Catalogação na Publicação (CIP)

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Catalogação na Publicação (CIP)Ficha catalográ�ca

CASTRO JÚNIOR, Paulo Honório de; SILVA, Tiago de Mattos. CFEM: Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais -- Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2018.

Bibliogra�a.ISBN: 978-85-8425-959-5

1. Direito. 2. Direito Tributário. 3. Direito Financeiro 4. Direito da Mineração I. Título. II. Autor

CDU342 CDD341.39

Copyright © 2018, D'Plácido Editora.Copyright © 2018, Paulo Honório de Castro Júnior.Copyright © 2018,Tiago de Mattos Silva.

Editor ChefePlácido Arraes

Produtor EditorialTales Leon de Marco

Capa, projeto grá"coLetícia Robini

DiagramaçãoBárbara Rodrigues da Silva

Editora D’PlácidoAv. Brasil, 1843, Savassi

Belo Horizonte – MGTel.: 31 3261 2801

CEP 30140-007

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida,

por quaisquer meios, sem a autorização prévia do Grupo D’Plácido.

W W W . E D I T O R A D P L A C I D O . C O M . B R

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Antes de analisarmos as principais teses acerca da natureza jurídica da CFEM, bem como a evolução do tema na jurispru-dência, é imperioso promover alguns esclarecimentos sobre a classi&cação das receitas públicas. O principal problema a ser resolvido, no que se refere à sua natureza jurídica da CFEM, é a classi&cação do produto de sua arrecadação: trata-se de receita originária (patrimonial) ou derivada?

Segundo Aliomar Baleeiro11, receita pública é “a entrada que,

integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições

ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto como elemento

novo e positivo”. O conceito de receita pública pressupõe a noção de entra-

da integrada ao patrimônio público de modo permanente. Por isso, há substancial diferença entre as meras entradas e as receitas públicas. Regis Fernandes de Oliveira12 ensina, nesse sentido, que nem todo ingresso constitui receita:

11 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução às ciências das �nanças. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 152.

12 OLIVEIRA, Regis Fernandes de, Curso de Direito Financeiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 126-127.

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Todo e qualquer dinheiro que ingressa nos cofres públicos, seja a que título for, denomina-se entrada. Alguns autores falam de ingresso (entradas provisórias), distinguindo-o de entrada. Utilizaremos as expressões como sinônimas.Nem todo ingresso, todavia, constitui receita. Há entradas que ingressam provisoriamente nos cofres públicos, podendo neles permanecer ou não. Destinam-se a ser devolvidas. Daí as entradas provisórias. Por exemplo: em dada licitação, o Estado exige um depósito, como garantia da proposta ou do contrato. O depósito in-gressa nos cofres públicos, mas, uma vez mantida a proposta ou adimplido o contrato, é ele devolvido ao proponente-adjudicatário. Se, todavia, houver inadim-plemento, poderá resultar em imposição de sanção, com decretação da perda parcial do depósito. Aí haverá a transformação do depósito em receita.[...]Ao lado das entradas provisórias, há as de"nitivas, ou seja, as que advêm do poder constritivo do Estado sobre o particular, sejam independentes de qualquer atuação (imposto), sejam dela dependentes (taxa) ou em decorrência da realização de obras públicas (con-tribuição de melhoria), nos exatos termos do art. 145 da CF, bem como as multas. Pode-se dizer o mesmo das contribuições previstas no art. 149. Tais entradas são de&nitivas. Daí tomarem o nome de receita.

Dessa forma, o critério para diferenciar uma mera entrada (ou ingresso) de receita é o modo com que tal parcela se incor-pora ao patrimônio público: sendo em caráter provisório, sob condição ou suprindo correspondência no passivo (indenização, por exemplo), não será receita; sendo incorporada em de&nitivo, como elemento novo e positivo, será receita pública. A lição de Kiyoshi Harada13 arremata a questão:

13 HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1998, p. 45.

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O importante é deixar claro que o conceito de receita pública não se confunde com o de entrada. Todo in-gresso de dinheiro aos cofres públicos caracteriza uma entrada. Contudo, nem todo ingresso corresponde a uma receita pública. Realmente, existem ingressos que representam meras “entradas de caixa”, como cauções, &anças, depósitos recolhidos ao Tesouro, em-préstimos contraídos pelo poder público etc., que são representativos de entradas provisórias que devem ser, oportunamente, devolvidas.

De&nitivamente, o produto da arrecadação da CFEM não constitui mera entrada, mas verdadeira receita. Se o produto da arrecadação da CFEM é receita pública, o importante é delimitar a qual espécie de receita essa entrada corresponde.

Ricardo Lobo Torres14 destaca que há vários critérios para a classi&cação da receita pública. Porém, além de ser a classi&cação mais utilizada, o critério que as diferencia quanto à sua origem será o utilizado neste livro. Aliomar Baleeiro15 esclarece que a classi&cação das receitas públicas quanto à sua origem é inspi-rada na teoria clássica alemã, proposta pelo célebre economista Adolph Wagner.

De acordo com essa teoria, classi&cam-se as receitas em originárias ou de economia privada; e derivadas ou de econo-mia pública. As primeiras correspondem às receitas auferidas pelo Estado mediante a exploração de seus bens ou atividades comerciais, industriais ou de serviços, sempre sob o regime de Direito Privado. Já as segundas abrangem as receitas que o Estado aufere em virtude do seu poder de império16.

14 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 165.

15 Op. Cit. p. 153.16 Ainda que seja questionável a utilização da terminologia “poder de im-

pério” em um Estado Democrático de Direito, neste trabalho faz-se mera referência ao seu uso pela doutrina corrente, sem o objetivo de criticá-lo.

Em uma acepção mais ampla, pode-se identi&car o poder de império com a noção de soberania no âmbito interno, conforme ensina Dalmo Dallari:

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A teoria alemã, que inspirou a doutrina brasileira, divide as receitas em originárias ou derivadas, a depender de dois fatores cumulativos: o primeiro, consistente na origem da receita (se do patrimônio público ou particular); e o segundo, consistente na natureza da obrigação que resultou no ingresso da receita (imposi-tiva/compulsória ou contratual); em face dos regimes de Direito Público ou de Direito Privado. Nesse sentido é a explicação do fundamento da teoria alemã por Aliomar Baleeiro17:

Ela se funda na existência da aquisição compulsória em relação às receitas derivadas, o que as distingue das receitas originárias. Outro fundamento dessa divisão é a diferente origem de umas e de outras receitas: as originárias saem do próprio setor público, isto é, do

“Não há, também, uma distinção muito nítida entre poder de império e soberania, havendo quem identi&que o imperium com a soberania no âmbito interno, enquanto que outros entendem como poder de império o que se exerce sobre pessoas.” DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos

de Teoria Geral do Estado. 3.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 114. Reis Friede bem explicita as expressões substantiva e material da soberania

estatal: “No sentido substantivo (que alguns autores salientam como o principal), a soberania é também concebida, termos políticos, como o poder

incontrastável de querer coercitivamente e de "xar competências (soberania como elemento de expressão última da plena e&cácia do poder) [...].

Na expressão básica, de caráter material, a soberania pode ser ainda con-siderada como o pressuposto fundamental do Estado: é o poder de império (poder sobre todas as coisas no território pátrio) e o poder de dominação (poder sobre todas as pessoas no território pátrio), geradores, por sua vez, de um autêntico colorário de direitos e obrigações.” FRIEDE, Reis. Curso de Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010, p. 62-63.

Acrescentamos que soberania não é apenas o poder coercitivo de impo-sição sobre coisas e pessoas, em sua expressão de poder de império. Há que se lembrar que, segundo a teoria democrática, a soberania se origina do próprio povo, que a transfere ao Estado, tornando-se este o seu titular (vide DALLARI, op cit., p. 89). Assim, o poder de império encontra os seus

limites nos próprios "ns do Estado Democrático de Direito, relacionados ao bem comum.

17 Op. Cit. p. 154.

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patrimônio do Estado, ao passo que as derivadas são exigidas do patrimônio ou das rendas dos particulares.

Ricardo Lobo Torres18 ensina, igualmente, que a classi&-cação das receitas

que goza de maior prestígio distingue entre receita derivada ou de direito público e a receita originária ou de direito privado: a receita derivada provém da economia do cidadão, sendo exigida através de um ato de império do Estado; a receita originária resulta da exploração do próprio patrimônio do Estado e se baseia no contrato.

Em outras palavras, resumindo a classi&cação proposta por Baleeiro e Lobo Torres com base na teoria alemã: sempre que a origem da receita remeter ao patrimônio do cidadão – receita derivada – estar-se-á diante de uma imposição estatal decorrente do seu poder de império; nesse caso, o surgimento da obrigação que determinou o ingresso da receita terá sempre origem numa

lei, decorrente do regime de Direito Público. Por outro lado, sempre que a origem da receita remeter ao próprio patrimônio do Es-tado – receita originária – a obrigação que determinou o ingresso da receita terá origem em um acordo de vontades, decorrente do regime de Direito Privado. No primeiro caso, a obrigação será ex

lege; no segundo, ex voluntate. A teoria alemã não foi acatada integralmente pela juris-

prudência brasileira, conforme será mais bem analisado adiante, o que possui profunda repercussão na identi&cação da natu-reza jurídica da CFEM. Isso por não admitir que uma exação imposta com base no poder de império do Estado – ou seja, sem o consentimento do particular – mas que tenha origem no patrimônio público, seja considerada uma receita originá-

18 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Finan-

ceiro e Tributário. v. IV: Os Tributos na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 16.

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ria. Ao exigir a presença cumulativa dos fatores (i) origem no patrimônio público e (ii) existência de consensualidade ou acordo de vontades, para que reste con&gurada uma receita originária, esta teoria jogaria por terra a classi&cação da CFEM como receita originária.

Exatamente por não adotar a teoria alemã, tal como re-tratada por Aliomar Baleeiro, o Superior Tribunal de Justiça, ao analisar qual o regime jurídico deveria ser aplicado à Taxa de Ocupação de Terrenos de Marinha – se regime público ou privado – paci&cou o entendimento de que “não é simplesmente

o fato de serem receitas patrimoniais, ingressos originários, que atraem

as normas do Código Civil”19. Isso porque uma receita originária – assim quali&cada, na visão do Superior Tribunal de Justiça, exclusivamente por ter origem no patrimônio do Estado – e que seja exigida com base no poder de império ou, melhor dizendo, compulsoriamente –, jamais poderia se submeter ao regime de Direito Privado, simplesmente por ser classi&cada como origi-nária. O voto do Ministro Castro Meira no Recurso Especial nº 1.064.962/PE20 deixa claro o exposto:

Embora as determinações do Código Civil sejam aplicáveis ao Estado, que muitas vezes atua como particular, em regime de direito privado, não devem ser consideradas no caso, já que as taxas de ocupação são receitas patrimoniais decorrentes de uma relação de direito administrativo, em que o Estado atua com seu jus imperii. Não se tratando, portanto, de relação jurídica disciplinada pelo Direito Privado, não deve o intérprete utilizar como técnica de integração uma re-gra proveniente desse segmento do sistema normativo, mas de regra correlata, que rege situação semelhante, dentro dos quadrantes do Direito Público.

19 REsp 1044320/PE, Rel. Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, julgado em 24/06/2009, DJe 17/08/2009.

20 REsp 1064962/PE, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 09/09/2008, DJe 10/10/2008.

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As premissas do voto do Ministro Castro Meira contrariam as premissas da teoria alemã. Para esta, a coação na obtenção das receitas, inerente ao poder de império do Estado ou à compul-soriedade inerente ao regime ex lege, seria atributo exclusivo das receitas derivadas. Já para o STJ, essa característica não alteraria a natureza jurídica da Taxa de Ocupação, que permaneceria sendo uma receita originária simplesmente por ter sua origem no pa-trimônio do Estado, a despeito de ser obtida compulsoriamente.

Para o Superior Tribunal de Justiça, o simples fato de se estar diante de uma contraprestação pelo aproveitamento de um bem estatal não permite concluir, automaticamente, que seja aplicável o regime de Direito Privado. Impõe-se perquirir a origem da obrigação de recolher dinheiro aos cofres públicos, que pode ser ex voluntate – caso em que a vontade do parti-cular possui relevância para o surgimento da obrigação – ou ex lege – caso em que a vontade do particular é absolutamente irrelevante, já que a receita pública correspondente é obtida pelo jus imperii do Estado.

Portanto, ainda que o conceito de receita adotado neste livro seja aquele estipulado por Aliomar Baleeiro, a classi&cação das receitas, quanto à origem, por ele proposta com base na teoria de Adolph Wagner, será adotada com as ressalvas acima deduzidas, em razão da jurisprudência consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Por &m, Regis Fernandes de Oliveira21 aponta a existência de receitas transferidas, além das receitas originárias e derivadas. As receitas transferidas consistem em entradas que não são arre-cadadas pela pessoa política que as vai utilizar. Trata-se de receita que ingressa no patrimônio de determinado ente federativo e que, por determinação legal (ou constitucional) é transferida a outro, que efetivamente a utiliza:

Em relação à origem da receita, pode ela ser classi&cada em originária, derivada e transferida.

21 Op. Cit. p. 130.

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A receita originária decorre da exploração, pelo Es-tado, de seus próprios bens ou quando pode exercer atividade sob o que se denomina direito público dis-ponível. [...].A receita derivada provém do constrangimento sobre o patrimônio do particular. [...].Em suma, as receitas originárias provêm do próprio patrimônio público do Estado ou de relação discipli-nada pelo direito privado, ao passo que as derivadas advêm do patrimônio ou rendas particulares.Há receitas que denominamos de transferidas, porque, embora provindas do patrimônio particular (a título de tributo), não são arrecadadas pela entidade política que vai utilizá-las.

Em resumo, a classi&cação que adotamos quanto à origem das receitas públicas é a seguinte:

i) Receita originária: aquela que tem origem no pa-trimônio do Estado, seja em regime consensual ou compulsoriamente;ii) Receita derivada: aquela que tem origem no patri-mônio particular, obtida compulsoriamente;iii) Receita transferida: aquela arrecadada por ente político diferente daquele que utilizará o recurso &nanceiro, seja receita originária ou derivada.� � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � �� � � � � � � � � � � � � �

Para Roque Carrazza22, caso a União pretendesse, com base no art. 20, § 1º, da Constituição, instituir uma participação no resultado da atividade minerária, deveria fazê-lo em termos estritamente contratuais, em espécie ou por meio da partilha

22 Op. Cit., p. 88 – 116.

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dos lucros do minerador. Em qualquer caso, a opção deveria constar expressamente no ato da concessão.

E, caso a União optasse pela instituição de uma com-pensação financeira, tal como preconizado na mesma regra constitucional, poderia fazê-lo de dois modos: (i) instituir a obrigação no ato de concessão, hipótese em que a obrigação teria natureza contratual; (ii) ou instituir um tributo espe-cífico para tanto. No primeiro caso, deveria ser assegurado o equilíbrio econômico-financeiro do contrato; no segundo caso, a questão passaria ao largo da vontade das partes, de-vendo ser equacionada por meio de lei, obedecido o regime jurídico tributário.

Analisando as Leis nºs 7.990/1989 e 8.001/1990, bem como o Decreto nº 01/1991, Carrazza concluiu que “criaram um

tributo a que deram o nome de compensação "nanceira pela exploração

de recursos minerais”, sob o fundamento de que “comparando-se os

traços característicos da [...] CFEM com o conceito de tributo, contido

no art. 3º, do Código Tributário Nacional, facilmente se percebe que

existe uma identidade entre ambos”23. E complementa a&rman-do que se trata de um tributo da espécie imposto, porque a sua hipótese de incidência – aproveitamento econômico de recursos minerais – não é uma atividade do Estado, mas do contribuinte, con&rmada pela sua base de cálculo (total das receitas de vendas)24.

23 Op. Cit., p. 100. 24 É o aspecto material da hipótese de incidência que dirá se o fato des-

crito como tributável é uma atividade do Estado ou qualquer outra, consoante o critério constitucionalmente previsto de distinção das espécies tributárias entre vinculadas e desvinculadas de uma atividade estatal. Por outro lado, a base de cálculo, situada no aspecto quantitativo da consequência jurídica tributária, como medida da materialidade da hipótese de incidência, é o que permite con&rmar a opção adotada pelo legislador quanto à espécie de tributo, segundo a descrição hipotética do fato tributável. Nesse sentido, dentre outros, ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 197-198; BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário brasileiro. 11. ed. atual. Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2010,

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Diante dessas premissas, Carrazza25 defende a inconstitu-cionalidade da CFEM, uma vez que seria um imposto residual, não previsto no art. 153 da CR/88, não instituído por lei com-plementar e cumulativo. Além disso, teria hipótese de incidência e base de cálculo idênticas ao ICMS, em violação ao art. 154, I, da Constituição.

Em 1998, Alberto Xavier26 também defendeu a natureza tributária da CFEM, sob o fundamento de que “os seus traços es-

senciais se subsumem por inteiro no conceito de tributo dado pelo artigo

3º do Código Tributário Nacional”. Fundamentou essa assertiva ao identi&car que (i) a exação con&gura uma prestação patrimonial; (ii) compulsória, e não voluntária, por se tratar uma obrigação ex

lege; e (iii) que necessariamente deve ser instituída por lei federal, nos termos do art. 20, § 1º, da CR/88.

Segundo Xavier, tratar-se-ia de um verdadeiro imposto, já que seu fato gerador independe de qualquer atividade estatal especí&ca relativa ao contribuinte, sendo o aproveitamento de recursos minerais – atividade do contribuinte – o critério ma-terial da sua hipótese de incidência:

Que se trata de tributo, vi-mo-lo já; trata-se, repetimos, de prestação pecuniária compulsória, que não constitui sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada me-diante atividade administrativa plenamente vinculada. E que tal tributo independe de qualquer atividade estatal especí&ca relativa ao contribuinte resulta de o seu fundamento não consistir na remuneração da atividade de polícia consistente na concessão de lavra, mas sim na exploração de recursos minerais, em si mesma considerada, que prescinde em absoluto de

p. 65; e CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. 5. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 196.

25 Op. Cit., p. 116.26 XAVIER, Alberto. Natureza jurídica e âmbito de incidência da Compen-

sação Financeira por Exploração de Recursos Minerais. Revista Dialética

de Direito Tributário, São Paulo, n. 29, 1998, p. 12.

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uma atividade da Administração e que é manifestação de capacidade contributiva perfeitamente adequada à instituição de um imposto.

Xavier também concluiu pela inconstitucionalidade da CFEM, por violação ao art. 154, I, da CR/88.

Adriano DaleZe27 a&rmou ser a CFEM “típica prestação ex lege,

compulsória, traduzida em moeda e cobrada mediante atividade administrativa

vinculada”. Ante sua subsunção ao conceito extraído do art. 3º, do CTN, conclui: “parece não restar outra alternativa senão a admissão de que

a CFEM é tributo”. Igualmente a Carrazza e Xavier, Adriano DaleZe atribuiu à CFEM a natureza de imposto, “já que sua hipótese de incidên-

cia não está vinculada a qualquer atuação estatal, direta ou indiretamente”.Em igual sentido, defende Ana C. P. R. Arruda Campos, em

sua dissertação de mestrado28:

Como reiterado anteriormente, resta inconteste a natureza tributária da CFEM. Cotejando-se suas ca-racterísticas com as atinentes aos impostos, outra não será a conclusão: a CFEM é tributo da espécie imposto.De fato, o fato gerador do encargo de pagar a CFEM é a extração de bens minerais. Ora, tal extração está totalmente apartada da atuação estatal, não pressupõe uma vinculação, não impõe uma contraprestação do Estado. Ao contrário, a exploração mineral constitui um fato de conteúdo econômico.

Em 2006, Carlos Luiz Ribeiro29 defendeu se tratar a CFEM de um tributo, uma vez que a receita decorrente da arrecadação

27 DALEFFE, Adriano. Ilegalidade da Compensação Financeira pela Explo-ração de Recursos Minerais. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 33, 1998, p. 11.

28 CAMPOS, Ana Cândida de Paula Ribeiro e Arruda. Compensação

Financeira por Exploração Mineral: considerações acerca da sua natureza jurídica. 2003. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, p. 89.

29 RIBEIRO, Carlos Luiz. Tratado de Direito Minerário. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 372.

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seria derivada, e não originária. O fundamento para tanto con-siste no fato de que a CFEM incide sobre a venda do produto mineral, cuja propriedade é do particular e não da União, nos termos do art. 176, da CR/88: “As jazidas, em lavra ou não, [...]

pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do pro-

duto da lavra”. E entende o autor que, sendo tributo, a CFEM é imposto: “imposto é tributo não vinculado, devido pelo contribuinte

independentemente de qualquer contraprestação por parte do Estado.

Tal é, exatamente, a CFEM [...]”.Também em 2006, Ives Gandra da Silva Martins30 publi-

cou parecer defendendo a natureza tributária da CFEM, mas atribuindo-lhe a natureza de contribuição de intervenção no domínio econômico, e não de imposto. Isso, sob o fundamento de que haveria um paralelo entre o art. 177, § 4º (que trata da contribuição interventiva relacionada às atividades de importa-ção e comercialização de petróleo, gás natural, seus derivados e álcool combustível) e o art. 20, § 1º, da Constituição:

Vale dizer, para efeitos de tornar a contribuição [CFEM] uma forma de participação no resultado da exploração, o único paralelo possível seria o do pará-grafo 4º do art. 177, que institui uma intervenção no domínio econômico, que é tributo, por força do art. 149 da Lei Suprema.E se tributo for, como me parece ser, seria possível a assemelhação dos dois dispositivos 177, parágrafo 4º, e 20, parágrafo 1º, visto que a exploração de bens da União, na dualidade de iniciativa econômi-ca, refere-se ao regime jurídico próprio do direito público (art. 175), e não àquele pertinente ao direito privado (art. 173). É que, para o regime jurídico de direito público, o planejamento econômico é

30 MARTINS, Ives Gandra S. Natureza Jurídica da CFEM – inteligência das leis 7.990/89 e 8.001/90 – ilegalidade da Instrução Normativa 6/2000 – princípios da irretroatividade e da indelegabilidade do poder de legislar. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 135, dez. 2006, p. 60-62.

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obrigatório (art. 174), não o sendo para o de direito privado, com o que a contribuição de intervenção econômica do art. 20, parágrafo 1º, tem, a meu ver, nítida característica de contribuição interventiva, prevista na Lei Suprema.

A partir dessa conclusão, o referido autor asseverou que, caso o produto da arrecadação da CFEM não fosse integralmen-te destinado a Estados, Municípios e a órgãos da administração direta da União, elencados no art. 20, § 1º, da CR/88 – o que é o caso, tendo em vista a destinação de pequena parte da arrecadação ao FNDCT, nos termos do art. 2º, II, da Lei nº 8.001/90 –, a “contribuição” seria inconstitucional, por violar os princípios da “tipicidade fechada, legalidade estrita e reserva

absoluta de lei formal”. Em 2010, Frederico A. L. Peixoto e Victor P. Machado31,

partindo do pressuposto de que o conceito de tributo é aquele extraído do art. 3º, do CTN, afirmam ser a CFEM um tributo, por se enquadrar perfeitamente no referido conceito. Segun-do os autores, a CFEM seria obrigação compulsória, tendo em vista que a obrigação de recolhê-la aos cofres públicos decorre da lei e não de um acordo de vontades. Afastam a ideia de que a CFEM seria uma receita originária, por força da referida compulsoriedade, sendo decorrente do poder de império do Estado:

A CFEM não é receita originária, tendo em vista não ser proveniente de cláusula contratual. [...].Pelo contrário, a CFEM é caracterizada como receita derivada, pois é decorrente do poder do estado, é proveniente de lei, e não de acordo entre as partes.

31 PEIXOTO, Frederico Augusto Lins; MACHADO, Victor Penido. Distin-ções entre a CFEM e o royalty do petróleo e entre receita originária e derivada. In: SILVA, Paulo Roberto Coimbra (Coord.). Compensação

Financeira pela Exploração de Recursos Minerais: natureza jurídica e questões correlatas. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 164-165.

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Sendo tributo, os dois autores também defendem ser a CFEM uma contribuição de intervenção no domínio econô-mico, mas por motivo diverso do a&rmado por Ives Gandra no trabalho acima referido, isto é, por supostamente represen-tar um instrumento da União na defesa do meio ambiente: “conclui-se pela natureza jurídica da CFEM como Contribuição de

Intervenção no Domínio Econômico, mais precisamente na defesa do

meio ambiente”. � � � � � � � � � � � � � � � ! � " � # � � � $ % & ' � � # ( )� & ) & � � � * ! � &A principal crítica que deve ser tecida à quali&cação da

CFEM como tributo é em relação ao argumento de que, sendo esta exação uma prestação pecuniária, compulsória, instituída por lei e exigida mediante atividade administrativa plenamente vinculada, amoldar-se-ia perfeitamente ao conceito de tributo extraído do art. 3º, do CTN.

O argumento é equivocado, por dois motivos: (i) em pri-meiro lugar, porque o conceito de tributo é constitucional, ainda que não esteja explícito na Constituição, o que signi&ca que não deve ser extraído da legislação complementar; (ii) e, em segundo lugar, o fato de se tratar de uma exação instituída por lei, exigida compulsoriamente (sendo irrelevante a vontade do particular), não signi&ca necessariamente que se esteja diante de uma receita derivada.� � � � � � + � & , - . , / 0 1 - , - . 2 1 0 1 3 , 0 - . 4 5 6 / 1 7 0 8 3 1 -

O conceito de tributo é um direito do contribuinte im-plicitamente previsto na Constituição, consistente em que de-terminada exação ao qual esteja submetido, sendo tributo, seja regulada pelas normas que limitam o poder de tributar. Daí a importância de se fazerem claros os critérios que diferenciam o que é tributo daquilo que tributo não é. A questão cinge-se, pois,

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em saber como extrair da Constituição o conceito de tributo, porquanto não expressamente de&nido.

A perspectiva constitucional do conceito de tributo de-corre da constitucionalização da atividade &nanceira do Estado. Apesar de o art. 146, III, a, da Constituição32 determinar à lei complementar dispor sobre a de&nição de tributos e de suas espécies, estamos seguros que isso apenas poderá ser feito de acordo com desenho dos regimes das espécies tributárias pre-vistos na Constituição.

Roque Carrazza33 também observou que o conceito de tributo é constitucional:

Frisamos que a Constituição brasileira não esta-beleceu explicitamente o que vem a ser tributo. Andou bem, neste particular, já que não é tarefa da lei – muito menos da Lei Maior – expender definições. Definir é missão da doutrina. A lei deve mandar, proibir ou facultar; nunca teorizar. Quem teoriza é o doutrinador, com o instrumental que lhe é fornecido pela Ciência (no caso, pela Ciência do Direito). De modo que, corretissimamente, o constituinte – em outras passagens da Carta Suprema tão especioso e minudente – resistiu à tentação de conceituar tributo.[...]Como se isto não bastasse a Lei das Leis ainda classi-&cou os tributos em impostos, taxas e contribuições de melhoria (art. 145, I a III), desenhando a regra-

-matriz (o arquétipo o núcleo essencial, a norma-padrão

de incidência) de cada uma destas &guras jurídicas

32 Art. 146. Cabe à lei complementar: III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, espe-

cialmente sobre: a) de&nição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos im-

postos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

33 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional

Tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 352.

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e discriminando competências para que as pessoas políticas, querendo, viessem a instituí-las (sempre, como vimos, por meio de lei).

Bem indicou o citado Mestre que a Constituição desenhou os contornos da regra matriz de incidência de cada uma das &guras (ou espécies) tributárias arroladas em seu texto, subsídio

este precioso para a identi"cação dos seus elementos comuns, que in-tegrarão o conceito constitucional de tributo.

Parece esclarecedor que, na ausência de uma expressa de&-nição constitucional de tributo e sendo este conceito um direito do contribuinte (sob pena de determinada exação não ser subme-tida ao regime tributário, quando deveria ser), deve o intérprete buscar nas estruturas tributárias desenhadas pela Constituição os seus traços comuns, partindo do especí"co para o geral, como método para se obter o conceito constitucional de tributo.

Em termos teórico-metodológicos, a técnica da identi&ca-ção de dados especí&cos visando a construir um conceito geral consiste na aplicação do raciocínio indutivo, que “é um processo mental que parte de dados particulares e localizados e se dirige a constatações gerais”34.

É lógico pensar, como Geraldo Ataliba35, que o Direito Tributário se forma em torno do conceito de tributo. Daí que o Sistema Constitucional Tributário, na lição de Heleno Taveira Torres36, tenha o tributo como seu elemento de centralidade, a partir do qual se irradiam todos os regimes gerais e especí&cos tributários. Torres, sob o enfoque da segurança jurídica, defende a posição à qual nos &liamos. Os regimes especí&cos trazidos pela Constituição fornecem a matéria de análise para a formação do conceito geral:

34 GUSTIN, Miracy B. S.; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)Pensando a

pesquisa jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 22. 35 Op. Cit., p. 34.36 TORRES, Heleno Taveira. Direito Constitucional Tributário e se-

gurança jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 375.

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De há muito estamos convencidos de que são os regi-mes jurídicos típicos de cada uma das espécies tribu-tárias previstos na Constituição que devem servir, por indução &nalística, a compor o conceito constitucional de tributo. Não poderiam, as características tipológicas, vir colhidas na legislação infraconstitucional, pois isso seria um colapso da segurança jurídica em matéria tributária, na medida em que se estaria por dilapidar a rigidez constitucional em matéria reservada à Consti-tuição. Isso, porém, não embota a utilizada da indução como método de quali&cação do tributo a partir das notas comuns das espécies designadas na Constituição (impostos, taxas e contribuições).Dado que a Constituição não oferece uma de&nição prévia de “tributo”, para assegurar a aplicação do regi-me constitucional tributário, por dedução hermenêu-tica, espécie a espécie, segundo os regimes reservados a cada um destes, deve o intérprete colher os elementos distintivos a partir destas espécies colecionadas no texto constitucional de tributo.

A despeito da controvérsia veri&cada na doutrina re-ferente à distinção das espécies tributárias (da qual não nos ocuparemos), estamos convictos que o regime jurídico es-pecí&co traçado pela Constituição para os impostos, taxas e contribuições é su&ciente, via indução, para obter-se o conceito constitucional de tributo, em distinção às demais modalidades de receitas estatais. O preciso magistério de Heleno Taveira Torres37 assevera que se determinado ingresso no patrimônio público não se enquadrar no conceito de tributo, ou seja, em qualquer de suas espécies, de imediato, a consequência será a inaplicabilidade do regime tributário.

Apesar das diferenças básicas entre impostos, taxas e con-tribuições, evidenciadas nas respectivas regras de incidência, ve-ri&ca-se, sim, que o regime constitucional delineado para cada uma dessas espécies tributárias demonstra o acerto parcial do art.

37 Op. Cit., p. 376.

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3º, do CTN, na conceituação de tributo. É dizer, todas essas três espécies con&guram prestações pecuniárias, instituídas por lei (obrigação ex lege) – daí serem compulsórias e cobradas mediante ati-

vidade administrativa plenamente vinculada – e que não constituem sanção de ato ilícito.

Porém, há ainda outra característica comum ao regime constitucional de impostos, taxas e contribuições: as três espécies

con"guram receita derivada, elemento este que integra o conceito constitucional de tributo, ainda que não expressamente referido no art. 3º, do CTN. Nesse tocante, é importante ressaltar que a Lei nº 4.320/1964, que instituiu normas gerais de Direito Fi-nanceiro e foi recepcionada pela Constituição, materialmente, como lei complementar38, ao de&nir tributo, contemplou a ne-cessidade de se tratar de “receita derivada instituída pelas entidades

de direito publico [...]”.Portanto, não pactuamos com a proposta de Ricardo

Lobo Torres39, para quem a de&nição de tributo oferecida pelo Código Tributário Nacional, por supostamente servir de base ao entendimento constitucional, “não pode ser objeto

de modi"cação pela legislação infraconstitucional, pois isso implicaria

em se modi"car o próprio conceito constitucional”. O conceito de tributo, introduzido pelo CTN apenas de forma incompleta, deve ser extraído da Constituição.

Vejamos, a seguir, as críticas passíveis de serem formuladas à doutrina que defende ser a CFEM um tributo, no que tange à classi&cação das receitas como derivadas ou originárias.

38 “A exigência de previa lei complementar estabelecendo condições gerais para

a instituição de fundos, como exige o art. 165, § 9º, II, da Constituição,

está suprida pela Lei nº 4.320, de 17.03.64, recepcionada pela Constitui-

ção com status de lei complementar”. (ADI 1726 MC, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/1998, DJ 30-04-2004).

39 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de Direito Constitucional Finan-

ceiro e Tributário. v. IV: Os Tributos na Constituição. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 21.

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9 : ; : ; : ; : < = > ? = @ A B > C @ D @ = @ A B E > D A F A ? G D A E ? E H I D A J K D I C L ? = A EK G B D A E M C @ J ? @ = @ J J A C E C @ C @ E > N D A F E O P > B @ D > D A F @ Q@ Q I Q E = > D C > C @ R > ? B E C @ JComo exposto, ao tratarmos dos trabalhos que defendem

a tese de que a CFEM seria um tributo, todos os autores consi-deram que a exação seria uma receita derivada, por ser exigida compulsoriamente, ou, nos termos utilizados pela própria dou-trina, mediante o poder de império do Estado.

Ocorre que essa conclusão advém de uma aplicação da classi&cação de receitas públicas quanto à origem, proposta por Aliomar Baleeiro com base na doutrina do economista alemão Adolph Wagner (vide tópico 3.1), que não se harmoniza com a atual jurisprudência pátria sobre o assunto.

Para o Superior Tribunal de Justiça e também para o Supremo Tribunal Federal, uma receita será classi&cada como originária tão somente por ter sua origem no patrimônio do Estado, e não do particular, independentemente da forma com que foi obtida – se mediante um acordo de vontades ou compulsoriamente. Esse último aspecto apenas possui relevância na identi&cação do regime jurídico apli-cável à exação. Ou seja, para o STJ, uma receita originária exigida compulsoriamente, mediante o poder de império do Estado, estará sujeita ao regime de Direito Administrativo, ao passo que uma exação cuja obrigação respectiva tenha origem em um acordo de vontades, submeter-se-á ao regime de Direito Privado.

No caso do STJ, essa orientação foi construída, originalmen-te, no contexto da Taxa de Ocupação de Terrenos de Marinha e, em seguida, foi transposta sem qualquer ressalva à CFEM. Os votos dos Ministros Eliana Calmon e Castro Meira, respectiva-mente nos REsp’s 1.044.320/PE e 1.064.962/PE (parcialmente transcritos no tópico 3.1), deixaram expresso que, para uma recei-ta ser originária, basta ter origem no patrimônio estatal. Se essa receita é cobrada em regime contratual ou compulsoriamente, a única consequência será a identi&cação do regime jurídico aplicável, isto é, Direito Privado ou Administrativo.

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A paci&cação desse entendimento pelo STJ deu-se no julgamento do REsp nº 1.133.696/PE40, Relator Ministro Luiz Fux, submetido à sistemática dos recursos repetitivos. No mesmo sentido, já envolvendo a CFEM, o Recurso Especial nº 1.179.282/RS, DJ 26.08.2010.

No caso do Supremo Tribunal Federal, o julgamento do RE nº 228.800/DF – que é o paradigma da constitucionalidade da CFEM e do afastamento da tese que defende a sua natureza tributária –, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, também corrobora o conceito de receita originária aqui exposto. É que, para o STF, “tratar-se de prestação pecuniária compulsória instituída

por lei não faz necessariamente um tributo da participação nos resultados

ou da compensação "nanceira cogitadas”. Ou seja, ao julgar o RE nº 228.800/DF, o STF decidiu que

a simples subsunção de uma exação ao conceito extraído do art. 3º, do CTN, não é su&ciente para concluir que se esteja diante de um tributo. E a razão para tanto é que, conforme o voto do Ministro Relator, “a CFEM tem a sua causa [...] na exploração de

recursos [...] minerais – bens integrantes do patrimônio da União”. Não resta dúvida que o STF decidiu que receitas originárias podem ser cobradas compulsoriamente, ou seja, mediante o poder de império de Estado, sendo su&ciente, para identi&cá-las, apenas a sua origem no patrimônio estatal.

Esse distanciamento da jurisprudência em relação à doutrina é o que causou a divergência veri&cada entre os autores que defendem ser a CFEM um tributo e os julgados que afastaram essa tese. As premissas da doutrina são diferentes das premissas da jurisprudência.

Portanto, por força da desnecessidade de a obrigação ter origem em um acordo de vontades para que se esteja diante de

40 “A relação de direito material que enseja o pagamento da taxa de ocupação de

terrenos de marinha é regida pelo Direito Administrativo, por isso que inaplicável

a prescrição delineada no Código Civil.” (REsp 1133696/PE, Rel. Minis-tro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/12/2010, DJe 17/12/2010).

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uma receita originária, concluímos pela incorreção da classi&-cação da CFEM como tributo.9 : 9 : S : < T U V W X W Y Z < T [ \ ] ^ ] _ ] ` ^ ] a T ] VW b _ ] a \ a c V ] d < c e X Y f b <

A doutrina majoritária define a natureza jurídica da CFEM como receita patrimonial, decorrente da exploração de recurso mineral não-renovável de propriedade da União, da espécie preço público. É o caso de Fernando Facury Scaff41, Aurélio Pitanga Seixas Filho42, José Athié C. Cruz e Maurício S. A. Chagas43, Marcelo Mendo Gomes de Souza44 e Ana C. V. Belisário45.

41 SCAFF, Fernando Facury. Aspectos controvertidos sobre a CFEM – Com-pensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (royalties da mineração). In: SCAFF, Fernando Facury; ATHIAS, Jorge Alex (Org.). Direito Tributário e Econômico aplicado ao meio ambiente e à

mineração. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 287-290.42 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Natureza jurídica da Compensação

Financeira por Exploração de Recursos Minerais. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes questões atuais do Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 1998, p. 37

43 CRUZ, José Athié Campos; CHAGAS, Maurício Saraiva de Abreu. A CFEM como Royalty, in SILVA, Paulo Roberto Coimbra (Coord.). Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Mine-

rais: natureza jurídica e questões correlatas. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 146.

44 SOUZA, Marcelo Mendo Gomes de. A Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais. In: SOUZA, Marcelo Mendo Gomes de (Coord.). Direito Minerário aplicado. Belo Horizonte: Mandamen-tos, 2009, p. 203.

45 BELISÁRIO, Ana Carolina Valladares. A natureza jurídica da Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais – CFEM. In: SOUZA, Marcelo Mendo Gomes de (Coord.). A Compensação Financeira

Pela Exploração de Recursos Minerais – CFEM. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p. 123.

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O próprio DNPM editou a Instrução Normativa nº 06/2000, na qual consignou expressamente ter a CFEM a na-tureza jurídica de preço público:

a Compensação Financeira pela Exploração de Re-cursos Minerais – CFEM, é um preço público devido por todas as empresas que realizam o aproveitamento de uma jazida mineral, bem da União, garantida a estas a propriedade do produto da lavra.

Aurélio Pitanga Seixas Filho46 a&rma que a CFEM teria a natureza jurídica de preço público, porque o particular, por sua vontade, candidata-se e obtém autorização para explorar economicamente recurso mineral da União:

a compensação &nanceira é devida por uma pessoa que, por sua vontade, candidatou-se e obteve autorização para explorar um recurso mineral de propriedade da União Federal, e tem a natureza jurídica de um preço público, a ser exigido proporcionalmente ao resultado dessa exploração, conforme determinação legal.

Fernando Facury ScaZ47 afasta a ideia de que a CFEM corresponderia a uma receita derivada, uma vez que decorreria da exploração do patrimônio do Estado.

Marcelo Mendo Gomes de Souza48 não destoa dos demais:

Há bastante tempo esposamos a tese de que a CFEM tem a natureza jurídica de preço público, porque se trata de receita originária do Estado, auferida em de-corrência da exploração do seu patrimônio (receita patrimonial), revestida, ainda, de caráter facultativo, eis que não há, para sua percepção, o exercício do poder &scal do Estado, mas a vontade do minerador

46 Op. Cit., p. 37. 47 Op. Cit., p. 289. 48 Op. Cit., p. 203.

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de explorar o recurso mineral, que, para tanto, deve submeter-se ao regime jurídico de aproveitamento estabelecido pela legislação pertinente.

Carlos A. de M. Lacerda49, em sua dissertação de mestrado, desenvolveu o raciocínio de que a CFEM, enquanto preço público, seria devida pelo que chamou de “desafetação” dos recursos minerais, a justi&car a mutação dos mesmos, enquanto patrimônio da União, em produtos minerais, patrimônio do concessionário. Essa interpretação decorre da determinação do art. 176, da Constituição, consistente em que apesar de os recursos minerais serem de propriedade da União, o produto da lavra é patrimônio do concessionário:

esse sistema tem como fundamento compensar a per-da da propriedade dos recursos minerais pela União Federal e assegurar aos outros entes uma participação no resultado desta exploração.A CFEM, como vimos, não tem natureza de um tributo e sua essência decorre de uma remuneração devida pelo minerador aos entes federados, em razão da excepcional fruição dos recursos minerais.Assim, ao tipi&carmos que a natureza jurídica da CFEM é &nanceira, do tipo preço público, na moda-lidade royalty, e não tributável, é porque o minerador está na verdade pagando um preço pela aquisição pro-porcional do minério que vier a extrair da jazida, caso contrário, haverá um enriquecimento sem causa do minerador e, como consequencia, o empobrecimento dos entes federados.Além do que, se trata de uma receita pública originária e não derivada, visto que a sua constituição é devida em razão da exploração dos recursos minerais e sua transformação em produto da lavra.

49 LACERDA, Carlos Alberto de Melo. A natureza jurídica da Compen-

sação Financeira Mineral. 2000. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, p. 119-133.

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O referido autor aprofunda a tese de que a CFEM teria a natureza de preço público não apenas por decorrer da ex-ploração de um bem do Estado, mas, na verdade, pela trans-ferência de sua propriedade, da esfera pública para a privada, tal qual um contrato de compra e venda. Raciocínio similar foi desenvolvido por Paulo R. Coimbra Silva e Gabriela Cabral Pires50:

Os particulares podem adquirir bens públicos domi-niais pelos mesmos institutos de aquisição de bens utilizados pelo Direito Privado, tais como compra e venda, doação, permuta, etc. [...]o chamado “título de direitos minerários” garante a legitimidade do particular para adquirir o direito de propriedade dos recursos minerais extraídos.[...]Pelo exposto, é possível verificar que a natureza jurídica da Compensação Financeira pela Explo-ração de Recursos Minerais – CFEM – não pode ser outra senão a de preço público, uma vez que a aquisição dos recursos minerais somente pode se dar a partir de um contrato de compra e venda, dotado de todos os requisitos para a cobrança de preço público pelo Estado.

Apesar de as duas últimas citações ensejarem inquietação quanto a uma possível divergência interna à corrente que enten-de ser a CFEM preço público (de um lado, uma posição consis-tente em que o preço remuneraria o direito de aproveitamento de bem público; de outro, seria o preço devido pela aquisição do próprio recurso mineral), em linhas gerais, as bases teóricas

50 SILVA, Paulo Roberto Coimbra; PIRES, Gabriela Cabral. A CFEM como preço público. In: SILVA, Paulo Roberto Coimbra (Coord.). Compen-

sação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais: natureza jurídica e questões correlatas. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 134-142.

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não se alteram. A esse respeito, o DNPM51 entende que ambas as razões justi&cam a cobrança da CFEM:

Duas razões fundamentais justi&cam a sua cobrança [da CFEM]:(1) o privilégio exclusivo que é concedido a quem extrai o recurso mineral; e(2) a redução do patrimônio do proprietário que ocorre à medida que o recurso mineral é extraído.

Não há necessidade de outras incursões aos textos daqueles que defendem ter a CFEM a natureza jurídica de preço público para bem compreender os principais fundamentos que sustentam a tese. São os seguintes: (i) seria receita originária, uma vez que decorrente da exploração do patrimônio estatal, o que afastaria a hipótese de ser tributo; (ii) seria preço público, uma vez que os preços são a forma de remunerar o Estado pela exploração de bem que é seu, em regime contratual, portanto, facultativo, cuja respectiva obrigação tem origem em um acordo de vontades e não no jus imperii estatal. g h g h i h j k l m n j o p q r s o t n u n j o v w x y o j u z { j x { x | k z v x| } ~ t n j x

A doutrina &nanceira classi&ca o preço público como espé-cie de receita originária. Disso conclui-se que os preços públicos submetem-se a regime de direito privado, cuja obrigação nasce de um acordo vontades (ex voluntate). Por essa razão, Harada52 a&rma que “o que fundamentalmente caracteriza a receita originária

é sua percepção pelo Estado, absolutamente despido do caráter coercitivo

próprio, porque atua sob regime de direito privado”.

51 BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Secretaria de Minas e Metalur-gia. Departamento Nacional de Produção Mineral. Avaliação da carga

tributária incidente sobre o setor mineral. Brasília, 1992, p. 23. 52 Op. Cit., p. 47.

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A utilização do jus imperii estatal, ou da compulsoriedade, é incompatível com a bilateralidade imanente ao contrato, do qual nasce a obrigação de pagar o preço público. Harada53 prossegue:

Veri&ca-se, pois, que para haver preço é necessário haver um contrato, que nada mais é do que “o acordo de vontades que tem por &m criar, modi&car ou extin-guir um direito”. O preço é, portanto, uma obrigação ex voluntate. Seu regime jurídico é de direito privado, informado pelo princípio da autonomia da vontade.

Se para haver preço público é necessário existir um contrato, ou seja, um acordo de vontades, fosse a CFEM preço público, a obrigação de recolhê-la aos cofres públicos teria origem na vontade do particular, ajustada à vontade do Estado. Como ensina Raphael S. Rodrigues54, “o preço público não é tributo, devendo ser

considerado receita originária que é paga de forma voluntária”. Luciano Amaro55 não diverge do exposto, a&rmando que

“o preço é obrigação contratual. O preço é, pois, obrigação assumida

voluntariamente”.Fosse então a CFEM preço público, estaria afastada a hipó-

tese de que a obrigação de recolhê-la teria origem na lei, visto que não seria uma obrigação ex lege, mas ex voluntate.

E assim não nos parece ser. O Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM sustenta a tese de que a CFEM teria a natureza jurídica de preço público, de forma a atrair a aplica-ção do regime jurídico de Direito Privado e, por consequência, sustentar, entre outras teses, a integração do prazo prescricional de vinte anos, do Código Civil de 1916 (para fatos geradores anteriores a 1998), bem como a aplicação de consectários pre-

53 Op. Cit., p. 50. 54 RODRIGUES, Raphael Silva. Taxa x Preço Público: distinção no sistema

tributário nacional e na jurisprudência dos tribunais pátrios. Revista

Fórum de Direito Tributário, Belo Horizonte, n. 50, 2011, p. 159.55 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 15. ed. São Paulo:

Saraiva, 2009, p. 40.

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vistos no Código Civil. Sendo o preço público pago em decor-rência de uma relação jurídica inaugurada por um acordo de vontades (obrigação ex voluntate), a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.117.903/RS, processado nos termos do art. 543-C do CPC/73, consolidou o entendimento de que aplica-se o regramento do Código Civil: “a contraprestação cobrada por concessionária de serviço público [...]

ostenta natureza jurídica de tarifa ou preço público, submetendo-se à

prescrição decenal (art. 205 do CC de 2002) ou vintenária (art. 177

do CC de 1916)”. Ocorre que, mesmo identi&cada como receita originária,

não é possível admitir a classi&cação da CFEM na categoria dos preços públicos.

O importante é observar o que dá causa à obrigação de recolher a CFEM: se um acordo de vontades (como defende o DNPM / obrigação ex voluntate) ou a lei (obrigação ex lege). O simples fato de se estar diante de uma exação que incide sobre o aproveitamento econômico de um bem estatal não permite concluir, automaticamente, que se trate de regime contratual. Esse é o entendimento paci&cado pelo STJ, vide votos proferidos pelos Ministros Castro Meira e Eliana Calmon:

Ministra Eliana Calmon, REsp nº 1.044.320/PE

Em suma, não é simplesmente o fato de serem recei-tas patrimoniais, ingressos originários, que atraem as normas do Código Civil para constituição e cobrança de tais créditos, mas sim a relação jurídica que elas veiculam, se pública ou se privada é que deve nortear o intérprete na integração legislativa.

Ministro Castro Meira, REsp nº 1.064.962/PE

Embora as determinações do Código Civil sejam aplicáveis ao Estado, que muitas vezes atua como particular, em regime de direito privado, não devem ser consideradas no caso, já que as taxas de ocupação são receitas patrimoniais decorrentes de uma relação de direito administrativo, em que o Estado atua com

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seu jus imperii. Não se tratando, portanto, de relação jurídica disciplinada pelo Direito Privado, não deve o intérprete utilizar como técnica de integração uma re-gra proveniente desse segmento do sistema normativo, mas de regra correlata, que rege situação semelhante, dentro dos quadrantes do Direito Público.

A cobrança da CFEM decorre estr itamente da lei (7.990/1989 e 8.001/1990) e não de um acordo de vontades entre o Poder Público e o particular. O fato de o minerador manifestar a sua vontade de aproveitar economicamente recursos minerais não faz com que ele concorde com a cobrança da CFEM, ou que emita vontade válida capaz de influenciar a configuração da hipótese de incidência ou do comando da norma56.

Por não ter origem em um acordo de vontades, e sim na própria lei, não é admissível que se classi&que a CFEM como preço público, no intuito de que seja regulada pelo Código Civil. g h � h � h x p m k o ~ o t � x p r s z y z u z � y z { o � o m s k z � on � y z � n � o m � k n o y o j u z {

Uma minoria sustenta a tese de que a CFEM teria a natureza jurídica de indenização. Regina Helena Costa57 argumenta que, ainda que a propriedade dos recursos minerais seja da União, a Constituição pressuporia prejuízo para aquela pessoa política

56 Ressalte-se que o Brasil, diferentemente de outros países (ex. Mongó-lia), adota o sistema de atos para a outorga dos Títulos Minerários. Não utiliza contratos para materializar as obrigações relativas às Concessões de Lavra, que permanecem previstas no Código de Mineração de legislação complementar.

57 COSTA, Regina Helena. A natureza jurídica da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais. Cadernos de Direito Tributário

e Finanças Públicas, São Paulo, n. 19, 1997, p. 128.

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em cujo território fosse desenvolvida a atividade minerária, a justi&car a natureza indenizatória da CFEM.

É também o caso de Jardel Meireles Leão58, defendendo se tratar a CFEM de indenização administrativa, que visaria a ressarcir os prejuízos trazidos pela retirada do recurso mineral, tendo, dessa forma, a natureza de ressarcimento de um dano futuro. Por outro lado, Camila M. Leite e Roberta Marcuci59 en-tendem que a exação teria a natureza de indenização ambiental, já que a sua &nalidade seria compensar as despesas que o Ente Público terá com políticas de recuperação do meio ambiente degradado pela atividade minerária.

Regina Helena Costa60 a&rma, referindo-se ao dispositivo enunciador da regra de competência constitucional que permitiu a instituição da CFEM, que

a ratio do mesmo foi a de garantir, as pessoas mencio-nadas, ressarcimento pela exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para &ns de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais nos respectivos territórios, sob a forma de participação no resultado dessa exploração ou compensação &nanceira. [...]. A compensação &nanceira constitucionalmente prevista possui natureza indenizatória. Ainda que a propriedade dos recursos minerais, inclusive os do subsolo, pertença à União (art. 20, IX), pressupõe a Lei Maior um prejuízo para aquela pessoa em cujo território se dê a respectiva exploração.

58 LEÃO, Jardel Meireles. A CFEM como Indenização Administrativa. In: SILVA, Paulo Roberto Coimbra (Coord.). In: Compensação Financeira

pela Exploração de Recursos Minerais: natureza jurídica e questões correlatas. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 92.

59 LEITE, Camila Morais; MARCUCI, Roberta Borella. A CFEM como indenização ambiental. In: SILVA, Paulo Roberto Coimbra (Coord.). Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais: natureza jurídica e questões correlatas. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 103.

60 Op. Cit., p. 128.

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Para Jardel Meireles Leão61, a receita obtida por meio da cobrança da CFEM visa “ressarcir os prejuízos trazidos pela retirada

do recurso mineral, feita através de pagamento de um valor pecuniá-

rio”. E, sendo os recursos minerais de propriedade da União, “a

compensação do concessionário pela utilização de bens públicos é, via

de consequência, uma receita patrimonial”. O fundamento invocado pelo referido autor é o princípio do poluidor-pagador:

Este princípio signi&ca que o poluidor deverá ser imputado das despesas relativas às medidas, emanadas pelo poder público, para que o meio ambiente per-maneça num estado aceitável, sendo um princípio de aplicação universal. [...] toda atividade produtiva ou de exploração dos recursos, gera, além dos danos ambientais, impactos sociais e econômicos, chamados em linguagem eco-nômica de externalidades.Neste sentido, a CFEM nada mais seria do que a va-loração monetária destas externalidades, sendo natu-ralmente calculadas sobre a remuneração gerada pela exploração dos minerais.

Esse é também o fundamento invocado por Camila M. Leite e Roberta Marcuci62:

Todo e qualquer dano proporcionado ao meio am-biente poderia ser considerado abuso de poder [...].Assim, dada a natureza coletiva dos bens minerais, torna-se manifesta a necessidade de instituição do dever de indenizar em prol daqueles que deixaram de usufruir de um determinado bem frente a sua exaustão por um terceiro.[...]Esse entendimento revela o conhecido princípio do Direito Ambiental intitulado poluidor-pagador, que

61 Op. Cit., p. 99.62 Op. Cit., p. 107-108.

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se baseia na premissa de partilhar os custos sociais do sistema produtivo e distributivo entre aqueles que assumem o risco da sua produção.

Em resumo, são esses os principais fundamentos a respeito da pretensa natureza indenizatória da CFEM. � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � �� � � � � � � � � � � � � � � � � � � � �

Não é possível quali&car a natureza jurídica da CFEM como indenizatória.

Em primeiro lugar, sendo os bens minerais de proprie-dade da União, não poderiam os demais Entes Federados ser também indenizados pela perda de tal recurso não-renovável. Atribuir à CFEM a natureza jurídica de indenização pela perda do recurso mineral implica concluir que todo o produto da sua arrecadação deveria ser destinado ao seu proprietário, o que difere da determinação constitucional prevista no art. 20, § 1º, da Constituição. Em igual sentido ensina Heleno Taveira Torres63: “Os bens [minerários] são todos da União, não cabendo, pois, qualquer

espécie de indenização aos Estados, Distrito Federal ou Municípios”. Em segundo lugar, não convence o argumento de que a

CFEM visa a indenizar o Estado (entendido na integralidade da sua feição federativa) pelos danos causados ao meio ambien-te. Isso porque é exigido do candidato ao título minerário a obtenção de prévio licenciamento ambiental junto aos órgãos competentes, mediante apresentação dos estudos adequados, que consistem em instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, destinados a diagnosticar, prevenir e mitigar possíveis efeitos adversos sobre o meio ambiente. Toda a consecução da atividade é submetida a um planejamento que visa a evitar ou minimizar os impactos ambientais. Assim, admitir que a CFEM seria indenização por impacto ambiental é o mesmo que dizer

63 Op. Cit., p. 135.

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que o Poder Público, ciente dos possíveis impactos da atividade minerária, se de um lado autoriza a atividade, por outro lado exige que o particular, por ele próprio autorizado, indenize o Estado por essa atividade. Nada mais contraditório.

A autorização estatal torna lícito o ato do particular, ine-xistindo pressuposto que faça surgir o dever de indenizar. Essa particularidade não passou despercebida a Camila de Morais Leite e Gabriela M. P. Calijorne64:

Três são os pressupostos do dever de indenizar: a existência do dano, a con"guração do ilícito e o nexo de causalidade entre os dois primeiros elementos.No Brasil admite-se a imposição da obrigação in-denizatória em razão de ato lícito em se tratando de responsabilidade estatal, como se pode citar, à guisa de exemplo, o dever de indenização nas desapropriações.

Inexistindo o ilícito, não há dever de indenizar, salvo quando, em especí&cas hipóteses, a obrigação for contraída pelo Ente Estatal, nunca pelo particular.

Em terceiro lugar, atribuir à CFEM o mero caráter inde-nizatório é menosprezar a imensa importância dessa atividade para o cumprimento dos grandes objetivos socioeconômicos elencados na Constituição de 1988. A atividade minerária, prevista expressamente no título da Ordem Econômica (art. 176), deve cumprir &nalidades mais nobres do que meramente indenizar o Estado pela perda de um recurso não renovável. O mineral, em sua condição inerte, não possui valor algum. Sua valia econômica apenas é revelada quando extraído. E é nesse momento que o Estado pode fazer bom uso dos seus recursos minerais, ao se apropriar de uma parcela do seu valor, atribuído pelo mercado, para empregá-lo na consecução dos seus &ns.

Em quarto lugar, toda indenização deve ser quanti&cada de modo proporcional ao dano sofrido, justamente por se tratar de

64 Op. Cit., p. 85.

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reparação. A CFEM, tendo como base de cálculo o faturamento líquido decorrente da comercialização do recurso mineral, não guarda relação de pertinência com qualquer tipo de perda que se possa atribuir aos entes federados. Fosse a CFEM indenização, sua base de cálculo deveria corresponder, por exemplo, ao dano ambiental, social, etc., ou mesmo ao valor do minério não ex-plotado, sendo que, a nosso ver, o minério não explotado não possui valor algum. A base receita bruta ajustada, multiplicada por uma alíquota ad valorem, não possui a mais mínima relação razoável com qualquer de tipo de perda ou prejuízo que se possa atribuir aos entes federados. Tampouco seria razoável instituir uma “compensação” (ônus &nanceiro) especial às atividades econômicas extrativas, quando tantas outras atividades causam severos impactos ambientais e sociais65.

Ana C. P. R. Arruda Campos66, nesse sentido, pondera:

se de indenização se tratasse a obrigação pecuniária a ela [CFEM] concernente, deveria haver correlação entre o prejuízo percebido e a quantia a ser paga, o que não ocorre. A exigência da CFEM toma como base de cálculo o faturamento da empresa extrativa, grandeza superior à suposta perda material sofrida em razão da atividade.

Por &m, preciosa é a lição de Alberto Xavier67 no que concerne às razões pelas quais a CFEM não possui natureza jurídica de indenização:

65 O IBGE produziu o estudo “Indicadores de Desenvolvimento Sustentá-vel”, em 2008, demonstrando como o agronegócio e várias indústrias são responsáveis por boa parte da emissão de poluentes e pelo desmatamento.

<< https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv38797.pdf >> Acesso em 01.05.2018.

66 CAMPOS, Ana Cândida de Paula Ribeiro e Arruda. Compensação

Financeira por Exploração Mineral: considerações acerca da sua natureza jurídica. 2003. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, p. 59.

67 Op. Cit., p. 15.

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Em primeiro lugar, porque a expressão ‘compen-sação financeira’ não está, na Constituição, conexa com qualquer idéia de dano sofrido por entidades públicas, mas sim com a de uma prestação patrimo-nial que visa a substituir o mecanismo de participa-ção nos resultados da exploração, caso a lei ordinária tenha preferido não adotá-lo. A ‘compensação finan-ceira’ é, pois, compensação pela renúncia ao sistema de participação nos resultados de exploração e não compensação por dano.Em segundo lugar a afirmação de Lobo Torres de que ocorre uma ‘perda de recursos naturais situa-dos em seus territórios’ é juridicamente incorreta, uma vez que o domínio dos recursos minerais per-tence exclusivamente à União, pelo que não teria qualquer fundamento a atribuição de um direito a indenização a outros entes políticos não titulares dos bens em causa.Em terceiro lugar, não vislumbramos como se possa falar em prejuízo da União decorrente de ‘perda’ dos recursos minerais que constituem seus bens próprios, quando a única razão de ser da atribuição da pro-priedade federal sobre tais recursos é precisamente a de assegurar a sua exploração ordenada e racional pelos particulares. Ao invés de perda, o que ocorre é uma valorização econômica dos recursos pela sua extração e bene&ciamento.Também nos afigura afastar-se da lógica e do bom senso alegar prejuízo dos entes políticos não pro-prietários dos recursos minerais em razão de a ati-vidade econômica ser exercida nos seus territórios, pois a atividade de mineração não é, por natureza, causadora de maiores danos ou de menores vanta-gens econômicas que a agricultura ou a indústria transformadora.

Afastamos, portanto, a tese de que CFEM teria natureza jurídica de indenização.

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A CFEM deve ser classi&cada no gênero receita originária. Sua espécie, como exposto, não é “preço público”. Trata-se de

exação cuja espécie foi de&nida pela própria Constituição como compensação "nanceira ou participação nos resultados da atividade de mineração (art. 20, § 1º), conforme juízo de conveniência e oportunidade do legislador.

No caso da opção realizada pela Lei nº 7.990/1989 e, poste-riormente, pela Lei nº 13.540/2017, como será analisado adiante, a partir da jurisprudência, a CFEM possui natureza jurídica de participação no resultado da atividade mineral, o que equivale dizer participação no resultado da lavra, “entendido o resultado não como o lucro do explorador, mas como aquilo que resulta da exploração” (RE nº 228.800/DF).

Conforme decidiu o STF no RE nº 228.800/DF, há um paralelo entre a CFEM e a Participação do Super&ciário, prevista no art. 176, § 2º, da Constituição, segundo o qual é “assegurada participação ao proprietário do solo nos resultados da lavra.” O paralelo consiste em a CFEM incidir sobre o resultado da lavra. A lógica é simples: sendo a CFEM a contrapartida que se paga pela exploração econômica de um bem da União (recurso mineral) – e sendo este o seu motivo constitucional –, a sua incidência se dá apenas sobre aquilo que resulta da atividade de lavra mineral.

O conceito de lavra mineral foi positivado no art. 36, do Código de Mineração, partindo da extração até a última etapa do bene&ciamento, logo, antes da transformação industrial: “Art. 36. Entende-se por lavra o conjunto de operações co-ordenadas objetivando o aproveitamento industrial da jazida, desde a extração das substâncias minerais úteis que contiver, até

o bene"ciamento das mesmas.” O debate doutrinário68 a respeito dos conceitos de “par-

ticipação no resultado da exploração” e “compensação &-

68 Manoel Gonçalves Ferreira Filho ensina que a compensação &nanceira é cobrada em face de prejuízos decorrentes da atividade, sendo a partici-

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nanceira”, apesar de saudável, deve levar em conta a decisão do STF no RE nº 228.800/DF. Fernando Facury ScaZ69, por exemplo, apresenta interessantes conceitos para tais expressões, que divergem, contudo, da decisão do STF no RE nº 228.800/DF, na medida em que o autor atribui ao termo “resultado” o sentido de “lucro”; e a&rma que “compensação &nanceira” pode incidir sobre faturamento, pois se trata de uma troca

pação uma associação nos benefícios. FERREIRA FILHO, Manoel G. Comentários à Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, p. 154.

Regis Fernandes de Oliveira entende que a participação implicaria uma associação público-privada nos lucros e nos prejuízos, sendo a compensa-ção atrelada a um dano possível ou real dos entes federados. OLIVEIRA, Regis Fernandes de, Curso de Direito Financeiro. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 245-247.

69 “Entende-se aqui existirem duas diferentes espécies de bases de cálculo (ou, na denominação mais técnica, base imponível) para a cobrança de royalties por parte da União, proprietária desses bens públicos. Royalty é o nome genérico para esse tipo de receita pública. A distinção entre “participação” ou “compensação” diz respeito a duas diferentes opções de base de cálculo disponibilizadas à União pela Constituição.

Realmente, o sentido etimológico das duas palavras nos leva a crer que a norma constitucional estabeleça diferentes fórmulas para a base de cálculo dos royalties – espécie de exação patrimonial.

A que correspondente à “participação nos resultados da exploração” permite que seja estabelecida uma exação ad valorem, cobrada sobre os lucros da atividade extrativa. [...]. Em síntese, a expressão “resultados” nos leva a pensar em “lucros” ou “perdas”, daí a álea mencionada, pois jamais se poderá prever de antemão se a atividade empresarial obterá resultados positivos ou negativos.

Por outro lado, a expressão “compensação "nanceira pela exploração” indica a troca de um bem por outro – compensado, menciona a norma. Se de um lado a União entrega para ser explorado um Recurso Natural Não Renovável, por outro a empresa se obriga a pagar um valor por unidade extraída, independentemente do resultado econômico-&nanceiro que vier a ocorrer. Nada obsta que seja estabelecido um percentual sobre o faturamento daquela atividade extratora [...].”SCAFF, Fernando Facury. Royalties do petróleo, minério e energia: aspectos constitucionais,

�nanceiros e tributários. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2014, p. 92-93.

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de um bem por outro, que não precisaria ser pautada pela equivalência de grandezas. A divergência desse entendimento em

relação à referida decisão do STF é frontal, na medida em que a Suprema Corte entendeu que (i) “resultado” não equivale a “lucro”, e sim ao que resulta, genericamente, da lavra; e (ii) uma genuína “compensação &nanceira” deve possuir razoável equivalência com a perda suportada pelo(s) ente(s) político(s), o que impede que se atribua a ela a base de cálculo “receita” ou “faturamento”. Por isso o STF decidiu que a CFEM não é

“compensação "nanceira”, e sim “participação no resultado da lavra”.

A hipótese de incidência da CFEM foi &xada pela Consti-tuição, no art. 20, § 1º (resultado da lavra), proibindo sua incidência sobre produto resultante de transformação industrial – após a última etapa do bene&ciamento mineral. A opção constitucional é acertada, na medida em que seria teratológico instituir uma contrapartida &nanceira pela utilização de recurso mineral – bem que pertence à União –, a partir de grandeza mensurada sobre produto que não é mais minério, porquanto transformado em outra espécie de produto. Vale dizer, a Constituição exige que a CFEM seja calculada estritamente sobre grandezas mensuradas a partir de produtos minerais, e não de produtos transformados com base em insumos minerais.

Do exposto, veri&ca-se que não há correlação entre a base de cálculo da CFEM (que é participação no resultado da lavra), cobrada antes ou após a Lei nº 13.540/2017, com supostos “danos” ambientais e/ou socioambientais. Há, na verdade, uma contrapartida devida pelo particular pela exploração econômi-ca de bem público (recursos minerais). Nesse ponto, a lição de Fernando Facury ScaZ70 é irretocável:

Não se considera o motivo pela qual esse royalty é co-brado. Há quem alegue que se trata de compensação ambiental, outros alargam o conceito, mencionando ser compensação socioambiental, e por aí vai. O ar-

70 Op. Cit., p. 93.

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gumento refoge à análise de direito positivo que se processa nesse tópico.

Por consequência da sua classi&cação no gênero receita originária, sem que se possa atribuir-lhe a natureza especí&ca de preço público, o regime jurídico da CFEM é o de Direito Administrativo, não lhe sendo aplicáveis, em regra71, o Código Civil e o Código Tributário Nacional.

Por &m, destaca-se o papel constitucional da CFEM em termos de &nanciamento centrífugo72, traço marcante do federalismo cooperativo, por força da determinação consti-tucional de transferência do produto arrecadado para os Es-tados e Municípios (“respectivos territórios”) onde ocorra a exploração econômica dos recursos minerais. O art. 20, § 1º da Constituição não determinou os percentuais de cada ente federativo, mas deixou clara a opção de privilegiar Estados e Municípios quando autoriza que a União detenha uma parcela da arrecadação tão somente para órgãos da sua “administração direta”. Daí que a atribuição de percentuais mais elevados do produto da arrecadação da CFEM, efetivada por legislação ordinária, cumpra a ordem constitucional. Natural que seja assim também sob a perspectiva de que a propriedade da União sobre os recursos minerais, como exposto, não se dá no sentido civilista do termo, e sim de forma a evidenciar que o titular dos bens é a totalidade da nação. Nessa perspectiva,

71 Ressalvamos a possibilidade genérica de se integrar lacunas por analogia com os subsistemas do Direito Privado e do Direito Tributário.

72 “No Brasil, esta dimensão integradora da Constituição Financeira somente é possível em virtude do modelo de federalismo cooperativo adotado pela Constituição de 1988, caracterizado pelo "nanciamento centrífugo (efeito virtuoso do federalismo centrípeto que tem início com a Constituição de 1934) em favor das autonomias de menor capacidade &nanceira.

Deveras, se os poderes convergem para a unidade central do federalis-mo, este ente assume a responsabilidades pelo &nanciamento dos entes periféricos, pelo princípio de cooperação mútua (o que chamamos de “&nanciamento centrífugo”).” TORRES, Heleno. Direito constitucional

�nanceiro. SP: RT, 2014, p. 244.

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compreende-se a opção por atribuir mais recursos &nanceiros aos locais da exploração econômica da atividade, distribuindo receitas onde a riqueza é gerada, sobretudo se considerada a rigidez locacional, a evidenciar que a mineração ocorre longe dos grandes centros urbanos. Cumpre-se, assim, o objetivo constitucional de redução de desigualdades regionais (art. 3º, III; art. 43; e art. 170, VII).

As correntes doutrinárias acima expostas, segundo as quais teria a CFEM natureza jurídica de indenização, preço público ou tributo, foram analisadas pelos Tribunais Pátrios.

As primeiras apreciações que os Tribunais realizaram sobre a natureza jurídica da CFEM revelam o entendimento de que se trataria de verdadeiro tributo, sem contudo, que se pudesse falar na sua inconstitucionalidade, ao passo que a limitação contida no art. 155, § 3º, da Constituição73 não seria aplicável à hipótese, dado que a exação estaria prevista no próprio texto constitucional:

TRIBUTÁRIO - COMPENSAÇÃO FINANCEIRA PELA EXPLORAÇÃO DE RECURSOS MINE-RAIS-CFEM - LEI 7.990, DE 28.12.1989, ART. 6 - CONSTITUCIONALIDADE 1 - A Constituição Federal, em seu art. 20, parágrafo 2, assegurou aos estados, distrito federal e municípios, uma compensação &nanceira pela exploração de re-cursos minerais, nos seus territórios.

73 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

§ 3º À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)

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2 - A Lei nº 7.990, de 1989, cumpriu o mandamento constitucional estabelecido no art. 20, parágrafo 2. 3 - Não há, na hipótese, que se discutir cumulativida-de, pois foi a própria constituição que criou o cfem. 4 - Inexistência de identidade de base de cálculo com o icms, com o ipi e com as contribuições sociais. 5 - Inocorrência de inconstitucionalidade.6 - Apelação improvida. (TRF-1ª R. - AC 01222930 - DF - 3ª T. - Rel. Juiz Tourinho Neto - DJU 25.10.1993 - p. 45107).

TRIBUTÁRIO - COMPENSAÇÃO FINANCEIRA PELA EXPLORAÇÃO DE RECURSOS MINE-RAIS - CFEM - LEI 7.990, DE 28/12/1989, ART. 6 - LEI 8.001, DE 13/03/1990, ART. 2 - CONSTI-TUCIONALIDADE 1. A Constituição Federal, em seu art. 20, parágrafo 2, assegurou aos Estados, Distrito Federal e Municípios, uma compensação &nanceira pela exploração de re-cursos minerais, nos seus territórios. 2. A Lei 7.990, de 1989, cumpriu o mandamento constitucional estabelecido no art. 20, parágrafo 2. 3. Não há, na hipótese, que se discutir cumulatividade, pois foi a própria Constituição que criou o CFEM. 4. Inexistência de identidade de base de cálculo com o ICMS, com o IPI e com as contribuições sociais. 5. Inocorrência de inconstitucionalidade. (TRF-1ª R. - AC 01272389 - 3ª T. - Rel. Juiz Tourinho Neto - DJU 23.11.1995 - p. 81132).

No mesmo período histórico, surgiram julgados no sentido de que a CFEM seria receita patrimonial, de natureza indeniza-tória ou compensatória, em razão da exploração de bem público:

TRIBUTARIO. CONSTITUCIONAL. LEI N.7.990/89. COMPENSAÇÃO FINANCEIRA. EXTRAÇÃO DE MINERAIS.1. Não existe na legislação que disciplina a compen-sação &nanceira pela exploração de recursos minerais

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no território da união qualquer afronta a constituição federal. Na verdade, aquela remuneração, integrante da receita originaria do estado, e uma indenização pelo dano provocado pelo exaurimento lucrativo e progressivo das jazidas.2. Apelação provida.3. Remessa prejudicada.(AMS 93.01.34468-8/BA, Rel. Juiz Fernando Gon-çalves, Terceira Turma, DJ p.35798 de 01/07/1994)

CONSTITUCIONAL. FINANCEIRO E PRO-CESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. COMPENSAÇÃO FINANCEIRA PELA EXPLO-RAÇÃO DE RECURSOS MINERAIS. CONSTI-TUIÇÃO FEDERAL, ART. 20, § 1º. LEI 7.990, DE 28.12.1989. LEI8.001, DE 13.03.1990.I. A compensação &nanceira, prescrita no art. 20, § 1º, da Constituição Federal, é, ontologicamente, receita originária, de cunho indenizatório.II. O texto constitucional reservou a disciplina da matéria à lei ordinária, nada especi&cando sobre a base para o cálculo dessa compensação. Ateve-se a consignar a opção de participação dos entes estadual, distrital e municipal nos resultados da exploração dos recursos naturais.III. Apelo a que se dá provimento. Remessa o&cial prejudicada.(AMS 93.01.34689-3/BA, Rel. Juiz Hilton Queiroz, Conv. Juiza Vera Carla Cruz (conv.), Quarta Turma, DJ p.497 de 11/06/1999)

No mesmo sentido se posicionava o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, acolhendo a tese de que a CFEM teria o condão de ressarcir o Estado em razão da exploração de bens de sua propriedade:

FINANCEIRO E TRIBUTÁRIO, COMPENSA-ÇÃO PELA EXPLORAÇÃO DE RECURSOS MI-

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NERAIS, ARTIGO 20, PARÁGRAFO 1º, CF/88, RECEITA PATRIMONIAL ORIGINÁRIA. - A com-pensação &nanceira em questão consubstancia-se em típi-ca receita patrimonial originária do estado, decorrente do ressarcimento pela exploração dos recursos minerais do seu território, não possuindo natureza jurídica tributária.- Apelação improvida.(AMS 104202/RN, Desembargador Federal Ridalvo Costa, Terceira Turma, DJ p.3994 de 31/01/1997)

Sustentava idêntico posicionamento o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

DIREITO FINANCEIRO - COMPENSAÇÃO PELA EXPLORAÇÃO DE RECURSOS MINE-RAIS - CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 20, PARÁGRAFO 1º - LEIS NºS 7.990/89 E 8.001/90 - DECRETO Nº 01/91 - INDENIZAÇÃO – 1. As hipóteses de compensação &nanceira abarcadas pelo Decreto nº 01/91 estão em consonância com o que determina o art. 20, § 1º da Constituição Federal, que não faz ressalvas em sua aplicação. 2. A compensação &nanceira pela exploração de recur-sos minerais integra a receita originária do estado, pois tem natureza indenizatória, e, portanto, não tributária, decorrente do dano causado com exaurimento lucra-tivo e progressivo das jazidas. 3. Apelo do DNPM e remessa o&cial providos. Ape-lação da impetrante prejudicada. (TRF-4ª R. - AMS 1998.04.01.092857-4 - 4ª T. - Rel. Des. Fed. João Pedro Gebran Neto - DJU 26.06.2002 - p. 620)

Os Tribunais Regionais afastaram a tese de que a CFEM seria tributo.

Em um primeiro momento, concluíram que se trataria de receita originária, decorrente da exploração do patrimônio estatal, da espécie indenização.

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Cumpre ressaltar apenas que, a despeito das falhas per-tinentes à atribuição de natureza indenizatória à CFEM, maior equívoco é a conjugação das duas conclusões a que chegaram inicialmente os Tribunais: tratar-se de receita patrimonial e pos-suir natureza indenizatória. Já observamos que receitas públicas não se confundem com ingressos, uma vez que o conceito de receita pressupõe um efetivo acréscimo ao patrimônio estatal, sem qualquer correspondência no passivo. Ocorre que é ine-rente ao conceito de indenização a ideia de recomposição de um patrimônio lesado. Há que haver prejuízo para que se possa cogitar da indenização. Portanto, as entradas correspondentes a indenizações têm direta correspondência com as perdas re-gistradas no passivo, apenas recompondo o patrimônio. Não se constituem em elemento novo, que acresça a esse patrimônio, de modo que não é possível quali&car as entradas pertinentes a indenizações como receitas públicas. Frederico Munia Machado74 percebeu a contradição aqui referida:

A natureza compensatória da CFEM está fundada na existência de um suposto prejuízo causado ao Es-tado pela atividade mineral (subtração – apesar de consentida – dos seus recursos minerais). Já a CFEM como receita originária patrimonial tem por base uma remuneração do Estado pelo uso de um bem que lhe pertence. É o caso, por exemplo, dos aluguéis de imóveis públicos e dos laudêmios.Conforme já vimos, pelas de&nições de Direito Fi-nanceiro, o pagamento devido a título de indenização ou compensação não pode ser considerado receita pública, pois não implica um aumento do patrimônio público, mas simples “ressarcimento” do Estado pelo prejuízo sofrido. Já uma rece ita originária patrimo-nial implica necessariamente um acréscimo aos cofres

74 MACHADO, Frederico Munia. A evolução histórica da legislação sobre os Royalties da mineração brasileira. In: SOUZA, Marcelo Mendo Go-mes de (Coord.). A Compensação Financeira pela Exploração de

Recursos Minerais – CFEM. Belo Horizonte: Del Rey, 2011, p. 151.

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públicos, uma vez que possui natureza remuneratória, aumentado o valor do patrimônio público.

Paralelamente à prolação de decisões pelos Tribunais, con-siderando se tratar a CFEM de indenização, inúmeros outros julgados a deram o tratamento de receita originária, sem que

se tratasse de indenização. Entendeu-se que a exação visaria a remunerar o Estado pela exploração do seu patrimônio, me-diante concessão:

DIREITO FINANCEIRO - COMPENSAÇÃO PELA EXPLORAÇÃO DE RECURSOS MINE-RAIS - CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 20, PARÁGRAFO 1º - LEIS Nº 7.990/89 E 8.001/90 - RECEITA PATRIMONIAL E NÃO TRIBUTÁRIA 1. Os recursos minerais constituem patrimônio da União Federal (Constituição Federal, art. 20, inciso IX) e sua exploração por terceiros depende de autorização ou concessão estatal (art. 176, parágrafo 1º). 2. A compensação &nanceira assegurada pelo parágra-fo 1º do art. 20 da Constituição pela exploração dos recursos minerais constitui receita patrimonial, e não tributária, a ela não se aplicando, pois, os princípios constitucionais pertinentes aos tributos. 3. Assim, impertinentes as alegações de ofensa ao prin-cípio da não cumulatividade tributária e à exigência de lei complementar para sua instituição, do mesmo modo que válidos os critérios adotados pelo legislador - Leis 7.990/89 e 8.001/90 - para cálculo e distribuição da receita, ainda que merecedores de críticas. 4. Apelação a que se nega provimento. (TRF-1ª R. - AC 01298505 - 3ª T. - Rel. Juiz Osmar Tognolo - DJU 17.05.1996 - p. 31842).

DIREITO FINANCEIRO - EXPLORAÇÃO DE RECURSOS MINERAIS - COMPENSAÇÃO FI-NANCEIRA - RECEITA ORIGINÁRIA - LEIS NºS 7.990, DE 1989, E 8.001, DE 1990

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1. É originária a receita pública decorrente de pa-gamento, pelo titular do direito de exportação de recursos minerais, da compensação &nanceira de que tratam as Leis nºs 7.990, de 1989, e 8.001, de 1990, não se aplicando por isso regras constitucionais pró-prias do regime tributário, especialmente as atinentes à isenção, à não-cumulatividade e ao regramento por lei complementar, como defendido pela Impetrante. 2. Apelação improvida. (TRF-1ª R. - AMS 01553231 - DF - 3ª T. - Rel. Juiz Conv. Jamil Rosa de Jesus - DJU 01.03.2000 - p. 20).

Esse último entendimento se &rmou na jurisprudência dos Tribunais, que, sequencialmente, expressavam que a CFEM corresponderia a uma receita patrimonial, contraprestacional, decorrente da exploração do patrimônio público, mediante concessão. Prevaleceu até 25.09.2001, oportunidade em que a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 228.800/DF, de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, assim se manifestou:

Bens da União: (recursos minerais e potenciais hídricos de energia elétrica): participação dos entes federados no produto ou compensação &nanceira por sua ex-ploração (CF, art. 20, e § 1º): natureza jurídica: cons-titucionalidade da legislação de regência (L. 7.990/89, arts. 1º e 6º e L. 8.001/90). 1. O tratar-se de prestação pecuniária compulsória instituída por lei não faz necessariamente um tributo da participação nos resultados ou da compensação &-nanceira previstas no art. 20, § 1º, CF, que con&guram receita patrimonial. 2. A obrigação instituída na L. 7.990/89, sob o título de “compensação &nanceira pela exploração de recursos minerais” (CFEM) não corresponde ao modelo cons-titucional respectivo, que não comportaria, como tal,

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a sua incidência sobre o faturamento da empresa; não obstante, é constitucional, por amoldar-se à alterna-tiva de “participação no produto da exploração” dos aludidos recursos minerais, igualmente prevista no art. 20, § 1º, da Constituição.(RE 228800, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PER-TENCE, Primeira Turma, julgado em 25/09/2001, DJ 16-11-2001).

A decisão foi inovadora. Três aspectos merecem especial atenção. Em primeiro lugar, a CFEM não seria tributo, uma vez

que se tratar de prestação pecuniária compulsória instituída por lei não necessariamente conduziria a um tributo. Ademais, a disciplina da matéria não se encontra no capítulo do sistema tributário, e sim em artigo que trata dos bens da União, o que evidenciaria a natureza patrimonial da receita a auferir.

Em segundo lugar, a CFEM seria um mecanismo destinado a recompor uma perda, sendo, pois, essa perda, o pressuposto e a medida da obrigação do minerador. Porém, não se alude à perda

dos recursos minerais em favor do empreendedor, porque, se assim fosse, deveria a CFEM ter correspondência com o valor integral dos minerais extraídos e isso inviabilizaria a atividade do parti-cular. Tampouco seria lógico compensar os Estados, o Distrito Federal e os Municípios pela perda de um bem que é da União. No entendimento do Supremo Tribunal Federal, a referida perda corresponderia aos problemas gerados pela atividade minerária, em seus aspectos ambiental, social e econômico:

A compensação &nanceira se vincula, a meu ver, não à exploração em si, mas aos problemas que gera. Com efeito, a exploração de recursos minerais e de potenciais de energia elétrica é atividade potencial-mente geradora de um sem número de problemas para os entes públicos, especialmente para os municípios onde se situam as minas e as represas. Problemas am-bientais – como a remoção da cobertura vegetal do solo, poluição, inundação de extensas áreas, comprome-

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timento da paisagem e que tais -, sociais e econômicos, advindos do crescimento da população e da demanda por serviços públicos.Além disso, a concessão de uma lavra e a implantação de uma represa inviabilizam o desenvolvimento de atividades produtivas na superfície, privando Estados e Municípios das vantagens dela decorrentes.Pois bem. Dos recursos despendidos com esses e outros efeitos da exploração é que devem ser compensadas as pessoas referidas no dispositivo.

A partir dessa primeira constatação, o Ministro Sepúlveda Pertence concluiu que o faturamento (receita das vendas, de-duzidos os tributos, frete e seguro), por não possuir qualquer correlação com as perdas supramencionadas, seria injusti&cável como base de cálculo, prevista na Lei nº 7.990/1989. Todavia, seria essa base de cálculo injusti&cável apenas se fosse a CFEM uma compensação "nanceira, o que nos leva à terceira apreciação sobre esse julgamento.

Em terceiro lugar, portanto, a despeito de seu nome reme-ter à ideia de compensação, a CFEM teria sido instituída como verdadeira participação nos resultados da atividade minerária, em conformidade com a ambiguidade do art. 20, § 1º (que alude à “participação no resultado [...] ou compensação "nanceira”) e com o art. 176, § 2º, do Texto Constitucional.

A partir do julgamento do Recurso Extraordinário nº 228.800/DF, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, afastando a inconstitucionalidade das Leis nº 7.990/1989 e nº 8.001/1990, estabeleceu que a CFEM seria (i) uma receita ori-ginária do Estado, (ii) na &gura de participação nos resultados da exploração mineral.

Trata-se de decisão paradigmática, que tem ditado o en-tendimento de toda a jurisprudência. Chama a atenção que a decisão que orienta toda a jurisprudência nacional sobre a CFEM tenha tido como resultado o não conhecimento do recurso extraordinário. É certo que a parte &nal do voto do Ministro Sepúlveda Pertence (aliás, único voto escrito) deixou clara a

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rejeição da inconstitucionalidade: “Não conheço do recurso e

rejeito a arguição de inconstitucionalidade do art. 6º, da L. 7990/89, assim como da L. 8001/90, que lhe de&ne os percentuais: é o meu voto.” Contudo, o tema merecia que o plenário do STF o analisasse, se possível com mais de um voto escrito e com julgamento formal de mérito.

Várias outras críticas podem ser formuladas a esse julgamen-to, mas a principal consiste na desnecessidade de se a&rmar que a CFEM visaria a recompor perdas nos âmbitos ambiental, social e econômico. O resultado do julgamento seria o mesmo se o único fundamento fosse o a&rmado pelo Ministro Sepúlveda Pertence quanto à CFEM ter sua origem no patrimônio da União.

O fundamento adicional, relativo à pretensa "nalidade da

CFEM de recomposição de perdas, além de parecer incorreto, induziu uma parcela da doutrina e da jurisprudência a enten-der que a exação seria cobrada em decorrência dos impactos da

atividade mineral, e não por se aproveitar economicamente bem da União. Esse problema se torna grave, como será analisado em

tópico especí"co, no contexto da atividade com Manifesto de Mina, que traduz a propriedade privada do bem mineral, bem como ao se analisar a dedutibilidade de frete e seguro na base da exação, face ao conceito de “resultados da lavra”, sobre o qual deve ser mensurada.

Em 19.02.2003, o Pleno do Supremo Tribunal Federal ana-lisou, de forma indireta, a natureza das receitas previstas no art. 20, § 1º, da Constituição, por meio do Mandado de Segurança nº 24.312/DF, impetrado pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro contra ato do Plenário do Tribunal de Con-tas da União, que proclamou ser de sua competência exclusiva a &scalização da aplicação dos royalties do petróleo. Naquela oportunidade, o STF entendeu se tratar de receita originária de todos os entes políticos bene&ciados pela regra constitucional de repartição da dita receita.

A decisão de que todos os entes políticos, e não apenas a União, receberiam os royalties enquanto receita originária, além de um erro, também trouxe graves problemas de ordem prática. Estados

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e Municípios passaram a legislar, &scalizar e cobrar diretamente a CFEM, em nítida usurpação da competência da União. Em tópico próprio, aprofundar-se-á o assunto. De todo modo, trata-se de receita transferida (e não originária) para Estados e Municípios.

Em 09.05.2006, o Ministro Gilmar Mendes negou provi-mento ao Agravo Regimental nº 453.025/DF, interposto em face da inadmissão do Agravo de Instrumento manejado para que fosse conhecido Recurso Extraordinário. No apelo extra-ordinário, buscava-se o reconhecimento da natureza jurídica tributária da CFEM. A decisão fundamentou-se no fato de que a matéria já havia sido paci&cada pela Corte, sendo manifestamente improcedentes as razões recursais. O Agravante demonstrou que a matéria carecia de julgamento pelo Pleno do Tribunal, já que no Mandado de Segurança nº 24.312/DF analisou-se apenas de forma indireta o objeto suscitado. O Ministro Gilmar Mendes afastou essa argumentação: “no MS 24.312 restou inequivocamente

assentada a natureza da ‘compensação "nanceira’, prevista no § 1º do

art. 20 da CF, como receita constitucional originária dos entes federados

bene"ciados, o que per se afasta a sua tipi"cação tributária – ou sujeita

à disciplina do sistema constitucional tributário”. Esse é o panorama jurisprudencial no que concerne à na-

tureza jurídica da CFEM.