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CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ - USJ

ALINE MIGUEL DA SILVA

CRIANÇAS SURDAS NOS CENTROS DE EDUCAÇÃO INFANTIL DE SÃO JOSÉ: Um estudo sobre o atendimento educacional

São José 2009

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ALINE MIGUEL DA SILVA

CRIANÇAS SURDAS NOS CENTROS DE EDUCAÇÃO INFANTIL DE SÃO JOSÉ: Um estudo sobre o atendimento educacional

Trabalho elaborado para a disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso II do Curso de Pedagogia do Centro Universitário Municipal de São José - USJ. Prof.ª MSc. Andréa Simões Rivero

São José

2009

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ALINE MIGUEL DA SILVA

CRIANÇAS SURDAS NOS CENTROS DE EDUCAÇÃO INFANTIL DE SÃO JOSÉ: Um estudo sobre o atendimento educacional

Trabalho de Conclusão de Curso elaborado como requisito final para a aprovação no Curso de Pedagogia do Centro Universitário Municipal de São José - USJ. Avaliado em 06 de julho de 2009 por:

________________________________ Profª. MSc. Andréa Simões Rivero

Orientadora

________________________________ Profª. MSc. Regina Ingrid Bragagnolo

Membro Examinador

________________________________ Prof. MSc. Deonisio Schmitt

Membro Examinador

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RESUMO

Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) teve o intuito de aproximar as discussões concernentes à educação de surdos das discussões da área da Educação Infantil. Investigou-se o processo educacional de crianças surdas, de zero a seis anos, nas instituições de Educação Infantil da rede regular de ensino do Município de São José. Foram realizadas entrevistas, questionários e observações a fim de conhecer as concepções e práticas que caracterizam o trabalho com crianças surdas nesses ambientes educacionais. Aspectos como os modos de comunicação utilizados no cotidiano dos grupos, as concepções das profissionais a respeito do que é cultura surda e de quem é o sujeito surdo, o que os documentos oficiais defendem para a prática da educação inclusiva em geral e, principalmente de crianças surdas em contraponto com as experiências das profissionais que trabalham na Educação Infantil da rede regular com crianças surdas e ouvintes, são abordados neste estudo. A concepção que embasa toda essa discussão é a histórico-cultural já que ela compreende as interações sociais como fundamentais na formação do sujeito e o considera um ser que constrói história e se constrói a partir dela.

Palavras-Chave: Educação Infantil. Surdez. Linguagem.

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ABSTRACT

This Work of Conclusion of Course had intention to approach the concerning discussion to the education of deaf people of the discussion of the area of the Infantile Education. The educational process of deaf children was investigated, from zero to six years old, in the institutions of Infantile Education of the regular net of education in this City. Interviews, questionnaires and observation had been carried through in order to know the conceptions and practical that it’s characterize the work with deaf children in these educational environments. Aspects as the used ways of communication in daily of the groups, the professional’s conceptions regarding what is it deaf culture and who is the deaf person, what the official documents defend in general for the practical of inclusive education, mainly, of deaf children in counterpoint with the experiences of the professional that work in the Infantile Education of the regular education with deaf children and listeners, are boarded in this study. The conception that bases all this discussion is the historical-cultural one, since it understands the social interactions as basic in the formation of the person and it is considers the person a being that constructs history and constructs them from it. Key words: Infantile Education. Deafness. Language.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................................... 06 2 OS ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA..................................................12

2.1 O percurso da pesquisa.....................................................................................................13

3 UM ESTUDO SOBRE EDUCAÇÃO INFANTIL E SURDEZ NO MU NICÍPIO DE SÃO JOSÉ.............................................................................................................................. 20

3.1 Surdez e linguagem...........................................................................................................20

3.1.1 Os modos de comunicação utilizados no cotidiano da turma observada.........................24

3.2 A Educação das Crianças Surdas: algumas reflexões sobre a política educacional...40

3.3 A Cultura Surda e as Culturas Infantis..........................................................................48

3.4 Considerações acerca da inclusão: teorias e práticas....................................................58

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................71

5 REFERÊNCIAS..................................................................................................................76 6 APÊNDICES.........................................................................................................................80

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1 INTRODUÇÃO

Meu primeiro contato com a comunidade surda1 aconteceu, no segundo semestre de

2002, quando ingressei no Centro Federal de Educação Tecnológica - Unidade de São José no

estado de Santa Catarina (CEFET/SC), atual Instituto Federal de Educação, Ciência e

Tecnologia (IF-SC), para cursar o Ensino Médio. Nessa época, havia na instituição uma turma

de alunos surdos que cursava o segundo segmento (5ª à 8ª série) da Educação de Jovens e

Adultos. Eu não tinha noção do que seria a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) nem havia

tido contato com sujeitos surdos em algum momento pregresso, meu conhecimento sobre essa

língua baseava-se no alfabeto manual que havia aprendido, no ensino fundamental, com

algumas colegas ouvintes e com o auxílio de um pequeno panfleto entregue nas ruas.

Por intermédio de outros colegas meus que haviam ingressado antes no CEFET/SC -

Unidade de São José - e que, por sua vez, já haviam tido contato com o grupo surdo dessa

mesma instituição, aprendi um sinal básico e interessante para o início de uma interação,

a dizer “oi” em LIBRAS. Nos momentos que antecediam a entrada na instituição, na saída,

mas, principalmente nos momentos de intervalo, curiosa, eu os observava e achava por

demais interessante seu modo diferente de se comunicar.

Como eu os via conversando com pessoas ouvintes comecei a cumprimentá-los e,

depois de certo tempo, fui me aproximando cada vez mais do grupo, que se mostrou

incrivelmente aberto à comunicação e interação, apesar de eu não saber me comunicar em sua

língua. Aliás, a paciência, a simpatia e o bom humor do grupo de surdos com o qual tive os

primeiros contatos, e que foram os meus primeiros “professores”, deixaram-me pasma e

encantada. Pois, até que ocorresse o processo de aprendizagem de certo número de sinais,

para que a comunicação fluísse entre mim e o grupo, o que eu conseguia fazer eram mímicas

e soletração de palavras, o que nem sempre era feito corretamente e de pronto, devido à minha

falta de prática.

Passei a ter contato diário com esse grupo de surdos e comecei a relacionar-me com

eles em outros ambientes, para além do contexto educacional, e, por seu intermédio, fui

conhecendo outras pessoas e me entrosando cada vez mais. Fiz queridas amizades. No

1 Padden e Humphries (apud STROBEL, 2008, p. 30) afirmam que comunidade surda “é um grupo de pessoas que vivem num determinado local, partilham os objetivos comuns dos seus membros, e que por diversos meios trabalham no sentido de alcançarem estes objetivos. Uma comunidade surda pode incluir pessoas que não são elas próprias Surdas, mas que apóiam ativamente os objetivos da comunidade e trabalham em conjunto com as pessoas Surdas para os alcançar”.

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segundo semestre de 2003, fiz o primeiro curso de língua de sinais, comecei a ser chamada

pelos surdos para fazer simples interpretações e, a partir daí, continuei fazendo cursos.

Em 2005 comecei a trabalhar no Instituto de Audição e Terapia da Linguagem -

IATEL - e conheci surdos com os quais me relaciono muito bem e desenvolvo de forma

prazerosa meu trabalho, afirmo, inclusive, que nossas relações vão além do ambiente laboral.

Desde que comecei a ter contato com a comunidade surda, fui me envolvendo com as

questões que permeiam sua cultura e, uma destas questões, está ligada ao processo

educacional oferecido aos sujeitos surdos. Tive esse primeiro contato com os surdos em uma

escola que possuía uma sala polo. Essa sala era frequentada por aquela turma, já mencionada,

formada somente por jovens e adultos surdos. A língua de instrução para a realização do

processo educacional era a mesma dos alunos, a língua de sinais. Os conteúdos eram

trabalhados por professores surdos, por professores ouvintes bilíngues ou por professores

ouvintes acompanhados de um intérprete.

Presenciei várias discussões naquela época, e ainda presencio, referentes às práticas

pedagógicas nas escolas em que estão inseridos alunos surdos, raros foram os relatos em que

o ensino recebia elogios e aqueles vinham dos próprios alunos surdos, dos seus professores

também surdos e de alguns professores ouvintes bastante envolvidos com o tema.

Após ingressar no curso de Pedagogia, no segundo semestre de 2005, levei comigo,

para o meio acadêmico, as problematizações apontadas pelo grupo surdo que conheci

anteriormente e, em todas as disciplinas em que era possível, eu pesquisava sobre a educação

de surdos. Na verdade, esse foi um tema que passou a me acompanhar na caminhada

acadêmica, fui aprofundando-me cada vez mais, nos referenciais teóricos existentes sobre o

assunto2, os quais foram construídos por surdos e por ouvintes. No segundo semestre de 2008,

ingressei no curso de Bacharelado em Letras/LIBRAS oferecido pela Universidade Federal de

Santa Catarina (UFSC).

Em minhas leituras e experiências, pude constatar que o ensino regular impunha aos

surdos algumas barreiras, tais como: falta de professores capacitados para trabalhar com

alunos surdos; falta de professores surdos nas instituições educacionais; a presença de um

intérprete de língua de sinais para uma criança que, muitas vezes, nem havia internalizado

essa língua; e a defasagem nas práticas pedagógicas direcionadas aos alunos surdos como, por

exemplo, a não utilização de meios visuais. Tais barreiras têm origem, dentre outros fatores,

2 Quadros (1997); Goldfeld (1997); Sacks (1998); Strobel (2006).

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na falta de capacitação dos profissionais, na falta de empenho das instituições e dos órgãos

públicos.

A meu ver a criança surda precisa entrar na escola com a língua de sinais já

internalizada. No entanto, quando iniciei o processo de estágio supervisionado em Educação

Infantil, a partir da 6ª fase do curso de Pedagogia, comecei a refletir sobre o papel desse nível

educacional – a Educação Infantil - em relação às crianças surdas de zero a seis anos.

Como citado anteriormente, sempre tentei trazer para a “caminhada” acadêmica

assuntos relacionados à área da surdez e busquei fazer esse movimento inclusive no estágio

em Educação Infantil. Nesse momento, percebi que possuía poucas informações sobre o

contexto da Educação Infantil, ou seja, que eu carecia de informações e embasamento teórico

sobre como vem ocorrendo a inserção das crianças surdas na Educação Infantil.

Passei a pesquisar estudos sobre a inserção de crianças pequenas surdas, no contexto

das instituições de Educação Infantil, no âmbito da produção teórica da área da Educação

Infantil e dos Estudos Surdos, e encontrei poucas referências, o que me fez pensar que

pesquisas sobre tal problemática seriam bem vindas e necessárias.

A Educação Infantil é de suma importância para as crianças surdas e suas famílias, à

medida que poderia dar oportunidade à inserção dessas crianças no contexto cultural dos

surdos, já que muitos pais não conhecem a língua de sinais. Além disso, na Educação Infantil,

as crianças podem encontrar condições de se desenvolver nos aspectos social, cognitivo,

linguístico e emocional. Porém, isso ocorre quando a instituição está efetivamente preparada

para receber crianças surdas, considerando suas especificidades.

No primeiro semestre do ano de 2008, realizei o estágio supervisionado em uma

instituição de Educação Infantil pública do Município de São José, a qual tinha como

referência uma proposta integracionista3.

Na turma onde estagiei, estavam matriculadas duas crianças: uma surda e uma com

paralisia cerebral. O foco das minhas observações, no entanto, foram as relações estabelecidas

entre a menina surda e os outros integrantes do grupo - crianças ouvintes e profissionais4.

Algumas questões em relação à educação de surdos, na Educação Infantil,

intensificaram-se, depois de terem sido observadas as interações entre as crianças ouvintes e a

criança surda, assim como as interações desta com as professoras.

3 A instituição deixa claro, em seu Projeto Político-Pedagógico, de 2004, que possui caráter “integracionista/inclusivo”. 4 No período de estágio, ao longo de quinze dias realizei dez observações e cinco proposições, sempre às terças-feiras, no período matutino, com duração de aproximadamente quatro horas cada encontro. Durante esse contato, presenciei o interesse das três professoras desse grupo em realizar cursos de língua de sinais.

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Meu projeto de estágio buscou, então, descrever as interações sociais entre criança

surda, professoras ouvintes e crianças ouvintes, e analisá-las com a intenção de refletir sobre

as características desse relacionamento e suas possíveis consequências na construção da

linguagem (e da língua) da criança surda, considerando as diferenças linguísticas e culturais

desta última em relação às ouvintes.

Foi possível observar que, mesmo não havendo uma língua em comum entre a menina

surda e as outras crianças e adultos ouvintes, existia uma interação entre o grupo, que

acontecia por intermédio de linguagens ou modos de expressão diversos, como gestos,

expressões faciais e corporais. As professoras utilizavam alguns poucos sinais da LIBRAS

para estabelecer uma comunicação com a criança surda, e as outras crianças faziam gestos de

apontar e usavam a cabeça afirmativa ou negativamente para se comunicarem com sua colega

surda, a língua portuguesa oral também era utilizada.

De fato, as diversas linguagens utilizadas pelas crianças são muito ricas e

proporcionam algumas formas de comunicação. A criança surda em questão era, sem dúvida,

muito comunicativa e se fazia presente no grupo, ou seja, não se deixava excluir e mesmo

seus colegas não evitavam sua companhia. Todavia, ficou muito evidente algo que, a meu ver,

é fundamental em se tratando todos os seres humanos: a relevância da aquisição de uma

língua, um código linguístico, pois, segundo Souza (1994), a apropriação de todos os fatos e

construções históricas e culturais acontece principalmente por intermédio da linguagem e essa

apropriação implicaria na utilização de signos, ou seja, a palavra (nas formas verbal ou

sinalizada). Sacks (2002, p. 73) é mais enfático ao afirmar que a linguagem não seria “apenas

mais uma faculdade ou habilidade, é o que possibilita o pensamento, o que separa o

pensamento do não-pensamento, o que separa o humano do não-humano”.

Durante o estágio encontrei, uma menina esperta, comunicativa e muito expressiva, vi

nessa criança, estampadas em alto relevo, diversas linguagens, diferentes formas e tentativas

de se comunicar, de partilhar suas experiências com as outras crianças e com as professoras.

Mas, mesmo tendo presenciado, ao longo do estágio, uma interessante interação, reitero a

importância da aquisição da língua de sinais pelas crianças surdas, desde o início de suas

vidas, processo que deveria ocorrer ao longo da Educação Infantil. Pois, como ela, a criança

surda, poderá formular perguntas complexas, além de estruturar e organizar o pensamento

acerca de algo e construir hipóteses? Como poderá comunicar o que está em sua mente se não

possui o conhecimento dos signos, que possibilitam, segundo Sicard (apud SACKS, 1998, p.

28), fixar e combinar ideias e, consequentemente, traduzir sentimentos e pensamentos?

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As experiências relatadas por colegas e amigos e as leituras5 realizadas foram

fundamentais para que me aproximasse das inúmeras questões que os sujeitos surdos

enfrentam em âmbito educacional. O processo realizado no estágio, contribuiu para ampliar

meu interesse pelas discussões sobre a surdez. A necessidade de conhecer e refletir

especificamente sobre a inserção de crianças pequenas em contextos de Educação Infantil em

instituições da rede pública fez-se mais forte e deu origem ao projeto de meu Trabalho de

Conclusão de Curso (TCC).

Considerando que os ambientes de Educação Infantil tornaram-se, nas últimas

décadas, cada vez mais responsáveis por compartilhar com as famílias os processos de

cuidado e educação das crianças, a pesquisa teve o intuito de ampliar as informações sobre

como as instituições de Educação Infantil realizam seus trabalhos com as crianças surdas;

observar como a cultura surda é compreendida nessas instituições, ou seja, se essas têm

consciência das peculiaridades e especificidades culturais e pedagógicas que caracterizam as

relações com a criança surda; analisar, por intermédio de entrevistas e questionários com

profissionais, como seria o cotidiano de um grupo constituído de crianças ouvintes e crianças

surdas; averiguar a oferta de cursos de aperfeiçoamento às professoras e aos demais

funcionários da instituição; identificar o número de crianças surdas matriculadas na Rede de

Educação Infantil no Município de São José; verificar a presença de professoras/professores

surdas/surdos na instituição; e examinar como se configura a prática pedagógica de grupos

mistos, constituídos de crianças surdas e ouvintes.

Esta última questão necessitou ser problematizada de forma bastante cuidadosa: a

presença de crianças surdas em ambientes que possuam crianças ouvintes apresenta aspectos

positivos, como a interação entre elas, no entanto, é preciso atentar para o modo como esse

processo é realizado.

Cabe ressaltar que, muitas vezes, os contextos de Educação Infantil assumem uma

responsabilidade preponderante pela socialização das crianças em relação às famílias, haja

vista o tempo prolongado que as crianças ficam sob a responsabilidade dessa instituição

educacional. Esse fato torna ainda maior o compromisso educacional dessa instituição,

compromisso este que necessita ser discutido e analisado em relação às crianças surdas.

Com base nos aspectos expostos anteriormente, delineou-se o presente trabalho que

está estruturado da seguinte maneira:

5 Quadros (1999); Machado (2008).

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A Seção Dois explicitará o percurso metodológico realizado, como foi feito o

levantamento das instituições onde estão inseridas crianças surdas no Município de São José,

como foram realizadas as entrevistas e os questionários e o processo das observações.

A Terceira Seção está dividida em quatro itens e um subitem. O primeiro item e seu

subitem dedicar-se-ão a ressaltar alguns aspectos sobre surdez e linguagem, abordando a

relevância da aquisição da língua de sinais para o sujeito surdo e expondo situações do

cotidiano do grupo da instituição escolhida para as observações. Essas situações evidenciam

os modos de comunicação utilizados entre criança surda e crianças e profissionais ouvintes.

No segundo item, serão abordados brevemente alguns documentos oficiais e políticas em

âmbito internacional e nacional a respeito da inclusão nas escolas da rede pública. Os

documentos referenciados são a Declaração de Salamanca (1994); A Constituição Brasileira

Federal (1988); A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB - (1996); a Política

Nacional de Educação Especial (1994); o fascículo “Dificuldades de comunicação e

sinalização: surdez”, do MEC e da Secretaria da Educação Especial (2004); a Política

Nacional da Educação Infantil (2006); e o Decreto-Lei n. 5.626, de 2005.

Ainda, na Terceira Seção, serão expostos alguns aspectos da cultura surda como a

literatura, a importância dos meios visuais na educação e de como se faz imprescindível o

contato das crianças surdas com professores também surdos no ambiente educacional e fora

dele, a fim de que as meninas e os meninos surdos sejam inseridos na cultura e língua destes.

As opiniões de professoras e auxiliares de sala de duas instituições de Educação Infantil, com

as quais se estabeleceu contato, em relação ao que elas entendem por cultura e comunidade

surdas, estarão presentes também nessa Seção. Além disso, apresentar-se-ão questões acerca

das culturas infantis, da importância de se atentar para as peculiaridades dos pequenos e de

vê-los também como sujeitos em seus modos de atuar, ver e interpretar o mundo.

Na Quarta Seção, fazer-se-ão considerações acerca da inclusão do ponto vista teórico e

também das profissionais que trabalham com crianças surdas com as quais foram realizadas

entrevistas e aplicados questionários no decorrer da pesquisa.

Uma das intenções deste estudo é a de aproximar as questões concernentes à Educação

de Surdos das discussões da área da Educação Infantil, a fim de que essas áreas interliguem-

se, cada vez mais, e produzam transformações significativas na educação de crianças surdas

de zero a seis anos, tendo-se consciência da importância dessa primeira etapa da educação

básica e da necessidade de se ampliar e consolidar o espaço dos sujeitos surdos no âmbito

educacional.

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2 OS ASPECTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

A fim de investigar a educação destinada às crianças surdas em instituições de

Educação Infantil, o método de pesquisa utilizado foi o estudo de caso, o qual se define como:

[...] um método de pesquisa empírica que conduz a uma análise compreensiva de uma unidade social significativa. Análise compreensiva, pois o significado que os sujeitos pesquisados atribuem a suas vidas, aos fenômenos e às relações sociais são um dos centros de atenção do pesquisador. Que a pesquisa incide sobre uma unidade social significativa significa concentrar a pesquisa em um objeto circunscrito: estudar determinada escola e não o sistema escolar; [...] (MEKSENAS, 2002, p. 118-119, grifo do autor).

Esta pesquisa possui caráter qualitativo, típico dos estudos de caso. Os dados

analisados foram obtidos a partir de questionários e entrevistas com profissionais que atuam

em instituições de Educação Infantil e na Fundação Catarinense de Educação Especial

(FCEE). Além disso, foram realizadas, em uma instituição de Educação Infantil, observações

no grupo de crianças no qual estava inserida uma menina surda.

Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, com o objetivo de proporcionar às

profissionais liberdade para expor questões não contempladas nas perguntas propostas.

Segundo Meksenas (2002), a entrevista leva a um método de organização de coletas de dados

que é o depoimento e, como explicitado pelo próprio autor, esse seria um método bastante

associado ao estudo de caso. Quanto ao “caráter qualitativo do depoimento”, o autor afirma

que essa prática “conduz o pesquisador ao trato com as concepções de mundo, os valores e as

narrativas dos sujeitos investigados, capazes de explicar aspectos de suas práticas e das

interações sociais passadas ou presentes” (MEKSENAS, 2002, p. 130).

As entrevistas, sem dúvida, possibilitaram uma aproximação com a realidade

vivenciada por esses grupos. Vale ressaltar que, neste caso, as profissionais que participaram

da pesquisa foram de suma importância para se aproximar aos modos concretos de como as

crianças surdas são inseridas na Educação Infantil.

Machado (2008) complementa as colocações sobre o estudo qualitativo afirmando que

ele se desenvolve “em uma situação natural, é rico em dados descritivos, tem um plano aberto

e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada” (LÜDKE; ANDRÉ,

1986, p. 18 apud MACHADO, 2008, p. 28).

A pesquisa em questão necessitava de um método de estudo com as características

indicadas pelas autoras supracitadas, sobretudo por buscar conhecer, entre outros aspectos, a

complexidade da prática pedagógica cotidiana de um grupo misto de crianças surdas e

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ouvintes. Ainda sobre a entrevista pode-se dizer que ela possui caráter interativo criando,

portanto, um momento de reciprocidade entre o pesquisador e o entrevistado, no qual as

informações vão fluindo de “maneira notável e autêntica” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 33

apud MEKSENAS, 2002, p. 132).

2.1 O percurso da pesquisa

Em outubro de 2008, foi efetuado um contato com a Secretaria de Educação do

Município de São José, a fim de obter informações a respeito das instituições de Educação

Infantil que possuíam crianças surdas regularmente matriculadas. Os responsáveis pelo

Núcleo de Educação Infantil da Secretaria indicaram os responsáveis pelo Núcleo de

Educação Especial. No entanto, ambos afirmaram não haver crianças matriculadas em

instituições de Educação Infantil no Município, a não ser em um Centro Educacional Infantil

(CEI), que já era conhecido, por mim, tendo em vista a realização de estágio naquela

instituição.

A Secretaria do Município de São José aconselhou a procura pela Gerência de

Educação e Inovação (GEREI), da Secretaria da Educação do Estado de Santa Catarina, e,

também, pela Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE). Ao realizar contato com a

Gerência de Educação e Inovação do Estado, essa prestou informações no sentido de que não

havia registros sobre o número de crianças surdas matriculadas em instituições de Educação

Infantil e sugeriram que a busca de informações fosse dirigida à Secretaria de Educação do

Município, à Fundação Catarinense de Educação Especial, ou ao Instituto de Audição e

Terapia da Linguagem (IATEL). Segundo a GEREI, somente nessas instituições haveria

algum tipo de cadastro ou listagem de crianças surdas matriculadas em instituições especiais

ou regulares.

Após o diálogo com a Secretaria da Educação de São José, foi realizado um

levantamento, no site da Prefeitura de São José, acerca das instituições de Educação Infantil

existentes no Município e efetuado contato com cada uma das instituições de Educação

Infantil da rede regular de ensino do Município de São José, a fim de saber se, em seu grupo

de crianças, havia alguma criança surda. Desse modo, foi possível constatar que apenas uma

das instituições, além daquela apontada acima, respondeu positivamente à questão colocada.

Ao visitar a Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE), no mês de outubro,

a recepção foi muito boa além das orientações sobre como deveria proceder para encontrar-

me com algum profissional daquela instituição. Tomadas as devidas providências, a própria

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instituição se encarregou de marcar uma entrevista entre mim e a profissional que estava

responsável pelo Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às

Pessoas com Surdez (CAS).

Posteriormente, no início do mês de novembro, ainda em 2008, também entrei em

contato com as instituições de Educação Infantil conveniadas à Secretaria de Educação do

Município de São José e, de acordo com as respostas apresentadas, nenhuma das quinze

instituições possuía crianças surdas naquele período.

Após a realização dos levantamentos manteve-se um contato mais próximo com essas

duas instituições, nas quais se encontram crianças surdas, ambas públicas, vinculadas à rede

regular de ensino municipal.

Uma das instituições de Educação Infantil, que será identificada neste trabalho, como

instituição A foi fundada em fevereiro do ano 2000. O prédio possui dois pavimentos, o

primeiro está distribuído da seguinte forma: lavanderia, elevador de alimentação, sala de

educação física, seis salas, dois banheiros adaptados às necessidades das crianças e área

descoberta. No pavimento superior, estão localizados a cozinha, um refeitório para os

professores e funcionários, duas salas, dois banheiros (um para os profissionais e o outro para

as crianças), sala de direção, secretaria, um depósito de materiais educativos, uma sala de

vídeo e uma brinquedoteca.

O quadro funcional dessa instituição apresenta quarenta e nove funcionárias, sendo

essas contratadas pela Secretaria de Educação de São José, e também conta com a

terceirização de outra empresa para contratação das profissionais da cozinha6.

Nessa instituição, há uma menina surda que completou cinco anos no mês de abril

desse ano, as profissionais7 responsáveis pelo grupo no qual ela está inserida, entrevistadas no

segundo semestre de 2008, não têm certeza, mas acreditam que a criança apresente surdez

profunda. O grupo em que essa menina está inserida é constituído atualmente por quatro

meninas e dezenove meninos e é denominado pela instituição como Segundo Período A. A

faixa etária do grupo é de quatro a cinco anos e é válido explicitar que, segundo uma das

profissionais desse grupo, todas as crianças permanecem na instituição em período integral, e

uma das profissionais que trabalha com o grupo no período da manhã também é professora

6 Informações retiradas da última versão do Projeto Político-Pedagógico da instituição, cedido em novembro de 2008. 7 Das profissionais responsáveis pela turma no ano de 2008, a primeira é graduada em Pedagogia e Pós-Graduada em Educação Infantil e Séries Iniciais, é efetiva na Rede Municipal de São José. A segunda possui formação em Pedagogia com habilitação em Educação Infantil e Pós-Graduada em Gestão Educacional. É efetiva na Secretaria do Estado da Educação de Santa Catarina e admitida em caráter temporário no Município de São José.

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deste no período da tarde. Os contatos com a instituição iniciaram-se no final de outubro de

2008 e prolongaram-se até abril de 2009.

A aproximação com as profissionais que trabalham com a criança surda da instituição

A foi realizada por intermédio de uma entrevista, que se encontra anexa. Uma das entrevistas

foi realizada no dia trinta e um de outubro, porém, devido a um problema no aparelho

eletrônico com o qual foi realizada a gravação da entrevista, todo o seu conteúdo foi perdido e

a entrevista teve de ser refeita. Em quatorze de novembro de 2008, foi feita uma nova

entrevista com as profissionais responsáveis pelo grupo, e ambas foram entrevistadas

concomitantemente.

No ano de 2009, durante as sessões de orientação, optou-se por fazer observações em

apenas uma das instituições, devido ao tempo limitado para realizá-las, além das análises

sobre elas. Sendo assim, após ter sido selecionada a instituição para a realização das

observações, entrei em contato novamente com a instituição A e realizei novamente as

entrevistas, devido à mudança das profissionais8 responsáveis pela turma que possui a criança

surda, iniciando também o processo das observações. As entrevistas foram realizadas com a

auxiliar de sala e com a professora em dias diferentes: quatorze e dezessete de abril,

respectivamente. A instituição A foi selecionada por sua receptividade à proposta e também

porque uma aproximação com essa instituição significaria a possibilidade de conhecer uma

outra realidade, já que eu havia realizado o estágio curricular na instituição B.

As observações foram iniciadas em março e finalizadas no mês de abril, totalizando

nove idas à instituição, todas realizadas no período matutino, com duração aproximada de

duas horas e trinta minutos.

Minha inserção no grupo aconteceu de forma bastante acolhedora, participei da roda9

desde o início, e apresentei-me dizendo o meu nome e que eu os visitaria algumas vezes para

observá-los. A partir daí, comecei a ser chamada de “professora” pelas crianças. No processo

de observação, as crianças e suas interações foram de suma importância, as suas ações e seus

pontos de vista foram considerados fundamentais para essa pesquisa.

Minha observação foi participativa, eu interagia com as crianças, algumas vezes,

indagava sobre suas práticas; outras, eu experimentava uma comida ou um café preparado por

elas. A interação principal ocorria com a menina surda do grupo. Era necessário não somente

8 As profissionais responsáveis pelo grupo em 2009 eram formadas em Pedagogia com habilitação em Educação Infantil e Pós-Graduação em Educação Infantil, Séries Iniciais e Ensino Médio; e Pedagogia. 9 A roda, nesse grupo, era um momento no qual as crianças sentavam-se em círculo com as profissionais. Nesses momentos geralmente ocorriam diálogos sobre o final de semana, as crianças cantavam músicas e eram propostas algumas atividades dirigidas.

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ouvir ou observar suas interações, mas, sim, construir um olhar mais apurado, a fim de que

fosse possível uma compreensão do que essas ações poderiam representar. Porque eu sentia as

crianças à vontade com minha presença, senti-me alguém do grupo apesar de estar assumindo

um papel de observadora naqueles momentos. Muitas das crianças dirigiam-se a mim, ou para

reclamar de um colega, ou para perguntar alguma coisa, ou ainda, para mostrar seu trabalho e

indagar se estava “ficando bonito”.

A experiência como pesquisadora, que observa atentamente um grupo de crianças,

significou uma aproximação real com um cotidiano de características com tantas

peculiaridades. No entanto, quando se está tão envolvida com o tema em questão, como no

meu caso, a prática da pesquisa em si demanda equilíbrio e até um certo controle. Em muitos

momentos, durante as observações, senti a necessidade de intervir de algum modo nas

dinâmicas do grupo, ação essa, que não cabia ou convinha a mim, e a posição de

pesquisadora, nesses momentos, fazia com que eu me sentisse limitada de certa forma, porém,

minhas contribuições viriam depois.

Estar nesse ambiente de pesquisa, possibilitou que eu me sentisse com mais

propriedade do assunto, assim como, uma colaboradora que, a partir dessa experiência,

levanta questões pertinentes e, talvez até, aponte aspectos pouco debatidos.

É importante ressaltar que todos os nomes - de crianças e profissionais aqui expostos,

tanto nas entrevistas como nos registros de campo, são fictícios. Outro aspecto que precisa ser

exposto é que não obtive retorno positivo de todos os pais ou responsáveis, quanto à

autorização para a utilização de imagens, portanto não há registros visuais das observações.

A outra instituição de Educação Infantil onde foi realizada a pesquisa será denominada

instituição B. Essa instituição foi criada no mês de abril do ano 2000, mas, antes dessa data, já

eram realizados trabalhos educacionais neste local, no entanto, vinculados a uma instituição

estadual. No primeiro semestre do ano de 2008, a instituição contava com nove grupos no

período da manhã e nove no período da tarde. Possuía quarenta e nove professoras e dez

funcionários da área da limpeza e cozinha. As refeições são orientadas por nutricionistas, num

total de quatro ao dia. O horário de funcionamento é das 7h às 13h e das 13h às 19h.

Até o primeiro semestre de 2008, essa instituição tinha matriculadas 258 crianças

sendo que vinte e nove possuem alguma deficiência. Dentre elas, pode-se citar síndrome de

17

Down; paralisia cerebral; surdez; motora; síndrome de X-frágil; autismo; ossos de vidro

(osteogênese); e microcefalia10.

Os contatos com a instituição B iniciaram-se em novembro de 2008 e foram

finalizados no mesmo mês. A instituição B contava até o final do ano de 2008 com três

crianças surdas em salas diferentes. No grupo denominado pela instituição11 como GT2 12

(Grupo de Trabalho 2), a faixa etária das crianças era de um ano a dois anos e meio de idade.

Nesse grupo, havia uma menina de aproximadamente dois anos que, segundo suas

professoras, apresenta perda auditiva neurosensorial bilateral. No GT5 13 (Grupo de Trabalho

5), a faixa etária das crianças era de quatro a cinco anos de idade. No grupo, estava uma

menina de cinco anos, e, segundo as professoras, a instituição não possui informações a

respeito do seu grau da surdez. No GT6 14 (Grupo de Trabalho 6), as crianças estavam na faixa

etária dos seis anos de idade e havia um menino surdo de seis anos, que neste ano de 2009 já

não integra mais a Educação Infantil.

As professoras15 da instituição B foram abordadas a partir de questionários, pois,

segundo as referidas profissionais, não haveria tempo disponível para a realização de

entrevistas. Os questionários foram entregues a elas, no dia onze de novembro, e, no dia

quatorze do mesmo mês, retornei à instituição e recebi o questionário de um dos grupos. Dia

dezoito estive novamente na instituição para tirar dúvidas surgidas quando foi feita a leitura

do questionário devolvido pelas professoras do GT2. Nesse mesmo dia, recebi das professoras

do GT5 o questionário respondido.

Mesmo tendo sido remetido o mesmo questionário para o grupo de professoras do

GT6, no mesmo período ao das outras profissionais, não houve um retorno positivo daquelas,

10 Essas informações foram retiradas do Projeto Político-Pedagógico da instituição, cedido no primeiro semestre do ano de 2008. As informações que dizem respeito às características das crianças que frequentam a instituição foram cedidas pela secretária, que em 2009 ainda trabalha em período integral na instituição. 11 A denominação de cada grupo de crianças é definida por cada instituição. Pode-se observar que na instituição A os grupos não são denominados como Grupos de Trabalho (GT). 12 As professoras responsáveis pelo GT2 possuíam formação em: Pedagogia com Pós-graduação em Educação Infantil e Séries Iniciais; Pedagogia com Pós-graduação em Educação Infantil e Séries Iniciais; Magistério e Pedagogia. 13 As professoras responsáveis pelo GT5 possuíam formação em Pedagogia com Especialização em Práticas Inclusivas, Educação Infantil e Séries Iniciais com ênfase em Educação Especial; Magistério e Pedagogia com habilitação em Educação Infantil e Séries Iniciais e duas Pós-graduações: uma na área da Interdisciplinaridade e outra em Práticas Inclusivas; Magistério e Pedagogia com habilitação em Séries Iniciais e Educação Infantil e uma Pós-graduação na área da Interdisciplinaridade. 14As professoras responsáveis pelo GT6 possuíam formação em Pedagogia em Educação Infantil e Pós-graduação em Educação Especial; Magistério em Educação Infantil e Séries Iniciais e Pedagogia; e Pedagogia com habilitação em Educação Infantil e Séries Iniciais com Especialização em Educação Especial. 15 De acordo com a secretária dessa instituição, todas as profissionais dos grupos que possuíam crianças surdas são professoras, não havendo, portanto, auxiliares de sala. Porém, em cada grupo há a presença de uma segunda professora, contratada para as crianças “deficientes”.

18

o que acarretou a perda desse questionário, não sendo possível realizá-lo novamente, pois,

neste ano de 2009, as referidas professoras não estavam mais na instituição, ocorrendo, assim,

a perda de contato com aquelas. Em consequência disso, esse grupo e as ricas informações

que poderiam advir das falas dessas professoras não farão parte deste trabalho.

As quatro crianças citadas anteriormente são filhas de pais ouvintes e, além de

fequentar a instituição B, frequentavam a Fundação Catarinense de Educação Especial

(FCEE), no ano em que foi realizado o contato para fins da pesquisa.

As informações descritas acima, serão apresentadas a seguir sistematizadas em uma

tabela com o objetivo de serem evidenciadas de forma mais clara:

Instituição A Nº. de crianças surdas na instituição 1 menina com cinco anos - Sofia

(Inserida no grupo denominado pela instituição como 2º período A) Instrumentos para coleta de dados Entrevistas e observações 2008 2009 Nº. de profissionais que participaram da pesquisa

2 profissionais entrevistadas 2 profissionais entrevistadas

Formação das profissionais e suas respectivas funções

Pedagogia e Pós-Graduada em Educação Infantil e Séries Iniciais - Auxiliar de Sala Pedagogia com habilitação em Educação Infantil e Pós-Graduada em Gestão Educacional - Professora

Pedagogia com habilitação em Educação Infantil e Pós-Graduação em Educação Infantil, Séries Iniciais e Ensino Médio - Auxiliar de Sala Pedagogia - Professora

Instituição B Nº. de crianças surdas na instituição 1 menina com dois anos - Patrícia

(Grupo denominado pela instituição como Grupo de Trabalho 2 - GT2) 1 menina com cinco anos - Manuela (Grupo denominado pela instituição como Grupo de Trabalho 5 - GT5) 1 menino de seis anos - não houve retorno do questionário (Grupo denominado pela instituição como Grupo de Trabalho 6 - GT6)

Instrumentos para coleta de dados Questionário 2008 2009 Nº. de profissionais que participaram da pesquisa

9 professoras responderam questionários

Formação das profissionais e suas respectivas funções

Pedagogia com Pós-Graduação em Educação Infantil e Séries Iniciais - Professora Pedagogia com Pós-Graduação em Educação Infantil e Séries Iniciais - Professora Magistério e Pedagogia - Segunda professora Pedagogia com Especialização em Práticas Inclusivas, Educação Infantil e Séries Iniciais com ênfase em Educação Especial - Segunda professora

19

Foi realizada também uma entrevista16 com uma das profissionais17 que trabalha no

Serviço de Estudo e Aprendizagem da LIBRAS (SEALI), com o ensino de LIBRAS, da

Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE), órgão coordenador e executor da

política de educação especial do Estado18. Essa instituição oferece atendimento em períodos

opostos ao da rede de ensino, oferecendo, entre outros atendimentos, o contato com a

LIBRAS e com fonoterapeutas para a prática da linguagem oral. Cabe ressaltar que esta

profissional é surda, o que torna sua participação de fato importante nesta pesquisa.

Em síntese, foi realizada uma pesquisa nas instituições de Educação Infantil com

crianças surdas, visando a uma aproximação com as concepções e práticas presentes nesses

contextos. Todo o material obtido foi analisado, ocorrendo em seguida, a seleção dos registros

feitos no diário de campo e do conteúdo das entrevistas e dos questionários considerados

como relevantes para a pesquisa, de acordo com os objetivos desta.

16 A interpretação oral da fala da profissional foi realizada simultaneamente por mim, enquanto ocorria a gravação. Isso foi possível devido a minha formação em cursos e práticas de interpretação. 17 A profissional possui graduação em Pedagogia e atualmente frequenta o Curso de Licenciatura em Letras/LIBRAS. 18 Informação retirada do site da Fundação Catarinense de Educação Especial: www.fcee.sc.gov.br

Magistério e Pedagogia com habilitação em Educação Infantil e Séries Iniciais e duas Pós-Graduações: uma na área da Interdisciplinaridade e outra em Práticas Inclusivas - Professora Magistério e Pedagogia com habilitação em Séries Iniciais e Educação Infantil e uma Pós-Graduação na área da Interdisciplinaridade - Professora Pedagogia em Educação Infantil e Pós-graduação em Educação Especial - Professora Magistério em Educação Infantil e Séries Iniciais e Pedagogia - Segunda professora Pedagogia com habilitação em Educação Infantil e Séries Iniciais com Especialização em Educação Especial - Professora

20

3 UM ESTUDO SOBRE EDUCAÇÃO INFANTIL E SURDEZ NO MUNIC ÍPIO DE SÃO JOSÉ

O intuito deste estudo é o de suscitar discussões sobre a inserção de crianças surdas na

Educação Infantil a partir do que se encontra nos documentos oficiais; na produção teórica;

nas experiências das profissionais que trabalham na rede regular com crianças pequenas

surdas e ouvintes; além de buscar indicações e embasamento a partir de um olhar atento aos

modos como aqueles que devem ser tomados como atores principais na questão da inclusão

educacional, os sujeitos surdos, estão vivenciando esse processo.

3.1 Surdez e linguagem

Ao se discutir Educação de Surdos, vejo como necessário abordar os temas surdez e

linguagem, aspectos que serão delineados nesta Seção. Todos os olhares e as reflexões deste

trabalho serão debatidos a partir da perspectiva dos Estudos Surdos19 e da teoria histórico-

cultural, considerando os sujeitos surdos, atores principais nessa pesquisa, sujeitos

socioculturais e dignos de terem sua palavra levada em consideração nas construções sociais,

neste caso, principalmente, em âmbito educacional.

Para início desta discussão, é importante ressaltar que os surdos possuem uma

modalidade linguística que apresenta canal visual-espacial, já os ouvintes possuem uma

modalidade linguística caracterizada por um canal oral-auditivo. Cabe ressaltar, que os modos

de comunicação podem variar de acordo com o grau de surdez e com as relações sociais

estabelecidas pela criança desde o nascimento, no entanto, a perspectiva dessa pesquisa

considerou, a todo o momento, a língua de sinais como direito de toda criança surda. Os

surdos possuem uma cultura20 e defendem, portanto, uma língua diferente da língua dos

ouvintes, já que vivenciam o mundo a partir de experiências visuais, mais especificamente, a

sua forma de se comunicar é visual. Para explicitar melhor essa questão, recorro a uma citação

de duas autoras surdas em relação à importância da dimensão visual:

19 De acordo com Skliar (2005, p. 5), “se constituem enquanto um programa de pesquisa em educação, onde as identidades, as línguas, os projetos educacionais, a história, a arte, as comunidades e as culturas, são focalizados e entendidos a partir da diferença, a partir do seu reconhecimento político”. 20 Entende-se aqui cultura como sendo “[...] um código através do qual as pessoas de um dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si mesmas. É justamente porque compartilham de parcelas importantes deste código (a cultura) que um conjunto de indivíduos com interesses e capacidades distintas e até mesmo opostas, transformam-se num grupo e podem viver juntos sentindo-se parte de uma mesma totalidade” (DA MATTA, 1986, p. 123).

21

Experiência visual significa a utilização da visão (em substituição total à audição), como meio de comunicação. Desta experiência visual surge a cultura surda representada pela língua de sinais, pelo modo diferente de ser, de se expressar, de conhecer o mundo, de entrar nas artes, no conhecimento científico e acadêmico. A cultura surda comporta a língua de sinais, a necessidade do intérprete, de tecnologia de leitura (PERLIN; MIRANDA, 2003, p. 218 apud STROBEL, 2008, p. 39).

Sendo assim, torna-se compreensível que a língua materna do surdo, isto é, a primeira

língua a que a criança é exposta, deva ser a língua de sinais21 de seu país, já que as línguas de

sinais não são mundiais, assim como as línguas orais também não o são (QUADROS, 1997).

É por intermédio da língua materna que ocorrerão as interações no contexto social e,

consequentemente, o desenvolvimento da criança. De acordo com Quadros (1997, p. 42),

língua materna seria “a língua que a criança adquire de forma natural mediante contato com

adultos utentes nativos dessa língua”.

No entanto, tem-se conhecimento do despreparo e do desconhecimento dos pais

ouvintes em relação à condição de seus filhos surdos. Uma das questões a serem enfrentadas

pelas famílias, diante da orientação de que a criança aprenda a língua de sinais, é o fato de que

seu filho falará uma língua diferente, isto não é algo de fácil aceitação inicialmente, muitas

vezes em momento algum. Diferentemente, nas situações em que as crianças surdas são filhas

de pais surdos, a comunicação acontece de maneira muito natural e espontânea. Porém, filhos

surdos de pais surdos representam apenas 5% a 10% do total das crianças surdas

(QUADROS, 1997).

Compreende-se como imprescindível que as crianças ouvintes adquiram sua língua

materna em tempo apropriado para desenvolver naturalmente aspectos cognitivos, emocionais

e psicológicos, por exemplo. Portanto, é necessário que as crianças surdas também tenham

acesso a sistemas simbólicos, em seus contextos culturais, desde o nascimento. Para que isso

ocorra, é necessário o contato da criança surda com sua língua natural. Natural, nesse caso,

conforme explica Skliar, significa “uma língua que foi criada e é utilizada por uma

comunidade específica de usuários, que se transmite de geração em geração, e que muda -

tanto estrutural como funcionalmente - com o passar do tempo” (SKLIAR, 2005, p. 27).

Em virtude de a maioria das crianças surdas ser filha de pais ouvintes que, muito

comumente, nunca tiveram contato com a cultura surda ou não sabem o que é língua de sinais,

surgiu a interrogação: como essas crianças surdas aprenderiam a sua primeira língua?

21 As Línguas de Sinais “são sistemas linguísticos que passaram de geração em geração para pessoas surdas. São línguas que não se derivaram das línguas orais, mas fluíram de uma necessidade natural de comunicação entre pessoas que não utilizam o canal auditivo-oral, mas o canal espaço-visual como modalidade linguística” (QUADROS, 1997, p. 47).

22

Quadros (1997, p. 29) afirma que “Esse é um grande obstáculo para o desenvolvimento

psicossocial da criança surda [...]”, no entanto, a autora salienta que esse obstáculo “não é um

problema da criança por ela ser surda, mas um problema social que pode gerar consequências

irreversíveis no desenvolvimento da criança caso não seja oferecido a ela o direito de ter

acesso à aquisição22 de uma língua de forma natural23” .

Antes de a cultura surda ganhar reconhecimento e da língua de sinais ser respeitada e

considerada na aprendizagem e no desenvolvimento da criança, os surdos eram considerados

incapazes de se desenvolverem, esse fato sempre foi associado à ausência da fala. Crianças

surdas e ouvintes eram comparadas a partir de resultados de testes de Quociente Intelectual

(Q.I.) realizados de forma incoerente, pois não eram levados em conta os aspectos linguísticos

das crianças submetidas ao teste (SILVA, 2003).

Pesquisas apontam que os surdos eram vistos como “pouco inteligentes, [com]

pensamento confuso, com linguagem pobre, fraco discernimento, além de céticos e ingênuos”

(LANE, 1992 apud SILVA, 2003, p. 92). As interpretações a respeito do comportamento dos

surdos possuíam um viés negativo, segundo essa autora. Porém, constatou-se que “os

problemas afetivos e psicológicos, frequentemente atribuídos aos surdos, podem ter suas

raízes na ausência de uma comunicação recíproca e satisfatória dentro do contexto familiar

durante os primeiros anos de vida” (SOUZA, 1986 apud SILVA, 2003, p. 93).

Estudos com crianças surdas, filhas de pais surdos, apresentavam resultados

diferentes, essas crianças “possuíam quociente intelectual superior, o que não acontecia com

crianças filhas de pais ouvintes” (BRILL, 1977 apud SILVA, 2003, p. 94). Esse resultado foi

atribuído ao fato de que essas crianças comunicavam-se desde cedo com seus pais, ou seja,

não havia atrasos na iniciação da aprendizagem da língua natural da criança, o que

possibilitava a elas “desenvolver os diferentes processos de pensamento”. Um estudo

realizado com surdos da Califórnia demonstrou que, diante dessa possibilidade, as crianças

apresentavam melhores níveis acadêmicos, mais facilidade de aprender a língua oral e escrita

e não apresentavam problemas de identidade, de socialização ou afetividade, como

apresentavam crianças surdas, filhas de pais ouvintes, pois sentiam maior aceitação por parte

dos pais (BRILL, 1977 apud SILVA, 2003).

22 Como afirma o documento intitulado “Dificuldades de Comunicação e Sinalização: surdez” (BRASIL, MEC/SEESP, 2004, p. 84), a aquisição seria o “processo natural de aprender uma língua”. 23 De acordo com Skliar (2005, p. 27) “Todas as crianças surdas podem adquirir a língua de sinais, desde que participem das interações quotidianas com a comunidade surda, como acontece com qualquer outra criança na aquisição de uma língua natural”.

23

Silva (2003, p. 91) ressalta a importância da aquisição da linguagem, afirmando que

ela “serve para planejar e regular a ação humana e, assim, a criança surda pode ter capacidade

intelectual semelhante à da ouvinte, se adquirir e internalizar uma língua desde cedo”. É

muito importante que a aquisição da linguagem24 ocorra, em tempo hábil, tanto para surdos

como para ouvintes. Borges e Salomão nos afirmam que

através da linguagem a criança tem acesso, antes mesmo de aprender a falar, a valores, crenças e regras, adquirindo os conhecimentos de sua cultura. À medida que a criança se desenvolve, seu sistema sensorial [...] se torna mais refinado e ela alcança um nível lingüístico e cognitivo mais elevado, enquanto seu campo de socialização se estende, principalmente quando ela entra para a escola e tem maior oportunidade de interagir com outras crianças (BORGES; SALOMÃO, 2003, p. 327).

Resultados de estudos mostram que a criança surda inicia a aquisição da linguagem

“em período análogo à aquisição de crianças ouvintes” (QUADROS, 1997, p. 79). Vale

lembrar que a criança surda irá desenvolver a fala manual e a criança ouvinte, a fala oral, de

forma natural, se possuírem um ambiente que lhes proporcione tais interações e mediações.

Para reforçar a importância do esclarecimento e, portanto, do respeito à língua falada

pelos surdos, Góes nos contempla com as seguintes palavras:

A criança nasce imersa em relações que se dão na linguagem. O modo e as possibilidades dessa imersão são cruciais na surdez, considerando-se que é restrito ou impossível conforme o caso, o acesso a formas de linguagem que dependam de recursos de audição. Sobretudo nas situações de surdez congênita ou precoce em que há problemas de acesso à linguagem falada, a oportunidade de incorporação de uma língua de sinais mostra-se necessária para que sejam configuradas condições mais propícias à expansão das relações interpessoais que constituem o funcionamento nas esferas cognitiva e afetiva e fundam a construção da subjetividade. [...]. Não há limitações cognitivas ou afetivas inerentes à surdez, tudo dependendo das possibilidades oferecidas pelo grupo social para seu desenvolvimento, em especial para a consolidação da linguagem (GÓES, 1996, p. 38 apud QUADROS, 1997, p. 29).

É por esses motivos que as crianças surdas que nascem em famílias também surdas

têm mais vantagens em relação ao desenvolvimento da linguagem e às interações

comunicativas, que levam a um desenvolvimento maior em vários âmbitos. Sacks (1998, p.

75) também acredita que toda interação entre pais e filhos surdos seja muito mais efetiva, já

que os pais sabem “por experiência própria, que toda comunicação, toda brincadeira, todos os

24 Compreende-se “aquisição da linguagem” como sendo a aquisição de um “meio sistemático de comunicação por intermédio de signos convencionados” (BRASIL, MEC/SEESP, 2004, p. 84).

24

jogos, precisam ser visuais e, em especial, a ‘conversa de bebê’ tem de passar para um modo

visual-gestual”.

A partir dos estudos aqui abordados, pode-se ter noção da importância da aquisição da

língua e de seu uso corrente não apenas entre familiares como também nas outras instituições

da sociedade, principalmente no ambiente educacional. Com isso, evidencia-se a importância

da presença de profissionais surdos nas instituições de Educação Infantil a fim de que seja

estabelecido um contato significativo e a troca de experiências na língua de sinais. A

importância da presença de profissionais surdos nas instituições é exposta por Quadros (1997,

p. 30), considerando-se dois pontos:

Primeiro, a criança, tão logo tenha entrado na escola, é recebida por um membro que pertence à sua comunidade cultural, social e lingüística; assim, ela começa a ter oportunidades de criar a sua identidade. Segundo, essa criança começa a adquirir a sua língua natural. [...] Deve haver um ambiente próprio dentro da escola (ou em outro lugar) para desenvolver a linguagem e o pensamento da criança surda; [...].

A fim de cumprir os objetivos iniciais deste estudo, nas próximas Seções, buscar-se-á

analisar o conteúdo das entrevistas, dos questionários e do diário de campo. Entende-se que

muitos elementos contidos nesses materiais merecem destaque, pois são indícios que

permitem reflexões sobre as concepções e práticas presentes nas instituições com as quais se

realizou contato.

No item seguinte, serão discutidas questões referentes aos modos de atuação e

comunicação de um grupo de crianças de uma instituição de Educação Infantil da rede regular

de ensino, na qual está inserida uma menina surda.

3.1.1 Os modos de comunicação utilizados no cotidiano da turma observada

Os pontos que mais chamaram a minha atenção durante o contato com o grupo de

crianças que observei25 foram referentes à forma de comunicação utilizada entre Sofia26 (a

criança surda), as crianças ouvintes e as profissionais responsáveis pelo grupo, também

ouvintes. Observei e interagi com o grupo, durante os momentos de atividades e em outras

situações do cotidiano, e procurei acompanhar atentamente os modos como aconteciam os

momentos de interação entre Sofia e as demais crianças do grupo.

25 As observações foram realizadas na instituição A no período de 31-3-09 a 17-4-09, totalizando nove observações, todas no período da manhã com aproximadamente duas horas e trinta minutos de duração. O grupo era composto por vinte e três crianças (quatro meninas e dezenove meninos) com faixa etária entre quatro e cinco anos e acompanhado por uma professora e uma auxiliar de sala. 26 Os nomes das crianças, citados nesse trabalho, são fictícios.

25

Neste item do trabalho, o foco central da reflexão será a necessidade de uma língua,

que certamente faria diferença nas diversas situações cotidianas vividas por Sofia, que hoje

encontra-se com cinco anos de idade. As próprias profissionais evidenciaram as dificuldades

de “incluir” Sofia em certos momentos devido às precárias condições para atendê-la,

considerando suas especificidades. Há muitos entraves no sentido de propiciar a ela a

interação e a construção de momentos que deem oportunidade à participação de forma que ela

realize processos simbólicos, construa narrativas, questionamentos e diálogos mais complexos

utilizando a língua de sinais.

No segundo semestre de 2008, as profissionais, responsáveis pelo grupo do qual Sofia

faz parte, eram Lúcia27 e Cláudia. Fiz a seguinte pergunta às profissionais do grupo, naquela

ocasião28:

As/Os professoras/es utilizam qual meio de comunicação com Sofia? Desse modo é

possível compreender essa(s) criança(s) e ser compreendida/o(s) por ela(s)?

Professora Lúcia – O modo de comunicação [que] a gente usa é o toque. Toque nela. Leitura de lábio, nem sempre ela entende. Auxiliar de sala Cláudia – E os gestos. Professora Lúcia – E os gestos. Auxiliar de sala Cláudia – Mas não é bem compreensível, nem da parte dela, nem dela para nós, nem de nós para ela. Professora Lúcia – Algumas vezes a gente compreende outras vezes... Auxiliar de sala Cláudia – Mas são poucas, né? Professora Lúcia – A gente consegue se comunicar.

No primeiro semestre de 2009, as profissionais Ana e Flávia assumiram o grupo em

que está Sofia. Em alguns momentos de diálogo, as profissionais comentaram comigo que

Sofia compreende tudo o que é dito e explicado oralmente. Parece que as profissionais

chegaram a essa conclusão porque Sofia realiza todas as atividades propostas e da melhor

maneira possível. Em outro momento, ao ser entrevistada a auxiliar de sala Ana explicita o

seguinte:

Auxiliar de sala Ana – [...] o meio de comunicação que a gente usa em sala, o que ela percebe das professoras é pela linguagem labial mesmo, a gente não usa

27 Os nomes das profissionais, citados neste trabalho, são fictícios. 28 Entrevista realizada no dia 14-11-08.

26

nenhum material diferenciado para ela. Ela consegue entender muito bem tudo o que é ensinado para o grande grupo, ela já consegue captar muito bem29.

Porém, a mesma profissional expõe, ao responder outra questão, que encontra

dificuldades de comunicação em certos momentos. São ressaltados os momentos em que são

exibidos filmes para as crianças e, principalmente, a hora da contação de histórias:

Auxiliar de sala Ana - Percebo também que ela não tem muita concentração. É geral, eu acredito que seja por... como é falado, como é no oral ela não, não consegue perceber, mas é engraçado que quando é para fazer a atividade, algo pra fazer, ela logo já prende a concentração dela. A gente encontra essa dificuldade.

É possível perceber, então, que não é, em todos os momentos, que Sofia compreende o

que é explicado ou proposto de forma oral pelas profissionais.

As profissionais do grupo com o qual estabeleci contato em 2008 e em 2009, na

instituição A, não possuíam qualquer conhecimento sobre a língua de sinais. A professora

Lúcia e auxiliar de sala Ana mencionaram em entrevista que já haviam tido certo contato com

pessoas surdas em outro ambiente que não o educacional. A auxiliar de sala Ana afirmou,

inclusive, ter realizado um curso básico de língua de sinais, há dois anos, mas admitiu não ter

praticado a língua, acarretando, assim, o esquecimento dessa. As profissionais Lúcia e Ana

não realizavam contato com pessoas surdas que conheciam, por intermédio da língua de

sinais, mas, sim, por meio de leitura labial e gestos.

Ao observar o grupo no cotidiano da instituição, em 2009, foi possível perceber que os

modos de “comunicação” utilizados pelas profissionais, nos dois semestres, de acordo com o

que as profissionais haviam dito, em 2008, tinham muito em comum: leitura labial, gestos e

toques.

O seguinte trecho foi retirado de meu diário de campo e refere-se ao primeiro dia de

observação na instituição. Assim que me apresentei às crianças a auxiliar de sala Ana deu

início a uma atividade:

Feitas as apresentações todos sentamos em roda e a auxiliar de sala Ana começa a explicar que o próximo passo será contar o que cada um fez no fim de semana. Todas essas informações, desde que a profissional entra na sala até a explicação da atividade, são realizadas de forma oral. Quando necessário são utilizados alguns gestos, como apontamentos, estes são os mais comuns. Cada criança começa a contar o que fez. Sofia fica na roda: no início fica com “perninha de índio”, depois de um tempo estica as pernas e olha o que se passa. [...] Quando chega a vez de Sofia contar sobre seu fim de semana, a auxiliar de sala Ana, que está sentada ao seu lado, toca em sua perna e diz que agora é sua vez. Sofia olha para a profissional

29 A entrevista com a auxiliar de sala Ana foi realizada em 15-4-09.

27

e com leve sorriso começa a mexer a boca, mas sem pronunciar palavra alguma ou realizar nenhum tipo de som. A auxiliar de sala Ana vai dizendo: “Você passeou...”, “Você ficou em casa...” e Sofia continua movimentando a boca, como se contasse alguma coisa (Diário de Campo - 31-3-09).

Pude presenciar várias vezes, durante o período de observações, esses movimentos que

Sofia fazia com a boca, como se estivesse falando algo. Sofia assumia essa atitude comigo e

com as profissionais, principalmente durante as atividades. Quando as profissionais

perguntavam ou comentavam alguma outra coisa, durante as atividades ou em quaisquer

outros momentos, o que Sofia fazia geralmente era sorrir.

Já, nesse primeiro momento, pude perceber que, mesmo estando no grupo, mesmo

participando da roda, o ponto alto da atividade proposta pela auxiliar de sala, que se daria pela

via da linguagem, através de uma narrativa, ou seja, esse modo de interação com os colegas e

com as profissionais não aconteceu. Essa atitude de mexer com a boca sem pronunciar

nenhuma palavra compreensível para os outros seria uma tentativa de expor alguma coisa, de

tentar dizer algo, ou será que Sofia estava fazendo o que ela via seus colegas fazerem?

Em outra atividade, desse mesmo dia, estimulada pela auxiliar de sala Ana, Sofia

oraliza muito claramente a palavra “macaco”, depois de ver a figura de um no crachá de um

colega do grupo. A respectiva profissional me olha e comentamos sobre o ocorrido,

percebendo meu comentário, Luiz, sentado ao meu lado, comentou:

- Ela fala um pouco.

- Como ela fala? – Perguntei.

- Ela fala... – Respondeu hesitando.

- Você fala com ela?

- Não.

- Por quê?

- Ela não fala comigo, só fala com as amigas dela.

- Mas você já pediu pra falar com ela?

- Não.

Mesmo que as profissionais afirmem que Sofia compreende tudo o que é dito de

maneira oral, podemos ter a certeza de que isso ocorre em todos os momentos? Podemos

afirmar com certeza que Sofia teve o entendimento da proposta da atividade inicial desta

manhã? Se Sofia compreende tudo o que lhe é dito de forma oral por que não expressa

também em palavras o que deseja dizer?

28

De fato, durante as minhas observações, pude ver que Sofia sempre realizou com

interesse as atividades propostas até concluí-las, como bem expôs a auxiliar de sala Ana em

resposta mais acima. Atividades essas de colorir, desenhar, copiar o nome do crachá para uma

folha de papel, colar bolinhas de crepom sobre as letras do nome ou pedaços de papel colorido

em desenhos. No entanto, talvez isso ocorra pelo fato dessas atividades serem mais concretas

e visuais.

Perguntei à auxiliar de sala Ana se alguma vez Sofia já havia formulado uma resposta

mais longa, complexa, perguntei se ela percebia essa construção. Em resposta, afirmou que:

Auxiliar de sala Ana - A gente percebe, assim, principalmente no momento da rodinha, quando a gente está conversando, aí pergunta “como foi teu dia?”, “como foi teu final de semana?”, quando chega a vez dela, ela quer contar, ela conta, ela fica “hum, hum, hum”, ela faz com gestos, mas meio que a gente fica que não entende o que ela quer falar, mas ela tem, ela tem essa construção, ela quer colocar o que se passou com ela.

Ao fazer a mesma pergunta para a professora Flávia sobre as construções narrativas de

Sofia, a resposta foi30:

Professora Flávia - É, isso é bem angustiante para gente, porque ela resmunga e a gente não consegue entender. Até acho que tu presenciou aquele dia da roda, sobre o coelhinho da Páscoa, a gente tentou adivinhar: “Tem um monte?”, “Comeu tudo?” Em gestos a gente tenta entender os gestos dela, mas na fala a gente não consegue compreender nada, então fica bem difícil essa questão de conversar, de dialogar com ela, dela passar para a gente alguma coisa.

Presenciei um episódio que reforça minhas dúvidas quanto ao entendimento total de

Sofia em relação ao que lhe é dito pelas profissionais. O recorte a seguir foi retirado do diário

de campo e evidencia uma situação ocorrida, no dia oito de abril, quando as crianças

preparavam-se para uma “caça ao tesouro”, evento que contemplava a semana comemorativa

da Páscoa:

Todos devem fazer silêncio para ir para a “caça ao tesouro”, chegam a se dirigir até a porta, mas como estão bastante afobados e ansiosos acabam voltando para as mesas e sentam-se novamente, a pedido da professora Flávia. Ela conversa com as crianças dizendo que é preciso ter ordem e só vai para a fila quem fizer silêncio. Depois de alguns segundos, a professora Flávia aponta para Sofia e oraliza dizendo que ela pode ir para a fila, reforçando a palavra “fila”, ou seja, articulando muito bem a boca e de forma devagar. A professora dá ênfase apontando para a menina: - Sim, você! - e depois aponta para a porta, lugar onde deve começar a fila. Sofia levanta-se e dirige-se até a porta. Antes de chegar até ela, vira-se para trás e olha para a professora, que continua apontando para o lugar onde a fila deve começar.

30 A entrevista foi realizada com a professora Flávia no dia 17-4-09.

29

Sofia chega até a porta, abre-a e sai da sala. Saio em busca de Sofia, ela estava logo ao lado da porta. Assim que entra novamente na sala vai encaminhando-se para o lugar onde estava sentada anteriormente. A professora sorri e continua apontando para o lugar onde deve se iniciar a fila. Então, Sofia volta para perto da porta e instala-se no canto da sala. A professora fala “não” e aponta para o lugar onde estou, mas Sofia não compreende e se senta no canto da sala. A professora pede para que ela levante-se e aponta novamente o lugar “certo”. Chamo a menina para perto de mim, ela se aproxima e senta-se aos meus pés. A professora pede para que ela levante-se (Diário de Campo – 08-4-09).

A meu ver, todo esse movimento aconteceu porque Sofia foi a primeira a ser chamada

para formar a fila, ela não tinha a quem seguir ou de quem copiar. Não tenho certeza de que

soubesse o que estaria por acontecer com o grupo, que sairiam para uma brincadeira, a “caça

ao tesouro”, e que para isso teriam de formar uma fila. Suponho que, se Sofia conhecesse o

significado da palavra oralmente dita - fila -, essa pequena confusão não teria acontecido.

Sacks (1998, p. 39) faz a seguinte consideração a respeito da leitura labial:

[...] as pessoas com surdez pré-lingüística, não dispõem de imagem auditiva, não tem idéia alguma de como é realmente o som da fala, não têm noção de correspondência entre som e significado. O que é essencialmente um fenômeno auditivo tem de ser entendido e controlado por meios não auditivos. É isso que traz imensas dificuldades e que para ser obtido pode requerer milhares de horas de ensino individual.

Outra consideração pode ser feita em relação à leitura labial e, talvez, encaixe-se bem

na situação relatada logo acima é “Os movimentos dos lábios podem ser entendidos pela

criança pequena como um tipo de comportamento comunicativo, mas, certamente, como um

comportamento estranho e enigmático” (SVARTHOLM, 1994, p. 64 apud QUADROS, 1997,

p. 88).

Apesar de a leitura labial se configurar, dessa maneira, para a maioria dos sujeitos

surdos, acredito que seja necessário expor que, durante os períodos de observação, pude

presenciar momentos em que Sofia mexia a boca exprimindo: “xi”, referindo-se à vontade de

ir ao banheiro; “mai”, quando queria pedir mais de alguma coisa; “aua”, quando queria tomar

água; e “prô”, para chamar a atenção de alguma das profissionais. A menina mexia a boca de

modo audível apenas quando dizia “prô”, nas demais tentativas de comunicação não havia

som.

A criança surda, por não ter contato com as informações transmitidas por via oral, de

forma espontânea, como ocorre com as crianças ouvintes, muitas vezes, não domina conceitos

e informações corriqueiros entre as crianças, que estão acostumadas a ouvi-los. Sacks (1998)

traz o depoimento de um surdo que perdeu a audição aos sete anos de idade. Tornando-se

30

surdo nessa idade, David Wright já havia desenvolvido a língua oral e, consequentemente, já

tinha acesso a muitas informações. O episódio, narrado por Wright e descrito por Sacks,

aconteceu em uma aula de Geografia, de uma escola oralista, na qual a professora pergunta

qual o nome do rei da Inglaterra, e uma das alunas, depois de procurar ajuda no livro no qual

estavam estudando, responde ser “Reino Unido”. Sacks dá seu parecer expondo o seguinte:

A menina não era nada estúpida, mas, tendo nascido surda, adquiriu lenta e penosamente um vocabulário que ainda era demasiado reduzido para lhe permitir ler por diversão e prazer. Em conseqüência, não havia quase meios pelos quais ela pudesse adquirir a base de informações variadas e temporariamente inúteis que outras crianças adquirem de forma inconsciente nas conversas ou leituras ao acaso (SACKS, 1998, p. 26, grifo meu).

Ainda, no primeiro dia de observação, eu mesma vivenciei um episódio com Sofia, no

pátio, durante o qual não compreendi o que ela queria dizer-me:

Sofia pega em meu braço e começa a me levar a algum lugar. Aponta em alguma direção, olha para mim e mexe a boca sem nada pronunciar. Expresso que não estou entendendo o que ela quer mostrar e ela continua apontando. Olho na mesma direção em que ela aponta, mas não consigo perceber nada, nenhum evento que estivesse ocorrendo (Diário de Campo – 31-3-09).

Devido à falta de embasamento e conhecimento das professoras e de acompanhamento

desse grupo, da instituição A, por profissionais habilitados em língua de sinais, toda a turma

perde em termos de comunicação e interação. Ao questionar as profissionais Ana e Flávia se

as crianças ouvintes tinham dúvidas quanto à surdez da colega, as profissionais responderam

que sim, principalmente no início do ano. De acordo com a professora Flávia, as crianças

ouvintes reclamavam que a colega nunca respondia, ou não queria fazer as coisas. A

professora Flávia expôs a forma como essa questão era mediada entre as crianças ouvintes:

[...] nós sentamos e conversamos que ela era especial, que ela não conseguia ouvir muito bem o que a gente falava, por isso tinha que olhar bem nos olhos dela e abrir bem a boca para [...] [articular] as palavras, para ela conseguir ler os lábios da gente para entender.

Além das práticas de oralização realizadas no grupo, não havia materiais que

utilizassem a língua de sinais, como foi exposto pela auxiliar de sala Ana: “Nós temos alguns

jogos ali, que ela... normais, mas ela consegue também brincar junto. E, a partir do momento,

que a gente percebe que ela brinca também, a gente já acha que é útil pra ela. Mas ainda está

muito carente dessa parte de material”.

31

A Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE) formulou um documento em

2004, intitulado “Política de Educação de Surdos no Estado de Santa Catarina”. Esse

documento (SANTA CATARINA, FCEE, 2004, p. 12) ressalta que a educação de sujeitos

surdos é baseada em uma diferença:

Trabalhar com essa diferença significa entender o surdo como uma pessoa que possui língua diferente, uma língua materna que não é a língua portuguesa; significa conhecer a sua língua (LIBRAS), usá-la e oportunizar a ele, surdo, a aquisição de conhecimentos nas duas línguas (primeiro na sua e depois na língua portuguesa) de forma sistemática, continuada, dialógica, para que verdadeiramente, ele possa construir sua identidade e exercer o direito da cidadania.

A profissional surda da Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE), por mim

entrevistada, no dia onze de novembro de 2008, expôs a seguinte preocupação com a falta de

comunicação, tanto na instituição familiar quanto na educacional, e tocou no assunto da

inclusão:

Instrutora Simone31 - Tenho muita preocupação em relação aos pais que não sabem língua de sinais e, sendo assim, como é que terão contato com seus filhos surdos? Eles utilizam muitos gestos e só isso. Parece que a Manuela32 não consegue se desenvolver por esse motivo, pela falta de comunicação, falta comunicação. Ela precisa ter comunicação, ela precisa ter contato com os sinais, e também a família, os professores, porque sim, ela tem contato com professores que sabem língua de sinais, mas e os professores da sala lá do C.E.I. [Centro de Educação Infantil]? Falta também. A família não tem conhecimento dos sinais, os professores do C.E.I. não têm conhecimento de sinais, então como acontece esse contato? Visto isso, o SEALI33, o trabalho realizado em uma sala aqui do CAS34 é muito importante porque tem LIBRAS, mas na inclusão falta língua de sinais também, para comunicação.

As professoras da instituição B, responsáveis pelo grupo de trabalho com crianças de

um ano e meio a dois anos (intitulado pela instituição de GT2), expuseram, em resposta a uma

pergunta do questionário feito, que a comunicação com a criança surda acontece por:

Gestos criados e desenvolvidos por nós. Também nos comunicamos com seis sinais de LIBRAS (únicos que sabemos). São estes: brincar, comer, sentar, chorar, o sinal da criança e água. Desta forma, em certos momentos não conseguimos uma comunicação efetiva (Professoras Marta, Carla e Tânia35).

31 Todos os nomes, citados neste trabalho, são fictícios. 32 Uma das crianças que frequenta a FCEE em período oposto ao da instituição regular de Educação Infantil, que, a propósito, é a instituição B. 33 Serviço de Estudo e Aprendizagem da LIBRAS. 34 Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez. 35 O questionário foi respondido conjuntamente pelas professoras do GT2 e as respostas expressam o ponto de vista das três. O mesmo ocorre com as respostas das professoras do GT5.

32

Como não havia ficado claro para mim que momentos eram esses, nos quais as

professoras não conseguiam estabelecer uma comunicação efetivamente, realizei um outro

encontro com as professoras desse grupo no dia dezoito de novembro. Questionei

pessoalmente as profissionais sobre os momentos em que não conseguiam estabelecer uma

comunicação com a criança surda, e elas afirmaram que, muitas vezes, não sabem o que ela

está sentindo: “O choro é igual para tudo, nos outros [ouvintes] só com o choro já se sabe,

com ela não, não se identifica o que ela quer com o choro” (Professoras Marta, Carla e Tânia -

GT2).

As profissionais do grupo de trabalho com crianças entre quatro e cinco anos de idade

(intitulado pela instituição de GT5) apresentaram uma resposta diferente, afirmando que a

comunicação acontece por meio de “expressões faciais, LIBRAS, sinais próprios, choro

(demonstrando insatisfação)” (Professoras Fernanda, Márcia e Fabiana).

As três professoras desse grupo realizaram cursos de LIBRAS até o nível

intermediário, oferecidos pela Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE), e já

conhecem, portanto, alguns sinais e particularidades da cultura surda. Mas seria o suficiente

para educar uma criança surda na língua de sinais com toda sua gramaticalidade?

De forma geral, gostaria de recorrer aqui aos direitos humanos linguísticos36:

a) que todos os seres humanos têm direito de identificarem-se com uma língua materna(s) e de serem aceitos e respeitados por isso; b) que todos têm o direito de aprender a língua materna(s) completamente, nas suas formas oral (quando fisiologicamente possível) e escrita (pressupondo que a minoria linguística seja educada na sua língua materna); c) que todos têm o direito de usar sua língua materna em todas as situações oficiais (inclusive na escola); [...].

Outra pergunta feita à professora e à auxiliar de sala do grupo de Sofia (instituição A)

foi: Você acredita que a língua de sinais seja importante para uma criança surda? De que

forma seria importante?

Professora Lúcia – Eu acredito que é importante porque é uma nova forma, vamos dizer assim, de alfabetização também. Auxiliar de sala Cláudia – É porque pra ela que não ouve... É essencial. Professora Lúcia – Com certeza. Auxiliar de sala Cláudia – Porque é uma maneira que ela tem de se comunicar, de certa forma sem estar se estressando, né? Porque ela acaba, às vezes... existe um certo grau de estresse quando a gente quer se comunicar ou ela com a gente ou a gente com ela e não consegue... ter essa comunicação. Não há esse entendimento.

36 Quadros, 1997, p. 28.

33

E se ela tivesse a língua de sinais bem definida pra ela e se nós tivéssemos a oportunidade de ter também seria muito mais fácil.

As professoras da instituição B responderam à mesma pergunta da seguinte forma:

“Sim. É importante pois a criança tem mais facilidade em aprender e a comunicar-se. Por ser

uma língua padrão este trabalho é importante para a compreensão e memorização”

(Professoras Marta, Carla e Tânia – GT2).

Considerei necessário esclarecer com as mesmas professoras do GT2, também no dia

dezoito de novembro, sobre o que seria essa memorização, e a resposta foi: “Que deve-se

praticar, estudar constantemente, estar sempre em contato. Todos deveriam saber, desde a 1ª

série e Educação Infantil”.

As professoras da mesma instituição B, Fernanda, Márcia e Fabiana, responsáveis pelo

GT5, responderam a essa pergunta do questionário da seguinte maneira: “Sim, para sua

comunicação, interação com o grupo”.

Alguns autores, como Santana e Bergamo (2005, p. 567), fazem uma reflexão acerca

da língua em relação ao fato de outros autores a defenderem como sendo o principal caminho

para a interação e para a construção da identidade do sujeito surdo. Os autores afirmam que:

A maioria dos estudos tem como base a idéia de que a identidade surda está relacionada a uma questão de uso da língua. Portanto, o uso ou não da língua de sinais seria aquilo que definiria basicamente a identidade do sujeito, identidade que só seria adquirida em contato com outro surdo. O que ocorre, na verdade, é que, em contato com outro surdo que também use a língua de sinais surgem novas possibilidades interativas, de compreensão, de diálogo, de aprendizagem, que não são possíveis apenas por meio da linguagem oral. A aquisição de uma língua, e de todos os mecanismos afeitos a ela, faz com que se credite à língua de sinais a capacidade de ser a única capaz de oferecer uma identidade ao surdo.

Asseveram também que “[...], a linguagem oral também pode constituir a identidade

do surdo, e não só a língua de sinais, a partir do momento em que o surdo dela se apropria e a

molda para construir e marcar sua identidade” (SANTANA; BERGAMO, 2005, p. 570). Não

se pode negar que muitos surdos iniciam no mundo da fala e da comunicação com a

linguagem oral, pois têm contato com a cultura surda tardiamente. De fato, não se pode

descartar a língua portuguesa do cotidiano das pessoas surdas. Os autores trazem inclusive

depoimentos de um surdo oralizado37, nos quais ele afirma que a sua surdez muito o

incomodou na adolescência e que, para comunicar-se, ele preferia utilizar a fala oral. Porém,

37 O sujeito oralizado é aquele que possui mais intimidade com a fala oral e a utiliza com mais frequência em relação a um surdo não oralizado, entendido como aquele que prefere se utilizar da língua de sinais e não tem tanto domínio da articulação oro-facial.

34

devemos atentar para o fato de que as experiências com a fala oral variam muito de sujeito

para sujeito, principalmente com o grau de surdez que ele possa ter; surdos com perdas leves

ou moderadas têm mais facilidade com a aprendizagem da fala oral.

Os autores supracitados também questionam a existência de uma identidade surda:

“[...] o fato é que não existe uma identidade exclusiva e única, como a identidade surda. Ela é

construída por papéis sociais diferentes (pode-se ser surdo, rico, heterossexual, branco,

professor, pai, etc.) [...]”.

Contudo, não creio que o surdo queira dizer o contrário, que há apenas uma identidade

surda, afinal, há uma série de características que os surdos possuem e que não fazem parte do

cotidiano dos ouvintes. Perlin (2005, p. 51) em seu artigo intitulado “Identidades Surdas”,

expõe no primeiro parágrafo da introdução deste trabalho que sua identidade, de maneira

resumida, poderia ser descrita dessa maneira: “mulher, surda não-nativa, teóloga, militante

pela causa surda, residente em um país latino americano”. Percebe-se, claramente, que a

concepção dessa autora, ao afirmar sua identidade, não diz respeito somente ao fato de ser

surda. Derrubando a ideia de que o surdo, ao defender sua identidade surda, entender-se-ia

como um sujeito homogêneo e estático, o que é impossível, pode-se dizer, assim, para sujeitos

históricos que são.

Penso em quão curioso é o fato de tantos surdos afirmarem-se como integrantes de

uma outra cultura e esse fato ser questionado, ou seja, não é um grupo pequeno de pessoas

que pensam e agem assim, defendendo essa posição cultural. No entanto, esses autores dão

abertura para uma reflexão a respeito daquilo que os surdos denominam de cultura, pois, na

verdade, seria apenas uma “adaptação”:

É, portanto, uma cultura de adaptação à diferença [...]. A realidade e a legitimidade desta noção de cultura é objeto de grandes críticas, algumas vezes com razão, porque muitos aspectos da cultura surda se apresentam mais como um sistema derivado da cultura dos ouvintes do que como uma cultura realmente original e autônoma (SANTANA; BERGAMO, 2005, p. 573).

Essa “derivação” seria entre outras coisas, de acordo com os autores, o uso de

telefones com leitor de mensagens escritas no lugar da recepção das informações por

intermédio do som38, a utilização de campainhas luminosas em detrimento do uso de

campainhas sonoras para avisar que alguém chegou à casa de uma pessoa, por exemplo.

38 Neste caso cita-se o telefone para surdos, conhecido como TDD (Telecommunications Device for the Deaf). É um aparelho no qual o surdo encaixa o fone do telefone público e digita um determinado código conectando-se a uma central. Desta central a telefonista liga para o destinatário com quem o surdo deseja falar. O diferencial

35

A meu ver, conceber a existência de uma cultura surda implicaria o reconhecimento de

que os surdos têm modos muito distintos e específicos de ver, de se expressar, de pensar, de

estar no mundo. Questiono se existe uma cultura de fato original e pura, sem misturas, sem

hibridismos, que não estabeleça relações com o contexto mais amplo onde se insere. Essas

afirmações podem trazer uma ideia muito simplista das construções desses sujeitos e

desconsideram todo um contexto histórico, social e cultural, não levando em conta o fato de

que, pela condição de não ouvintes, esses sujeitos sofreram, durante anos e anos, imposições,

principalmente da área médica e da educacional, que determinavam que esses oralizassem, a

fim de que se “curassem” dessa “anormalidade”, que consistia em não falar como aqueles que

ouviam. No entanto, esses sujeitos encontraram, na língua sinalizada, um meio de

comunicação que não os feria ou sobrepujava, mas que não foi considerado pela maioria

ouvinte.

Toda essa discussão foi levantada com a intenção de salientar a importância da língua

para os surdos e dar-se-á continuidade a ela utilizando-se de uma interessante questão

levantada pelos autores Santana e Bergamo (2005, p. 570, grifo meu):

[...] a constituição da identidade pelo surdo não está necessariamente relacionada à língua de sinais, mas sim à presença de uma língua que lhes dê a possibilidade de constituir-se no mundo como “falante”, ou seja, à constituição de sua própria subjetividade pela linguagem e às implicações dessa “constituição” nas suas relações sociais. Em outras palavras, torna-se estranha a afirmação de que todos os surdos só constituam sua identidade por intermédio da língua de sinais. Afinal de contas, não há uma relação direta entre língua específica e identidade específica.

Concordo que a identidade seja constituída por vários aspectos e que poderia se

constituir a partir de qualquer língua, porém compreendo que a língua também possui

variações, características culturais e históricas, ou seja, ela não é estática e homogênea. Não

pretendo aqui instituir uma discussão linguística, mas ressaltar que a língua, a meu ver, é uma

representação do seu povo, que varia sincrônica e diacronicamente.

No caso do povo surdo, a língua de sinais possui especial importância porque é ela que

abre, sim, as portas para a comunicação de forma completa e efetiva devido ao fato de esses

sujeitos não possuírem o canal da audição para recepção dos sons da fala. Acredito que seja

necessário se ter cuidado ao afirmar que o surdo pode constituir-se no mundo tendo qualquer

língua como mediadora de suas interações. Sacks (1998) expõe o fato de a língua de sinais ser

mais acessível ao surdo:

desse aparelho é que ele possui um teclado e uma telinha que possibilita que o surdo leia as informações que a telefonista da central está lhe passando, é como um sistema de mensagens escritas.

36

O aspecto essencial é: as pessoas profundamente surdas não mostram em absoluto nenhuma inclinação inata para falar. Falar [oralmente] é uma habilidade que tem de ser ensinada a elas, e constitui um trabalho de anos. Por outro lado elas possuem uma inclinação imediata e acentuada para a língua de sinais que, sendo uma língua visual, é para essas pessoas totalmente acessível (SACKS, 1998, p. 43).

Em outro trecho de seu livro, Sacks cita uma pesquisa realizada por S. Goldin-

Meadow e H. Feldman, em 1977, na qual ambos focaram seu trabalho em crianças

“profundamente surdas em idade pré-escolar”. Essas crianças haviam sido isoladas de outras

pessoas surdas que utilizavam sinais, pois seus pais queriam que seus filhos desenvolvessem a

fala oral e não a sinalizada. Contudo, percebeu-se que, apesar desse movimento de isolamento

por parte dos pais e do incentivo quanto ao uso da fala oral, “as crianças começaram a criar

gestos - primeiro gestos simples, depois séries de gestos encadeados - para representar

pessoas, objetos e ações” (SACKS, 1998, p. 58). Com isso, pode-se observar a representação

da língua de sinais na constituição da identidade do sujeito surdo.

Uma posição que vem a contribuir para essa discussão encontra-se em Geertz (apud

SANTOS, 2006) quando ele afirma que se deve olhar a partir da perspectiva de um nativo, ou

seja, seria de suma importância compreender, ou, pelo menos, tentar conceber, a cultura no

sentido mesmo que aquele grupo a compreenda, ou seja, tentando se aproximar dos sentidos e

significados que esse grupo atribui e constrói em seus contextos de vida.

Levando-se em consideração o projeto de escola a partir do que os surdos pensam,

pode-se relatar um dos principais pontos recomendados a partir do “Encontro Global de

Especialistas”, realizado, em 1987 em relação às pessoas surdas ou com “grave impedimento

auditivo”, que afirma que elas têm:

[...] o direito específico de ter sua língua de sinais nativa aceita como sua primeira língua oficial e como meio de comunicação e instrução, tendo serviços de intérpretes para a língua de sinais (WRIGLEY, 1996, p. 14 apud KARNOPP, 2005, p. 104, grifo meu).

Compreendo que as manifestações das crianças possam ocorrer por intermédio de

vários tipos de linguagem ou modos de expressão. Por intermédio de gestos, de olhares, de

um choro, de um riso, de um desenho, de uma música, da dança. Porém, busco salientar a

relevância da utilização de um sistema simbólico específico na constituição do sujeito, para

que uma comunicação complexa e sofisticada seja possível entre as pessoas. Segundo Oliveira

(1993, p. 42),

37

[...] não basta [...] que a pessoa manifeste, como o bebê, estados gerais como “desconforto” ou “prazer”. É necessário que sejam utilizados signos, compreensíveis por outras pessoas, que traduzam idéias, sentimentos, vontades, pensamentos de forma bastante precisa. Como cada indivíduo vive sua experiência pessoal de modo muito complexo e particular, o mundo da experiência vivida tem que ser extremamente simplificado e generalizado para poder ser traduzido em signos que possam ser transmitidos a outros.

Para complementar a discussão a esse respeito trago contribuições de Vygotsky sobre

a língua, ele destacava o “valor fundamental da palavra como modo mais puro de interação

social”, assim a entendia como uma “unidade dialética entre pensamento e linguagem”

(SOUZA, 1994, p. 126).

Corroborando as ideias de Vygotsky e acreditando que a construção do sujeito

acontece pelas interações sociais, ressalto a importância da linguagem:

O exercício e o domínio da linguagem vão possibilitando à criança compreender os códigos sociais, ou seja, ela vai ganhando elementos de representação dos eventos culturais nos quais está inserida, dentro de um contexto interativo específico, de forma que as interações infantis são influenciadas pelas interações com os parceiros - adultos e crianças na relação com os códigos da cultura (BRITO, 2005, s/p, grifo meu).

Essa citação foi retirada do artigo intitulado “As rodinhas na creche: uma perspectiva

de investigação do movimento discursivo das crianças de 4 e 5 anos”. O artigo ressalta a

relevância da prática do diálogo e do estímulo, por parte das professoras, em relação aos

discursos das crianças. Esse tema faz-me lembrar do primeiro trecho do meu diário de campo

exposto neste trabalho. As rodas, atividades propostas pelas professoras, seriam momentos de

estimular a fala, a interação, momentos de investigar e ampliar o conhecimento das crianças.

A autora destaca que os estímulos às falas das crianças são de suma importância no processo

de construção do conhecimento.

A rodinha [...] evidencia a competência discursiva das crianças, suas enunciações vão evidenciando o grande conhecimento da linguagem que possuem. [...] consideramos que se faz necessário um forte investimento na direção de legitimar que o lugar atribuído à enunciação das crianças se torne valorizado e que seja garantido no cotidiano dos espaços de Educação Infantil. Que as conversas não sejam entendidas como forma de passar o tempo, como uma fuga do trabalho pedagógico, mas, sim, como construção do conhecimento das crianças e do seu lugar de sujeito social, ressaltando, desse modo, a importância de que os espaços educativos se constituam como espaços de diálogo (BRITO, 2005, s/p).

De acordo com o que foi observado na instituição A, durante o período de contato com

o grupo, pareceu não ocorrerem construções narrativas por parte da criança surda, ou, então,

38

as construções de Sofia e suas tentativas de se expressar eram pouco compreendidas pelas

profissionais e crianças do grupo, o que inviabilizava um diálogo. Isso se deve ao fato de não

haver sequer uma língua em comum entre os sujeitos ouvintes do grupo e Sofia, pois a língua

predominante é a língua portuguesa, aliás, nem Sofia havia internalizado ainda a língua de

sinais. Dessa forma, ponho-me a pensar sobre a maneira como vem ocorrendo o processo

educacional e o desenvolvimento dessa criança surda na instituição de Educação Infantil e

estendo essa reflexão para outros grupos nos quais se encontram meninas e meninos surdos.

O documento “Dificuldades de Comunicação e Sinalização: Surdez” (BRASIL,

MEC/SEESP, 2004, p. 26), que será citado de maneira mais detalhada na próxima Seção,

defende a importância da aquisição da LIBRAS pelas crianças surdas:

A aquisição da LIBRAS desde a mais tenra idade possibilita às crianças surdas maior rapidez e naturalidade na exposição de seus sentimentos, desejos e necessidades. Possibilita a estruturação do pensamento e da cognição e ainda uma interação social, ativando conseqüentemente o desenvolvimento da linguagem.

Considerando as colocações feitas a respeito da relevância da aquisição da linguagem,

entende-se como sendo importante que sejam abordadas as relações entre as crianças nesse

espaço observado, já que as interações proporcionam ricos momentos de construção da

linguagem. Serão, portanto, apresentados trechos do diário de campo dos momentos de

brincadeiras das crianças, possibilitando assim, uma compreensão da estruturação dessas

relações específicas. O trecho a seguir pertence aos registros do primeiro dia de observação na

instituição e descreve um momento livre entre as crianças:

Sofia, Camila e Bruna estavam brincando em um cantinho construído entre as mesas e prateleiras da sala. Perguntei à Camila do que estavam brincando, respondeu-me que de casinha. Eu quis saber “quem era ela” e Camila respondeu-me que era a mamãe e as outras eram as filhas. Não demorou muito, Gustavo entra na brincadeira também e põe-se a cozinhar. Ele e Sofia estão na “cozinha” e enquanto mexe as panelas Gustavo fala que está fazendo gelatina. Indago se não haverá nada de salgado para comer e então ele começa a fazer uma sopa - Sopa de quê? - pergunto e, sorrindo diz: - Hum... sopa de carne. Enquanto cozinha Gustavo conversa comigo, fala da “feitura” da comida e sempre me oferece algo para que eu “coma”. Sofia, ao seu lado, mexe a panela, me oferece comida uma vez, mas não observo movimentos com a cabeça ou gestos que indiquem a necessidade de se comunicar. Depois anda com a panelinha pela “casa”. Após parar de cozinhar, pega uma boneca no colo, a embala e em seguida pega uma das peças quadradas de um jogo e “dá de mamar” para a boneca (Diário de Campo – 31-3-2009).

Nesse primeiro contato com uma das brincadeiras desse grupo, fui bem acolhida pelas

crianças com as quais pude estabelecer um diálogo. Mesmo não me conhecendo, Gustavo

39

sentiu-se bastante à vontade, interagindo comigo durante todo o tempo em que permaneceu na

“cozinha”. Diferentemente de Sofia, que brincava alheia ao diálogo e, portanto, à

comunicação que estava se realizando ali. Gustavo construía a brincadeira e me envolvia nela,

quando respondia a uma pergunta ou fazia uma afirmação sobre o que estava realizando.

Pode-se dizer que o segundo trecho representa uma tentativa de comunicação por parte

de uma das crianças ouvintes do grupo, Marina, em relação à Sofia:

Sofia pega a boneca, a mamadeira e um pequenino cachorro de borracha branco. Brinca de ninar e dá a boneca para que Camila a segure enquanto ela oferece a mamadeira. Nesse momento, Sofia não deixa que Marina se aproxime. Marina pega a boneca de Camila e a esconde entre dois dos colchonetes que estão guardados entre o armário e a parede. Sofia se irrita e Marina tenta dizer para a colega que a boneca está dormindo, e faz isso unindo as duas palmas das mãos, colocando-as ao lado do rosto e inclinando a cabeça para o lado, mas Sofia a afasta com as mãos e ignora o que a colega diz. Depois que Camila explica sua ação em gestos, Sofia reclama dela para mim (Diário de Campo – 08-4-2009).

No momento seguinte, Sofia continua a brincadeira com a colega Camila:

Sentada, Sofia nana a boneca e, em seguida, Camila senta-se ao lado da colega. Sofia “comenta” algo com Camila, aproximando-se de seu ouvido e mexendo a boca, no entanto, sem dizer nenhuma palavra. Ambas sorriem. Momentos depois Sofia oferece a boneca para Camila, levanta-se e aponta para os colchonetes. Com todo o cuidado Sofia pega a boneca do colo de Camila e coloca-a entre eles (Diário de Campo – 08-4-2009).

Com certeza, Camila entendeu o que Sofia estava lhe dizendo, mesmo sem ter

utilizado um sinal ou uma palavra sequer, parece que, nos momentos de brincadeira, torna-se

possível estabelecer uma certa comunicação, pois as crianças têm a boneca, a mamadeira, o

berço, coisas concretas à disposição.

Silva (2002) realizou uma pesquisa sobre a relação entre a brincadeira e o uso de

sinais buscando demonstrar como a aquisição da língua de sinais altera a complexidade das

construções lúdicas. A autora ressalta que a língua de sinais complementa, de forma

significativa, os momentos de brincadeira das crianças:

Por um lado, a brincadeira torna-se mais complexa, na medida em que os sinais são utilizados; por outro, o uso da língua permite a emergência de novas condições para a organização do faz-de-conta, pois permite a inserção de elementos ‘fantásticos’ na estruturação da atividade simbólica (SILVA, 2002, p. 109).

40

Após destacar algumas questões relacionadas às maneiras de comunicação

estabelecidas entre crianças ouvintes, criança surda e profissionais, e o espaço que é dado à

língua de sinais nas instituições pesquisadas, considero relevante ampliar essa reflexão a partir

do estudo das políticas educacionais que tratam da Educação Infantil e da Educação para

Surdos, a fim de compreender as possíveis relações entre as definições legais e a forma como

estão configuradas as práticas nas instituições da rede regular de Educação Infantil.

Movimento que será realizado na próxima Seção.

3.2 A Educação das Crianças Surdas: Algumas reflexões sobre a política educacional

Atualmente, tem-se orientações legais e políticas, em âmbito internacional e nacional,

que afirmam que crianças “com necessidades educativas especiais” ou “com deficiência”

devem ser inseridas em instituições educacionais regulares.

A “Declaração de Salamanca” é um exemplo dessas orientações políticas. Esse

documento foi formulado na Conferência de Salamanca, realizada na Espanha, em julho de

1994, na qual estavam representados 92 governos e 25 organizações internacionais, com o

objetivo de discutir e fornecer diretrizes básicas para a formulação e reforma de políticas e

sistemas educacionais de acordo com o movimento de inclusão social e promover o programa

“Educação para Todos”, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura (UNESCO, 1994, p. 4). Escolas preparadas para “todos” são instituições “que

incluam todas as pessoas, aceitem as diferenças, apoiem a aprendizagem e respondam às

necessidades individuais” (UNESCO, 1994, p. 3).

Em relação às escolas inclusivas, a “Declaração de Salamanca” traz as seguintes

considerações:

O princípio fundamental das escolas inclusivas consiste em todos os alunos aprenderem juntos, sempre que possível, independentemente das dificuldades e das diferenças que apresentem. Estas escolas devem reconhecer e satisfazer as necessidades diversas dos seus alunos, adaptando-se aos vários estilos e ritmos de aprendizagem, de modo a garantir um bom nível de educação para todos, através de currículos adequados, de uma boa organização escolar, de estratégias pedagógicas, de utilização de recursos e de uma cooperação com as respectivas comunidades. É preciso, portanto, um conjunto de apoios e de serviços para satisfazer o conjunto de necessidades especiais dentro da escola (UNESCO, 1994, p. 11-12).

Segundo Strobel (2006, p. 244), a inclusão dos surdos nas escolas brasileiras foi

instituída com a “Declaração de Salamanca”, em 1994, porém esse documento “trouxe para os

41

sujeitos surdos a inversão da vida comunicativa: incluir para excluir no processo

educacional”. A autora ressalta que a mesma Declaração faz menção à diferença linguística

do grupo surdo, o que, no entanto, foi esquecida pelo governo, como colocado pela autora,

ocorrendo uma homogeneização dos alunos surdos e ouvintes:

O problema é que os governos não respeitaram essa ressalva e trataram os surdos como os demais alunos. Então, os alunos surdos (que antes eram excluídos) estão agora sendo destituídos do direito de sua língua, na inclusão em escolas de ouvintes. Mas isto está sendo feito corretamente? Isto é o ideal? Realmente significa a ‘inclusão’ para os surdos? (STROBEL, 2006, p. 245).

A diferenciação apontada pela autora é mencionada na “Declaração de Salamanca”,

quando esse documento sugere que a educação de todos os sujeitos deve acontecer no ensino

regular, por outro lado, afirma, em seu Capítulo II, artigo 21, que:

As políticas educativas devem ter em conta as diferenças individuais e as situações distintas. A importância da linguagem gestual como o meio de comunicação entre os surdos, por exemplo, deverá ser reconhecida, e garantir-se-á que os surdos tenham acesso à educação na linguagem gestual do seu país. Devido às necessidades particulares dos surdos e dos surdos/cegos, é possível que a sua educação possa ser ministrada de forma mais adequada em escolas especiais ou em unidades ou classes especiais nas escolas regulares (UNESCO, 1994, p. 18).

Quadros (2003, p. 86, grifo da autora) salienta que a “Declaração de Salamanca”

“considerou uma das coisas mais peculiares da educação de surdos: a questão da língua”.

Todavia, a necessidade de garantir o acesso à educação na língua de sinais seria mencionada

apenas em caráter de recomendação, e não no intuito de “inserção e viabilização de um ensino

tendo como espinha dorsal a língua de sinais”.

Em âmbito nacional, cito a “Constituição Federal” de 1988, da qual gostaria de

ressaltar os artigos 206 e 208.

No art. 206, que trata dos princípios que serão tomados como base para que o ensino

seja ministrado, inciso I, consta “igualdade de condições para o acesso e permanência na

escola”. O art. 208, que trata do “Dever do Estado com a Educação”, em seu inciso III,

defende “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,

preferencialmente na rede regular de ensino”.

No art. 227, que trata do “Dever da Família, da Sociedade e do Estado”, a Constituição

volta a citar os “portadores de deficiência”, em seu inciso II, afirmando a importância da:

42

II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos (BRASIL, 1988, s/p).

Cito, também, a “Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional” (LDB), de 1996.

Em seu art. 4º, inciso III, esse documento, assim como a Constituição acima citada, ampara o

atendimento aos “portadores de deficiência preferencialmente na rede regular de ensino”.

Essa afirmação é reforçada, em seu art. 58, Capítulo V, destinado à “Educação Especial”.

Desse artigo, destaco os seguintes parágrafos:

§ 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular. § 3º A oferta de educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil (BRASIL, 1996, s/p).

Em seu art. 59, inciso I, no mesmo Capítulo, que trata da “Educação Especial”, a LDB,

de 1996, assevera que as instituições de ensino assegurarão: “currículos, métodos, técnicas,

recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades” e, no

mesmo artigo, inciso III: “professores com especialização adequada em nível médio ou

superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular

capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns”.

Nenhum dos dois documentos citados ressalta, em seus textos, as especificidades dos

sujeitos surdos, ao contrário, os “portadores de deficiência” (surdos, cegos, pessoas que se

locomovem com cadeiras de rodas, pessoas com síndrome de Down e outros sujeitos) são,

aparentemente, concebidos em um só grupo, deixando de ressaltar que estes sujeitos

enfrentam barreiras e dificuldades específicas e diferentes na sociedade. Barreiras estas como

a falta de material adaptado em Braille e outros tipos de materiais, uma arquitetura que

dificulta a locomoção de uma pessoa com cadeira de rodas, o desconhecimento da língua

sinalizada dos surdos e da sua cultura, por exemplo.

Outro documento que ressalto é intitulado “A Política Nacional de Educação Especial”

(BRASIL, MEC/SEESP, 1994, p. 7, grifo meu), o qual expõe que seus fins se justificam e se

baseiam na “interpretação dos interesses, necessidades e aspirações de pessoas portadoras de

deficiências, condutas típicas (problemas de conduta) e de altas habilidades (superdotadas)

[...]”. A “interpretação” é algo de fato subjetivo e, nesse contexto, pode não levar em

consideração as ânsias dos sujeitos envolvidos no processo educacional.

43

O documento da “Política Nacional de Educação Especial” (1994, p. 13) classifica os

“portadores de necessidades especiais” em: “portadores de deficiência (mental, visual,

auditiva, física, múltipla), portadores de condutas típicas (problemas de conduta) e portadores

de altas habilidades (superdotados)”. A deficiência auditiva é compreendida como “perda

total ou parcial, congênita ou adquirida, da capacidade de compreender a fala através do

ouvido”. Em relação às necessidades desses alunos, o documento afirma que “Os alunos

portadores de deficiência auditiva necessitam de métodos, recursos didáticos e equipamentos

especiais para correção e desenvolvimento da fala e da linguagem” (BRASIL, MEC/SEESP,

1994, p. 14).

Entende-se como importante que sejam destinados aos sujeitos surdos uma didática

específica, uma prática pedagógica que considere a sua modalidade linguística e suas

experiências visuais. No entanto, o documento afirma a necessidade da “correção e o

desenvolvimento da fala e da linguagem”, dando margem para que se questione de que fala e

de que linguagem se está falando, já que o documento não faz menção à língua de sinais, nem

à cultura surda. Porém, outro aspecto chama a atenção e sugere um outro questionamento: o

termo “correção” estaria baseado em que concepções educacionais?

Considero relevante ressaltar que esse documento afirma que a normalização é a base

filosófico-ideológica da integração (BRASIL, MEC/SEESP, 1994, p. 22):

Não se trata de normalizar as pessoas, mas sim o contexto em que se desenvolvem, ou seja, oferecer, aos portadores de necessidades especiais, modos e condições de vida diária o mais semelhantes possível às formas e condições de vida do resto da sociedade.

Questiono-me sobre quais aspectos e condições de vida discute-se como devendo ser

semelhantes, concordo que deva haver oportunidades de estudo, de emprego, de exercer a

cidadania de forma plena, sem exclusões ou preconceitos. Contudo, falar em normalização

não remeteria à homogeneização de alguma forma? A esse respeito, Skliar (2003, p. 132)

defende que:

A conquista da cidadania de trabalhadores, mulheres, negros, imigrantes, homossexuais etc. significou um passo decisivo no terreno dos direitos humanos. Entretanto, o princípio do reconhecimento estava sustentado na (homo-) homogeneidade, na igualdade, e não na diferença. Em vez de se pensar em uma diferença de oportunidades, foi deixado intacto o monumento da mesmidade, a busca frenética do ser igual ao mesmo.

44

Tratando-se mais especificamente de inclusão e Educação Infantil, cito o Ministério de

Educação (MEC), que, por intermédio da Secretaria da Educação Especial (SEESP), elaborou,

em 2004, uma Coleção, intitulada “Educação Infantil: saberes e práticas da inclusão”,

composta por nove fascículos. Cada fascículo aborda um tema específico sobre o atendimento

educacional de crianças com “necessidades educacionais especiais”, na faixa etária de zero a

seis anos de idade. O “objetivo deste documento é qualificar a prática pedagógica com essas

crianças, em creches e pré-escolas, por meio de atualização de conceitos, princípios e

estratégias” (BRASIL, MEC/SEESP, 2004, p. 4). A Coleção apresenta-se da seguinte forma:

1 - Introdução; 2 - Dificuldades Acentuadas de Aprendizagem ou Limitações no Processo de

Desenvolvimento; 3 - Dificuldades Acentuadas de Aprendizagem - Autismo; 4 - Dificuldades

Acentuadas de Aprendizagem - Deficiência Múltipla; 5 - Dificuldades de Comunicação e

Sinalização - Deficiência Física; 6 - Dificuldades de Comunicação e Sinalização -

Surdocegueira/Múltipla Deficiência Sensorial; 7 - Dificuldades de Comunicação e Sinalização

- Surdez; e 8 - Dificuldades de Comunicação e Sinalização - Deficiência Visual; Altas

Habilidades/Superdotação (BRASIL, MEC/SEESP, 2004, p. 4-5).

O fascículo “Dificuldades de Comunicação e Sinalização: Surdez” traz contribuições

bastante relevantes para essa discussão. Baseando-se na “Declaração de Salamanca” (1994), o

respectivo documento afirma que a integração de crianças e jovens com “necessidades

educativas especiais” é obtida de maneira mais eficaz em escolas integradoras “para todas as

crianças de uma comunidade”. Todavia, logo abaixo, é exposta também a relevância da língua

de sinais para os sujeitos surdos, fato este colocado como algo que deve ser levado em

consideração pelas políticas educativas e que antecede à seguinte afirmação: “Face às

necessidades específicas de surdos e de surdos-cegos, seria mais conveniente que a educação

lhes fosse ministrada em escolas especiais ou em classes ou unidades especiais nas escolas

comuns” (BRASIL, MEC/SEESP, 2004, p. 11).

A inclusão, de acordo com esse documento, é uma responsabilidade governamental, e

requer o envolvimento dos “secretários de educação, diretores de escola, professores”, assim

como a reestruturação das instituições escolares a fim de torná-las competentes para oferecer

educação de qualidade a todos os seus educandos (BRASIL, MEC/SEESP, 2004, p. 12). O

objetivo da inclusão seria a socialização da criança surda, nesse caso específico, implicando o

reconhecimento e a aceitação dessa por todos no ambiente escolar e levando em consideração

sua maneira diferente de se comunicar (BRASIL, MEC/SEESP, 2004).

Ainda nesse documento, encontra-se uma consideração muito importante em relação à

língua materna e a função da instituição educacional (BRASIL, MEC/SEESP, 2004, p. 20):

45

A princípio, a língua materna é uma língua adquirida naturalmente pelos indivíduos em seu contexto familiar. Imersa no ambiente lingüístico, qualquer criança ouvinte chega à escola falando sua língua materna, cabendo à escola apenas a sistematização do conhecimento. Como a maioria das crianças surdas não tem imersão lingüística idêntica à dos ouvintes em suas famílias, a escola passa a assumir a função também de oferecer-lhes condições para a aquisição da língua de sinais e para o aprendizado da língua portuguesa.

Como aconteceriam, então, as práticas relativas à aquisição da língua materna da

criança surda, considerando que ela estaria inserida no sistema educacional regular? De

acordo com o documento, a educação de surdos deve assumir caráter bilíngue39, envolvendo o

ensino da língua de sinais e da língua portuguesa concomitantemente, porém, em momentos

distintos. Isso significa que não haverá a aquisição da língua de sinais primeiramente para

depois ocorrer a aprendizagem da língua oral, como ocorre com outras pessoas em relação a

uma língua estrangeira. Nesse sentido, Quadros (1997, p. 84) ressalta que a aquisição da

língua de sinais precisa ser assegurada para que seja realizado um trabalho sistemático com a

segunda língua da criança, “considerando a realidade do ensino formal”.

O documento sugere ainda que crianças com surdez leve e moderada tenham o

português como língua instrucional e aprendam a LIBRAS na sala de recurso da instituição.

No caso das crianças com surdez severa ou profunda, “sugere-se que a língua instrucional

para o desenvolvimento curricular deva ser a língua de sinais, garantindo o desenvolvimento

da língua portuguesa oral em outro momento específico, de preferência com outro professor”

(BRASIL, MEC/SEESP, 2004, p. 23).

Quanto à formação profissional para atuar na área da Educação Infantil, o referido

fascículo afirma que essa deverá ocorrer preferencialmente em nível superior. O professor

deve realizar concomitantemente com a graduação, ou depois desta, “cursos de metodologia

do ensino de línguas (ensino de língua portuguesa nas modalidades oral e escrita); [...] curso

para o aprendizado da língua de sinais em contexto; e [...] cursos de interpretação da língua de

sinais e língua portuguesa”. Caso ainda não existam essas formações em nível superior, os

professores “devem participar de cursos de qualificação profissional sobre tais temas

ofertados pelas Secretarias de Educação e pelas instituições de ensino superior, em parceria

com instituições não-governamentais representativas das comunidades surdas” (BRASIL,

MEC/SEESP, 2004, p. 50).

39 De acordo com Goldfeld (1997, p. 42): “O Bilingüismo tem como pressuposto básico que o surdo deve ser bilíngüe, ou seja, deve adquirir como língua materna a língua de sinais, que é considerada a língua natural dos surdos e, como segunda língua, a língua oficial de seu país”.

46

Em relação à Educação Infantil, de forma geral, foram encontradas algumas

recomendações legais a respeito da educação de crianças “com necessidades educacionais

especiais”.

No texto da “Política Nacional de Educação Infantil” (BRASIL, MEC/SEB, 2006, p.

17), encontra-se a seguinte diretriz: “A educação de crianças com necessidades educacionais

especiais deve ser realizada em conjunto com as demais crianças, assegurando-lhes o

atendimento educacional especializado mediante avaliação e interação com a família e a

comunidade”.

Ao considerar-se o fato de que as instituições de Educação Infantil devem, de acordo

com a legislação atual, atender a crianças de zero a seis anos, no período mínimo de quatro

horas, ampliando progressivamente para período integral, fica evidente a sua responsabilidade

em relação às crianças surdas que, porventura, estejam inseridas nesses contextos, desde o

início de suas vidas. A finalidade da Educação Infantil explicitada, na LDB, de 1996, art. 29,

é o “desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico,

psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”.

Ao refletirmos sobre a finalidade da Educação Infantil em relação às meninas e

meninos surdos, percebe-se que, para cumprir tais orientações, torna-se fundamental,

especialmente no caso de crianças filhas de pais ouvintes, a aprendizagem de uma linguagem,

que possibilite um desenvolvimento pleno dos diversos aspectos citados no parágrafo anterior.

As especificidades do atendimento prestado às crianças surdas necessitam de muita

pesquisa e especialização, pois a preocupação com a construção de uma educação que inclua

efetivamente os elementos da cultura surda e possibilite a aquisição e o desenvolvimento da

linguagem dessas crianças exige uma sólida formação específica por parte das profissionais

da instituição de Educação Infantil, cujo papel é também o de dar apoio e esclarecimentos à

família, em relação às peculiaridades da educação de seus filhos e filhas.

Por esse motivo, é imprescindível que os profissionais que trabalham nessa área

tenham garantida uma formação específica, que possibilite um aprofundamento sobre as

questões relacionadas à surdez e à língua de sinais, a fim de evitar os efeitos de um processo

educacional inadequado para crianças surdas, que pode ter consequências extremamente

negativas para esses meninos e meninas.

A “Política Nacional de Educação Infantil” (BRASIL, MEC/SEB, 2006, p. 20)

também faz recomendações sobre a formação dos profissionais da área da Educação Infantil,

indicando a necessidade de uma formação específica para trabalhar com crianças “com

necessidades educacionais especiais”. Nessa direção, o documento afirma que um dos

47

objetivos a serem conquistados para esse nível da Educação Básica é a garantia, nos

programas de formação continuada para professoras e professores de Educação Infantil, dos

conhecimentos específicos da área da Educação Especial, necessários para que a inclusão

realmente possa acontecer.

Em relação à formação em serviço, este documento também recomenda, como uma

das metas da “Política Nacional de Educação Infantil”,

(...) colocar em execução programa de formação em serviço, em cada município ou por grupos de municípios, preferencialmente em articulação com instituições de ensino superior, para a atualização permanente e o aprofundamento dos conhecimentos dos profissionais que atuam na Educação Infantil, bem como para a formação dos funcionários não-docentes (BRASIL, MEC/SEB, 2006, p. 22).

No âmbito da formação inicial, somente em 2005, com o Decreto-Lei n. 5.626, fez-se

obrigatória a disciplina de língua de sinais no currículo dos cursos de Pedagogia,

Fonoaudiologia e outras licenciaturas, tornando possível que acadêmicos tenham acesso, em

nível de graduação, ao conhecimento sobre a cultura surda em sua formação, pelo menos

assim deveria ser. Ficou instituído, também, por esse mesmo Decreto, que deveriam ser

realizados cursos de formação de professores de LIBRAS, em instituições superiores.

Segundo Souza (s/d, p. 5-6, grifo meu), “Ao fazer essa afirmação o Decreto nos

interpela a pensar em um currículo de Pedagogia que forme professores capacitados para

trabalhar como educadores em situações bilíngües de aprendizagem”. Cabe ressaltar que o

Decreto entrou em vigor muito recentemente, o que nos leva a pensar na situação das crianças

e na atuação dos profissionais antes do amparo desse documento e nos possíveis modos como

está sendo concretizado.

Em relação às disciplinas inseridas nos cursos de Licenciatura e Fonoaudiologia,

surgem algumas questões que são pertinentes: qual seria a dimensão dada a essas disciplinas

nos cursos superiores? Elas serão suficientes para garantir a formação de professores

bilíngues? Que profissionais estariam ministrando essas disciplinas? Não seria necessário um

envolvimento muito maior com a cultura e a comunidade surdas por parte dos futuros

professores e profissionais da educação?

Considero que deva fazer parte da formação dos profissionais da área da educação o

contato com sujeitos surdos, a fim de tornar o conhecimento a respeito da cultura surda algo

que seja vivenciado e, consequentemente, mais significativo. A partir dessa aproximação, é

possível que se inicie um processo de conscientização a respeito da alteridade dos sujeitos

surdos e de seus direitos.

48

É interessante ressaltar, também, que, no Capítulo III do Decreto-Lei n. 5.626, é feita

referência à obrigatoriedade da criação de cursos superiores de Letras/LIBRAS e outros

cursos de formação para docentes. Esse Decreto deixa bem claro, em seu parágrafo único, que

as pessoas surdas terão prioridade nesses cursos de formação, isso demonstra uma aparente

preocupação em garantir, se é que se pode assim dizer, espaço para esses educadores,

considerando-se sua grande importância. Porém, infelizmente, é raro encontrar professores

surdos assumindo postos de trabalho em escolas, principalmente em instituições de Educação

Infantil, questão esta que merece tornar-se objeto de reflexão e pesquisa.

Compreendo que garantir os pontos de vista dos sujeitos surdos, nos documentos

oficiais, seria uma demonstração de que finalmente estaria sendo levado em consideração o

que os surdos têm a dizer, em resposta a toda uma construção histórica. Contudo, da mesma

forma como acontece com os documentos oficiais, além de estarem lá, seria necessário um

rigoroso e constante acompanhamento, para que fosse verificada a efetivação das práticas

esperadas. Práticas estas que seriam, entre outras: a destinação de recursos específicos para

efetivação das políticas inclusivas; a garantia de uma sólida formação dos profissionais

ouvintes e surdos; a melhoria das condições salariais e de trabalho dos profissionais; e a

presença efetiva de professores surdos nas instituições. Melhor dizendo, se todas essas

posturas fossem assumidas, não seria necessário um rigoroso e constante acompanhamento

para se garantir uma educação compatível com as características culturais desses sujeitos.

3.3 A Cultura Surda e as Culturas Infantis

Considerar a cultura surda, na Educação Infantil, é propiciar uma educação que

contemple a diferença linguística do surdo; a necessidade de haver uma educação que

proporcione às crianças experiências diversas; interações e aprendizagens na língua de sinais;

o contato com histórias contadas em LIBRAS que tenham personagens também surdos e que

contextualizem as experiências desses sujeitos; os meios pedagógicos visuais, entre outros

aspectos.

Os movimentos surdos em busca de escolas bilingues, do reconhecimento da língua de

sinais e do seu espaço social também fazem parte da cultura surda, assim como os traços da

história educacional e clínica desses sujeitos na sociedade da maioria ouvinte. Esses aspectos,

no entanto, não serão abordados neste estudo, pois demandam um trabalho mais aprofundado.

49

Pode-se definir cultura surda como sendo um conjunto de características que se baseia

no silêncio, nas vibrações, nos movimentos corporais e expressões, nas formas. Para Strobel

(2008, p. 24), cultura surda significaria a forma de:

o sujeito surdo entender o mundo e modificá-lo [...] ajustando-o com as suas percepções visuais, que contribuem para a definição das identidades surdas e das “almas” das comunidades surdas. Isto significa que abrange a língua, as idéias, as crenças, os costumes e os hábitos de um povo.

A autora ressalta que, apesar de se falar em uma cultura surda, não se está querendo

dizer com isso que todos os sujeitos surdos sejam iguais. As pessoas compartilham de

características semelhantes, porém mantêm suas diferenças individuais.

Karnopp (2006) demonstra que a luta pelo reconhecimento da cultura surda e suas

peculiaridades também se traduz pela “literatura surda”. Essa mesma autora comenta a

escassez de materiais literários que contextualizam as identidades surdas dentro do ambiente

escolar e, com isso, oportunidades de discutir sobre o que significa ser diferente acabam

sendo perdidas:

[...], utilizamos a expressão “literatura surda” para histórias que têm a língua de sinais, a questão da identidade e da cultura surda presentes na narrativa. Literatura surda é a produção de textos literários em sinais, que entende a surdez como presença de algo e não como falta, possibilitando outras representações de surdos, considerando-os como um grupo lingüístico e cultural diferente (KARNOPP, 2006, p. 102).

Rosa (2006, p. 58) afirma que “Como o surdo utiliza a visão para obter informações, a

união da mídia e da literatura cria condições para que haja um fortalecimento da identidade,

cultura e de conhecimento da surdez”. Mais adiante, em seu artigo, o autor supracitado traz

como exemplos de mídias o CD e o DVD. Compreendo que outros meios encontrados possam

colaborar para a prática visual na contação de histórias, sendo eles os fantoches e os

quadrinhos, por exemplo.

A importância dessas histórias reside, entre outras coisas, no fato de proporcionar o

contato e a compreensão de uma imagem do sujeito surdo, que é ser ativo na sociedade, que

constrói. Seriam histórias desenvolvidas a partir das experiências e contribuições dos surdos

na sociedade. A “literatura surda”, de acordo com Perlin (2008, p. 56) “refere-se às várias

experiências pessoais do povo surdo que muitas vezes, expõem as dificuldades e/ou vitórias

das opressões ouvintes, de como se saem em diversas situações inesperadas, testemunhando

as ações de grandes líderes e militantes surdos [...]”.

50

A utilização desse tipo de histórias, em um grupo de crianças surdas e ouvintes,

também seria uma maneira de falar sobre o tema com as crianças ouvintes de forma lúdica e

interessante, já que muitas delas têm duvidas sobre o assunto.

Os livros que trazem histórias com personagens e contextos surdos geralmente são

estruturados com ilustrações, com a história decodificada em português e em escrita da língua

de sinais. A escrita de sinais encontra-se em fase de pesquisas, no Brasil, como em outras

partes do mundo, são códigos que representam a língua de sinais. De acordo com Karnopp

(apud STUMPF, 2005, p. 146), “A escrita da língua de sinais é a representação do sistema

primário de comunicação da Língua Brasileira de Sinais – Libras [...]”. A autora ainda ressalta

que o estudo dessa forma de escrita e sua utilização, nas práticas de ensino, fortaleceria o uso

da LIBRAS e também colaboraria para a aprendizagem do português escrito. Pode-se dizer

que essa é uma outra característica da cultura surda.

A utilização de recursos visuais é de suma importância, no cotidiano das pessoas

surdas, pelo simples fato de transmitirem informações sem se utilizar de sons. A utilização de

ilustrações é válida no ensino da língua de sinais e de outros conceitos. Como expõe Silveira

(2008, p. 26), as “imagens facilitam o aprendizado do significado dos sinais, sem precisar

fazer a tradução para a Língua Portuguesa já que expressam todo um contexto de

significados”.

O fascículo “Dificuldades de Comunicação e Sinalização: Surdez” (BRASIL,

MEC/SEESP, 2004, p. 29) também considera a relevância dos recursos visuais nas práticas

educacionais: “Na educação infantil, em todos os momentos, o professor deve recorrer ao

estímulo visual, desde a pintura, o alarme de luz, a campainha luminosa, o painel legendado, o

computador com tela de apresentação, onde poderá aparecer a língua de sinais, [...]”.

Contudo, algumas dessas estruturas citadas dependem da instituição para serem

implementadas e não apenas da decisão do professor.

Outro aspecto da cultura surda que já foi abordado neste estudo trata da importância

da língua de sinais para os sujeitos surdos pelo fato de ser visual. De acordo com a “Política

de Educação de Surdos no Estado de Santa Catarina” (SANTA CATARINA, FCEE, 2004, p.

21), “A língua, uma das formas mais expressivas das culturas surdas, apresenta um papel

fundamental nestas lutas. As pessoas desconhecem sua riqueza gramatical, além de seu papel

enquanto elemento fundamental para consolidação das identidades e culturas surdas”.

Visto isso e reafirmando a perspectiva encontrada no documento “Dificuldades de

Comunicação e Sinalização: Surdez” (BRASIL, MEC/SEESP, 2004), a “Política de Educação

de Surdos no Estado de Santa Catarina” (SANTA CATARINA, 2004, p. 28) enfatiza a

51

necessidade de as instituições estarem preparadas para a inserção das crianças surdas, de

maneira que a ela esteja aliado o desenvolvimento da língua de sinais:

Diante do fato das crianças surdas virem para a escola sem uma língua adquirida, a escola precisa estar atenta a programas que garantam o acesso à língua de sinais brasileira mediante a interação social e cultural com pessoas surdas. O processo educacional ocorre mediante interação lingüística e deve ocorrer, portanto, na língua de sinais brasileira. Se a criança chega na escola sem linguagem, é fundamental que o trabalho seja direcionado para a retomada do processo de aquisição da linguagem através de uma língua visual-espacial. Digo que a aquisição da linguagem é essencial, pois através dela, mediante as relações sociais, se constituirão os modos de ser e de agir, ou seja, a constituição do sujeito.

A fim de ter uma noção do entendimento das profissionais de sala das instituições

pesquisadas em relação à cultura surda, envolvendo os termos comunidade surda40, foi feito o

seguinte questionamento às profissionais: Você já ouviu falar em comunidade ou cultura

surda? O que, por exemplo? Após breve silêncio, uma das profissionais da instituição A,

entrevistadas no segundo semestre de 2008, responde:

Auxiliar de sala Cláudia41 – A resposta é a partir de agora ou de antes? (risos) Aline – Na outra entrevista vocês tinham dito que “não”. Auxiliar de sala Cláudia – Eu disse que não, eu disse que não, nem... Aline – Comunidade? Auxiliar de sala Cláudia – Comunidade mesmo... Aline – Cultura surda? Auxiliar de sala Cláudia – Não. Agora a gente sabe porque está vindo aí a universidade fazendo curso, mas até então era... Comunidade mesmo assim não...

Ao serem questionadas a respeito do que é ser surdo, a auxiliar de sala Cláudia responde:

Auxiliar de sala Cláudia – É porque assim, oh, da primeira vez que eu falei, eu achei que ser surdo é uma coisa bem complicada, bem difícil. Depois que a gente conversa a gente vai tendo outra visão, mas a primeira vez eu achei que era… bem complicado... pelo fato da gente ser ouvinte eu acho que é bem difícil ser surdo. Eu colocaria isso como coloquei da primeira vez, [...] que é bem difícil... Imagina! Mas depois, a gente percebeu, conversando que a partir do momento que eles têm toda essa linguagem, isso pra eles já vai fazer diferença.

40 A definição de comunidade surda está na introdução deste trabalho. 41 Todos os nomes das profissionais são fictícios.

52

Importantíssimo atentar para a referência que a profissional faz à “linguagem”

utilizada pelos surdos, ela tem consciência de que, para que a comunicação aconteça, é

necessário que seja utilizado o canal visual, portanto a língua de sinais seria de suma

importância e contribuiria para fazer toda a diferença na comunicação. Essa resposta tem

aspectos em comum com a resposta obtida das professoras da instituição B, por intermédio do

questionário: Para elas, surdo: “É uma pessoa que tem deficiência auditiva e que se comunica

de forma diferenciada (LIBRAS)” (Professoras Fernanda, Márcia e Fabiana - GT5).

Esse reconhecimento da língua de sinais já é um ponto positivo, em se tratando de

professoras ouvintes, com pouco contato com a cultura surda. As professoras Fernanda,

Márcia e Fabiana têm contato com o grupo de trabalho do CAS42, “contato profissional”,

como explicitado por elas ao serem questionadas se têm contato com adultos surdos. Quando

essas mesmas professoras foram questionadas se conheciam a comunidade e a cultura surdas,

elas responderam que: “Sim, como um grupo restrito com suas próprias regras, culturas,

ideais. Sendo que se uma pessoa surda queira fazer um implante coclear automaticamente

perderá sua identidade surda”.

Aqui, as professoras fazem uma referência ao implante coclear, descrito da seguinte

forma no site “Implante Coclear43” : “O implante coclear é um dispositivo eletrônico de alta

tecnologia, também conhecido como ouvido biônico, que estimula eletricamente as fibras

nervosas remanescentes, permitindo a transmissão do sinal elétrico para o nervo auditivo, a

fim de ser decodificado pelo córtex cerebral”. Essa técnica cirúrgica, no entanto, não é

garantia da conquista da audição.

Porém, quando as professoras afirmam que, ao fazer o implante, a pessoa surda perde

sua identidade, imaginando que pode haver ganhos na audição, isso poderia ser um indício de

que fazem ideia das diferenças entre surdos e ouvintes, diferenças culturais e linguísticas. No

entanto, essa questão do implante coclear é bastante delicada, para surdos com poucos

resíduos auditivos, o implante coclear não proporcionaria mudanças significativas em suas

vidas.

As outras professoras da instituição B afirmaram nunca ter tido contato com surdos

adultos, não ter noção da definição de comunidade, ou cultura surda, e ofereceram uma

resposta bastante comum entre os ouvintes quanto à imagem construída sobre o ser surdo:

“Uma deficiência no aparelho auditivo” (Professoras Marta, Carla e Tânia - GT2).

42 Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez. 43 Disponível em: http://www.implantecoclear.com.br/

53

Essa maneira de ver o ser surdo, também colocada pelo outro grupo de professoras, é

contrária ao modo como os surdos se descrevem, muitas características são ressaltadas, mas

“deficiência no aparelho auditivo” não é uma delas, ou seja, o surdo não se afirma a partir

daquilo que ele não tem. A fala, feita logo acima, de forma bastante objetiva, lembra muito a

visão clínica ou “medicalizada” a respeito do surdo. Quanto a isso, Campello (2008, p. 13)

aponta ser necessário ressaltar:

[...] que vigem, ainda, propostas pedagógicas que, além de descuidar das questões da visualidade e seu significado na educação de sujeitos Surdos-Mudos, pautam-se em paradigmas que relacionam a Surdez com o conceito da “deficiência”, vendo o sujeito Surdo- Mudo como ser incapaz e medicável44.

Skliar (2005, p. 18) traça um paralelo acerca de uma das formas de se compreender o

surdo e os reflexos disso no processo educacional:

O fracasso na educação dos surdos foram as representações ouvintistas acerca do que é o sujeito surdo, quais são os seus direitos lingüísticos e de cidadania, quais são as teorias de aprendizagem que refletem as condições cognitivas dos surdos, quais as epistemologias do professor ouvinte na sua aproximação com os alunos surdos, quais são os mecanismos de participação das comunidades surdas no processo educativo, etc.

No sentido de levar-se em conta a cultura e o olhar surdo, ao discutirmos sobre

Educação Infantil, também não podemos deixar de evidenciar o entendimento de que as

crianças também produzem culturas. Mas o que significa afirmar que existem culturas

infantis?

Defende-se a ideia de uma produção cultural das crianças por se considerar que elas

possuem características peculiares, formas distintas das que os adultos têm de ver e construir

o mundo. Talvez, a compreensão sobre o conceito de culturas infantis fique mais clara a partir

do conceito de cultura apresentado por Cliffort Geertz (1989), Fayga Ostrower (1988) e

Fernandes (1998) (apud OLIVEIRA 2004, p. 191), quando a autora afirma que as culturas são

“[...] ato de criação, uma teia de significados estabelecida entre os homens e tecida por fios

intermináveis que expressam uma forma de ver, sentir e relacionar-se com a vida natural,

social, objetiva e subjetiva, tornando ‘as coisas do mundo’ inteligíveis: abarca hábitos,

crenças, língua, o imaginário...”.

44 Essa terminologia é utilizada por Campello por ela defender que “Surdo-Mudo não é portador da ‘mudez’ por problema patológico e também por não falar, não ter ‘voz’ e sim por usar a língua de sinais que é a modalidade viso-gestual e não usa a ‘fala’ ou a ‘oralização’ para articular e sinalizar ao mesmo tempo” (CAMPELLO, 2008, p. 10).

54

Coutinho (2002) também defende a existência de uma cultura própria das crianças e

complementa que fazem parte dessa cultura as diversas linguagens que os pequenos utilizam

para se comunicar com o mundo, contrariando a percepção que se tinha e ainda se tem, muitas

vezes, em relação às crianças, vistas como “[...] incompletas, sem fala, um vir a ser, seres

assexuados, inocentes [...]” (OLIVEIRA, 2004, p. 189). De acordo com Coutinho (2002, p.

124), as “[...] manifestações infantis são provenientes de uma cultura própria das crianças.

Suas expressões, nas variadas linguagens, decorrem da relação com a cultura que as cerca, ou

seja, com os bens culturais que a sociedade disponibiliza para elas”.

A autora ainda cita Geertz e sua concepção de cultura como sistemas de simbolização

em que a crianças ressignificam todas as coisas com as quais têm contato no mundo. De

acordo com Sarmento, também lembrado por Coutinho, as “culturas infantis são criações que

se dão a partir de ressignificações de culturas criadas e manifestadas na sociedade [...]”

(COUTINHO, 2002, p. 109).

Oliveira (2004, p. 198) traz as crianças como “Outros”, que significam e ressignificam

as coisas a sua maneira. A autora afirma que as crianças são “seres que se expressam

criativamente e criticamente, que reproduzem e criam cultura, que interpretam as coisas do

mundo de maneira própria sem que isto as deixe em posição inferior ao adulto; que se

movimentam com maestria entre a realidade e a fantasia [...]”.

Coutinho explicita que as manifestações das culturas infantis não se apresentam de

forma homogênea, devido à pluralidade de contextos vividos pelas crianças, por isso devem

ser denominadas culturas infantis, no plural. Coutinho entende como características das

culturas infantis o lúdico, a diversidade cultural e as múltiplas linguagens. De acordo com

essa autora, “[...] as crianças aprendem, planejam, constroem, recriam, inventam e vivem

através do lúdico” (COUTINHO, 2002, p. 113).

O debate sobre as culturas infantis tem provocado a defesa da construção de uma

pedagogia comprometida com a concretização dos direitos das crianças. O texto da “Política

Nacional de Educação Infantil” (2006, p. 8) destaca as concepções de criança e de prática

pedagógica presentes nos debates e pesquisas atuais:

[...] atualmente emerge uma nova concepção de criança como criadora, capaz de estabelecer múltiplas relações, sujeito de direitos, um ser sócio-histórico, produtor de cultura e nela inserido. [...] o trabalho pedagógico visa atender às necessidades determinadas pelas especificidades da faixa etária, superando a visão adultocêntrica [...].

55

Abandonar uma perspectiva adultocêntrica exige que se assuma certos princípios,

como os apontados pelas autoras Guimarães e Leite (2005, p. 1, grifo das autoras), sendo

estes:

princípios constituidores da pedagogia dos pequenos: a valorização da cultura da infância, das interações sociais diversificadas e dos registros; a preocupação com as relações entre instituição educativa/família/comunidade e com a continuidade creche/escola da infância; assim como reflexões acerca da acolhida, da organização dos grupos, do espaço, do desenvolvimento da identidade e o destaque dado ao jogo e à imaginação.

Gallardini (1996 apud GUIMARÃES; LEITE, 2005, p. 4) complementa afirmando

que a criança é “sujeito ativo, empenhada num processo de contínua interação com seus pares,

com adultos, com o ambiente e a cultura, estando disponível para uma interação construtiva

com o diferente de si e com o novo”.

Junqueira Filho afirma que as linguagens infantis se manifestam quando as crianças

estão:

[...] desenhando, pintando, modelando, recortando e colando, falando, rindo, chorando, cantando, dançando, jogando, brincando; ouvindo, lendo e contando histórias (de livros, de vídeos, de viva-voz); cozinhando, comendo, organizando seus pertences e os da escola; lidando com horticultura e jardinagem, com computador, com sua higiene pessoal, com suas necessidades e desejos [...] (JUNQUEIRA FILHO, 1999, p. 37).

Considerando que essas são as formas de se comunicar das crianças com seus pares e

com o mundo, é necessário enfatizar a necessidade de compreensão dessas linguagens, pois,

em função de fazerem parte do mundo infantil, geralmente são toleradas, no entanto, merecem

ser legitimadas e valorizadas.

É importante considerar que nessa discussão a linguagem é vista por uma outra ótica,

salientada por Junqueira Filho: “[...] linguagem é toda e qualquer produção humana e da

natureza, ou seja, todo e qualquer processo de produção de cognição, comunicação,

significação e cultura , suas propriedades e funcionamentos” (JUNQUEIRA FILHO, 1999, p.

38, grifos meus).

Em Coutinho (2002), a linguagem é entendida como interação: “As crianças,

diferentemente dos adultos, não conseguem ficar lado a lado sem se comunicar, fazem isso até

pelo olhar” (COUTINHO, 2002, p. 128). De fato as crianças possuem uma linguagem muito

rica, espontânea, elas expressam seus sentimentos, seus desejos e suas intenções de múltiplas

formas, por meio de uma expressão séria, de uma risada, de um choro, de olhares, de gestos,

56

que nos parecem simples manifestações, mas, desse modo, as crianças vão interagindo,

comunicando-se e se relacionando todo o tempo.

Por esses motivos, é importante que os professores dos pequenos sejam capazes de

saber reconhecer essas manifestações como modos de expressão das crianças, tornando-se

conscientes de que devem deixar para trás práticas adultocêntricas e impositivas, e abrir

espaços para compreender seus modos de agir e pensar, de se comunicar, considerando as

“[...] as crianças enquanto sujeitos conscientes dos seus sentimentos, idéias, desejos e

expectativas, sendo capazes de expressá-los ‘desde que haja quem os queira escutar e ter em

conta’” (PINTO, 1997, p. 65 apud OLIVEIRA, 2004, p. 190).

O desrespeito às especificidades das crianças e de seus tempos representa uma

tentativa de as modelar, desconsiderando que elas são sujeitos diversos, provenientes de

diferentes contextos culturais; há uma busca constante por um padrão único de criança.

Ângela Coutinho complementa essa ideia afirmando que as instituições “[...] primam pelo

homogêneo, pelo comportamento padronizado” (COUTINHO, 2004, p. 124). Pode-se dizer

que esses tipos de ações das instituições de Educação Infantil têm como uma de suas origens

o sistema escolar estruturado para crianças maiores, o qual acabou sendo incorporado em

muitas práticas da educação de pequenos: “Ao apreender a estrutura hierarquizada, uniforme e

homogeneizadora da rotina, a rigidez e a fragmentação dos tempos e os espaços pré-fixados

de atuação, foi possível identificar sua estreita aproximação com a lógica da organização

temporal e espacial da escola” (BATISTA, 1998, p. 13).

Entendo por homogeneização a tendência que, na relação entre os diversos atores que

constituem o cenário educacional, nega as especificidades de cada criança (ritmos,

necessidades, desejos etc), a regionalidade, a sua história, o seu tempo, enfim, as

particularidades que definem a criança como sujeito de uma história, que é única,

intransferível e pessoal.

Tentando traçar um paralelo, tendo como base as exposições feitas sobre cultura surda

e culturas infantis, começo afirmando que compreendo que as culturas infantis são

provenientes das culturas que as cercam, são ressignificações das marcas que a sociedade

coloca à disposição das crianças. A partir disso, ponho-me a refletir sobre como as crianças

surdas ressignificam os contextos que vivenciam e a partir de que elementos fazem esse

processo.

Batista et al (2004, p. 3) consideram que as crianças “[...] são sujeitos completos em si

mesmos, que pensam, que se expressam criativamente e criticamente sobre o espaço

institucional onde são educadas e cuidadas. São sujeitos conscientes de sua condição e

57

situação e se expressam de múltiplas formas”. As autoras enfatizam a necessidade de se

considerar esses aspectos, lembrando que, no decorrer da Educação Infantil, a atenção e os

olhares dos adultos geralmente dirigem sua atenção para a linguagem oral das crianças,

secundarizando outros modos de expressão das crianças pequenas.

Reforço que considero importantes todas as concepções de linguagem abordadas, no

entanto, acredito que seja necessário que se tenha construída, de maneira sólida, uma língua,

que as crianças tenham domínio de códigos que servirão de base para o desenvolvimento dos

outros tipos de linguagem mencionados neste estudo. Se o intuito de uma pedagogia voltada

para as crianças, de acordo com Batista et al (2004, p. 5), é o de garantir “vivências intensas”

acredito que, nas práticas educacionais, os professores, além de aprender a língua de sinais

terão que aprender a dar-lhe a mesma atenção e o reconhecimento que dão à língua oral em

crianças ouvintes.

O trecho de registro que será exposto logo abaixo foi vivenciado na semana da Páscoa.

Durante alguns dias do meu período de observações, as profissionais realizaram atividades

temáticas:

Assim como ontem, a auxiliar de sala Ana propôs que fosse feita uma roda. Nela a auxiliar de sala fala sobre os símbolos da Páscoa. Explica que na próxima semana todos receberão a visita do coelho. A primeira indagação feita às crianças é a respeito de quem faz o ovo, se o coelho ou a galinha, introduzindo o tema que seria abordado em uma história que ela leria logo após. Todo esse momento foi mediado de forma oral. Enquanto a auxiliar de sala fala mostrando um cartaz contendo os tais símbolos eu faço o sinal de ovo de Páscoa, de coelho e de Jesus. Sofia repete todas as vezes os sinais que faço. Porém, o que ela entendia dos meus movimentos? (Diário de Campo – 02-4-09).

Meu intuito, naquele momento, não era o de ensinar Sofia, até porque da maneira

como estava sendo realizada a interpretação da atividade, a meu ver, aquela nem seria uma

situação significativa para ela. Interpretei os símbolos apresentados, para a língua de sinais, a

fim de observar qual seria a reação de Sofia, para saber se ela se interessaria pelos sinais.

Confesso, também, que me senti um pouco estranha com a situação, afinal, eu sabia sinais,

havia uma criança surda em minha frente e uma atividade oralmente mediada estava

acontecendo. Diante disso, senti a necessidade de interpretar a fala da auxiliar de sala.

Apresento esse recorte para propor uma reflexão sobre um momento em que, a meu

ver, Sofia não compreendeu o que estava sendo comunicado, devido ao fato de as

profissionais e Sofia não se expressarem num mesmo sistema simbólico. O que será que ela

compreendeu? O que ela construiu a partir daquela explanação? O que ela imagina sobre a

Páscoa?

58

Em uma segunda-feira de observação, dia treze de abril, depois do final de semana da

Páscoa, em roda, as profissionais Ana e Flávia questionaram as crianças sobre como havia

sido seu final de semana e se ganharam muitos ovos do coelho. As crianças contaram histórias

aparentemente reais e outras permeadas de fantasia, como de costume, mas falaram sobre o

coelho. Sofia nada falou, apenas sorria e imitava os gestos das profissionais que tentavam

adivinhar o que teria acontecido em seu final de semana.

Esses momentos permitem que se estabeleça questionamentos a respeito das vivências

construídas nesse contexto. De que maneira a instituição de Educação Infantil está

colaborando para que essa criança surda interaja com seus pares e juntas construam

significados acerca das coisas, produzindo, desse modo, suas culturas infantis? De que

maneira está contribuindo para que ela seja inserida e se sinta inserida na cultura surda? Que

atividades lúdicas são realizadas com as crianças de maneira significativa, que possam

proporcionar à Sofia ampliação e troca de conhecimentos? Para Stumpf (2005, p. 144), o

ambiente educacional é um espaço privilegiado que deve proporcionar aos seus educandos

surdos situações que propiciem interações significativas em língua de sinais e complementa:

“A criança surda para poder construir uma identidade sadia com auto-estima positiva, precisa

poder conviver na escola com seus iguais, interagir com eles em uma língua comum”.

Não estou querendo dizer que Sofia não produz ou ressignifica a cultura própria de seu

contexto social, afinal, ela não está totalmente alheia ao que se passa a sua volta, ela interage

com algumas crianças e também com adultos, ela tem suas construções, ela brinca de casinha,

como evidenciei em Seção anterior, o que significa que ela reproduz certos papéis do

cotidiano. Porém, caso eu tentasse iniciar um diálogo, de alguma maneira, é muito provável

que eu não obtivesse resposta, pois ela indicava não compreender o que era perguntado, como

ocorreu na maioria das vezes em que eu fiz alguma pergunta à Sofia e a resposta não pôde ser

dada de maneira concreta.

As reflexões acerca desses questionamentos ganharão mais contribuições na Seção

seguinte, ao se discutirem alguns aspectos da inclusão.

3.4 Considerações acerca da inclusão: teorias e práticas

Pode-se dizer que não é possível falar em educação para surdos, na rede regular de

ensino, e não discutir a questão da inclusão, tema em voga na educação. Consultando Sassaki

59

(1997, p. 42 apud MACHADO, 2008, p. 38), tem-se o seguinte conceito sobre o que seria

inclusão social:

A inclusão social, portanto é um processo que contribui para a construção de um novo tipo de sociedade através de transformações, pequenas e grandes, nos ambientes físicos (espaços internos e externos, equipamentos, aparelhos e utensílios, mobiliário e meios de transporte) e na mentalidade de todas as pessoas, portanto, do próprio portador de necessidades especiais.

Em alguns documentos, como a “Política Nacional de Educação Especial”, de 1994,

usa-se o termo integração em vez de inclusão. O termo integração seria entendido como um

movimento de adaptação por parte do aluno em relação à escola regular (WERNECK, 1997;

SASSAKI, 1997 apud MACHADO, 2008), já a inclusão seria um processo de “[...]

construção de uma nova sociedade, propondo mudanças na consciência e na estruturação

social” (MACHADO, 2008, p. 37).

A definição de inclusão também pode ser objeto de reflexão a partir da definição de

exclusão exposta por Skliar (2003, p. 91) como sendo: “[...] a negação do exercício do direito

a viver na própria cultura, na própria língua, no próprio corpo, na própria idade, na própria

sexualidade, etc. [...] A exclusão, se é que pode ser então alguma coisa, é um processo

cultural, um discurso de verdade”. E acrescentam-se mais algumas palavras do autor a fim de

que uma reflexão se instaure sobre o discurso e as práticas de inclusão e de exclusão:

O outro excluído já não é só um outro sem corpo e sem rosto. Agora é um outro cuja identidade se quebra, se fragmenta, se deteriora pela exclusão. Um corpo e um rosto dissolvido em mil pedaços? Um corpo que terá de se recompor a partir do mesmo? O mesmo sistema, a mesma mesmidade que produz o excluído agora cuidará dele, agora o albergará? (SKLIAR, 2003, p. 87).

O documento intitulado “Política de Educação de Surdos no Estado de Santa

Catarina”45 procura apresentar as diferenças culturais dos surdos, um breve histórico sobre a

educação e as mudanças necessárias às instituições da rede regular. O documento levanta

algumas questões em relação às instituições inclusivas, tais como: “Como será promovida a

interação social entre os pares surdos? [...] Como a coletividade será garantida? Como os

modelos de adultos surdos estarão presentes no processo educacional enquanto referenciais

para as crianças surdas e para as escolas em que atuarão?” (SANTA CATARINA, FCEE,

2004, p. 33).

45 Houve a participação de um instrutor de LIBRAS surdo no grupo responsável pela elaboração do documento.

60

A partir desses e de outros questionamentos, é exposta a proposta para a educação de

surdos, começando pela estrutura escolar, que seria baseada em turmas com o ensino em

LIBRAS: “São turmas constituídas no ensino regular onde os conceitos/conteúdos das

disciplinas do currículo devem ser ministradas pelo professor bilíngüe, através da Língua

Brasileira de Sinais” (SANTA CATARINA, FCEE, 2004, p. 34-35). Mais especificamente,

em relação à Educação Infantil, a seguinte estrutura é apresentada (SANTA CATARINA,

FCEE, 2004, p. 35):

Educação Infantil - Creche (0 a 3 anos) • Composta com o mínimo de 04 e o máximo de 10 crianças; • Os professores regentes de cada turma serão surdos bilíngües ou professores ouvintes bilíngües com um instrutor ou monitor de LIBRAS. • Deverá ter no quadro administrativo da escola, profissionais surdos ou ouvintes bilíngües. Educação Infantil - Pré-escola (04 a 06 anos) • Composta com o mínimo de 04 e o máximo de 15 crianças; • Os professores regentes de cada turma serão surdos bilíngües ou professores ouvintes bilíngües com um instrutor ou monitor de LIBRAS; • Deverá ter no quadro administrativo da escola, profissionais surdos ou ouvintes bilíngües.

De acordo com a pesquisa realizada, nas duas instituições da Rede Pública de São

José, encontramos a seguinte situação: Na instituição A, com a qual fiz contato, havia, em

2008, duas profissionais para vinte e quatro crianças46, turma na qual se encontrava uma

criança surda. As profissionais eram formadas em Pedagogia com Pós-Graduação em

Educação Infantil e Séries Iniciais, e Pedagogia com habilitação em Educação Infantil e Pós-

Graduação em Gestão Educacional.

No ano de 2009, o mesmo grupo da instituição A recebeu novas profissionais, sendo a

primeira formada em Pedagogia com habilitação em Educação Infantil e Pós-Graduação em

Séries Iniciais, Educação Infantil e Ensino Médio; e a segunda, em Pedagogia.

Todas as profissionais citadas não possuíam qualquer formação que as habilitasse para

trabalhar com crianças surdas. Esses grupos da instituição A não recebiam visitas de

profissionais surdos ou apoio de alguma outra instituição, relativo às práticas educacionais

com o grupo no qual estava inserida uma criança com surdez.

Na segunda instituição, encontrei três turmas, nas quais havia uma criança surda em

cada turma. Cada grupo era coordenado por três professoras. No grupo de um ano e meio a

dois anos, o Grupo de Trabalho denominado GT2, as três professoras eram formadas em

46 Essas informações referentes ao número de crianças foram cedidas pela auxiliar de ensino da instituição em junho deste ano.

61

Pedagogia com Pós-Graduação em Educação Infantil e Séries Iniciais; Pedagogia com Pós-

Graduação em Educação Infantil e Séries Iniciais; e Magistério, cursando a Graduação em

Pedagogia.

No grupo de quatro a cinco anos de idade, Grupo de Trabalho denominado GT5, as

formações das professoras eram em Pedagogia com Especialização em Práticas Inclusivas,

Educação Infantil e Séries Iniciais com ênfase em Educação Especial; Magistério e Pedagogia

com habilitação em Educação Infantil e Séries Iniciais e duas Pós-Graduações – uma, na área

da Interdisciplinaridade, e outra em Práticas Inclusivas; Magistério e Pedagogia com

habilitação em Séries Iniciais e Educação Infantil e uma Pós-Graduação na área da

Interdisciplinaridade.

No grupo de crianças com seis anos de idade, Grupo de Trabalho denominado GT6, as

professoras eram formadas em Pedagogia com habilitação em Educação Infantil e Pós-

Graduação em Educação Especial; Magistério em Educação Infantil e Séries Iniciais,

cursando a Graduação em Pedagogia; Pedagogia com habilitação em Educação Infantil e

Séries Iniciais com Especialização em Educação Especial.

Contudo, apenas o grupo de crianças de quatro a cinco anos, o GT5, recebia visitas de

instrutoras surdas da Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE), uma vez por

semana, que realizavam atividades com a intenção de ensinar LIBRAS não só à criança surda

mas a todas as crianças do grupo.

No quadro de profissionais das instituições regulares de Educação Infantil A e B, seja

na função administrativa, seja na pedagógica, não foram encontrados profissionais surdos ou

ouvintes bilíngues efetivos nem mesmo trabalhando em caráter temporário.

Assim sendo, o acompanhamento e a participação dessas crianças em uma instituição

com as características da Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE), que

proporciona o contato da criança surda com professores surdos e o ensino da língua de sinais,

tem uma importância inquestionável. Para saber um pouco mais sobre o atendimento que

Sofia tem na FCEE, perguntei para a sua professora, na instituição A, a professora Flávia,

qual a opinião dela sobre esse atendimento. A resposta foi a seguinte:

Professora Flávia – [...], eu não sei te falar, eu não posso te dizer, o que eu acho porque a gente não tem nenhum conhecimento do trabalho que é feito lá, não foi passado nada para a gente. Então eu não sei se é uma coisa positiva ou negativa, creio eu que deve ser (fala ininteligível), porque geralmente os profissionais que estão lá são qualificados. Então, quanto a isso eu não sei se vai acrescentar ou não. A gente teria que ter o conhecimento do que é trabalhado lá com ela.

62

Embora não tenha conhecimento das razões pelas quais não ocorreu, pelo menos até o

momento em que permaneci na instituição, um contato, ou acompanhamento, dos

profissionais surdos da FCEE com o grupo no qual está inserida Sofia, fico a perguntar-me se

não deveria existir, pelo menos, uma troca de informações referentes ao trabalho que está

sendo realizado na Fundação. Uma conversa entre os profissionais, ou um relatório, poderia

contribuir para que as práticas, nos dois espaços, pudessem se complementar, de forma a

proporcionar à criança um aprendizado mais contextualizado e significativo.

No entanto, confirma-se, na fala da auxiliar de sala Ana, ao responder à mesma

questão feita à professora Flávia, que realmente não há uma troca entre as instituições. A

auxiliar de sala Ana também expôs a sua impressão a respeito do acompanhamento de Sofia,

na FCEE:

O que a família nos passou no início do ano, é que eles viriam aqui, a família viria, pegariam ela num dia da semana e a levariam até a Fundação. Só que a gente está percebendo que não está tendo esse acompanhamento. [...] Ela [a mãe] diz que chega lá, ela tem todo o acompanhamento com a fonoaudióloga, é feito o trabalho, só que a gente percebe que tá muito fraca essa parceria não está tendo um acompanhamento certo.

Realmente, essa impressão da auxiliar de sala Ana em relação ao acompanhamento

procede; em entrevista com a instrutora Simone, da FCEE, ela expôs que Sofia falta muito,

acarretando o esquecimento dos sinais trabalhados com ela. Segundo a instrutora Simone,

cada atendimento de LIBRAS tem a duração de aproximadamente quarenta e cinco minutos.

A fim de conhecer as concepções e os pontos de vista das profissionais que trabalham

com grupos de crianças em que estão inseridas crianças surdas, outra das questões feitas às

profissionais dizia respeito ao denominado processo de inclusão implementado pela Secretaria

de Educação do Estado de Santa Catarina e pela Secretaria de Educação do Município de São

José.

Os trechos a seguir foram obtidos em entrevista realizada com as duas profissionais da

instituição A, no segundo semestre de 2008. A pergunta feita foi a seguinte: O que a(s)

professora(s) acha(m) da inclusão de crianças surdas em instituições da rede regular de

ensino?

Auxiliar de sala Cláudia47 - É interessante, mas teria que ter suporte, [...] A escola teria que ter suporte. ... Os professores teriam que ter suporte...

47 Todos os nomes citados são fictícios.

63

Professora Lúcia – Aí ela [a criança] se sente excluída [...] é uma exclusão no espaço da inclusão, eu sempre falo isso porque quando não dá condições... a criança no final se sente... Auxiliar de sala Cláudia – Não tem [...] porque a partir do momento que as crianças ouvintes... estivessem lá fora e percebessem uma outra criança que tivesse se comunicando que seria surda com uma outra pessoa, automaticamente eles iriam estar identificando algum movimento e saberiam o que estariam falando. Mas não existe, então... é uma perda muito grande!

Machado (2008, p. 120) evidencia falas de surdos que já passaram pelo sistema

educacional de inclusão nas escolas regulares e conclui que “o fato de estudarem com os

ouvintes na escola regular não garantiu a eles a ocorrência de interações significativas, porque

não houve comunicação e consequentemente apenas comprometimento para a aprendizagem

do aluno surdo”.

As falas das profissionais entrevistadas expõem que as práticas utilizadas em um

grupo em que se encontra uma criança surda com crianças ouvintes enfrentam muitas

dificuldades, ou seja, a inclusão deveria possibilitar uma interação rica entre as crianças, o

“desenvolvimento de todas”, a promoção da comunicação e de experiências diversas. Vale

lembrar que esse grupo da instituição A não é acompanhado por nenhum profissional surdo

ou bilíngue. Como se pode observar, as profissionais indicam que não são esses os resultados

alcançados, as crianças e as professoras, apesar de conviverem no mesmo ambiente, não se

comunicam em uma língua comum com a menina surda. E as profissionais continuam

contribuindo com a questão, afirmando que, se a língua de sinais estivesse presente:

Professora Lúcia – Seriam duas formas de comunicação sem estar excluindo, na verdade. Auxiliar de sala Cláudia – É. Professora Lúcia – Porque daí seria natural, (fala ininteligível). Auxiliar de sala Cláudia – Aí que se torna um depósito, se torna um depósito de criança, então fala assim, “Ah, aquela escola trabalha com a inclusão”... Professora Lúcia – Só pra dizer que tem, é... Auxiliar de sala Cláudia - Que inclusão? Professora Lúcia – Tem um programa e não... não dá suporte. Auxiliar de sala Cláudia – Que inclusão? Inclusão sem dar condições não é inclusão. Professora Lúcia – Eu acho que é a queixa de todas as escolas.

64

Pode-se perceber claramente as dificuldades enfrentadas pelas profissionais em suas

práticas. As informações, obtidas por intermédio dos questionários, das professoras da

instituição B, Marta, Carla e Tânia (responsáveis pelo GT2) e das professoras Fernanda,

Márcia e Fabiana (responsáveis pelo GT5) apontam para a relevância da inclusão,

respectivamente: “É válida, porém, deve haver capacitação e apoio aos profissionais”, “É

importante para o processo de integração dele [da criança surda] na sociedade”.

Cabe lembrar que essas duas turmas da instituição B têm uma distinção: a turma de

crianças de até dois anos e meio, denominado pela instituição GT2, coordenado pelas

professoras Marta, Carla e Tânia não tem acompanhamento de profissionais que sejam

fluentes em língua de sinais, ou seja, não há o contato das crianças ouvintes e criança surda do

grupo com a língua de sinais na instituição de Educação Infantil. Já, no grupo das professoras

Fernanda, Márcia e Fabiana, do GT5, são realizadas visitas de instrutoras surdas da Fundação

Catarinense de Educação Especial (FCEE), que trabalham com todo o grupo de crianças.

As falas das professoras, Marta, Carla e Tânia, ressaltam a falta de capacitação e de

apoio especializado aos profissionais que trabalham na rede regular com crianças surdas.

Machado (2008, p. 44) afirma que esse processo de inclusão, da forma como vem ocorrendo,

sem a profunda dedicação do Estado, torna-se uma inclusão “economicamente barata, já que

um mesmo professor pode atender, sem capacitação, a trinta alunos ou mais”.

A fala das professoras, Fernanda, Márcia e Fabiana, exposta acima não coloca nenhum

problema em relação à inclusão, apenas seu lado positivo, talvez porque essas professoras

coordenem um grupo que recebe um acompanhamento regular da Fundação Catarinense de

Educação Especial (FCEE).

Simone, instrutora surda da Fundação Catarinense de Educação Especial (FCEE), que

trabalha com o ensino de LIBRAS, levanta outras questões e pontos de vista em relação à

inclusão:

Instrutora Simone – [...] a maioria dos professores da inclusão não sabe nada de língua de sinais e lá onde a Sofia, por exemplo, estuda a maioria é ouvinte, daí a necessidade de um professor, um instrutor surdo que... ok, tem ouvintes junto? Não tem problema! Mas é importante que haja um instrutor ensinando LIBRAS para todas essas crianças para que o desenvolvimento da criança surda aconteça de forma mais rápida, pra que ela se desenvolva o quanto antes e tenha um bom futuro.

Essa mesma profissional manifesta sua vontade de fazer um acompanhamento na sala

do Grupo de Trabalho das crianças de menor faixa etária (GT2), da instituição B, coordenado

pelas professoras Marta, Carla e Tânia, pois esse grupo não possui acompanhamento de

65

profissionais capacitados em Língua de Sinais, assim como o grupo de crianças de quatro a

cinco anos de idade possui:

Instrutora Simone - Eu tenho vontade de ir à turma da Patrícia, fiz um programa, um planejamento, [...], tenho a intenção de observar e de aproveitar para dar aula de língua de sinais para as crianças ouvintes também, porque assim a criança surda tem mais informação. Na inclusão, a criança surda só copia os ouvintes, isso não pode! Então a gente tem que resolver isso, mas estou esperando...

A instrutora Simone também demonstra contrariedade em sua fala, ela gostaria de

realizar o trabalho, mas, no momento, não há oportunidade para fazê-lo. Qual ou quais

seria/seriam o/os motivo(s) da ausência de acompanhamento nesse outro grupo de Educação

Infantil, considerando-se que pertence à mesma instituição, onde o outro grupo possui

acompanhamento? A criança surda que integra esse grupo, frequenta regularmente o Serviço

de Estudo e Aprendizagem da LIBRAS da Fundação Catarinense de Educação Especial

(FCEE). Contudo, de que adianta uma criança surda estar matriculada em uma instituição da

rede regular e fazer acompanhamento em língua de sinais em outra instituição, sendo que seus

pares, suas professoras e auxiliares de sala da instituição de Educação Infantil não têm esse

mesmo conhecimento? Esse tipo de contato, entre criança e adultos surdos, seria suficiente

para a construção da linguagem de forma satisfatória? Qual a vantagem de matricular a

criança surda na rede regular se é apenas fora da instituição dessa rede, que ela tem contato

com profissionais também surdos, capazes de lhe possibilitar a aprendizagem de uma língua,

sem a qual suas interações com o grupo de crianças e profissionais ouvintes ficam muito

limitadas?

Fazendo referência à entrevista realizada na instituição A, no primeiro semestre de

2009, têm-se as seguintes respostas sobre a inclusão:

Professora Flávia48 - Eu acho que tudo tem um ponto positivo e um negativo. O positivo é que ela vai interagir com as outras crianças, vai aprender coisas diferentes. Só que, o ponto negativo é que eles não... eu não tenho formação, a outra professora não tem formação. Então a gente sente necessidade de ter um conhecimento, seja o Estado ou Prefeitura oferecer capacitação para nós, não só com a surdez, mas com as outras deficiências que a gente pode pegar durante esse ano ou ano que vem, e a gente não está preparado para trabalhar com essas crianças. Dessa forma vai prejudicar, nosso trabalho não digo tanto, mas mais a criança que é o foco principal [...].

Auxiliar de sala Ana49 - Acredito que é algo muito importante a criança estar incluída, só que entrou essa inclusão, assim de forma meio quadrada,

48 A entrevista com a professora Flávia foi realizada no dia 17-4-09. 49 A entrevista com a auxiliar de sala Ana foi realizada em 15-4-09.

66

principalmente para a rede, para o sistema em si, [...]. Então, que inclusão é essa? Porque a gente tem a formação, a gente estuda o tempo todo numa faculdade, mas é muito superficial. A disciplina que a gente tem é rápida, é uma disciplina só e nós não estamos preparados. Então a gente fica se questionando que inclusão é essa? Coloca uma criança, mas não dá o amparo, não dá o direito que ela tem.

Apenas uma das respostas não fez menção à ausência de apoio, e isso aconteceu

possivelmente porque o respectivo grupo possui auxílio da Fundação Catarinense de

Educação Especial (FCEE). Todas as outras entrevistadas citam a falta de apoio e formação,

como algo que traz problemas à educação dessas crianças nas instituições da rede regular.

A problematização levantada pela auxiliar de sala Ana tem relação com a forma

inversa como a inclusão parece ter ocorrido: não se pensou primeiro na formação das/dos

profissionais e no preparo da instituição. O movimento foi o de primeiramente integrar todas

as crianças na rede regular, para depois pensar em formação ou de forma concomitante, o que

também não seria uma saída coerente.

Michels e Garcia (1999), em seu artigo intitulado “A nova LDB e o processo de

integração de sujeitos considerados portadores de deficiências” realizam uma breve linha do

tempo do processo das políticas de inclusão no Brasil. De acordo com as autoras, durante as

décadas de 50 e 60, os “sujeitos considerados portadores de deficiências” tinham atendimento

em instituições especializadas como as APAE e as Sociedades Pestalozzi. As autoras

ressaltam a tendência privado-assistencial das instituições da época “frente a uma relativa

omissão do Estado” (MICHELS; GARCIA, 1999, p. 31).

Nas décadas de 60 e 70, surgiram as Leis n. 4024/61 e 5692/71, respectivamente. A

primeira sugeria que os sujeitos com deficiências fossem enquadrados no sistema geral de

educação, com a finalidade de integrá-los à comunidade. A segunda Lei “previa tratamento

especial para os alunos que apresentavam deficiências físicas e mentais e superdotados”

(MICHELS; GARCIA, 1999, p. 31).

No final da década de 80, no Brasil, é promulgada a “Constituição Federal” de 1988

prevendo em seu Capítulo III, Seção I, artigos 206 e 208, aspectos aqui antes expostos. Como

afirmam as autoras Michels e Garcia (1999, p. 31), a partir de então, gerou-se um “debate

social em torno da competência dos professores do ensino regular para trabalhar com os

alunos que, até então, freqüentavam exclusivamente o ensino especial”. De 1980 até os dias

de hoje, muitas mudanças ocorreram nos documentos e nas políticas oficiais. No entanto, se

as propostas de formação de professores da rede regular de ensino tivessem se efetivado ao

longo desses anos, de acordo com o que esses documentos preveem e objetivam, a educação

de crianças surdas nessas instituições poderia estar bem diferente.

67

A partir dessas colocações, fica evidente que a responsabilidade em relação ao

processo de inclusão das crianças surdas nas instituições de Educação Infantil não é apenas

dos professores ouvintes, como muitos podem pensar. Geralmente, como evidencia Skliar

(2005, p. 18), “evita-se toda uma possível denúncia acerca do fracasso da instituição-escola,

das políticas educacionais e da responsabilidade do Estado”.

As profissionais das instituições A e B também foram abordadas com a seguinte

pergunta: Há cursos de capacitação para as/os profissionais da instituição? Com qual

frequência e carga horária? E, em seguida, Nestes cursos de capacitação, quais são as

orientações recebidas para se trabalhar com crianças surdas?

As profissionais da instituição A, responsáveis pelo grupo no segundo semestre de

2008, responderam:

Auxiliar de sala Cláudia – Não tem. Nem com frequência nem com carga horária. Raramente quando acontece é ainda sorteado. Professora Lúcia – É sorteado, mas nem sempre é para essa área. Auxiliar de sala Cláudia – Não.

O grupo da instituição B expôs o mesmo problema afirmando que até existem cursos,

mas o número de vagas é muito limitado, os cursos são oferecidos com pouca frequência e

carga horária pequena, com o mesmo problema de sorteios de vagas.

No documento “Dificuldades de Comunicação e Sinalização: Surdez” (BRASIL,

MEC/SEESP, 2004, p. 12), vemos que, quando uma criança surda for matriculada, “a

primeira providência que a direção da creche ou pré-escola deverá tomar será comunicar-se

com a secretaria da educação e solicitar a capacitação de seus professores e demais elementos

da comunidade escolar”.

A fala de uma das professoras da instituição A, colhida neste ano, demonstra um ponto

bastante interessante sobre a formação continuada:

Professora Flávia – [...] o que parece que vão oferecer, o que parece, são cursos para nós. Só que eu não vejo isso como... não vai trazer uma solução eficaz para o momento. Isso seria bom, por exemplo, “Ah, esse ano eu não tenho aluno surdo”, aí seria bom porque no ano seguinte eu teria um embasamento, uma base para trabalhar com essas crianças, com uma criança que viesse com deficiência. Mas agora de momento? É muito em cima da hora. Daí a gente não vai ter a informação suficiente para estar trabalhando.

68

Antes de falar dos cursos, a professora Flávia comentou sobre o fato de a instituição

ter solicitado uma professora específica para Sofia, pedido este que foi negado. Segundo a

mesma professora, o pedido foi enviado para a Prefeitura do Município.

A própria “Declaração de Salamanca”, assim como outros documentos legais já

citados, vinculados à Educação, deixam claro a importância e o apoio que deveriam ser dados

à formação dos profissionais, colocando como “apelo” e “incitação” aos governos a

necessidade de “garantir que, no contexto duma mudança sistêmica, os programas de

formação de professores, tanto a nível inicial como em serviço, incluam as respostas às

necessidades educativas especiais nas escolas inclusivas” (UNESCO, 1994, p. 9).

A inclusão nas escolas regulares vista como uma solução, como uma melhoria no

sistema educacional, é questionada em relação a sua eficácia, o que leva à busca constante de

mudanças e da:

[...] necessidade de reformas na educação, mas também com a insatisfação com as reformas e, mais ainda, do fetiche das reformas. Uma história de mudança como metástase, não como metamorfose. Uma história oficial que considero tediosa e insípida, e que deixaremos que os outros a contem e que leremos, alguma vez, mais tarde, depois, nos infinitos textos daqueles infinitos autores que já a escreveram infinitas vezes (SKLIAR, 2003, p. 24).

Michels e Garcia (1999) fazem uma análise dos discursos dos textos oficiais em

relação à integração50 como “O Estatuto da Criança e do Adolescente” (1990), “A Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional” (1996), “A Declaração de Salamanca” (1994) e

uma edição do MEC, de 1995, intitulada “Processo de Integração escolar dos Alunos

Portadores de Necessidades Educativas Especiais no Sistema Educacional Brasileiro”. As

autoras afirmam que esses textos abrem brechas para uma dupla interpretação quanto à

“integração”, pois ao mesmo tempo em que defendem a inserção em escolas regulares

também permitem a possibilidade de ofertar ensino a esses sujeitos em outras instituições.

Ambas as autoras alegam que a aparente democracia descrita nos documentos, entre

eles a LDB, de 1996, abre possibilidades para outras interpretações, ao afirmarem que o

atendimento aos educandos com “necessidades especiais” deverá ser feito

“preferencialmente” na rede regular de ensino, entre outras afirmações de sentido semelhante.

Uma denominação interessante é sustentada no documento de 1995, citado anteriormente, no

qual se admite a existência de uma integração total “que se efetiva por meio da classe comum

do ensino regular; e a integração parcial, que se efetiva por meio das classes especiais, onde o

‘aluno portador de necessidades educativas especiais’ convive com os considerados normais

50 Termo empregado pelas autoras.

69

nos momentos de recreio, festividades, etc, mas não em sala de aula” (MICHELS; GARCIA,

1999, p. 32).

Curioso que a palavra “preferencialmente” colocada na LDB (1996) e no Estatuto da

Criança e do Adolescente (1990) seja compreendida por outros autores como um equivalente

à palavra “exclusivamente” 51, por sua vez, de forma negativa. De acordo com a visão das

autoras Michels e Garcia (1999, p. 34), o termo “preferencialmente” possibilita a

interpretação de que a educação possa não acontecer na rede regular de ensino, o que leva a

uma segregação desses indivíduos e cria “instrumentos legais para que não se promova a

escolarização de sujeitos considerados portadores de deficiência”, colocando-se, assim, a

responsabilidade desse processo em outras instituições. Mais adiante, em relação à LDB,

afirmam que sua “elaboração é repleta de evasivas, de contradições que permitem uma prática

anti-democrática e excludente em relação a esta parcela da população” (MICHELS;

GARCIA, 1999, p. 34).

A fim de dar mais elementos para pensarmos em “práticas excludentes”, exponho

abaixo uma fala em tom de desabafo, da professora Flávia, colhido na entrevista deste

primeiro semestre de 2009, na instituição A, referente às práticas de inclusão existentes:

[...] a gente precisava realmente que a Prefeitura abraçasse essa questão junto com a gente e não ficar só em cima dos professores, porque quem está convivendo com ela [a criança surda] somos nós, as professoras. Que realmente não ficasse só na mídia “Ah, inclusão, inclusão, inclusão”, que eles realmente incluíssem de verdade, que oferecessem recursos para que essa criança seja incluída de forma decente. Não simplesmente pôr na sala e ponto final. Para que realmente ela possa evoluir, possa crescer, possa aprender. Essa é a questão.

Pode-se perceber pontos de vista diferentes, a partir das entrevistas, e indícios que

constam nas observações, que permitem refletir sobre as enormes dificuldades que cercam o

processo de inserção de crianças surdas nas instituições de Educação Infantil, processo este

que pode se tornar extremamente excludente. Alguns pontos de vista defendem que a

presença propriamente dita de crianças surdas nas instituições regulares ainda não é suficiente

para que ocorra de fato uma inclusão, enquanto alguns autores compreendem que a educação

dessas crianças em instituições, ou classes, só para surdos é um processo anti-democrático e

excludente. O que defendem os surdos? Um pouco do que foi abordado neste estudo assinala

alguns pontos: ter a língua de sinais respeitada, suas marcas históricas, o contato com pares, a

51 Machado (2008); Quadros (2003); FCEE (2004).

70

presença de professores surdos, as oportunidades de construções lúdicas, de construções de

significado sobre as coisas que se passam em seu entorno. É isso que os surdos buscam.

É necessário conhecer e analisar as práticas vigentes, as reivindicações e os indicativos

dos sujeitos envolvidos nesse processo: crianças, famílias, professores e a comunidade surda,

além disso é necessário estar muito bem sustentado teoricamente sobre as questões que

envolvem a educação das crianças surdas. Creio estarem aí algumas das condições para lutar

por uma prática mais condizente com as necessidades e os anseios de meninas e meninos

surdos.

71

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do levantamento realizado, localizei duas instituições de Educação Infantil do

Município de São José, nas quais constatei a presença de quatro crianças surdas matriculadas

na rede regular de ensino do Município. As informações e os indícios obtidos nas entrevistas,

nos questionários e no diário de campo possibilitaram reunir muitos elementos interessantes,

que foram trazidos para a discussão.

Os modos de comunicação utilizados com as crianças surdas, segundo os depoimentos

das profissionais e as observações realizadas, pareceram bastante precários: são utilizados

gestos e oralização. As discussões e críticas sobre as práticas oralistas vêm ocorrendo há

séculos, contudo essa prática ainda pôde ser presenciada nas instituições de Educação Infantil

com as quais se teve contato.

No grupo da instituição A, no qual foram realizadas as observações, não presenciei

práticas pedagógicas que respeitem as especificidades da criança surda. As profissionais

conversam com o grupo, explicam as atividades e esclarecem os acontecimentos, realizam os

diálogos na “rodinha” sempre oralmente e sem utilizar quaisquer recursos visuais. Os

materiais como jogos e atividades também não fazem nenhuma referência à língua de sinais.

Esses materiais não são difíceis de serem confeccionados, podem ser construídos

jogos diversos (de memória, dominós, bingos etc) que evidenciem elementos culturais

variados (como vestuário, alimentos, meios de transporte etc), sempre aliando imagens aos

sinais da LIBRAS de maneira significativa e contextualizada para as crianças. Porém, de que

forma as profissionais trabalhariam com esse tipo de material já que a maioria não tem

conhecimento básico da língua de sinais?

A professora Flávia e a auxiliar de sala Ana, do grupo observado em 2009, mantêm a

prática da oralização porque, segundo elas, Sofia compreende tudo o que se passa na dinâmica

do grupo, mesmo que a comunicação seja realizada de maneira oral. Todavia, as profissionais

admitem que há momentos em que não é possível uma compreensão do que a criança diz. De

acordo com as profissionais responsáveis pelo grupo de Sofia, não há construções de

narrativas por parte dela e a angústia se faz presente sempre que não é possível estabelecer

diálogo com a menina. Presenciei, inclusive, momentos em que as profissionais respondiam

às próprias perguntas colocando-se no lugar de Sofia.

Entre as crianças, as interações acontecem de várias maneiras: por intermédio do

olhar, do choro, dos risos, dos empurrões... Nas brincadeiras, a comunicação entre Sofia e as

outras crianças acontece com o auxílio do que é concreto, as coisas não são ditas, são feitas,

72

os enunciados são substituídos pelas ações. Durante as brincadeiras de “comidinha e de

casinha”, Sofia, geralmente, não anunciava o que estava fazendo ou o que pretendia fazer,

diferentemente das crianças ouvintes. A comunicação entre Sofia e as demais crianças,

durante a construção da brincadeira de faz-de-conta, por intermédio de uma língua,

possibilitaria enredos e trocas muito mais complexos e ricos.

Com exceção de três professoras de um dos grupos da instituição B, que já havia

realizado cursos de LIBRAS, não houve qualquer opinião por parte das outras profissionais

sobre os termos comunidade e cultura surda. Não foram apontadas características como a

língua ou como as experiências visuais. A maioria das profissionais disse nunca ter ouvido

falar desses termos, cujos significados são tão necessários para quem trabalha como educador

de crianças surdas. Para quem é envolvido com a comunidade surda e suas discussões, falar

de cultura surda é falar, entre outras coisas, de como os sujeitos que vivem o mundo por

intermédio da visão e da vibração o compreendem, como são suas experiências, quais são

suas marcas históricas, a questão da repressão na área educacional e clínica, das lutas pelo

reconhecimento da língua e do espaço na sociedade.

Foi possível constatar que a oferta de cursos, tão bem anunciada pelas políticas

oficiais, não se cumpre na prática. Apenas três professoras de um dos grupos da instituição B,

havia frequentado cursos de LIBRAS, até o nível intermediário, oferecidos pela Fundação

Catarinense de Educação Especial (FCEE). A formação continuada é muito importante para o

aperfeiçoamento, a especialização e a renovação dos conhecimentos de cada profissional,

contudo temos de pensar também no nível de aprofundamento que esses cursos proporcionam

aos profissionais que já estão atuando com crianças surdas.

De acordo com as entrevistas e os questionários, observou-se que realmente não são

oferecidos cursos de formação continuada na área da surdez. Como bem colocou uma das

profissionais entrevistadas, o ideal seria que os cursos fossem oferecidos antes que surgisse

uma criança surda, cega ou autista, por exemplo, para que, quando houvesse a inserção, a

instituição estivesse preparada para educá-las.

A pesquisa aponta que não é na instituição de Educação Infantil que as crianças têm

acesso à língua de sinais, é na instituição que presta um atendimento especializado na área da

educação especial. Nesse espaço, as crianças encontram profissionais surdos, o que lhes dá

oportunidades de manter contato e as mediações necessárias para a construção do sujeito.

Porém, como constatado na fala da instrutora de LIBRAS da Fundação Catarinense de

Educação Especial (FCEE), cada encontro no Serviço de Estudos e Aprendizagem da

LIBRAS (SEALI) tem a duração de aproximadamente quarenta e cinco minutos, e as crianças

73

o frequentam de uma a duas vezes por semana. Considero que o ideal seriam encontros com

duração de, pelo menos, um período de quatro horas todos os dias.

Na instituição B, onde duas crianças - Patrícia, de dois anos, e Manuela, de cinco -

faziam o acompanhamento no SEALI, apenas a turma de Manuela recebia visitas de

instrutoras surdas da FCEE. Visitas nas quais essas profissionais ensinavam a língua de sinais

a todas as crianças da turma, uma vez por semana, durante aproximadamente quarenta e cinco

minutos.

Mesmo sendo um contato de tão pouco tempo, não se pode negar que essa seja uma

ação válida. Dar oportunidade ao envolvimento de todas as crianças no aprendizado da língua

de sinais contribui para mudar os modos de comunicação e o relacionamento entre crianças

surdas e ouvintes, no cotidiano, mas, com certeza, quanto mais prolongado fosse o contato

mais significativo seria o aprendizado.

Alguns dos documentos fazem considerações relevantes, as quais colaborariam para o

processo do desenvolvimento das crianças surdas: alguns textos oficiais reconhecem a

necessidade da presença de professores surdos nas instituições, a necessidade de aquisição da

língua de sinais e, inclusive, que a educação de crianças surdas pode se dar de melhor maneira

em escolas ou classes especiais. No entanto, não é isso que vemos ainda.

As profissionais afirmam que a inclusão tem relevância, porém, da maneira como ela

vem ocorrendo, não é válida. A falta de formação e amparo foram ressaltados pela grande

maioria das profissionais das instituições A e B. A instrutora surda da FCEE expõe sua

preocupação com a ausência de práticas que envolvem a língua de sinais nas instituições de

Educação Infantil e também no ambiente familiar. Ela enfatizou que, mesmo em salas mistas,

a presença do professor surdo é imprescindível, a fim de que todas as crianças, surdas e

ouvintes, conheçam a língua de sinais e se comuniquem por intermédio dessa.

A inclusão é um tema que causa controvérsias entre os profissionais da educação.

Alguns defendem que a educação de surdos deveria ocorrer em instituições, ou classes,

apenas com surdos, pois, somente assim, as práticas educacionais aconteceriam de maneira

condizente com as especificidades dos surdos. Outros defendem que essa prática seria um tipo

de exclusão, pois surdos e ouvintes estariam em ambientes separados, não havendo, portanto,

interação entre eles.

É válido atentar para o fato de que, se as práticas ditas inclusivas continuarem da

maneira como foram relatadas, sem apoio, sem capacitação, sem maior engajamento por parte

das instituições, não haverá uma interação significativa entre essas crianças surdas e ouvintes.

74

Elas vão continuar falando línguas diferentes, ou pior, no caso da criança surda, sem sequer

ter a oportunidade de aquisição da língua materna.

Não creio que o ensino especializado, que respeite as necessidades visuais e

linguísticas dos surdos seja segregador, excludente ou anti-democrático. Classes ou escolas

apenas para surdos, dependendo de sua proposta pedagógica e de suas práticas, não precisam

ser vistas como mecanismos de exclusão. Para essa afirmação, eu tomo por base o próprio

contato que vivenciei com a turma de surdos no Ensino Médio. Tais alunos não frequentavam

uma classe com outros alunos ouvintes, no entanto as interações aconteciam em outros

momentos e esses sujeitos tinham as mesmas oportunidades, o mesmo acesso aos estudos que

qualquer outro aluno da instituição.

Não tenho o conhecimento de uma sala de Educação Infantil, em São José, que possua

ouvintes e surdos em um mesmo grupo e que haja a presença efetiva de um/uma profissional

da educação surdo/surda, ou seja, não conheço um grupo bilíngue que tenha em sala um/a

professor/professora surdo/surda. Seria o ideal. Mas vamos supor que isso aconteça: como

seriam as práticas nesse contexto? Crianças surdas possuem uma língua materna diferente das

crianças ouvintes e, no contexto da Educação Infantil, a comunicação, o diálogo, tem papel

fundamental. As atividades seriam divididas? Os momentos de trabalhar a LIBRAS seriam

específicos? “Agora vamos falar só em LIBRAS, porque a professora surda vai contar uma

história...” E nos momentos em que fosse a vez da professora ouvinte? O que estaria fazendo

a professora e as crianças surdas? Poderiam estar se dedicando a outras atividades, sim, mas

seriam esses momentos de interação?

Poderia haver momentos em que professora ouvinte e a professora surda planejassem

situações em que as duas línguas estariam presentes simultaneamente. No entanto, haveria

uma língua predominante? Qual seria essa língua?

Outra questão que surge é a seguinte: Como trabalharia uma professora surda

juntamente com uma professora ouvinte sem que essa tivesse domínio da língua de sinais?

Em relação a essas possibilidades seria fundamental buscarmos conhecer experiências

bilíngues com crianças de zero a seis anos, que possivelmente existam em outros lugares do

Brasil e de outros países.

Um grupo misto envolve muitas problemáticas. Contudo, não se pode negar que a

possibilidade de haver um grupo com crianças surdas e ouvintes, todas tendo contato com a

cultura surda, com a língua de sinais, com adultos surdos, durante todo o período de

permanência na instituição ou grande parte dele, seria uma prática de grande relevância.

Relevante porque proporcionaria para muitas crianças ouvintes e suas famílias, inclusive, a

75

interação com o sujeito surdo. Para isso, o currículo e as práticas também necessitariam estar

embasados nas características da cultura surda, seguindo os propósitos dos Estudos Surdos.

Aliás, a língua de sinais não deveria ser trabalhada somente com os grupos nos quais

estão inseridas crianças surdas, tendo sido reconhecida como língua desde 2002, todos nós

ouvintes deveríamos ter acesso ao aprendizado da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS),

desde o mais cedo possível.

Enfim, a concretização de uma Educação Infantil bilíngue é algo complexo, que

provoca muitos questionamentos e dúvidas, exigindo, portanto, muito estudo, reflexão e

pesquisa.

76

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APÊNDICES

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APÊNDICE A – Roteiro de perguntas utilizado nas instituições de Educação Infantil da Rede Regular de Ensino do Município de São José: 1) Quantas crianças surdas existem na sua turma?

2) Qual a faixa etária de cada criança? 3) Há quanto tempo ela(s) está(ão) na instituição?

4) Qual o grau de surdez dessa(s) criança(s)?

5) Os pais da(s) criança(s) são ouvintes ou surdos?

6) Essa(s) criança(s) tem/têm contato com adultos surdos na instituição ou fora dela?

7) Os/As professores/as utilizam qual meio de comunicação com a (s) criança(s)? Desse

modo é possível compreender essa(s) criança(s) e ser compreendida por ela(s)?

8) Como essa(s) criança(s) age(m) e comunica-se/comunicam-se com as outras crianças do grupo? E como as crianças ouvintes agem e comunicam-se com a(s) criança(s) surda(s)?

9) A(s) criança(s) surda(s) e ouvintes costumam brincar juntas? Do quê?

10) Como essa(s) criança(s) age(m) e comunica-se/comunicam-se com os/as professores/as?

11) Como é a participação da(s) criança(s) nas atividades propostas?

12) Com que situações do cotidiano essa(s) criança(s) mais se envolve(m)?

13) O que essa(s) criança(s) parece(m) gostar de fazer quando está(ão) na instituição?

14) Você acredita que a língua de sinais seja importante para uma criança surda? De que

forma seria importante?

15) Os/As professores/as conhecem a língua de sinais? Já fizeram cursos? Quantos?

16) Qual a fluência na língua?

17) Há acompanhamento externo da FCEE ou de outra instituição nesta instituição? Caso haja, de que forma acontece o acompanhamento?

18) Há cursos de capacitação para os/as profissionais da instituição em relação ao tema

deficiência ou surdez? Com qual frequência e carga horária?

19) Nestes cursos de capacitação, quais as orientações recebidas para se trabalhar com crianças surdas?

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20) A instituição tem acesso a material adaptado para trabalhar com as crianças surdas, como livros, jogos que utilizam o alfabeto, números e sinais em LIBRAS? Quem proporciona esse material?

21) As crianças fazem acompanhamento em alguma instituição especializada no horário

oposto ao da instituição regular ou no mesmo horário?

22) As crianças ouvintes têm dúvidas sobre a surdez do(s)/a(s) colega(s)? O que elas perguntam ou comentam? Essa questão é trabalhada? De que forma?

23) A(s) professora(s) percebe(m) mudanças em seu trabalho, mudanças em sua(s)

prática(s) com a presença da(s) criança(s) surda(s)?

24) O que mudou na prática no cotidiano do grupo no qual encontra-se/encontram-se a(s) criança(s) surda(s)? E na instituição?

25) O que a(s) professora(s) acha(m) da inclusão de crianças surdas em instituições

regulares?

26) O que significa ser surdo para você?

27) Conhece algum surdo adulto, tem que tipo de contato com ele?

28) Já ouviu falar em comunidade ou cultura surda? O que, por exemplo?

29) Há alguma coisa que você gostaria de expor e não teve oportunidade durante a entrevista/o questionário? Sinta-se livre para colocar suas opiniões e sugestões quanto a educação de crianças surdas!

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APÊNDICE B – Roteiro de perguntas utilizado no Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez (CAS) pertencente à Fundação Catarinense de Educação Especial:

1) Qual é o trabalho realizado no Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez (CAS)?

2) Há crianças pequenas que frequentam o CAS? Qual o número de crianças?

3) Qual a faixa etária dessas crianças?

4) Há quanto tempo essas crianças fazem o atendimento?

5) Essas crianças também frequentam instituições da rede regular de ensino? Quais

instituições?

6) Há crianças filhas de pais surdos? Quantas?

7) Como acontece a prática pedagógica nos atendimentos aqui do CAS?

8) Como são as narrativas dessas crianças?

9) Que tipo de materiais são utilizados?

10) Há contato com as instituições que essas crianças pequenas frequentam? Como é esse contato?

11) Há contato entre o CAS, como um centro pertencente à FCEE, e as famílias destas

crianças? Que tipo de contato?

12) O CAS, ou a FCEE, possui dados sobre o número de crianças de zero a seis anos nas instituições no Município, mesmo que estaduais ou particulares?

13) O que pensam sobre o processo de inclusão de crianças pequenas nas instituições de

educação? Qual o ponto de vista sobre o que vem acontecendo?

14) São oferecidos cursos de capacitação em LIBRAS para os professores/as e funcionários/as da instituição?

15) Quando o CAS foi fundado?

16) Há um documento que traz informações sobre o CAS ao qual eu poderia ter acesso?

17) Há uma proposta educacional que oriente a prática pedagógica com crianças pequenas

surdas em São José?