Carmen Lucia Costa Brotas

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REFLEXÕES SOBRE A POSIÇÃO DO STF EM FACE DAS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS Carmen Lúcia Costa Brotas RESUMO O presente trabalho visa evidenciar as principais questões apresentadas pelo Ministro Carlos Ayres Brito em voto proferido na sessão de julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN 3510) referente ao art. 5º da Lei. nº. 11.105/2005, ocorrida em 05 de março de 2008, no Supremo Tribunal Federal, no sentido de considerar improcedente a supracitada ação, admitindo-se como constitucional o dispositivo legal que autoriza a utilização de embriões crioconservados em pesquisas com células-tronco, desde que atendidas algumas condições legais. Em divergência ao exposto pelo Ministro, e em consonância com o entendimento trazido pela corrente unitária, que supõe a identidade entre pessoa e homem, considerando que o conceito de pessoa se aplica a todo ser humano vivo, o que conduz a aceitação do embrião como destinatário do direito à vida e à dignidade, e tendo-se em vista que a Constituição Federal de 1988 posiciona o ser humano como centro do ordenamento jurídico, pontua-se a procedência da Ação Direta de Inconstitucionalidade por afronta aos ditames da Carta Magna. A partir desta premissa analisam-se os principais argumentos trazidos à baila no supracitado julgamento à luz da bioética, demonstrando-se que o direito à saúde e a livre manifestação cientifica, ainda que presentes no ordenamento constitucional, não são absolutos frente à disposição da vida humana, bem como se adverte para possíveis outras alternativas científicas (utilização de células-tronco adultas) na garantia da vida ou de sua melhoria (supondo-se que todos tenham acesso a estes avanços biomédicos). Salienta-se ainda, como questão incidental imperativa, a criação dos chamados embriões excedentários e a ausência de regulamentação da reprodução assistida apesar dos avanços biotecnológicos atingidos pelos profissionais da medicina brasileira. PALAVRAS-CHAVE: CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS; DIREITO À VIDA; PESQUISAS CIENTÍFICAS Mestranda em Direito Privado e Econômico pela Universidade Federal da Bahia, Especialista em Direito do Estado pela Fundação Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia 361

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  • REFLEXES SOBRE A POSIO DO STF EM FACE DAS PESQUISAS

    COM CLULAS-TRONCO EMBRIONRIAS

    Carmen Lcia Costa Brotas

    RESUMO

    O presente trabalho visa evidenciar as principais questes apresentadas pelo Ministro

    Carlos Ayres Brito em voto proferido na sesso de julgamento da Ao Direta de

    Inconstitucionalidade (ADIN 3510) referente ao art. 5 da Lei. n. 11.105/2005, ocorrida

    em 05 de maro de 2008, no Supremo Tribunal Federal, no sentido de considerar

    improcedente a supracitada ao, admitindo-se como constitucional o dispositivo legal

    que autoriza a utilizao de embries crioconservados em pesquisas com clulas-tronco,

    desde que atendidas algumas condies legais. Em divergncia ao exposto pelo

    Ministro, e em consonncia com o entendimento trazido pela corrente unitria, que

    supe a identidade entre pessoa e homem, considerando que o conceito de pessoa se

    aplica a todo ser humano vivo, o que conduz a aceitao do embrio como destinatrio

    do direito vida e dignidade, e tendo-se em vista que a Constituio Federal de 1988

    posiciona o ser humano como centro do ordenamento jurdico, pontua-se a procedncia

    da Ao Direta de Inconstitucionalidade por afronta aos ditames da Carta Magna. A

    partir desta premissa analisam-se os principais argumentos trazidos baila no

    supracitado julgamento luz da biotica, demonstrando-se que o direito sade e a

    livre manifestao cientifica, ainda que presentes no ordenamento constitucional, no

    so absolutos frente disposio da vida humana, bem como se adverte para possveis

    outras alternativas cientficas (utilizao de clulas-tronco adultas) na garantia da vida

    ou de sua melhoria (supondo-se que todos tenham acesso a estes avanos biomdicos).

    Salienta-se ainda, como questo incidental imperativa, a criao dos chamados embries

    excedentrios e a ausncia de regulamentao da reproduo assistida apesar dos

    avanos biotecnolgicos atingidos pelos profissionais da medicina brasileira.

    PALAVRAS-CHAVE: CLULAS-TRONCO EMBRIONRIAS; DIREITO VIDA;

    PESQUISAS CIENTFICAS

    Mestranda em Direito Privado e Econmico pela Universidade Federal da Bahia, Especialista em Direito do Estado pela Fundao Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia

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  • ABATRACT

    The aim of this article is to evidence the main questions presented by the Minister

    Carlos Ayres Brito in a judgment session of unconstitutionality direct action (ADIN

    3510) related to the article 5th of the law number 11.105/2005, occurred on March 5th

    2008, in the Federal Supreme Court, in order to consider unjustified the foregoing

    action, admitting as constitutional the legal dispositive that authorizes the use of

    cryopreserverd embryos in stem cells research as long as follows some legal

    conditions. In disagreement to what was exposed by the Minister, and with the

    agreement to the idea brought from the unitary branch, that supposes the identity

    between person and man, considering that the definition of people is used to all human

    life, what guides to the acceptance of embryo as addressed to the right of life and

    dignity, as the 1988 federal constitution takes a position of human being as a center of

    juridical ordained , focus on the origin of the direct unconstitutionality action to offend

    the rules from the Magna Letter. From this premise its analyzed the main arguments

    brought from the foregoing judgment through the bioethics, demonstrating that the right

    to health and the free scientific manifestation, even presenting the constitutional

    ordering are not absolute to the human life, it also warns the other possible scientific

    alternatives (using the adult stem cells) to guarantee the life or its improvement

    (believing that everybody has access to those advanced biomedicine). It also

    emphasizes, as a matter of casual imperative, the cultivation of the so-called excess

    embryos and the lack of assisted reproduction regulation despite the biotechnology

    advances achieved by the Brazilian medicine professionals.

    KEY WORDS: EMBRYO STEM CELLS; RIGHT TO LIFE; SCIENTIFIC

    RESEARCHES

    INTRODUO

    Nos ltimos anos as pesquisas com clulas-tronco ganharam elevada relevncia

    cientfica, tendo em vista a modificao de mtodos e teorias no campo das cincias

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  • biomdicas, as quais trouxeram expectativa de cura para doenas consideradas, at

    ento, como incurveis.

    Esta revoluo nas cincias biomdicas teve repercusso em diversas outras reas do

    conhecimento, no s por quebrar paradigmas, mas tambm pelos meios a serem

    utilizados para a obteno dos resultados almejados. A utilizao de embries

    excedentes crioconservados nas pesquisas com clulas-tronco foi um deles. Questo da

    qual se ocupa tambm a biotica como ramo do conhecimento que discute as

    implicaes dos avanos cientficos luz de valores e princpios morais.

    No Brasil, a Lei de Biossegurana (Lei 8.794/95), sancionada pelo ento presidente

    Fernando Henrique Cardoso, em 1995, a qual proibia as pesquisas com embries, foi

    revogada, em 2005, com o advento da Lei n. 11.105/2005, ficando, portanto, em vigor

    apenas dez anos.

    O novo diploma legal, a Lei n. 11.105/2005 (Lei de Biossegurana), ao contrrio da

    anterior, permite, para fins de pesquisa e terapia, a utilizao de clulas-tronco

    embrionrias obtidas de embries humanos produzidos por fertilizao in vitro e no

    utilizados no respectivo procedimento, desde que sejam inviveis e estejam congelados

    h 3 (trs) anos ou mais, na data da publicao da Lei, ou que, j congelados na data da

    publicao desta Lei, depois de completarem 3 (trs) anos, contados a partir da data de

    congelamento. Exige-se, ainda, o consentimento dos genitores para tal utilizao.

    A ao proposta pelo ento Procurador-Geral da Republica, Cludio Fonteles,

    questionando a constitucionalidade do supracitado dispositivo legal, acirrou a complexa

    discusso acerca do incio da vida humana em face da dignidade humana.

    Na sesso de julgamento da Ao Direita de Inconstitucionalidade n. 3510, ocorrida em

    05 de maro de 2008, no Supremo Tribunal Federal, o Ministro Carlos Ayres Brito

    apresentou voto no sentido de considerar improcedente a referida ao, admitindo,

    portanto, no existir violao Constituio Federal de 1988 no que diz respeito

    permisso dada pelo dispositivo legal quanto utilizao de embries crioconservados

    em pesquisas cientficas com clulas-tronco.

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  • Os argumentos trazidos pelo Ministro em seu voto para justificar a utilizao dos

    embries nestas pesquisas constituem o ponto de partida do presente trabalho, no qual

    sero analisados os principais fundamentos para a (no) liberao de tais pesquisas.

    Almeja-se, portanto, indicar questes relacionadas permisso legal da utilizao de

    embries humanos crioconservados para pesquisas com clulas-tronco, discutindo, no s

    o incio da vida para a incidncia do direito vida e dignidade destes embries, mas

    tambm outros pontos relevantes a serem observados neste caso, tais como a gerao de

    embries excedentes, o alcance social dos supostos resultados destas pesquisas, a atuao

    da mdia, bem como a ponderao entre estes direitos ( vida e dignidade humana) e os

    direitos sade e a livre manifestao cientfica.

    No se busca, importante ressaltar, uma anlise maniquesta, na qual a cincia seria a

    grande vil, mas apenas a indicao de questes ticas relevantes quanto atuao

    cientfica nas pesquisas com clulas-tronco embrionrias.

    AS CLULAS MILAGROSAS

    Fbio Firmabach Pasqualotto (2007, p. 23), mdico especialista em reproduo humana,

    define as clulas-tronco como clulas indiferenciadas que possuem a capacidade de se

    subdividir indefinidamente (auto-replicao). Estas clulas, quando submetidas a

    estmulos ou condies ideais, desenvolvem a capacidade de se diferenciar e originar

    clulas especializadas dos tecidos constituintes do organismo. Podendo ser, quanto

    natureza, embrionrias ou adultas. Aquelas so encontradas em estgios iniciais ps-

    fertilizao, podendo ser classificadas como totipotentes ou pluripotentes1, conforme

    seu potencial de diferenciao. J as clulas adultas podem ser extradas de diversos

    tecidos, tais como a medula, a placenta e o cordo umbilical, possuindo capacidade de

    diferenciao mais limitada.

    1 Totitpotentes so as clulas capazes de se diferenciar em todos os tecidos que formam um individuo, sendo encontradas nos primeiros 4 (quatro) dias aps a fertilizao. J as pluripotentes so as clulas capazes de se diferenciar em quase todas as clulas, no possuindo a capacidade de gerar um indivduo, mas apenas os tecidos que o formam. So encontradas em embries a partir do 5 (quinto) dia aps a fertilizao na espcie humana. (PASQUALOTTO, 2007)

    364

  • Apesar destas clulas serem estudadas desde a dcada de 60, consoante salienta Wilmar

    Luiz Barth (2006, p. 22), em termos de importncia destaca-se a publicao dos

    resultados de duas pesquisas, em 1998, pela empresa Geron Corporations de Merlon

    Park, na Califrnia, USA, quanto ao isolamento e cultivo em laboratrio de linhas de

    clulas-tronco.

    Uma delas tinha sido realizada em Wisconsin, Madison, pelo cientista James Thomson,

    o qual isolou clulas-tronco provenientes de embries na fase de blastocitos, ou seja,

    contendo aproximadamente 200 clulas, no estgio correspondente a 4 ou 5 dias da

    fecundao. A equipe chefiada pelo mencionado cientista conseguiu cultivar estas

    clulas, obtendo cinco linhagens independentes, as quais deram origem s clulas de

    vrios tecidos diferenciados. A segunda pesquisa foi desenvolvida por John Gearhart,

    em Baltimore, USA. Nesta investigao foram utilizados fetos abortados.

    Estes dois experimentos demonstraram que as clulas-tronco humanas podiam ser

    isoladas e cultivadas in vitro para fins teraputicos e produo de tecidos humanos em

    laboratrio.

    Alm destes experimentos, importante destacar os resultados obtidos por ngelo

    Vescovi que partindo de organismos adultos, conseguiu isolar clulas-tronco,

    desfazendo a idia de que nestes no existiam tais clulas, as quais eram tidas, naquela

    poca, como menos versteis que as embrionrias, fato que no foi totalmente

    demonstrado tendo-se em vistas as pesquisas com clulas-tronco adultas desenvolvidas

    no Brasil e em outros pases.

    Surge ento a possibilidade de melhoria de vida ou at mesmo de cura para pacientes

    com doenas ou limitaes para as quais a cincia at ento no possua meios para

    tratar de forma satisfatria. Mal de Parkinson, Alzheimer, cncer, doenas de chagas,

    alm de leses que tornaram indivduos paraplgicos ou tetraplgicos so alguns dos

    males para os quais as clulas-tronco poderiam ser utilizadas.

    365

  • Ocorre que devido s alegadas caractersticas das clulas-tronco embrionrias estas se

    tornaram altamente interessantes para uma corrente de pesquisadores, em detrimento

    das clulas-tronco adultas, ainda que as pesquisas com estas ltimas estejam em estgio

    avanado e demonstrem resultados satisfatrios.

    Questiona-se a obteno das linhagens de clulas-tronco com a destruio de embries

    em confronto com os direitos vida e dignidade das pessoas humanas, os quais

    caracterizam os Estados Democrticos de Direito.

    A Lei de Biossegurana

    No Brasil, o artigo 5 e pargrafos da Lei n. 11.105/2005, conhecida como Lei de

    Biossegurana, cuja constitucionalidade foi questionada mediante a Ao Direta de

    Inconstitucionalidade n. 3510, permite que, para fins de pesquisa e terapia, sejam

    utilizadas clulas-tronco embrionrias obtidas de embries humanos produzidos por

    fertilizao in vitro e no utilizados no respectivo procedimento, desde que atendidas

    duas condies: sejam embries inviveis e estejam congelados h 3 (trs) anos ou

    mais, na data da publicao da Lei. Alm disso, dispe a necessidade de consentimento

    dos genitores.

    Em 30 de maio de 2005, o ento Procurador-Geral da Repblica, Cludio Fonteles,

    prope a Ao Direita de Inconstitucionalidade questionando, com fulcro no direito

    vida e dignidade da pessoa humana esculpidos na Constituio Federal de 1988, o art.

    5 do supracitado diploma legal, que permitia a utilizao de embries crioconservados.

    Admitia o Procurador-Geral que a vida comea com a fecundao do vulo.

    Inicia-se no Supremo Tribunal Federal discusso acerca do inicio da vida humana a fim

    de que fosse determinada a partir de quando o ser humano teria seus direitos vida e

    dignidade respeitados. Para tanto, o relator, Ministro Carlos Ayres Brito, acolhe a

    solicitao do mencionado procurador no sentido de determinar a realizao de audincia

    pblica com a finalidade de que fossem ouvidas as principais autoridades das diversas

    reas do conhecimento relacionadas questo em tela. Foram ento ouvidas, na sesso

    366

  • pblica realizada, em 20 de abril de 2007, no Supremo Tribunal Federal, vinte e duas

    autoridades dentre as quais estavam antroplogos, geneticistas, bilogos.

    Em 05 de maro de 2008, inicia-se o histrico julgamento da supracitada ao direta de

    inconstitucionalidade, no qual o Ministro Carlos Ayres Brito, em seu relatrio, delineia

    duas correntes antagnicas.

    A primeira defendendo que o embrio est a caminho de tornar-se um ser humano, e

    desde a fecundao possui vida a ser respeitada. Esta linha de pensamento adverte para

    as possibilidades teraputicas que as clulas-tronco adultas possuem, sem, no entanto,

    provocar a destruio de uma vida humana.

    J a segunda corrente configurou-se no sentido da defesa do uso dos embries para as

    pesquisas cientfica, ressaltando que estas, no estgio em que so utilizados nas

    investigaes no possuem clulas nervosas, portanto no existiria vida, uma vez que se

    convencionou que a vida cessa com a morte celebral, consoante disposto na Lei n.

    9.434/97 (Lei de Transplantes). Para esta corrente a vida destes embries inicia-se

    apenas com sua implantao no tero humano, o que depende da ao humana.

    Ressaltam, ainda, os defensores desta corrente a condio em que se encontram

    milhares de pessoas que convivem com as mais diversas limitaes, por exemplo,

    portadores de Parkinson, Alzheimer, dentre outros, e que poderiam ser salvas ou terem

    uma condio melhor de vida com os resultados destas pesquisas.

    O relator, em seu voto, seguiu a segunda corrente, ressaltando que o embrio no possui

    personalidade jurdica, portanto no seria destinatrio da tutela constitucional, visto que

    esta visaria, no seu entendimento, apenas os nascidos com vida. Defende ele a acepo

    biogrfica da vida enfocada por Jos Afonso da Silva (2001, p. 196). Logo, por no ser

    pessoa o embrio estaria excludo da proteo constitucional visto que a Carta Magna

    coloca a vida como direito fundamental da pessoa humana, categoria da qual o embrio

    no pertence. Destarte, no haveria pessoa humana no embrio.

    367

  • Quanto destinao dos embries crioconservados2, ressaltou o relator que os genitores

    destes embries no poderiam ser obrigados a gerarem todos aqueles obtidos na

    reproduo in vitro, tendo-se em vista, alm da inexistncia de mandamento legal que

    os obrigue a tal, o planejamento familiar esculpido na Constituio Federal (art. 7 do

    art. 226).

    O direito sade e livre expresso da atividade cientfica esculpidos no mandamento

    constitucional tambm foram ressaltados pelo Ministro Carlos Ayres Brito, ao indicar

    que a proibio do uso de embries crioconservados em pesquisas com clulas-tronco

    macularia tais direitos, condenando os portadores de males para os quais a cincia no

    tem cura precria qualidade de vida.

    Impende destacar que, no sobredito julgamento, o Ministro Carlos Alberto Menezes

    Direito pediu vistas do processo, no entanto a Ministra Ellen Gracie votou

    acompanhando o relator para considerar a Ao Direta de Inconstitucionalidade n.

    3510 improcedente, ratificando a constitucionalidade do art. 5 da Lei 11.105/2005.

    Conquanto ainda no tenha o Supremo Tribunal Federal julgado referida Ao Direita

    de Inconstitucionalidade, imperativo serem declinados alguns aspectos relevantes no

    que diz respeito permisso da utilizao dos embries crioconservados em pesquisas

    com clulas-tronco.

    Um olhar biotico

    Na discusso da utilizao de clulas-tronco embrionrias para fins teraputicos, uma

    questo torna-se imperativa: a definio do embrio como pessoa. Neste aspecto, duas

    correntes se contrapem. A corrente reducionista que sustenta a separao entre pessoa

    e homem, sendo considerada pessoa apenas queles possuidores de discernimento e

    capacidade de autodeterminao, desta forma o embrio no seria considerado pessoa3.

    2 O termo congelado, doado, inservveis so expresses que adjetivam, geralmente, coisas, objetos, razo pela qual, seguindo a melhor doutrina, sero evitados no presente trabalho. 3 Peter Singer defende, em tica Prtica (2006, p. 165), a utilizao de embries crioconservados em pesquisas cientficas, afirmando que estes no podem ser considerados pessoas, vez que no possuem conscincia, no sentindo dor. Entendimento que no pode prosperar tendo em vista a existncia de

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  • Nesta corrente, destaca-se Ronald Dworkin, constitucionalista americano citado no voto

    do Ministro Carlos Ayres Brito no julgamento da supracitada ao, para quem no faz

    sentido supor que o feto tenha interesses prprios antes do desenvolvimento da

    sensibilidade. (PETTERLE, 2007, p. 74).

    A corrente unitria em contrapartida defende a identidade entre pessoa e homem, sendo,

    portanto, o embrio considerado pessoa por pertencer espcie humana. Neste sentido,

    Roberto Adorno (1998) enfatiza que a conscincia no constitutiva da pessoa, sendo

    posterior a esta. Neste diapaso, afirma o autor que

    Em otras palabras, la persona e uma realidad que supera la actividad neuronal. Sua persencia no depende del ejercicio actual de la razn o de la consciencia. La nocin de tiene carter ontolgico y no simplesmeste fenomenolgico. De aqui se conclue quem, em este enfoque, el concepto de se aplica a todo ser humano vivo, an cuando no haya desarrollado an todas sus potencialidades (como em el feto, em el racin nacido o em el nino), o que ls haya perdido irremediablemente (como em ciertos casos de demncia especialmente graves). (p. 63)

    No presente trabalho, considerar-se- a corrente unitria, no sentido de tomar-se o

    embrio crioconservado como pessoa humana e destinatrio do direito vida e

    dignidade da pessoa humana, estando, portanto, a deciso que se constitui no Supremo

    Tribunal Federal contrria aos ditames do Estado Democrtico de Direito firmado pela

    Constituio Federal de 1988.

    Neste diapaso, vale frisar que a Carta Magna no apresenta qualquer indicao do

    significado de pessoa, mas exprime o direito vida sem restrio do estgio em que esta

    se verifique. Ora, no h como negar que no embrio j h vida humana, que merece

    estados em que as pessoas ainda que no sintam dor, conforme ocorre no caso de coma, ou anestesia, continuam a serem destinatrias do direito vida e dignidade humana. Imperativo frisar, ainda, o entendimento de H. Tristram Engelhardt, em Fundamentos da Biotica (1998) para quem existe uma distino entre ser humano e vida biolgica humana. Destarte, para ele apenas os seres racionais, autoconscientes, livres em suas opes morais so seres humanos; os indivduos com mera vida biolgica no teriam, em seu entendimento, valor intrnseco, no havendo bice, portanto, no caso dos embries, ao descarte ou a destruio para extrao de clulas-tronco para fins teraputicos.

    369

  • proteo, sendo imperativo indicar, por relevante, que o embrio humano na fase em

    que se defende seja utilizado nas pesquisas (4 a 5 dias) j contm todas as informaes

    genticas. Alis, Lenise Garcia, Doutora em Microbiologia e Professora do Instituto de

    Biologia da Universidade de Braslia, ressaltou, na audincia pblica realizada no

    Supremo Tribunal Federal, que esse embrio possui todas as informaes genticas que

    o caracterizaro, inclusive quanto ao sexo e a doenas genticas.

    Por conseguinte, este embrio, ser que pertence a espcie humana, ainda que no tenha

    conscincia destinatrio da proteo vida, no se constituindo como fato relevante a

    permisso legal de sua destruio a necessidade de ao humana externa para nascerem.

    H apenas, no caso da crioconservao deste embrio uma suspenso do ciclo vital pelo

    qual todos os seres humanos adultos j passaram. 4

    Neste sentido, Jussara Maria Leal de Meirelles (2003, p.94) adverte que

    O valor da pessoa humana que informa todo o ordenamento jurdico estende-se, pelo caminho da similaridade, a todos os seres humanos, sejam nascidos, ou desenvolvendo-se no tero, ou mantidos em laboratrio, e o reconhecimento desse valor dita os limites jurdicos para as atividades biomdicas. A maior ou menor viabilidade em se caracterizarem um ou outro como sujeitos de direitos no implica diversific-los na vida que representam e na dignidade que lhes essencial.

    Mnica Aguiar (2005, p. 32) ressalta que a pessoa, para existir, no precisa de

    legislao prvia. Ao contrrio, um ser ontologicamente pr-sente, independentemente

    da prvia configurao legal.. Destarte, ainda que a Constituio Federal de 1988 no

    indique o significado de pessoa, isto no autoriza considerar o embrio excludo da

    proteo vida.

    Em que pese corrente divergente, a qual se filiou o Ministro Carlos Ayres Brito,

    importante trazer baila que a partir da Constituio da Repblica de 1988, foi

    4 Trs correntes doutrinrias principais se referem condio jurdica do nascituro, ou seja, se ele tem ou no personalidade jurdica: a corrente natalista que afirma que a personalidade comea a partir do nascimento com vida; a da personalidade condicional que sustenta que a personalidade comea a partir da concepo, com a condio de nascer com vida e por fim a corrente concepcionista para a qual a personalidade comea com a concepo.

    370

  • colocado o ser humano como causa e fins nicos de todo o ordenamento jurdico, assim

    os direitos reconhecidos ao nascituro pela Lei Civil tutelam interesses patrimoniais, os

    quais no esto sendo vislumbrados quando se discute a utilizao das clulas-tronco

    embrionrias nas pesquisas cientficas. (BARBOZA, 2005, p. 256).

    Ora, fulcrou-se o Ministro Carlos Ayres Britto apenas no art. 2 do Cdigo Civil em

    seus argumentos, no entanto, deve-se salientar que este mesmo diploma legal no art.

    1597 reconhece aos chamados embries excedentrios o direito filiao. Destarte, se

    lhe foi conferido tal direito com nuances patrimoniais, no h como sustentar qualquer

    impossibilidade de serem estes embries destinatrios tambm do direito vida e

    dignidade.

    H que se notar, ainda, que o Brasil signatrio do Pacto de So Jos da Costa Rica, o

    qual foi citado pelo atual Procurador Geral da Repblica, Antnio Fernando de Souza,

    na sesso de julgamento da Ao Direta de Inconstitucionalidade em tela. Este tratado

    internacional prev em seu artigo 4 que toda pessoa tem direito ao respeito vida, o

    qual deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepo.

    Outrossim, ainda que reconhecida a importncia da livre expresso da atividade

    cientfica, mencionada pelo Ministro Carlos Ayres Brito em seu voto, no pode

    prosperar a afirmao de que a recusa utilizao de clulas-tronco embrionrias

    atingiria este direito constitucionalmente estabelecido e colocaria o Brasil em atraso

    tecnolgico frente a outros pases.

    Na preciosa lio de George Sarmento (2002, p. 13) quanto ao argumento de que a

    proibio ou limitao das pesquisas cientficas seria um retrocesso histrico e que a

    interveno do poder pblico nas atividades biomdicas colocaria fim a estudos que

    beneficiariam muitas pessoas, so declinadas as seguintes consideraes.

    Tal tese insustentvel. O Estado Democrtico de Direito est comprometido com a expanso da liberdade cientifica, garantindo aos pesquisadores todas as possibilidades para o desenvolvimento de seus estudos. Mas preciso ressaltar que no se trata de um direito fundamental absoluto, imune s ingerncias externas. A imposio de limites justifica-se

    371

  • sempre que as prticas biotecnolgicas afetarem princpios ticos essenciais preservao e dignidade da espcie humana.

    O direito sade mencionado e ressaltado pelo relator da supracitada Ao Direta de

    Inconstitucionalidade, ao contrrio do exposto em seu voto e difundido pela mdia em

    geral, no maculado com a proibio das pesquisas com clulas-tronco embrionrias

    tendo em vista o estgio de desenvolvimento cientfico em que esto as investigaes

    com clulas-tronco adultas.

    Alm disso, h que considerar a ponderao de que a obteno de quaisquer avanos

    tecnolgicos obtidos pelas pesquisas cientficas no geram, por si s, a observncia do

    direito sade de todos aqueles que seriam potencialmente atingidos por ela. Isto se

    agrava ainda mais no Brasil onde o Sistema nico de Sade no consegue, por razes

    que no cabem ser discutidas no presente trabalho, atender aos cidados com patologias

    simples cuja cincia h muito se posicionou de forma inequvoca, alcanando a plena

    cura. (NERI, 2004).

    Neste sentido, basta verificar-se o acesso dos cidados brasileiros as prprias tcnicas

    de fertilizao in vitro, as quais, apesar de avanadas em termos biotecnolgicos, esto

    muito alm das possibilidades de muitos brasileiros que almejam os benefcios de tais

    tcnicas. Ou seja, no h uma distribuio eqitativa, igualitria dos avanos

    biotecnolgicos em geral, e os resultados obtidos com as clulas-tronco no fugiro a

    esta realidade.

    Outra questo que se impe no que diz respeito suposta preservao do direito sade

    indicada pelo Ministro so as patentes. Juan Ramn Lacadena (2005, p. 71) ressalta que

    as supostas possibilidades de resultados trazidos pelas pesquisas com clulas-tronco j

    intensificaram a luta das patentes de linhagens obtidas a partir destas clulas. Neste

    diapaso, verifica-se que a versatilidade das clulas-tronco embrionrias e a

    conseqente perspectiva industrial que estas podem trazer as tornam muito mais

    interessantes. Renata Rocha (2008, p. 32) ressalta que no se pode afirmar que os

    372

  • resultados cientficos e financeiros obtidos com estas patentes sejam convertidos em

    benefcio da melhoria da sade ou da qualidade de vida das populaes5.

    Importante salientar ainda que as pesquisas com clulas-tronco adultas demonstram

    resultados positivos, inclusive j trazendo, ao contrrio do que ocorre com as

    embrionrias, conforto para doentes que no tinham perspectiva sequer de sobrevida.

    Exemplo bastante elucidativo so os tratamentos realizados com clulas-tronco adultas

    em pacientes portadores de doenas crnicas no fgado, realizadas no Hospital So

    Rafael, localizado no bairro de So Marcos, na capital baiana, que j trazem sobrevida

    para pacientes que aguardavam na fila para serem transplantados.

    Na verdade, as pesquisas com clulas-tronco embrionrias apresentam algumas

    desvantagens em relao aquelas desenvolvidas com as adultas, uma vez que os

    cientistas no tm controle sobre a multiplicao dessas clulas e no se sabe como se

    d o mecanismo de proliferao. As clulas-tronco embrionrias possuem como carter

    limitador a alta rejeio com a formao de tumores, no existindo casos de resultados

    positivos conforme aqueles j atingidos com as adultas.

    Oportuno ainda ponderar a suposta inviabilidade dos embries indicada pela Lei n.

    11.105/2005, utilizada pelo Ministro Carlos Ayres Brito como fundamento para a

    liberao destes em pesquisas cientificas, considerando-se apenas trs possveis destinos

    para eles: o congelamento permanente, o descarte ou a utilizao para pesquisas

    cientficas. Assim, a ltima alternativa deveria ser a escolhida por caracterizar-se como

    a mais solidria visto que proporcionariam a melhoria de vida de muitas pessoas

    doentes que vivem sem esperana de cura. Neste sentido, uma questo impe-se: quem

    poderia indicar a inviabilidade desses embries crioconservados, se at mesmo a

    comunidade cientifica no consegue atingir um consenso a este respeito?

    5 No Brasil, o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual, em estudo intitulado Patentes de Clulas-tronco Cenrio Atual demonstra que o patenteamento de clulas-tronco no Brasil dominado por estrangeiros, sendo que das 102 patentes concedidas apenas 1 (uma) era brasileira, porm em convnio com instituio estrangeira. Muitas destas referem-se a procedimentos ou produtos advindos de clulas-tronco embrionrias, ou seja, so fruto da destruio de embries humanos, de vida humana.

    373

  • No Brasil, o lapso temporal foi fixado em 3 (trs) anos de crioconservao, no entanto, a

    Comisso Nacional de Reproduo Assistida da Espanha recomenda o prazo de 5

    (cinco) anos, sendo recorrentes casos de bebs nascidos aps prazo superior aquele

    fixado na supracitada lei de crioconservao6. Destarte, ao contrrio do que afirma o

    Ministro Carlos Ayres Brito no h segurana em procedimentos cientficos que

    diagnostiquem a inviabilidade esboada no artigo 5 da Lei de Biossegurana. No se

    sustentando este argumento como suporte para a liberao da utilizao de embries

    crioconservados como matria-prima na obteno de clulas-tronco.

    Alm disso, vale salientar a ponderao trazida por Wilmar Luiz Barth (2006, p. 170) de

    que, no Brasil, devido aprovao da Lei de Biossegurana, o Ministrio da Sade

    realizou um levantamento e descobriu que existem somente cerca de 3.000 embries nas

    clincas de reproduo assistida, ao contrrio dos 20.000 previstos pelos cientistas.

    Ressalte-se que a Lei n. 11.105/2005 exige alm do tempo de crioconservao - 3 anos,

    o consentimento dos genitores. Ento desse nmero muitos no podero ser utilizados

    nas pesquisas devido recusa de consentimento.

    Vislumbra-se ento mais uma questo a ser discutida tambm no campo da biotica:

    para solucionar estes problemas sero criados embries destinados especificamente para

    as pesquisas cientficas? Seriam criadas vidas em laboratrios destinadas destruio?

    Neste diapaso, ressalta, ainda, Wilmar Luiz Barth (2006, p. 245) que nos Estados

    Unidos h notcias de que para se produzir embries em laboratrio, apesar de o

    National Institute of Health recomendar o no-pagamento de vulos e espermatozides,

    so comprados vulos de mulheres que se submetem a procedimentos de superovulao

    com riscos para a sade, em troca de determinada compensao econmica.7

    6 O ginecologista Jos Gonalves Franco Jnior, detentor do maior banco de crioconservao do Brasil, em reportagem publicada pela Folha de So Paulo, em 10.03.2008, rechaa a suposta inviabilidade dos embries aps o prazo de 3 (trs) anos, alegando que sua clnica j obteve 402 nascimentos de bebs a partir de embries criopreservados, a maioria acima de trs anos de congelamento. Alis, a mencionada reportagem ressalta o nascimento de um beb a partir de um embrio crioconservado por 8 anos.

    7 Vale frisar que a Revista Veja, em 31.08.2005, veiculou a reportagem intitulada As biofbricas, a qual tratava da utilizao de embries e fetos como fonte de clulas-tronco pela indstria cosmtica, noticiando-se a existncia de tratamento antienvelhecimento base de injees de clulas-tronco

    374

  • Vale frisar que, consoante declina Renata Rocha (2008, p. 85) a permisso de utilizar

    embries para fins de pesquisas cientficas abre espao para que experincias outras

    sejam colocadas em prtica, inclusive, experimentos cientficos de cunho eugnico.

    No se pode considerar os argumentos trazidos pelo Ministro Carlos Ayres Brito em seu

    voto, visto que no h como negar-se humanidade ao embrio crioconservado. O fato

    dele no possuir clulas celebrais no bastante para desconsiderar-se a existncia de

    vida humana, vez que ele no as possui apenas por ter o seu ciclo vital de

    desenvolvimento suspenso.

    Quanto lgica utilitarista de que seria mais vantajoso utilizar estes embries

    crioconservados em pesquisas cientficas do que descart-los ou conden-los a

    crioconservao eterna, h que se ponderar ser uma soluo injustificada para um

    problema posto pela gerao de embries por clnicas de reproduo assistida em

    nmero superior queles que realmente sero utilizados devido a fatores principalmente

    econmicos.

    A inexistncia de qualquer regulamentao8 para esta prtica biotecnologica consiste em

    uma das razes pelas quais estes embries continuam a serem gerados, perpetuando um

    problema que segundo o que posto pelos defensores das pesquisas com clulas-tronco

    embrionrias poderia ser resolvido com a suposta salvao ou melhoria da vida de

    pacientes que padecem de males para os quais a cincia ainda no tem cura.

    No entanto, ainda que ratificada a constitucionalidade da Lei de Biossegurana e

    liberadas as pesquisas com estes embries, no h qualquer dado que indique quantos

    dos genitores daro o consentimento para a utilizao dos embries. E para aqueles cuja

    extradas de fetos. Quatro sesses, ao custo total de 50.000 dlares, seriam capazes de eliminar rugas, aumentar a calvcie e manter a libido a mil [...] Para tanto, mulheres jovens e pobres so incentivadas a interromper a gravidez por volta do terceiro ms para vender o feto. O preo: 200 dlares cada um. Para ganharem um dinheiro extra, algumas engravidam apenas para abortar. 8 Juan Ramn Lacadena (2003, 68) adverte que na Alemanha a lei de reproduo assistida obriga a transferncia para o tero materno de todos os embries obtidos com esta tcnica.

    375

  • anuncia no seja prestada e tambm os genitores no desejem implant-los, qual ser o

    destino?

    Uma alternativa seria a liberao destes embries para adoo, a qual no macularia o

    planejamento familiar esculpido na Constituio Federal e mencionado no voto do

    Ministro Carlos Ayres Brito. No entanto alguns empecilhos tambm so vislumbrados.

    O consentimento dos genitores um deles. No h como afirmar que estes genitores

    consentiriam em doar os embries para outras pessoas, por isso esta alternativa merece

    avaliao, apesar de constituir-se em uma opo que em absoluto no macularia a

    dignidade destes embries, dos adotantes ou dos genitores biolgicos.

    Destarte, em que pese a indagao trazida por Jussara Maria Leal de Meirelles (2000, p.

    220) quanto a aceitabilidade tica desta alternativa, vez que, em seu entendimento

    poderiam os adotandos (embries) serem sujeitados aos riscos do congelamento e

    descongelamento a fim de atender aos futuros adotantes, alm da possibilidade de

    instrumentalizao dos seres humanos que seriam gerados com a finalidade de atender a

    adoo, pondera-se que a devida regulamentao destas adoes poderiam impedir tais

    riscos.

    Vale ressaltar, alm disso, a atuao da imprensa na prestao de informaes sobre as

    clulas-tronco. Recorrente em todos os meios de comunicao brasileiros matrias e

    reportagens abordando, devido ao julgamento a realizar-se no Supremo Tribunal

    Federal, a polmica do uso de embries humanos nas pesquisas com clulas-tronco.

    Estes produtos jornalsticos devido superficialidade, a busca pelo ineditismo ou at

    mesmo a interesses outros, criam uma pesquisa cientifica distinta daquela realmente

    efetuada nos laboratrios, na qual so minimizados os riscos, prejuzos e muitas vezes

    utilizando-se, em reportagens com foco nas pesquisas com embries exemplos de

    melhoria de determinadas doenas alcanados com a utilizao de clulas-tronco

    adultas. Isto por vezes gera na populao que tem nestes meios de comunicao a nica

    fonte de informao equivocadas concluses. (MASCARANHAS, 2006, p. 91)

    376

  • Consideraes finais

    Admitindo-se que o Supremo Tribunal Federal declare constitucional o art. 5 e

    pargrafos da Lei n. 11.105/2005 e sendo liberadas as pesquisas com clulas-tronco

    embrionrias no Brasil, estar sendo, apesar de todos os frgeis argumentos indicados

    no voto do Ministro Carlos Ayres Brito, preponderante o direito ao progresso cientfico

    em relao ao direito vida e dignidade esculpidos no texto constitucional vigente.

    Ora, o direito ao progresso cientfico de uma sociedade extremamente relevante, ainda

    mais se consideradas algumas descobertas como a penicilina e as mais variadas vacinas.

    No entanto, a possibilidade de cura ou de melhoria de vida de algumas pessoas atravs

    do avano das cincias biomdicas, ainda mais quando se identifica alternativas

    cientficas para tal, no autoriza os seus atores a todos os tipos de condutas, muito

    mesmos aquelas que atentam contra a vida humana.

    Frise-se que, ao contrrio do que quer fazer crer aqueles que defendem a utilizao

    destes embries para a cincia como uma til e solidria soluo para o problema

    gerado por estes embries excedentes, pode-se vislumbrar que muitos de seus genitores

    no daro o consentimento indicado no art. 5 da Lei n. 11.105/2005. Logo, ainda que

    liberadas as pesquisas este problema continuar a existir. Urge, preliminarmente,

    portanto, algum tipo de regulamentao a fim de disciplinar a conduta destas clnicas a

    exemplo do que j ocorre na Alemanha e na Itlia, evitando-se a criao destes

    embries excedentrios.

    Ademais, no se pode solucionar o problema dos embries excedentes gerados a partir

    de procedimentos biotecnolgicos no regulamentados, com a simples destruio destes

    embries, ainda que sob o argumento da salvao de outras vidas.

    Outrossim, indaga-se o alcance que as pesquisas em geral e as com clulas-tronco em

    especial (estas pesquisas so extremamente caras, necessitando de elevado

    investimento, cujo retorno so garantidos com a obteno de patentes) tm na

    sociedade. Se ponderado o princpio da justia que estabelece a distribuio imparcial

    377

  • dos riscos e benefcios identificar-se- uma enorme lacuna. Os resultados alcanados

    com estas pesquisas por certo no atingiro as classes mais pobres da sociedade, sendo

    seus destinatrios, conforme j ocorre em relao a outras inovaes biotecnologias,

    apenas as elites. Logo, o to clamado direito sade tambm no ser, por certo,

    atendido com a liberao destas pesquisas.

    A deciso que passa a configurar-se no Supremo Tribunal Federal alm de contrria aos

    fundamentos do Estado Democrtico de Direito institudo pela Constituio Federal e

    aos princpios ticos, no pe fim as complexas questes que envolvem os embries

    excedentes crioconservados.

    Por conseguinte, verifica-se que as razes trazidas pelo Ministro Carlos Ayres Brito em

    seu voto, no justificam a permisso da utilizao dos embries crioconservados nas

    pesquisas com clulas-tronco. Alis, esta autorizao desrespeita os princpios ticos

    que visam promover o bem, em relao aos pacientes portadores de doenas e leses

    incurveis, mas sem causar mal, que no caso em tela seria a destruio do embrio de

    um ser humano.

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