Catálogo TAC TERRA UNA 2013

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Premio Tac Terra Una Residencia 2013 Portada

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Residência Artrítica TERRA UNA, 2013. Artistas selecionados: Denise Alves-Rodrigues Yosman Botero Gómez Kaloan Lucas Sargentelli Louise Botkay Pedro Victor Brandão Elena Landínez Bartolo Curadora Convidada: Kamilla Nunes Org: Nadam Guerra, Beatriz Lemos, Domingos Guimaraens

Transcript of Catálogo TAC TERRA UNA 2013

  • Premio Tac Terra UnaResidencia 2013

    Portada

  • Premio TAC Terra Una2013

    Liberdade, MGTerra UNA

    2013

  • Permitido o uso e reprodues deste material desde que se cite a fonte.este livro e outros esto disponveis em www.terrauna.org.br/arte

    Organizao:Damasceno, Jos Carols Guerra (Nadam Guerra)Lemos, BeatrizGuimaraens, Domingos de Leers

    Textos e imagens: Denise Alves-Rodrigues, Bartolo, Beatriz Lemos, Domingos Guimaraens, Elena Landnez, Kaloan, Kamilla Nunes, Lucas Sargentelli, Louise Botkay, Nadam Guerra , Pedro Victor Brando, Yosman Botero Gmez.

    ISBN: 9788567041001

    Terra UNACaixa postal 13 Liberdade, MG. Brasil.www.terrauna.org.br

    patrocnio: realizao:

  • Sumario

    6 12 1416 20 2428 3236 40 444858

    Texto Terra UnaLdico com C de ComposteiraQuando o artista est ao ladoDenise Alves-RodriguesYosman Botero GmezKaloanLucas SargentelliLouise BotkayPedro Victor BrandoElena LandnezBartoloQuando o artista est ao ladoFotos residencia

  • 6 Premio TAC Terra Una

    A casa, a arte e o agora

    _ Era uma vez uma casa._ Casa o lugar em que se mora._ S que essa casa eram vrias e era de muitas pessoas. Era uma comunidade._ E muitas pessoas moravam l?_ Algumas. E outras iam visitar, mas visitavam como quem mora. Ficavam tempo suficiente para viverem como quem vive ali. Ou quase._ E por que arte?_ Arte a maneira dos visitantes morarem na comunidade. Arte a maneira que a comunidade tinha de morar nos visitantes. E juntos comunidade e visitantes podiam coisas que no podiam sozinhos. _ Como isso funciona?_ Cada visitante trazia seu foco, sua tarefa que o mantinha ligado a si mesmo. A comunidade oferecia o isolamento necessrio para que o visitante escutasse a si mesmo. E tambm um espao grande com rvores e rios._ Os visitantes ficavam isolados nas rvores e rios?_ Se quisessem ou quando quisessem, sim. Mas quando algum fica consigo mesmo algum tempo, logo vem uma vontade de contar o que escutou, uma vontade de trocar._ Da vem a partilha._ A partilha era o espao que a comunidade oferecia para que os visitantes sentassem em roda e contassem o que tinham escutado._ E cada um escutava uma coisa?_ Cada um escuta o que capaz de escutar que sempre diferente do que o outro escutou. E que tambm depende do que cada um

    Nadam Guerra

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    perguntou. Por isso to bom ver o que os outros escutaram._ Ento, veja se eu entendi. Nessa casa que so vrias moram pessoas que vivem a arte de morar ali. Outras que vivem a arte de morar em outros lugares vem viver a arte de morar ali junto e trazem a arte de fazer alguma coisa para fazer enquanto moram nesta casa que so vrias.

    _ Mais ou menos. Isso s o que acontece por fora. Por dentro de cada uma das pessoas acontecem coisas que no d pra saber. Algumas pessoas vo carregar este tempo, que foi pouco para morar mas foi muito para visitar, para muito longe da comunidade. E vai ser diferente para cada um o significado que este tempo teve._ E para quem no viveu este mesmo tempo neste lugar? _ Cada um vive sempre o momento que vive._ sempre hoje._ sempre agora. E isso que se chama arte costuma tentar levar o agora de um lugar para o outro._ De um hoje que passou para outro hoje onde estou lendo este texto._ Sim. E tem as pessoas que gostam de chamar a comunidade de ecovila que sempre dizem que para tudo h sempre trs objetivos igualmente importantes como os 3 ps de uma mesa, se um estiver faltando a mesa cai. Chamam estes ps: tarefa, processo e relaes._ Tarefa, processo, relao..._ O que vamos ver neste catlogo e nesta exposio e em outras uma parte da tarefa de cada um._ O que cada visitante levou para se manter ligado a si mesmo.

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    _ E que foi modificado pelo tempo que passou na comunidade. Esse tempo j vinha trabalhando e continua depois. A esse tempo que chamamos processo._ E a relao?_ As relaes que fazem a comunidade. A comunidade no s dos que moram nesta casa, mas dos que visitam tambm. E as relaes entre as pessoas que do sentido a esta casa. Estas relaes esto presentes aqui para quem conseguir ver, mas so invisveis para a maioria que no viveu este tempo, que no partilhou este agora que est sendo transportado para c._ Ento o que vale mesmo a tarefa que o que eu vejo agora?(sorriso)_ Ou seria o tempo/processo que transformou cada um e que cada um carrega consigo?_ Ou as relaes que as pessoas construram?_ Sem um dos trs ps a mesa teria cado.(sorriso)_ E isso tudo?_ E isso pouco?_ No pouco, mas tudo?_ Neste cinco anos que esta comunidade recebe este tipo de visitante que mora em arte, muitos tempos foram vividos, muitas relaes se criaram e continuam crescendo e tantas tarefas transportaram estes agoras para alm dos montes, para alm dos mares. _ Alm do ares!_ Esta casa que se mora em arte cria muitas lembranas. Cada visitante que aqui passou deixa escondida uma histria em algum

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    canto. Debaixo de uma pedra, em uma curva da estrada, ou em uma queda de gua. So tantas histrias que estes livros no conseguem guardar. So muitos agoras para o mesmo espao. _ Vocs vo me mostrar?_ No tudo. Uma parte. Mas no pouco. o que possvel. Desta parte que vamos te contar voc vai escutar s que for capaz._ E que depende das perguntas que eu fizer._ Venha. Vamos lhe mostrar.

    30.05.2013, 23:17

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    Artistas em residncia

  • 12 Premio TAC Terra Una

    Ldico com C de Composteira

    O espao mais ldico de Terra Una foi-nos apresentado j no segundo dia de residncia. Chama-se composteira. feita com tbuas de madeira pregadas de forma irregular, uma acima da outra, somando cerca de 1,80m de altura. Na parte dianteira h um degrau, por onde tanto se pode avistar seu contedo quanto facilitar o depsito do mesmo. A intimidade com essa instalao funcional ao ar livre se d de uma forma imediata, tanto quanto quela construda pelo artista com relao ao seu processo de criao envolto por um ambiente desconhecido. Entre as primeiras conseqncias desta intimidade, est o rpido eclipse da atividade potica com as condies oferecidas pelo meio. Na sombra destes dois elementos, h a esfera das relaes que mantm a integridade do grupo e as condies de trabalho manual e intelectual.

    Embora os artistas estivessem preocupados com a finalizao do que se poderia chamar de obra de arte, a intensidade do processo de trabalho, da colaborao e das frequentes trocas, constituiu o pice desta residncia. A preocupao de saber se uma ao arte ou no-arte, se falsa-arte ou verdadeira-arte no foi, nem poderia ter sido, submetida ao contedo dos meios de manifestao espontneos da arte. Havia em todo o grupo um estado de alerta e viglia, exatamente porque todos sabiam que a arte responde a estmulos sutis e efmeros, no necessariamente vinculados ao juzo esttico, ao apreo pelo objeto ou necessidade de registro.

    Kamilla Nunes

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    A constante coleta de materiais perecveis; a catalogao de pedras pela cor e pela forma; a experimentao diria das texturas, formatos e sabores de folhas comestveis; o olhar apurado para a arte enquanto trabalho e para o trabalho enquanto arte; a observao dos sons da natureza e da movimentao dos vaga-lumes; a espera como condutora do desenho e aparecimento de sua prpria representao; as tentativas de provar os fundamentos da pseudo-cincia e a construo imagtica das formas de exportao da cultura e opulncia do Brasil, so algumas das inquietaes que movimentaram este grupo de artistas.

    O espao concreto assegurado s obras resultantes dessa residncia acabar por se dissolver, por abandonar seu prprio status, por respirar sem o aparelho que regula a quantidade de ar que entra e sai de seus pulmes, mais precisamente o sistema de arte. O que assegura a existncia dessas obras no o circuito, no o mercado, no so os crticos, mas so as relaes que se estabeleceram para a sua construo. A relao com a composteira, com o ferreiro, com uma rvore, com o cozinheiro, com a benzedeira ou o fazendeiro no menos importante do que a assimilao destas relaes pelo pblico. Ou, pelo menos, no deveria ser. A composteira, aliais, precisamente o lugar onde a convivncia, nas condies adequadas, transformada em material orgnico capaz de alimentar outras formas de vida.

  • 14 Premio TAC Terra Una

    Quando o artista est ao lado

    Durante a residncia TAC Terra Una, realizada entre os meses de fevereiro e maro de 2013, desenvolvi o projeto quando o artista est ao lado, que consistiu na elaborao de textos fictcios sobre o processo de trabalho de cada um dos artistas residentes. Os textos beiram a realidade tanto quanto beiram a crtica de arte, mas instauram um tipo de atitude artstica e literria que equipara crtica e obra. Concebi estes textos ao lado dos artistas, tendo acesso aos seus modos de pensar e articular tanto a escrita quanto a fala. Esta proximidade permitiu que se criassem movimentos de tenses e tores de abertura da linguagem para seu exterior ponto onde a escrita pde encontrar novas formas de existncia.

    A escrita dos textos em primeira pessoa, na pessoa do artista, sobre sua prpria produo, contm dois aspectos entrelaados entre si: o primeiro designado por uma escrita ficcional em relao ao mundo referencial de obras em processo; o segundo se configura no modo como a escrita apropriada enquanto linguagem plstica para expandir suas prticas atravs da literatura, da crtica e da teoria. Trata-se de como pensar as possibilidades que a escrita empreende na/enquanto arte quando a fico est encadeada no interior de uma situao real. Ou em como articular esta dobra empreendida por um sujeito que, ao significar a si mesmo enquanto outro, escapa da sujeio e faz da fico uma estratgia potica.

    Kamilla Nunes

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    Tradicionalmente, quando um artista escreve sobre seu prprio trabalho, h nesta escrita um compromisso de que ela mesma seja a extenso deste primeiro. Quando um terceiro escreve sobre o trabalho de um artista, h nesta escrita um compromisso de que ela elucide este tambm terceiro, que a obra. Quando essas duas vozes se fundem em uma s, quando este terceiro assume a fico de ser o prprio artista, no haver de existir apenas os dois compromissos anteriores, mas tambm o de coloc-los em suspenso.

    O envolvimento com os artistas em seus processos de trabalho acarretou em uma experincia onde foi possvel vislumbrar estados de impermanncia - quase o desaparecimento. A escrita passou a ser um espao oscilante, da generalidade ao singular, da presena concreta do artista radicalidade de sua ausncia. E este movimento, que foi da fico hiper-realidade, do erro imperfeio, s aconteceu e pde acontecer pela dimenso vertical da opacidade do sujeito.

    pessoas e lugares que tornaram essas histrias possveis: bia, nadam, domingos, elena, lucas, louise, yosman, pedro, denise, bartolo, kaloan, flor, glorinha, lu, nana, seu tuninho, jaya, juliana, diogo, lili, moradores, cortzar, melville, vernica stigger, mrio bellatin, luciano, lucy lippard, pestana, quirinos e terra una.

  • Denise Alves-Rodrigues So [email protected]

  • Premio TAC Terra Una B

  • 20 Premio TAC Terra Una

    NO ENTIERRAN CADAVERES, ENTIERRAN SEMILLAS. Mi obra se basa en procesos experimentales del dibujo por medio del cual planteo una reflexin en torno a la espera, de all parte la idea de mi trabajo enfocado hacia la problemtica de la desaparicin forzada en el contexto latinoamericano.

    La obra transcurre en un marco temporal en el que a medida que un reloj de cuerda funciona, este va recogiendo un hilo que a su vez dibuja sobre una superficie de arena dejando aparecer la imagen de una osamenta. Mi proceso se basa testimonios tomados en el Catatumbo - Norte de Santander acerca de la problemtica paramilitar como medio de intimidacin y terror para despojar a las vctimas de sus tierras.

    Yosman Botero Gmez Ccuta, Colombiayosmanbotero.com

  • 24 Premio TAC Terra Una

    Entidades temporrias consiste na criao de indumentrias efmeras feitas de material orgnico perecvel, evocando imagens de seres, entidades naturais que constituem sua imagem por materias organicos encontrados na regio, coletados aps uma investigao da flora e fauna locais, analizando diferentes texturas cores e formas, pesquisando nuances e diferenas entre folhas, flores, galhos, entre outras coisas que forem encontradas.

    As indumentrias so parte de uma pesquisa em performance desenvolvida por Kaloan, com a parceria de Pilantropov Pausanias, onde so exploradas situaes sonoras improvisadas que podem lembrar rituais ancestrais mesclados com dana, dispositivos tecnolgicos e outras referncias aleatrias. Essas prticas, por vezes incitam outras pessoas a participarem construindo redes frageis de experimentao. Seja pelo canto, pela utilizao de intrumentos, os envolvidos colaboram na inveno de um folclore prprio que ativa por vezes em um esprito de celebrao e transe. Na mostra coletiva realizada em Terra Una o artista props uma prtica coletiva como obra, que se denominava Ritual do Escuro.

    Ritual do Escuro:Durante a noite / Providenciar um lugar que seja completamente escuro, sem frestas de luz / Reunir pessoas em crculo / Cantar o escuro juntos / Acaba quando termina / Voltar a luz.

    O som criado nessa prtica pode ser ouvido em:https://soundcloud.com/zuuu/ritual-do-escuro

    KaloanSo Paulokaloan.tumblr.com

  • 26 Premio TAC Terra Una

  • Premio TAC Terra Una B

  • 28 Premio TAC Terra Una

    Folhas comestveisSequncias de folhas comestveis que podem ser montadas em alguns minutos em qualquer lugar onde se encontre por perto a espcie necessria. Estas plantas podem ento ser exploradas pela boca a partir de modulaes e formas elaboradas para esta experincia. Furos, espirais, ns, dobras sobre si mesmas, cortes laterais, diferentes tamanhos do mesmo objeto, amassamentos, divises por corte ou rasgo, so alguns dos procedimentos utilizados. Recomenda-se o uso de cuspideiras para as espcies mais peludas ou indigestas.

    Lucas SargentelliRio de [email protected]

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  • 32 Premio TAC Terra Una

    Gesto-corrente.O gesto, sozinho, abre todos os caminhos,emprestando ao mundo o poder da ao.

    Movimento do corpo com ou sem significado, percebido comomaneira de ser ou de fazer.

    Manifestao de uma energia.

    Criar, trabalhar, forjar : dar, por meio do fogo e do martelo, a um metal quente e ainda maleavel, uma forma aproximativa ou definitiva.

    Fazer um gesto, doao.

    Louise BotkayRio de [email protected]

  • 36 Premio TAC Terra Una

    Pedro Victor BrandoRio de Janeiropedrovictor.com.br

    Como exportar: cultura e opulncia? comeou em Terra UNA como investigao em uma frente visual e outra textual. Com imagens, fiz registros que contm informaes sobre o uso da terra dentro e fora da ecovila. Com o remix de dois textos, fiz uma leitura versando sobre a terra como produto. As duas frentes se confrontam criticamente quando o desenvolvimento e o progresso dependem de passados brbaros e presentes opulentos.

    Com relao aos aspectos culturais do Brasil, necessrio que o exportador estrangeiro tome certas precaues. No existe uma cartilha ou manual de comportamento para lidar com os clientes brasileiros: deve-se considerar que um povo de origem latina, a exemplo de seus vizinhos, mas com certas particularidades. A ideia corrente sobre a impontualidade dos brasileiros no se aplica ao ambiente de negcios, pois o empresrio brasileiro pontual e frequentemente usa o celular para avisar qualquer contratempo que lhe impea de chegar ao local no momento marcado.

    Quanto vestimenta, dever ser formal, com o uso de terno e gravata para os homens e roupas sbrias para as mulheres.

    O certo que, se o senhor se houver com os escravos como pai, dando-lhes o necessrio para o sustento e vestido, e algum descanso no trabalho, se poder tambm depois haver como senhor, e no estranharo, sendo convencidos das culpas que cometeram, de receberem com misericrdia o justo e merecido castigo. E se, depois de errarem como fracos, vierem por si mesmos a pedir perdo ao senhor ou buscarem padrinhos que os acompanhem, em tal caso costume, no Brasil, perdoar-lhes. E bem que saibam que isto lhes h de valer, porque, de outra sorte, fugiro por uma vez para algum mocambo no mato, e se forem apanhados, poder ser que se matem a si mesmos, antes que o senhor chegue a aoit-los ou que algum seu parente tome sua conta a vingana, ou com feitio, ou com veneno.

  • 40 Premio TAC Terra Una

    Elena LandnezColombiawww.elenalandinez.com

    El da en que estaba en una casa amarilla con azul, debajo de un rbol grande con ramas de sepientes. Estaba acsotada en un tapete rojo con flores blancas. Haba una mata colgada de aquel rbol. Guardaba silencio mientras escriba estas palabras. Escribia en pasado, porque el viento se las iba llevando, las iba moviendo de un lado a otro. Pasaba el tiempo. Pasaban a un tiempo futuro que no existe. Pero yo, Elena, exist, aqu y ahora.

    Marzo 3 de 2013.

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  • 42 Premio TAC Terra Una

  • 44 Premio TAC Terra Una

    Como diria Beck: limitations are limited. bom lembrar que nossas limitaes no so ilimitadas. Na realizao da instalao rvores Sonoras pensei muito sobre isso. No pelo fato de estar assim to acossado por limitaes, pelo contrrio! As possibilidades eram muitas no seio generoso de Terra Una e na companhia to inspiradora de outros artistas e moradores deste lugar incomum. Na verdade, refiro-me s limitaes do meio em que transmitida a informao. Enquanto artistas, escolhemos o desenho, a msica, a poesia e tantas outras formas de expresso para fazermos de cada uma delas nosso meio, nosso veculo de transporte de uma experincia esttica, de uma comunicao. Pois bem, estive voltado para a montagem da instalao sonora, tanto sob ponto de vista tcnico quanto artstico, tendo que soldar e medir centenas de fios cuidadosamente, e compor uma trilha sonora que conversasse com aquela mata, com aqueles insetos e pssaros, fungos e minerais. Setenta alto falantes falando da e para com a mata. Naquela inebriante vivncia multisensorial, pedi ajuda a outras formas de arte, primeiramente a fotografia, para tentar reter aquilo, transportar aquele lugar para que outros pudessem de alguma forma viver a experincia. A deparei-me com a tal limitao do meio! E agora, atravs do verbo, venho em prosa colocar o leitor numa reflexo sobre a experincia sensorial. Transmito a impossibilidade de coloca-la aqui neste catlogo, ou em qualquer outro lugar que no seja na prpria vivncia da instalao. Em Terra Una tambm pedi ajuda ao cinema, uma arte maravilhosa que coloca imagem em movimento e ainda pode ter msica. Mas faltaram ainda odores e umidade, espacialidade e temperatura. Como um ser vivo, as rvores Sonoras s podem ser sentidas quando esto vivas, e quando estamos entre elas. Neste caso, atravs do cinema, da prosa e da fotografia, fica o convite e a sugesto de um mundo que no pode ser totalmente representado e sentido.

    rvores Sonoras:Instalao sonora em espao natural (picada na mata entre Borboleta e Casula).70 alto-falantes ligados a um sistema de amplificao em 4 canais.Quatro trilhas simultneas em dilogo com o som ambiente. Faixa um: AraucriasFaixa dois: Gmeas

    BartoloRio de [email protected]

    Faixa trs: Uma mortaFaixa quatro: Outra viva

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  • 46 Premio TAC Terra Una

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  • 48 Premio TAC Terra Una

    Notas duvidosas ou trs vacas escalando uma montanha

    Antes de mais nada preciso que saibam que eu s posso ser eu mesma, inteiramente, apenas pelo tempo em que estou sozinha com meus objetos. Narro-me no como uma aventura, mas como a prpria experincia ignorada pela cincia. Reporto-me a Moiss e seu cajado, aos mineradores alemes no sculo XVII com suas varas advinhatrias, aos soldados no Vietn usando Dual Rod`s para no pisar em bombas, aos Yankees cticos com seus pndulos e seu sonhado petrleo, aos padres pervertendo os princpios de tesla com suas bobinas de cristais revestidas de cobre. A maneira que encontrei para zerar a energia desses pndulos, forquilhas, dual rod`s e aurmetros foi enterrando-os em bifurcaes e, posteriormente, deixando-os descansar no ponto mais alto da montanha, entre uma araucria morta e outra viva. Parte deles desapareceu das bifurcaes, talvez tenham sido levados pelas entidades que circundam a regio. A geometria acamada do qual so feitos converte o sensvel na razo que espera por confirmao. Se tal sensibilidade me fosse concedida, poderia fazer do meu corpo um condutor de energia e, das minhas crenas, a padronizao de mtodos cientficos. Eu acho que a pseudocincia como a arte de escalar montanhas sem equipamentos e que as duas desgraas do homem so a m-vontade e o capital.

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    Qual seja a dimenso do abandono, raramente sou eu esse algo esquecido, perdido ou decomposto em alguma parte do universo, absolutamente disperso de juzos estticos ou morais. Guardo-me para garantir que o desaparecimento seja to real quanto a existncia. Para que a imagem em negativo de um esqueleto entoe no apenas a desfigurao fsica de um espao que guarda em si a memria do corpo, mas tambm a lembrana de seu estado histrico. Se o contedo da apario evoca seu contrrio porque a desapario no um fim em si, no tem em si mesma o seu limite. De resto, sinto-me como a gua que no cessa de escorregar pelas pedras escuras da cachoeira. Sigo o fluxo contnuo do processo, imerso no rudo branco exalado pelo meu prprio corpo. E no caminho inverso ao da queda, esforo-me para mudar a direo das correntes. No lugar dos ps, apoio minha cabea at a inverso completa do plano ou at a completude da obra. E desse jogo de complexidades, de dualidades litigiosas, de inverses de planos, construo a solido que concede ao homem a derrota da prpria indigncia.

  • 50 Premio TAC Terra Una

    Em cada bifurcao da estreita estrada de cho, h um conjunto de indumentrias precrias, construdas com materiais despregados das rvores e do solo: cascas metlicas de bambu, um amontoado de folhas de cana e de capim limo, galhos secos de araucria. Dispostas no cho, as peas que compem aquele corpo esvado no tardaro tambm a desaparecer. Decidi seguir o caminho oposto ao de costume at o ponto mais alto da montanha, aonde se pode ver a bifurcao. Duas horas de espera sob a chuva foram o suficiente para avistar, ao longe, um homem completamente nu. Os braos dele caminhavam pelo ar com gestos serpentinos contnuos, a face impvida revelava uma dimenso sagrada e os lbios balbuciavam qualquer espcie de lngua morta. O corpo dele avanou paulatinamente em direo s indumentrias. Uma a uma, vestiu-as at o torpor. Num dado momento ele abaixou, cavou superficialmente a terra, retirou dela um pndulo e deixou a gravidade agir sobre ele. Eu continuava sentada, s fazendo observar. O pndulo apontou o caminho em cujo fim estava meu corpo. J na escurido da floresta, esperei o encontro. Com a ansiedade de quem precisa desfazer uma atadura para olhar a profundidade do corte. Durante a espera pensava em como poderia incidir objetivamente na realidade, mud-la, apag-la, estanc-la. Ele estava muito prximo da rvore de copa perfumada quando me avistou. Foi seu ltimo olhar, antes que fosse tragado por um raio, j em catastrfica palidez.

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  • 52 Premio TAC Terra Una

    Havia nela uma inquietao estranha, intensa. Movia-se lentamente com o cair do orvalho, sem deixar-se encharcar. Ainda que desagradavelmente spera e insolente, para mim era uma sorte t-la encontrado. No recordo seu nome, mas deve ter em torno de vinte centmetros, sustentada por um tronco fino e esbranquiado. Deveria ter dito antes que as folhas dela so largas e que causam m digesto. claro que elas so parte indispensvel do meu trabalho, do contrrio no estaria preocupado em descrev-las com tanta mincia. Colhi, lavei e recortei todas em silncio, pensando em como meu corpo poderia dissolv-las sem conflito. Mas sob tais circunstncias - o prazo sendo esgotado, presso da organizao do evento, o grupo ansioso por visualizar a obra a deciso de utiliz-las passou a ser irreversvel. Organizei sequncias formais com as folhas desta mesma rvore, que todos engoliram a contragosto. Pela arte, as pessoas dissolvem com saliva at superfcies speras. No tardou at que um dos integrantes desenvolvesse uma alergia que tomou todo o corpo dele. Passaram algumas horas e todos estavam com os mesmo sintomas: manchas vermelhas na parte interna das coxas e dos braos, inchao nos olhos e muita coceira. A nica forma de resolver a situao que poderia vir a se tornar uma catstrofe seria visitar uma benzedeira que morava a trinta minutos do vale. Dona Florncia entoou alguns cantos, tocou com uma vara aromtica em cada um dos corpos e entregou um punhado de folhas com propriedades curativas para serem usadas no banho. Descobrimos, dias depois, que essa rvore foi plantada sobre uma placenta que estava guardada havia dois anos e meio no freezer de um dos moradores da regio.

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    ltimo dia da colheita de mel. Estou bem consciente de que a Arte em si irrelevante. Na camionete Bandeirante h um ventiladorzinho que corta as abelhas pela metade. No difcil notar a sujeira das tripas quando espatifadas no vidro. Hoje em dia poucos de ns tm qualquer iluso a respeito da existncia da arte verdadeiramente poltica. A roupa dividida em duas partes, uma interna e outra externa. Sobre a cabea, coloquei uma mscara com grades em 360. Fechei todas as aberturas com fitas de borracha, vesti as luvas e liguei a cmera. Mas considerando o destino dos artistas nas sociedades totalitrias, suponho que deveriam empregar o tempo deles mais sabiamente. Esperei o Z e o seu Tunico se vestirem. A sujeira do vidro da camionete no era muito diferente do encardido das roupas. Talvez os artistas sejam mais culpados do que os no-artistas do crime da ingenuidade poltica da qual todos ns sofremos. Seu Tunico fez um elogio minha coragem, passou a mo no meu ombro, deu um sorriso para a cmera e me mandou seguir em frente. A estrutura-acontecimento de tal trabalho est em tremenda vantagem sobre o sistema dos contatos dinheiro-poder-social que alimenta a imagem do artista e da arte mundial. Das oito caixas abertas, em apenas duas havia mel. O negro da cmera em contraste com o suposto branco das roupas causava atrao e comoo nas abelhas. A nica coisa certa que os artistas continuaro a fazer arte, as abelhas a fazer mel. E parte dessa arte no ser sempre reconhecida como arte, parte dela pode mesmo ser chamada de trabalho.

  • 54 Premio TAC Terra Una

    a) um dissenso. Curiosssimas pessoas essas que conservam apanhados pontos de vista coloniais sobre as relaes mtuas de servos e senhores. O contrabando de rgos vitais, alm de gerar uma situao econmica estvel na cidade, apresenta um nvel de complexidade similar ao processo importador nos demais pases do mundo. Todos os procedimentos esto informatizados em um Sistema Integrado de Comrcio Exterior Ilegal, no qual os rgos governamentais esto interligados a todos os agentes que, de alguma forma, tm participao ativa nos processos de exportao e importao.

    b) um consenso. A CNV - comunicao no violenta uma prtica para a resoluo de relaes penosas e est diretamente ligada a uma filosofia que busca resolver conflitos internos e externos. Todos os procedimentos esto interligados com um olhar poltico de descolonizar os hbitos e as relaes mtuas de servos e senhores. Na construo de um territrio compartilhado h uma forte predominncia da escuta e do silncio que, de alguma forma, tm participao ativa nos processos sociais.

    a+b) Procuro verter tempos e espaos para confundir a pura objetividade fotogrfica e apontar a desconstruo do instante. Comporto a autoria pelo discurso, exporto cultura e opulncia pela permanncia no circuito. A vontade da arte o artista. Parte deles exportada ou importada por processos de despacho aduaneiro comum. Em algumas situaes, no entanto, eles podem optar pelo despacho aduaneiro simplificado. O presente de barbrie no est dissociado do mercado de arte, nem do contrabando de rgos vitais, nem da posse de territrios no conflituosos. E a tem um certo egosmo de creditar ao mundo todas essas mazelas do homem.

  • Premio TAC Terra Una 55

    No preciso de uma ideologia revolucionria para fazer revoluo. O movimento do lpis sobre a superfcie branca do papel supre qualquer necessidade de afiliao a um partido comunista. Eu desenho e existo na fugacidade interminvel do tempo. Passo os dias coletando as coisas cadas, deslocadas, informes e desprezveis da natureza e do homem. Talvez porque no acredite em grandes conquistas, em gnios ou em relaes estveis. Prefiro devolver ao mundo o que por ele ignorado. Afinal, imaginar a nica forma de comunicao vivel na escurido quase negra para onde dirijo minha ateno.

    lista de coisas ignoradasclips enferrujadopedregulhohoras telepticasfolhas mortasbesourosvciosrotinascera de ouvidoroteiros de viagens no realizadasmapas de lugares que no existemclios cermica quebradamofosfio dental usadopalitos de fsforo queimadosmedofeijo deformadomosca mortaobturao de dentes molares

  • 56 Premio TAC Terra Una

    Se existe uma bvia ponte entre o artificial e o natural, porque esse vnculo se apresenta como uma polarizao. O ato potico parece uma espcie de posse ontolgica, sobre o qual incido com os artifcios que no limitam a arte a um mero espetculo. Perto da instalao sonora h duas araucrias gmeas, uma morta e outra viva. A morta o plo negativo onde est instalado o artifcio, a viva o plo positivo onde est a posse ontolgica.

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    Crditos das fotos

    Capa e contracapa 10, 25, 27, 58, 59

    2926, 30, 31, 60, 61

    5157

    62, 63*63

    Pedro Victor BrandoLucas SargentelliLouise BotkayDesenho KaloanBeatriz LemosDomingos GuimaraensBartolo

    Impresso no Rio de Janeiro em Junho de 2013 pela Walprint Grfica e Editora.Miolo em papel Reciclado Imune 90g e capa em Reciclado Imune 240g/m.As fontes usadas foram Helvetica e Diavlo.

    O Prmio TAC TERRA UNA uma realizao de Terra UNA graas ao patrocnio da TAC-Toulouse Arte Contempornea e concedeu bolsas de residncia entre os dias 20 de fevereiro e 12 de maro de 2013 na ecovila Terra UNA. Uma exposio com o resultado da residncia ficou em cartaz no Galpo TAC em junho/julho do mesmo ano.

    Participaram muitas pessoas nesta residncia. 6 artistas brasileiros foram premiados:Denise Alves-Rodrigues (SP), Kaloan (SP), Lucas Sargentelli (RJ), Louise Botkay(RJ), Pedro Victor Brando(RJ), e Bartolo(RJ).

    Um artista veio atravs da convocatria internacional: Yosman Botero Gmez (Colmbia). Tivemos duas convidadas: a curadora Kamilla Nunes (SC), e Elena Landnez (Colmbia), artista e gestora do programa parceiro Residencia en la Tierra.

    Estes participantes escolheram por consenso Denise Alves-Rodrigues para ganhar o Prmio extra em que ela vai em residncia por um ms na Colmbia. A equipe que organizou o projeto foi formada por Nadam Guerra, Beatriz Lemos e Domingos Guimaraens na coordenao e por Luciane Lima e Mrcia Peixoto na produo local.

    Se agregaram a residncia tambm a pesquisadora Lgia Protti (ES) e as voluntrias Florencia Martinez (argentina) e Juliana Sicuro (RJ).A arte desta revista e do site correspondente ficaram a cargo de Elena Landnez, o design do cartaz e site de convocatria do prmio foram feitos por Juliana Frontin e o banco de dados foi programado por Hlio Ricardo da Brainstorm Consultoria.

    Tivemos o apoio do Ponto de Cultura e Sustentabilidade, da Escola Estadual Frei Jos Wulff e do CRAS de Liberdade na realizao das oficinas destes artistas na cidade de liberdade. E temos que agradecer imensamente a todos, pois cada um ao seu modo ajudou este projeto a ser como foi: Adelberto dos reis Novaes, Antnia Erian, Antnio Evaristo de Mendona, Bruno Queiroz, Chico Polnio, Darlene Resende, Dona Rita benzedeira, Diogo Alvim, Emmanuel Khodja, caro dos Santos, Gus de Moura Almeida, Ins Isidoro, Jaya Pravaz, John Harding, Joelma Ferreira, Josinei dos Santos, Kadija de Paula, Lauzina Costa Almeida, Lurdes e Toninho Gardino, Maria da Glria Braga, Maria da Glria Ferraira dos Santos, Marina Dain, Patrick Pessoa, Pedro Seiblitz, Polina Porras, Priscila Quintanilha, Snia Agnes, Tata Ogan, Thais Medeiros, Tuan Pravaz Damasceno, Valdinei dos Santos, Z do Manuel e Zuza.

  • Premio TAC Terra Una 65

  • contraportada

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