Ceha Newsletter 5.10

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Página web: http://www.madeira-edu.pt/ceha • Email: [email protected] 1 NEWS letter 5 COORDENAÇÃO: Alberto Vieira Abril 2010 Editorial Decorrido apenas o primeiro trimestre de 2010 e já podemos dizer que este ficará na História. A situação ocorrida em 20 de Fevereiro passado catapultou a Madeira para a ordem do dia internacional e veio colocar a nos- sa atenção nas fragilidades do mundo insular face ao processo acelerado de aquecimento global do planeta. Neste quadro, as ilhas acabam por ser as mais atingidas e certamente as que menos contribuem para esta situação. Nos últimos temos, para além des- tas insistentes tempestades, temos ouvido falar da submersão de ilhas e do seu desaparecimento por força da subida das águas do mar, como resultado deste processo de mudança climática em que estamos envolvidos e que acontece por força da acção humana. Um das últimas ilhas a ser evacuada foi a ilha Carteret na Papua Nova Guiné, mas para trás já ficaram outras e outras mais se seguirão nos próximos anos. Aliás, fala-se na ameaça da situação para muitas ilhas das Maldivas como do leste da Índia. Entretanto, a Indonésia, com mais de 17 mil ilhas, viu o seu número ir desa- parecendo nos últimos anos, preven- do-se até 2030 o desaparecimento de 2 mil destas. Para nós, porque somos ilhas de maior altitude, os efeitos não são ainda visíveis a esse nível, mas sim através do rigor e força das chuvas, que nos últimos anos têm sido cada vez mais evidentes e que as previsões mais pessimistas apontam para um cada vez maior agravamento. Desta forma, a sobrevivência e conservação das ilhas e dos seus povos, cultura ma- terial e tradições, embora não passe neste quadro exclusivamente por nós, deve também ser construída através de políticas sustentáveis e que procu- rem minorar estes efeitos do processo global de aquecimento do planeta. a aluvião e a História da Madeira Os acontecimentos do dia 20 de Fevereiro de 2010 em que a vertente sul da Madeira, nomeadamente os concelhos do Funchal e Ribeira Brava, foi assolada por uma grande tromba de água e aluvião, destacaram mais uma vez a forma sofrida como se assegura a presença humana no espaço madeirense. As condições orográficas da ilha fizeram com que desde o início do seu povo- amento a tarefa não fosse fácil. Ao início, o espesso nevoeiro que se avistava do Porto Santo parecia uma grande esperança para o encontro de um novo paraíso, que se foi revelando, primeiro no leito das ribeiras e, depois, quando o homem decidiu subir encosta acima, no interior. À medida que se foi reve- lando o novo espaço, as dificuldades tornaram-se cada vez mais manifestas para a sua humanização. Continua na página 2 Sumário A Aluvião e a História da Madeira Testemunhos sobre o Labor dos Madeirenses Livros e Leituras Notícias Congressos/Colóquios Ciclo de Conferências Cooperação com a Universidade Sénior Testemunhos sobre o Labor dos Madeirenses A tarefa com que se defrontaram os europeus desde os primórdios do século XV, no sentido de trans- formar a terra desabitada em solo arável, foi definida, como epopeia rural, por J. V Natividade (1953) e humana, por A. Lopes Oliveira (1969). Continua na página 4

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Trimestral newsletter. cultural content reflecting CEHA research activity, news about CEHA\'s initiatives: Congresses / Seminars / Conferences; interesting links.

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N E W Sl e t t e r

5COORDENAÇÃO: Alberto Vieira

Abr

il 20

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EditorialDecorrido apenas o primeiro

trimestre de 2010 e já podemos dizer que este ficará na História. A situação ocorrida em 20 de Fevereiro passado catapultou a Madeira para a ordem do dia internacional e veio colocar a nos-sa atenção nas fragilidades do mundo insular face ao processo acelerado de aquecimento global do planeta. Neste quadro, as ilhas acabam por ser as mais atingidas e certamente as que menos contribuem para esta situação. Nos últimos temos, para além des-tas insistentes tempestades, temos ouvido falar da submersão de ilhas e do seu desaparecimento por força da subida das águas do mar, como resultado deste processo de mudança climática em que estamos envolvidos e que acontece por força da acção humana. Um das últimas ilhas a ser evacuada foi a ilha Carteret na Papua Nova Guiné, mas para trás já ficaram outras e outras mais se seguirão nos próximos anos. Aliás, fala-se na ameaça da situação para muitas ilhas das Maldivas como do leste da Índia. Entretanto, a Indonésia, com mais de 17 mil ilhas, viu o seu número ir desa-parecendo nos últimos anos, preven-do-se até 2030 o desaparecimento de 2 mil destas.

Para nós, porque somos ilhas de maior altitude, os efeitos não são ainda visíveis a esse nível, mas sim através do rigor e força das chuvas, que nos últimos anos têm sido cada vez mais evidentes e que as previsões mais pessimistas apontam para um cada vez maior agravamento. Desta forma, a sobrevivência e conservação das ilhas e dos seus povos, cultura ma-terial e tradições, embora não passe neste quadro exclusivamente por nós, deve também ser construída através de políticas sustentáveis e que procu-rem minorar estes efeitos do processo global de aquecimento do planeta.

a aluvião e a História da Madeira

Os acontecimentos do dia 20 de Fevereiro de 2010 em que a vertente sul da Madeira, nomeadamente os concelhos do Funchal e Ribeira Brava, foi assolada por uma grande tromba de água e aluvião, destacaram mais uma vez a forma sofrida como se assegura a presença humana no espaço madeirense. As condições orográficas da ilha fizeram com que desde o início do seu povo-amento a tarefa não fosse fácil. Ao início, o espesso nevoeiro que se avistava do Porto Santo parecia uma grande esperança para o encontro de um novo paraíso, que se foi revelando, primeiro no leito das ribeiras e, depois, quando o homem decidiu subir encosta acima, no interior. À medida que se foi reve-lando o novo espaço, as dificuldades tornaram-se cada vez mais manifestas para a sua humanização.

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Sumário• A Aluvião e a História da Madeira• Testemunhos sobre o Labor dos

Madeirenses• Livros e Leituras• Notícias • Congressos/Colóquios• Ciclo de Conferências• Cooperação com a Universidade

Sénior

Testemunhos sobre o Labor dos Madeirenses

A tarefa com que se defrontaram os europeus desde os primórdios do século XV, no sentido de trans-formar a terra desabitada em solo arável, foi definida, como epopeia rural, por J. V Natividade (1953) e humana, por A. Lopes Oliveira (1969).

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Os vales eram escassos e as encostas inclinadas obrigaram o homem a conviver diariamente com o precipício. Para amenizar o declive das encostas procu-rou-se organizar o espaço com a construção de poios. Foi um verdadeiro trabalho ciclópico que ocupou mui-tos braços, muitos deles de origem africana e gente do povo que buscavam desesperadamente por uma terra firme para poder assentar a sua casa com alguma segu-rança. A tarefa e investimento de reverter este espaço para uma fixação humana e lançamento da agricultura foi quase sempre tarefa dos chamados colonos, a quem revertia apenas a posse das benfeitorias imprescin-díveis para fazer com que o espaço fosse cultivado e rentável com as culturas dos cereais, vinha e cana-de-açúcar. O chamado contrato de colonia, que regulou de forma secular o processo de humanização do espaço e a sua propriedade, vai buscar a sua origem a esta situação singular com que se debateram os europeus desde os primórdios da sua ocupação. Desta forma, o ilhéu, foi o autêntico cabouqueiro e jardineiro deste rincão, ocu-pando-se na árdua tarefa de erguer paredes e arrotear os poios, e por isso se manteve sempre alheio às suas delícias. Certamente que para ele a beleza agreste dos declives, que tanto encantam ontem como hoje os vi-sitantes, não passavam de mais um entrave na sua luta de humanização do lugar. Por momentos, enquanto o madeirense cavava e traçava os poios, o inglês entre-tinha-se nos passeios a cavalo ou em rede pelos mais recônditos locais da ilha.

Aos desafios da orografia sucedem-se os da água e dos seus cursos. A água comandou todo o processo de valorização sócio-económica do espaço insular. Assim, no entender dos cronistas, o insucesso da ocupação do Porto Santo não foi apenas fruto da praga dos coelhos, pois prende-se mais com a ausência de água para ali-mentar as culturas de regadio e fazer accionar os en-genhos. Ao invés, na Madeira a água foi sempre abun-dante. A orografia do terreno actuava a favor e contra o curso de água. Por um lado obrigava o colono a redo-brado esforço na condução aos socalcos: levar a água aos canaviais e engenho foi um processo complicado.

a aluvião e a História da Madeira

Por outro os declives permitiam um melhor aproveitamento da força motriz. Apenas um curso de água era capaz de mover as pedras de um moinho, os eixos do engenho e a engrenagem de uma serra de água. Na harmonização das actividades está o segredo do progresso económico da Madeira nos séculos XV e XVI.

Desde tempos imemoriais a água foi o motor da Histó-ria. Saciou a sede dos sedentos, serviu para aproximar os ho-mens, ou para substituí-los em algumas tarefas e dar vida e riqueza aos campos. Por tudo isto, a água assume uma função vitalizadora da economia. Desta relação dominante da água chegou-se à teorização de que os grandes empreendimentos hidráulicos são resultado de teocracias despóticas. Segundo Fernand Braudel, a cultura de sequeiro identifica-se com a li-berdade e a de regadio com a escravatura. Foi isso, na verdade, que aconteceu nas ilhas, pois o Homem para dispor da água de regadio amordaçou-se a si próprio. Os escravos traçaram as levadas e os heréus envolveram-se numa subjugação total à água, alimentada, por vezes, com querelas.

Na Madeira a água corria nas ribeiras, em abundância na vertente norte. No sul os caudais eram, na época estival, quase todos desviados para as levadas. É, na verdade, no seu leito e margens que se joga a História da Ilha. Facto significativo é o de também os principais assentamentos populacionais te-rem como ponto de partida os vales traçados pelas ribeiras. Eram os espaços de mais fácil acesso por mar, como os mais planos e de maior fertilidade por força das terras de aluvião. Ao Homem estava atribuída a dura tarefa de desviar a água

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3do curso das ribeiras fazendo com que movessem engenhos, moinhos e irrigassem os canaviais e demais culturas. Para isso, traçaram kms de canais para a condução, que ficaram conhe-cidos, na ilha, como levadas. O sistema permitiu um maior aproveitamento dos socalcos e o alívio do homem em algumas tarefas, como sejam, o moer do grão e da cana e o serrar das madeiras. Moinhos, engenhos e serras convivem pacificamen-te, usufruindo da água que corre na mesma levada. A orografia da ilha, ao mesmo tempo que dificultava a condução da água, favorecia o seu aproveitamento, pela força motriz atribuída pelos declives acentuados.

O convívio do madeirense com as ribeiras, o perigo das suas enchentes e dos precipícios, à beira dos quais estabelecera a sua morada, faz parte da sua cultura. Deste modo, a situação ocorrida recentemente não é estranha, apenas o são as pro-porções da tragédia. Para uns, aquilo que aconteceu no dia 20 de Fevereiro foi um dilúvio, outros falam em tromba de água e os meteorologistas explicam o sucedido como uma situação excepcional e imprevisível com os meios disponíveis na ilha. Mas para nós, madeirenses, estamos perante um fenómeno tí-pico de aluvião, que lamentavelmente tem sido uma constante no processo histórico madeirense.

A história tem revelado diversas situações semelhantes a esta e nem por isso os madeirenses cruzaram os braços ou abandonaram a ilha, pois que os mesmos souberam conviver em permanência com o abismo e o perigo, sem medos e de-sânimos. Por força disso, construíram as levadas e ergueram os poios em cima dos precipícios. As condições definidas pelo declive acentuado pelas duas vertentes da ilha levaram a que os cursos de água traçassem vales profundos e em permanên-cia mostrassem às populações vizinhas a sua força. Desde os primórdios da ocupação da ilha que as chuvas intensas provo-cam derrocadas e preenchem a quase totalidade dos leitos das ribeiras que traçaram, onde o Homem procurava usufruir do espaço para a habitação como para a agricultura, aproveitando a riqueza das terras de aluvião. Nem sempre este convívio foi e continua a ser fácil, pois de quando em vez a ribeira reclama do espaço e surgem as enchentes e destruições de casas e cam-pos agrícolas. Os registos historiográficos assinalam diversas enchentes nas povoações assentes nos leitos ou proximidades das ribeiras e inúmeras derrocadas, quase sempre com eleva-

dos estragos materiais e vitimas humanas. Na memó-ria histórica madeirense estes fenómenos são definidos como aluviões, que se registam com frequência desde o século XVII. As principais aluviões, com registo histó-rico conhecido até ao presente são as seguintes: 1611, 1689, 1724, 1765, 1772, 1786, 1803, 1815, 1848, 1856, 1876, 1895, 1901, 1920, 1921, 1939, 1956, 1970, 1973, 1977, 1979, 1984, 1993, 2001, 2007, 2008, 2010. De entre as mais catastróficas assinalam-se as de 1803 e a do presente ano de 2010. Na primeira, para além do cenário de destruição do Funchal, em quase todas as freguesias da ilha assinalam-se cerca de um milhar de vitimas mortais. No presente momento os prejuízos e a destruição foram também elevados, sendo felizmen-te menor o número de perdas humanas. Mas hoje, por felicidade, temos uma onda de solidariedade universal que permitirá que em pouco tempo tudo se recompo-nha. No século XIX, a situação era completamente di-ferente e não foi fácil à ilha recuperar do susto e dos danos. Um dos projectos mais arrojados para a época, da responsabilidade do Brigadeiro Reinaldo Oudinot, que incluía a mudança da cidade para uma área alta daquilo que é hoje o Parque de Santa Catarina, per-mitiu a canalização das três ribeiras da cidade, factor preponderante na segurança da cidade que perdurou em alguns troços até aos dias de hoje.

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O testemunho e apreço por este labor que se arrasta ao longo dos cinco séculos de His-tória foi sendo reconhecido pelas autoridades, mas foi na centúria oitocentista, quando as di-ficuldades mais apertavam que mais se levantou este clamor e reconhecimento pelo obreirismo dos subordinados.

O permanente convívio e enfrentamento das forças da natureza foi testemunhado e descrito por inúmeros visitantes, técnicos, escritores e autoridades nas suas memórias descritivas. De entre esta inúmera literatura, que seria exaus-tivo aqui reproduzir, apenas destacamos os três testemunhos que se seguem.

No fervor do combate político do primeiro quartel do século XX, dominado pela ideia de autonomia, temos o testemunho de Manuel Pestana Reis (Em louvor do Povo e da Terra”, in Correio da Madeira, 23.03.1922): O madeirense, salvo raríssimas excepções circunscritas à atmosfera contaminada da cidade, é um prodígio de tenacida-de na economia e aproveitamento das suas forças, demonstrada na labuta diária da luta pela vida por essa cega submissão aos mais rudes deveres e misteres. Industrioso persistente, frugalíssimo (…)

Dá vontade de ajoelhar diante destes peque-ninos deuses ciclópicos que rasgaram a rocha, es-migalhando-a, triturando-a, para a transformar

em leivas ubérrimas, travando a marcha vertiginosa das vertentes, afogando à boca dos abismos o pendor das que-bradas, emparedando o mar para lhe roubar para o cultivo uns escassos metros de terra, cavando na montanha essa maravilhosa teia de túneis e levadas que conduzem das mais remotas e escuras profundezas as águas milagrosas, que alimentam a fartura e a alegria da ilha.

(...) Há lá no mundo maior exemplo de trabalho, de esforçada luta contra uma natureza que nem por ser en-feitada e linda deixa de ser hostil ?

Mas, de entre todos o mais elucidativo e poético foi escrito na década de cinquenta do século XX por um engenheiro silvicultor, Joaquim Vieira Natividade (1899-1968), que em Madeira - a epopeia rural (Fun-chal, 1954, pp. 39/40) é peremptório em afirmar: E o vilão ataca e tritura a rocha para a transformar em solo agrícola; geme sob o peso de enormes pedras para construir um socalco; marinha pelas falésias para conquistar um palmo de terra, mesquinha gleba, pouco maior por vezes do que um ninho de águias alcandorando no pendor de uma fraga. Antes de ser agricultor, é cabouqueiro e arqui-tecto. Labuta de sol a sol e transforma o seu horto, a sua courela, num jardim. Onde a água corre, o agricultor he-róico e operoso faz milagres; a levada empurra-o e ele em-purra a levada. Novos poios se sobrepõem a outros poios, e assim esse trabalhador humilde, além de transportar sobre os ombros o peso da sua cruz, constrói nos degraus da mon-tanha o seu próprio calvário. É a Madeira sobrepovoada que luta heroicamente para viver.

Testemunhos sobre o labor dos Madeirenses

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Este vilão madeirense, de torso hercúleo, máscara rude e austera, personificação da paisagem, figura de painel qui-nhentista; o homem que cinzela montanhas, escala abismos e amansa torrentes, é uma figura estranha. Não se deixou vencer pelas seduções traiçoeiras do clima desta antessala dos trópicos que despertam em nós, lusíadas indolentes, so-nhadores e sensuais, o horror ao esforço paciente e metódico. A meus olhos, o vilão é um português que teve a coragem de partir a guitarra, aquela guitarra que todos nós traze-mos na alma e no coração a consolar-nos, com seus acordes de plangente fatalismo, dos desencantos e dos fracassos da vida.

O panegírico continua noutro texto ( J. V. Nativida-de, Fomento da Fruticultura na Madeira, Funchal, 1947, pp. 15/7, cit. E. Pereira, Ilhas de Zargo, vol. I, 438/439): Em escassas centenas de anos o vilão madeirense ergueu com tão pobres materiais um dos mais extraordiná rios edi-fícios agrícolas do mundo e escreveu, com o seu sangue, o seu suor e as suas lágrimas uma grande epopeia. Atacou a rocha para obter terra, transportou-a depois sobre o dorso, por caminhos inverosímeis; lapidou amorosamente a mon-tanha, o serro, as escarpas, os espinhadei ros, como se tra-balhasse minúsculos diamantes, não raro debruçado sobre abismos e com risco permanente da própria vida; ergueu poios sobre poios para segurar esses punhados de terra, e fertilizou-a por fim, conquistando e dominando o fio de água misteriosamente nascido através de caprichosos e de acidentadíssimos percursos. Nas encostas, agora suaviza-das pelo trabalho de inumeráveis gerações e com gigantescos anfiteatros sempre verdejantes esfolha-se o casario. Junto a cada casa, a parreira, um canteiro ou um modesto alegrete

de flores: anseio de beleza, doçura, suavidade, após uma tarefa rude e magnífica, num cenário ciclópi-co... Em nenhuma outra parte do mundo se põe ao serviço da agricultura maior soma de trabalho hu-mano por uni dade de superfície... Talvez por isso, ninguém votará mais fundo amor à terra do que o vilão madeirense e por amor dela mais se sacri-fique e padeça... Se atendermos a que grande parte do solo madeirense é explorado sob o contrato de co-lonia, pelo qual o colono entrega ao senhor da terra o demídio das colheitas, compreende-se que o agri-cultor para viver obrigue essa terra a fazer prodí-gios e tenha, na intensificação cultural, a sua única defesa. Por isso o vilão, o homem que faz milagres, o lapidador de montanhas, o feiticeiro da água, que trabalha vida inteira como um animal de carga e vive pobremente e no maior desconforto, ao erguer os socalcos gigantes cos de degraus na vertente das serranias, construiu afinal o seu próprio calvário. Mais do que pela água, a Madeira é regada pelo suor do vilão.

E como nos diz o madeirense, Eduardo Pe-reira (Ilhas de Zargo, vol. I, p. 438), no seu enci-clopédico volume sobre o arquipélago: O homem subiu de picareta na mão, quase de joelhos as ver-tentes a lutar a ferro e fogo com as rochas, desbas-tando acidentes e armando pedras soltas em socalcos ou tabuleiros para deles fazer searas e jardins; subiu até onde pode abrir caminho de pé-posto ou condu-zir um fio de água de irrigação.

Alberto Vieira/02/2010

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HANCOCK, David, 2009, Oceans of Wine. Madeira and the Emergence of American Trade and Taste, The Lewis Walpole Series in Eighteenth-Century Culture and History, New Haven & London, Yale University Press.

Oceans of Wine. Madeira and the

Emergence of American Trade and Taste

Este estudo, produto de cerca de 17 anos de in-vestigação, constitui um contributo deveras relevante, não só para a História do Vinho da Madeira, mas também para a História do Atlântico, sobretudo du-rante o século XVIII. O autor assumiu o desafio de reconstituir uma cadeia ou rede que pudesse ilumi-nar a integração e articulação imperiais e oceânicas na Época Moderna, surpreendendo a emergência de um mercado transoceânico do qual participavam vários impérios atlânticos. O Vinho da Madeira é, assim, o agente escolhido para estudar, à laia de contributo, as redes comerciais, e não só, que tiveram por palco o Oceano Atlântico.

Escorado em fontes bastas e diversificadas, das quais destacaríamos arquivos e fundos documentais empresariais, mormente na Madeira e nos Estados Unidos da América, este trabalho encontra-se divi-dido em três partes (além de necessárias considerações introdutórias e conclusivas), que delineiam o percurso do vinho, desde o cultivo da vinha, até à mesa do con-sumidor. Assim, a Parte I lida com a feitura do vinho («Making Wine»); na Parte II são observados os me-andros em torno das trocas («Shipping and Trading Wine»); na última parte é o consumo que constitui objecto de análise («Consuming Wine»).

No n.º 2 do Anuário do Centro de Estudos de História do Atlântico, referente ao ano corrente, serão incluídas Notas de Leitura sobre esta importante monografia.

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Congressos/Colóquios

CONGRESSO

”As Ilhas do Mundo e o Mun-do das Ilhas”

De 26 a 30 de Julho o CEHA organiza o primeiro Congresso sobre Histó-ria das Ilhas subordinado ao tema: ”As Ilhas do Mundo e o Mundo das Ilhas”., constando a programação das actividades de conferências, comunicações e mesas-redondas. Para além disso decidiu-se integrar o projecto e Seminário Internacional: “Mobilidades Humanas na História e Literatura”, realizando-se a sessão de trabalhos no dia 28 de Julho no Auditório do Centro Cultural John dos Passos, tendo como tema: NÓS E OS OUTROS: ESCRITAS E CORRES-PONDÊNCIAS. Mais informação na página do projecto.

RepRogRamação de actividades

Na sequência dos acontecimentos de 20 de Fevereiro e da elevada adesão que o Congresso Mundial “As Ilhas do Mundo e o Mundo das Ilhas” mereceu de investigadores de todo o mundo, decidiu-se reprogramar as actividades, realizando-se no presente ano apenas os painéis temáti-cos/mesas-redondas, dedicados às INSULARIDADES e a NÓS E OS OUTROS: ESCRITAS E CORRESPON-DÊNCIAS, ficando para o próximo ano de 2011, na semana de 6 a 11 de Junho a parte dedicada aos painéis temáticos, aos quais teremos oportunidade de adicionar outros e alar-gar a participação nos já estabelecidos, que são:

• Turismo Sustentável nas Ilhas no Século XXI;• Transnacionalismos Insulares;• Ilhas e Continentes: As Ilhas no espaço do Império

Português no século XVI;• CEHA. 25 anos: a missão do CEHA no presente e

no futuro. Uma reflexão e debate sobre os últimos 25 anos dos Estudos Insulares como forma de perspec-tivar o futuro.

A estes adicionar-se-ão outros dois sobre:• Nacionalismos Insulares;• Economias Insulares.

Entretanto, o Seminário República e a Madeira (1880-1926), programado para os dias 26 a 30 de Outubro mantém-se com a programação já estabelecida.

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O CEHA preparou para o ano de 2010 um ciclo de conferências que decorrem com alguma periodi-cidade: todas as quartas-feiras às 18 horas. Por força dos acontecimentos de 20 Fevereiro decidimos inter-romper as actividades no decurso do mês de Março, mas já reiniciamos estas actividades a 29 de Março com a conferência do Prof. Manuel de Morais sobre o Machete na Madeira, enquadrado num ciclo de conferências preparado pelo Gabinete Coordenador de Educação Artística (http://dre.madeira-edu.pt/gcea ou www.gcea.pt).

O programa deste ciclo de conferências para o corrente ano está já disponível no nosso site (http://www.madeira-edu.pt/edificio/Auditorio/tabid/1796/language/pt-PT/Default.aspx). Informa-se que, tri-mestralmente, serão feitos os necessários ajustamen-tos, mas o programa para o segundo trimestre já está confirmado.

A situação decorrente da aluvião de 20 de Feverei-ro obrigou a uma reprogramação destas conferências pelo que apresentamos aqui as que decorrerão no próximo trimestre(Abril/Junho):

07/04 - Gabriel Pita (CEHA) CONVERSAS EM TORNO DO LIVRO: A Igreja Católica e o nacionalismo português do Esta-do Novo. A revista Lumen 1937-1945

-14/04 - Raimundo Quintal CONFERÊNCIA: A Importância dos Jardins como Nicho Turístico na Madeira

- 21/04 - Luísa Marinho (UMa) CONVERSAS EM TORNO DO LIVRO: O Romance Histórico e José de Alencar. Contribuição para o Estudo da Lusofonia (Tese de doutora-mento publicada pelo CEHA)

- 28/04 - Fátima Barros (Directora do Arquivo Regional da Madeira) CONFERÊNCIA: O Arquivo Regional da Ma-deira e a preservação e divulgação da documentação

- 05/05 - Paulo Rodrigues (UMa) CONVERSAS EM TORNO DO LIVRO: A Madeira entre 1820 e 1842: relações de poder e influência britânica (Tese de doutoramento publicada por Funchal, 500 Anos)

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- 12/05 - Maria Teresa Nascimento (UMa) CONFERÊNCIA: A obra poética de Joaquim Pestana

- 19/05 - Eduarda Gomes Petit (Prof.ª Ensino Básico e Secundário) CONVERSAS EM TORNO DO LIVRO: O Conven-to da Encarnação do Funchal (Tese de mestrado publica-da pelo CEHA)

- 26/05 - José Luís de Sousa (CEHA)CONFERÊNCIA: História do Porto do Funchal

- 31/05 - Rodolfo Cró (Gabinete Coordenador de Educa-ção Artística) CONFERÊNCIA: Dos Violinos para os Bandolins

- 02/06 - José Jesus (UMa) CONFERÊNCIA: Particularidades dos Ecossistemas Insulares

- 09/06 - Ana Madalena Trigo de Sousa (CEHA) CONVERSAS EM TORNO DO LIVRO: O Exer-cício do Poder Municipal na Madeira e Porto Santo na Época Pombalina e Post-Pombalina (Trabalho de provas para Investigador-Auxiliar publicado pelo CEHA)

- 16/06 - Dina Jardim (Prof.ª Ensino Básico e Secundário) CONVERSAS EM TORNO DO LIVRO: A Santa Casa da Misericórdia do Funchal no Século XVIII (Tese de mestrado publicada pelo CEHA)

- 23/06 - Ana Maria Kauppila (CEHA) CONFERÊNCIA: Políticas de Educação e Cultura da União Europeia: Um Olhar Insular

- 30/06 - Naidea Nunes (UMa) CONVERSAS EM TORNO DO LIVRO: Palavras

Doces (Tese de doutoramento publicada pelo CEHA)

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coopeRação com a UniveRsidade sénioR

O Centro de Estudos de História do Atlântico, através do seu Presidente, Professor Alberto Vieira e a Câmara Municipal do Funchal, através da Vereadora com o pe-louro da Educação, Dra. Rubina Leal tornam público um Acordo de Colaboração entre as duas Instituições. Assim, a partir de Segunda-feira, dia 29.03.2010, as iniciativas culturais do CEHA - conferências, colóquios, simpósios - passam a fazer parte dos curricula da Universidade Sénior sendo este público privilegiada audiência dessas iniciati-vas.

A primeira iniciativa, que marcou o início deste acordo e que contou com a honrosa presença da Ex. Sra. Dra. Rubi-na Leal, ocorreu com a Conferência do Dr. Manuel Morais, que teve lugar na segunda-feira, dia 29 de Março, pelas 18h00, na sede do CEHA, Rua das Mercês, n.º 8.  A Câmara Municipal do Funchal apoiará, igualmente, iniciativas culturais deste Centro, sendo que o próximo “Congresso das Ilhas do Mundo” contará com esse apoio directo. As nossas actividades passam, a partir de agora, a ser publicitadas no sítio (web) da Câmara Municipal do Funchal (www.cm-Funchal.pt) .

Novos modos de colaboração estão em estudo. Estes são, sem dúvida, passos deveras importantes no sentido de uma nova era para o CEHA que abraça estes desa-fios pugnando pelo mesmo rigor científico de sempre, procurando servir a comunidade científica e o público, em geral, como Instituição de Utilidade Pública que se orgulha de ser.

INTERNET

No decurso do presente ano o CEHA pretende valorizar ainda mais a uti-lização da Internet como poderoso veículo de divulgação das suas activi-dades e de apoio à investigação. Des-ta forma para além da página web (www.madeira-edu.pt/ceha) que bre-vemente será renovada, temos o blo-gue (http://cehablog.blogspot.com/) e ainda passamos a estar no Twitter (http://twitter.com/CEHAtlantico ) e no Facebook (http://pt-pt.facebook.com/people/Ceha-Histor ia-Do -Atlantico/100000892818008); com isto pretendemos associar um maior leque de interessados às nossas ini-ciativas.

ACORDO DE COLABORAÇÃO

Page 10: Ceha Newsletter 5.10

Página web: http://www.madeira-edu.pt/ceha • Email: [email protected]

1010

Governo Regional

da Madeira

Secretaria Regional

da Educação e Cultura

Centro de Estudos de

História do Atlântico

Rua das Mercês, 8

9000-224 Funchal

Telef.

(+351) 291 214 970

Fax

(+351) 291 223 002

ÚLT

IMA Há milhares e milhares de ilhas - e quase se pode dizer que todas

são diferentes.Há ilhas grandes e pequenas; ilhas próximas dos continentes e

ilhas remotas; ilhas montanhosas e ilhas planas; ilhas geladas e ilhas tórridas; ilhas de vegetação luxuriante e ilhas onde não cresce uma árvore; ilhas que são vulcões e ilhas que são corais; ilhas que são formi-gueiros de gente e ilhas desertas; ilhas desenvolvidas e ilhas atrasadas.

(…)A ilha atrai e repele: ao mesmo tempo, apaixona e mete medo: tem

mistério!(…)Esta é a hora das ilhas! Há um despertar dos povos insulares !(…)Sem ódio, sem revolta, em fraterno espírito de paz, lancemos um

brado novo: - Insulares de todo o Mundo, uni-vos!

(AMARAL, João Bosco Mota1, 1990: O Desafio Insular, Ponta Delgada, Signo, pp. 25-26, 45, 72 )

Ao longo da História, as ilhas foram menosprezadas e cobiçadas. Depois da Segunda Guerra Mundial, a emergência dos Estados in-sulares no concerto das nações, a Convenção sobre os Direitos do Mar, a definição da Zona Económica Exclusiva (ZEE) e o incremento do turismo provocaram mudanças de tal ordem na percepção da insulari-dade que, em certos meios leigos e eruditos passou-se a falar dos “mares das ilhas”, do “milénio dos ilhéus” e mesmo da Nissologia “ciência do mundo insular.

A experiência das ilhas atlânticas (Islândia, Açores, Madeira e Canárias) corrobora a tese nissológica dos modos e regras específicas de apreender, explicar e encarar a realidade insular e, por isso, o carácter indispensável de certa capacidade instalada nos domínios da ciência e da tecnologia.

(TOLENTINO, André Corsino, 2007, Universidade e transformação social nos pequenos estados em desenvolvimento: o caso de Cabo Verde,

Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian)

1 João Bosco Soares da Mota Amaral (Ponta Delgada, 15 de Abril de 1943) é um político nascido numa ilha, S. Miguel/Açores. Foi deputado à Assem-bleia Nacional (pela União Nacional) nos anos finais do Estado Novo, com o estabelecimento das ilhas portuguesas, por força das transformações politicas resultantes dos acontecimentos de 25 de Abril de 1974,exerceu as funções de presidente do Governo Regional dos Açores (1976-1995), foi deputado à Assembleia da República e Presidente da Assembleia da República.

O QUE SE DISSE SOBRE AS ILHAS