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2020 Código de PROCESSO PENAL e Lei de EXECUÇÃO PENAL Comentados Artigo por artigo Doutrina Jurisprudência Destaques para aspectos circunstanciais CPP+LEP Comentados Rogério Sanches Cunha Ronaldo Batista Pinto revista atualizada 4 a edição

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2020

Código de PROCESSO PENAL e

Lei de EXECUÇÃO PENALComentados – Artigo por artigo –

• Doutrina • Jurisprudência• Destaques para aspectos circunstanciais

CPP+LEPComentado

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Rogério Sanches Cunha Ronaldo Batista Pinto

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PARTE I – CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COMENTADO Art. 3º

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processual, motivo pelo qual deve ser aplicado de forma imediata sobre os atos processuais em curso” (STJ – HC n° 139670-DF, Rel. Jorge Mussi, j. 09.10.2012, DJe 22.10.2012).

Art. 3º A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios ge-rais de direito.

Necessidade de interpretação – Na lição de Hélio Tornaghi, “intérprete era intermediário entre vendedor e comprador de uma mercadoria e que lhe fixava o preço (pretiun). Daí, isto é, de inter e pretium, lhe adveio o nome: intérprete. Acontece que, para desempenhar sua missão, ele precisava falar as línguas das duas partes. Por isso chama-se interpretação o ato de tornar manifesto para cada uma delas o que a outra diz. A expressão generalizou-se e passou a significar o ato de manifestar o sentido de alguma coisa. Fala-se em contrato, do testamento, da lei e assim por diante” (Curso de Processo Penal, São Paulo: Saraiva, 7ª. Ed., 1990, p. 25). O ideal é que a legislação não reclamasse de interpretação, bastando que se extraísse do texto legal a sua literalidade. Mas tamanha a gama de situações que podem advir da vida cotidiana, que seria impossível o legislador prever a todas, pelo que, em inú-meras vezes, a palavra trazida na lei e a análise de seu significado mostram-se insuficientes para desvendar a intenção do legislador, a ratio legis. Nesses casos, contendo a lei lacunas, deve o operador do Direito buscar outras fontes de interpretação, in casu, interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.

Como destacamos em nosso Violência Doméstica, Lei Maria da Penha comentada artigo por artigo, “não que se pretenda, com isso, negar a importância da chamada inter-pretação gramatical ou filológica, que toma por base o significado da palavra contida na lei ou sua função gramatical. Tem ela sua relevância e se constitui, mesmo, no primeiro passo para a interpretação da lei. Mas não é suficiente. De sorte que, a simples análise do alcance da palavra, insulada do contexto em que foi produzida, sem se atentar ao espírito da norma, induz a uma interpretação defeituosa, fincada na velha afirmação de que o tex-to claro prescinde de interpretação, sintetizada no brocardo latino segundo o qual in claris cessat interpretatio (Salvador: Ed. Juspodivm, 8ª.ed., 2018, p. 47).

E prosseguimos: “Foi longe o tempo em que, por ilusão, se entendia que o legislador tudo podia prever e, com isso, ao juiz nada mais restava senão, como verdadeiro matemá-tico, aplicar a lei. O Código da Baviera, de 1812, chegava a proibir o juiz de interpretar a lei. À época do Código de Napoleão, o civilista não ensinava o direito civil a seus alunos, mas sim o Código. Aliás, o direito civil era o próprio Code. Essa falsa impressão, atual-mente, não mais sobrevive, cabendo ao intérprete, assim, adequar a norma aos dias em que vive. Preso a valores éticos ou religiosos, incorreria em enorme equívoco o juiz que, por exemplo, deixasse de reconhecer, nos tempos modernos, a existência de relacionamentos homossexuais a exigirem a proteção da lei. Eles sempre existiram. Mas a necessidade de sua tutela, hoje, é muito maior do que era há cinqüenta anos, em face do surgimento de novos direitos, novas relações e novas realidades inconcebíveis àquela época. É com esse espírito, desarmado, despido de preconceitos, livre de fetichismos e atento à realidade que o cerca, que deve o intérprete, em nosso entendimento, enfrentar os desafios propostos pela lei” (ob. cit., pp. 47-8).

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DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941Art. 3º

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Precioso voto do Ministro Sálvio de Figueiredo, do Superior Tribunal de Justiça, en-sina que “a vida, enfatizam os filósofos e sociólogos, e com razão, é mais rica que nossas teorias. A jurisprudência, com o aval da doutrina, tem refletido as mudanças do compor-tamento humano no campo do direito de família. Como diria o notável De Page, o juiz não pode quedar-se surdo às exigências do real e da vida. O direito é uma norma essen-cialmente viva. Está ele destinado a reger homens, isto é, seres que se movem, pensam, agem, mudam, se modificam. O fim da lei não deve ser a imobilização ou a cristalização da vida, e sim manter contato íntimo com esta, segui-la em sua evolução e adaptar-se a ela (...). Em outras palavras, a interpretação das leis não deve ser formal, mas sim, antes de tudo, real, humana, socialmente útil” (RSTJ 129/364).

Há, pois, a necessidade de se buscar a correta interpretação da lei, que não se restrinja a mera literalidade do texto, naquilo que se chama interpretação gramatical (a quem já se atribuiu a pecha da forma mais hedionda de interpretação). Como destaca Hélio Tornaghi, na apresentação de sua obra, “a idolatria da lei pode obcecar o legislador. Há duas manei-ras de conceber a função do juiz. A primeira [...] é a do juiz funcionário público, armado com aquela máquina de pensar que o prende aos grilhões da letra estreita da lei. Diante de um caso ele aperta os botões do mecanismo e descobre a solução dada pelo legislador, sem precisar ter em conta as circunstâncias do caso ocorrente. A segunda é a do juiz que sente e pensa como qualquer pessoa normal, que não é peça de uma engrenagem; que ve-rifica a lei com o oxigênio da realidade” (ob. cit., pp. XIV e VX).

Interpretação extensiva – Para Eduardo Espínola Filho, “a interpretação produz efeito ex-tensivo, quando leva a aplicação da lei a casos não expressamente incluídos em sua fórmu-la, mas virtualmente compreendidos no seu espírito” (ob. cit., vol. I, p. 217). E prossegue: “Como exemplos de interpretação extensiva, apresentam-se os casos em que, falando a lei em filhos, se dá o significado de abranger todos os descendentes; em homens, deve tam-bém compreender as mulheres; em doações, quer alcançar, igualmente, as transmissões a título gratuito, mortis causa, etc.” (ob. cit., p. 219). Ou, como destaca Hélio Tonaghi, “se, por exemplo, uma lei fala em crime para designar infração penal, ela deve ser estendida às contravenções que não são crime, em sentido estrito, mas o são no significado amplo da palavra” (ob. cit., vol. I, p. 26). Essa espécie de interpretação permite estender a aplicação de um preceito legal às hipóteses onde se verifica omissão. Assim, em exemplo de Tourinho Filho, “quando o art. 33 do CPP permite ao juiz nomear Curador especial para o exercício do direito de queixa, obviamente que essa mesma regra se aplica para o exercício direito de representação. Quem pode o mais pode o menos (Código de Processo Penal comentado, São Paulo: Saraiva, 9ª. Ed., 2005, pp. 25-6).

Aplicação analógica – É aquela que permite se tomar determinado fato, onde há uma pre-visão legal e se aplicar a outro fato, semelhante e análogo, mas desprovido de lei. Isto é, para um fato, onde há uma lacuna legal, se aplica a solução legal prevista na norma para outro fato idêntico. Afinal, onde existe a mesma razão deve ser aplicado o mesmo direito (ubi eadem ratio ibi idem jus). Perceba-se que o juiz, ao interpretar a lei, não cria direi-to novo, mas apenas aplica dispositivo legal já existente a casos semelhantes (análogos). Assim, por exemplo, ao disciplinar a expedição da carta precatória, previu o legislador a possibilidade do depoimento da testemunha de fora ser tomado por videoconferência (art. 222, § 3°). Já ao dispor a respeito da carta rogatória (art. 222-A), não fez qualquer menção, nada impedindo, porém, que por meio de uma interpretação analógica, se estenda tam-bém às rogatórias essa possibilidade. Trata-se, de resto, de possibilidade prevista no art. 4º

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PARTE I – CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COMENTADO Art. 3º-B

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da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n° 4.657/1942), verbis: ”Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Princípios gerais de direito – Quando as interpretações extensivas e analógicas não se pres-taram a suprir a lacuna legal e ante a impossibilidade de o juiz deixar de aplicar o direito ao caso concreto, deve se valer dos princípios gerais do direito. A doutrina diverge sobre o exato conceito desses princípios e, desde os tempos mais remotos, inúmeras teorias foram construídas a respeito, nem sempre coincidentes entre si. Sob um aspecto, poderiam esses princípios representar a consciência ética de determinado povo, permitindo, a partir daí, que se supra a lacuna ou omissão da lei. Há quem acredite que a expressão “princípios ge-rais do direito” pode ser entendida para designar os dogmas que influenciam determinada legislação, como os princípios do contraditório, da ampla defesa, da economia processu-al etc., extraindo-se, a partir daí, a complementação para o caso concreto, onde a lei fora omissa. Câmara Leal, citando Scialoja, indica que “convém partir das disposições da lei e ir, por abstração, de conceito em conceito, cada vez mais generalizando e, depois, do geral tor-nando a descer ao particular, para julgar, no dizer de Aristóteles, como o próprio legislador teria dito se estivesse presente, e como teria disposto se o tivesse previsto” (ob. cit., p. 78).

JUIZ DAS GARANTIAS

Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atua-ção probatória do órgão de acusação.’

Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da le-galidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente:

I – receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inci-so LXII do caput do art. 5º da Constituição Federal;

II – receber o auto da prisão em flagrante para o controle da lega-lidade da prisão, observado o disposto no art. 310 deste Código;

III – zelar pela observância dos direitos do preso, podendo deter-minar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo;

IV – ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal;

V – decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra me-dida cautelar, observado o disposto no § 1º deste artigo;

VI – prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las, assegurado, no primeiro caso, o exercício do contraditório em audiência pública e oral, na forma do disposto neste Código ou em legislação especial pertinente;

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DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941Art. 3º-B

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VII – decidir sobre o requerimento de produção antecipada de pro-vas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contra-ditório e a ampla defesa em audiência pública e oral;

VIII – prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investi-gado preso, em vista das razões apresentadas pela autoridade po-licial e observado o disposto no § 2º deste artigo;

IX – determinar o trancamento do inquérito policial quando não hou-ver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;

X – requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação;

XI – decidir sobre os requerimentos de:

a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação;

b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico;

c) busca e apreensão domiciliar;

d) acesso a informações sigilosas;

e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fun-damentais do investigado;

XII – julgar o  habeas corpus  impetrado antes do oferecimento da denúncia;

XIII – determinar a instauração de incidente de insanidade mental;

XIV – decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos ter-mos do art. 399 deste Código;

XV – assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito outorgado ao investigado e ao seu defensor de acesso a todos os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investi-gação criminal, salvo no que concerne, estritamente, às diligências em andamento;

XVI – deferir pedido de admissão de assistente técnico para acom-panhar a produção da perícia;

XVII – decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração premiada, quando formalizados duran-te a investigação;

XVIII – outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo.

§ 1º (VETADO).

§ 2º Se o investigado estiver preso, o juiz das garantias poderá, me-diante representação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público, prorrogar, uma única vez, a duração do inquérito por até

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PARTE I – CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COMENTADO Art. 3º-F

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15 (quinze) dias, após o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a prisão será imediatamente relaxada.’

Art. 3º-C. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código.

§ 1º Recebida a denúncia ou queixa, as questões pendentes serão decididas pelo juiz da instrução e julgamento.

§ 2º As decisões proferidas pelo juiz das garantias não vinculam o juiz da instrução e julgamento, que, após o recebimento da denún-cia ou queixa, deverá reexaminar a necessidade das medidas cau-telares em curso, no prazo máximo de 10 (dez) dias.

§ 3º Os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria desse juízo, à dis-posição do Ministério Público e da defesa, e não serão apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis, medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em apartado.

§ 4º Fica assegurado às partes o amplo acesso aos autos acaute-lados na secretaria do juízo das garantias.’

Art. 3º-D. O juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer ato incluído nas competências dos arts. 4º e 5º deste Código fica-rá impedido de funcionar no processo.

Parágrafo único. Nas comarcas em que funcionar apenas um juiz, os tribunais criarão um sistema de rodízio de magistrados, a fim de atender às disposições deste Capítulo.’

Art. 3º-E. O juiz das garantias será designado conforme as nor-mas de organização judiciária da União, dos Estados e do Distrito Federal, observando critérios objetivos a serem periodicamente di-vulgados pelo respectivo tribunal.

Art. 3º-F. O juiz das garantias deverá assegurar o cumprimento das regras para o tratamento dos presos, impedindo o acordo ou ajuste de qualquer autoridade com órgãos da imprensa para explo-rar a imagem da pessoa submetida à prisão, sob pena de respon-sabilidade civil, administrativa e penal.

Parágrafo único. Por meio de regulamento, as autoridades deve-rão disciplinar, em 180 (cento e oitenta) dias, o modo pelo qual as informações sobre a realização da prisão e a identidade do preso serão, de modo padronizado e respeitada a programação normati-va aludida no caput deste artigo, transmitidas à imprensa, assegu-rados a efetividade da persecução penal, o direito à informação e a dignidade da pessoa submetida à prisão.

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DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941Art. 3º-F

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Redação antes da Lei 13.964/19 Redação depois da Lei 13.964/19

Sem norma correspondente. Juiz das Garantias

Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusató-ria, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investiga-ção e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.’

Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo con-trole da legalidade da investigação criminal e pela sal-vaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judici-ário, competindo-lhe especialmente:

I – receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do caput do art. 5º da Consti-tuição Federal;

II – receber o auto da prisão em flagrante para o con-trole da legalidade da prisão, observado o disposto no art. 310 deste Código;

III – zelar pela observância dos direitos do preso, po-dendo determinar que este seja conduzido à sua pre-sença, a qualquer tempo;

IV – ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal;

V – decidir sobre o requerimento de prisão provisó-ria ou outra medida cautelar, observado o disposto no § 1º deste artigo;

VI – prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las, asse-gurado, no primeiro caso, o exercício do contraditó-rio em audiência pública e oral, na forma do disposto neste Código ou em legislação especial pertinente;

VII – decidir sobre o requerimento de produção ante-cipada de provas consideradas urgentes e não repe-tíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral;

VIII – prorrogar o prazo de duração do inquérito, es-tando o investigado preso, em vista das razões apre-sentadas pela autoridade policial e observado o dis-posto no § 2º deste artigo;

IX – determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;

X – requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investi-gação;

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PARTE I – CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COMENTADO Art. 3º-F

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Redação antes da Lei 13.964/19 Redação depois da Lei 13.964/19

XI – decidir sobre os requerimentos de:

a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação;

b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico;

c) busca e apreensão domiciliar;

d) acesso a informações sigilosas;

e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado;

XII – julgar o habeas corpus impetrado antes do ofe-recimento da denúncia;

XIII – determinar a instauração de incidente de insa-nidade mental;

XIV – decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do art. 399 deste Código;

XV – assegurar prontamente, quando se fizer neces-sário, o direito outorgado ao investigado e ao seu de-fensor de acesso a todos os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investigação crimi-nal, salvo no que concerne, estritamente, às diligên-cias em andamento;

XVI – deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia;

XVII – decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração premiada, quando formalizados durante a investigação;

XVIII – outras matérias inerentes às atribuições defi-nidas no caput deste artigo.

§ 1º (VETADO).

§ 2º Se o investigado estiver preso, o juiz das garan-tias poderá, mediante representação da autoridade policial e ouvido o Ministério Público, prorrogar, uma única vez, a duração do inquérito por até 15 (quinze) dias, após o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a prisão será imediatamente relaxada.

Art. 3º-C. A competência do juiz das garantias abran-ge todas as infrações penais, exceto as de menor po-tencial ofensivo, e cessa com o recebimento da de-núncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código.

§ 1º Recebida a denúncia ou queixa, as questões pen-dentes serão decididas pelo juiz da instrução e jul-gamento.

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DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941Art. 3º-F

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Redação antes da Lei 13.964/19 Redação depois da Lei 13.964/19

§ 2º As decisões proferidas pelo juiz das garantias não vinculam o juiz da instrução e julgamento, que, após o recebimento da denúncia ou queixa, deverá reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso, no prazo máximo de 10 (dez) dias.

§ 3º Os autos que compõem as matérias de compe-tência do juiz das garantias ficarão acautelados na se-cretaria desse juízo, à disposição do Ministério Públi-co e da defesa, e não serão apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os documentos relativos às provas irre-petíveis, medidas de obtenção de provas ou de an-tecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em apartado.

§ 4º Fica assegurado às partes o amplo acesso aos autos acautelados na secretaria do juízo das garantias.

Art. 3º-D. O juiz que, na fase de investigação, prati-car qualquer ato incluído nas competências dos arts. 4º e 5º deste Código ficará impedido de funcionar no processo.

Parágrafo único. Nas comarcas em que funcionar ape-nas um juiz, os tribunais criarão um sistema de rodí-zio de magistrados, a fim de atender às disposições deste Capítulo.

Art. 3º-E. O juiz das garantias será designado con-forme as normas de organização judiciária da União, dos Estados e do Distrito Federal, observando crité-rios objetivos a serem periodicamente divulgados pelo respectivo tribunal.

Art. 3º-F. O juiz das garantias deverá assegurar o cum-primento das regras para o tratamento dos presos, im-pedindo o acordo ou ajuste de qualquer autoridade com órgãos da imprensa para explorar a imagem da pessoa submetida à prisão, sob pena de responsabi-lidade civil, administrativa e penal.

Parágrafo único. Por meio de regulamento, as auto-ridades deverão disciplinar, em 180 (cento e oitenta) dias, o modo pelo qual as informações sobre a rea-lização da prisão e a identidade do preso serão, de modo padronizado e respeitada a programação nor-mativa aludida no caput deste artigo, transmitidas à imprensa, assegurados a efetividade da persecução penal, o direito à informação e a dignidade da pes-soa submetida à prisão.

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PARTE I – CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COMENTADO Art. 3º-F

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ATENÇÃO – O Min. Luiz Fux, no exercício da presidência do STF, nas ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, suspendeu, liminarmente, a implantação do juiz das ga-rantias por prazo indeterminado. Em apertada síntese, ponderou o Minisitro, não sem razão, que a criação do juiz das garantias não apenas reforma, mas refunda o processo penal brasileiro e altera direta e estruturalmente o funcionamento de qualquer unidade judiciária criminal do país, ensejando completa reorganização da justiça criminal. Por isso mesmo, o projeto aprovado funciona como uma re-forma do Poder Judiciário. Deveria, então, ter vindo de proposta do Judiciário, como determina o art. 93, “d”, da CF/88. A sua decisão deverá ser (re)ratificada pelo Pleno, razão pela qual entendemos importante comentar os vários artigos do presente capítulo, ainda que de forma resumida.

Sistema acusatório e o juiz das garantias – No sistema acusatório, cada sujeito processu-al tem uma função bem definida no processo. A um caberá acusar (como regra, o Minis-tério Público), a outro defender (o advogado ou defensor público) e, a um terceiro, julgar (o juiz). A lição de José Frederico Marques merece ser lembrada (Estudos de Direito Pro-cessual, Rio de Janeiro: Forense, 19, p. 23). O citado autor identifica as principais caracte-rísticas do sistema acusatório, a saber: a) separação entre os órgãos da acusação, defesa e julgamento, de forma a se instaurar um processo de partes; b) liberdade de defesa e igual-dade de posição das partes; c) vigência do contraditório; d) livre apresentação das provas pelas partes; e) regra do impulso processual autônomo, ou ativação inicial da causa pelos interessados (ne procedat judex ex officio). Diríamos, em acréscimo: o processo é público, salvo algumas situações previstas em lei.

A nossa Bíblia Política de 1988 adota esse sistema. A Lei 13.964/19, obediente à Car-ta Maior, foi clara: o processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação (art. 3º-A do CPP). A suspensão deste artigo pelo STF não permite concluir que nosso orde-namento, sob o comando da Constituição Federal, adota sistema diverso do acusatório.

Dentro desse espírito, e visando harmonizar nosso CPP ao sistema constitucional, a nova Lei cria a figura do juiz das garantias, órgão jurisdicional com a missão de acompa-nhar as diversas etapas da investigação. O juiz das garantias é o responsável pelo contro-le da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário (art. 3º-B). Dessa forma, o juiz que julgará o caso – juiz de instrução – somente terá contato com o resulta-do da investigação depois de oferecida e recebida a inicial acusatória. A ideia que permeia a criação do instituto do juiz das garantias é a de distanciar o juiz de instrução da fase an-terior, o que, acredita-se, lhe dará maior imparcialidade.

Em suma, com a nova estrutura, por ora suspensa, instala-se verdadeira separação entre as funções judiciais ligadas à investigação e ao processo. Como bem explica Fabiano Augusto Martins Silveira:

“É fácil acompanhar o raciocínio. Não tendo emitido juízo sobre a oportunidade e conveniência de diligências que invadem direitos fundamentais do investigado, tampouco sobre pedidos cautelares, o magistrado entra no processo sem o peso de ter decidido a fa-vor ou contra uma das partes. Não leva consigo o passivo da fase pré-processual. Não tem compromisso pessoal com o que se passou. Não colaborou na identificação das fontes de prova. Não manteve o flagrante nem decretou a prisão preventiva. Não impôs o sequestro

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DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941Art. 3º-F

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de bens. Não autorizou a interceptação de conversas telefônicas nem a infiltração de agen-tes, etc. etc. Quer dizer, em nenhum momento compartilhou a perspectiva dos órgãos de persecução penal” (O Código, as cautelares e o juiz das garantias, Revista de Informação legislativa n. 183, julho/set 2009, p 89).

ATENÇÃO - Na sistemática tradicional, a regra de competência vai no senti-do diametralmente oposto, isto é, o juiz da investigação torna-se prevento para prosseguir no feito até final julgamento (arts. 75, parágrafo único, e 83 do CPP).

Observe-se, contudo, que no sistema acusatório, mesmo o juiz das garantias não deve imiscuir-se na fase investigatória, senão quando necessária a sua intervenção, sempre pro-vocada pelos órgãos que atuam na investigação. O juiz das garantias não é um juiz inves-tigador. Nesse sistema, a inércia do juiz em relação à persecução penal deve ser absoluta, não sendo possível a adoção de medidas que promovam ou incentivem a decisão de acu-sar, sob pena de quebra do princípio da imparcialidade objetiva.

Críticas - A maioria das críticas não recai sobre o instituto propriamente dito, isto é, na serventia de um juiz com competência exclusiva para acompanhar a fase investigativa, mas sim na absoluta incompatibilidade desse sistema diante da realidade da maioria dos Tribu-nais Federais e Estaduais. Eis a viga mestra da liminar que suspendeu sua implantação no nosso ordenamento. São questões de ordem prática e orçamentária. Levantamento efetua-do pela Corregedoria Nacional de Justiça revelou que 40% das varas da Justiça Estadual no Brasil são constituídas em comarca única, leia-se, com apenas um magistrado encarregado da jurisdição. Nesses locais, sempre que o único magistrado da comarca atuar na fase do inquérito, ficará automaticamente impedido de dizer o direito na fase seguinte, impondo--se o deslocamento de outro magistrado, não raras vezes, de comarca distinta. Vencer esse obstáculo passa pelo inevitável aumento do quadro de juízes e servidores, providência que esbarra em questões orçamentárias. Para muitos, a solução trazida pelo art. 3º-D (sistema de rodízio de magistrados) não resolve, sendo, quando muito, balsâmica.

Mesmo sendo públicas as dificuldades acima, o legislador previu para sua implemen-tação um prazo de vacatio de 30 dias. Estamos diante de um novo sistema de persecução criminal que merecia, certamente, prazo maior. Eis a finalidade da liminar concedida pelo cauteloso Min. Fux.

Inconstitucionalidade – já existe corrente no sentido de que a Lei 13.964/19 padece de vício formal, mais precisamente, de iniciativa. O projeto, nesse ponto (sistema do juiz das garantias), deveria ter vindo de proposta do Judiciário (art. 93, “d”, CF/88). Essa tese se-duziu o Min. Fux, servindo como um dos fundamentos da liminar acima referida. A ADI proposta pela AMB (Associação dos Magistrados do Brasil) e a Ajufe (Associação dos Juízes Federais) aduzem que a Lei 13.964/19 não somente padece de vício formal, como também ignora princípios basilares, como o da isonomia, ao não prever o juízo das garantias no âmbito dos Tribunais. As entidades autoras da ADI argumentam, também, que a criação do juiz das garantias representa ofensa ao princípio do juiz natural decorrente da inobser-vância da jurisdição una e indivisível. Afinal, em primeiro grau há apenas um juiz natural criminal (estadual ou federal).

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Juiz das garantias nos tribunais – De fato, a Lei 13.964/19 não mandou observar a figu-ra do juiz das garantias nos Tribunais. Mas tem um motivo. O risco que se busca evitar no primeiro grau não existe no julgamento colegiado. Ainda que o relator atue nas duas etapas da persecução, na fase do processo o julgamento é plural. O resultado não depende absolutamente do seu convencimento.

Juiz das garantias no tribunal do júri – já percebemos corrente lecionando que o juiz das garantias, se e quando implementado no nosso ordenamento, não deve ser aplicado no procedimento especial do júri. Argumentam, em resumo, que no Tribunal do Júri o juiz do julgamento (jurados) está separado do juiz da instrução (juiz togado). Ousamos, desde logo, discordar. Em que pese a decisão de mérito, em regra, ser de competência constitu-cional dos juízes leigos (jurados), temos casos em que o juiz togado decide o tema central, reconhecendo autoria e materialidade. Conseguimos vislumbrar, pelo menos, duas hipó-teses em que esse cenário ocorre. A primeira, quando, ao encerrar a fase de prelibação do procedimento, o juiz acolhe a única tese da defesa, julgando o réu inimputável, estando autorizado, desde logo, a julgar o mérito do processo e aplicar sanção penal (da espécie medida de segurança). Na segunda, quando os jurados, ao desclassificarem o crime em jul-gamento para outro diverso não doloso contra a vida (por exemplo, de homicídio tentado para lesão corporal), dão ao juiz togado o poder de julgar o mérito, podendo o magistra-do absolver ou condenar o réu. Esses dois panoramas parecem indicar a aplicação do juiz das garantias no tribunal do júri. Não podemos ignorar, ainda, que o conceito de sobera-nia dos veredictos admite mitigação.

Juiz das garantias na Lei Maria da Penha – também existe corrente defendendo a não introdução do sistema do juiz das garantias nas Varas da Violência Doméstica de Familiar contra a Mulher, com fundamento, principalmente, na especialização exigida do magistra-do que nela atua. Por mais sedutora que pareça a tese, não conseguimos enxergar cam-po fértil para a exceção. A Lei 13.964/19 excepcionou o juiz das garantias apenas na Vara dos Juizados Especiais Criminais, onde tramitam infrações de menor potencial ofensivo, sujeitas a medidas despenalizadoras e penas não privativas de liberdade. Não há qualquer similitude entre este Juizado e aquele da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. São diametralmente opostos. A Lei 9.099/95 sequer pode ser aplicada nos casos de violên-cia de gênero contra a mulher. Os crimes apurados na Vara da Violência Doméstica são graves violações a direitos humanos (arts. 2º e 6º, ambos da Lei 11.340/06), punidas com penas privativas de liberdade. Diante desse quadro, somos obrigados a discordar da tese da não aplicação do juiz das garantias no âmbito da Lei Maria da Penha.

Promotor de Justiça que acompanhou a investigação policial – Certamente, movidos pelo espírito do sistema do juiz das garantias, haverá corrente sustentando ter-se criado campo fértil para a implantação do “promotor de Justiça das garantias”, impedido de atuar na fase do processo, pois “contaminado” pela investigação. A tese contrária, contudo, é pacífica no sentido de que não se reconhece o impedimento ou suspeição do membro do Ministério Público que acompanhou a investigação policial. Vem, aliás, cristalizada na Súmula n° 234 do STJ, in verbis: “A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia”. Inclusive se conduziu, unilateralmente, atos de investigação no âmbito interno da institui-ção, por meio, por exemplo, de um inquérito civil. Pensar-se de forma diversa importaria em exigir do Ministério Público uma imparcialidade que não lhe é inerente. Por mais que

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se possa taxá-lo, como alertamos acima, de parte imparcial, ele é sempre parte. A imparcia-lidade se reclama do juiz, não do órgão acusador. Caso haja abuso na acusação, posterior-mente apurado no processo-crime, o juiz que absolva o réu e adote, se cabíveis, medidas de cunho correcional contra o promotor, enviando cópias dos autos aos setores compe-tentes. Mas daí se entender que uma investigação conduzida por determinado membro do Ministério Público o inibiria, posteriormente, de ofertar a denúncia, parece que vai longa distância. Ao contrário, por bem conhecer o teor do material colhido, é ele, sob o ponto de vista prático, o ente mais vocacionado a deflagrar o processo-crime.

Funções reservadas ao juiz de garantias – Os incisos e alíneas do art. 3º-B anunciam, de forma não exaustiva, as competências (funções) reservadas ao juiz das garantias, que de-verão ser desempenhadas sem perder de vista as premissas anunciadas no art. 3º-A, isto é, o processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de inves-tigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judi-ciário. Novamente nos socorrendo das lições de Fabiano Augusto Martins Silveira, o juiz das garantias “não age de ofício. Não requisita a abertura do inquérito policial, como também não solicita diligências investigativas. Ele é, antes, o responsável pelo controle da legalidade da investigação, nunca o gerente das tarefas policiais. Daí que os autos do inquérito não chegam a suas mãos, salvo nas hipóteses em que os direitos fundamentais do investigado devam sofrer restrições. Caso contrário, o que se tem é a simples comunicação da abertu-ra do inquérito à instância judicial, já que a tramitação unirá polícia e Ministério Público por uma via de mão dupla” (O Código, as cautelares e o juiz das garantias, Revista de In-formação legislativa n. 183, jul./set. 2009, p. 90).

Termo final da atuação do juiz das garantias – Nesse tanto, errou o legislador. O juiz das garantias, se e quando implementada no nosso ordenamento, não pode permanecer até a fase do art. 399 do CPP. Após o recebimento da inicial, que demanda apenas juízo de prelibação, a competência deve ser, incontinenti, do juiz da instrução, responsável pelo juízo de delibação.

Percebam que o legislador acabou inserindo entre as competências do juiz das ga-rantias – criado para atuar somente até a viabilidade da acusação – o poder para decidir mérito. Será este mesmo magistrado quem analisará a defesa escrita do denunciado (art. 396-A CPP), bem como o cabimento (ou não) da absolvição sumária (art. 397 CPP).

E que não se argumente que essa sua decisão (de mérito) não vincula o juiz da ins-trução e julgamento, que, após o recebimento da denúncia ou queixa, deverá reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso, no prazo máximo de 10 (dez) dias (§2º.). Esse argumento não resolve o problema. O reexame conferido ao juiz das instruções é das medidas cautelares apenas.

Logo, onde está escrito “art. 399 deste Código” deveremos ler art. 396 do CPP, sob pena de desvirtuamento do sistema.

Juiz das garantias e ação penal que dispensou investigação criminal – Diz o art. 3º-B, IV, que qualquer investigação de cunho criminal deve ser comunicada ao juiz das garantias, magistrado responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salva-guarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário. Mas e se não existiu investigação? Sabemos que o titular da ação penal,

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PARTE I – CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COMENTADO Art. 5º

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ATENÇÃO – A Lei n. 13.567, de 21 de dezembro de 2017, instituiu o 3 de dezem-bro como o Dia do Delegado de Polícia. A propósito, o Dia Nacional do Ministé-rio Público é comemorado em 14 de dezembro (art. 82 da Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993). E em 11 de agosto, o dia do Advogado e do Magistrado, data na qual foram criados os primeiros cursos de Direito no Brasil (em São Paulo e em Olinda), por decreto do Imperador D.Pedro I. Já em 19 de maio é instituído como o Dia do Defensor Público (Decreto nº 10.448, de 9 de maio de 2002).

Art. 5º Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:

I – de ofício;

II – mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualida-de para representá-lo.

§ 1º O requerimento a que se refere o nº II conterá sempre que possível:

a) a narração do fato, com todas as circunstâncias;

b) a individualização do indiciado ou seus sinais característicos e as razões de convicção ou de presunção de ser ele o autor da in-fração, ou os motivos de impossibilidade de o fazer;

c) a nomeação das testemunhas, com indicação de sua profissão e residência.

§ 2º Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de in-quérito caberá recurso para o chefe de Polícia.

§ 3º Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.

§ 4º O inquérito, nos crimes em que a ação pública depender de representação, não poderá sem ela ser iniciado.

§ 5º Nos crimes de ação privada, a autoridade policial somente po-derá proceder a inquérito a requerimento de quem tenha qualida-de para intentá-la.

I – de ofício;

Ex officio – Tratando-se de um crime de ação penal pública incondicionada, cumpre ao delegado de polícia, de ofício (ou seja, sem requerimento do interessado), instaurar o in-quérito policial, conforme aqui disposto. Para tanto, baixará uma portaria, primeiro ato que dá início ao inquérito policial. Chama-se notitia criminis o conhecimento que tem a

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autoridade policial da ocorrência de uma infração penal. A notitia criminis pode ser espon-tânea (também chamada de cognição imediata ou informal), quando a autoridade policial tem ciência da ocorrência da infração penal em virtude de sua atividade funcional. Assim, por exemplo, quando se sabe da ocorrência do fato em razão do noticiário da imprensa, ou quando um investigador de polícia leva o fato ao Delegado ou mesmo através de uma denúncia anônima. Ou ainda quando, em determinado interrogatório, o indiciado indica outros crimes que cometeu, além daquele que é objeto da investigação. A notitia criminis pode ser, ainda, provocada (conhecida, também, como mediata ou formal), que ocorre, v.g., quando alguém do povo, a vítima, o juiz ou o Ministério Público levam à autoridade policial a notícia da existência de uma infração penal. Pode, por último, a notitia criminis ser de cognição coercitiva, cujo conhecimento do fato decorre da prisão em flagrante de seu autor.

JURISPRUDÊNCIA

Mera suspeita autoriza a instauração de inquérito policial “Para a instauração legítima de inquérito policial é suficiente a notitia criminis, isto é, a mera suspeita de in-fração a fato típico” (STF –Rel. Bilac Pinto, RT 489/437).

Cautelas a serem observadas“Perante mera notitia criminis, o primeiro dever da autoridade policial é informalmente investigar a respeito, somente submetendo o indiciado a inquérito ou procedimento penal, quando razoável e inverossímil a acusação. Atitude diversa acarretaria o risco de sujeitar o cidadão a coação possivelmente desnecessária e injustificável e, por outro lado, movimentar em vão a máquina policial” (TACrim-SP – Rel. Azevedo Franceschini – RT 460/337).

Quando se admite a instauração de inquérito policial na Lei n° 9099/95“É legal a instauração de inquérito policial com base em termo circunstanciado que não enseja propositura de ação penal em razão da complexidade ou de circunstâncias da espécie, que requisitam o prosseguimen-to da investigação policial (artigo 77, parágrafo 2º, da Lei nº 9.099/95)” (STJ – RHC n° 9156-SP, Rel. Hamilton Carvalhido, j. 04.05.2000, DJ 29.05.2000, p. 183).

II – mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver quali-dade para representá-lo.

Requisição – O inquérito pode ser instaurado, ainda, por requisição do juiz ou do Minis-tério Público. Trata-se da chamada notitia criminis provocada ou mediata ou formal.

Requisição do juiz – Percebíamos cada vez mais forte a tese no sentido de que, em face da atual ordem constitucional, que confere ao Ministério Público a titularidade exclusiva na ação penal pública, não seria mais cabível a requisição do juiz visando a abertura de um inquérito policial. Tal requisição somente se justificaria ao tempo em que o juiz pos-suía a iniciativa da ação penal, no chamado procedimento judicialiforme, previsto no re-vogado art. 531 do CPP. Nesse esdrúxulo procedimento, o juiz (ou a autoridade policial), baixava uma portaria que se prestava como verdadeira denúncia, cabendo ao mesmo juiz, ao final, julgar o réu que ele antes denunciara. Ao juiz, portanto, cabia acusar e julgar a um só tempo. Com a extinção desse procedimento e forte no sistema acusatório, no qual cada papel é perfeitamente definido, tem-se que a medida mais adequada é a prevista no art. 40 do CPP, cumprindo ao juiz remeter a documentação ao Ministério Público para a adoção das medidas cabíveis no âmbito penal, ao invés de agir de ofício.

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