi, no tendo assim desculpas para no ir. Samuel gostava da

    igreja, achava algumas coisas estranhas, mas tinha amigos l. O pastorNarciso era um jovem pastor, mas que colocava uma interrogaona cabea do pequeno Samuel; ele era muito carismtico, procuravamostrar para todos que era muito amigo de Deus, muito mais quequalquer outra pessoa, e que a orao dele que tinha poder. TambmSamuel sempre lembrava apenas de duas palavras das mensagensdo pastor dinheiro e demnio que estavam praticamente em todasas mensagens e, geralmente, eram acompanhadas de palavras comoprosperidade, bno, cura e muito aleluia.

    Aps aquele culto, com muita insistncia, o senhor Caio conseguiufalar com o pastor, pois geralmente ele s falava com pessoas comhora marcada, ainda mais depois que ele conseguiu tirar o pastor jancio da igreja e ficando em seu lugar como pastor titular.

    Caio foi pedir orao pela sua esposa, Maria das Dores, que

    estava a cada dia com mais tosse e dor no peito, j tinham ido aalguns mdicos, mas cada mdico falava uma coisa diferente. Comisso o pastor disse que aquilo era demnio que estava atacando poreles no estarem sendo fiis nos dzimos. O pai de Samuel tentouexplicar que tentava, mas estava gastando muito com os mdicos emedicamentos e no ganhava muito. O pastor Narciso aconselhou aterem f, largarem os medicamentos e darem o dzimo e o dinheirodos remdios que ele iria reivindicar que Deus a curasse.

    O senhor Caio ficou meio temeroso, mas Maria das Dores oincentivou a obedecer. Samuel nunca soube se foi para testar a f

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    ou simplesmente por estar cansada, mas uma coisa era certa, elaestava mais quieta, mas no como se estivesse em depresso e simem reflexo, aumentou o seu carinho, inclusive com Caio, e tinha umar de paz que Samuel nunca tinha visto, e isto definitivamente no era

    por causa da igreja.

    Nessa poca o senhor Caio tinha parado de vez de beber, poisalm do dinheiro estar faltando, achava que mostrando para Deus oseu sacrifcio, Deus ia ter compaixo deles e curar de vez Maria dasDores. Para Samuel tudo aquilo era muito confuso para sua cabeade dez anos de idade.

    Mas uma coisa ficou clara na cabea do pequeno Samuel, comoseu pai gostava de sua me, pois foi clara a preocupao dele desde oincio, demonstrando carinho e afeto que ele nunca havia visto antes,e tambm que o pai nunca havia lhe dado.

    Mesmo doente, Maria das Dores sempre ajudava Samuel nalio de casa, perguntava sobre o dia, o que tinha feito, brincado,sobre seus amigos, o que ele queria que ela fizesse de sobremesa.

    Nunca e em nenhum momento, por pior que estivesse, deixou dedemonstrar preocupao com o filho ou reclamou de alguma coisa.

    Clever comeou a ir com mais frequncia com Amanda para aigreja, tambm comeou a levar sua me que gostava muito e, se antesela j tinha o corao bom, agora ento muito mais. Era sorridente eestava j ativa na SAF - Sociedade Auxiliadora Feminina da igreja.

    Samuel percebeu que Clever, aos poucos, ia mudando seu

    comportamento na escola, j no aprontava tanto com o Mrio, nemaprontava nada mais muito srio, mas continuava brincalho ealegre como sempre, esquecendo da brincadeira de mau gosto queFred tinha feito com ele, inclusive at sobre o fato de no ter pai. Jfalava do assunto com mais facilidade sem muita mgoa, apesar desempre falar com um ar de tristeza e esperana ao mesmo tempo.

    Outra cena que marcou Samuel nessa poca, foi quando ele

    com seus pais foram novamente falar com o pastor, pois o senhorCaio tinha feito tudo, dado at mais que o dzimo, mesmo o dinheirofaltando em casa, e no via Maria das Dores melhorar. Ento o pastor

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    capTulo 4 - a vingana

    falou para Samuel orar, pois era criana e Deus sempre ouve ascrianas de corao puro. Aquilo causou um grande peso e confusona cabea de Samuel, pois comeou a achar que se a me nomelhorasse, ele que seria culpado, alm do que ele no era l puro,

    sabia de seus sentimentos e sabia que Deus sabia. Alm disto, nemorar direito sabia, pois s havia aprendido a orar antes das refeies,ou quando sua me lhe insistia muito.

    Com medo, Samuel no queria orar. Sua me, como sempre,percebendo tudo, disse que no precisava, era s para ele orar a sscom Deus que Ele iria ouvir e fazer o que era melhor.

    Samuel percebeu que o pastor Narciso no gostou muito deter uma ordem desobedecida, pegou um pouco de leo, passou nacabea de Maria das Dores e fez uma orao curta e sria, em seguidafalou para Caio comprar um vidro do leo santo e passar todo dia emMaria das Dores que ela iria ser curada, pois Deus tinha mostrado issoa ele.

    A essa altura o senhor Caio j no tinha tanta f no pastor, mas

    como as opes eram poucas e Maria das Dores s piorava, resolveuobedecer tudo fielmente e Samuel cada vez mais confuso com a igrejae suas ideias.

    Enquanto isso, comeou a tratar Amanda mais friamente enunca mais tocou no assunto do bilhete, e ela no entendia o porqudele agir assim.

    - Aconteceu alguma coisa? Quer conversar? - perguntou

    gentilmente Amanda para Samuel no recreio, enquanto Clever tinhaido com o Mrio comprar balas na cantina.

    Samuel ficou irritado com a pergunta, como ela ainda tinhacoragem de perguntar isso, depois de tudo o que fez, pensou ele, masa nica coisa que conseguiu dizer foi:

    - No. Ao falar j foi indo em direo dos amigos que estavam

    voltando com as mos cheias de balas, ignorando assim Amanda, queficou triste com a situao, mas no disse mais nada.

    Samuel sabia que no tinha agido corretamente, mas seus

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    TEmpodE dEscobErTa

    sentimentos por Amanda esta