Declarações anteriores ao julgamento

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A REvISão DE 2013 Ao CóDIGo DE PRoCESSo PENAL No DoMíNIo DAS DECLARAçõES ANTERIoRES Ao JuLGAMENTo Pela D. ra Andreia Cruz SUMÁRIO: Introdução. Capítulo I. Declarações anteriores ao julgamento no quadro da estrutura acusatória do processo penal português. 1. A regra geral de intransmissibilidade probatória das declarações anteriores ao julgamento e a estrutura acusatória do processo penal português. 2. A evolução do modelo processual penal português. 2.1. o Código de 1929; 2.2. o pós 25 de Abril; 2.3. o Código de 1987; 2.3.1. As revi- sões do Código de 1987. Capítulo II. Enquadramento normativo do regime das declarações anteriores ao julgamento — o regime anterior à Lei n.º 20/2013. 1. Leitura permitida de autos e declarações — art. 356.º; 1.1. Leitura de declarações que visam suprir a ausência da pessoa declarante; 1.2. Leitura de declarações de pessoas declarantes presentes na audiência de julgamento; 1.2.1. o direito ao silêncio na esfera de relações pessoais — A prerrogativa de silêncio familiar; 1.3. Prestação de depoimento por órgãos de polícia criminal; 1.3.1. o problema das “conversas informais” entre o arguido e os órgãos de polícia criminal; 2. Depoimento indirecto; 3. Leitura de declarações prestadas pelo arguido — art. 357.º; 4. Declarações do co--arguido; 5. Excepção à regra de intransmissibilidade probatória — autos pro- cessuais e declarações de peritos com valor para o efeito de formação da convicção do tribunal. Capítulo III. Declarações anteriores ao julgamento, CEDH e Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. 1. Declarações anteriores ao julgamento no quadro da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; 1.1. Declarações anteriores ao jul- Actualidade

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A REvISão DE 2013 Ao CóDIGo DEPRoCESSo PENAL No DoMíNIo DASDECLARAçõES ANTERIoRES AoJuLGAMENTo

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  • A REvISo DE 2013 Ao CDIGo DEPRoCESSo PENAL No DoMNIo DAS

    DECLARAES ANTERIoRES AoJuLGAMENTo

    Pela D.ra Andreia Cruz

    SUMRIO:

    Introduo. Captulo I. Declaraes anteriores ao julgamento noquadro da estrutura acusatria do processo penal portugus. 1. A regrageral de intransmissibilidade probatria das declaraes anteriores aojulgamento e a estrutura acusatria do processo penal portugus. 2. Aevoluo do modelo processual penal portugus. 2.1. o Cdigo de1929; 2.2. o ps 25 de Abril; 2.3. o Cdigo de 1987; 2.3.1. As revi-ses do Cdigo de 1987. Captulo II. Enquadramento normativo doregime das declaraes anteriores ao julgamento o regime anterior Lei n. 20/2013. 1. Leitura permitida de autos e declaraes art. 356.; 1.1. Leitura de declaraes que visam suprir a ausncia dapessoa declarante; 1.2. Leitura de declaraes de pessoas declarantespresentes na audincia de julgamento; 1.2.1. o direito ao silncio naesfera de relaes pessoais A prerrogativa de silncio familiar;1.3. Prestao de depoimento por rgos de polcia criminal; 1.3.1. oproblema das conversas informais entre o arguido e os rgos depolcia criminal; 2. Depoimento indirecto; 3. Leitura de declaraesprestadas pelo arguido art. 357.; 4. Declaraes do co--arguido;5. Excepo regra de intransmissibilidade probatria autos pro-cessuais e declaraes de peritos com valor para o efeito de formaoda convico do tribunal. Captulo III. Declaraes anteriores aojulgamento, CEDH e Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.1. Declaraes anteriores ao julgamento no quadro da ConvenoEuropeia dos Direitos do Homem; 1.1. Declaraes anteriores ao jul-

    A c t u a l i d a d e

  • gamento e jurisprudncia do Tribunal Europeu dos Direitos doHomem. Captulo IV. A reviso de 2013 ao Cdigo de ProcessoPenal. 1. A Proposta de Lei n. 77/XII e a Lei n. 20/2013; 1.1. obri-gatoriedade de o arguido responder sobre os seus antecedentes cri-minais; 1.2. Declaraes processuais de testemunhas anteriores aojulgamento; 1.3. Declaraes processuais do arguido anteriores aojulgamento. 2. Apreciao global. Concluso.

    IntrODuO

    A Lei n. 20/2013 procedeu modificao do regime dasdeclaraes anteriores ao julgamento, regulado nos arts. 356. e357. do Cdigo de Processo Penal sem, contudo, redefinir ou rees-truturar a estrutura acusatria em que assenta o processo penal por-tugus. em matria de declaraes processuais do arguido ante-riores ao julgamento que a reviso de 2013 traz a debate, commaior premncia, o sentido, a validade e o alcance das modifica-es introduzidas pelo novo regime. Alterao profunda introdu-zida pela Lei n. 20/2013, a nova redaco do art. 357. do Cdigode Processo Penal confere uma nova feio ao regime das declara-es processuais do arguido anteriores ao julgamento, invertendo algica da regra geral da intransmissibilidade probatria das decla-raes anteriores ao julgamento. Nas prximas pginas proceder-se- a uma anlise do regime dos arts. 356. e 357. do CPP naredaco anterior Lei n. 20/2013, atravs de um enquadramentodo regime na estrutura acusatria do processo penal e anlise donovo regime das declaraes anteriores ao julgamento, tema parti-cularmente controverso que demarca o sentido da Reviso de 2013ao CPP nesta matria.

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  • CAPtuLO I

    Declaraes anteriores ao julgamento no quadro daestrutura acusatria do processo penal portugus

    1. A regra geral de intransmissibilidade probatria dasdeclaraes anteriores ao julgamento e a estruturaacusatria do Processo Penal Portugus

    Prev o art. 355. do CPP que no valem em julgamentoquaisquer provas que no tiverem sido produzidas ou examinadasem audincia(1). o art. 355. impede ainda que a formao da con-vico do tribunal se baseie em provas que no tenham sido produ-zidas ou examinadas em audincia: no valem em julgamento,

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    (1) Apesar da imposio expressa do preceito a jurisprudncia quase unnime,designadamente do STJ, entende que os documentos constantes dos autos no precisam deser examinados em audincia de julgamento. Neste sentido, pode ver-se o acrdo do STJde 23.02.2005, CJ, Acs-STJ, ano XIII, tomo 1, p. 210, 2005. Saliente-se que o TribunalConstitucional teve j ocasio de se pronunciar acerca da matria no acrdo n. 87/99(Proc. n. 444/98; Relator: CoNSELHEIRo vToR NuNES) tendo-se debruado sobre a ques-to de saber se violava o princpio da publicidade da audincia e as garantias de defesa doarguido a interpretao das normas dos arts. 355., 127. e 165. do CPP no sentido de notornarem obrigatria a leitura e explicao dos autos em audincia. o TC concluiu que ocontedo essencial do princpio do contraditrio est em que nenhuma prova deve seraceite em audincia nem nenhuma deciso deve a ser tomada pelo juiz sem que previa-mente tenha sido dada uma ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra oqual ela dirigida de a discutir, contestar e valorar e, no caso concreto, o tribunal conside-rou que o arguido teve oportunidade de contestar todos os factos constantes dos documen-tos em questo, de modo que a leitura em audincia dos documentos em nada acrescentarias oportunidades de defesa do arguido. No mesmo sentido desta jurisprudncia encontra-se, na doutrina, PAuLo PINTo DE ALbuquERquE, Comentrio do Cdigo de Processo Penal luz da Constituio da Repblica e da Conveno Europeia dos Direitos do Homem,3. ed. actualizada, Lisboa, universidade Catlica Editora, 2007, p. 890, mas, em sentidodiscordante, GERMANo MARquES DA SILvA, Curso de Processo Penal, vol. III, Lisboa,verbo, 2008, p. 252, critica esta orientao jurisprudencial considerando a no leitura dosautos em audincia uma frustrao do princpio da publicidade da audincia, dificilmenteconcilivel com o princpio constitucional da publicidade (art. 206. da CRP) (pelo menosna sua vertente externa, que permite aos cidados fiscalizar a actividade dos tribunais) eafirma mesmo constituir uma interpretao contrria lei que no admite que o juzo dotribunal possa ser formulado na base de provas que no tenham sido examinadas emaudincia.

  • nomeadamente para o efeito de formao da convico do tribu-nal..., pelo que a proibio de fundamentao da sentena combase em provas que no foram produzidas ou examinadas emaudincia constitui uma proibio de prova(2). Complementar-mente, o art. 362., n. 1, alnea d) impe a indicao em acta detodas as provas produzidas ou examinadas em audincia.

    o Cdigo de Processo Penal consagra, no art. 355., que aaudincia constitui o momento natural, electivo e decisivo na pro-duo da prova(3) que ter de ser realizada segundo os princpiosda imediao, da oralidade e da contraditoriedade, vigorando umaideia de que a admisso da prova recolhida de modo inquisitrio,ainda que submetida em fase posterior a apreciao contraditria,provoca um desequilbrio entre a acusao e a defesa em prejuzoda defesa, como refere Germano Marques da Silva(4). o Cdigode Processo Penal garante, assim, o imperativo constitucional degarantia objectiva do contraditrio, decorrncia da estrutura acusa-tria do processo penal portugus, tal como prev o art. 32., n. 5da CRP que preceitua que a audincia de julgamento e os actos ins-trutrios que a lei determinar esto subordinados ao princpio docontraditrio. o princpio do contraditrio molda a estruturao daaudincia de julgamento e dos actos instrutrios que a lei determi-nar em termos de um debate entre a acusao e a defesa em que,perante um juiz imparcial, cada uma das partes dispe da oportuni-dade de oferecer as suas provas, controlar e influenciar os resulta-dos das provas oferecidas pela contraparte. o princpio implica

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    (2) Neste sentido, PAuLo PINTo DE ALbuquERquE, ob. cit., p. 892 e na jurisprudn-cia, os acrdos do STJ de 5-06-1991 e de 13-12-2000, bem como do TRP de 4-07-2001.

    (3) Note-se que para PAuLo PINTo DE ALbuquERquE, ob. cit., p. 891, o art. 355.no abrange os meios de obteno de prova. Por isso, os autos de exames, revistas, buscas,apreenses e escutas telefnicas podem ser invocados na fundamentao da sentenamesmo que no tenham sido examinados na audincia, em virtude de a defesa, conhecendoo inqurito, dispor da possibilidade de contrariar a admisso e o valor probatrio da provasempre que quiser e a leitura em audincia de documentos, na opinio do autor, em nadaacrescentaria s oportunidades de defesa do arguido. Na jurisprudncia pode ver-se adefesa desta orientao, quanto s escutas telefnicas, nos acrdos do STJ de 29-11-2006e do TRL de 12-01-2000.

    (4) GERMANo MARquES DA SILvA, Produo e valorao da prova em processopenal, Revista CEJ, n. 4, 1. semestre, 2006, p. 42.

  • tambm que as provas tm de ser produzidas ou examinadas emaudincia e no podem servir para fundamentar a condenao seno forem discutidas em audincia, mesmo que constem dos autos.o princpio do contraditrio no implica somente um mero exerc-cio do contraditrio em audincia das provas produzidas, isto , odireito de formular juzos sobre as provas (contraditrio sobre aprova), antes oferece s partes a possibilidade de apresentaremautonomamente meios de prova sobre os factos (contraditrio paraa prova).

    A consagrao do princpio do contraditrio tem como conse-quncia a parificao do posicionamento da acusao e da defesano processo, em termos de igualdade de meios de interveno pro-cessual, ou seja, implica a consagrao de um modelo em que sereconhece a igualdade de armas(5).

    o princpio da imediao, por sua vez, postula que a decisojurisdicional apenas pode ser proferida por um juiz que tenha assis-tido produo das provas e discusso da causa pela acusao epela defesa. Noutra vertente, o princpio significa tambm que naapreciao das provas deve ser dada preferncia aos meios de provaque se encontrem em relao mais directa com os factos probandos,como por exemplo, dar preferncia ao depoimento de testemunhaspresenciais relativamente s testemunhas de ouvir-dizer. Apesar deno se encontrar expressamente previsto no Cdigo, o princpio daimediao pode extrair-se dos arts. 128. n. 1, 129., 130., 140.,n. 2, 145., n. 3, 302., n. 3 e, sobretudo, do art. 355.(6). Directa-mente relacionado com o princpio da imediao encontra-se oprincpio da oralidade que postula que s as provas produzidas oudiscutidas oralmente na audincia podem servir para fundamentar

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    (5) DAMIo DA CuNHA, o regime processual de leitura de declaraes na audin-cia de julgamento (arts. 356. e 357. do CPP) , Revista Portuguesa de Cincia Criminal,ano 7, Fasc. 3., (Jul.-Set.), 1997, p. 406, afirma que os princpios da imediao, da orali-dade e da contraditoriedade (em particular este ltimo) co-envolvem a ideia de igualdadedos sujeitos processuais na audincia de julgamento. o autor justifica a sua afirmao como argumento de que no poder existir verdadeiro contraditrio quando no se verifique amesma possibilidade de o exercer.

    (6) veja-se a afirmao de PAuLo PINTo DE ALbuquERquE, ob. cit., p. 890, de queo art. 355. constitui a sede do princpio da imediao.

  • a deciso. o princpio da oralidade traduz-se na possibilidade de opblico poder acompanhar a prtica de actos processuais e favo-rece a descoberta da verdade material.

    Como se depreende da anlise do art. 355. e dos princpiosem que o preceito se fundamenta, o regime de intransmissibilidadeprobatria das declaraes anteriores ao julgamento conformadopela estrutura acusatria em que assenta o processo penal portu-gus. esta estrutura que est na base das opes do legisladorprocessual penal nesta matria. o processo penal portugus nocorresponde a um modelo acusatrio puro, antes consiste nummodelo misto. a Constituio da Repblica Portuguesa, noart. 32. n. 5, que impe a estrutura acusatria do processo penalportugus e que determina, por conseguinte, a separao da enti-dade que acusa da entidade que julga, para garantia da imparciali-dade do julgador.

    possvel interligar o aparecimento do modelo misto com osurgimento do processo reformado ou napolenico, com o Coded`Instruction Criminelle francs de 1808 e que entrou em vigor em1 de Janeiro de 1811, tendo vigorado durante 150 anos, ano em quedeu lugar ao Code de Procdure Pnale(7). A estrutura do modelomisto era acusatria mas o processo estava dividido em duas fases a intruo e o julgamento. A fase de instruo era dirigida porum magistrado especializado (juge d`instruction), enquanto a titu-laridade da aco penal incumbia a um oficial do poder executivo(procureur de la rpublique). De feio inquisitria, a instruo eraescrita, secreta e no contraditria(8). A fase de julgamento organi-zava-se de acordo com o modelo acusatrio(9).

    As excepes norma do art. 355. revelam-se em situaesespecficas delimitadas nos arts. 356. e 357. e constituem uma

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    (7) Sobre este ponto veja-se PAuLo SouSA MENDES, A questo do aproveitamentoprobatrio das declaraes processuais do arguido anteriores ao julgamento, AA.vv.,Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Jos Lebre de Freitas, Coimbra, CoimbraEditora, pp. 1365-1389, pp. 1366 e ss.

    (8) Ibidem.(9) Na Alemanha, em Itlia, na Frana, em Espanha e no brasil vigoram actual-

    mente sistemas de tipo misto. Nos EuA e no Reino unido vigora um modelo acusatrioadversarial.

  • derrogao regra geral de intransmissibilidade probatria dasdeclaraes processuais(10). No prximo captulo ser analisado oregime de excepo previsto nos arts. 356. e 357. do CPP, nosem antes se proceder a um enquadramento da evoluo do modeloprocessual penal portugus.

    2. A evoluo do modelo processual penal portugus

    2.1. o Cdigo de 1929

    No Cdigo de 1929, a instruo competia a um juiz e aoMinistrio Pblico ficava reservada a funo de promover dilign-cias concretas de instruo. Sobre o Cdigo de 1929, dividem-se osque lhe identificam um desgnio meramente agregador de leis dis-persas e aqueles que consideram que constitui o resultado de umareforma de cunho poltico(11).

    o DL n. 35.007, preparado por Cavaleiro de Ferreira(12),adoptou, em virtude da atribuio da fase de instruo ao Minist-rio Pblico, o princpio acusatrio(13). Aps a fase de instruo pre-paratria da competncia do MP, seguia-se uma fase de instruocontraditria da competncia de um juiz e que era obrigatria nosprocessos de querela.

    Sustenta Paulo Sousa Mendes(14) que no correcta a atribui-o ao DL n. 35.007 de uma marca indelevelmente fascista, daditatura sob a qual foi produzido, na medida em que, salienta oautor, no deve ser confundido o sistema processual penal portu-

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    (10) Sobre o regime portugus de declaraes anteriores ao julgamento, analisadoa partir do confronto com o sistema norte-americano veja-se PAuLo D MESquITA, A Provado Crime e o que se disse antes do Julgamento, Coimbra, Coimbra Editora, 2011.

    (11) PAuLo D MESquITA, ob. cit., p. 91.(12) poca Ministro da Justia entre 1944 e 1954.(13) Previa o art. 14. do diploma: a direco da instruo preparatria cabe ao

    Ministrio Pblico, a quem ser prestado pelas autoridades e agentes policiais todo o aux-lio que para esse fim necessitar.

    (14) PAuLo SouSA MENDES, ob. cit., p. 1369.

  • gus da poca que era j constitudo por um conjunto de garantiase princpios fundamentais com o regime de excepo aplicado nostribunais plenrios criminais de Lisboa e Porto, criados durante omandato de Cavaleiro de Ferreira(15), onde eram julgados os dissi-dentes polticos por crimes contra a segurana do Estado.

    No que diz respeito ao regime das declaraes prestadasanteriormente fase de julgamento no CPP de 1929, a matriaencontrava-se regulada nos arts. 438. e 439.. o art. 438. regu-lava a leitura do depoimento prestado na fase de instruo por tes-temunhas que compareciam no julgamento e estipulava: Nosero lidos s testemunhas os seus depoimentos escritos na instru-o, salvo depois de elas haverem deposto, a fim de esclareceremou completarem os depoimentos prestados na audincia de julga-mento.

    o art. 439. regulava a matria das declaraes anteriores aojulgamento quanto a testemunhas que no comparecessem emaudincia de julgamento e autorizava a leitura de depoimentosanteriormente prestados se estivessem redigidos nos autos e sem-pre que o autor daqueles depoimentos ou o tribunal o requeresse.vigorava, assim, um sistema de transmissibilidade probatria dasdeclaraes anteriores ao julgamento quanto aos depoimentos detestemunhas que no comparecessem na audincia de julgamento.Alis, na vigncia do CPP de 1929, era entendimento corrente nadoutrina que as testemunhas no detinham o direito de impedir avalorao probatria das declaraes anteriormente prestadas: atestemunha pode exonerar-se do encargo de depor, mas no tem odireito de se no atender ao que disse, no tem o direito de anular oseu depoimento(16).

    o art. 439. do diploma de 29 viria a ser declarado inconstitu-cional com fora obrigatria geral pela Resoluo n. 146-A/81 do

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    (15) Salienta o autor que no deve, inclusive, pensar-se que a reforma legislativateve inspirao autoritria pelo facto de Cavaleiro de Ferreira ter mantido contactos comjuristas alemes filiados no nacional-socialismo e ter viajado at Alemanha no perododa II Guerra Mundial, a convite das autoridades nazis, para participar num conclave dejuristas germanfilos.

    (16) LuS oSRIo, Comentrio ao Cdigo de Processo Penal Portugus, vol. v,Coimbra, Coimbra Editora, 1933, p. 169.

  • Conselho da Revoluo(17), por violao do art. 32., n. 1 da CRP,na medida em que permita a reproduo de declaraes anterioresde testemunhas que no compareciam em audincia e s quais oarguido no tinha tido previamente a possibilidade de interrogar oude fazer interrogar, seguindo o parecer da Comisso Constitucionaln. 18/81. o parecer de 1981, relatado por Figueiredo Dias, no dei-xou de ater-se a referncias Convenao Europeia dos Direitos doHomem, designadamente a alnea d) do n. 3 do art. 6.. Como notaPaulo D Mesquita(18), no texto do parecer adoptada uma visomoderada do imperativo constitucional do contraditrio no julga-mento criminal, complementada com uma perspectiva do princpioda imediao que impe que o juiz tome um contacto imediato comos elementos de prova. Adianta ainda o autor que as concluses doparecer no se fundam numa viso exigente do princpio do contra-ditrio, embora tivesse sustentado o juzo de inconstitucionalidadeno art. 32., n. 1 da CRP(19). Com efeito, o parecer sustentou arecusa da inconstitucionalidade por violao do princpio do con-traditrio com base na ideia de que o princpio no exige a inquiri-o cruzada e com fundamento numa ideia de que a aplicao de talprincpio seria inconveniente no plano dos efeitos prticos, j queem certos casos excepcionais e atendendo ao interesse pblicopode justificar-se a leitura das declaraes anteriores, por exemplo,tomados em articulo mortis, em caso de falecimento da testemunhaou em estado de incapacidade irreversvel.

    2.2. o ps-25 de Abril

    A instaurao do sistema democrtico no poderia deixar derepercutir os seus efeitos no processo penal portugus.

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    (17) A declarao de inconstitucionalidade foi requerida pelo Provedor de Justiacom fundamento na coliso do regime de transmissibilidade das declaraes anteriores dastestemunhas que no podiam comparecer em audincia de julgamento com o princpio docontraditrio.

    (18) PAuLo D MESquITA, ob. cit., p. 479.(19) Ibidem.

  • Atravs do DL n. 605/75, de 3 de Novembro foi criado oinqurito policial para crimes punveis com pena correcional, a noser que o arguido tivesse sido preso, caso em que deveria existirinstruo preparatria da competncia do Ministrio Pblico e dasautoridades policiais.

    A Constituio da Repblica Portuguesa de 1976 estabeleceuno seu art. 32., n. 4, que toda a instruo da competncia de umjuiz. Em virtude da consagrao da norma, o DL n. 605/75 foimodificado, tendo o anterior inqurito policial sido substitudopelo inqurito preliminar, criado pelo DL n. 377/77 de 6 de Setem-bro. Como nota Paulo Sousa Mendes(20), a alterao criada por esteltimo DL pretendeu assimilar o impacto do art. 32., n. 4 da CRP,transformando o inqurito policial numa mera diligncia pr-pro-cessual.

    2.3. o Cdigo de 1987

    o acrdo do Tribunal Constitucional n. 7/87(21) tratou daconstitucionalidade do diploma de 87 em fiscalizao preventiva eabstracta, a requerimento do Presidente da Repblica. Entre outrasquestes(22), o Cdigo de Processo Penal de 1987 conduziu ques-to de saber se a atribuio da fase de inqurito, na forma de pro-cesso, comum ao MP ofenderia o art. 32., n. 4 da CRP. o TribunalConstitucional concluiu que a atribuio da direco do inquritoao MP no inconstitucional atendendo a que o art. 224. da CRP(actual art. 219., n. 1) prev que ao MP cabe exercer a acopenal, o que significa que a ele incumbe dirigir a investigao. Por

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    (20) PAuLo SouSA MENDES, ob. cit., p. 1371.(21) Acrdo do TC (Plenrio) de 9 de Janeiro de 1987, proc. n. 302/86, Relator:

    CoNSELHEIRo MRIo DE bRITo.(22) Nomeadamente, a questo da constitucionalidade do carcter facultativo da

    instruo (art. 286., n. 2, do CPP) e a competncia dos oPC para realizar diligncias einvestigaes durante o inqurito (art. 270., n. 1, do CPP). o TC considerou que no inconstitucional a possibilidade de o MP delegar actos de inqurito nos oPC, em virtudede se tratar de uma delegao de competncias e no de uma subtraco da direco doinqurito ao MP.

  • outro lado, o TC teve em linha de conta que a direco do inquritocompete ao MP, mas os actos que contendem com os direitos,liberdades e garantias so da competncia exclusiva do juiz de ins-truo, ainda na fase de inqurito. o Tribunal atendeu tambm aque o arguido pode requerer a abertura da instruo, o que garanteo controlo jurisdicional da deciso de acusao do MP.

    Relativamente ao regime das declaraes prestadas em faseanterior audincia de julgamento, no Cdigo de 87 a matriaencontrava-se regulada nos arts. 356. e 357., em moldes similaresao regime previsto na Reviso de 2007. Na verso inicial dodiploma de 87, as nicas diferenas do art. 356. relativamente aoregime de 2007 encontravam-se na alnea c) do n. 2 da norma, jque aquela norma apenas previa a leitura em audincia de declara-es obtidas mediante precatrias legalmente permitidas, ao passoque na Reviso de 2007 a alnea c) prev tambm as rogatrias.outra diferena relativamente ao regime de 2007 encontra-se naalnea b) do n. 3 do art. 356. que na verso inicial do CPP de 87estipulava que as declaraes anteriores prestadas perante juizpoderiam ser lidas em audincia quando existissem entre aquelasdeclaraes e as prestadas em audincia contradies ou discre-pncias sensveis que no pudessem ser esclarecidas de outromodo. Como se constata, o requisito sensvel foi suprimido pelaReviso de 2007, bem como o requisito que impunha que as con-tradies ou discrepncias entre as declaraes anteriores e asdeclaraes prestadas em audincia no pudessem ser esclarecidaspor outra forma. Tambm o n. 8 do art. 356. foi modificado, tendosido estipulado na Reviso de 2007 que a visualizao ou aaudio de gravaes de actos processuais s permitida quando ofor a leitura do respectivo auto nos termos dos nmeros seguintes.Na verso inicial do CPP inexistia o n. 9 do art. 356., que foiacrescentado pela Reviso de 2007.

    No que concerne ao art. 357., a diferena que possvel encon-trar no regime inicial do CPP relativamente ao regime de 2007encontra-se na alnea b) do n. 1 do art. 357. que previa, na versoinicial, a permisso de leitura de declaraes anteriormente presta-das quando, tendo sido prestadas perante o juiz, houvesse contradi-es ou discrepncias sensveis verificadas entre aquelas declara-

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  • es e as prestadas em audincias que no pudessem ser esclareci-das de outro modo. Neste ponto, verifica-se uma alterao deregime semelhana do ocorrido na alnea b) do n. 3 do art. 356.,com a supresso dos dois requisitos existentes na verso inicial doCdigo que as contradies ou discrepncias fossem sens-veis e no pudessem ser esclarecidas de outro modo.

    Em consonncia com as alteraes do art. 356., nos n.os 8 e 9,o art. 357., n. 2 foi alterado pela Reviso de 2007, passando a dis-por que correspondentemente aplicvel o disposto nos n.os 7a 9 do artigo anterior.

    De referir, por ltimo, que o art. 355. sofreu uma alteraopela Reviso de 2007 no seu n. 2 que, em concordncia com anova redaco do n. 8 do art. 356., ressalvou as provas conti-das em actos processuais cuja leitura, visualizao ou audio emaudincia sejam permitidas nos termos dos nmeros seguintes.

    2.3.1. As revises do Cdigo de 1987

    o Cdigo de Processo Penal de 1987 conta j com um nmeroconsidervel de revises e alteraes que, contudo, no tiveram oalcance de conferir ao diploma uma nova configurao(23). umadas maiores revises do CPP ocorreu em 2007, como j se anteveudo cotejo entre a verso inicial do CPP e o regime introduzido pelaLei n. 48/2007 no que toca matria das declaraes anteriores aojulgamento. Mas a Reviso de 2007 foi muito mais alm do que asalteraes ao regime destas declaraes. Na verdade, a lei n. 48//2007(24), que procedeu dcima quinta alterao ao CPP, acabariapor ter um profundo impacto na prtica da investigao criminal eoriginou intensa crtica(25). A Reforma teve por base a Proposta de

    1150 ANDREIA CRuz

    (23) PAuLo SouSA MENDES, ob. cit., p. 1373.(24) Lei n. 48/2007 de 29 de Agosto, rectificada pela Declarao de Rectificao

    n. 105/2007 de 9 de Novembro.(25) Sobre a Reviso de 2007 veja-se MANuEL DA CoSTA ANDRADE, Bruscamente

    no Vero Passado, a reforma do Cdigo de Processo Penal Observaes crticassobre uma lei que podia e devia ter sido diferente, Coimbra, Coimbra Editora, 2009;FIGuEIREDo DIAS, Sobre a reviso de 2007 do Cdigo de Processo Penal portugus,

  • Lei n. 109/X apresentada pelo Governo Assembleia da Repblicaa 20 de Dezembro de 2006 e foi concebida a partir do trabalho desen-volvido pela unidade de Misso para a Reforma Penal(26), criadapela Resoluo do Conselho de Ministros n. 138/2005, de 17 deAgosto e que procurou compatibilizar o CPP com a jurisprudncia doTribunal Constitucional e do Tribunal Europeu dos Direitos doHomem. o trabalho da uMRP foi complementado com reuniesregulares de um Conselho Consultivo, integrado por representantesdos vrios sectores da Justia e docentes universitrios.

    os Grupos Parlamentares do PSD, CDS-PP, bE e PCP apre-sentaram projectos de lei com vista a alterar o Cdigo. A propostade lei foi aprovada na generalidade a 15 de Maro de 2007, com osvotos favorveis do PS e do PSD e a absteno do CDS-PP, bE,PCP e PEv. A proposta de lei sofreu alteraes na especialidade e onovo regime do CPP foi aprovado atravs da Lei n. 48/2007.o CPP entraria em vigor em 15 de Setembro de 2007.

    As implicaes da Reviso de 2007 foram monitorizadas peloobservatrio Permanente da Justia(27) ao longo de dois anos queidentificou as modificaes necessrias Reviso de 2007 e que

    A REvISo DE 2013 Ao CDIGo DE PRoCESSo PENAL 1151

    Revista Portuguesa de Cincia Criminal, Ano 18, n. 2/3, (Abr.-Set.), 2008, pp. 367-385;PAuLo SouSA MENDES, A reviso do Cdigo de Processo Penal, A Reforma do sistemapenal de 2007 Garantias e eficcia, (coord. Conceio Gomes, Jos Mouraz Lopes),Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pp. 17-22; RuI PEREIRA, Entre o garantismo e osecuritarismo A Reviso de 2007 do Cdigo de Processo Penal, AA.vv., Que futuropara o direito processual penal? Simpsio em homenagem a Jorge de Figueiredo Dias,por ocasio dos 20 anos do Cdigo de Processo Penal portugus (org. MRIo FERREIRAMoNTE, MARIA CLARA CALHEIRoS, FERNANDo CoNDE MoNTEIRo e FLvIA NovERSAMoNTEIRo), Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 247-268; ANTNIo HENRIquES GASPAR,Processo Penal: reforma ou reviso; as rupturas silenciosas e os fundamentos (aparentes)da descontinuidade, Revista Portuguesa de Cincia Criminal, Ano 18, n.os 2 e 3, (Abr.--Set.), 2008; RoDRIGo SANTIAGo, Reflexes sobre a 15. alterao ao Cdigo de Pro-cesso Penal: o arguido e o defensor, Revista Portuguesa de Cincia Criminal, Ano 18,n. 2/3, (Abr.-Set.), 2008, pp. 317-332; PAuLo D MESquITA, Algumas notas sobregarantia judiciria, investigao, o que o arguido disse e a prova do crime na Reforma de2007 do Cdigo de Processo Penal, A Reforma do Sistema Penal de 2007 Garantias eeficcia, (coord. CoNCEIo GoMES, JoS MouRAz LoPES), Coimbra, Coimbra Editora,2008, pp. 35-50.

    (26) vejam-se, da uMRP, as Actas da Unidade de Misso para a Reforma Penal.(27) o oPJ produziu relatrios intercalares e um relatrio final: A Justia Penal,

    uma reforma em avaliao, 2009, disponvel em .

  • viriam a consubstanciar-se atravs da Lei n. 26/2010, de 30 deAgosto.

    o Cdigo de Processo Penal viria a ser alvo de uma novareforma, atravs da recente Lei n. 20/2013 de 21 de Fevereiro, queprocede vigsima alterao ao CPP de 87. Pelas implicaes quea alterao provoca no domnio do regime das declaraes anterio-res ao julgamento dedicaremos um captulo(28) para a anlise daReforma. Antes disso, iremos apresentar uma anlise do regimeanterior a esta reviso, posteriormente confrontado com as altera-es introduzidas pela Lei n. 20/2013.

    CAPtuLO II

    Enquadramento normativo do regime das declaraesanteriores ao julgamento o regime anterior

    Lei n. 20/2013

    1. Leitura permitida de autos e declaraes art. 356.

    1.1. Leitura de declaraes que visam suprir a ausncia dapessoa declarante

    A primeira excepo regra de intransmissibilidade probat-ria das declaraes processuais encontra-se prevista no art. 356.,n.os 1, 2 e 4 que podem ser sintetizados como normas que visamsuprir a ausncia da pessoa declarante. Assim, o 356., n. 1, al-nea a), e n. 2, alnea a), prevem a permisso de leitura das decla-raes processuais enformados segundo um princpio de aquisioantecipada da prova(29). Nos termos do n. 1, alnea a), do art. 356.,

    1152 ANDREIA CRuz

    (28) Infra, Captulo Iv.(29) Mencione-se que a enumerao dos n.os 1 e 2 do art. 356. taxativa, aten-

    dendo ao vocbulo s.

  • permitida a leitura das declaraes recolhidas nos termos dosarts. 318., 319. e 320., ou seja, as declaraes recolhidas pormeio adequado de comunicao do assistente, testemunhas, partescivis, peritos ou consultores tcnicos residentes fora do crculojudicial e cuja deslocao para a presena na audincia de julga-mento implique graves dificuldades ou inconvenientes, com anica ressalva de que a presena na audincia no seja indispens-vel descoberta da verdade (art. 318.). o art. 319. prev a recolhade declaraes no domiclio para os casos de impossibilidade decomparecer na audincia de julgamento por fundadas razes, emmoldes similares ao regime previsto no art. 318.. o art. 320., porsua vez, prev o regime de realizao dos actos urgentes ou cujademora possa acarretar perigo para a aquisio ou conservao daprova, designadamente nos casos previstos nos arts. 271. e 294.que regulam as declaraes para memria futura no inqurito e nainstruo, respectivamente. De igual forma, o art. 356., n. 2,admite a leitura de declaraes prestadas nos termos dos arts. 271.e 294.. Como se pode depreender da anlise dos preceitos relati-vos tomada de declaraes para memria futura, o recurso a estaforma de produo antecipada de prova funda-se num juzo deprognose quanto impossibilidade de o declarante comparecer naaudincia de julgamento ou de se se encontrar impossibilitado decomparecer em audincia por motivo de doena grave, para almdos casos de recolha de declaraes das vtimas de crime de trficode pessoas ou contra a liberdade e autodeterminao sexual.Refira-se, ainda, que a leitura das declaraes recolhidas nos ter-mos dos arts. 271. e 294. s permitida se aquelas declaraestiverem sido prestadas perante um juiz e a produo de prova rea-lizada com respeito pelo princpio do contraditrio, j que nos ter-mos dos arts. 271., n. 3, e 294., todos os sujeitos processuais soinformados da data e local da prestao de depoimento para quepossam estar presentes e intervir, assim se garantindo um exerccioefectivo do contraditrio.

    o n. 4 do art. 356. permite, por sua vez, a leitura de declara-es prestadas perante o juiz ou o Ministrio Pblico dos declaran-tes que no possam comparecer na audincia de julgamento porfalecimento, anomalia psquica superveniente ou impossibilidade

    A REvISo DE 2013 Ao CDIGo DE PRoCESSo PENAL 1153

  • duradoura(30), em congruncia com um princpio de conservaoda prova(31).

    Salienta Damio da Cunha(32) que as declaraes prestadasnos termos deste preceito perante o Ministrio Pblico represen-tam uma quebra de paridade face ao arguido, j que aquele inter-vm na audincia de julgamento como parte e no como autori-dade judiciria, pelo que o Ministrio Pblico, no exerccio dosseus poderes pode introduzir, em audincia, as declaraes presta-das s perante ele, para alm de que o arguido s pode contraditaro contedo destas declaraes e no a pessoa que as prestou ou ascircunstncias em que a declarao foi prestada. Tal no sucedequando as declaraes tenham sido prestadas perante um juiz,situao em que tanto o arguido como o Ministrio Pblico dis-pem de um poder idntico de provocar um contraditrio sobre aproduo da prova em audincia de julgamento(33).

    No entanto, Damio da Cunha considera a leitura das declara-es prestadas pelo Ministrio Pblico admissveis atendendo aque foram prestadas perante uma autoridade judiciria e, portanto,segundo uma forma solene e cautelosa(34). De qualquer forma, o

    1154 ANDREIA CRuz

    (30) De acordo com a jurisprudncia do acrdo do STJ de 23-03-2000, CJ, Acs-STJ, vIII, tomo 1, 230, a impossibilidade duradoura inclui a ausncia em parte incerta,mas tambm a ausncia, por exemplo, devido a doena prolongada.

    (31) Importa destacar que Damio da Cunha, ob. cit., pp. 411 e 412, salienta que apermisso de leitura destas declaraes se apresenta algo problemtica, uma vez que noscasos previstos nos arts. 318, 319. e 320. as declaraes so tomadas em observncia deformalismos destinados a garantir o contraditrio na produo da prova, garantias que nose verificam no caso do art. 356., n. 4, o que leva o autor a afirmar que neste caso estamosperante um mero contraditrio sobre a prova, reafirmando como decisiva a necessidade dese concretizar um contraditrio pela prova, em concordncia com um processo de estruturaacusatria.

    (32) Idem, pp. 412 e 413.(33) Em sentido divergente, segundo PAuLo D MESquITA, ob. cit., p. 604 o pro-

    blema da admissibilidade da leitura destas declaraes permanece mesmo quando tenhamsido prestadas perante o juiz, principalmente se o Ministrio Pblico ou a defesa no tive-ram oportunidade de estar presentes na recolha das declaraes. o autor lembra que apesardo art. 289., n. 2, preceituar que o MP, o arguido, o defensor e o seu advogado podem par-ticipar nas inquiries realizadas durante a instruo ainda assim, nestes casos, a possi-bilidade de participar reporta-se no momento da inquirio a um acto teleologicamentevinculado deciso sobre a aco penal e no prova do julgamento.

    (34) DAMIo DA CuNHA, ob. cit., p. 414.

  • autor destaca que a preferncia deve ser sempre concedida aqui-sio antecipada de prova, o que torna inadmissvel, nos termos doart. 356., n. 4, a leitura das declaraes quando a sua recolhapoderia ter sido obtida por via de um contraditrio directo(35).

    A leitura de declaraes anteriormente prestadas aindaadmissvel, nos termos do art. 356., n. 2, alnea b), se o MinistrioPblico, o arguido e o assistente estiverem de acordo na sua leitura,aqui vigorando um princpio de consenso entre os sujeitos proces-suais(36). Como refere Damio da Cunha(37), o propsito subja-cente a esta permisso concedida na base do consenso entre estessujeitos processuais relaciona-se com uma ideia de celeridade eeconomia processuais o que permite, por exemplo, que perante aausncia de uma testemunha audincia de julgamento, os sujeitosprocessuais previstos neste preceito possam prescindir da presenadaquela testemunha, mediante acordo na leitura das declaraesanteriormente prestadas.

    o n. 5 do art. 356. permite ainda a leitura destas declaraesmesmo que tenham sido prestadas perante o Ministrio Pblico ourgos de polcia criminal.

    o Tribunal Constitucional teve j oportunidade de se pronun-ciar, no acrdo n. 1052/96, acerca da constitucionalidade danorma do art. 356., n. 2, alnea b), e n. 5 do CPP, tendo o Tribunalconsiderado que a razo de ser da necessidade de acordo entre ossujeitos processuais previstos no n. 2, alnea b), do art. 356. resultada circunstncia de as declaraes prestadas nos termos deste pre-ceito no terem sido recolhidas com observncia das formalidadesestabelecidas para a audincia ou perante juiz, no existindo assimas garantias dialticas de contraditoriedade que a CRP assegura. Poroutro lado, o Tribunal concluiu que estando presente na audinciade julgamento a testemunha autora da declarao anteriormente

    A REvISo DE 2013 Ao CDIGo DE PRoCESSo PENAL 1155

    (35) Idem, p. 413.(36) Como adianta PAuLo D MESquITA, ob. cit., pp. 607 e 608, o preceito em

    causa constitui expresso do princpio da auto-responsabilidade probatria das partes e doprincpio dispositivo sobre a produo da prova. Sobre o primeiro dos princpios videFIGuEIREDo DIAS, Direito Processual Penal, Coimbra, Coimbra Editora, 1974, pp. 193e 194.

    (37) Idem, p. 415.

  • recolhida que o recorrente pretendia ser lida em audincia, entoeste ter a possibilidade legal de exercer o respectivo direito dedefesa, tendo assim concludo que a norma em causa no representaqualquer encurtamento ou restrio inadequada das garantias dedefesa, sendo inclusive uma linha de concretizao do princpiogeral sobre a produo da prova presente no art. 355., n. 1.

    o art. 356., n. 2, alnea c), permite ainda a leitura de declara-es prestadas em fase anterior ao julgamento obtidas medianterogatrias ou precatrias legalmente permitidas.

    1.2. Leitura de declaraes de pessoas declarantes presentesna audincia de julgamento

    o art. 356., n. 3, prev a segunda excepo regra deintransmissibilidade probatria das declaraes, regulando-se aquia matria relativa admisso de leitura de declaraes de pessoaspresentes na audincia de julgamento. Nos termos do preceitoagora em anlise permitida a leitura das declaraes anterior-mente recolhidas desde que prestadas perante o juiz(38) e com afinalidade de avivar a memria de quem declara na audincia quej no se recorda de certos factos (alnea a) ou quando entre asdeclaraes anteriormente produzidas e as prestadas em audinciahouver contradies ou discrepncias (alnea b)(39/40).

    1156 ANDREIA CRuz

    (38) Como reitera DAMIo DA CuNHA, ob. cit., p. 437, a razo para o regime de lei-tura das declaraes anteriores ao julgamento assentar num princpio geral de que estasdeclaraes tenham sido prestadas perante o juiz fundamenta-se na circunstncia de estesujeito processual constituir um rgo imparcial que no participada como interessado nocontraditrio sobre a prova, o que permite que no ocorra um conflito de papis entre osdiferentes sujeitos processuais.

    (39) PAuLo D MESquITA, ob. cit., pp. 605 e 606, considera que a intransmissibili-dade probatria generalizada das declaraes processuais anteriores nos termos da al-nea b) do n. 3 do art. 356. mais difcil de sustentar do que a intransmissibilidade dosdepoimentos da testemunha que no presta depoimentos luz do n. 4 do art. 356., aten-dendo aos pressupostos epistemolgicos da imediao que so dois: a aparncia e o com-portamento no verbal dos depoentes auxilia o julgador na avaliao da honestidade dodepoimento e o ncleo da veracidade dos testemunhos centra-se na honestidade. Assimsendo, salienta o autor que a percepo dos sinais emitidos posteriormente pela teste-

  • Como sublinha Paulo D Mesquita(41) se compararmos oregime de admisso de leitura das declaraes anteriores nas situa-es de impossibilidade de comparncia da fonte de prova e assituaes em que a fonte de prova ouvida no julgamento cons-tata-se que o regime traado pela lei portuguesa apresenta-se maisrestritivo para a admisso da leitura das anteriores declaraes nosegundo caso, a que acresce a orientao de alguma doutrina queprocede a uma interpretao mais restritiva do valor das declara-es anteriores reproduzidas quando a fonte de prova inquiridaem audincia de julgamento.

    De acordo com a posio doutrinria defendida por Damioda Cunha(42), a leitura destas declaraes visa uma prova crticadas declaraes efectivamente prestadas, comprovando a veraci-dade das declaraes prestadas em audincia e no das anterior-mente recolhidas que no constituem objecto de prova. Em sentidodiferente, segundo Paulo Pinto de Albuquerque(43) as declaraesanteriores constituem prova que vale para efeitos de formao daconvico do tribunal(44). Germano Marques da Silva(45) consideraque as declaraes anteriores no se destinam a comprovar a vera-cidade do depoimento prestado na audincia mas sim a apurar acredibilidade das fontes de prova pessoal.

    A REvISo DE 2013 Ao CDIGo DE PRoCESSo PENAL 1157

    munha servem a essa luz para a avaliao da sua integridade e segurana, que poderia seraferida no confronto em tribunal com o que se disse e a possibilidade de percepo nojulgamento da sua reaco, e do seu comportamento na alterao da narrativa origin-ria.

    (40) A Reviso de 2007 alterou a redaco do preceito que anteriormente se referiaa contradies ou discrepncias sensveis que no possam ser esclarecidas doutromodo, pelo que, como demonstra PAuLo PINTo DE ALbuquERquE, ob. cit., p. 896, noregime actual qualquer discrepncia relevante, j que o requisito sensvel foi supri-mido.

    (41) PAuLo D MESquITA, ob. cit., p. 602.(42) DAMIo DA CuNHA, ob. e loc. cit.(43) PAuLo PINTo DE ALbuquERquE, Comentrio do Cdigo de Processo Penal

    Luz da Constituio da Repblica e da Conveno Europeia dos Direitos do Homem,3. ed. actualizada, Lisboa, universidade Catlica Editora, 2007, pp. 873-875.

    (44) No mesmo sentido PAuLo D MESquITA, ob. cit., p. 602; o autor retira tal con-cluso da conjugao dos arts. 355. e 356. e, em particular, da ressalva do n. 2 doart. 355..

    (45) GERMANo MARquES DA SILvA, ob. cit., p. 42.

  • o n. 6 do art. 356. probe em qualquer caso a leitura dosdepoimentos prestados em inqurito ou instruo por testemunhasque se recusem a depor na audincia de julgamento, expresso davigncia do princpio nemo tenetur se ipsum accusare, especial-mente previsto para as testemunhas no art. 132., n. 2, do CPP.A norma prev ainda as situaes de direito ao silncio da testemu-nha familiar e afim do arguido, prerrogativa de silncio familiar(46)que permite a recusa de depoimento pelas testemunhas nos moldesestabelecidos pelo art. 134., n. 1.

    Encontram-se igualmente abrangidos pela previso do n. 6do art. 356. os casos de invocao legtima e justificada do sigiloprofissional pela testemunha (arts. 135., 136. e 137.), assimcomo as situaes de impedimento para depor como testemunhareguladas no art. 133..

    De referir, neste domnio, a posio defendida por Paulo DMesquita(47) de acordo com a qual no caso de existir, por parte datestemunha, uma recusa a depor ilegtima e, portanto, ilcita, estar-se- perante uma situao de impossibilidade duradoura, enquadr-vel nos termos do n. 4 do art. 356.(48).

    Trata-se em todos os casos mencionados de leitura, visualiza-o ou audio do depoimento da testemunha absolutamente proi-bidas, estando vedado o acesso a tal depoimento mesmo que existaacordo de todos os sujeitos processuais. Por isso, decidiu o STJ emacrdo de 2-07-1998(49) que no pode ser usada em julgamentouma cassete de uma conversa gravada de uma testemunha que serecusou de forma legtima a depor em audincia de julgamento,

    1158 ANDREIA CRuz

    (46) Acerca da prerrogativa de silncio familiar vide, infra, ponto 1.2.1..(47) PAuLo D MESquITA, ob. cit., p. 601.(48) o autor salienta ainda o carcter controverso da opo legal subjacente ao

    n. 6 do art. 356., tendo em conta a diversidade de casos e interesses abrangidos e a dife-rena de tratamento concedida ao preceito em causa comparativamente com o n. 4 doart. 356.. Nota o autor que a soluo legal do n. 6 do art. 356. parece ter como referentea matria da prerrogativa de silncio familiar e o debate que tem originado na Alemanha,bem como a forma de tratamento da matria da recusa de depor das testemunhas no CPPde 1929 em que se entendia que a testemunha pode exonerar-se do encargo de depormas no tem o direito de se no atender ao que disse, no tem o direito de anular o seudepoimento (LuS oSRIo, ob. e loc. cit.).

    (49) Proc. n. 98P490. Relator: SouSA GuEDES.

  • quer a gravao diga respeito a um acontecimento exterior ao pro-cesso, quer seja concernente a um acto processual ocorrido em faseprvia do processo.

    1.2.1. o direito ao silncio na esfera de relaes pessoais A prerrogativa de silncio familiar

    Como enunciado anteriormente, o art. 356., n. 6, probe a lei-tura do depoimento prestado em inqurito ou na instruo por teste-munha que na audincia se recuse validamente a depor. o artigotem, nesta sede, em linha de conta a denominada prerrogativa desilncio familiar(50), prevista no art. 134. do CPP e que impede queas testemunhas sejam obrigadas a depor contra os seus parentes ouafins(51). Trata-se nestes casos da consagrao do direito ao silncioespecificamente pensado para a teia de relaes familiares doarguido, sendo frequente apontar sobre a ratio da norma(52) o pro-psito de evitar um conflito de conscincia da testemunha e comoforma de salvaguardar os laos de confiana e solidariedade fami-liar, assim evitando o conflito de deveres que a testemunha teria de

    A REvISo DE 2013 Ao CDIGo DE PRoCESSo PENAL 1159

    (50) Como nota de Direito Comparado importa referida que no sculo XIX a prerro-gativa de silncio familiar foi consagrada nos Estados unidos da Amrica, na Itlia e na Ale-manha. Mas o modo de consagrao da prerrogativa no Direito norte-americano apresentacontornos distintos do regime consagrado nos direitos continentais, j que naquela o direitode recusa de depor confinado ao cnjuge, excluindo-se da prerrogativa os parentes e afins.

    (51) De referir, neste domnio, a perspectiva doutrinria preconizada por PAuLoPINTo DE ALbuquERquE, ob. cit., p. 358, segundo a qual a alnea b) do n. 1 do art. 134.padece de inconstitucionalidade por violao do princpio da igualdade (art. 13. da CRP),na medida em que no permite que a pessoa que vive com o arguido em condies anlo-gas s dos cnjuges recuse a prestao de depoimento relativamente a factos ocorridosantes da coabitao, ao contrrio do que sucede com o cnjuge do arguido, cuja faculdadede recusa de depoimento relativamente a factos ocorridos antes do casamento possibili-tada por via da alnea a).

    (52) Nos trabalhos preparatrios da Reforma de 2007, unidade de Misso para aReforma Penal, Acta 20, 2005/07, p. 8, associou-se a prerrogativa de silncio familiar aoprincpio da dignidade da pessoa humana e ao direito integridade moral. Cremos, con-tudo, que tal viso manifestamente desproporcionada em funo da natureza da prerroga-tiva de recusa de depoimento contra familiares, para alm de que, como nota PAuLo DMESquITA, ob. cit., p. 280, nota 87, a ligao da recusa de depor com o valor da dignidadeda pessoa humana e o direito integridade moral levaria a que estes se considerassem sem-pre violados em todos os casos em que subsiste o dever de depor.

  • suportar se tivesse de depor contra o seu parente, afim ou compa-nheiro(53). esta a orientao doutrinria preconizada por CostaAndrade que afirma que, o que cabe sublinhar: a existncia deproibies de prova em que os interesses a salvaguardar, suscept-veis de colidir com a descoberta da verdade e impor o seu recuo,transcendem a esfera dos interesses ou direitos encabeados peloarguido(54). No mesmo sentido, Medina de Seia(55) consideraque se visa proteger o sentimento familiar, protegendo-se, poressa via, as prprias relaes de confiana essenciais instituiofamiliar. o autor considera ainda que o direito de recusa de deporconfere um efeito reflexo para a o arguido, pois este no dispe dodireito de exigir o silncio do seu familiar que se recusa a depor(56).

    o direito de recusa de depor subsiste mesmo que existaacordo de todos os intervenientes processuais no sentido da aceita-o do depoimento da testemunha, pelo que, como sublinha PauloD Mesquita(57), estamos perante um poder decisrio exclusivo einsindicvel da testemunha(58), independente dos interesses pro-cessuais que a recusa de depoimento possa afectar(59).

    1160 ANDREIA CRuz

    (53) Sublinha PAuLo D MESquITA, ob. cit., p. 279, que a prerrogativa de silnciofamiliar constitui um exemplo paradigmtico da sensibilidade germnica partilhada porPortugal. Com efeito, o regime de recusa de depoimento contra familiares e afins pre-visto de forma idntica na lei alem e igualmente entendido pela doutrina maioritriaalem como uma norma que visa impedir um conflito de conscincia da testemunha esimultaneamente proteger as relaes de confiana subjacentes instituio familiar, nestecaso entendida como bem jurdico autnomo merecedor de tutela. Todavia, em sentidodiverso, entende GSSEL, Kritische bemerkungen zum gegenwrtigen Stand der Lehrevon den beweisverboten im Strafverfahren, NJW, 1981, pp. 653 e 2219 apud MANuEL DACoSTA ANDRADE, Sobre as Proibies de Prova em Processo Penal, Coimbra, CoimbraEditora, 2006, p. 77, que a interpretao correcta da norma que visa a prerrogativa de siln-cio familiar e a prerrogativa contra a auto-incriminao da testemunha deve ter em linha deconta o primado da verdade material, ou seja, o que est subjacente a este regime a tenta-tiva de evitar depoimentos marcados pelo conflito.

    (54) MANuEL DA CoSTA ANDRADE, ob. cit., p. 78.(55) MEDINA DE SEIA, Anotao ao acrdo do Supremo Tribunal de Justia de 17-

    -1-1996, Revista Portuguesa de Cincia Criminal, Ano 6, Fasc. 3, (Jul.-Set.), 1996, p. 493.(56) Idem, p. 496.(57) PAuLo D MESquITA, ob. cit., pp. 280 e 281.(58) Saliente-se que mesmo que as testemunhas aceitem depor contra o crculo de

    pessoas elencadas no art. 134., n. 1, continuam sujeitas ao dever de verdade (art. 132.,n. 1, alnea d), do CPP e art. 360., n. 1, do CP).

    (59) De salientar que a prerrogativa de silncio familiar existe mesmo para as tes-

  • o n. 2 do art. 134. estabelece que a entidade competentepara receber o depoimento tem um dever de advertncia da prerro-gativa de silncio familiar, cuja inobservncia determina a nuli-dade do depoimento(60).

    Por ltimo, refira-se que o direito de recusa de depor noabrange as testemunhas em relao aos factos imputados exclusi-vamente aos co-arguidos com quem aquelas no tenham uma rela-

    A REvISo DE 2013 Ao CDIGo DE PRoCESSo PENAL 1161

    temunhas com iniciativas processuais anteriores, como aquelas que deram incio ao pro-cesso atravs da apresentao de queixa, sendo aqui evidente a diferena de tratamento damatria relativamente legislao de 1929 que previa no art. 431., 1, que apenas admitiaa titularidade do direito de recusa de depor queles que no fossem participantes ou parteacusadora. No diploma de 1929 o art. 216. previa o elenco de pessoas que no podiamtestemunhar, em funo do quadro de relaes familiares: ascendentes, descendentes,irmos, afins nos mesmos graus, marido ou mulher do ofendido, da parte acusadora ou doarguido.

    (60) Na doutrina portuguesa, PAuLo PINTo DE ALbuquERquE, ob. cit., p. 359, con-sidera que a omisso da advertncia constitui uma nulidade que consubstancia uma proibi-o de prova resultante da intromisso na vida privada da testemunha que tem como efeitoa nulidade das provas obtidas, salvo consentimento da testemunha que prestou depoimento(art. 126., n. 3, do CPP). PAuLo DE SouSA MENDES, As proibies de prova no processopenal, AA.vv., Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, (coord.cientfica: MARIA FERNANDA PALMA), Coimbra, Almedina, 2004, pp. 149 e 150, concluique a violao do art. 134., n. 2, constiui um procedimento violador de formalidades,cuja sano ser a nulidade dependente de arguio.

    o Direito Italiano estabelece nos mesmos moldes da lei portuguesa o dever deadvertncia da prerrogativa de silncio familiar, sendo que a doutrina italiana maioritriaconsidera que a ausncia da advertncia do direito de recusa de depor redundar numanulidade relativa. Na lei italiana, o direito de recusa de depor cessa no caso de o familiar ouafim ter apresentado a denncia ou ser o ofendido (art. 199., n. 3, do CPPI). Diversa-mente, embora a lei alem preveja um dever de advertncia do direito de recusa de depordas pessoas com ligao ao arguido, no contm nenhuma norma que preveja o sanciona-mento da omisso da advertncia. PAuLo D MESquITA, ob. cit., pp. 283 e 284, d-nosconta da significativa divergncia doutrinria e jurisprudencial que a ausncia de umanorma que preveja a consequncia da omisso do dever de advertncia gerou na Alema-nha, dividida sobre a matria das proibies de prova, tambm resultado, em grande parte,da dificuldade de conciliar diferentes interesses em presena (direitos de defesa, dodepoente, proteco da instituio familiar, entre outros). KARL-HEINz GSSEL, As proibi-es de prova no direito processual penal da Repblica Federal da Alemanha (tr. port. deM. CoSTA ANDRADE do original Die beweisverbote im Srafverfahrenrecht der bRD,GA, 91), Revista Portuguesa de Cincia Criminal, Ano 2, Fasc. 3., (Jul.-Set.), 1992,pp. 404-410, considera que a linha jurisprudencial seguida nesta matria incoerente econclui que a tutela da prerrogativa de silncio familiar est centrada no depoente, peloque no se justifica a proibio de prova para a omisso do dever de advertncia do direitode recusa de depor.

  • o de parentesco ou afinidade, mas esta prerrogativa aplicvelem relao aos factos que sejam simultaneamente imputados aosco-arguidos que tm e aos que no tm uma relao de parentescoou afinidade com a testemunha(61).

    1.3. Prestao de depoimento por rgos de polcia criminal

    o n. 7 do art. 356. conjugado com o art. 357., n. 2, impe-dem o depoimento dos rgos de polcia criminal relativamente sdeclaraes(62) cuja leitura em audincia de julgamento no sejapermitida. A finalidade subjacente a este preceito impedir que porvia da inquirio como testemunhas dos rgos de polcia criminalocorra uma fraude ao modelo de intransmissibilidade probatriadas declaraes anteriormente prestadas, o que sucederia se o tri-bunal acedesse a estas declaraes cuja leitura proibida atravsdo depoimento dos oPC, da que a proibio contida no n. 7 sejaainda alargada a todas as pessoas que, a qualquer ttulo, tiveremparticipado na recolha das declaraes de leitura proibida, queficam assim igualmente impossibilitadas de ser inquiridas sobre ocontedo destas declaraes(63).

    1162 ANDREIA CRuz

    (61) Neste sentido, PAuLo PINTo DE ALbuquERquE, ob. cit., p. 358 e ainda MEDINADE SEIA, O Conhecimento Probatrio do Co-arguido, Coimbra, Coimbra Editora, 1999,p. 102, que segue o mesmo sentido do acrdo do STJ de 17-01-1996 (Proc. n. 048699;Relator: AuGuSTo ALvES) nesta matria.

    (62) JoS ANTNIo bARREIRoS, Depoimento policial em audincia penal. mbitoe limites, Revista Polcia e Justia, III srie, n. 4, (Jul.-Dez.), 2004, p. 21, aponta umaimpreciso terminolgica na norma o n. 7 fala em tiverem recebido declaraes, masna verdade esto aqui includos os autos de diversa natureza e as inquiries, o que consti-tui uma limitao da dimenso subjectiva do preceito que pode induzir em erro. o autorconsidera igualmente existir uma contradio entre a formulao e o lugar da insero sis-temtica do art. 356., n. 7, na medida em que a norma no decreta proibio de leiturasem audincia, mas sim uma proibio de depoimentos sobre matria que esteja documen-tada em autos escritos e ainda uma ausncia de previso quanto natureza jurdica doincumprimento da norma, o que permite concluir que se estar perante uma mera irregula-ridade processual em caso de incumprimento.

    (63) DAMIo DA CuNHA, ob. cit., p. 441, retracta o preceito como uma dupla vl-vula de segurana, pois impede uma fraude ao regime de proibies de leitura sobreos oPC e sobre outras pessoas que tiverem participado na recolha de declaraes.

  • Antnio barreiros coloca um problema de interpretao doart. 356., n. 7, relativamente dimenso subjectiva da norma(64).Nas situaes em que um oPC no tiver recebido declaraesnem tiver participado na sua recolha mas ainda assim assistiu produo das mesmas poder depor sobre o contedo dessasdeclaraes? A questo pertinente atendendo a que, como nota oautor, os oPC partilham instalaes e assistem discretamente adepoimentos e declaraes recolhidos por colegas por uma ques-to de tctica policial. o mesmo problema sucede relativamente aoutras pessoas que tenham assistido produo de declaraes.Atravs de uma interpretao literal da norma poderia defender-seque os oPC ou outras pessoas que assistiram produo de decla-raes podem prestar depoimento sobre o contedo destas decla-raes. No entanto, cremos que no esta a interpretao correctada norma que deve antes ser alvo de uma interpretao teleol-gica, impedindo-se o depoimento sobre o contedo das declara-es cuja leitura no for permitida em audincia de julgamento atodas as pessoas e aos oPC que tiverem de algum modo assistido produo de declaraes. Com efeito, da anlise da finalidadesubjacente ao preceito resulta que a norma do art. 356., n. 7, visaimpedir o depoimento dos oPC ou de quaisquer pessoas que, dealguma forma, tenham assistido produo das declaraes cujaleitura em audincia proibida, ou seja, visa impedir umafraude ao modelo de intransmissibilidade probatria das decla-raes prestadas em fase anterior ao julgamento que ocorreria seos oPC ou as pessoas que assistiram produo de declaraestivessem a possibilidade de depor sobre o contedo destas decla-raes.

    No que diz respeito orientao jurisprudencial relativa dimenso subjectiva da norma do n. 7 do art. 356. o STJ, no acr-do de 15-11-2000(65), afirmou que em audincia de julgamento osrgos de polcia criminal podem prestar depoimento como teste-munhas quanto a factos por si apurados antes da participao e

    A REvISo DE 2013 Ao CDIGo DE PRoCESSo PENAL 1163

    (64) JoS ANTNIo bARREIRoS, ob. cit., p. 25.(65) Proc. n. 2551/2000. Relator: FLoRES RIbIEIRo.

  • desde que no tenham tido qualquer interveno no decurso doprocesso(66).

    No que concerne ao exerccio do direito ao silncio emaudincia de julgamento por parte do arguido o STJ, no acrdode 11-07-2001(67), concluiu que nestas situaes ficam impedidasde depor como testemunhas as pessoas que recolheram ou auxilia-ram na recolha das declaraes do arguido, com o argumento deque: em tal caso, no se poderia falar em contradio ou discre-pncia com as anteriores declaraes, j que o silncio no tem ovalor de sim, no ou talvez.

    No que respeita dimenso objectiva da norma em anliseimporta considerar que os oPC ou outras pessoas podem deporsobre quaisquer outras matrias que no sobre a prestao dedeclaraes cuja leitura proibida em audincia de julgamento(68),tal como concluiu a jurisprudncia portuguesa que sustentou queso admissveis os depoimentos dos oPC enquanto testemunhas eem audincia quanto a factos de que tenham conhecimento directoquanto a informaes obtidas em diligncias externas, tal comoconcluiu o TRL no acrdo de 7-05-2002(69) ou relativamente ainformaes obtidas por meios diferentes de declaraes obtidasem auto, ficando includas as aces de preveno e as vigilncias acrdo TRL de 25-10-2000(70).

    Importa referir que o acrdo de 11-12-1996(71) do STJ consi-derou que a proibio contida neste preceito no abrange o depoi-mento dos agentes da PJ em audincia sobre a reconstituio docrime a que procederam.

    Ainda relativamente ao mbito de aplicao do n. 7 doart. 356., Damio da Cunha(72) coloca ainda a questo de saber se

    1164 ANDREIA CRuz

    (66) No mesmo sentido podem ver-se os acrdos do STJ de 29-03-1995 (Proc.n. 046393. Relator: LoPES RoCHA), e de 11-12-1996 (Proc. n. 780/96. Relator: FLoRESRIbEIRo).

    (67) Proc. n. 01P1796. Relator: LouRENo MARTINS.(68) Neste sentido, JoS ANTNIo bARREIRoS, ob. cit., p. 27.(69) Proc. n. 0022455. Relatora: MARGARIDA bLASCo.(70) Proc. n. 0052823. Relator: SANToS MoNTEIRo.(71) Proc. n. 96P780. Relator: FLoRES RIbEIRo.(72) Idem, p. 427.

  • ser admissvel o depoimento dos rgos de polcia criminal sobredeclaraes recolhidas a declarantes que no compaream naaudincia de julgamento por falecimento, anomalia psquica ouimpossibilidade duradoura. Embora o n. 4 apenas permita a leituradas declaraes anteriormente recolhidas a estes declarantes setiverem sido prestadas perante o MP ou o juiz, a verdade que oart. 129. in fine poderia fundamentar uma soluo diversa. Porm,Damio da Cunha considera que tal depoimento no ser admiss-vel em face das exigncias impostas pelo n. 4 do art. 356.(73).

    Reportando-se dimenso objectiva do art. 356., n. 7, Ant-nio barreiros(74) considera que no deve ser permitido o depoi-mento policial relativamente ao teor dos relatrios policiais deresumo do inqurito. Segundo o autor, considerar admissveis taisdepoimentos constituiria abuso de direito. Por outro lado, deacordo com a posio sustentada pelo autor, sempre que a lei per-mita abstractamente a leitura das declaraes em audincia de jul-gamento ou no processo essa permisso seja em concreto alcan-ada, permitido o depoimento dos oPC ou de outras pessoasrelativamente ao contedo daquelas declaraes, atendendo for-mulao do art. 356., n. 7, e sua insero sistemtica(75).

    A matria convoca ainda o problema dos depoimentos dosoPC ou de outras pessoas sobre o contedo das escutas telefni-cas. Segundo Jos Antnio barreiros(76), uma vez que as escutastelefnicas devem ser transcritas (art. 188., n. 1, do CPP) estamosperante prova documental, pelo que no se encontram abrangidaspela previso dos arts. 356. e 357., sendo admissvel o depoi-

    A REvISo DE 2013 Ao CDIGo DE PRoCESSo PENAL 1165

    (73) DAMIo DA CuNHA, ob. cit., p. 433, faz ainda aluso soluo adoptada noDireito Italiano que preconizou, alis, uma soluo absolutamente contrria ao regime por-tugus, j que a Corte Costituzionale declarou a ilegitimidade constitucional da norma queimpedia a prestao de depoimento por agentes da polcia judiciria sobre declaraes detestemunhas, fundamentando a deciso com o argumento de que em caso de no ser poss-vel adquirir os elementos probatrios por mtodo oral em julgamento, aquele impedimentotraduzir-se-ia numa precluso irrazovel da descoberta da verdade.

    (74) JoS ANTNIo bARREIRoS, ob. cit., p. 28.(75) JoS ANTNIo bARREIRoS, ob. cit., p. 27, mas contra CARLoS ADRITo TEI-

    XEIRA, Depoimento indirecto e arguido: admissibilidade e livre valorao versus proibi-o de prova, Revista CEJ, n. 2, 1. semestre, 2005, p. 178.

    (76) JoS ANTNIo bARREIRoS, ob. cit., p. 30.

  • mento dos oPC ou de outras pessoas sobre o contedo das escutastelefnicas.

    Mas a previso dos arts. 356., n. 7 e 357., n. 2, convocaainda um outro problema com tratamento doutrinrio e jurispru-dencial controverso: a matria das denominadas conversas infor-mais. Por isso, dedicaremos um tpico especificamente focadopara esta matria.

    1.3.1. o problema das conversas informais entre o arguidoe os rgos de polcia criminal

    Na matria relativa ao depoimento prestado pelos rgos depolcia criminal convoca-se o problema das denominadas conver-sas informais, isto , as declaraes prestadas pelo arguidoperante os oPC que no foram reduzidas a escrito.

    possvel distinguir, na jurisprudncia portuguesa, duasorientaes na forma de tratamento desta matria.

    uma primeira orientao pode encontrar-se na deciso do STJde 29-01-1992(77) que teve por objecto um caso de conversas infor-mais com uma pessoa no constituda formalmente como arguida,tendo o STJ ponderado que os oPC tm por funo carrear para oprocesso todos os elementos que lhes advenham das declaraesdos arguidos, de modo que as conversas informais no podem serapreciadas pelo tribunal, nem mesmo atravs da referncia suaexistncia em virtude de tais conversas passarem a ser dados defacto no carreados para os autos quando deveriam ter sido e,como tal, incognoscveis. o tribunal concluiu, por isso, queestava vedada a possibilidade de admitir os depoimentos dosrgos de polcia criminal sobre o contedo e a forma das declara-es informais dos arguidos.

    De igual forma, a jurisprudncia do STJ teve j ocasio de sepronunciar no acrdo de 11.07.2001(78) no sentido de negar a

    1166 ANDREIA CRuz

    (77) Proc. n. 42/290. Relator: FERNANDo FISHER DE S NoGuEIRA.(78) Proc. n. 01P1796. Relator: LouRENo MARTINS.

  • existncia de conversas informais com validade probatria mar-gem do processo(79).

    Em sentido discordante decidiu o STJ no acrdo de 29-03--1995(80) que concluiu que os rgos de polcia criminal esto proi-bidos de serem inquiridos como testemunhas sobre o contedo dedeclaraes que tenham recebido e cuja leitura no seja permitida,mas no esto impedidos de depor sobre o relato de conversas infor-mais que tenham tido com os arguidos, pelo que estas conversaspodem ser valoradas pelo tribunal, a menos que fique provado que oagente investigador escolheu deliberadamente esse meio (ou sejatenha decidido no reduzir a escrito as declaraes) para evitar aproibio de leitura destas declaraes em audincia de julgamento.

    Na doutrina, para Damio da Cunha(81) as conversas infor-mais so, to simplesmente, processualmente inexistentes, pelofacto de a funo dos rgos de polcia criminal ser a de carrearpara o processo todos os dados fornecidos pelas declaraes doarguido, ou seja, vale nesta matria o princpio quod non est inauto, non est in mundo(82), de modo que todas as conversas so,por princpio, formais(83). Em todo o caso, destaca o autor, mesmoque se pudesse aceitar a existncia de declaraes no reduzidas aescrito, tais declaraes estariam sempre sujeitas a uma proibiode prova em audincia de julgamento.

    Da mesma forma, para Jos Antnio barreiros no admiss-vel o depoimento dos oPC sobre conversas informais(84).

    A REvISo DE 2013 Ao CDIGo DE PRoCESSo PENAL 1167

    (79) No mesmo sentido pode ver-se o acrdo do TRC de 7-04-2010 (Proc.n. 386/09.1TbNLS.C1. Relator: ESTEvES MARquES) e o acrdo do TRL de 29-05-2012(Proc. n. 53/09.6PHLSb.L1-5. Relator: ARTuR vARGuES).

    (80) Proc. n. 046393. Relator: LoPES RoCHA.(81) DAMIo DA CuNHA, ob. cit., pp. 425 e ss.(82) Sobre o princpio, vide, GERMANo MARquES DA SILvA, Curso de Processo

    Penal, vol. II, Lisboa, verbo, 1993, pp. 139 e 140.(83) DAMIo DA CuNHA, ob. cit., p. 427, em anlise ao acrdo do STJ de 29-03-

    -1995 reala que o recurso aos conceitos inexistentes de conversas e informais signi-fica a negao do carcter formal e protectivo que concedido s declaraes do arguido.De resto, considera o autor que da sua aceitao decorre uma contradio com a letra e ateleologia da lei, ou seja, a de que as declaraes anteriores sejam directamente valoradase no apenas como dados crticos das declaraes prestadas em audincia.

    (84) JoS ANTNIo bARREIRoS, ob. cit., p. 28.

  • 2. Depoimento Indirecto

    o regime jurdico-processual portugus do depoimento indi-recto encontra-se regulado no art. 129.. Prev o n. 1 do art. 129.:Se o depoimento resultar do que se ouvir dizer a pessoas determi-nadas, o juiz pode chamar estas a depor. Se o no fizer, o depoi-mento produzido no pode, naquela parte, servir como meio deprova, salvo se a inquirio das pessoas indicadas no for possvelpor morte, anomalia psquica superveniente ou impossibilidade deserem encontradas(85).

    Atravs da leitura da norma possvel identificar os requisitosde aceitao do depoimento de ouvir-dizer. Desde logo, a testemu-nha de ouvir-dizer ter de identificar a testemunha-fonte, ou seja,a fonte material de onde provm o conhecimento dos factos.Refira-se que no caso de a testemunha de ouvir-dizer no estar emcondies de indicar a pessoa ou a fonte atravs das quais tomouconhecimento dos factos ou se recusar a faz-lo, o n. 3 doart. 129. impede que o seu depoimento sirva como meio de prova.As nicas excepes a este requisito esto previstas na parte finaldo n. 1 (morte, anomalia psquica superveniente ou impossibili-dade das fontes de informao serem encontradas)(86). o art. 129.

    1168 ANDREIA CRuz

    (85) Na vigncia do CPP de 1929, o art. 233. regulava o regime do depoimentoindirecto: s testemunhas ser perguntado o modo por que souberam o que depem. Sedisserem que sabem de vista Se disserem que sabem de ouvido sero perguntadas aquem o ouviram, em que tempo e lugar, e se estavam a outras pessoas. um nicoprevia a inutilizabilidade da prova testemunhal de ouvir dizer: o juiz no mandar escre-ver a resposta da testemunha que no d razo alguma da cincia do que afirma. impor-tante mencionar que na vigncia do CPP de 1929 MANuEL DE ANDRADE, Parecer, Colec-tnea de Jurisprudncia, vI, 1, 1981, pp. 5-11, considerava que o n. 5 do art. 32. da CRPde 1976 tinha tornado inconstitucional a permisso de testemunhos de ouvir dizer em Pro-cesso Penal, em virtude de tal utilizao e valorao serem incompatveis com um pro-cesso de estrutura acusatria, por serem contrrios aos princpios da imediao e do con-tra-interrogatrio na fase de julgamento. o autor defendia, por isso, a proibio absolutada utilizabilidade dos testemunhos de ouvir-dizer na fase de julgamento.

    (86) Para DAMIo DA CuNHA, ob. cit., p. 439, o 129., n. 1, parte final, constituiuma vlvula de segurana de que o arguido dispe para fazer face perda de contributosprobatrios que no podem ser salvaguardados por via do mecanismo funcionalmentemais adequado a antecipao da produo de prova garante-se ao arguido uma certaparidade face ao MP, j que o recurso ao depoimento indirecto pode ser a nica via proces-

  • prev, assim, um regime de admissibilidade condicionada dodepoimento indirecto(87).

    A obrigao de indicar a fonte tem como finalidade dissuadirrelatos que no possam ser confirmados na fonte em resultado datestemunha de ouvir-dizer ser incapaz de identificar ou individuali-zar aquela fonte ou por no pretender identific-la(88).

    A admissibilidade do depoimento indirecto est igualmentedependente do dever de o tribunal chamar a depor a testemunha-fonte. A ratio da norma tem subjacente o propsito de aferir da cre-dibilidade do testemunho indirecto e permitir ao julgador tomarcontacto directo com a testemunha e o relato-fonte(89/90).

    Em matria de direito ao silncio, a questo que se colocarelativamente ao regime do depoimento indirecto reside em saberse o depoimento de uma testemunha quanto a uma conversa infor-

    A REvISo DE 2013 Ao CDIGo DE PRoCESSo PENAL 1169

    sual de que o arguido dispe para face quelas situaes em que a testemunha por si indi-cada no comparece em audincia de julgamento.

    (87) Refira-se que o CPP regulou o regime do depoimento indirecto nos mesmostermos em que o fazia o Progetto preliminare de 1978, posteriormente convertido e modi-ficado no art. 195. do CPPI. Esta soluo foi, por sua vez, inspirada na doutrina e jurispru-dncia alems. No art. 195. do CPPI encontra-se previsto um dever de o juiz determinar ainquirio da pessoa ausente, sob pena de inutilizabilidade do depoimento da testemunhade ouvir-dizer, mas ao contrrio do regime portugus prev-se que o juiz, a pedido de umaparte determina que aquela seja chamada a depor.

    Ao contrrio de pases como Portugal, a Frana, a Alemanh ou a Itlia, no DireitoNorte-Americano e na lei inglesa vigora uma regra geral de proibio do depoimento indi-recto. MIREILLE DELMAS-MARTy, ob. cit., pp. 646 e 647, d-nos conta da existncia de umaforte crtica regra de inadmissibilidade do depoimento indirecto da lei inglesa, resultadodas inmeras excepes regra de proibio que conferem ao regime uma feio com-plexa.

    (88) Porque, por exemplo, teme represlias ou no quer sujeitar-se a incmodos.(89) CARLoS ADRITo TEIXEIRA, Depoimento indirecto e arguido: admissibilidade

    e livre valorao versus proibio de prova, Revista CEJ, n. 2, 1. semestre, 2005, p. 135.(90) Como salienta CARLoS ADRITo TEIXEIRA, ob. e loc. cit., a utilizao pelo

    legislador do verbo pode no n. 1 do art. 129. significa um poder-dever inscrito no con-tedo da tarefa de prossecuo da verdade material. A utilizao da formulao demonstraum poder no vinculado s pretenses das partes em consonncia com o art. 340. do CPP.Segundo PAuLo PINTo DE ALbuquERquE, ob. cit., pp. 343 e 344, este dever de o juiz cha-mar a fonte de conhecimento a depor imposto pelo princpio da imediao, luz do qualdeve ser lido o art. 129.. De todo o modo, como nota PAuLo D MESquITA, ob. cit., p. 529,no regime do depoimento indirecto ressalta a proeminncia do princpio da investigao,cujo cnone condutor indicia a recusa da responsabilidade probatria das partes.

  • mal que manteve com o arguido antes, durante ou aps a prtica deum crime, configura um depoimento indirecto para efeitos doart. 129. do CPP e se tal depoimento admissvel em face dodireito ao silncio do arguido. A resposta da doutrina portuguesa consensual no sentido em que no se aplica o regime do art. 129. aeste quadro de situaes, sendo o tipo de resposta j diferenciadoquanto ao modo de valorar o depoimento da testemunha de ouvir-dizer. Carlos Adrito Teixeira(91) considera que do mesmo modoque o arguido est impedido de depor como testemunha nos termosgerais, tambm em sede de produo de depoimento indirecto nose pode ficcionar que o arguido passaria a ser testemunha-fonte,desde logo porque no est obrigado a prestar declaraes em vir-tude do seu direito ao silncio e, mesmo que decida prestar decla-raes, no est sujeito a um dever de verdade em tudo quantodiga. por isso o estatuto do arguido no processo que o impede dese constituir como testemunha-fonte, independentemente de oarguido decidir prestar declaraes ou exercer o seu direito aosilncio. Para o autor, nada impede, contudo, que o depoimento datestemunha de ouvir-dizer seja apreciado luz da regra geral delivre apreciao da prova (art. 127. do CPP)(92).

    tambm com base no estatuto processual do arguido e naestrutura acusatria do processo penal portugus que Paulo DMesquita(93) defende a inadmissibilidade de atribuir ao arguido oestatuto de testemunha-fonte. Na perspectiva do autor, a teleologiado regime geral do depoimento indirecto apresenta-se incompat-vel com a sua aplicao ao arguido, na medida em que se consa-grou um modelo dinmico de indagao junto da fonte de conheci-mento que se apresenta ilegtimo em relao ao arguido comofonte de ouvir-dizer. Por isso, sustenta o autor que o depoimentoindirecto sobre o que se ouviu dizer ao arguido deve ser apreciadode acordo com as regras gerais sobre valorao da prova, se nohouver outra causa de inadmissibilidade(94).

    1170 ANDREIA CRuz

    (91) CARLoS ADRITo TEIXEIRA, ob. cit., p. 161.(92) Idem, p. 164.(93) PAuLo D MESquITA, ob. cit., p. 586.(94) Ibidem.

  • Damio da Cunha(95) considera que no configurvel umtestemunho sobre o que se ouviu dizer a um sujeito processual, jque quanto a este decisivas so as declaraes prestadas na audin-cia de julgamento(96). Do mesmo modo, segundo Paulo Pinto deAlbuquerque(97) no admissvel o depoimento indirecto sobre oque se ouviu dizer ao arguido, ao assistente e s partes civis porqueas pessoas a que a parte final do n. 1 do art. 129. se refere soapenas as testemunhas. Por isso, na perspectiva deste autor, sendoo art. 129. uma norma excepcional ela no pode, em violao doprincpio da imediao, ser aplicada analogicamente ao depoi-mento de uma testemunha sobre o que ouviu dizer ao arguido, aoassistente ou s partes civis(98). Refira-se que para Paulo Pinto deAlbuquerque as testemunhas apenas podem depor sobre aquilo queouviram dizer ao arguido durante a prtica dos factos criminosos aque assistiram, mas no podem depor sobre conversas tidas com oarguido depois da prtica do crime, j que este constitui um verda-deiro depoimento indirecto cuja valorao pelo tribunal no pro-cesso violaria o direito ao silncio do arguido(99). Por isso, sustentao autor que inconstitucional o art. 129., n. 1, do CPP, por viola-o do art. 32., n. 1, da CRP, se interpretado no sentido de permi-tir o depoimento indirecto de testemunha sobre o que ouviu dizerao arguido depois da ocorrncia do crime, independentemente de oarguido ter estado presente na audincia de julgamento e tenha

    A REvISo DE 2013 Ao CDIGo DE PRoCESSo PENAL 1171

    (95) DAMIo DA CuNHA, ob. cit., p. 438.(96) o acrdo do STJ de 29-03-1995 analisado no ponto anterior relativo s deno-

    minadas conversas informais incide tambm sobre a matria do depoimento indirecto.De acordo com o STJ falta demonstrar que o art. 129. do Cdigo de Processo Penalprobe o depoimento por ouvir dizer quando quem diz o arguido. DAMIo DA CuNHA,ob. cit., p. 430, debruando-se sobre esta afirmao do acrdo, sustenta que o acrdo con-traria o princpio nemo tenetur se ipsum accusare e coloca a este propsito uma questo elu-cidativa do problema: Ficaria, porm, em aberto saber como teria decidido o Tribunal se,em vez do arguido, estivesse em causa uma testemunha que, na audincia de julgamento, serecusasse validamente a depor. Neste caso, aceitaria o Tribunal a impossibilidade de teste-munho indirecto, fazendo valer o princpio nemo tenetur se ipsum accusare para a teste-munha, mas negando-o para o arguido? ou ento definitivamente aquele princpio passariaa ser estranho ao nosso processo penal?

    (97) PAuLo PINTo DE ALbuquERquE, ob. cit., p. 344.(98) Ibidem.(99) Idem, p. 345.

  • exercido o direito ao silncio ou no tenha comparecido emaudincia(100).

    Concordamos com a posio doutrinria que considera inad-missvel que o arguido tome a veste de testemunha-fonte. A consa-grao do direito ao silncio, com a consequenre proibio de oarguido depor como testemunha ajuramentada e a no exigncia dede um dever de verdade esto na base da proibio. De outromodo, consagrar a posio de testemunha-fonte para o arguidoseria conceder ao regime do depoimento indirecto uma irremedi-vel incongruncia sistemtica.

    o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre a questo desaber se poder ser valorado o depoimento de uma testemunhaquanto ao que ouviu dizer ao co-arguido quando este decide exer-cer o seu direito ao silncio em audincia de julgamento no acr-do n. 440/99(101), deciso em que o Tribunal concluiu que oart. 129., n. 1, conjugado com o art. 128., n. 1, interpretado nosentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentosindirectos de testemunhas que relatem conversas tidas com um co-arguido que se recusa a depor ao abrigo do respectivo direito aosilncio, no ofende o direito de defesa do arguido(102). o TC con-siderou, em sentido concordante, no acrdo n. 362/2000(103) quetambm no ofende o direito de defesa do arguido a admissibili-dade do depoimento indirecto da testemunha que profere declara-es em sentido discordante das declaraes prestadas peloarguido em audincia de julgamento.

    Em todo o caso, evidencia Paulo D Mesquita(104) que najurisprudncia do TC no fcil encontrar uma linha padronizadaou uma teoria global de tratamento deste tipo de casos, apesar de seconseguir descortinar uma tendncia de recusa de salvaguardasgenricas do arguido em relao utilizao no processo do quedisse extraprocessualmente.

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    (100) Ibidem.(101) Proc. n. 268/99. Relator: CoNSELHEIRo MESSIAS bENTo.(102) Adere deciso do acrdo CARLoS ADRITo TEIXEIRA, ob. cit., p. 164.(103) Proc. n. 452/99. Relator: CoNSELHEIRo SouSA E bRITo.(104) PAuLo D MESquITA, ob. cit., p. 587.

  • Cremos que deve ser admitida a valorao probatria dodepoimento da testemunha que relata conversas tidas com oarguido que, em audincia de julgamento, opta por no prestardeclaraes com fundamento no prprio direito ao silncio doarguido. Com efeito, como ficou demonstrado na Parte I destaexposio, o arguido no pode ser prejudicado pelo facto de deci-dir exercer o seu direito ao silncio, nem mesmo quando opta porum silncio parcial. Porm, do exerccio do direito ao silncio peloarguido resultam consequncias do ponto de vista fctico, desdelogo, o arguido renuncia voluntariamente a contribuir com a suaverso sobre os factos apresentados no processo. Por isso, o direitoao silncio do arguido no tem a virtualidade de impedir o apaga-mento ou a inutilizao das declaraes prestadas por uma teste-munha.

    A relevncia do depoimento indirecto para a problemtica daleitura das declaraes anteriores ao julgamento tem de ser enqua-drada luz dos arts. 356., n. 7, e 357., n. 2, j que por via doscitados normativos se impede uma fraude obteno de depoimen-tos dos rgos de polcia criminal. Assim, a lei procura definirquais os autos passveis de reproduo em audincia de julgamentoe, quanto queles de regime marcado pela regra da intransmissibi-lidade probatria, a lei probe o depoimento indirecto sobre taisdeclaraes. Como nota Germano Marques da Silva(105), o regimedo depoimento indirecto reforado pelo art. 356., n. 7, pelo queda conjugao dos dois regimes em presena resultar a proibiodo testemunho de ouvir dizer por parte dos rgos de polcia crimi-nal ou de outras pessoas que tiverem participado na recolha dedeclaraes cuja leitura em audincia seja proibida.

    o depoimento indirecto de um oPC passvel de ser valoradopelo tribunal pode tambm advir das declaraes de um agenteinfiltrado, matria que tambm colide com o alcance da prerroga-tiva contra a auto-incriminao. Refira-se que para Paulo Pinto deAlbuquerque(106) admissvel o depoimento do agente infiltradosobre os factos criminosos a que tenha assistido e sobre o que

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    (105) GERMANo MARquES DA SILvA, ob. cit., p. 133.(106) PAuLo PINTo DE ALbuquERquE, ob. cit., p. 346.

  • ouviu dizer ao arguido durante a prtica daqueles factos (incluindoos actos preparatrios e de execuo at consumao do crime).Todavia, o autor considera que no admissvel o depoimento doagente policial sobre o que ouviu a uma testemunha ou declarantedepois da prtica dos factos criminosos, mesmo que essa pessoavenha a falecer antes da audincia de julgamento, ou venha a sofrerde doena grave e o seu estado se agravasse se tivesse de serouvida em audincia ou se for uma pessoa muito jovem e a inquiri-o na audincia possa constituir uma experincia traumtica(107).o autor estabelece um paralelismo com o art. 356., n. 4, demons-trando que se as declaraes da pessoa ao agente policial no tives-sem sido registadas por escrito no poderiam ser lidas na audin-cia, a no ser que o MP, o assistente e o arguido estivessem deacordo na sua leitura (art. 356., n. 5), pelo que, no tendo sidoreduzidas a escrito constituem to-somente uma conversa infor-mal. Por isso, conclui o autor, que o art. 356., n. 7, veda o apro-veitamento em audincia de conversas informais entre os agentespoliciais e testemunhas ou declarantes, ainda que estas pessoasvenham a falecer posteriormente, a padecer de anomalia psquicasuperveniente ou seja impossvel localiz-las(108). o autor preco-niza a mesma soluo para os depoimentos dos agentes policiaisque mantiveram conversas informais com o suspeito ou o arguidodepois da prtica do crime e fora do inqurito. Afirma o autor quese as declaraes dos suspeitos tivessem sido registadas por escritoelas no poderiam ser lidas na audincia atendendo ao art. 357., ano ser que o arguido assim o solicitasse, pelo que, no tendo sidoreduzidas a escrito constituem apenas conversas informais cujocontedo no pode ser reproduzido em audincia(109).

    Nesta matria, no pode deixar de atender-se jurisprudnciado Tribunal Constitucional que no acrdo n. 213/94(110) conside-rou que atentatria das garantias de defesa uma interpretaoextensiva da parte final do n. 1 do art. 129. que permita a valora-

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    (107) Ibidem.(108) Ibidem.(109) Ibidem.(110) Proc. n. 719/92. Relator: CoNSELHEIRo RIbEIRo MENDES.

  • o do depoimento de agentes de polcia criminal acerca de con-versas tidas com uma co-arguida do recorrente, no perodo em queaquela se encontrava detida e que no pode ser encontrada paraprestar declaraes em audincia de julgamento, tendo sido decla-rada contumaz. o que importa reter da argumentao do TC queo Tribunal considerou que a valorao do depoimento dos agentespoliciais inconstitucional no pelo facto de se tratar de um depoi-mento indirecto ou pelo facto de a testemunha-fonte ser a co--arguida, mas sim pelo facto de se tratar de um depoimento acercade declaraes da co-arguida obtidas de modo ilegal, j que a co-arguida apenas poderia ter sido interrogada pela primeira vez pelojuiz de instruo, no podendo os rgos de polcia criminal obterdaquela declaraes e, por outro lado, as declaraes da arguidadeveriam ter sido reduzidas a auto.

    3. Leitura de declaraes prestadas pelo arguido art. 357.

    Estabelece o art. 357. que a leitura de declaraes anterioresdo arguido s permitida quando a mesma for por este solicitada,seja qual for a entidade perante a qual foram prestadas (alnea a) ouquando houver contradies ou discrepncias entre aquelas decla-raes e as prestadas em audincia, desde que as anteriores decla-raes tenham sido prestadas perante o juiz (alnea b)).

    Da conjugao das alneas da norma em anlise resulta comevidncia que o pressusposto de admissibilidade de leitura dasanteriores declaraes , em primeiro lugar, que o arguido tenharenunciado, em audincia de julgamento, ao seu direito ao silncio.

    A leitura das declaraes anteriores a solicitao do arguido expresso do direito a prestar declaraes na audincia de julga-mento, previsto no art. 343., do CPP, pelo que pode o arguido con-formar o mbito das declaraes, decidindo quais as que pretendeou no que sejam lidas. As declaraes anteriormente prestadaspelo arguido ficam assim reservadas a uma funo de meio deinvestigao e de informao dos restantes sujeitos processuaisque podero assim adoptar a estratgia processual mais conve-

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  • niente de acordo com tais declaraes, cuja leitura em audinciadepender integralmente do poder dispositivo do arguido(111).

    Como caractersticas distintivas do regime portugus do esta-tuto do arguido como fonte de prova relativamente ao sistemaadversarial ressaltam a proteco do arguido contra a auto-incrimi-nao, incluindo as declaraes prestadas de forma voluntria,bem como a direco pelo juiz da estratgia e actividade materialde interrogatrio do arguido(112).

    Por fim, importa salientar que o art. 357. no regula os casosde permisso de leitura de declaraes anteriores ao julgamentopara as situaes em que o arguido no pode comparecer emaudincia de julgamento. Na doutrina, Paulo Pinto de Albuquer-que(113) sustenta que as declaraes anteriores no podem ser lidas,estando vedada a aplicao do art. 356., n. 4.

    Por outro lado, note-se que quando o art. 356., n. 4 se referea declarantes est a reportar-se s testemunhas, assistentes e par-tes civis, no sendo aplicvel aos arguidos.

    Seguimos neste ponto a doutrina preconizada por Sandra oli-veira e Silva(114), segundo a qual o art. 357. contm uma proibioimplcita de valorao dos depoimentos anteriores ao julgamentonas hipteses em que o arguido julgado na ausncia (art. 334.,n. 2).

    o art. 357. coloca o mesmo problema para os casos de co-arguio. Este tema ser abordado no tpico seguinte.

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    (111) Refere DAMIo DA CuNHA, ob. cit., p. 419, que a leitura das declaraes ante-riormente prestadas pelo arguido no tem uma relevncia probatria directa, apenas ser-vindo como prova crtica daquelas declaraes, em virtude de o arguido dispor de umdireito de autodeterminao processual das suas declaraes.

    (112) PAuLo D MESquITA, A Prova do Crime e o que se disse antes do Julga-mento, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, p. 582.

    (113) PAuLo PINTo DE ALbuquERquE, ob. cit., p. 900.(114) SANDRA oLIvEIRA E SILvA, A Proteco de Testemunhas no Processo Penal,

    Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 249.

  • 4. Declaraes do co-arguido

    Nos termos do art. 133., n. 1, alnea a), do CPP esto impe-didos de depor como testemunhas os arguidos e os co-arguidos nomesmo processo ou em processos conexos enquanto mantiveremaquela qualidade(115).

    A razo subjacente previso desta norma tem como funda-mento uma ideia de proteco do arguido e de tutela da sua liber-dade de declarao, decorrncia do princpio nemo tenetur seipsum accusare. A norma protege o (co-)arguido das consequn-cias que resultariam para ele de ter de prestar depoimento enquantotestemunha ajuramentada(116).

    Mas a consagrao do direito ao silncio provoca consequn-cias tambm no mbito da credibilidade do depoimento dos co-arguidos. Embora, o art. 345., n. 4, introduzido pela revisode 2007(117), preceitua que no podem valer como prova as decla-raes de um co-arguido em prejuzo de outro co-arguido quando odeclarante se recusar a responder s perguntas formuladas nos ter-mos dos n.os 1 e 2, o que garante o exerccio do contraditrio, ofacto que a vigncia de um abrangente direito ao silncio colocaem causa a relevncia do depoimento dos co-arguidos para efeitosde formao da convico do tribunal. Doutro modo, como se podedepreender da anlise das normas supra citadas, o regime dasdeclaraes dos co-arguidos gera tenses derivadas de interesses

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    (115) Sobre a matria da co-arguio vide MEDINA DE SEIA, O Conhecimento Pro-batrio do Co-arguido, Coimbra, Coimbra Editora, 1999.

    (116) Neste sentido, acrdo do TC n. 304/2004 (Proc. n. 957/03. Relator: CoNSE-LHEIRo ARTuR MAuRCIo).

    (117) No domnio do regime anterior Reforma de 2007, o TC, no acrdon. 524/97 considerou que a norma do n. 2 do art. 345. ofendia o art. 32. da CRP ao nogarantir o exerccio do contraditrio ao co-arguido que no processo alvo de declara