Centro de Serviços Compartilhados: a experiência do Estado de … · 2013-08-06 · ... com base...

16
1 Centro de Serviços Compartilhados: a experiência do Estado de Minas Gerais Autoria: Andreane Rocha Thomaz, Marcus Vinicius Gonçalves da Cruz Resumo A centralização física dos órgãos públicos estaduais na Cidade Administrativa, em Belo Horizonte, levou o Governo do Estado de Minas Gerais a desencadear um processo de definição de modelo para diagnóstico, implantação e estabilização de um Centro de Serviços Compartilhados – CSC; instância de compartilhamento de um conjunto de serviços comuns entre as diversas unidades administrativas em vez de tê-los como uma série de funções de apoio duplicadas dentro dos órgãos. O artigo, oriundo de pesquisa descritiva de fundamento qualitativo, analisou esse processo, desvendando os caminhos para contratualização e as perspectivas de redução dos custos e efetividade na execução dos serviços.

Transcript of Centro de Serviços Compartilhados: a experiência do Estado de … · 2013-08-06 · ... com base...

 

 

Centro de Serviços Compartilhados: a experiência do Estado de Minas Gerais

Autoria: Andreane Rocha Thomaz, Marcus Vinicius Gonçalves da Cruz

Resumo A centralização física dos órgãos públicos estaduais na Cidade Administrativa, em Belo Horizonte, levou o Governo do Estado de Minas Gerais a desencadear um processo de definição de modelo para diagnóstico, implantação e estabilização de um Centro de Serviços Compartilhados – CSC; instância de compartilhamento de um conjunto de serviços comuns entre as diversas unidades administrativas em vez de tê-los como uma série de funções de apoio duplicadas dentro dos órgãos. O artigo, oriundo de pesquisa descritiva de fundamento qualitativo, analisou esse processo, desvendando os caminhos para contratualização e as perspectivas de redução dos custos e efetividade na execução dos serviços.

 

 

1 Introdução

O artigo descreve o processo de definição de modelo para diagnóstico, implantação e estabilização de um Centro de Serviços Compartilhados – CSC, na administração pública do estado de Minas Gerais. O conceito de serviços compartilhados (oriundo da expressão originária da língua inglesa shared services) é a prática em que unidades administrativas da organização decidem compartilhar um conjunto de serviços em vez de tê-lo como uma série de funções de apoio duplicadas dentro da organização (QUINN; COOKE; KRIS, 2000). Nesse tipo de arranjo, serviços como suprimentos, finanças e recursos humanos são deslocados de suas áreas originais e concentrados em um CSC (FERREIRA; BRESCIANI; MAZZALI, 2010).

Passando de uma perspectiva centrada no modelo burocrático para um modelo gerencial, o Estado começou a repensar sua forma de estruturação e a implantar no setor público alguns instrumentos de gestão já utilizados na esfera privada. Essa foi a opção tomada para viabilizar uma gestão pública mais efetiva, voltada para o cidadão e dotada de padrões ótimos de efetividade, bem como dirigida por processos de avaliação contínua e de legitimação pela sociedade (ABRÚCIO, 2007).

No bojo desse movimento de mudança na gestão pública brasileira em geral, o governo de Minas Gerais passou, a partir de 2003, por profundas transformações em sua gestão., marcado por três ondas de mudanças, coincidentes com os períodos dos mandatos políticos compreendidos entre os períodos de 2003 a 2006 (1ª geração), 2007 a 2010 (2ª geração); e 2011 a 2014 (3ª geração). A primeira geração, denominada “Choque de Gestão”, buscou o equilíbrio fiscal; enquanto a segunda geração, denominada “Estado para Resultados”, focou a melhoria do desempenho gerencial por meio da definição de metas e aferição de resultados; e a terceira onda, intitulada “Gestão para a Cidadania”, direcionou o esforço de suas ações governamentais para a constituição de uma rede interinstitucional com foco na melhoria dos serviços ao cidadão.

Nesse contexto, o governo mineiro buscou ampliar seu escopo de gestão com a introdução de novas relações de natureza contratual, estabelecidas não apenas entre os vários níveis de governo, mas também entre o governo, o setor privado e o terceiro setor. Acordos de resultados, parcerias público-privadas – PPPs, e termos de parcerias estabelecidas com organizações sociais de interesse público – OSCIPs, são alguns exemplos de contratualização (PECI et al., 2012), não obstante as críticas quanto a este movimento (MOTTA, 2013).

O Centro de Serviços Compartilhados - CSC, como forma de organização capaz de promover a racionalização da estrutura organizacional, já largamente utilizado por diversas empresas privadas no país e no mundo, passa a ganhar destaque como potencial mecanismo viabilizador de uma gestão focada no alcance de resultados, eficientes e eficazes, também no setor público (COELHO, 2010). Vale ressaltar, porém, que as experiências brasileiras em Centro de Serviços Compartilhados no setor público ainda se encontram em fase embrionária (FERREIRA; BRESCIANI; MAZZALI, 2010). E como forma de discutir e fomentar a utilização dessa ferramenta gerencial na administração pública, este artigo analisa um modelo para diagnóstico, implantação e estabilização de um CSC nos órgãos e entidades da administração pública estadual, localizados na Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves - CAMG, ponderando suas particularidades, em razão do exercício das atividades públicas, bem como as dificuldades de operacionalização desse novo arranjo institucional pela administração pública de Minas Gerais.

A partir de pesquisa qualitativa, descritiva que, por meio de levantamento bibliográfico, documental e de estudo de caso, buscou-se compreender o cenário para

 

 

viabilização do CSC, com base na análise de narrativas, descrições e declarações dos atores envolvidos no projeto, ressaltando-se o ponto de vista dos mesmos.

2 O Centro de Serviços Compartilhados

O papel do Estado em todo o mundo, no tocante ao desenvolvimento das políticas

públicas, vem ganhando novos contornos na administração contemporânea, considerando-se, principalmente, a mudança de modelos burocráticos de gestão para modelos gerenciais, cuja administração é voltada para resultados. Segundo Abrúcio (2007), no Brasil a reforma administrativa não foi ampla e contínua, e um panorama dos caminhos da gestão pública brasileira desde a redemocratização de meados da década de 1980 não pode ficar apenas na dinâmica diacrônica e cronológica. Destaca, pois, que houve uma série de ações inovadoras que não ficaram circunscritas a um período governamental e seus impactos foram diversos e fragmentados. Todavia, a importância dessas ações deve ser considerada.

Nesse cenário é que o setor público passou a fazer uso de instrumentos de gestão usualmente aplicados no setor privado, para a obtenção de resultados capazes de proporcionar o aprimoramento da prestação dos serviços públicos (SECCHI, 2009). Gaetani (2003, p. 23), esclarecendo tal dinâmica, expõe que “a retórica gerencial constitui fonte de permanente apelo junto a governantes e dirigentes que, ao se depararem com problemas que se lhes parecem inéditos, buscam nas teorias e doutrinas de administração, oriundas do setor privado, subsídio para suas formulações e decisões”.

Nesse sentido, Abrúcio (2007, p. 75) constata que “se o formalismo e a rigidez burocrática devem ser atacados como males, alguns alicerces do modelo weberiano podem, porém, constituir uma alavanca para a modernização, principalmente em prol da meritocracia e da separação clara entre o público e o privado”. Ulbrich (2010) considera que, em uma época de orçamentos decrescentes e demandas crescentes para a prestação de serviços e a qualidade dos mesmos, as organizações do setor público de diversos países, na busca por meios mais eficazes e capazes de gerar um custo-eficiente de entrega de serviços de alta qualidade para os cidadãos, adotaram a ideia de CSC para atingirem tal objetivo.

Instrumento de gestão recentemente utilizado pelo setor privado para a consolidação de processos, harmonização de sistemas e de tecnologias, o CSC revela-se como opção de otimização dos gastos públicos e de aprimoramento da eficiência operacional e da qualidade dos serviços oferecidos pelo Estado. O conceito de CSC nasceu, segundo, Sica e Ribeiro (2010), na década de 1980, quando grandes empresas norte-americanas centralizaram seus serviços de back-office. Nas palavras de Quinn, Cooke e Kris (2000, p. 11), Shared Services (Serviços Compartilhados) é a prática em que a unidade de negócios de empresas e organizações decidem compartilhar um conjunto de serviços ao invés de tê-los como uma série de funções de apoio duplicadas. Para esses autores, a montagem de uma estrutura organizacional com serviços compartilhados tem como objetivos principais reduzir os custos operacionais a partir de mais padronização e sinergia dos processos, aumentar a produtividade e excelência de serviços prestados ao cliente, focar os executivos no core business das empresas e, por fim, compartilhar as práticas de negócios entre as empresas. É possível dizer, assim, que os Serviços Compartilhados envolvem a consolidação organizacional e o redesenho dos processos para prestação de serviços para as unidades da organização.

Dessa forma, os serviços compartilhados, quando devidamente executados, impulsionam os processos de uma organização descentralizada, fazendo com que cada unidade de negócio possa focar-se na sua estratégia de operações, de modo a enviar as atividades secundárias para a unidade de serviços compartilhados (SCHULMAN; HARMER; LUSK, 2001). Significa dizer que cada unidade administrativa terceiriza essas atividades não

 

 

para um fornecedor terceirizado, mas para outra área da mesma organização, conhecido como operação de insourcing (terceirização interna) (MARTINS; AMARAL, 2008).

Souza e Corrêa (2011) explicam que a criação de centros executores dos serviços compartilhados é uma decorrência da identificação de ineficiências provocadas pela duplicação de estruturas organizacionais, destinadas a executar individualmente atividades que eram comuns às mais diversas unidades organizacionais e à empresa como um todo.

Nos ensinamentos de Schulman, Harmer e Lusk (2001), o potencial dos serviços compartilhados reside em alguns fatores, quais sejam: agregam valor à empresa; buscam crescimento estratégico; criam novas responsabilidades de gerenciamento; focam os serviços e suporte; permitem que as áreas de negócios se foquem em suas estratégias de operações; transferem as atividades secundárias das áreas de negócios para os processos principais dos serviços compartilhados; concentram recursos que desempenham as mesmas atividades de suporte; fornecem atividades de suporte a custos baixos com altos níveis de serviço; alavancam investimentos tecnológicos; e focam a melhoria contínua.

E, basicamente o que leva as empresas a criar um CSC é o fator financeiro. Segundo Ferreira, Bresciani, e Mazzali (2010) pesquisas realizadas pela empresa de consultoria Bain & Company com 120 empresas que implantaram CSC em tempos recentes, os quatro principais objetivos para a sua adoção foram: a) redução de custos de overhead; b) melhoria da qualidade; c) precisão e cumprimento de prazos; d) padronização de processos; e) otimização de capital de giro. Segundo os autores, os CSCs tem sido implantados em diversas empresas, dos mais variados ramos, e em distintos países, como é o caso no Brasil, da Gerdau, Votorantim, Grupo Camargo Corrêa, Telemar, Petrobrás, Ambev, entre outras. Segundo Quinn; Cooke e Kris (2000) existem quatro modelos de serviços compartilhados, como resultado da consolidação das atividades de apoio da gestão (Figura 1).

FIGURA 1: Modelos de Centro de Serviços Compartilhados

Fonte: Quinn, Cooke e Kris (2000) O modelo Básico tem como característica principal a concentração das atividades,

transações e utilização dos serviços por cada unidade de negócio, de modo compulsório. As

 

 

unidades não possuem poder de escolha dos serviços que o CSC pode prestar. Nesse modelo, os custos dos serviços não são repassados às unidades de negócios, mas sim apropriados, de forma que o CSC é ainda visto como um centro de custo, ou seja, não há precificação direta para cada tipo de serviço. Seu objetivo principal é a economia de escala, resultante da redução de custos e padronização da prestação de serviços, de modo a garantir o fornecimento interno com o mesmo nível de qualidade desejado (QUINN; COOKE; KRIS, 2000).

No modelo Marketplace a principal característica é a ampliação das linhas de prestação de serviços às unidades de negócios, diminuindo a carga de gerenciamento de atividades de apoio das funções gerenciais das operações de produção. Nesse modelo há uma estrutura de governança que se preocupa em definir exatamente em acordos formais de entrega de serviços, a fim de que, mais do que um catálogo de serviços definidos e padronizados, haja controle e melhoria nas operações. Admite-se mais autonomia à gestão dos serviços compartilhados, de forma a admitir a terceirização para auxílio na execução dos serviços. Evidencia-se, no modelo, o aumento do portfólio dos serviços, com o repasse dos custos ao cliente interno. Todavia, esse valor ainda não é feito com o preço de mercado, e sim nos custos totais rateados e incorridos no serviço (QUINN; COOKE; KRIS, 2000).

O terceiro modelo, denominado Marketplace Avançado, autoriza a escolha entre um fornecedor externo e o CSC. E possibilita, também, a externalização dos serviços, ou seja, a venda a outras organizações, tornando o CSC uma nova unidade de negócio da empresa. O principal objetivo desse modelo é o fornecimento de um conjunto de serviços ao cliente interno, a partir do qual o mesmo, internalizando os valores do serviço, poderá comparar valores e decidir continuar demandando os serviços da unidade de serviços compartilhados. No tocante aos preços, esses são estabelecidos pelos valores de mercado, em que somente os serviços que se mostrarem competitivos são passiveis de operação interna, posto que se compara o valor interno com o valor externo (QUINN; COOKE; KRIS, 2000).

O quarto e último modelo é denominado Empresa Independente e caracteriza-se como a última evolução dos serviços compartilhados. Sua estruturação é como negócio independente, que utiliza as competências adquiridas com a evolução da organização a partir do modelo básico. No modelo, a prestação de serviços é feita a diversos clientes, tendo o objetivo de gerar receitas e lucros para a organização, de modo que o CSC passe a ser um centro de lucro (QUINN; COOKE; KRIS, 2000).

A adoção de um ou outro modelo pelas empresas varia conforme sua localização, necessidades e particularidades. Oportuno considerar que existem diferenças reais na maneira como as pessoas enxergam o mundo e na forma como as culturas das empresas trabalham em diferentes países, regiões e mesmo nas diferentes regiões ou cidades dentro de um país (SCHULMAN; HARMER; LUSK, 2001). Por essa razão, a decisão de criar ou não um CSC, qualquer que seja o modelo adotado, perpassa pela análise cautelosa de diversos fatores que podem interferir no sucesso de sua implantação.

2.1 CSC na Gestão Pública: objetivos e particularidades

De modo geral, os CSCs, no setor público, podem ser definidos como uma prática em

que as unidades administrativas - no caso secretarias e órgãos da máquina pública - de um governo compartilham um conjunto de serviços em vez de terem uma série de funções duplicadas em suas estruturas. Cada vez mais utilizados em países como Canadá, Estados Unidos, Austrália, Irlanda, Escócia, Inglaterra, Holanda, Alemanha, França, Itália, Espanha, África do Sul e Singapura, os CSCs vêm sendo empregados na administração pública como forma de organização dos serviços para alcance da melhoria dos mesmos e redução dos custos associados (FERREIRA; BRESCIANI; MAZZALI, 2010).

 

 

Embora os estudiosos não especifiquem um marco temporal para o início da implantação de CSC na gestão pública, é sabido que tal evento se deu em paralelo com a evolução dos modelos de administração, decorrentes das influências da nova gestão pública, que preconizava a incorporação dos avanços da administração de empresas pelo poder público. Nessa seara, Ulbrich (2010) reconhece, então, que as reformas dos anos 1980 e 1990 foram frequentemente caracterizadas por ideias de gestão do setor privado. Como resultado, a administração pública ganhou uma orientação mais parecida de gestão, de modo que a descentralização, a desregulamentação e a delegação tornaram-se problemas da organização pública. Foi então que, no início de 2000, uma nova ideia de gestão - os serviços compartilhados - ganhou terreno no setor público e passou a ser cada vez mais adotado.

Vale destacar que o CSC no setor público ganhou contornos bem mais complexos que no setor privado, na medida em que os motivos justificadores da medida envolvem estratégia organizacional, política, técnica e economia. Contudo, os serviços compartilhados foram percebidos como uma forma organizacional híbrida, consolidando-se como uma ideia importante para o setor público (ULBRICH, 2010).

Importa observar no processo de adaptação de um novo conceito, que a ideia original deve ser reinterpretada para atender às suas especificidades. Embora a globalização e padronização de conceitos de gestão contribuam para uma forma mais direta de adoção de novas práticas em nível organizacional, as organizações ainda precisam adaptar-se às ideias para fazerem uso das mesmas (ULBRICH, 2010).

Por essa razão, as particularidades inerentes às atividades públicas identificam a necessidade de adaptação dos modelos de CSC para o setor público. Ferreira; Bresciani; e Mazzali (2010) revelam, inclusive, significativos entraves para a implantação de um CSC no setor público, quais sejam: investimento inicial insuficiente, fato que pode comprometer a continuidade do projeto e o incentivo da equipe envolvida; falta de compromisso com mudanças de longo prazo, em razão da temporalidade do mandato dos governantes aliado à ausência de agenda de política de Estado; diferenças culturais, porquanto a parceria dos órgãos que participam da implantação de um CSC é vital para o sucesso do empreendimento.

Com experiência significativa na adoção de CSC no setor público, a administração pública inglesa apresenta resultados significativos segundo alguns estudos realizados. Magalhães (2012) destaca que os cinco serviços mais encontrados na administração inglesa foram rodovias, suprimentos, coleta de lixo, governo eletrônico e apoio a pessoas. A experiência britânica narrada por Ferreira, Bresciani e Mazzali (2010), no entanto, pondera algumas dificuldades encontradas para a implantação do CSC no setor público inglês tais como: espaço político do governo local ou restrições relativas às fronteiras entre governos; compatibilidade de tecnologia e sistemas; empregabilidade vis-à-vis o conceito de democracia industrial; falta de evidências quantitativas dos custos e benefícios; requisitos de responsabilidade e transparência; estruturas organizacionais e cultura; financiamento multiórgãos públicos; impostos para organismos públicos não departamentais; regras para quantidade de empregados (em departamentos do governo central); regulamentação de suprimentos da União Europeia e impactos sobre o nível de emprego.

Outros aspectos críticos para a implantação dos CSCs foram: a) a concentração de serviços corporativos e transacionais que, muitas vezes, leva a uma subavaliação da colaboração existente; b) o foco em atingir redução de custos, mas com fraca base de dados para comprovar os custos originais e os benefícios efetivamente atingidos; c) a ausência de preocupação com o impacto da estratégia de compartilhamento de serviços na economia regional e no nível de emprego; d) a abordagem inadequada sobre a ameaça de transferência de postos de trabalho para o exterior (JANSSEN; JOHA, 2006).

 

 

No Brasil, as iniciativas ainda se revelam incipientes, sendo os modelos de compartilhamento de serviços mais conhecidos voltados para o atendimento do cidadão, a exemplo do “Poupatempo” em São Paulo, “Serviço de Atendimento ao Cliente” – SAC, em Santa Catarina e Bahia, “Na Hora” no Distrito Federal, “Viva Cidadão” no Maranhão, “Casa do Cidadão” no Ceará, “Central do Cidadão” no Rio Grande do Norte, “Expresso Cidadão” em Pernambuco, “Posto de Serviços Integrados Urbanos/Unidade de Atendimento Integrado” - PSIU/UAI, em Minas Gerais, entre outras (MAGALHÃES, 2012).

Segundo Ferreira, Bresciani e Mazzali (2010), pesquisas complementares em fontes não acadêmicas revelam uma experiência no governo do estado de São Paulo, denominada “Unidade de Serviços Compartilhados” - USC. O estado de São Paulo está trabalhando para instituir o “Programa Integra São Paulo”, que pretende reunir em um único local, órgãos da administração direta e indireta, objetivando facilitar o atendimento aos municípios, órgãos públicos e entidades civis. Desse programa faz parte a USC, que deverá ser responsável pela gestão e execução dos serviços relacionados a condomínio, segurança, portaria, manutenção predial e telefonia, para todas as secretarias.

3 Material e Métodos

Estudo de natureza qualitativa, esta opção metodológica permite a interpretação que os

indivíduos fazem dos acontecimentos e objetos que os cercam, conferindo-lhes sentido próprio (ALVES-MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 1999). Quanto aos fins, com base na taxionomia definida por Vergara (2004), trata-se de investigação descritiva que se propõe a expor características de determinada população ou de determinado fenômeno. Quanto aos meios de investigação, o estudo conjugou os métodos da pesquisa de campo, investigação documental, pesquisa bibliográfica e estudo de caso.

O estudo de caso, de acordo com Yin (2010, p. 21), “contribui, de forma inigualável, para a compreensão que temos dos fenômenos individuais e organizacionais”. A presente pesquisa foi definida pelo estudo de caso único, com a finalidade de analisar o modelo de contratação definido pelo estado Minas Gerais para diagnóstico, implantação e estabilização de um CSC na Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves - CAMG. A mudança de instituições estaduais mineiras para uma unidade administrativa única no ano de 2010 conferiu momento particularizado e propício para se avaliar, dois anos depois, a contratação de serviços para diagnóstico, implantação e estabilização de um CSC.

A unidade de análise do estudo é a Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão do Estado de Minas Gerais - SEPLAG, responsável pelo projeto. A partir da implantação da Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves pelo governo de Minas Gerais foram identificadas algumas necessidades de aprimoramento do modelo de gestão do estado, a fim de alavancar a melhoria e a qualidade dos serviços tão prometida quando da centralização dos órgãos e entidades do Poder Executivo Estadual em um local único. Sendo assim, a área administrativa responsável pelos programas de inovação e modernização do governo na SEPLAG forma o foco de levantamentos da pesquisa. Os servidores atuantes nessas unidades foram os principais responsáveis pelo modelo de contratação objeto da pesquisa.

Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com oito dos servidores envolvidos nos estudos e elaboração do edital de licitação para contratação de serviços de diagnóstico, implantação e estabilização de um CSC no governo de Minas Gerais, para mapear o cenário de definição de um modelo que atendesse às particularidades desse instrumento no setor público. Para que pudessem ser tratadas por meio da técnica de análise de conteúdo temática, as entrevistas foram transcritas na íntegra. Para Bardin (2008), a análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de avaliação das comunicações, cujo objetivo é a descrição sistemática

 

 

do conteúdo das mensagens e sua respectiva decodificação perante os conceitos-objeto da pesquisa. Após a realização de uma pré-análise de todo o material coletado, buscou-se, num segundo momento, a descrição analítica do conteúdo coletado nos depoimentos e na revisão literária. Nesse momento, pontos de vista dos entrevistados, bem como suas perspectivas e preparações em relação ao processo de definição do modelo de contratação praticado pelo governo do estado de Minas Gerais foram destacados e interpretados frente ao referencial, o que permitiu o desenvolvimento de uma reflexão sobre todo o material coletado.

4 Apresentação e Análise dos Resultados

Com o propósito de garantir a melhor compreensão do caso estudado, relevante

descrever, na visão dos entrevistados, as razões e o contexto da origem da ideia de contratação de serviços para diagnóstico, implantação e estabilização de um CSC no governo de Minas, o processo de maturação da ideia até sua transformação em projeto.

A partir dos dados secundários obtidos na pesquisa, verificou-se que a implantação da Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves – CAMG foi importante marco na gestão governamental do período de 2007-2010, uma vez que proporcionou a centralização de 60 órgãos e entidades da administração pública do estado de Minas Gerais em um único local de trabalho. Após a transferência dos órgãos para a Cidade Administrativa, algumas questões gerenciais ficaram mais evidentes, como, por exemplo, a replicação de algumas estruturas e atividades da área-meio. Processos transacionais são executados de diversas maneiras entre órgãos e por diferentes profissionais. Não existe uma padronização que garanta a otimização do tempo de execução do processo, bem como a melhoria de sua qualidade. Além disso, identifica-se que os servidores públicos necessitam desviar sua atenção do principal objetivo do órgão no qual está alocado para executar tarefas meramente administrativas.

Neste sentido, como uma evolução no funcionamento da Cidade Administrativa, tornou-se necessária a implantação de um projeto que possibilitasse a melhoria dos processos da área meio, para viabilizar maior eficiência e aumento da produtividade na máquina pública, amparado por uma equipe exclusivamente focada nesses processos. Nas entrevistas realizadas, verificou-se que a centralização física dos órgãos e entidades da administração pública estadual na Cidade Administrativa estava no âmbito do cenário político evolutivo de foco em resultados, e segundo o Entrevistado 1, “a origem da ideia do CSC adveio da concepção inicial do Projeto Cidade Administrativa, mas a ideia de unir unidades administrativas afins de órgão diferentes não foi realizada no início do projeto da Cidade Administrativa, por decisão política de que seriam muitas mudanças institucionais em um curto período de tempo”. Para o Entrevistado 3, “não é difícil perceber no Estado a existência de procedimentos idênticos que, por sua vez, são realizados de maneiras diferentes pelos inúmeros organismos estaduais. Este fato ficou mais claro com a entrada em operação da Cidade Administrativa”. Outra razão identificada nas entrevistas para a contratação dos serviços de consultoria para diagnóstico, implantação e estabilização de um CSC no governo de Minas Gerais refere-se ao cenário de restrição orçamentária vivenciada pelo governo no fim do ano de 2011. Os Entrevistados 5 e 6 ressaltam que diante de um cenário de restrições orçamentárias, foram demandados a pensar soluções inovadoras com o objetivo de gerar receita ou promover redução de custos nos processos da administração pública. A criação de um CSC foi apresentada como “uma das possíveis soluções e seu desenvolvimento foi aprovado pela alta gestão, já que todos os órgãos de governo haviam migrado para a Cidade Administrativa, replicando todas as estruturas de área-meio com processos bem semelhantes”.

A ideia inicial, então, precisou ser estudada e analisada para ganhar corpo e transformar-se em um projeto do governo de Minas Gerais. E, após discussões iniciais acerca

 

 

do tema, o setor responsável pela condução da ideia na SEPLAG promoveu duas visitas de benchmarking no país, sendo uma na Petronet - CSC da Petrobrás; e a outra na Endessa - que é uma empresa de energia pertencente a um grupo espanhol e possui CSC; com o propósito de conhecer melhor o funcionamento de um CSC. Além disso, alguns servidores participaram da Semana dos Centros de Serviços Compartilhados, organizado pela International Quality & Productivite Center (IQPC), que ocorreu em São Paulo em janeiro de 2012.

Essas visitas iniciais de benchmarking e a participação no encontro ocorrido em São Paulo levaram ao amadurecimento da ideia pela administração pública estadual, que entendeu necessário aprofundar o conhecimento do mercado no setor público, pelas particularidades deste setor em relação ao setor privado. Por essa razão, a alta administração da SEPLAG decidiu realizar um chamamento público, em que todas as empresas interessadas pudessem conhecer melhor a ideia do governo mineiro e propor sugestões para a contratação.

O grupo de trabalho elaborou um detalhamento técnico e aprofundamento na matéria CSC; propôs um cronograma básico para a contratação do CSC para a CAMG; e validou esses trabalhos com os dirigentes máximos da SEPLAG. A Figura 2 ilustra o plano de ação de contratação e implantação de um CSC, compreendendo quatro macroetapas desdobradas em ações específicas, dispostas na linha do tempo (2011-2014):

FIGURA 2: Cronograma Macro da Implantação do CSC

Fonte: elaborado a partir dos dados obtidos no Chamamento Público A primeira fase do plano de ação refere-se à parte formal de uma contratação pública,

envolvendo a elaboração de termos de referência, edital e realização de processo licitatório. A segunda, terceira e quarta fases dizem respeito às partes operacionais de um processo de implantação de um projeto complexo e especializado. O grupo de estudos levantou, então, diversos conteúdos e questionamentos que precisariam ser esclarecidos pelo próprio mercado prestador dos serviços, para fins de definição do modelo de contratação do CSC e, antes disso, para subsidiar a viabilidade da implantação do Centro de Serviços Compatilhados.

 

10 

 

Para a contratação da consultoria especializada em CSC, portanto, foram estabelecidas quatro atividades básicas, a saber: o levantamento funcional; chamamento público; elaboração do edital de licitação; e realização do processo licitatório. Considerando, inicialmente, os 60 órgãos e entidades que se encontram alocados na Cidade Administrativa, o grupo de estudos estabeleceu como critério de exclusão do CSC os órgãos e entidades que possuem estruturas regionalizadas, ou seja, possuem unidades internas fora da CAMG, como é o caso da Secretaria de Educação e Saúde. Isso em razão da multiplicidade de fluxos dentro da própria estrutura do órgão, que acaba sendo um obstáculo nesse processo inicial de implantação do CSC. Por essa razão, dos 60 órgãos e entidades, foram identificados 42 que teriam suas atividades duplicadas com potencial para serem transferidas para a gestão de um CSC.

Além dos órgãos e entidades, a administração pública estadual levantou os fluxos passíveis de constituir objeto de centralização no CSC, identificando 12 macroprocessos como objeto do diagnóstico, discriminados na listagem seguinte: execução da despesa extraorçamentária; execução da despesa orçamentária; execução financeira bancária; execução financeira escriturária; tramitação de atos normativos; tramitação de documentos; gestão de compras; gestão de estoque; gestão de patrimônio; gestão de repasse de recursos de saída; gestão de viagens a serviço; e gestão de facilities.

Para a realização do levantamento funcional nos 42 órgãos e entidades sediados na Cidade Administrativa, alinhados com os oito macroprocessos candidatos ao CSC, foram avaliados os decretos de competência vigentes dos 42 órgãos e entidades envolvidas. Em seguida, os decretos foram comparados às estruturas funcionais do órgão com o intuito de identificar a unidade mais envolvida na rotina de execução dos 12 macroprocessos candidatos ao CSC. Após concluir essa etapa, identificou-se que as Superintendências de Planejamento de Gestão e Finanças – SPGF; desdobradas em diretorias específicas, seria a unidade comum aos 42 órgãos e entidades envolvidas na execução diária dos 12 macroprocessos candidatos. Assim, tornou-se necessária a realização de um levantamento funcional, ou censo processual, que conjugasse a relação de pessoas por processos e órgãos candidatos ao CSC. Neste sentido, foi aplicado um questionário padrão, com base em uma plataforma web, nas 42 SPGFs dos órgãos e entidades lotados na Cidade Administrativa e selecionados para o CSC. O resultado deste trabalho permitiu a compilação de um banco de dados com informações dos 42 órgãos e entidades envolvidas, separadas por pessoas envolvidas nos macroprocessos candidatos ao CSC, além de agregar a informação sobre a forma de contratação das pessoas envolvidas.

Com o levantamento funcional dos 42 órgãos concluído e de posse do plano de ação de contratação e implantação de um CSC validado pelos dirigentes máximos da SEPLAG, o grupo de trabalho avançou na realização do processo de chamamento público. As informações básicas apuradas no levantamento funcional restringiram-se ao custo médio dos servidores em cada secretaria do estado, para uma sondagem de eventual redução de custos a partir da otimização dos serviços e da mão de obra com o CSC. A partir daí, buscou-se compartilhar o plano do governo de Minas Gerais com o mercado especializado em CSC, convocando, assim, as empresas de consultoria para avaliar o potencial e viabilidade de um CSC a ser implantado na Cidade Administrativa do estado de Minas Gerais.

A importância e a necessidade do chamamento público foram evidenciadas nas entrevistas. Para o Entrevistado 6 “para que, ao invés de receber de forma separada cada uma das empresas de consultoria, pudéssemos promover um encontro único, público, de forma transparente, robustecido por um edital de chamamento público”. Para o Entrevistado 3 “nesse momento poderíamos expor as nossas ideias, mostrar os dados preliminares, abrir um momento de debate acerca do tema, um debate democrático e especializado. Assim, escrevemos o edital de chamamento e realizamos o mesmo em meados de abril”.

 

11 

 

A necessidade de realização de um diagnóstico para mapeamento e conhecimento aprofundado dos custos atuais da administração pública estadual com os processos referentes à suas atividades transacionais mencionadas anteriormente, que se encontram replicadas nos 42 órgãos que fazem parte do CSC, suscitou uma das dúvidas encontradas pela administração pública para a condução da contratação. O grupo de estudos entendeu, em um primeiro momento, que a contratação dos serviços de consultoria para a realização desse diagnóstico deveria preceder a contratação para implantação do CSC, porquanto aquela subsidiaria as especificações e condições da contratação desta última. Todavia, existia a preocupação de que a empresa contratada para implantar o CSC questionasse o diagnóstico realizado pela empresa contratada para sua realização. E, dessa maneira, o conhecimento do mercado de consultorias em CSC impôs-se como medida essencial para esclarecimento dos questionamentos levantados pela administração pública.

O chamamento público revelou-se, assim, importante medida para a elucidação de alguns pontos fundamentais para a viabilização da ideia de implantação de um CSC no governo de Minas Gerais, permitindo que as empresas de consultoria com atuação reconhecida em CSC pudessem subsidiar a administração pública do estado de Minas Gerais com as informações necessárias. Durante algumas semanas, o grupo de trabalho se debruçou na elaboração do edital de chamamento público a partir do qual pudesse apresentar as ideias iniciais e o propósito da administração estadual na implantação de um CSC para o mercado e por meio do qual o mercado pudesse esclarecer o funcionamento do mesmo e propor parâmetros de contratação para o governo.

Conforme registros em documentos pesquisados, o chamamento público foi publicado no dia 3 de março de 2012 no portal de compras e na Imprensa Oficial de Minas Gerais, tornando-se, assim, um documento público com acesso no sítio eletrônico do governo de Minas Gerais e sua realização ocorreu no dia 16 de março de 2012. Nesse momento, as empresas interessadas compareceram à Cidade Administrativa para apresentação da ideia, pelo governo do estado, a fim de obter informações e contribuições dos interessados. O objetivo, portanto, do chamamento público, realizado presencialmente no dia 16 de março de 2012, foi: a) proporcionar ao governo de Minas Gerais uma prospecção das empresas de consultoria especializadas na matéria CSC; b) envolvê-las diretamente no processo ao solicitar-lhes avaliações, sem ônus, do potencial e da viabilidade de um CSC para o governo de Minas Gerais, voltados para os órgãos sediados na Cidade Administrativa.

As consultorias interessadas compareceram à Cidade Administrativa para apresentação do edital e foram devidamente credenciadas mediante documentos comprobatórios em experiência na execução e implantação de CSC, bem como documentos de constituição das empresas. Isso demonstra o cuidado de buscar empresas consolidadas no mercado para participar da discussão da temática. Em contrapartida, o governo de Minas Gerais disponibilizou dados necessários para a elaboração da avaliação do potencial e da viabilidade inicial de implantação do CSC, além de responder a 14 questionamentos sobre a visão do mercado de um CSC no setor público. Foram disponibilizados os seguintes dados da administração estadual referentes ao projeto CSC: a) localização; b) abrangência; c) quantitativos de pessoas; d) macroprocessos candidatos; e) relação de sistemas corporativos que suportam os macroprocessos; f) cronograma estimado por etapas e produtos escopo do projeto; g) modelo de proposta comercial; h) 14 questionamentos sobre a visão de mercado sobre aspectos técnicos, gerenciais e financeiros de um projeto de CSC no setor público.

Assim, as consultorias foram munidas de dados e informação pertinentes ao projeto. E, após concluírem os estudos de viabilidade, as 10 empresas participantes do chamamento enviaram propostas comerciais e técnicas contendo informações necessárias para a implantação de um projeto dessa natureza. Essas propostas permitiram ao governo de Minas

 

12 

 

Gerais: obter análise preliminar da complexidade de implantação dos processos mencionados no Anexo IV do Edital de Chamamento 001/12; validar sua proposta de cronograma para diagnóstico, planejamento e implantação do CSC; receber do mercado indicação de potenciais de melhoria, como redução de custo e aumento da qualidade, nos processos candidatos ao CSC; compilar as estimativas de custos nos moldes de formulário a ser disponibilizado às empresas interessadas; e receber sugestões de indicadores de desempenho para remuneração da contratada em um eventual sistema de remuneração variável, em que o índice de sucesso da implantação esteja atrelado ao pagamento da contratada, em uma lógica de ganha-ganha.

Por fim, as consultorias validaram a metodologia do governo de Minas Gerais apresentada para o CSC durante o chamamento público, bem com o prazo de execução do projeto, além de fornecerem consultas orçamentárias para balizamento de preços de referência de um futuro processo licitatório. As contribuições enviadas pelas 10 empresas de consultoria presentes na sessão do chamamento público permitiram, assim, o amadurecimento da ideia e sua efetiva transformação em um projeto governamental.

A partir do estudo e dos documentos gerados com a realização do chamamento público, passou-se a discutir a elaboração do edital de licitação para a contratação dos serviços de consultoria em CSC. Embora elevado a um projeto do governo, o CSC no governo de Minas Gerais ainda não possui garantias de implantação, mas apenas contratação desses serviços de diagnóstico para sua implantação.

Um dos principais questionamentos levantados pelo estado de Minas Gerais no chamamento público referiu-se à dúvida quanto à realização de uma única licitação que englobasse todas as fases de diagnóstico, implantação e estabilização de um CSC ou de licitação simultânea com a separação da fase do diagnóstico, a ser realizada previamente. Ocorre que todas as empresas participantes do certame informaram que não estariam dispostas a implantar um CSC cujo diagnóstico não fosse realizado pelas próprias. E como o chamamento público considerou, ainda, a possibilidade de realização de uma contratação atrelada a resultados, por meio de Acordos de Níveis de Serviços – ANS; composta, também, por remuneração variável conforme resultados apurados, as empresas esclareceram que somente poderiam assumir riscos de uma remuneração atrelada a resultados caso elas mesmas tivessem realizado o diagnóstico da atual situação no estado de Minas Gerais.

O fato, portanto, de as empresas aceitarem a remuneração variável somente em caso de o diagnóstico ser realizado pelas mesmas, aliado ao cenário de restrições orçamentárias do estado de Minas Gerais, fez com que a administração pública optasse por uma contratação única que englobasse todos os serviços de diagnóstico, implantação e estabilização de um CSC. Ocorre que a contratação promovida pelo governo de Minas Gerais garante à administração pública estadual a faculdade de implantação de todos ou nenhum dos macroprocessos, após a realização da fase de diagnóstico detalhado, que irá mapear todos os processos em todos os órgãos envolvidos, de forma presencial em cada um deles.

Importante considerar, assim, a previsão contratual da prerrogativa do Estado de interrupção do projeto após a fase de diagnóstico detalhado, por meio de uma rescisão amigável e antecipada. Ou mesmo a possibilidade de contratação parcial de implantação dos macroprocessos diagnosticados, sendo possível à administração optar pela implantação de todos os macroprocessos, de apenas um ou mesmo nenhum. Para que um macroprocesso seja considerado de fácil implantação, precisa ter tempo de implantação igual ou inferior a 12 meses. E será considerado com alto potencial de ganho aquele que proporcionar redução de custos superior a 15%. Importante considerar que o critério de utilização para a escolha dos 15% foi baseado na média aritmética da redução de custos apresentada pelo mercado, conforme estudos promovidos na área.

 

13 

 

Outro dado definido diz respeito ao preço de referência da contratação pretendida. A partir da pesquisa de preços realizada no momento do chamamento público, foi possível a apuração do valor equivalente a R$ 10 milhões de reais para a contratação em referência, sendo o máximo de R$ 2 milhões o valor a ser pago para a realização da fase de diagnóstico detalhado e R$ 8 milhões para as fases de implantação e estabilização. O cálculo realizado considera a média simples das propostas, após exclusão dos valores mais baixo e mais alto por considerá-los destoantes da maioria (Tabela 1). Registre-se que apenas uma das empresas participantes do chamamento (Empresa J) não apresentou proposta comercial, entregando apenas a proposta técnica.

TABELA 1: Valores a serem pagos na contratação

Fonte: elaborado a partir dos dados obtidos no Chamamento Público Na sequência, considerado o preço de referência do objeto da contratação, restou

evidenciada a necessidade de realização de uma licitação na modalidade concorrência, conforme determinação legal do art. 23 da Lei no 8.666/93. Diante, também, da complexidade do certame envolvendo várias condicionantes técnicas do serviço apurados nas informações levantadas e identificadas em um típico CSC, optou-se pela definição do tipo de licitação “técnica e preço”. O modelo conjuga, portanto, como critério de julgamento a melhor técnica e o menor preço sugerido pelas empresas participantes do certame. O peso atribuído a cada um desses critérios é de 50%. No critério da técnica ainda é atribuído o peso de 50% para a técnica da organização e 50% para a técnica dos consultores.

A administração considerou todas as particularidades do objeto licitado como, por exemplo, a inovação, a complexidade e o vulto do objeto, a fim de garantir a contratação mais vantajosa, por meio da definição do tipo “técnica e preço” na licitação a ser realizada.

Ademais, em razão da natureza do projeto, do cenário de restrição orçamentária vivenciado pelo governo e da perspectiva de potencial de economia para o governo de Minas Gerais, a remuneração dos serviços a serem contratados é definida por dois componentes, uma parte da remuneração é fixa e a outra é variável, considerados os resultados alcançados.

Consultoria Diagnóstico Detalhado Implantação Estabilização Total Geral

EMPRESA A 1.187.596,80R$                     1.461.657,60R$      822.182,40R$          3.471.436,80R$     

EMPRESA B 838.600,00R$                         2.003.400,00R$      1.358.000,00R$      4.200.000,00R$     

EMPRESA C 524.800,00R$                         2.090.000,00R$      1.836.400,00R$      4.451.200,00R$     

EMPRESA D 1.346.579,71R$                     3.619.673,26R$      828.561,07R$          5.794.814,04R$     

EMPRESA E 2.606.172,89R$                     2.728.016,99R$      5.232.461,24R$      10.566.651,12R$   

EMPRESA F 2.180.410,24R$                     7.153.321,43R$      3.022.694,61R$      12.356.426,28R$   

EMPRESA G 2.635.142,91R$                     7.269.980,22R$      6.662.732,26R$      16.567.855,39R$   

EMPRESA H 9.003.159,12R$                     8.471.856,00R$      6.936.456,00R$      24.411.471,12R$   

EMPRESA I 9.433.600,00R$                     35.635.200,00R$    20.889.600,00R$    65.958.400,00R$   

Valores médios* 2.733.552,12R$                     4.762.321,13R$      3.696.757,88R$      11.192.631,14R$   

 

14 

 

O critério utilizado para escolha das etapas e fases a serem contempladas pela remuneração variável pauta-se no produto do chamamento, que permitiu identificar a aceitação, por parte das empresas interessadas, de previsão de remuneração variável na contratação. E, também, a definição de quais etapas seriam remuneradas por preço fixo e quais etapas seriam remuneradas com preço variável.

A fase de diagnóstico detalhado possui apenas remuneração fixa que corresponde a 20% do valor global do contrato, cujo desembolso será realizado bimestralmente, em duas parcelas iguais. As fases de implantação e estabilização abarcam as duas formas de remuneração: fixa e variável. A remuneração variável é adotada na fase de implantação e estabilização com o percentual de 40% do valor fixado para cada macroprocesso, desde que alcançada a meta estabelecida ao final da fase de diagnóstico detalhado. Esse percentual é definido em um patamar abaixo da média aritmética do percentual aceito pelas consultorias, no chamamento público para remuneração variável. E será paga pelo governo de Minas Gerais em uma única parcela ao final do 28º mês do projeto. A remuneração fixa das fases de implantação e estabilização corresponde a 60% do valor apresentado por cada macroprocesso a ser implantado e estabilizado e é dividida em 12 parcelas bimestrais e iguais.

A fim de viabilizar a execução contratual como planejada, os resultados alcançados pela implantação do CSC serão medidos pela equipe do governo de Minas Gerais e comparados com as metas pactuadas no estudo preliminar. E o pagamento da remuneração variável será computado de acordo com o nível de acerto da economia gerada pela implantação de cada macroprocesso. Após a fase 1 será estabelecida uma meta de economia do macroprocesso. Ao final da estabilização do CSC será medida a real economia gerada.

O modelo possui um detalhe particular na fiscalização e controle do fator de desempenho do macroprocesso, uma vez que somente se o percentual alcançado em cada macroprocesso for igual ou superior a 80% e igual ou inferior a 120% da meta pactuada na fase de diagnóstico é que o mesmo é considerado para pagamento integral do prêmio. Caso o fator de desempenho atingido apresente-se fora desses limites, será desconsiderado percentual dos valores a serem pagos e a contratada receberá o prêmio com os respectivos descontos.

Assim, caso o percentual de economia esteja entre 80% e 120% da meta, a contratada receberá integralmente o valor da remuneração variável do macroprocesso. Caso o percentual seja inferior a 50% ou superior a 150%, a contratada não receberá a remuneração variável da implantação do macroprocesso. Entre 50% e 80% e entre 120% e 150%, o valor da remuneração variável será pago conforme régua de proporcionalidade. O nível de acerto de 50% a 64,99% receberá 25% da remuneração variável do macroprocesso; entre 65% e 79,99%, a contratada receberá 50%; entre 120,01% e 135% receberá 50%; entre 135,01% e 150% receberá 25% da remuneração variável. Níveis de acerto entre 50% e 80% e entre 120% e 150% corresponderão à metade da remuneração variável, em função da clara deficiência da contratante em estabelecer corretamente o percentual de economia do macroprocesso implantado no CSC.

Isso porque o critério adotado para a definição dos limites do fator de desempenho tem por finalidade garantir a manutenção do comprometimento com a contratada, de forma que possa propor e realizar metas coerentes com a realidade do governo. Espera-se, dessa maneira, evitar metas subestimadas ou superestimadas, lembrando que, em casos de subestimação de metas, o governo de Minas Gerais poderá decidir pela não implantação do macroprocesso, por julgar o resultado como de baixo desempenho e/ou de baixo retorno. E para cada macroprocesso o prêmio será apurado e pago após medição a ser realizada pela administração pública, com participação da contratada, ao final de implantação e de estabilização. Isto é, com a entrada em produção de determinado macroprocesso do CSC. E configurando a direito ao recebimento ao prêmio, este será pago em uma única parcela. Esses

 

15 

 

são os limites e condicionantes que particularizam o modelo de contratação adotado pelo governo de Minas Gerais para contratação de um CSC.

5 À Guisa de Conclusão

O objetivo principal deste estudo foi a análise da construção de um modelo de

contratação de serviços para diagnóstico, implementação e estabilização de um centro de serviços compartilhados na administração pública de Minas Gerais. A partir da centralização física viabilizada pelo governo de Minas Gerais com a implantação da CAMG, foi identificada a duplicação de diversos processos executados nas áreas meio dos órgãos e entidades situados na nova sede do governo estadual. Tendo, assim, os órgãos e entidades estabelecidos em um único local físico, o Poder Executivo do estado de Minas Gerais propôs a criação de um modelo de gestão baseado em um CSC, voltado para a gestão de atividades administrativas na Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves - CAMG.

A criação do CSC tem como propósito permitir aumento da eficiência e da eficácia de processos da área meio, com disponibilização interna de bens e serviços a baixos custos e, ao mesmo tempo, com melhor nível de serviço. E, ainda, propiciar aos órgãos e entidades do estado de Minas Gerais, com a transferência das suas operações de logística para um centro, a concentração das suas ações públicas em atividades relacionadas às áreas finalísticas.

Visto como modelo de sucesso na melhoria da gestão no setor privado, o CSC passou a ganhar respaldo, também, como instrumento viabilizador do aprimoramento da gestão pública, em diversos países. Embora ainda muito incipiente no Brasil, a utilização do CSC como instrumento de melhoria na gestão pública foi visto como uma importante aliada pelo governo de Minas Gerais no processo evolutivo de seu gerenciamento governamental.

Dessa forma, para viabilização do instrumento em Minas Gerais impôs-se necessária a contratação de empresa especializada na execução desses serviços altamente complexos e especializados. Diferente do setor privado, no qual a contratação pode ser feita de forma livre, segundo anseios e interesses da empresa, no setor público as contratações seguem formalidades de observância obrigatória, sob pena de responsabilidade, civil e penal, dos administradores públicos. Assim, é que a definição de um modelo contratual para a implantação de um CSC no governo de Minas Gerais revelou-se um obstáculo a ser superado, frente às particularidades inerentes ao setor, especialmente, no que se refere às limitações legais impostas pelo ordenamento público vigente. No prisma jurídico, várias definições contratuais precisaram ser estudadas e reestruturadas, para aprimoramento do modelo geral de contratação pública, frente às limitações legais impostas ao setor. A cultura organizacional vigente e traços de características patrimonialistas foram identificados como obstáculos. A falta de evidências quantitativas dos custos e benefícios, uma vez que não há dados ou históricos suficientes a demonstrar o custo de seus processos e pessoas, para mapeamento de possíveis ganhos com o CSC, também se revelaram um óbice.

Inobstante as dificuldades encontradas, facilitaram a dinâmica descrita a própria implantação da CAMG, aperfeiçoamento dos sistemas corporativos, apoio das instâncias superiores de governo, coesão interna da equipe técnica envolvida, intensa etapa de pesquisas, levantamento de processos, visitas técnicas em empresas brasileiras e governos de outros países que já implantaram o CSC, e a realização de um chamamento público para conhecimento transparente e efetivo do mercado brasileiro nessa área, que levaram o governo a definir um modelo de contratação pública para um CSC.

Importante destacar, ainda, o alinhamento do modelo proposto com a estratégia governamental. A adoção de um CSC para a gestão de atividades de apoio, operacionais, pode contribuir para aprimoramento dos níveis de serviço prestados e para o aumento da

 

16 

 

produtividade, melhorando a qualidade do gasto público. Dessa forma, descritas as etapas do processo de construção/elaboração do modelo de contratação do CSC pelo estado de Minas Gerais, o estudo descreveu as particularidades do modelo contratual do CSC na Cidade Administrativa Presidente Tancredo Neves do Estado de Minas Gerais. Referências

ABRÚCIO, F. Trajetória recente da gestão pública brasileira: um balanço crítico e a renovação da agenda de reformas. Revista Brasileira de Administração Pública, Rio de Janeiro, Edição Comemorativa 1967-2007, p.67-86, 2007. ALVES-MAZZOTI, A.; GEWANDSZNAJDER, F. O método nas ciências sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Thomson, 1999. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: 70, 2008. COELHO, R. Modelo de gestão de mensuração de nível de serviço para processos de suprimento em centros de serviços compartilhados no âmbito da Administração Pública. 2010. Dissertação (Mestrado em Administração) - Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Pós Graduação e Pesquisas em Administração, Belo Horizonte. FERREIRA, C.; BRESCIANI, L.; MAZZALI, L. Centro de Serviços Compartilhados: da experiência britânica às perspectivas de inovação na Gestão Pública Brasileira. Revista do Serviço Público, Brasília, v.61, n.4, p.378-403, out/dez. 2010. GAETANI, F. O recorrente apelo das reformas gerenciais: uma breve comparação. Revista do Serviço Público, ano 54, n.4, out-dez., 2003. HOOD, C. A public management for all seasons? Public Administration, v.69, p.3-19, Spring, 1991. JANSSEN, M.; JOHA, A. Motives for establishing shared service centers in public administrations. International Journal of Information Management, p.102-15, 2006. MAGALHÃES, C. Centro de Serviços Compartilhados. Revista XMagazine, vol.02. 2012. MARTINS, V.; AMARAL, F. A consolidação da prática de serviços compartilhados. eGesta, v.4, n.1, p.158-189, jan-mar./2008. MOTTA, P. O estado da arte da gestão pública. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v.53, n.1, jan/fev. 2013. PECI, A. et al. Parcerias público-privadas em Minas Gerais: racionalidade técnica versus política. Contabilidade, Gestão e Governança, v.15, n.1, p.80-95, 2012. QUINN, B.; COOKE, R.; KRIS, A. Shared services: mining for corporate gold. London: Financial Times Prentice Hall, 2000. SCHULMAN, D.; HARMER, M.; LUSK, J. Shared services: agregando valor as unidades de negócios. São Paulo: MAKRON Brooks, 2001. SECCHI, L. Modelos organizacionais e reformas da administração pública. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v.43, n.2, p.347-69, mar/abr., 2009. SICA, P.; RIBEIRO, J. Análise da capacidade de uma Central de Atendimento de um Centro de Serviços Compartilhados (CSC). Porto Alegre: UFRGS, 2010. (paper) SOUZA, M.A.; CORRÊA, R.M. Centros de Serviços Compartilhados no Congresso Brasileiro de Custos (CBC) no período de 1998 a 2008. Revista Contabilidade Vista & Revista, Belo Horizonte, v.22, n.1, p.73-105, jan.-mar. 2011. ULBRICH, F. Adopting shared services in a public-sector organization. Transforming Government: People, Process and Policy, v.4, n.3, p.249-265, 2010. VERGARA, S. Projetos e relatórios de pesquisa em Administração. São Paulo: Atlas, 2004. YIN, R.K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2010.