Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

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Capa Sumário 1 CARROSSÉIS DO INCÊNDIO Fabrício Clemente

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Capa

Sumário 1

CARROSSÉISDO INCÊNDIO

FabrícioClemente

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Folha de rosto

Carrosséis do incêndio

Fabrício Clemente

Capa sobre colagem de Dheyne de Souza

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1ª edição – Goiânia – 2010

Copyleft by © Fabrício Clemente. É expressamente proibida a NÃO reprodução total ou parcial desta obra. Todos os direitos perfurados por Plágius Editora ILtda: Rua Toda Banda, 666, São Caos, Capetão.

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Sumário

Capa..............................................1Folha de rosto................................2Sumário.........................................3Epígrafes.......................................4Ataúde de Artaud..........................5Matéria..........................................7Congresso espiritual......................8Do topo do Não.............................9Um sopro, um beijo no barro......12batismo .......................................13o bufo bate boca .........................14Estatuário da escória...................15outsider .......................................16cavalo do caos.............................17Enquanto.....................................18Acossado ....................................19aprisco de taras............................20Remissão.....................................21Infância........................................22Cianeto........................................24a sopa do poeta ...........................25Banquete e vomitório..................26medida de merda ........................28Da sacada....................................29Hard Times .................................30Presença......................................31Barulhos do passeio....................32Vocabulário de vácuo..................34no encalço do encanto.................35Exercício Urbano........................36Bagatelas ....................................37

noturno em mal maior.................38elixir............................................39estações aturdidas .......................40Visão de viés...............................41de luz e de lampejo .....................42os moinhos dos lençóis...............43Missa de sêmen ..........................44Sob a luz da máscara Ritual .......45There is none like you among.....46profere ........................................47as fendas do muro.......................48eu vi o corpo-incêndio.................49Distinções ...................................50Eu vi atrás dos olhos...................51a Bruxa Bromélia fala.................52Rastro..........................................53Contra tudo que não for loucura. 55Lócus ..........................................56o fervilhar da vinha ....................57posse ...........................................59refém do orvalho.........................60psicose maníaco depressiva........61Manifestos Fim de linha..............65

I - Colapsos.............................65II - Soneto branquinho............66III - Zezinho azimute..............67IV - Revisionismo..................68Fim de Linha..........................69

Epílogo........................................70Abraçado ao meu rancor.........70

Dados do ebook...........................71

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Epígrafes

Fogo espalhado com malícia. Outro não foi. Fui eu.

Fiz que tudo ar- desse. Depois, pisando nos gravetos,

colhi do geral es- combro a mais apurada gema.Rodrigo de Haro

Há gente que se apossa da loucura, e morre, e vive.Depois levanta-se com os olhos imensosE incendeia as casas, grita abertamente as giestas,Aniquila o mundo com seu silêncio apaixonado.Amam-me, multiplicam-me.Só assim sou eterno.Herberto Helder

Quantas voltas eu deisó o meu amor saberá.Péricles Prade

Sumário 4

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Ataúde de Artaud

o ataúde de Artaudestá guardado nas gargantas que negam ao gracioso ocidente um sono sem a lembrança de suas vísceraso cenho do poeta suspira na camisa de força do séculovomita gargalhadas de rosassobre as bombas de gás lacrimogêneo do afeto fascistasobre os gafanhotos que farejam massas de manobrasobre a Ordem adornada pela destra do deus-moedaque nos guarda de nós mesmosque nos tranca a vida exaustaem esgotos de cetimo poeta rumina as ruínas e reconhece a pulsaçãosabe da conspiraçãoinsulta e alega retinindo romãs de Heliogábalofrente às bombas que berram contra a anarquia dos astros saturno sangra sua sombra sobre as ruase cantatambores de outros bruxoso sol subterrâneo dança de mãos dadas com o ataúde de Artaudgrita o Momo, contra o cárcere de corvos, quintessência acuada deste mundo de merdamito da mordaça dissolvida em nossas veiasdesde o berço eletrochoquedesde a dádiva do júbilo gerenciadoo horror da magia negrano encanamento destes diasno leite desprovido de lampejona fome frutificando afasiano estrondo do espetáculonos jornais jorrando jaulasó Roberto Piva, terrifica esses tetos com o ciclone do infinitoó Garcia Lorca, ó comboios de revolta no coração do olhar ouriçoó Allen Ginsberg, o dia despeja a irritação do real em meus olhos

Sumário 5

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O ataúde de Artaudestá pendendo pontes na beira do abismoestá pateando contra o câncer do Tempoestá sonhando a crueldade de uma tropa de estrelascontracultural e magnífico o Crime cru e verdadeiroa Porrada Primitivanão esse fosso legitimado entre gládio e palavraessa lama premeditada pelos gráficos do medonão esse muro de miséria coroado por coturnos de presas raivosasnão esses cassetetes descendo sobre sexo e carne frescamaldita voz entrelaçadapelos lençóis do horizonteó William Burroughsó Claudio Willeró conhecimento dos abismosó gnosticismo do meu ódio estraçalhado alhures Terror do Tempoo ataúde de Artaud está brilhando no alto da montanha bailarinafumegante atavismoo ataúde de Artaudsangrando pragas tange a utopia atormentada em topázio

Sumário 6

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Matéria

O grito grave dos naufrágios,as mãos do mar em forcas glaucas,os tais batéis estraçalhados,entre memórias de afogadossão o princípio deste canto.

O trigo, o traste das fronteiras,os olhos tristes triturados,a voz moída, mais que muros,escuro, treva, anulaçãotangem gagueiras e guitarras.

Estas ausências, estas margens,os vultos firmes, os espectrosrondando a cama, os parricídios,as entrelinhas dos murmúriossussurram urros em solfejos.

As pontes, fontes do intermédiode sonho e vida não sabidos,os guarda-roupas aturdidos,as exceções da noite ambíguacelebram címbalos farpados.

Substratos prenhes desta vida manietada em arabesco cordas de baba incandescentedos mapas múltiplos da mente:Tua pilhagem, teu presente

Sumário 7

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Congresso espiritual dos ranúnculos

Com as sibilas sacanas que roubam revistas de culinária vulcânicaCom os negros açoitados do teu colar hemisférioCom as fendas e as fotos das fossas estreladasCom as vozes do vulto no cárcere correntezaCom o lavrador de lágrimas no centro do mundoCom o jazzista pisoteado pelos javalis do júbiloCom a garota bordada no escroto do crepúsculoCom os rubis que num mar subterrâneo de relva navegamCom os poetas soçobrando na montanha de omoplatas que são péssimas dançarinasCom as vinte vezes virgens suicidasCom os índios mestres do xadrez-enchenteCom os profetas erigidos pelas figurinhas do infinitoCom o gosto de teu dorso de dáliaCom teus seios só sal de essência em ouro arcaicoCom a utopia das libélulas saqueadoras de manuais de meteoroCom os peixes nostálgicos da fogueira lacustreCom as viúvas carcomidas dos caramujos burocratasCom aquilo que se chamava cariátide no túrgido teu cultoCom meu amigo que tem uma poupança de muitos mil irreais para distribuir aos assessores sorumbáticosCom um grão de areia que tem o mundo entalado na gargantaExcita-se o insulto incendiário dos carrosséis do meu olho

Sumário 8

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Do topo do Não

O Reto, revelado na montanha de rapina em seus urros de urânioSeu rosto é um arabesco de achas sob o machado do solSeus olhos sofrem setenta cidades sentenciadas pela sombraSuas mãos fumegam, são dois castelos em ruínasSuas pernas entoam a embriaguez das rapsódias a roçar uma dança no dorso das nuvens

Há estradas triturando carvalhos em suas orelhasHá um violão de cordas verdes que tange a tempestade em seu peitoO mar corre em suas veias como o mugido das meninas outrora devoradas pelos aeroplanos da auroraRodopiam em seu cérebro cem rios absintadosSua pureza brilha como a crueldade crivada pelo carinho dos ClownsEm suas feridas fetos fermentam fontesEm seu sexo florescem sargaços açoitados pelo imaginário das manhãsEle clona claves de rosas aclamadas pelos clérigos de CamO Reto, a alma em borrões, o subterrâneo cenho, a miserável máquina das multidõesNão é morno ao tumulto da vidaÉ frio como o talo que estala na pele do outonoÉ quente como o bandolim que abala obuses com assombro de angústiaAnárquico seu arrimo de ciclones atropelando a selva que sedimenta em solidão os saltos do sonho É a soma das utopias estapeadas pelas tumbas do tédioÉ a asa rutilante de uma igreja caolhaÉ o sino que sobeja nos bordéis da brumaÉ o refrão das rodovias que insulta o cansaço frente às mentes frutificadas em estupidez

Bem aventurados os que têm fome de infinito, pois encontrarão numa vala fecunda forja de florBem aventurados os que sentem na intimidade da pedra o berro do cajadoBem aventurados os trapezistas que assolam num surto as fendas celestesBendita a flor estuprando há séculos o metal do espírito apurado pela apatia

Sumário 9

User
Typewriter
User
Typewriter
User
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Bem aventurada a bailarina que balbucia uma lua epiléptica nos altares da línguaBem aventurados os velocípedes porque sabem no arco-íris crisálida e crateraBem aventuradas as abelhas que invadem com desespero de zéfiro o ouvido dos burocratasBem aventurado o vento de vespas no vitral Bem aventuradas as xifópagas que sobre o sexo carregam chagas de chocolateBem aventurados os meteoros ocupando em manada de tambores as ruas ressentidas Bem aventuradas as romãs Porque antes do dilúvio se desfez tanto intento que ribombava em banquete de arroubosBem aventurados os acordes-centopéia dos naufrágios Bem aventurados os motins dos moleques imantadosBem aventurados os automóveis-magnólia nas milhas da mente que foge do Minotauro Porque assim perseguiram os piratas que pariam antes de vósBem aventurados os cascos de tartaruga na auréola das ereçõesBendita a mão faminta que castiga o piano do crepúsculoBem aventuradas as cúpulas, porque desabam, em sua verticalidade de hímenBem aventurados os subúrbios com sede de circo porque serão saciadosBem aventuradas as nuvens laçando o olho de lhama do estrangeiroBem aventuradas as planícies pederastas do improvisoBenditos os que derivam e liberam lampejos de lírio na loucuraBem aventurados os casarões corcundas brincando de roda na tempestade do parqueBem aventuradas as amantes de melificas meias pretas sob o vestido-arrebol que se desfolha em farfalhar de leite alheio à pilhéria Bem aventurados os rios em fúria de afasiaPorque o quelônio era aquário de alquimia acocorada no conluio Benditos os mamilos elétricos das vinhasBendita a chuva, essa corça zarpando em rosáceaBendita a pétala estendida no horizonte onde se abraçam baleias e oboésBendita a aberração nos porões da Babilônia

Sumário 10

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BenditaA trave tentacular nos olhos da eternidade

Bem aventurado o RetoNo ziguezague do azulNos caracóis do caminho

Vetiver entre víboras pôde ouvir sua vozTeve as pernas transmutadas em trinta planetasE se perdeu sob os pés dos platôsO Reto plantará mais passos pelas plumas do tempoProliferadas as precesRestarão, quem sabe, alguns sulcos insurgentesNo solo, na sílaba do último homem

Sumário 11

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Um sopro, um beijo no barro

A tardecom a pele próspera de cortes,migrapelas minhas pupilas.

Tramaentre as torres do tato

recapitula o castelocravado com cuidadono crânio do jardim.

Sumário 12

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batismo

naufrágio no pulsodo vão da verduraporão que perjurana pança do impulso

menino expulso do cais da canduraaprende a loucuraem barco convulso

e o vento de vinhovai redemoinhosó sino de sal

feliz o meninosacode esse sinomergulha no mal

Sumário 13

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o bufo bate boca com o bafômetro

Eu gosto de beber falando de fronteirase de gritar poemas pela tarde atadaaté que se libertem dos canis do nadacrepúsculos-canzis mordidos pelas freiras.

Arrotam canibais as fuças das torneiras,tufões deste meu vômito na barricadaque não se sobrepõe, porém, ao pão da arcadade périplos bebês brigando entre ladeiras.

Eu vejo girassóis sangrando em sanitários,eu vejo os aviões de úteros trancados,e quero que se fodam os desavisados

que acham que meu choro é choça de corsários,pois saibam que as videiras desses vaticínios são barcos de outros alcoóis, ventos retilíneos.

Sumário 14

Page 15: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

Estatuário da escória

Esta nuvem que trama, então trompete,é trincheira entre traves no meu olho;o flanco em fluxo inflama e já reflete – uma rosa com asas de piolho.

À entranha do azul – condão – competeeste número, a forja, a foz: escolhoeste número alegre, este restolhodesfiando dragões. São trinta ou sete

carrosséis pela fuça, febre em festaentre as garras-guarida dos escombrosengastados no acaso dos meus ombros.

Com o corvo e a curva, a rosa atestaque há cidades de vinha mais espessanesta vida forjada em voz avessa.

Sumário 15

Page 16: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

outsider

fagulhas de gelo, vento que crava no peitoo tropeço atraso dos diascada esquina quasecada vez mais antescada tanto longecada vez mais nãocada palmo impasseem lugar nenhum

Sumário 16

Page 17: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

cavalo do caos este que desfia tais demênciasé meu hóspede, um demônio perdulárioou serei eu, vapor de virulênciaseu hóspede inconclusoargamassa de medo amando morsasgritaria gozando em sóis-fracassosnuma esquina, soberbo multiplica espasmo outrora entrave e correntezasubterrânea seringa que me singrae sorve naufrágios frutificando fratricídios

Sumário 17

Page 18: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

Enquanto

meu passo despejado neste barcoque se chamava noite noutro cicloem horas aturdidas se corrompee pede aos deuses porres de pomarespra me desintegrar vai mais distantedizer que destra é cinza e goza em salestátua do meu sexo em jaula-risoeu vago pelo vinho atravessadopelo punhal de parcos comprimidose a lua, esse arroubo de luz brancaque é vida se lustrando em língua-guizome diz que não quimera já fastiomas fujo, fujo em credo de craterasem me saber ogivas lentas quedas

Sumário 18

Page 19: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

Acossado

as gengivas do céu inflamamsete cestos de lapso

Sumário 19

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aprisco de taras 1

canção de gume engastado na guelra das galáxias brinca de abrir brechasno corpo da manhã 2

arquipélago pulsante perambula pelo poetamútua marcha de morangos

Sumário 20

Page 21: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

Remissão Ajuda-me a fugir, estou com medo,os muros da memória cerram punhoscontra meus olhos prenhes de estilhaço.Fica aqui, eu te suplico, tenho gosma,fel sem fim refulgindo nos meus poros.Atracados, entre si, meus travesseiros,faz um mês, com chacinas de expressão;ajuda-me a querer que estou tão cortepolido pelo pus desta cadência.Ajuda-me a não ser que estou mordendoteus dedos, teus neurônios tua víscerado dia, da deriva das bromélias.

Sumário 21

Page 22: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

Infância Castelo vadioQue trava os sentidosMeus barcos fingidosPerseguem seu cio

As veias do sonhoSão seus corredoresA minha loucuraQue fere tambores

Castelo de trigoSocando centaurosNos ombros feridosDe cada edifício

Castelo de lamaNo dorso dos carrosQue seguem saudáveisAté o precipício

A noite antecedeA senha-serpenteDe árvore, gripeNa vulva do vento

Os ventres das morsas Rugiam regatosLuziam no peitoNum sopro só sono

Do céu que surgia Do sexo da lua Ficaram a ruaO sopro e o guia

Sumário 22

Page 23: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

Castelo famintoQue dança em meus cíliosNa luz dos exíliosNo baço-absinto

Não mente ou escavaSem calo de auroraMeu medo te adoraCastelo de lava

Castelo-amuletoNo fundo da fomeDançai! Sem que o viçoTe cale ou te dome

Me trava os sentidosCastelo vadioMeus barcos banidosContemplam seu cio

Sumário 23

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Cianeto

vigia, pois as vigas do real ruindo como galos alopáticos escavam gritos túrgidos e enfáticos que exigem que você dispense o tal prurido que se vê prismado em sal modulando teus olhos sempre erráticos que gostam dos princípios sorumbáticos da memória curtida em fuga, qual colina coroada por esporas de vinho vicejando ventania pois sérias são as sarças cristalinas: vigia, mas nem tanto, pois as horas – aliás, vê se esquece, e não vigia que de berros mais valem turmalinas

Sumário 24

Page 25: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

a sopa do poeta

hospital sem curvaprenhe de presas desprovidas de pronúncia

nenhum orvalho no olhar da colher

Sumário 25

Page 26: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

Banquete e vomitório o vento desfaz meu corpo em cubos de carne que rolam na direção das praças em prazer de imprecaçãocomo estão caudalosas as cornucópias dos barracõescomo se concentram os corações dos esquiloscomo estão fraturadas estas frutas na fragrância mictórios abrem as asas de zênite para os broxas imbricados no brilho dos trilhos uma menina chamada javali engendrava um engradado de agruras no gramado do meu cérebrocoretos de diamante quebram os olhos dos pardaisestou agonizando em um quintal portátil onde um disco voador serpenteia meus impulsos numa rigidez que rejuvenesce mamilosimperam nos passos punhetas apinhadas de atentados o amor, nas cores das mortalhas, verde lilás, cor do número cinco e corvos nas tomadas elétricas talhadas nas vogais lisonjeadas pelas línguas do azulejomeu delírio é um trator desembainhando um cadáverhora de oração ordenando um horóscopo estendido sobre a bunda dos caldeirõesestou me matando num rabisco de neblinaesta boceta boquiaberta lapidando meus cílios de urso popularum bar, uma barricada, uma goiaba cavalgada pelo vulcão de Baudelairepiquete Possessosuicidei teu braço manequimquero ver agora as varizes do arado na costela da noiteum sapato fumegando sobre o número cincouma gargalhada de adágiosuma besta-fera encravada na unha das manhãsa festa enfara e agora são as rãs me perseguindo enquanto caímos num esgoto do qual jamais nem jacinto nem gim poderá nos jantarEu estou com a menina que galopa minha ânsiaAnta Assíria no aço alopático do jardimestou saindo do útero da pedraminha morte atravessa uma ponte onde Deus chora uma metralhadora de amoras

Sumário 26

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estou no canto esquerdo do seu golea vida está vazando muitoos hospitais são um carrinho de brinquedo na mão de uma banana bambinaos ralos do rubi mastigam minha amante e mentem sobre o destino dos subúrbiospenso que é o fimpenso que é uma forca de fezes este festimpenso que o formato da minha fala está fodidoantevejo uma escuridão maior que o mundoenquanto as falanges gritamAURORA AURORA AURORA AURORA AURORA AURORA AURORA AURORA

Sumário 27

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medida de merda

mutilando os armários da memóriadescobri a total analogia:minhas tripas são trinta mil vadiasque só quaram no escuro a mesma história;

é por isso que o mundo desconectacom síncope-cisterna de panteraquando a mesa de túneis, insurreta explode em véus, sorrisos, ervas, eras,

corujas, barracão, gibis, adaga,incesto, sacrifícios, desalentos,sóis, covas, cor do cosmos que se caga,

mortalhas, irisadas, estaçõesdos meus ciclones, sós, aturdimentostão surdos quanto um surto de senões

Sumário 28

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Da sacada

1

congestionamento de crepúsculos,enredo em exausta latariaduro dorso da serpente

2

edifícios lentos atiram punhais nos olhos das nuvens

3

tumbas atarefadaschovem até a alturachafurdam no chumbo punho celeste.

4

este álamo que tropeça em fuga,vai cintilando com a noite fincada nos ombros.

Sumário 29

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Hard Times

O Sol carece de sol na sacada,rangem seus raios na cadeira de rodaspara a higiene do calor.

As libélulas do cilício começam latejarno corpo, que só chameja chagas.

Carece alívio - agulha etérea;estende a mão, gesto sôfrego chamando:A névoa-enfermeiraprepara a morfinaenquanto a cidadepassa por tempos difíceis.

Sumário 30

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Presença

O vento vaticina com as ancas:Dervixe me chamando na janela

Este diavai dispersar seus membrosnuma torrente estarrecidapor minhas veias inúteis

Sumário 31

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Barulhos do passeio

No vestígio da visão,sangram os dedos dos edifícios:Como uma cancela de alcachofra,como um querubim banguela em nostalgia de trompetes.

A carne da noite anuncia seus primeiros sóisfeitos de frio,fusos e fezes.As putas fulguram, candeias corrompem, conduzem augúrios, mamilos metálicos.Fluem feras no asfalto.

Nestes becos o crime é o vento cultivado por duendes de cimento;procissões opacas de nuvens e de guardas catequizam nelumbos nas janelas,Topam-se tépidos traficantes transidos,trotam os atores e delatores da ruína,serenos pederastas apalpam o paladar dos precipícios,o pau do crepúsculo se ergue como uma ponte atenta ao totem do outono.

Para que nenhuma lápide apresente suas protuberâncias de fênix, o parto púrpura do horizonte cospe a Fera em Black-Tie;para que nenhum sobrevivente do ciclone masturbe ondinas e lampiões,o horizonte das veias se dilui;para que o infinito rumine o próprio fígado de palimpsestos emplumados,os sonhos mastro e mel dos paramédicos medem as pulsações do Minotauro.Perde-se a conta dos cordeiros do Tráfego.

Eu sou o vate aviltado pelo vírus do vácuo:Tenho camisas de força com estampas de margaridas, Tenho alegres atrasos para meu sexo embrulhado em girassóis,Tenho taras teatrais entorpecidas em tarô;

Sumário 32

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No bolsoum mapa e um areal:A vida borbulha no cálice do crânio Transbordando tempo

Sumário 33

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Vocabulário de vácuo

Dístico impossível do desterroCorrosão sem carícia – as esquinasMe puxam pela mãoExpirar de pombos talhados na fumaça dos cigarrosMeu sonho que nenhuma esfera reproduz em pedraCalos das calçadas em que passantes empalidecemPiras pela testas do TempoProlifera, Cidade, irrompe em mim como um sino açoitadoE relata o medo de tuas turbinas de carneO sopro deste dia sustentará minhas víscerasColho hélices nos hemisférios desses olhares-catacumbaAprendi a morrer em ti, nada esperando além do acorde das distânciasImproviso anjos, abutres e bússolas no teu aprisco-desesperoQue vibra, vibra Teus seios seriam sonatas de rosa e salivaMinhas mãos emaranhadas cumprimentam o ventoAs cariátides grasnam caindo sobre bancas de revistaHá sempre os carros e seus passos de dançaHá sempre um faquir falando dos fossosGárgulas se ajoelham e rezam aos passantesSão garotas de lágrima e numes de nojoSão risos sonhando nas fendas do espaçoAlgum abandono gritando punhaisAs vozes da avenida desembocam em meu cérebroFaltando, sempre, em claustro-arbustoProssigoO caldo do caos me conduz

Sumário 34

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no encalço do encanto

o sol, cenho sanguíneo ensaia a surra, o vômitoescamas de pantera de cimento armadorumina várias ruas com revólver líquidoadentra corredores desde a coxa trêmulade uma garota em trapo solfejando insightsdissipados lá longe numa testa-grutano pescoço dos moços tatuados, límpidostravestis exauridos numa infância a lesteaplicaram certezas de uma ordem dáliaassim não se despede de um sentido em résteao deus destas ausências com seu sangue-lequeos ossos operários da carpidaçãotrituram hemisférios com legado enfadosacrificam estúpidos impérios, becoscom chuva de centauros alegando enlaceespera, corvo, foge, ou vai guiar lençóis de lápides ou beijos sem valor de vozsem cetro e sensação na sílaba de luzdo peito, se entrevisto, o lírio tão de pus

Sumário 35

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Exercício Urbano

Emigram das mãos migalhas de ausência;resíduos-rapsódia ratificam derrota;moedas de morte, os olharesdessas feras cabisbaixas;avesso dos beijos, confissão dos naufrágios.

Sílaba de lírio em suicídio subterrâneo,Babilônia berra, sirene de augúrios;pelos poros do ar o mundo vomita:Vaticínio das veias é o óleo do rio.

Quando passares pela pontesobre o rio mutilado de merda,te furtarão quimeras de frigorífico -entãoolha para a janela mais alta do instante,em seguidaolha uma vez mais para o rio que range: A vertigem voltará.Terás medo de cair;temerás que te empurremou que lances a ti mesmo,ou que lances outro alguém.E saberás que estás perdido.E saberás que estás perdido.

Sumário 36

Page 37: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

Bagatelas por só acreditar nessa bagagem bufae flácida tangente de ouriços mortos deixei sob um açoite quatrocentas xícarasvazadas pelo tempo num torpor de morsa meus olhos são lagartos dissipados, avese com plantas carnívoras dissolvem veios de ser tão espontâneo em pedra e luz sem berçomeus olhos são crianças na chacina-aurora há cobras e gaivotas sobre um mar de múmiase cruzes trituradas como um sol num saco diriam minhas vísceras de clown, de lebreque resta uma bandagem para lancha e tela a vida que desaba qual cometa manconão sabe se insinua se a nudez do rastro é ruga de sonâmbulo em lã lacradoassim não sendo espelho quando a chama inverte a forca faz barulho, as borboletas bêbadasdisseram-me sedentas que calasse logo então tive a visão de uma curva em ristedizendo que os cachorros vertem meteoros feito ânus de harpias, fulminadas, fixas por uma língua rota de mercúrio e lama

Sumário 37

Page 38: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

noturno em mal maior

esta noite tem também o seu encantose atira de todas as janelasespalha seu corpo pela cidade

eu me sinto passarnauta na nuvem do nadaum berro um beijo um poemacravariam meus becosno escárnio do espaço

Sumário 38

Page 39: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

elixir

estava quase morta. Da cabeçapendia um edifício em ventaniaseu busto bocejava cem enguiasagora estava infância e disse: Nada

mancou suas mandingas na calçadamenina mais sacana que uma piamais cheia de arco-íris que de harpiasos rebanhos de out-doors crivando a fada

rezaram pela calma quando o sexoderramou automóveis emplumadosna Fissura de um bardo burocrata

e a Noite quando Estrondo foi convexodestilou suicídios adestradosgozando com gorjeio tecnocrata

Sumário 39

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estações aturdidas

raptar pelo ritmo a rota do tempoo ouriço me saúda enquanto chupa as estrelaseste ônibus desliza pela pança de uma ninfacesariana de vácuo, a engrenagem grasnandoas palavras conspiramentre as transas do trapézio trotam carrilhões de veias bufando

conversas alheias brotam flores de carne em minha almame espremo disperso nesse enredome coloco qual névoa na paisagemparalelas trocam ofensas em correnteza de éguas de luz amarela e vermelha sem rastro ou atritoa ponte suplica com olhos bondosos sob a noite esmagadao rio blasfema na cama de traças

flui o ônibus falando sua língua de lâminabarco entupido de precesbanco desconfiado do cansaçoimpacto do cosmos castrando, planejo poemas e escorropelo vidro, um ralo de desejo

Sumário 40

Page 41: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

Visão de viés

Uma torre, um turíbulo castrado,uma fonte de nódoa circunspecta,seis chacinas no esquerdo vulto alado,quatrocentos arcanjos de aura infecta.

Edifícios rezando sobre o pradode concreto. Fumaça que detectaesqueletos rolando como um dadono horizonte de crina ressurreta.

Vinte símios derramam caldeirõescom cabeças de bruma em pura lavadissolvendo o clamor das multidões.

Tão exata, a vala do infinito,a salsugem do tempo, o que se escavano tórax marginal do céu proscrito.

Sumário 41

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de luz e de lampejo

a lâmpada tão triste e tão manetame veio perguntar se eu tinha luzfalei dos meus relâmpagos de pusquando ela me fez cara de cometa

por isso dissipamos em obusera melhor pra mim, pois a paletaestava puro vulto: carrapetaque gume, e fascinada, se conduz

era melhor pra ela, que destinoé coisa de engrenagem ou condãofendidos, desistimos de antemão

no cosmos caminhamos distraídosna prática de um rio clandestinoque corre em nossos saques e zumbidos

Sumário 42

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os moinhos dos lençóis

no momento da mandíbula da madrugadasaquearemos a cidadeforçaremos os portões do seu sexoaturdiremos as torres de seu dorsovestiremos suas mortalhas de néon a cabeça do tempo serviremosna bandeja do instante

um piquete de panterasuma greve de groselhaum manifesto de cetimuma asma de eloqüências entre os dentes teu lamentoquando aos beijos o bramido do impossívelo insulto inspirado pela estrela eriçada

o rastro das ruínasé nossa essência no megafone-magnóliaum cavalo de névoa estertorae me assinala em azuluma gata engastada em mito e maracáplanta um ciclone em meu cabelotodos os músculos da vidasão nosso mastro de macumba elétrica

operários da irresponsabilidadesacerdotes esquivos do Quasegingaremos na avenida do horrore no momento da mandíbulada madrugadaforçaremos a Princesaa parir um ranúnculo

Sumário 43

Page 44: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

Missa de sêmen

Mamando o diamante dos mamilos,caserna em seio, cântaro do caos,torrente encantatória sem ponteiros;meu culto te noturna e te mergulhae vira tuas vísceras de lua.

Selando sóis-clitóris monto imageme singro na roseira de napalmdo teu relato rútilo de arroubosconsubstanciando-me no ritmodessa umidade esguia me gemendo.

Confundo-me, revolvo, torno à baseda tua onda-cúpula, matiz.Centrando sincopado, o céu, prosseguebatendo ombros, gotas na janela;lavor, veloz, as asas vituperam.

Locomotiva lépida e demôniocavalga, salta, foz de furacões,de rios tão leitosos quanto fome,que engole o mar, planeta fugidio.arfando, fulgurando, qual turíbulo,

o céu se recompõe - é dançarinaque após o espetáculo se estendeno dorso teatral do Arco-Írise aguarda no silêncio o gesto-harpaque vai desencadear mais movimento.

As lâmpadas sorriem como santos,o mundo veste avesso, os objetosse vestem de outros signos, mil velasaté conduziriam à campinadas tais infâncias-vento, vítreo rio.

Sumário 44

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Sob a luz da máscara Ritual

Como um poema epiléptico, teu corpo estertora mordaça e grasna grilhões. Puro silêncio. Reverberam as rosas, lentas, do movimento, que socam – em delícia – o sol do meu sexo. Harpa-abandono por onde sonham anjos com mania de meteoro. Êxtase pelo chão e pelas paredes em que espalhas as constelações canibais de tuas coxas. Vibra ainda mais entre rochas e a sucata dos unicórnios e das casas noturnas. Das calçadas de turmalina sonhadas pelos cães com cabeça de lagarto que atacam os passantes nos dias mais tristes da cidade, as torres de energia acenam asas em nocaute para um parto sem voz. Há distâncias em sua vela invadida por veleidades de veneno. Dor ancestral dos olhos só névoa. Denso. Denso. Tuas vísceras enlaçam a vida e os resíduos subterrâneos do desespero, da noite estraçalhada – vitupera – a boca entupida de fome faz gestos à lua. Beija-me, melifica-me, mortalha: num leito de enfermo fulgura um regato, de lava, que segue tuas curvas. Os ossuários do sexo – a ferida falando – em vulcão – os labirintos – de pêlos – santificados – em suor. Vaticina e recrudesce este universo. O mundo se destroça em colisão com teus espasmos, babando, o gozo da mandíbula sem alma. Tudo escombros, transubstanciando sentenças. Tira-me daqui, deste dia, deste tanto tardio. Devagar.

Sumário 45

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There is none like you among the dancers

punhal ensolarado de sêmen some certeirono olho do precipício

a dançarina é uma onda em rapina de rosaprisma prazeres desprovidos de prumo modula em morango movimento de asaspágina de pulsações em que cravo minha carne

crisálidano clitóris do castelo clama o clima de clarõesdois jazzistas furiosos navegam anorexia dos neurônios

casa de cadência colírio do caosredentora da revoltarola em cem planetas como cama de nuvembalbucia balaústres de babelme conduz – incandescências - ao cassino do cosmo

o dorso do daimonrodopia sem remorsona dádiva do delírio

Sumário 46

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profere

a palavra impressa em fomeé portão de tempestadesé clamor que então contestasobre a voz guarida e nódoaperipécias, atentadosonde a vida tira a roupatem de sobra ausências, febrefesta em fulcro e falo sujofala e fere e fulge enfiaclaustro e clama, vituperaa palavra gasta gozana garganta gulosafaz rolarem silênciosnum ruído de rosa

Sumário 47

Page 48: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

as fendas do muro

à Moema Seus cabelos são uma matilha de casarões entre os ventos de meus dedosUm lago fita infâncias nos seus lábiosTodas as janelas foragidasVejo um tango de icebergs nos carrilhões dos seus olhosAí certamente adormecem os nômades do basaltoAí saltam girassóis de cachecol chamejanteUm martírio de morangos em suas orelhasOs pedestres gritam greves azuis pelos seus porosUma lâmina estende mesquitas de néon pela explosão da avenidaPersiste um planeta de puro amorNos gestos de seu colar ancestralNa máscara prismática do imprevistoNa pele incandescente, na surdez das planíciesEste dia desliza pelo clamor sem raízes Seu rosto é um pomar de tigresDuas fontes de mãos dadas descem a calçadaCrivando as rotas com ritmo de rinoceronteHá um jardim que afirma no fim de cada teu gestoQue o ferrolho do infinitoOutorga-nos horóscoposDe puro orvalho

Sumário 48

Page 49: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

eu vi o corpo-incêndio do Fantasma

a asa de Celina em sonho arvoraprecisa de mais cores, de balõesinsulta cem sóis mancos com borrõesum giro incendiário, e vai embora

um fosso de falenas estertorae fodam-se as milhões de internaçõesque medram sua vida nos porõesa vida de Celina em flama e flora

ornitorrincos bebem torreõesa sanha dos ciprestes sonha o sinodo sol, do tal tormento dançarino

da vida, que babando seus refrõesé nuvem pétrea, lava de afasiaque Celina sacode sobre o dia

Sumário 49

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Distinções

Falar, cravar palavras no espaço como quem assombra o bisão do jantar. Imprescindível distância. Este dia acocora em meus lábios, despertencido. É meu cume só. Quixote no coração do quelônio. Recheado de frases-gafanhoto, o deserto dardeja, dervixe, em chafariz canibal. Rotas esvaziadas. Estou musgo-imagem. Tango sobre as correntes, farpas, no alcoolismo – da aurora. Torres. Nasceria em surto de sal. Nada, nada, só jorro infinito dos vitrais do crânio. Paisagem-nudez – os corvos se curvam – em fênix – montanha sem asas – sento-me, solícito, como as estações do desastre – em arbusto-despedida. Balbucio budismos, abocanho barcos. De bosta. Virei uma lua – folheado em febre – pelo vento de orgasmos.

Sumário 50

Page 51: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

Eu vi atrás dos olhos do fantasma

A asa de Celina em sonho ancora,precisa de evitar internações,andando pelo campus com canções,um vezo vendaval no vão da hora.

Solidão, pura vida, corpo fora,cais de cacos, nascente de intençõesde Nada, saltos vivos, de poções,ou vinha vicejando – voz de amora.

Que pede além das tais constelaçõesde lírios contra teto detestávelou lago além dos traços de atonia?

Tez tão totem noturno, assombraçõesvão ferozes na folha, fonte instávelque Celina satura de poesia.

Sumário 51

Page 52: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

a Bruxa Bromélia fala de seu processo de recuperação ressaltando sua relação com as bruscas alamedas da amnésia

estava muito cega para o sol do sanguepor isso estertoraram sucessivas corescom braços com assombro com insulto e rendaraízes de um galope me crivaram gruta

volúpia e meteoros, mente em retiradaatada, tonta e tara com a voz furadacuspi o meu pulmão, o corvo, o saxofonee a vulva em vaticínio para pactos, vôos um féretro fiel como torpor de clonecom outra rota e muda me desfez sem grous

e vi do meu escombro os urubus bailando trotei escorpiões das penas mais ardentesvendi a falsa alma para o deus doente(trabalho era o trajeto dos meus céus em bando)entrei no meu demônio, fuso, foz, tridentemandei melhor macumba, masturbei-me em mambometi-me em mais abismos: dália e ditirambofizeram de meus lábios donos da orgiaescalpo-diamante – minha própria criavingada, era meu rosto, rápido, no dia

Sumário 52

Page 53: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

Rastro

à Dheyne de Souza, poeta fugitiva

Ela partiu de Dormitóriobem cedinho – disseramque o riso de rosa ruminavasóis de guitarra em aurora.

Quando o pássaro a pegoucom seu fusca pura nuvemas vozes quentes, de um velório,acharam o vento um escândalo.

Estava em asma quando pó,estava em rumo amor marasmo;precisos seriam os calosdo gesto reto repetindo.

Então era assima curva em lava, a foz de ipês?Conhecimento leva o tempodo sopro soltando o cabelo.

Partiu. Enquanto a cidade modelava em mais miragem,mais exemplos de venturana varanda de muletas.

Quem ficou? Que sabe o sangueque se busca em onda exílioda mobília deixadacom halo de alma sem mais?

Nas penas do peito, o das ausênciassente a cabeça cheirosa,da garota tenro olharde capim constelado.

Sumário 53

Page 54: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

Amanhã, cabanas de lírio,campo com taças e baganas.Se beijam. Pétalas, asasentrelaçadas, gozam longo

luar, um lácteo Lótus;saberiam do século e praticamdistrações à língua ou lume,vida em vida, suprimentos

não acabam nas cabanasda vertigem: Flor e Pássarode mochila de orvalho, alquimia,despojos leves do dilúvio.

Sumário 54

Page 55: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

Contra tudo que não for loucura ou poesia

A luz de draga e ponte dos destroçosdas paredes cavalgando pela noitedobrou a voz do mundo em riso-açoitee torre decepada, nó de esboços.

Felizes, nos juntamos como estrume,brincamos de ciranda e preparamosa forja de uma flor para tapumecom outra vida, estrada, e outros ramos.

Sem se prender a nada além de ausênciaslançamos lírios, louças. Em loucuratransamos o torpor das eloqüências:sabemos já da cúpula mais dura.

Estudamos alquimia sob o solpois tudo que há de novo é a vertigeme o busto da volúpia, em tal crisol,vazado em céu de surto. Muito virgem.

Sumário 55

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Lócus

à Mel

vieram da montanha inexistenteque havia sobre o ombro de um desejode lá trouxeram Fendas, flores, queijo,instantes, improvisos e a tangente

polegares de pólen eloqüente sem qualquer mágoa, pórtico ou bocejo.por eles se desdobra em bruma o beijodeitado sobre as lâminas da mente.

a cabana em que vivem é de vinhocom orquídeas pulando no estofado,assim brincam no dia dilatado,

são arminhos, e dizem os vizinhosque seus filhos são esses estorninhosdistraídos no lago constelado.

Sumário 56

Page 57: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

o fervilhar da vinha

1

o beija-flor, os lagartostanto piche nas patasdo céu

2

rosácea, diamanteparto de curvas no condão do olhar

3

marimbondo de mirtomorre no mel da imagem

4

cântaros se enovelamdecantam colunasdissipa tudo o dinamite do delírio

5

cantam colméias convulsivas

6

pela grama da gargantapelo líquen – pelos túneispassam hordas de horizontes

Sumário 57

Page 58: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

7

estilhaços de ilhasnas veias dos pássaros

8

estou trancadona barrigano grasnar dos tigresda manhã

Sumário 58

Page 59: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

posse

Enquanto a chuva te beija,não esquece, te dissolve.Parte, como a paisagemque a si mesma se devora.

Toda fuga é permitidaao que pilha o próprio punho;todo resquício é rosáceano trompete do trovão.

Estas folhas, estes diasfalam frutos violentos.Na mão molhada da terraas árvores cedem, se deitam.

Enquanto foge, não esquece:Remonta teu rosto,renova tua morte,vira rio, chuva, vento.

Sumário 59

Page 60: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

refém do orvalho

réstea de sol que lambe a malaABARROTADA.

vigor é ventania de vícios na volta.espirais de desejo, evocações,meus livros; uns passos pelo pólen dos lapsos.

este peso no peitoé sabor de se despojar,deixar pedaços nas pensões do tempo,se sentir crivado de acréscimocomo relvaque se rumina em rapsódia

Sumário 60

Page 61: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

psicose maníaco depressiva e coquetel de equinos na montanha

as montanhas me ensinam a tocaro alaúde-universo

em que me

enterroo tufão de mil cordas

onde nasço (as montanhas) eu gosto da canção do quintal (dos exílios) eu assistoa montanha fragata de fronteiras

de gramacarne pluma

(olho-incêndio) vincos vícios o solo

entorpecee dilata

e forçaem graça-agrura

a montanha de merda METO A MÃOvejo posso fugirvejo meu visto

dinamite respiraveste o sonho

cataclismo (de cercas) deste mundo

Sumário 61

Page 62: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

mortalha – muro – MARGEM QUE harpias com mandíbulas murchas contra o cosmos carbonato de lítio telescópios

eu me sinto acuadoeu não quero pacto esfera sentido ou alicerce

eu preciso quintal pleno de ausênciasa cabana-distância o promontórioo castelo rosácea choça em chamaso planeta-tentáculo fluindo eu preciso eu pensava mas não possoenterrar um planeta no meu crânio

as esferasas núpcias

os cavalosmorreriam de sede entre as estátuas rivotris e rosáceas ritalinasme acenaram com gráficos de álcoolmatarei todos os psiquiatrasque forçarem meus túneis a não nuvem

Sumário 62

Page 63: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

estrangeiro estrangeiro suas pernasestão é consteladas onde estava

tua vida de forças e finançasteu focinho de fotos de família

eu mateia matronaque crocita

no coreto do caos(não mais me fita)

eu matei O Papai

e a paz benditacomi minhas irmãs

(isso me excita)

enrabei essas rãscom pás e rodas

na montanha forjeivísceras novas

eu preciso da vida sem a bênçãodos corcéis de colírio dos sofás

entre torres de cuspe confinandosete seixos sonharam

sóis submissos eu preciso ir embora do destino eu preciso ir embora (eu preciso)

estourar este mundo(carrapato)

Sumário 63

Page 64: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

eu preciso montanha

e o mastro mudosilenciaprotela

submete

este pus este gozoestes sinais

partituras de lepra nos canaiseu preciso infinito

fosso

caiseu preciso eu preciso

NUNCA MAIS

Sumário 64

Page 65: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

Manifestos Fim de linha

I - Colapsos

As instâncias do insulto no azulejo;entre as portas e o sangue destes dias.Outras guelras em norte de solfejo,quando a morte recorta as afasias.

Estes deuses datados nas aziastêm um jeito de périplo sem pejo;desconfio que o reto, em realejo,vai cuspir a mortalha de euforias.

Muito estranho, saber que nos armáriosdo horizonte, crispado, em corolários,se desfez tanta tela. Desistência

das bromélias de brasa dos peixinhosque arremessam os astros dos focinhoscontra aquário selado em sonolência

Sumário 65

Page 66: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

II - Soneto branquinho

talvez por não haver o tal desejode construir a casa do caralhocom sílabas tão Vênus de cindidasreflexionando foz de estar aí

por ser bem distraído como as léguassorvidas por carvalhos acrobatascom elo à égua-leme de amiantoassim dissimulado ou potro péssimo

talvez por ser um tédio essa celeumado que não fede ou cheira: literárioesquema escriturário de exegeta

só forca especialista vegetala merda do poema vale a glóriada praga bem no seco e gargalhada

Sumário 66

Page 67: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

III - Zezinho azimute

porque bateram tanto no garoto?agora ele resvala numa vinhae limpa o cu da noite com caninhasabendo que as laranjas rugem roto

por que descerebraram o canhotovagão para guarás em que se aninhao lume mais sedento da doninhajá destronada, rã com dor de boto

que tanto de bromélias neste lusco-fusco lancetado em voz de alfaceque agora se estertora face a face

com o menino lento, traço etruscoque arrasta sua vida num trem balacaindo, dissidente, nesta vala

Sumário 67

Page 68: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

IV - Revisionismo

“amo o trote estrelado de tuas tripas” Fausto Féretro: por ocasião de uma bebedeira de bólides que terminou com um swing sem sombra no centro do mundo.

o cara que gostava de arrombaras portas mais de treva das burguesasquando os maridos iam trabalharpra por o pão metálico na mesa

chamava-se Hermengardo: era um jaguarque sempre no seu pau tinha surpresasabia retorcer em mil vilezasbonecas de butique à luz do lar

a mão de sonetista abria em brasasciclones nesses corpos de aconchegoe quando elas clamavam mais meu nego!

ele lambia o ânus feito lavae a lança bem de carne constelavao rabo desses bichos tão sem asas

Sumário 68

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Fim de Linha

o terrível problema da autonomia da arte na sociedade burguesa

(Astro Acadêmico)

mas, puta que pariu, eu aviseique não queria carmas no meu bifeassim até parece um esquifeou carne de um bicho que não sei

se é muro, se é centauro, réu ou reise é corvo ou automóvel, caos de grifese é útero ou clarão, nauta naifsó sei que não engulo assim sem lei

por isso, troque o prato. Traz migalhas!garçom feito de ramos de trovãoe vê se traz também um coração

assado com o gelo das metralhassensato, repetindo como as gralhasque a vida não tem mesmo solução

Sumário 69

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Epílogo

A sua arte não permite dois amoresJoão Antônio

Abraçado ao meu rancor

Quem ouviu a verdade do poeta?A salinha lotada – especialistas,limpos punks, gatas sado masoquistas,comedido cock-tail – para exegeta;

taciturnos amigos – mesma metade brindar altruísmos hedonistas:Textos de qualidade! Pessimistas?Sóis de um cu tão aceso – cu esteta.

E prossegue sublime o recital –feito a flor digerida – não faz mal –digeridas as mortes, as entradas.

Lá fora, na janela, cospe um corvo;alguns cacos de lua são estorvonos seus lábios de lâminas castradas.

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Page 71: Carrosseis Do Incêndio - Fabrício Clemente

Dados do ebook

A distribuição deste ebook é gratuita e sua reprodução total ou parcial é livre, exceto para fins comerciais.

Ebook composto no BrOffice.org 3.1 e exportado, com o mesmo aplicativo, para o formato PDF. Tamanho da página: 13,5 x 19,5 cm. Tipo utilizado: Times New Roman.

Preparação dos originais e digitação do autor. Projeto gráfico, capa e editoração eletrônica: Wilton Cardoso. Colagem da capa: Dheyne de Souza.

1ª Edição: 2010

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