Carta capital Cracolância

1
À base de ''dor e sofrimento'' CRACOLÂNDIA | São Paulo enfrenta o vício sem respeitar direitos humanos elementares nos municipal e estadual, a rede de saúde para tratamen-to. Em outras palavras, busca- se,pelatortura,umaeventual corrida do dependente às autoridades sanitárias, que ainda não possuem um posto de atendimento na Cracolândia. É a segunda vez que São Paulo fere elementares princípios de direitos humanos. Na primeira, usuários foram conduzidos à força para desinto- xicação. Agora usa-se a tortura indireta. Como alerta o especialista Marcelo Ribeiro, a estratégia não tem lógica. "A sensação de fissura provocada pela abstinência impede que o usuário tenha consciência de que precisa de ajuda. Ela causa outras reações, a começar pela violência." Na Europa e nos EUA, são utilizadas eficazes políticas sociossanitárias com respeito a direitos humanos. Por exemplo, os centros de acolhimento e as salas seguras de uso, que facilitam as ações dos agentes de saúde pública. Aliás, esse tipo de política é aprovado por Barre Simousse, vencedora do Nobel de Medicina. Em resumo, a prefeitura começou com a in- ternação compulsória e migrou para a tortura disfarçada. O governo do estado e o Tribunal de Justiça embarcaram na onda do sofrimento. Até o fechamento da edição nem o ministro da Saúde nem a secretária da pasta de Direitos Humanos se manifestaram sobre o projeto. • NA CAPITAL PAULISTA, O governador Geraldo Alckmin e o prefeito Gilberto Kassab deram sinal verde a uma operação da Polícia Militar para ocupar a região conhecida desde o início dos anos 90 como Cracolândia. O tal plano, como bem sintetizou a Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania de São Paulo, pela Coordenação de Políticas sobre Drogas, está baseado "na dor e no sofrimento" dos dependentes de crack. Os dependentes, como se sabe, ocupam uma área-alvo de reurbanização e objeto de espe- culação imobiliária, com incentivos fiscais aos interessados em investimentos. A Polícia Militar, já nas ruas, terá a tarefa de evitar a oferta do crack ao dependente e, caso escape o controle, não permitirá o uso na Cracolândia. Usuários sem acesso à droga entrarão na fase conhecida no campo médico por abstinência, produtora de sofrimentos e perturbações mentais. Aí buscarão, na visão distorcida dos gover- Arcaico. Para governo, a crise abstinência jara os viciados procurarem ajuda

Transcript of Carta capital Cracolância

Page 1: Carta capital Cracolância

À base de ''dor e sofrimento'' CRACOLÂNDIA | São Paulo enfrenta o vício sem respeitar direitos humanos elementares

nos municipal e estadual, a rede de saúde para tratamen-to. Em outras palavras, busca-se,pelatortura,umaeventual corrida do dependente às autoridades sanitárias, que ainda não possuem um posto de atendimento na Cracolândia.

É a segunda vez que São Paulo fere elementares

princípios de direitos humanos. Na primeira,

usuários foram conduzidos à força para desinto-

xicação. Agora usa-se a tortura indireta. Como

alerta o especialista Marcelo Ribeiro, a estratégia

não tem lógica. "A sensação de fissura provocada

pela abstinência impede que o usuário tenha

consciência de que precisa de ajuda. Ela causa

outras reações, a começar pela violência."

Na Europa e nos EUA, são utilizadas eficazes

políticas sociossanitárias com respeito a direitos

humanos. Por exemplo, os centros de acolhimento

e as salas seguras de uso, que facilitam as ações

dos agentes de saúde pública. Aliás, esse tipo de

política é aprovado por Barre Simousse,

vencedora do Nobel de Medicina.

Em resumo, a prefeitura começou com a in-

ternação compulsória e migrou para a tortura

disfarçada. O governo do estado e o Tribunal de

Justiça embarcaram na onda do sofrimento. Até o

fechamento da edição nem o ministro da Saúde

nem a secretária da pasta de Direitos Humanos se

manifestaram sobre o projeto. •

NA CAPITAL PAULISTA, O governador Geraldo

Alckmin e o prefeito Gilberto Kassab deram sinal

verde a uma operação da Polícia Militar para

ocupar a região conhecida desde o início dos anos

90 como Cracolândia. O tal plano, como bem

sintetizou a Secretaria de Estado da Justiça e da

Cidadania de São Paulo, pela Coordenação de

Políticas sobre Drogas, está baseado "na dor e no

sofrimento" dos dependentes de crack.

Os dependentes, como se sabe, ocupam uma

área-alvo de reurbanização e objeto de espe-

culação imobiliária, com incentivos fiscais aos

interessados em investimentos. A Polícia Militar,

já nas ruas, terá a tarefa de evitar a oferta do crack

ao dependente e, caso escape o controle, não

permitirá o uso na Cracolândia.

Usuários sem acesso à droga entrarão na fase

conhecida no campo médico por abstinência,

produtora de sofrimentos e perturbações mentais.

Aí buscarão, na visão distorcida dos gover-

Arcaico. Para governo, a crise

abstinência jara

os viciados

procurarem ajuda