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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA - UNICURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA ROBERLEI ALDO QUEIROZ A ÉTICA NA POLÍTICA E A REPRESENTATIVIDADE DO ELEITOR CURITIBA 2015

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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA - UNICURITIBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

MESTRADO EM DIREITO EMPRESARIAL E CIDADANIA

ROBERLEI ALDO QUEIROZ

A ÉTICA NA POLÍTICA E A REPRESENTATIVIDADE DO ELEIT OR

CURITIBA 2015

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ROBERLEI ALDO QUEIROZ

A ÉTICA NA POLÍTICA E A REPRESENTATIVIDADE DO ELEIT OR

Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Direito, do Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania, do Centro Universitário Curitiba. Linha de Pesquisa: Atividade Empresarial e Constituição (inclusão e sustentabilidade) Orientador: Dr. Fernando Gustavo Knoerr Co-Orientador: Dr. Miguel Kfouri Neto

CURITIBA 2015

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TERMO DE APROVAÇÃO

A ÉTICA NA POLÍTICA E A REPRESENTATIVIDADE DO ELEIT OR

Dissertação aprovada como requisito parcial para ob tenção do grau de Mestre em Direito, do Mestrado em Direito Empresarial e Ci dadania, do Centro Universitário Curitiba. Linha de Pesquisa: Atividad e Empresarial e Constituição (inclusão e sustentabilidade), pela seguinte Banca Examinadora:

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Professor Orientador: Professor Dr. Fernando Gustav o Knoerr

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Co-Orientador: Professor Dr. Miguel Kfouri Neto

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Membro Interno: Professora Dra. Viviane Coelho de S éllos-Knoerr

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Membro Externo: Professor Dr. Clayton Reis

Curitiba, 08 de junho de 2015.

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DEDICATÓRIA

À Deus, por ter me presenteado com a vida e

com o amor eterno de meus pais, Altamar e Célia;

com a amizade de meu querido irmão Altamar Jr e família;

com a compreensão de minha amada esposa Alessandra e

com os abraços verdadeiros de meus filhos, Isabella e Gabriel;

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AGRADECIMENTOS

Um homem precisa de coragem para caminhar até o rio, para se lançar em suas águas sempre diferentes, para ir de uma margem segura em direção ao outro lado ainda tão incerto e para continuar sua caminhada até outros rios, outras águas. Em nenhum desses momentos estará só. Assim, ficam meus sinceros agradecimentos ...

aos Doutores Fernando Gustavo Knoerr e Miguel Kfouri Neto, os quais aceitaram me orientar nessa passagem. Seus conhecimentos técnicos e lições de vida demonstram os verdadeiros sentidos de uma existência,

à genialidade e bondade da Dra. Viviane Séllos-Knoerr, que esteve comigo em absolutamente todos os momentos deste Mestrado. Não teria a menor chance sem suas atenções como coordenadora e como professora. Muito mais que mestre, verdadeira sábia no educar e viver,

ao Dr. Clayton Reis, que derramou sua humildade em todos os momentos, cedendo seus valorosos conselhos ao final dessa jornada,

aos funcionários e estagiários do UNICURITIBA, que nunca tiveram o não em resposta às minhas necessidades, principalmente Alessandra, Joyce, Jaqueline e Leonardo,

a todos os demais professores, aos quais agradeço nas pessoas dos que se tornaram grandes amigos, Dr. Paulo Opuska e Dr. Luiz Eduardo Gunther,

aos amigos de turma que cederam seus ouvidos aos meus momentos. Espero ter a honra de continuar a tê-los comigo, em especial Hilda, Julia, José Roberto, Zacarias, Sabrina, Samira e Flávia,

aos amigos de vida profissional que sempre me demonstraram os valores dos estudos e me incentivaram durante esta jornada, Dr. Reinaldo de Almeida Cesar, Dr. Ivan Lellis Bonilha, Dr. Leonir Batisti, Dr. Rafael Vianna, Dr. Sandro Martins, Sr. Sebastião Monteiro Junior e Sra. Izabete Cristina Pavin,

aos irmãos nascidos sob outro teto, que estiveram comigo antes e durante essa caminhada e que continuarão ao meu lado amanhã, sempre sem nada perguntar, Juarez Ribas Teixeira Junior, Rubens Lopes da Silva, Cristiano Hotz, Antonio Stolte e Caroline de Alcântara Serrano,

aos familiares que compreenderam minha ausência, em especial meus sogros, Carlos e Iracema, que sempre voltaram seus pensamentos para minhas conquistas,

aos meus queridos irmão Altamar Jr., cunhada Angélica e sobrinho Felipe, que nestes meses nunca trouxeram suas dificuldades, mas sim ouvidos para as minhas,

ao meu pai Altamar, um exemplo de alteridade na dedicação da vida aos filhos e a minha mãe amada, verdadeiro espírito evoluído em missão de amor ao próximo, voluntária incansável do humanismo do outro,

finalmente, minha amada esposa Alessandra, presente de Deus em minha vida, verdadeira alma gêmea que me completa mais e mais a cada segundo e aos meus filhos, pela impagável compreensão dos irrecuperáveis momentos em que os deixei sem meus abraços.

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EPÍGRAFE

VERDADE

A porta da verdade estava aberta, mas só deixava passar

meia pessoa de cada vez. Assim não era possível atingir toda a verdade,

porque a meia pessoa que entrava só trazia o perfil de meia verdade.

E sua segunda metade voltava igualmente com meio perfil.

E os dois meios perfis não coincidiam. Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.

Chegaram a um lugar luminoso onde a verdade esplendia seus fogos.

Era dividida em duas metades, diferentes uma da outra.

Chegou-se a discutir qual a metade mais bela. As duas eram totalmente belas.

Mas carecia optar. Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

(Carlos Drummond de Andrade)

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RESUMO

O presente estudo tem por finalidade debater questões sobre a ética na política, tendo como paradigma a representatividade do eleitor pelo seu candidato, antes e depois de eleito, com o foco na representação da vontade. Em uma época onde a população tem se revoltado com as atitudes de seus candidatos após as Eleições, o problema merece a busca de soluções, visto que os eleitos parecem representar somente seus interesses e não os da massa de cidadãos que os elegeram, tampouco das comunidades que deram ouvidos às suas promessas. Políticas públicas de inclusão que gerem sustentabilidade local também merecem a atenção de políticos, os quais devem evitar o paternalismo eleitoreiro. A história deixou muitos ensinamentos éticos aplicáveis ao homem político e politizado, que merecem ser destacados e trazidos à atualidade, mesmo que necessitem de adequações para que possam ser aplicados na sociedade do Século XXI. O estudo de Jean-Jacques Rousseau e sua vontade geral são saídas para uma política atual ética? A alteridade de Emmanuel Lévinas e sua visão do “outro” podem ser incorporados na conduta do político? Existem remédios jurídicos para o enfrentamento das questões éticas? Como pode o eleito atingir o interesse público respeitando tantas normas que o engessa? Qual a herança deixada para a população por um político ético e qual o papel do eleito após o término de seu mandato? Os próprios eleitores são solidariamente responsáveis pela falta de ética na política? A pesquisa tem o mote de iniciar uma discussão acerca do tema, abordando experiências e buscando mitigar seus conflitos, tão abundantes nas Nações.

PALAVRAS-CHAVE: Ética. Política. Representatividade. Vontade Geral. Alteridade.

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ABSTRACT

This study aims to tighten questions about ethics in politics, with the paradigm of voter representation for their candidate, before and after he was elected, with the focus on the representation of the will. At a time when the population is revolted with the actions of their candidates after the elections, the problem deserves the search for solutions, as the elect only seem to represent its interests and not those of the mass of citizens who elected them, either community who listened to their promises. Public policies of inclusion that manage local sustainability also deserve the attention of politicians, who should avoid electioneering paternalism. History has left many ethical teachings apply to the politician and politicized, that deserve to be highlighted and brought to the present, even requiring adjustments so that they can be applied in the society of XXI century. The study of Jean-Jacques Rousseau and his general will are output to a current political ethics? The alterity of Emmanuel Lévinas and his vision of the "other" can be incorporated into the conduct of the political? There are remedies for dealing with ethical issues? How can the elected reach the public interest respecting so many rules that paralyzes? What a legacy for the population by an ethical policy and the role of elected after the expiration of his term? The voters themselves are jointly responsible for the lack of ethics in politics? The research has the motto to start a discussion on the subject, addressing experiences and seeking to mitigate their conflicts, so abundant in the Nations.

KEY-WORDS: Ethics. Politic. Representation. General Will. Alterity.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO........................................................................................................09 2 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DA ÉTICA NA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA ..13 2.1 OS PRÉ-SOCRÁTICOS.......................................................................................24 2.2 NA GRÉCIA ANTIGA...........................................................................................33 2.2.1 A Ética de Aristóteles........................................................................................41 2.3 A ROMA ANTIGA E A ÉTICA DE CÍCERO..........................................................48 2.4 DA IDADE MÉDIA À CONTEMPORANEIDADE..................................................54 2.4.1 A Partir do Racionalismo e do Iluminismo.........................................................59 2.4.2 A Ética de Kant..................................................................................................67 2.4.3 A Ética de Foucault...........................................................................................71 2.4.4 A Ética de Hans Jonas......................................................................................74 2.5 A ATUALIDADE DA ÉTICA DE EMMANUEL LÉVINAS ....................................78 3 A REPRESENTATIVIDADE E A VONTADE DO ELEITOR ...................................86 3.1 A VONTADE GERAL DE JEAN-JACQUES ROUSSEAU....................................96 4 A ÉTICA DO CANDIDATO ...................................................................................107 4.1 A PROMESSA DE CAMPANHA........................................................................114 5 A ÉTICA DO ELEITO ............................................................................................130 5.1 A ÉTICA DOS SERVIDORES PÚBLICOS.........................................................141 5.2 A RESPONSABILIDADE PELA SUSTENTABILIDADE.....................................149 5.3 O ROMPIMENTO DA REPRESENTATIVIDADE ÉTICA...................................163 6 A ÉTICA APÓS O MANDATO ..............................................................................171 7 CONCLUSÕES.....................................................................................................179 REFERÊNCIAS........................................................................................................182

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1 INTRODUÇÃO

Não existem representantes sem representados e nem política sem

relacionamento. Antes de debater o que se representa, deve ser compreendida em

qual sociedade se vive hoje, pois é para os dias atuais, com os ensinamentos dos

anteriores, que se escreve este texto.

Desde sempre, antes ainda da criação pelo homem das muitas doutrinas que

se digladiam pela busca da verdade, uma certeza já se tinha: a vida precisa de

harmonia. Neste caso, não se está falando de uma interpretação tão objetiva quanto

a dos dicionários, mas sim da união de todos os conceitos e sentimentos. É

necessário que o ser humano volte a viver (ou que comece a viver para os que

acreditam que ele nunca viveu) ao invés de ficar à procura de objetivos vazios que

nunca deveriam ser perseguidos.

Por isso o homem deve se politizar, para conviver em bem estar com seus

semelhantes, bem como com a natureza em sua volta, evitando que se torne mais

uma vítima de sua própria invisibilidade e coisificação.

Quando se fala em política neste texto, não se está falando em praticamente

nada do que se vê hoje. A política no mundo atual foi deteriorada de maneira tão

desgastante que parece estar mais para um atributo negativo, de ausência do bem,

que para uma benevolência dos Céus. Ora, ser hoje chamado de político no dia-a-

dia do cidadão, principalmente no Brasil, pode deixar de ser interpretado como

qualidade de quem seria especial ao ponto de representar vários semelhantes, para

ser um carimbo do jeitinho brasileiro tão rechaçado por qualquer pessoa séria e

lutadora, filha de uma Nação que sonha em ser algo mais que uma simples

promessa de país do futuro.

É para essa política verdadeira, essa ética, essa representatividade que se

pretende dedicar esta escrita, sem traçar verdades, mas sim deixar caminhos menos

árduos para que o povo seja cada vez mais representado, sem mentiras, sem

enganações.

O que se busca é demonstrar que é possível representar o eleitor e os

interesses reais e essenciais de uma comunidade, antes, durante e depois das

Eleições, bem como que o principal momento dessa ética está em buscar de forma

incessante políticas públicas voltadas aos cidadãos, elevando o bem estar comum

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dentro do que eles esperam que seja feito e não pelo que entende o eleito. Este

deveria somente representar e não se apoiar ou tentar fazer imperar suas vontades

próprias.

Enquanto o eleito não compreender que ele não existe sozinho, mas sim que

deve ser um espelho da vontade do outro como resultado do melhor espírito de

alteridade que se pode exprimir, não ocorrerão todas as melhorias que efetivamente

se espera na comunidade. É da “Representatividade” (de Rousseau) do “Outro” (de

Lévinas) que trata este breve estudo desprovido de qualquer ambição do autor em

convencer alguém, pois o que se pretende é simplesmente conhecer e perguntar,

procurando as respostas.

Como se vê, o problema principal desta pesquisa está na tentativa de

soluções que esclareçam se a manutenção do vínculo entre eleitor e eleito, no que

tange à representatividade de sua vontade, oferece garantias de atitudes éticas

antes, durante e depois das outorgas de mandato.

Quando a presente pesquisa fala em eleitor é necessário um acordo

semântico com o leitor, pois está se falando em qualquer ser humano, tenha ou não

ele o direito do voto, uma vez que a morfologia da palavra não é o importante neste

trabalho, mas sim o que ela significa neste momento. Está a se falar da massa que

acredita em alguém que grita representando vontades como se ela mesma fosse. O

eleitor aqui é mais que o robô votante e mais que um título de eleitor, mais que o

próprio cidadão. O eleitor aqui é o ser-humano, seja criança ou adulto, seja homem

ou mulher no mais claro respeito que se possa expressar pelo valor feminino,

alfabetizado ou não. O eleitor aqui é o próprio eleito enquanto cessionário de parte

da liberdade do outro. Essa deve ser a compreensão do texto, que às vezes falará

em massa, em comunidade, em cidadão, em homem, em mulher, em eleitor. Na

verdade fala em ser-humano. A escolha do eleitor como eixo trouxe a politização

necessária ao tema, indispensável neste momento para os ouvidos onde esta

música deve chegar.

Assim, a importância dessa pesquisa está primeiramente no estudo da ética,

uma vez que nunca será demais o debruço sobre este tema que enraíza as mentes

de pensadores desde os primórdios. Contudo, em se tratando da atualidade, poucas

vezes se viu o mundo com tamanha transgressão de valores éticos. Apesar de sua

falta se destacar mais em países menos desenvolvidos, a verdade é que a ética (ou

a ausência dela) não é assunto peculiar somente onde se falta tudo, pois até mesmo

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nas Nações onde o problema não é financeiro, o vulcão do descontentamento com o

individualismo em detrimento do coletivo tem alcançado graus nunca antes visto.

Por essa razão é que se escolheu a ética como o norte da presente pesquisa,

na qual se faz ainda outro corte e fixa seus olhos na política. Por fim, especifica

ainda mais o assunto ao filtrá-lo na representatividade do eleitor, da comunidade, do

outro, buscando enfatizar o vínculo existente entre o político, as raízes e os motivos

que o levaram ao mandato outorgado. Portanto, restam identificadas as principais

categorias deste estudo: ética, política, representatividade do eleitor, vontade geral e

o humanismo do outro.

Para isso, muitas foram as fontes de pesquisa e metodologias utilizadas neste

trabalho, pois vastos são os campos de sua visualização e aplicação, teórica e

prática. Porém, destacam-se a pesquisa bibliográfica, a pesquisa descritiva e a

pesquisa de motivação e caso.

Dentro desse contexto, o trabalho se divide nos seguintes momentos

principais: i) primeiramente, no Capítulo Dois, são levantados fundamentos

históricos e filosóficos da formação da representação política, com ênfase na Grécia

Antiga e na Roma Antiga e, após, avança-se no curso da humanidade até os dias de

hoje, identificando em cada momento da humanidade os pensamentos que se

destacaram dentro do Referente que se propõe abordar, finalizando o Capítulo com

o primeiro marco teórico da pesquisa: Emmanuel Lévinas e sua alteridade; ii) O

Capítulo Três pretende conceituar a representatividade, fixando seus marcos

principiológicos e traçando paradigmas entre formas de regimes políticos através da

mesma. É neste momento do texto que a vontade do eleitor entra em seu debate

principal como parte da solução para uma melhor representatividade, dando ênfase

na interpretação do autor quanto à vontade geral e o contrato social de Jean-

Jacques Rousseau, o segundo marco teórico deste estudo, demonstrando ser este o

resultado metodológico de um Conceito Operacional Proposto por Composição; iii)

Os Capítulos Quarto, Quinto e Sexto possuem o vínculo da ética como valor

fundamental para a política representativa, tomando corpo a divisão da pesquisa em

três pilares - antes de eleito, enquanto eleito e depois de eleito – com ênfase nas

políticas públicas e no interesse público; iv) Os Sub Capítulos de cada fase tratam

de pontos importantes desses momentos, quais sejam: para o ainda candidato a sua

promessa de campanha e, para o eleito, a sua equipe e suas políticas sustentáveis.

Por fim, tem-se o rompimento da representatividade e o papel da sociedade neste

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contexto, tratando da importância do eleitor em todo o período de sua outorga de

voto.

Como dito, o problema principal e Referente da pesquisa está na

representatividade do eleitor, ou seja, “a representatividade do eleitor como norte de

atuação do político (antes, durante e depois de eleito) é uma das soluções éticas

para a política?”

Assim, o que se espera é que ao final desta pesquisa possa ter sobressaído o

entendimento do que significa agir com ética na representação política: “fazer com

que os atos do eleito sejam tão fieis ao que precisa a comunidade que o eleitor

chega a sentir-se sendo o governante!”

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2 FUNDAMENTOS HISTÓRICOS DA ÉTICA NA REPRESENTAÇÃO POLÍTICA.

Durkheim (2005, p. 73) traz como a primeira regra para a direção do espírito

que “os estudos devem ter por finalidade a orientação do espírito, para que

possamos formular juízos firmes e verdadeiros sobre todas as coisas que se lhe

apresentam”. Assim, a compreensão de que este trabalho foca a ética na política é

essencial para se evitar a perda dos olhares ao seu norte, pois ao se falar de ética

poder-se-iam enunciar centenas de assuntos, de vítimas, de autores, de culpados,

de razões e de verdades. Mas, por hora, o intuito é buscar paralelos com a

representatividade do eleitor como traços balizadores da ética na política. Os demais

enfoques tão importantes quanto serão deixados para outros estudos. É preciso ter

humildade científica1!

Pretende-se fixar conceitos sobre a ética, com corte desta para o eixo da

política e da representatividade, buscando uma bibliografia histórica da filosofia na

evolução da sociedade em relação ao tema tratado e dentro da interpretação deste

autor quanto às fontes escolhidas2, apontando Rousseau e Lévinas como marcos

teóricos principais.

A representação que ora é arguida não deve ser confundida com o mandato

imperativo, tampouco com o mandato representativo, mas sim é a vontade do eleitor

local com a segurança de suas liberdades democráticas. O mandato imperativo puro

não carrega tamanha democracia e o representativo se esquece de grande parte da

vontade do eleitor local. De outro lado, não é correto se falar aqui em um sistema

misto, pois elementos estranhos a ambos foram inseridos, como, por exemplo, o

sopesamento de princípios que dirijam as decisões para a humanidade do outro

1 “Humildade Científica é a capacidade de reconhecer nossas limitações de conhecimento e atentar para a dinamicidade da vida e do universo, buscando sempre a ampliação de nosso aprendizado. Sob uma perspectiva bem prática, Humildade Científica é a atitude (tendência interna) de reconhecimento de que nunca se sabe tudo sobre algo, seguida de ação (comportamento efetivo) que busca, pela aprendizagem, a superação de nossas áreas de ignorância, com a leitura de livros, jornais e revistas e com o diálogo com outras pessoas. A ausência de Humildade Científica costuma atrair o excesso de orgulho e, como adverte Fernando Pessoa, “...o orgulho é prejudicial à exata imparcialidade da precisão científica.” (CESAR LUIZ PASOLD, 2011, p. 19-20) 2 Difícil é um texto sem a visão subjetiva do autor, que antecipa as interpretações da literatura, seja para aclamá-la ou criticá-la, sendo que o melhor seria a visão do todo e de tudo através do olhar do outro. Enfim, o que se tenta sem almejar a vitória total é um pouco da compreensão do planeta enquanto mundo e do ser enquanto humano. Se ao final do texto ao menos se tiver a noção aproximada do que é representar com interesse público, com interesse no outro, o objetivo terá sido alcançado. Este é o desafio a que se propõe!

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como sendo a melhor forma de transpor os freios que prejudicam o pensar ético.

Com esse filtro serão levantados os fundamentos históricos da pesquisa.3

Emprestando os ensinamentos de Rousseau4 (2012, p. 33), tem-se que um

tema deve ser enfrentado com a afirmação e defesa do que se pensa e não somente

citando a verdade de outros, temendo defender aquilo em que se acredita. Por isso,

este trabalho reflete o que muitos pensam, mas acima de tudo o que seu autor

pensa, tendo suas qualidades, seus erros e defeitos e muito de sua emoção quanto

ao momento histórico que a humanidade atravessa. A presente pesquisa não seria

ética se suas frases não representassem a vontade do autor, ao menos a atual

(convidada à alteração e à evolução, a cada diálogo), sobre o mundo e sobre as

pessoas:

É do homem que tenho de falar. E a questão que examino me ensina que vou falar a homens, porque não se propõem semelhantes questões quando se teme honrar a verdade. Defenderei, portanto, com confiança a causa da humanidade perante os sábios que a isso me convidam e não ficarei insatisfeito comigo mesmo se me tornar digno de meu tema e de meus juízes.

Além das interpretações do autor5, buscou-se enfatizar pensadores que

anteciparam épocas e que devem ser lembrados e respeitados para sempre, pois

argumentaram suas razões e verdades sem temer a força dos opositores que

sempre foram maioria frente às novidades. Nenhuma censura nos dias de hoje

lembra o que os antigos sábios enfrentaram, enobrecendo ainda mais seus levantes

em prol do conhecimento.

Como ensinou Cícero (2011, p. 32): “Quando se quer pôr ordem e método

numa discussão, é preciso dar início definindo a coisa de que se debate, para se ter

dela uma ideia clara e precisa.” Por essa razão, é importante identificar com clareza

3 Explica-se tal questão porque poderiam ser muitos os fundamentos da política na história da humanidade. Assim, é importante a compreensão do mote da presente pesquisa, ratificando que podem existir outros pensamentos, outras verdades. 4 O qual, assim como Lévinas (por serem marcos teóricos do texto), surgirá apontando soluções em vários momentos. 5 “[...] a diversidade de nossas opiniões não resulta de umas serem mais razoáveis do que as outras, mas somente de conduzirmos nossos pensamentos por diversas vias, e de não considerarmos as mesmas cousas” (DESCARTES, 2005, p. 42)

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os fundamentos históricos que trouxeram a representação política até os dias de

hoje, sempre sem se importar em afirmar verdades absolutas6.

Em alusão à importância da política na vida dos homens, conta Comparato

(2006, p. 35) que “no mito da criação do homem, contado por Protágoras no diálogo

de Platão do mesmo nome, os perigos do desenvolvimento da técnica sem um

correspondente progresso ético são claramente apontados.”7

Reza o mito que quando da criação dos animais, o Olimpo outorgou para

Epimeteu e Prometeu dar as qualidades necessárias para eles, o que acabou sendo

feito pelo primeiro e revisado pelo segundo. Ocorre que ele distribuiu as qualidades

a todos os animais, esquecendo-se do homem. Após constatar sua imprevidência,

Epimeteu conseguiu autorização para dar aos homens uma característica dos

deuses, ou seja, as técnicas de subsistência.

Contudo, após ter dado aos homens tais benefícios, tão mais especiais que

os dos outros animais, eles começaram a brigar entre si, pois não tinham a arte da

política, que era um atributo somente de Zeus, o qual então deixou que fosse

entregue a todos os sentimentos de justiça e de respeito pelos outros.

6 Arrisco-me a dizer que a verdade nunca será alcançada da forma como o homem deseja, pois ela não existe para o todo de forma constante e indivisível, mas sim é alterada e flexível como o mais fluido líquido existente, adaptando-se a cada realidade, a cada época, a cada situação da maneira como desejam seus interlocutores. A verdade existe no bem e no mal, até porque um somente existe pelo outro, uma vez que o último é a ausência do primeiro. Assim, caso se pretenda falar em moral, ética e justiça, estamos falando de outros valores, partes da verdade, mas não ela própria. Contudo, não se atrevam os maus (aos olhos dos bondosos) tentar passar suas verdades como absolutas, pois os sentidos dos seus ouvintes podem ser apurados ao ponto de abandonarem o palestrante a falar consigo mesmo. 7 Evitando permanecer somente na narrativa de Comparato, buscou-se o texto integral de PLATÃO para analisar o mito descrito, e em seu diálogo com PROTÁGORAS, em certo momento, lê-se: “[...] deste modo, o homem participava da herança divina e, devido ao parentesco com os deuses, foi o único dos animais a acreditar neles. Assim, começou a construir altares e imagens suas. Depois, rapidamente dominou a arte dos sons e das palavras e descobriu casas, vestuário, calçado, abrigos e os alimentos vindos da terra. [...] só que, ao associar-se, tratavam-se injustamente uns aos outros, já que não possuíam a arte de gerir a cidade. De modo que, novamente dispersos, se iam destruindo. [...] Zeus, então, inquieto, não fosse a nossa espécie desaparecer de todo, ordenou a Hermes que levasse aos homens respeito e justiça, para que houvesse na cidade ordem e laços que suscitassem a amizade. Hermes perguntou a Zeus de que modo haveria de dar aos homens justiça e respeito: Distribuo-os do mesmo modo que, no início, foram distribuídas as outras capacidades? As outras ficaram assim repartidas: um médico é suficiente para muitos leigos e o mesmo acontece com os outros especialistas. Atribuo, também, justiça e respeito aos homens deste modo, ou distribuo-os por todos? Por todos — respondeu Zeus — e que todos partilhem desses predicados, porque não haverá cidades, se somente uns poucos partilharem deles, como o fazem dos outros. Estabelece, pois, em meu nome, uma lei que extermine, como se se tratasse de uma peste para a cidade, todo aquele que não for capaz de partilhar de respeito e de justiça.” (PLATÃO, 2007, p. 212)

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O mito foi citado para se compreender o final da decisão de Zeus, que

determinou dar as técnicas de subsistência e a arte da política aos homens, mas

com um pequeno detalhe, “as técnicas ele distribuiu dentre os homens, cada um

com uma técnica diferente, pois não precisavam todos entender de tudo. Mas a arte

da política ele concedeu a todos.”

Essa estória nunca foi tão real como nos dias de hoje, de 20158, mesmo

sendo o mundo atual muito diferente dos séculos passados. Assim, ao se falar em

fundamentos históricos, estes devem ser compreendidos com o contexto daquela

época e sequer se está falando de algo que é diferente, mas sim de algo que não

existe mais, que já foi alterado e que não pode mais ser alcançado. Tudo,

absolutamente tudo que aconteceu ontem não pode mais ser refeito, seja o fato

ocorrido ou o que já foi dito. Portanto, mesmo sendo extremamente necessária a

abordagem de todo o histórico da representação política e da ética desde os

primórdios da humanidade conhecida, é muito importante que se compreenda que

este estudo está voltado para o presente e para a felicidade das próximas gerações,

pois embora o futuro também não exista, ao menos, se tenta intervir.

Ademais, não se pretende perder o enfoque da representatividade buscando

montar batalhas filosóficas em busca da verdade, pois não trarão o resultado prático

que se pretende com a abordagem desse tema, Até porque a verdade é individual,

de cada orador e por muitas vezes ainda é mutável, temporal e geográfica. O que se

tem por absoluto há milênios por alguns povos, pode ser tratado como ato criminoso

e repugnante em um cruzar de fronteira por outros, muitas vezes separados tão

somente por uma linha imaginária. Então, ao se pesquisar e estudar algum tema é

necessário se desprender de preconceitos e dogmas prontos e montados, pois eles,

respeitosamente, não retratam mais do que autor e leitor entendem por correto (e

mesmo assim divergentes) e duram poucos centímetros em volta de si mesmo.

Portanto, devem ser alguns retratados e outros compreendidos, mas a baliza das

decisões para o momento em que se vive é a atualidade, adequando histórias e

pensamentos para a nossa realidade, para a nossa verdade, para a nossa vontade.

Uma das poucas coisas que não é alterada em nenhum lugar do mundo, para

qualquer ser humano, é a necessidade do amor a alguém ou algo, mas normalmente

ao próximo. O amor é o combustível de toda representação verdadeira e sua

8 “[...] a modernização – seguindo uma comparação de Max Weber – não é um bonde, do qual se pode saltar em qualquer esquina quando bem se entenda.” (BECK, 2013, p. 182)

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semente é cultivada na alteridade. Assim, compreender que não existe

absolutamente nada acima ou na mesma altura do Bem e afastar em definitivo

qualquer pensamento que possa introduzir o mal no mesmo degrau será essencial

para enxergar os parágrafos adiante.

Diz-se isso porque a ética da felicidade em servir o outro é menos mutável

que a moral, visto que esta pode ser alterada a cada local e/ou a cada época, mas a

felicidade do semelhante não! Esta reflete momentos de bem estar em todos os

locais do planeta desde os primeiros seres humanos que existiram. Não existe forma

mais clara e precisa para saber se o que foi feito é o mais certo para uma localidade

que ver a felicidade nos rosto das “outras” pessoas, um claro sinal de aprovação e

de saúde9. E isso não teve início tão somente na antiga Suméria10 há cerca de 4500

a.C., mas sim desde que o primeiro humano viu a luz do Sol.

Afirma Edgar Morin (2011, p. 119) que:

A ideia da felicidade remonta ao zênite das civilizações individualistas. A desagregação dos valores tradicionais e das grandes transcendências se opera em seu benefício. Desde que a luta para sobreviver, o constrangimento ou a necessidade elementar se aliviam, a felicidade se incorpora à própria ideia de viver. [...] a felicidade não é nem comunitária, nem solitária, ela implica ambos os fatores. [...] a felicidade moderna é partilhada pela alternativa entre a prioridade dos valores afetivos e a prioridade dos valores materiais11, a prioridade do ser e a prioridade do ter, e ao mesmo tempo a força para superá-la, para conciliar o ser e o ter.

Além da felicidade, existe outro ponto de encontro entre os tempos, entre as

divisas: a representatividade. Não se está falando que todos gostam de ter políticos

tomando decisões por eles, mas sim no sentido de que todos buscam alguém que

tenham as mesmas ideias, que quer as mesmas coisas12 e que acredita nos

9 Fala-se em saúde porque nos países em desenvolvimento os problemas são os mais básicos possíveis. Se na Europa sequer compreendem como pode existir tanta gente passando fome, a verdade é que no Brasil, por exemplo, a maioria das pessoas sequer se preocupa com isso (ou transparece uma falsa preocupação), passando seus dias como se o problema não existisse. Eleitores votam exatamente nas mesmas pessoas e nas mesmas promessas em todas as Eleições, como se aprovassem o que se vê hoje. A ética começa com o povo, com os eleitores e não com os eleitos, que antes de tudo também votam. 10 Tida como a primeira civilização conhecida da raça humana como conhecemos hoje. 11 “a frase banal: “falta-me dinheiro para ser feliz” visa à felicidade presente, ao bem-estar, ao prazer, ao lazer... Trata-se de um dinheiro de despesa hedonista.” (EDGAR MORIN, 2011, p. 121) 12 É certo que existem teorias de que pessoas buscam os opostos (os opostos se atraem), mas não acredito que tal assertiva realmente retrate o mundo dos relacionamentos humanos por completo. Apesar de diferenças entre pessoas, amigos e casais serem

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mesmos fatos e atos. Busca-se alguém que de certa forma concorda com o que se

pensa e possa defender seus argumentos e suas necessidades individuais, as quais

se colocadas em conjunto com as dos semelhantes renascerão na forma de vontade

coletiva, de uma só vontade, vontade geral.13

O representante deve compreender o sentido que se pretende passar de que

– concordar com a vontade do outro não implica em não questioná-la, mas sim que

se deve representá-la – abdicando, se necessário, da imposição de sua própria

vontade, que deve se somar a do outro, ao qual o representante deve se igualar ao

máximo como se fossem uma só pessoa. O sentimento deve ser amparado no que

Derrida (2013, p. 17) exclama ao se despedir de Lévinas após sua morte:

Como sempre, a mesma meditação desenvolvida, mas a cada vez de maneira singular, todos os grandes temas aos quais o pensamento de Emmanuel Lévinas nos tinha despertado: o tema da responsabilidade em primeiro lugar, mas de uma responsabilidade “ilimitada” que ultrapassa e precede minha liberdade, a responsabilidade de um “sim incondicional”, segundo esse texto, de um “sim mais antigo que a espontaneidade ingênua”, um sim em acordo com esta retidão que é fidelidade original em

gritantes em algumas características (demonstrando uma falsa oposição), há similaridade no ponto principal, ou seja, na vontade de se amar, de buscar a felicidade um do outro e de fazer o bem entre si. Então, não importam as demais características acessórias, pois o motivo principal da união é o mesmo. Se todas as demais características permanecerem, opostas ou não, mas o amor não mais existir, não existirá mais nada. Assim, só o amor constrói! O que atrai é o amor e nada mais! Ponto final! E o amor não precisa de explicações, nem de origem - “o amor simplesmente é” - na mais clara interpretação de Parmênides. Contudo, este lado da antropologia e sociologia não é o foco deste estudo e será deixado para uma abordagem futura, pois no campo da representatividade os opostos não se atraem, uma vez que um capitalista não busca um comunista para falar por ele e vice-versa, tampouco um religioso busca um ateu para defender suas ideias. Enfim, se o ser humano às vezes busca o oposto para se relacionar (em uma tentativa, mesmo que oculta, de mudar o polo do outro, convencê-lo, formar o todo juntando as opiniões) não o faz para representá-lo. 13 A vontade geral aqui aparece como a soma de ideias e não somente como algo separado. Mas isso deve ser melhor compreendido, pois em verdade é uma só, fruto de todas. Isso não é de tão difícil compreensão, senão vejamos em um exemplo bem simplório e absolutamente materialista, atual e real: O vizinho X entende que as calçadas de frente de sua casa devem ser melhoradas e queria pedras redondas nas mesmas. O vizinho Y também quer as melhoras, mas com pedras quadradas. Ambos pretendem a mesma coisa, mas de formas diferentes e possivelmente se fizerem as mudanças por conta própria trarão o desagrado para o seu vizinho tão somente para o atendimento de sua vontade individual. Então, cede-se parte da liberdade de tal escolha para o Estado, o qual fixa regra para tal ato que comporte as melhorias agradando a ambos em parte. Outro exemplo simples é a segurança pública. O cidadão outorga ao Estado o dever de manter a sociedade segura em troca dele não praticar a defesa pelas próprias mãos, aplicando as penas que entender necessárias para cada caso de violência. Isso é ver um representante indo de encontro à vontade geral, ou seja, reunião das vontades individuais sem detrimento de nenhuma delas e mediante cessão parcial da liberdade. Estamos à frente do Contrato Social. A cessão é somente parcial porque pode ser devolvida ao eleitor, ao cidadão, que deve ter o poder de mudança se entender não estar mais representado.

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relação a uma aliança irresilível. [...] “retidão extrema do rosto do próximo” como “retidão de uma exposição à morte, sem defesa”.

Qualquer coisa além ou aquém disso quando se representa alguém não é

neste trabalho visto como um resultado de pura ética. Ao abandonar o foco no outro

o político perde a noção de interesse público, o qual se evidencia (mesmo

respeitando os conceitos jurídicos que serão trazidos no transcorrer do trabalho) por

agir pelo outro, sendo este outro, neste caso, toda a coletividade.

Apesar de que o correto seja a busca da (quase utópica) ocultação ou

anonimato para atos de bem, ou seja, não se deve praticá-lo somente pelo desejo

de qualquer espécie de medalha14 ou reconhecimento explícito e/ou público, os

líderes também são lembrados por terem entendido o que significa representar e

não existe melhor forma de fazer o bem que representando de forma verossímil a

vontade popular. O que se quer dizer é que mesmo não sendo o reconhecimento o

desejo do verdadeiro servidor público, este o recebe quando, acima de tudo, serve.

Ao administrar o povo (ou legislar para este) com representatividade certamente o

político será lembrado como sendo o chefe15 de um bom governo independente do

sistema vigente na época ou em seu país. É diferente que tentar agradar a todos. O

bom representante somente pensa no povo e nas melhorias para a sua comunidade

e mesmo com todo o poder que possa ter em mãos, escolhe o próximo. Esse

sempre foi um excelente termômetro para bons representantes, sejam reis,

presidentes, primeiros ministros, governadores, prefeitos e principalmente

14 Aqui não se pretende imputar o voluntariado financeiro para ninguém, menos ainda para políticos, pois vivemos em um dos maiores momentos capitalistas da história, onde não se vive sem dinheiro (em nenhum momento se viveu sem alguma espécie, nem que seja de escambo) e o mínimo que qualquer trabalhador precisa é ser remunerado com justiça. Deixar de remunerar o político é fazer dele um escravo, o que não se busca, pois se estaria indo contra tudo que se defende e acredita neste texto. Além disso, os que falam na função pública ser uma segunda função para que a renda seja retirada de outra (como se o político permanecesse em seu labor original) pecam em sua afirmação, possivelmente feita porque nunca estiveram à frente do atendimento do interesse público, o qual precisa de esforço, físico, mental e temporal, como qualquer atividade privada. Assim, deve tal atuação ser remunerada de forma justa. Até mesmo filósofos compreenderam a importância de prover as necessidades mínimas financeiras, como bem confirma Schopenhauer, (2014, p. 6): “Por conta disso também gozei do direito de zelar para que o sustento proveniente de minha herança paterna – que por tanto tempo me manteve e sem o qual o mundo jamais teria tido algo de mim – durasse até minha idade avançada. Ofício algum no mundo, nenhum cargo de ministro ou de governador me indenizariam pela perda do meu ócio livre, privilégio que me veio de família.” Em similar raciocínio, afirma Voltaire (2015, p. 18): “E em toda a extensão deste globo, não podemos sofrer uma sangria nem fazer uma lavagem intestinal sem pagar ou sem que haja alguém que pague por nós.” 15 No sentido livre de liderança, não necessariamente de hierarquia.

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vereadores, deputados e senadores, pois as leis devem ser reflexos dos paradigmas

sociais da época e localidade. A imutabilidade da lei16 não deve ser vista como algo

útil, salvo até a próxima curva do tempo.

Com todo respeito às teorias e governos, o que realmente importa é

representatividade do outro. Os sistemas de governos são criados para melhorar tal

condição, como as instituições democráticas, as quais buscam incessantemente a

participação popular de forma material para que tenhamos decisões que agradem a

gregos e troianos17. O que foi a Revolução Francesa senão uma revolta contra uma

monarquia e uma igreja que não representavam em nada o que o povo entendia

como sua vontade na época? Esse é o conceito que se pretende abordar, traçando

paralelos que possam ajudar e serem interpretados para o norte da representação

popular.

Enfim, sem desejar impor qualquer verdade, passa-se a estudar os

pensamentos e experiências da história acerca da ética na política, dos políticos e

da foça da representatividade. Como já dito anteriormente, o termo eleitor deve ser

compreendido em sua utilização. Quando se fala aqui em eleitor, em povo, em

comunidade, em cidadão, está se falando da mesma força, da mesma pessoa, ou

seja, do representado. Assim, se o texto falar em eleitor onde o sistema de governo

não permitia tal figura (como conhecida hoje), deve se deixar de lado as morfologias

atuais em busca do que realmente se pretende, a representação. Até porque falar

16 Quando se critica a imutabilidade da lei não se está criticando sua positividade e formalidade, pois princípios também podem e devem ser positivados e leis positivas também podem e devem ser alteradas. 17 A expressão idiomática agradar a gregos e troianos nasceu como um exemplo da dificuldade de se representar povos diferentes, de unir verdades diferentes. Surgiu na época da Guerra de Tróia, após o rapto de Helena (Grega e casada com Menelau) pelo príncipe Paris (Troiano). A união e a conciliação foram impossíveis e somente a guerra e o cavalo de troia resolveu a questão. Assim, de tal expressão se tira o ensinamento de que a verdade, como já dito, não existe, ela é temporal, geográfica e pessoal. Devemos parar de buscá-la e afirmá-la como algo que precisamos fazer convencer. A melhor maneira de concordar com a verdade do outro, com a vontade do outro, é cedendo parte de sua liberdade, de sua crença, em prol de uma verdade, de uma vontade, que atenda a todos. Por essa razão que se fala que o Estado deve atuar e representar o povo no que todos acreditam ser de sua responsabilidade, deixando os detalhes individuais para a parte da liberdade que ainda é de cada um. Se tivessem entendido isso em Tróia a guerra teria sido evitada. Mas, em prol de demonstrar a importância do amor foi válida, pois como já dito, é o que verdadeiramente atrai. E não foi tratado somente o amor de homem para mulher, mas também o de pai para filho e de governante para governado, pois os reis compraram a defesa dos seus. Faltou-lhes apensas a compreensão de que a divisa não existia, era apenas geográfica e temporal e um dia acabaria (como acabou). O que poderia ter unido os povos, acabou por destruir parte deles.

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em eleitor hoje pode ser um sofisma18 se desamparado dos conceitos éticos, pois

aparenta ser o que não é, visto que principalmente nas democracias dos países

menos desenvolvidos, apesar de existirem direitos adquiridos formalmente (Lassalle

x Hesse) pela Constituição, eles não são vistos na prática.

O importante é debater internamente as questões que serão levantadas nos

próximos parágrafos, os quais trazem um breve relato do que a humanidade pensou

na seara da política como solução aos conflitos éticos e morais de cada época19. A

concentração e a interpretação deles fizeram o homem de hoje, seja para praticar

um bem maior, menor ou para sua ausência, o mal.

Neste ponto deve ser compreendido que uma das diferenças entre a

Antiguidade (Grécia, Roma e outras sociedades), a Idade Média e a Idade Moderna

(se assim se pode dizer, a partir do Iluminismo) está também em qual era o mote da

preocupação das pessoas, o que as movia.

Se colocarmos como paradigma a vontade do outro - do próximo - veremos

que isso somente veio a ocorrer de verdade com a modernidade. Na Grécia Antiga o

que prevalecia era a visão de que o ser humano tinha sim uma motivação para viver,

uma razão especial para estar no mundo (e isso já era um grande avanço) e um

papel a ser realizado (por essa razão se passou a respeitar todas as vidas), mas tal

papel não estava muito ligado ao próximo. As pessoas não se importavam em

questionar o que o vizinho estava fazendo, seja para ele ou para o todo. O todo da

Grécia era o Universo, o Cosmos que estava ligado a cada ser humano.

As pessoas entendiam que possuíam uma ligação direta com o Universo e

que era com este que tinham que se relacionar como a energia que comandava

tudo. Saíram as divindades e entrou o Cosmos. O importante era o crescimento

individual em relação a essa energia e por tal razão a opinião de todos era

importante. Todos tinham que colaborar para que o Universo caminhasse em sua

evolução. Essa colaboração poderia até se juntar ao final, mas o início nunca era

coletivo, mas sim individual.

18 A palavra sofista primeiro surgiu como uma palavra positiva, atribuída aos sábios e à experiência e especialidade de alguém. Como o tempo os filósofos denotaram negatividade ao conceito, como sendo pessoas (ou a técnica) de enganar alguém com argumentos, com a imposição de sua verdade. Aristóteles falava que sofisma era algo que embora pareça verdadeiro, não é, mas sim força, normalmente, do discurso. 19 Novamente se ressalva que se trata da opinião e interpretação do autor, o qual não tem qualquer interesse em ter razão.

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Após e principalmente na Idade Média, o Cosmos deu lugar à Deus, que

passou a ser a régua para as decisões e para tudo que se podia ou não fazer. As

atitudes de todos, desde o pobre até o monarca, deveriam estar enraizadas nas

soluções religiosas, as quais pautavam a felicidade de cada um. Assim, o homem

não estava mais preocupado em seu lugar no Cosmos, mas sim em seu lugar com

Deus.

Se na Idade Antiga a relação entre os seres humanos tinha como

intermediário o Universo, na Idade Média tinha Deus. Não existia relação direta com

o próximo até este momento, ou seja, a preocupação com o próximo ainda era

secundária, como se o Universo e Deus viessem em primeiro lugar. Depois deles, se

a atitude estivesse correta, aí sim a pessoa poderia se preocupar com o que o outro

estava fazendo.

A partir de meados de 1600 as coisas começam a mudar. René Descartes e

suas “regras para a direção do espírito” tiveram certa influência em tal curva de

pensamento e antes de continuar com o raciocínio da evolução com base no

próximo, cita-se o mestre francês:

[...] e para não deixar de viver, desde então, o mais feliz que me fosse possível, formei para mim mesmo uma moral provisória, consistindo em três ou quatro máximas que desejo trazer ao vosso conhecimento. A primeira consistia em obedecer às leis e aos costumes do meu país, conservando sempre a religião em que Deus me concedeu a graça de ser instruído desde a infância, e orientando-me em tudo o mais pelas opiniões mais moderadas e que mais se afastassem do excesso, geralmente acolhidas em prática pelos mais sensatos entre os quais eu deveria viver. [...] E, entre diversas opiniões igualmente admitidas, eu só escolhia as mais moderadas, tanto porque são sempre as mais cômodas para a prática e verossimilmente as melhores, pois todo excesso em gera é mau, como também para me desviar menos do verdadeiro caminho quando induzido a errar; e isso porque, se tivesse escolhido um dos extremos, poderia ter sido o outro o que deveria ter tomado. Minha segunda máxima consistia em ser tão firme e tão resoluto quanto possível nas minhas ações; e – desde que me tivesse decidido a tanto – em seguir as opiniões mais duvidosas, com constância não menor do que fossem muito seguras. [...] Minha terceira máxima consistia em procurar sempre vencer antes a mim mesmo do que à fortuna, em modificar antes os meus desejos do que a ordem do mundo, e, de um modo geral, em acostumar-me a acreditar que não há nada que esteja tão inteiramente em nosso poder como os nossos pensamentos, de maneira que, depois de termos feito o melhor possível no que diz respeito às coisas que nos são exteriores, tudo o mais que não conseguimos nos sair bem é, em relação a nós, absolutamente impossível. E só isso me parecia suficiente para evitar que eu desejasse no futuro o que não podia alcançar e para dar-me, assim, por satisfeito. (DESCARTES, 2005, p. 35-37)

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É claramente visto que a razão pessoal e o sopesamento de opiniões dos

outros começam a imperar nas decisões, embora Deus ainda apareça de certa

forma como um porto seguro. Não se decidia mais somente com as opiniões

religiosas, sendo uma espécie de caminho do meio (que séculos após seria o berço

do sopesamento de princípios) para cada caso concreto o melhor a ser escolhido. E

mais, na dúvida, a razão pessoal era a melhor das decisões.

Isso ficou ainda mais claro adiante, na mesma obra:

[...] pois, enfim, quer acordados, quer dormindo, nunca nos devemos deixar persuadir senão pela evidência da nossa razão. Note-se que digo da nossa razão, e não da nossa imaginação ou dos nossos sentidos. [...] E como os nossos raciocínios nunca são tão evidentes nem tão completos durante o sono como durante a vigília, apesar de a nossa imaginação se apresentar, algumas vezes, mais viva e expressa naquele período, a razão nos dita, também, que, não podendo os nossos pensamentos ser inteiramente verdadeiros, por não sermos de todo perfeitos, o que eles têm de verdade deve encontrar-se infalivelmente nos que nos ocorrem quando acordados, mais do que naqueles que ocorrem em nosso sonhos. (DESCARTES, 2005, p. 46)

A partir de então, passaram os homens a se preocupar mais com a razão e

com o que pensavam eles e (um pouco) com o que os outros pensavam.

Desse ponto até os dias de hoje a evolução caminhou no sentido do próximo.

O existencialismo e individualismo deram asas a outros pensamentos coletivos,

chegando o homem à conclusão de que a sua felicidade não dependia somente do

papel dele no Cosmos ou do filtro de Deus (até porque a religião a partir da Idade

Média passou a pregar muitas frentes, muitas verdades), mas sim do bem estar

comum, harmônico não com todo o Universo ou com o Clero, mas sim com o outro,

com o próximo. É nesse ponto que devemos chegar ao final de toda a pesquisa que

ora se apresenta. O início, como explicado, com Tales.

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2.1 OS PRÉ-SOCRÁTICOS

Trabalhar com os pensamentos dos gênios da humanidade é caminho árduo,

pois para cada mente são necessários muitos e muitos livros, os quais já existem

aos milhares. O que se pretende humildemente é traçar uma linha que passe por

alguns deles, sem desprezo dos demais. A análise nos próximos parágrafos segue

uma lógica temporal.

Anteriormente ao estudo das falas e escritas dos pensadores que aos poucos

formaram a ética atual do ser humano, é importante destacar que o posicionamento

dominante da doutrina humana é que tal conceito é atributo do homem e não da

natureza20, mas tal questão nunca será pacificada, pois o “natural” para os olhos que

podem ver sempre nos dá exemplos de bondade e compreensão, seja no mundo

vegetal, animal e principalmente religioso e espiritual. Acreditar na ética fora do

pequeno mundo dos homens é necessário para viver em harmonia com todos os

seres.

Animais (ditos selvagens ou não) defendem sua prole, familiares e até mesmo

bandos com grande vontade e capacidade e não é raro presenciar momentos de

extremo amor de mães, pais e filhos entre os que o ser humano denominou de

“bichos”. Coloque lado a lado mulheres e fêmeas de animais logo após o momento

de nascimento de seus filhos; observem os mesmos personagens durante a busca e

alimentação dos menores ainda sob os cuidados da mãe; em momentos de proteção

e educação e, por fim, presenciem a injusta morte antecipada de filhos na presença

de seus pais, homens ou “bichos”. Após a visualização dessas cenas tente

responder novamente a mesma pergunta: Existe ética entre na natureza ou somente

nos homens? Caso a resposta permaneça ainda negativa e realmente o leitor insista

em observar somente as diferenças entre as coisas do mundo, o que se respeita 20 Tão somente para enfatizar tal corrente, a qual ainda não convenceu a todos: “É claro que não acreditamos em nenhuma espécie verdadeiramente ética entre os seres vivos, fora do âmbito humano. A ética, como exaustivamente iremos observar, é uma construção humana, demasiadamente humana, assim como os mais cruéis e dolorosos comportamentos antiéticos tão peculiares à nossa “elevada e nobre espécie. Lembramos que não existe uma ética da natureza. O bem e o mal são juízos de valor da essência humana. O estratagema perigoso no qual o mais forte deve sobreviver e o mais fraco morrer é peculiar à barbárie e não às culturas ditas civilizadas ou inclusive às ditas primitivas. Parece-nos que a estrutura latente da civilização é a barbárie vinculada às hordas primitivas e nômades. Civilizar, em última instância, significa domesticar pulsões agressivas e sexuais do homem, uma espécie de aculturamento capaz de neutralizar as perversidades homicidas e canibalistas.” (CARLOS ROBERTO ARICÓ, 2001, p. 48)

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dentro da mais pura ética, informa-se que até mesmo o mais descrente e agnóstico

cientista poderá lhe confirmar que tudo que vemos na Terra é composto das

mesmas coisas e, ao final do ciclo da vida volta a ser a mesma “coisa”21. Assim, a

única “coisa” que se tem certeza é que ao diminuirmos o animal homem “tão

evoluído” e o animal “menos evoluído” que alguém possa apontar, teremos

surpreendentemente o mesmo resultado atômico.

Assim, este texto não pretende de forma alguma diminuir as conquistas da

raça humana no que tange aos seus sentimentos e inteligência para o convívio

social, muito menos sua dominação atual no planeta e menos ainda deixar de se

atentar para as evoluções espirituais e religiosas que se percebe com nitidez dentre

os homens, mas sim evitar o fechamento das mentes logo no início do debate, pois

o objetivo é falar de ética e, por mais incrível que se possa parecer, até mesmo isso

os animais “selvagens” também possuem. Muitos chegam a matar por prazer e sem

necessidade e alegam que sua raça é mais ética que raças que normalmente não

matam seus semelhantes e, mesmo assim, só o fazem com as outras raças quando

se tem fome ou na educação da prole. Mas isso é outro debate.

O que se precisa entender é que diferenças existem sim, inclusive entre

absolutamente tudo que está na face da terra, pois uma combinação atômica e

energética nunca é idêntica e absolutamente todos são diferentes e se encontram

em graus diversos da evolução universal. Mas isso não dá direito a absolutamente

ninguém tratar alguém ou algo com desrespeito, pois o mundo “convive” e não

“vive”. Esse é o marco primário de nossa pesquisa sobre ética e sem essa

compreensão nada será possível.

Foi justamente tentando buscar uma união entre tudo e uma explicação além

das já existentes que Tales dá início a nossa régua do tempo22.

Já nos idos de 700 a.C. 23, Tales24 lutava pelo que hoje lutamos através desse

texto, ou seja, ele desejava ser ouvido, ter suas ideias discutidas e não aceitava a

21 Os pensadores antigos sequer tinham este privilégio da ciência dizendo que todos, no fundo, somos iguais e mesmo assim muitos gritaram isso aos quatro cantos conhecidos da Terra a cada época, mesmo certos de que a pena para isso seria o retorno ao átomo, à morte da vida, ao menos daquela vida. Provavelmente essa era a certeza interna que trazia coragem para alguns. 22 O início das argumentações ocorre com os pré-socráticos. Grande parte da filosofia denomina assim os pensadores que antecederam os ensinamentos de Sócrates. Estão nesse conjunto os das seguintes escolas: Jônica, Itálica, Eleática, Pluralidade, Eclética. A divisão é mais didática que evolutiva, pois nunca se pretendeu diminuir os estudos de qualquer um deles, embora Sócrates, como será visto, marcou realmente época a partir do momento que entendeu que nada sabia.

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imposição de verdades. O importante aqui não foram seus raciocínios sobre a

substância fundamental, mas sim o fato dele não aceitar o que as autoridades

superiores da época impunham, moldando a verdade e a vontade do povo. Ele não

se sentia representado por aqueles argumentos e procurava outros, procurava algo

que falasse por ele.

Praticamente na mesma época, mas em outra realidade geográfica (China),

surgia o taoísmo de Lao-Tsé, que pregava um governo justo baseado no que ele

entedia por virtude do respeito ao equilíbrio, tendo a natureza como exemplo

principal. Sua obra Tao Te Ching (o livro do caminho e da virtude) tratou da relação

paz/tranquilidade/simplicidade/harmonia/natureza como poucos ensinamentos até

hoje. O que se destaca aqui é a sua parte pública, pois ele afirmava que um governo

justo deixaria o homem agir como desejasse.25 Se está falando novamente no

governante ser o governado, sentir o que este precisa e não querer alterar sua

essência. Levar a ele o que precisa e deixar que viva em seu estado natural, da

forma que o deixe feliz.

Avançando cerca de duzentos anos, já no idos de 500 a.C., encontra-se

Pitágoras. O que o trouxe a este estudo foi sua liderança e capacidade de

representar vontades. O matemático chegou a montar uma comunidade no sul da

Itália onde todos acreditavam que as respostas estavam na mistura de misticismo e

ciência. O grupo foi perseguido e a união desfeita, uma vez que não se admitia a

discussão de assuntos diferentes dos que governavam na época. A genialidade dele

e de suas ideias representavam o pensar de um todo que concordava com o eixo

dos seus ensinamentos e isso os uniu em prol de uma vida comum como não existia

no Mediterrâneo daquele tempo. Apesar de ser um lado menos conhecido de um

dos maiores gênios que a humanidade conheceu, para este texto tal atitude se

23 Deixou-se de lado a antiguidade egípcia ou o que tenha vindo antes dela, pois o trabalho não é um resumo histórico da humanidade. Assim, houve a necessidade de se traçar um ponto de partida e escolheu-se o mundo antigo de Tales. 24 O filósofo Tales, que se tem por nascido em 624 a.C., em Mileto, onde agora fica a Turquia, é tido por muitos como o primeiro dos filósofos porque não se tem notícia de ninguém antes dele que tenha tentado se livrar das explicações mitológicas e religiosas para compreender como as coisas aconteciam. Afirmava ele que as coisas deveriam ser feitas de uma só substância, que para ele era a água, a mais abundante do Planeta. Também foi um grande mestre da matemática, sendo reconhecido até os dias de hoje, tendo inclusive previsto eclipses já naquela época. 25 A prática do taoísmo busca o não ser, o não fazer. Não como algo inerte ao mundo, ocioso, mas sim como não imposição da ambição e da submissão às vontades que não são de todos.

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mostrou importante, pois demonstrou a força da representatividade mesmo diante da

oposição de todos os demais.

E foi nessa mesma época que surgiu Buda (Sidarta Gautama), na Índia. Entre

tudo que defendeu, a filosofia do caminho do meio é algo que pode ser aproveitado

neste momento. Dizia “o iluminado”: “não acredito em nada, não importa onde você

o leia ou quem o diga, a menos que esteja de acordo com sua própria razão”

(DOUGLAS KIM et. al., 2011, p. 32). Desde Tales, a luta é pela não imposição de

verdades. Esteja ela onde for, o que se pretende é valorizar o pensamento de cada

um, a verdade de cada um.26 Buda conheceu bem isso e conseguiu liderar e

representar onde quer que tenha ido, pois entendeu as dificuldades e as

necessidades de cada ser humano que conheceu, aprendendo com ele e ensinando

ao mesmo tempo. Foi doação total ao “outro”. O prêmio Nobel da literatura,

Hermann Hesse (2014, p. 40), descreve Sidarta em um dos seus diálogos em sua

obra de mesmo nome:

Nunca vi homem algum que me olhasse e sorrisse assim, que tivesse esse modo de andar e de sentar-se – pensou o jovem. “Quem me dera olhar, sorrir, caminhar, manter-me sentado à sua maneira, com esse quê de liberdade, de dignidade, de discrição, de ingenuidade, de franqueza e de mistério! Somente pode olhar e caminhar dessa maneira quem tiver penetrado no âmago de sua personalidade. Pois então, também eu me empenharei em penetrar no âmago de minha alma.”

A relação da representatividade tem nuances desses ensinamentos, pois no

momento em que se cede parte da liberdade individual ao Estado para se alcançar o

que se deseja está se buscando o caminho da junção das duas vontades, ou seja, a

do indivíduo em obter o que precisa e a do Estado que deve satisfazer não somente

aquela vontade, mas sim a de todos. O liame conciliatório dessa relação é luzente

aos olhos de quem deseja ver.

26 Não obstante se ter como verdade ou não o que Gautama afirmou, o que importa é interpretar que a ética e moral de seus estudos em muito se assemelham ao que se busca hoje. Não se fala das causas do sofrimento das “quatro nobres verdades”, mas sim das regras do caminho óctuplo, um dos maiores símbolos de seus ensinamentos, que buscava as seguintes regras: consciência correta; ação correta; intenção correta; modo de vida correto; esforço correto; concentração correta; fala correta; compreensão correta. Está se falando do que hoje chamamos ser ético.

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Os Analectos27 de Confúcio trouxeram grandes ensinamentos éticos sobre a

política e a estrutura social. Ele tinha por dever dos governantes o ato de agir com

virtude para se chegar a uma sociedade mais justa. A novidade de seus estudos

neste momento está na intensa busca da estabilidade. Entendia o professor chinês

que não adiantava o governante fazer o bem e a justiça para seus governados, mas

sim deveria pensar na manutenção disso, para que não houvesse o cessar de tais

conquistas. A estabilidade da harmonia deveria ser uma de suas principais metas.

De seus ensinamentos podem ser extraídos valores como lealdade e a fidelidade,

seus pilares. Assim, se o representante é justo e correto, seus súditos devem ser

leais a ele. A reciprocidade é importante! Outro ponto era o fato de Confúcio

entender que a sociedade podia ser modificada pelos exemplos que dava: “a

sinceridade torna-se visível. Sendo visível, ela torna-se manifesta, torna-se brilhante.

Afetando outros, eles são modificados por ela, eles são transformados, Apenas

aquele que é possuído pela mais completa sinceridade existente sob o Céu pode

transformar” (DOUGLAS KIM et. al., 2011, p. 38). Não importa aqui o fundo religioso

do texto, mas sim o fato de sermos exemplos para nós mesmos e para os outros. A

ética do político está envolvida neste contexto de forma umbilical.

Outra grande virada de página da história para este estudo se dá nos

argumentos de Heráclito e Parmênides. Até porque eles dão início à época de

Protágoras, Sócrates, Platão e Aristóteles, que serão tratados nos capítulos

ulteriores. Enquanto nos primeiros anos citados anteriormente se iniciou uma

discussão entre o que se pensava e desejava em contrapartida ao que se via na

realidade da sociedade, agora a soma de vontades em um meio visível (mas

mutável) aparece como algo já conquistado (o caminho acima e o caminho abaixo

são um só e o mesmo) e que não se desejava mais discutir (embora se continue até

hoje).

Não que o monismo da logos de Heráclito seja o marco principal da presente

pesquisa, mas sim porque a estrutura central de seu pensamento, ou seja, de que

tudo seria parte de um único fundamento, apesar de em constante fluxo é algo que

hora se defende quando se afirma que - mesmo sendo todos diferentes e estando

tudo em constante transformação, o que se busca é a representatividade do povo

como uma linha única e mestra para a certeza da uma política ética - Tem-se que

27 Coleção de fragmentos dos ensinamentos de Confúcio reunidos por seus discípulos.

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entender que apesar do rio (sociedade) ser tratado como algo imutável, ele está em

constante alteração28. “Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”29 já ensinava o

filósofo. Traduzindo Heráclito, Donald Schuler (2007, p. 20) chegou ao seguinte

ensinamento:

[...] O homem deixa de ser idiota quando sai de si e constata que há coisas que dependem dele, que há outros eus com direitos iguais aos dele, que ele não existe só, que ele se faz com eles. [...] Acompanhemos as implicações políticas do comum. A cidade-estado, ao incentivar os homens a tomarem o destino em suas próprias mãos, dessacraliza. Nada do que pertence ao domínio público deve ser regulado por um único indivíduo. Assuntos comuns são tratados no debate, a guerra de palavras que gera o bem comum. O discurso sustenta, congrega, une, critica, vigia, reina. O discurso propõe o Discurso, base da democracia universal que abriga todos os seres.

Muito clara está a posição de Heráclito contra as formas absolutistas de

poder. O que ele pregava era o discurso com o combate sadio de ideias e opiniões

para se chegar a um ponto que pudesse representar e unir o pensamento de todos.

Seus aforismas lutam contra a prisão do conhecimento particular em detrimento do

que ele chamava de “com-um”. Dizia ele em seu texto original: “Por isso convém

seguir o com-um, pois o com-um é o geral. No entanto, embora o discurso seja com-

um, vivem as multidões como se tivessem conhecimento particular.” (ibid., p. 17).

Para Heráclito o mundo não é imutável e tão líquido e certo como os números

de Pitágoras. Aqui tudo pode influenciar os acontecimentos, principalmente a

moralidade ou a imoralidade, ambas nascidas após um paradigma da ética.

Representar indivíduos é agir com a compreensão de que as opiniões são

diferentes, mas que todas devem ter um ponto em comum, como as águas que

mesmo diferentes se juntam no rio para irem ao mar. E nada muda isso no final,

embora durante o curso muitas sejam suas possibilidades. O que pode ser alterado

28 “O movimento não seria aparência, mas a própria natureza de tudo que existe. Razão pela qual tudo que se pode conhecer de algo é que, seja como for, muda perpetuamente.” (FLAMARION CALDEIRA RAMOS et. al., 2015, p. 24) 29 “O rio em que entra Heráclito é sem nome, sem personalidade. Heráclito entrou várias vezes no mesmo rio; na verdade, entrou todos os dias; ou melhor, contemplou-se já dentro do rio, se o rio é o da existência. A entrada deu-se como o abrir de olhos atentos. E, quando se punha a examinar, percebia que, embora o rio fosse o mesmo, outras eram as águas, e ele, que as contemplava, já não era igual a si mesmo. [...] Não entramos no rio por acaso. Procuramos o rio por motivos diversos: para atravessá-lo, para nos banharmos, para navegar. Se entrarmos no mesmo rio com intenções diferentes, não somos os mesmos, de outro será o rio, afetado pela diversidade dos nossos interesses.” (ibid., p. 134)

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é como essa água irá chegar ao mar, mas sempre chegará, nem que seja pela

chuva após sua evaporação.

O representante tem por papel sua atuação em prol de algo, que deve ser

recheado pela soma dos debates dos indivíduos de sua comunidade. Este é o

primeiro desafio, o segundo será a forma de atuar com tal representação depois de

identificada a vontade. Para tal conceito não se pode diferenciar a espécie de

governante, pois não importa. Isso somente significará seu porte, ou seja, o quanto

grande é seu tapete de retalhos. Se falarmos de um presidente da república, por

certo é um soberano de toda uma nação e seu governo deve representar a

totalidade das vontades de um povo. Já um prefeito deve, mutatis mutandis

representar os anseios de sua comunidade local. Da mesma forma são os

representantes do legislativo.

Contudo, como dito, os papeis não importam, pois todos que atuam no

serviço público, inclusive os não eleitos (apesar do foco nos eleitos), devem estar

imbuídos do mesmo sentimento, ou seja, o sacerdócio de limitar sua vontade

individual em prol do coletivo.30 O que se aborda no contexto desse trabalho é que o

individualismo não tem espaço quando se fala em representatividade, em poder

público, em política publica. Ademais, não se defende aqui a ideia de que o eleito ao

se eleger se desliga dos seus votos originários e passa a representar o todo. Ele

representa sim sempre o todo, no sentido de representar também o que não votou

30 Pode causar certa estranheza o discurso de se abdicar de sua vontade em prol do coletivo, uma vez que para Rousseau alguns estudiosos defendem que seu discurso dizia não existir vontade individual, mas sim somente a vontade geral. Então, são necessários dois esclarecimentos: a) o primeiro é que os ensinamentos de Rousseau foram tomados como marco, mas não como verdade absoluta. Assim, a presente pesquisa busca novas soluções, trazendo o seu gosto pessoal, fruto das alterações que se entendem pontuais para a atualidade. Caso contrário, estaríamos impondo alguns critérios do contrato social de Rousseau que não são mais cabíveis hoje, mas eram luvas feitas sob medida para aquele tempo. Portanto, busca-se em Rousseau e Lévinas os pilares da ponte que se pretende construir, mas que possui também outros insumos e pretende levar a humanidade de ontem para a humanidade de hoje através de um caminho que foi aos poucos sendo confeccionado com os materiais necessários para a realidade atual, incluindo pequenas mudanças nos próprios pilares, que devem comportar o peso da sociedade do Século XXI; b) o segundo esclarecimento é que Rousseau falava em vontade geral, mas nunca falou em unanimidade (apesar de alguns equívocos interpretativos). Além disso, a vontade geral não era a soma de todas as vontades, mas sim somente o que era repassado ao estado como sua responsabilidade. Não está errado então o texto ao afirmar que uma pessoa deve abdicar de sua vontade individual em prol da vontade geral (o coletivo) onde elas estiverem em conflito. É exatamente o que deve ser feito, ainda mais quando o outro pilar deste estudo tem o outro como prioridade absoluta, o que também concordamos. O servidor público então está sempre a serviço do público e não dele próprio, não tendo o direito de fazer escolhas pessoais, mas sim executar o que já está escolhido pelo outro, pois ele é o outro enquanto atua em nome do coletivo.

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nele, pois o que a ele se prende neste caso não é o voto, mas sim a representação

da vontade de sua origem. Ao ganhar uma eleição o representante é quem cuida

daquela comunidade e não pode se voltar apenas para os que votaram nele, até

porque, em tese, normalmente sequer terá este domínio. O que ele não pode é

deixar de atender ao todo que representa para atender uma vontade individual ou de

terceiro, sob pena da quebra de sua outorga. O contrato social atual é firmado para

que o Estado resolva as questões a que se obrigou.

Fernando Knoerr (2009, p. 17) explica a dicotomia HERÁCLITO e

PARMÊNIDES:

Já na transição do período cosmológico da fase pré-socrática para o período humanista, reaviva-se a discussão sobre a metafísica a partir da clássica controvérsia estabelecida entre Heráclito e Parmênides. Aquele busca a resposta à questão ontológica afirmando que o SER existe e permanece porque se encontra em constante movimento (dialética). Este demonstrando que o SER é dialético, o SER é imutável. Com esta separação, vislumbrando em todo SER algo que é aparente e mutável (phaenomenon), e algo que lhe é imanente e imutável (noumenon), desponta a metafísica no sentido que historicamente a consagrou, amparada na constatação de que a aparência pode ser captada pelos sentidos (aliás, os sentidos captam a aparência), pois o que é imanente e imutável, o que, em síntese, está além do físico (metafísico), somente será apreendido pela razão (logos). Apenas a razão capta o que é permanente. A sensibilidade limita-se a captar o que é transitório.

O próprio entendimento de Parmênides (2013, p. 21) deixa claro que:

Não há quem tenha vindo ao mundo por vontade sua. A vida é uma força anônima que demora até achar um nome. Por mais que tenha florido num encontro de desejos. Tudo começa num tempo e num lugar. Como por acaso. Mas só aparentemente. Porque o tempo nunca é só de alguém, e o espaço é sempre de muito mais gente. O agora e o aqui já eram de outros, antes de serem nossos. De toda uma sociedade, de um país, de um mundo inteiro. Nos quais todos somos, porque deles nascemos. E é para eles que vivemos, apesar de só mais tarde podermos compreender. Tudo encontramos já feito à chegada. Tudo deixaremos à partida. E, contudo, nesse breve instante entre um e outro tempo, tudo é ao mesmo tempo nosso e muito mais que nosso.

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Encerrando (como se isso fosse possível) a discussão ao menos para este

texto do que se espera tirar dos ensinamentos de ambos, Heráclito e Parmênides31,

temos que, como bem também disse Lévinas séculos após, ao menos uma coisa

deve ser imutável, “o Bem”, mas, contudo, não pode ser compreendido como algo

alcançado somente pelas mesmas atitudes, pois a forma de pensar nele32 e o atuar

dele é sim mutável como as águas do rio. O Bem simplesmente é!33 Após isso, nada

mais deve ser dito, só compreendido.

31 “Sendo assim, o “o que é” é desde sempre, pois não pode haver um antes, que seria um “não-ser”. É único, pois tudo que fosse diferente do ser simplesmente não existiria. É imóvel, pois nada poderia passar de “não-ser” a ser, o que implicaria que o “ser” se tornaria algo diferente, e sabemos que o que é diferente de ser simplesmente não existe.” (FLAMARION CALDEIRA RAMOS et al., 2015, p. 24) 32 Essa é a diferença entre moralidade e imoralidade. 33 “Isto significa que a resposta à pergunta sobre a ordem deixa de ser dada pela descrição desta ou daquela ordem. Mas pela resposta “é”: a ordem “é”. Nesse sentido, “é” é uma resposta. A resposta. Não é pergunta, nem admite pergunta: “porque o ser? Porque “é”?” (PARMENIDES, 2013, p. 58)

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2.2 NA GRÉCIA ANTIGA

Em 594 a.C. Sólon34 dá início ao que se denomina democracia ateniense, que

torna obrigatória a atenção deste texto à Grécia Antiga, a qual se desenvolveu na

mesma época que os orientais antigos. O sistema em ambos os locais era similar,

pois tinham suas cidades com poder de estado (cidade-estado). A diferença era

justamente a forma de governo entre elas, pois se na maioria das cidades gregas

existiam monarquias ou aristocracias, em Atenas nascia uma democracia

constitucional, não como enxergamos hoje, mas extremamente avançada para a

época.

Certamente Sólon foi um dos primeiros a compreender como poucos até hoje

o que significa ser um representante. Lógico que suas atuações são restritas ao que

tempo em que vivia, mas os avanços foram tão significativos que até os dias de hoje

existem Nações que ainda não alcançaram sequer o que a Atenas de 2600 anos

atrás viveu.

Um grande exemplo foi o início do atendimento da vontade do povo, com a

criação da Eclésia, que era uma espécie de assembleia popular onde participavam

todos os homens livres atenienses, filhos de pais e mães atenienses e maiores de

30 anos. É certo que aos olhos de hoje parece um corte ainda injusto, mas não

existia absolutamente nada parecido na época, tendo sido a primeira assembleia

popular com poderes de decisão, inspirando até hoje as participações populares.

Não há como deixar de lado a divisão censitária que foi feita à época, dando o

início de chance de voz a quem nunca havia tido qualquer participação na

sociedade. Embora ainda fosse dividida pela renda anual (o que trazia gigantesca

disparidade de poder de participação aos pobres), a verdade é que antes disso

menos participação ainda tinham os habitantes fora do normal círculo de poder,

portanto, mesmo ínfima, tal inserção foi a forma encontrada para acender uma

chama que nunca mais foi apagada.

As notas de José Cavalcanti de Souza na tradução dos diálogos de Platão

dão ênfase à democracia ateniense: 34 Sólon (638-558 a.C.) teve destaque nas mais diversas áreas, mas foi na política que fez história. Atenas reinou em absoluto perante as demais cidades gregas devido seu avanço democrático, em sua maioria fruto inicial dele, como: a) abolição da escravidão por dívidas; b) reforma censitária; c) constituição da Eclésia (assembleia popular); d) criação do tribunal de justiça.

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Entre 460 e 430 a.C., Atenas, sob o governo de Péricles, atingiu o apogeu de sua vida política e cultural, tornando-se a cidade-Estado mais proeminente da Grécia. Essa situação fora conquistada sobretudo depois das guerras médicas, quando Atenas liderou a defesa do mundo grego e derrotou os persas. Libertando as cidades gregas da Ásia Menor e apoiando-se sobre poderosa confederação marítima, Atenas teve seu prestígio aumentado; enquanto expandia e fortalecia seu imperialismo, internamente aprimorava a experiência democrática, instaurada desde 508 a.C. pela revolta popular chefiada por Clístenes. Pela primeira vez na história, o governo passara a ser exercido pelo povo, que, diretamente, na Assembleia (Ekklesia), decidia os destinos da polis. (PLATÃO, 1991, p. 7)

Os sábios da Grécia eram diferentes dos chamados pré-socráticos, Tales,

Pitágoras, Heráclito e Parmênides, pois estes tratavam do conhecimento racional da

natureza e os sofistas dedicavam-se a argumentar, principalmente em assembleias

e tribunais. Tão importante quanto todas as demais conquistas foi uma espécie de

Tribunal de Justiça, cujos julgadores eram escolhidos dentre todos os cidadãos.

Para seu julgamento mais famoso, o de Sócrates35, compareceram 801 heliastas36.

Seria muito injusto com o magistério virtuoso de Sócrates tentar resumir em

poucas palavras o que seus pensamentos de melhor refletem para o que se espera

dizer no campo da representatividade. O conhecido e reconhecido método socrático

de pensar revolucionou, trazendo a dialética ao mundo de hoje. A democracia vive

intensamente a propagação de opiniões diferentes e opostas, o que demonstra o

quanto o ateniense influenciou o ser humano, sem ter deixado uma linha sequer

escrita.37 Sócrates era um defensor da vida virtuosa, de se fazer a coisa certa

independente de qualquer coisa, pois ele não entendia que isso podia ser relativo. Aí

talvez possa ser enraizado um dos questionamentos sobre a ética, a qual não seria

relativa38, mas sim a moral, diferenciando ambas.

35 Sócrates não foi julgado à morte, mas sim ao exílio ou a ter sua língua cortada, sob pena (aí sim) de ser morto. Como se negou a ambas, acabou sendo morto por envenenamento: “[...] Vocês me deixam a escolha entre duas coisas: uma que eu sei ser horrível, que é viver sem poder passar meus conhecimentos adiante. A outra, que eu não conheço, que é a morte ... escolho pois o desconhecido!” (PLATÃO, 1991, p. 63) 36 Fica o destaque para o número ímpar de julgadores, evitando o empate, já que era proibida a abstenção. 37 Seus ensinamentos foram todos frutos de perguntas, para as quais ele sequer buscava respostas com a mesma vontade. “a vida irrefletida não vale a pena ser vivida” (DOUGLAS KIM et. al., 2011, p. 48) 38 “digo-lhes que não deixem passar um dia sem falar da bondade e de todos os outros assuntos sobre os quais vocês me ouvem falar, e que investigar a mim e aos outros é realmente a melhor coisa que um homem pode fazer” (ibid., p. 49)

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Um político deve ser como um copo vazio, ciente de que como Sócrates “ele

nada sabe”39, pois tudo ainda deve ser aprendido. Mas a fonte, no seu caso, é o

interesse público, a vontade do eleitor. A moralidade de Sócrates movia montanhas

e trazia todos para perto dele.40 Um deles foi Platão41, aluno mais famoso, um

seguidor fiel, sem o qual o mundo não teria estudados os ensinamentos do mestre42.

Apesar de não ser o foco principal do raciocínio da época, muitos foram os

momentos em que ele demonstrou a preocupação com o próximo (se aproximando

mais do senso de justiça) em seus diálogos (citando Sócrates), como em FEDRO:

SOCRATES: Que homem perspicaz! Ele devia ter escrito que é melhor ser complacente com o pobre do que com o rico, com os mais velhos do que com os mais moços, e de modo geral com todos aqueles que parecem de misérias semelhantes às minhas e às de muitos outros como eu. Isso seria um digno trabalho para um moço devotado aos interesses populares. (PLATÃO, 2011, p. 56)

O cuidado com os semelhantes demonstra o pensar de sua moralidade,

baseada na mais pura ética do amor ao próximo. A noção do papel do ser humano

na Grécia antiga foi tamanha que a pena de morte foi abolida em muitos delitos, os

39 “Aristófanes chama Sócrates de sofista. Mas Sócrates dizia não poder aceitar o título de “sábio” porque, afinal, a única coisa que sabia era que não sabia nada. No máximo, poderia ser chamado de “amigo da sabedoria”, isto é, de filósofo. Como não sabia nada, não podia receber alunos e ser remunerado por eles, como faziam os sofistas.” (FLAMARION CALDEIRA RAMOS et. al., 2015, p. 23) 40 Da mesma forma deve ser a representação, ou seja, ter a moralidade como base de suas condutas. Assim, estamos falando de ética local. 41 “Em Atenas, nada poderia ser feito sem uma reforma social que alcançasse suas raízes. Platão pensava assim, e embora fosse um socialista, nada tinha de revolucionário. Seu ideal político era um dualismo para os trabalhadores que, todavia, continuariam como subordinados. Para realizar tal ideal, Platão não contava com a democracia, nem com a oligarquia. Talvez imaginasse que um rei, influenciado por suas ideias, viesse a organizar um governo perfeito, mas confessava (ver o célebre enigma, ainda não totalmente decifrado, Civ, VIII, 440 a.C.) crer que mesmo um governo perfeito seria também instável, e que, como os anteriores, seria envolvido no círculo fatal das revoluções, visto que a imperfeição é inerente à humanidade.” (palavras de Paul Tannery nos comentários em uma das edições de FEDRO, de PLATÃO, 2011, p. 19) 42 “não nos iludamos com a abstenção política de Platão da vida pública de Atenas, pois o que o levou a se unir a Sócrates não foi a habilidade dialética deste, mas seu caráter moral. Nessa época na Grécia, a moral e a política eram ainda inseparáveis. Apenas se vislumbrava a lastimável separação destes domínios, que tanto pesa sobre os destinos da humanidade. O maior anseio de Sócrates era a formação de cidadãos, orientando para a política os intelectuais de seu tempo. [...] Foi Platão o primeiro filósofo que revelou à humanidade a esfera da transcendência e que mostrou a possibilidade de construir um sistema metafísico [...] o platonismo consiste sobretudo na apreciação literária dos escritos do mestre e na adoção das suas fórmulas cuja interpretação admite grande liberdade.” (PLATÃO, loc. cit.)

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quais tiveram suas penas transformadas em reparação de dano, como traz Clayton

Reis (2010, p. 29):

A civilização grega foi, sem contestação, a mais marcante e expressiva de que se tem conhecimento na história do homem na face da Terra. O sistema jurídico grego atingiu pontos culminantes com seus vigorosos pensadores. Pela primeira vez, na história da civilização, fala-se em Democracia. A noção de reparação do dano era pecuniária, de acordo com as normas instituídas pelo Estado. [...] “a proteção jurídica e a autonomia administrativa eram comuns a todos, e nisto consistia a grande novidade.” [...] A influência dessa civilização foi particularmente significativa na construção do pensamento jurídico romano, posto que propiciou a inserção de conteúdos ético-morais no ordenamento jurídico de Roma.

Era o início da noção de sociedade baseada na proteção da vida, na proteção

do próximo (o que somente depois viria a ser compreendido melhor), embora a

democracia grega ainda tivesse características que não combinam com o que

entendemos hoje com democracia, como a escravidão. Explica Fernando Gustavo

Knoerr (2009, p. 22):

É característica da herança ateniense clássica tratar da democracia como forma de governo, formulando modelos de exercício do poder que deve ser sempre lidos à luz da lembrança das peculiaridades da sociedade ateniense da época, hierarquizada em castas, de modo que apenas os homens gregos tinham condições de participar, da Ekklesia, na Ágora. Como explica o Ministro Carlos Mário da Silva Velosso, vigia neste período da história grega “a democracia direta”. À medida que o povo assim participava dos negócios do Estado, era livre. Convém registrar que a democracia direta dos gregos convivia com a escravidão. A liberdade na democracia direta dos gregos era de uma parcela do povo, apenas, já que a parcela maior era de homens escravos.

Embora ainda com muitas diferenças para o que entendemos atualmente

como participação popular verdadeiramente dita, não se pode esquecer que de certa

forma existiram características positivas no que tange à vontade do povo que hoje

não mais existem, ao menos não na forma direta, como o que já foi dito acerca da

formação do Tribunal Heliasta43, o Tribunal de Justiça. Além disso, por mais que

composta somente pelo que eles entendiam como cidadãos, a Assembleia

43 O nome “Helieia”, do grego Halia, tem dupla explicação, podendo ter origem na palavra “helios”, uma vez que suas sessões eram ao ar livre, ao “sol”; ou, ainda, decorrer da palavra “Ήλιάζεσθαι”, que significava “congregar”. (WIKIPÉDIA, 2013)

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Ateniense não se vê repetida nas democracias modernas. Portanto, mesmo com

pontos negativos, como a escravidão, ainda assim os avanços no campo da vontade

do que hoje seriam os eleitores era importante para a época.

O modelo platônico de democracia, tendo Platão44 se inspirado em seu

mestre Sócrates, destacou-se por dois critérios: a) “quantitativo” ou “numérico”

(refere-se ao número de exercentes do poder; b) “idealismo” ou “critério da base

idealista” (refere-se à virtude de cada um, ao ofício de cada um). Por essa razão a

democracia platônica é tida como o governo de todos, uma oniocracia. (BOBBIO,

1992 apud FERNANDO GUSTAVO KNOERR, 2009, p. 23)

Mas para Platão a democracia não se apresentava como uma boa forma de

governo, pois (para ele) seria impossível reunir na mesma vontade pessoas tão

diferentes como as existentes à época (hoje mais diferentes ainda), mas a maior

vantagem que ele encontrava na democracia era que “o poder político é exercido em

prol do governados”. Para ele a melhor forma de governo era a monarquia, sem

limites, como um bom déspota. (FERNANDO GUSTAVO KNOERR, 2009, p. 22.)

Jonathan Wolff (2011, p. 102), ao tratar das críticas de Platão à democracia,

explica que:

A oposição de Platão à democracia explora outra tensão que aparentemente existe na teoria democrática. Tal como monarquia significa “governo pelo monarca”, democracia quer dizer “governo pelo demos”. Mas o que é o demos? Em grego clássico tanto pode ser entendido como “o povo” ou “a populaça”. No segundo sentido, então, a democracia é o governo pela populaça: o governo da ralé, do vulgo, dos sujos, dos inaptos. Mas este insulto à democracia é um mero preliminar para os principais argumentos antidemocráticos de Platão. A sua arma básica é a chamada “analogia das profissões”. O argumento é muito simples. Se estivéssemos doentes [...] a última coisa que desejaríamos seria reunir uma multidão e pedir aos presentes que elegessem, através do voto, o remédio certo. A saúde do estado tem tanta ou mais importância que a saúde de um dado indivíduo. Tomar decisões políticas – decisões no interesse do estado – requer reflexão e competência na matéria. Segundo Platão, é função que deveria deixar aos especialistas.

É neste ponto que muitos discordam da proposta governo de Platão, pois ele

afirma que tal “especialidade política” só existiria na filosofia, portanto “a sociedade

justa é impossível, a menos que os reis se tornem filósofos ou os filósofos se tornem

44 Nascido por volta de 427 a.C., o nome correto de Platão (significa “grande”) era Aristócles. Faleceu por volta de 347 a.C.

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reis”. Para Platão não há como se governar sem o governante ter formação

filosófica, tanto quanto não há como ter uma cidade justa45 e ideal sem comando

central.

Já Protágoras46, deixou outro marco de raciocínio que influencia o que hoje se

utiliza para decidir questões importantes, como o sopesamento de princípios. A ideia

de que tudo é relativo e de que o homem é a medida de todas as coisas, demonstra

que duas pessoas podem estar falando a verdade com argumentos e citações

diferentes, pois a realidade de cada um pode ser diversa, mas para o mesmo fim.

Sua perspectiva é diferente. Tais conclusões são berços da retórica e da

argumentação jurídica. O Estado deve pensar dessa forma e entender ser

impossível diante de tantas diferenças (positivas e negativas) encontrar soluções

iguais através dos mesmos meios. Reside aí um dos maiores motivos de um eleito

aceitar que uma comunidade pode entender que algo é importante e outra não,

ainda mais em países continentais, como o Brasil. Quanto mais localizada for a

representatividade, mais chance de sucesso terão as ações de governo47.

Sobre a democracia direta da Grécia Antiga, inesquecíveis são as palavras do

mais famoso de seus generais, Péricles:

Não obstante, o pensamento do espírito animador da democracia ateniense, Péricles, externado por ocasião da oração fúnebre aos guerreiros mortos durante o primeiro ano da guerra do Peloponeso, foi registrado por Tucídides, cujas opiniões hostis à democracia são garantia de narração precisa, já que o discurso é, talvez, a peça mais enaltecedora das virtudes democráticas que a eloquência política de todo os tempos já produziu. Declara o orador que, sem se demorar a fazer o elogio de todos quantos, no passado ou no presente, construíram a grandeza de Atenas, vai examinar as instituições e os costumes que são a causa essencial do seu poder e da sua prosperidade. “A Constituição que nos rege”, afirma a princípio, “nada tem que invejar às leis dos povos vizinhos”; serve-lhes de modelo e de modo algum as imita. O seu nome é democracia, porque visa o interesse, não de uma minoria, mas da grande maioria. Ela tem por princípio a igualdade. Na vida privada, a lei não faz qualquer diferença entre os cidadãos. Na vida pública, a consideração não se prende nem ao nascimento nem à riqueza, mas unicamente ao mérito, e não são as distinções sociais, senão a competência e o talento que abrem o caminho das honras. Uma igualdade assim compreendida, que deixa o caminho aberto ao mérito pessoal, em

45 Platão tira o foco da justiça do indivíduo e coloca na cidade, dizendo que a justiça pode ocorrer em uma cidade justa, onde ele trabalhava com a ideia da Alegoria da Caverna, ou seja, diferenciando o que poderia parecer justo do que realmente era justo e ideal. 46 490-420 a.C. 47 Não obstante, muitos países, como o Brasil, ainda reagem negativamente à regionalização das candidaturas e dos votos. Prova disso foi a recente derrota das propostas para a aprovação do voto distrital.

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nada prejudica a liberdade. Cada qual goza da liberdade nos seus atos, sem precisar temer nem a curiosidade suspeitosa, nem os olhares de desaprovação. Mas a liberdade dos indivíduos tem por limite os direitos do Estado, as obrigações da disciplina cívica. A ordem pública exige a submissão às autoridades constituídas, a obediência às leis, sobretudo às leis de fraternidade, que asseguram a proteção dos fracos e às leis não escritas, que emanam da consciência universal. (WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, 2013, p. 159)

O discurso de Péricles resumiu de forma brilhante alguns sentimentos e

características da democracia grega, principalmente os de igualdade. Apesar da

escravidão, os homens livres eram realmente livres e esse lado é o que precisa ser

enfatizado neste momento, pois os pontos negativos da época48 eram frutos do

período vivido e o que se conseguiu em Atenas, mesmo com todas as dificuldades,

foi uma vitória, a exemplo da liberdade que cada cidadão tinha em sua relação com

o Estado. Não é à toa que a ética e política foram inventadas na pequena ilha. A

maior prova disso é a origem de seus nomes, ethos (costumes) e polis (cidade).

Havia o que poderíamos chamar hoje de verdadeiros distritos eleitorais que

eram formados por sorteio entre os cidadãos, no mais nítido respeito ao princípio da

igualdade, pois pensavam que se todos eram iguais não havia porque temer a

distribuição por sorteio. Contudo, não foi simples para os gregos livrarem-se dos

pesos do amor e respeito às divindades mitológicas, as quais possuíam o poder

sobre tudo e todos.49 Praticamente não existia a representatividade (em tese não

existiam representantes) como se espera existir hoje, pois a democracia direta

funcionava para o que se desejava, ou seja, evitar o retorno à tirania anterior.

As leis gregas derivavam da vontade dos homens (sem adentrar na questão

da qualidade dessa igualdade da época) e isso formava a polis. Virtuoso e ético era

quem respeitava as leis, fruto da mais alta demonstração de organização e

racionalidade, diferenciando a sociedade ateniense das demais. Sócrates entendia

isso e por tal razão deu uma das maiores demonstrações de cumprimento da ordem

48 Além da escravidão, outros pontos negativos aos olhos de hoje existiam, como a exclusão de direitos de estrangeiros, mulheres e crianças. 49 “É o que mostra a tragédia grega, ponde em cena o conflito entre a lei e a moral tradicionais e as leis e a nova moral da cidade, como ocorre, de modo exemplar, na peça de Sófocles, Antígona: Quando Creonte, rei de Tebas, ordena, em nome das leis da cidade, que o corpo do irmão de Antígona fosse deixado sem sepultura, ela, apoiando-se em tradições, confronta Creonte. [...] De modo muito mais ameno, o mesmo faz a comédia, como quando Aristófanes, em As nuvens, põe em cena ninguém menos do que Sócrates, criticando impiedosamente os deuses tradicionais (“Não é Zeus que faz chover, são as nuvens, idiota!”).” (FLAMARION CALDEIRA RAMOS et. al., 2015, p. 21)

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legal já vista na humanidade ao cumprir seu julgamento sem tentar fugir ou mesmo

morrer clamando contra sua condenação. Ele tomou o veneno na mais clara

demonstração de respeito à lei dos homens e nem em seu último momento se

agarrou às leis divinas para se salvar.

Os momentos finais de um dos maiores seres humanos que já pisou em

nosso Planeta assim foram narrados por Platão (1991, p. 99), no diálogo Fédon:

E em seguida, sem sobressaltos, sem relutar nem dar mostras de desagrado, bebeu até o fundo. Nesse momento nós, que então conseguíramos com muito esforço reter o pranto, ao vermos que estava bebendo, que já havia bebido, não nos contivemos mais. Foi mais forte do que eu. As lágrimas me jorraram em ondas, embora, com a face velada, estivesse chorando apenas a minha infelicidade, pois, está claro, não podia chorar de pena de Sócrates! Sim, a infelicidade de ficar privado de um tal companheiro! De resto, incapaz, muito antes de mim, de conter seus soluços. [...] “Quanto a Sócrates, pôs-se a dar umas voltas no quarto, até que declarou sentir pesadas as pernas. Deitou-se então de costas, assim como lhe havia recomendado o homem. Ao mesmo tempo, este, aplicando as mãos aos pés e às pernas, examinava-os por intervalos. Em seguida, tendo apertado fortemente o pé, perguntou se o sentia. Sócrates disse que não. Depois disso recomeçou no tornozelo, e, subindo aos poucos, nos fez ver que Sócrates começava a ficar frio e a enrijecer-se. Continuando a apalpá-lo, declarou-nos que quando aquilo chegasse até o coração, Sócrates ir-se-ia. Sócrates já se tinha tornado rijo e frio em quase toda a região inferior do ventre, quando descobriu sua face, que havia velado, e disse estas palavras, as derradeiras que pronunciou: Críton, devemos um galo a Asclépio; não te esqueças de pagar essa dívida. — Assim farei — respondeu Críton. — Mas vê se não tens mais nada para dizer? Tal foi, Equécrates, o fim de nosso companheiro. O homem de quem podemos bendizer que, entre todos os de seu tempo que nos foi dado conhecer, era o melhor, o mais sábio e o mais justo.

Após os belos ensinamentos de Sócrates e Platão, vieram os de Aristóteles50,

que representa um marco importante para a ética na humanidade, razão pela qual

não há como esta pesquisa deixar de dedicar um espaço próprio aos seus

pensamentos, o que ocorre no próximo Capítulo.

A democracia de Aristóteles era uma boa forma de governo, pois tinha por

base a maioria governando para a maioria (politeia)51, diferente da que existia na

Grécia da época. Ele vislumbrava já com certa antecipação o problema natural das

50 Nascido em 384 a.C., foi por vinte anos aluno de Platão, tendo acompanhado este até sua morte. Além de um mestre famoso, por outro lado, teve um aluno também importante, Alexandre, o Grande. Em 335 a.C. fundou em Atenas outra escola, o Liceu. Morreu em 322 a.C. 51 Uma espécie de classe média da época, já que a democracia de Platão era o governo de todos - todos que tinham direitos.

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democracias, que é a convivências com a dicotomia entre os interesses da maioria e

minorias. (FERNANDO GUSTAVO KNOERR, 2009, p. 24)

Dizia o filósofo e cientista de origem nobre, que o homem é por natureza um

animal político. E foi essa interação política natural aos homens que acabou dando

início ao fim das cidades gregas. A guerra entre Atenas e Esparta e as conquistas

de Filipe da Macedônia e Alexandre “O Grande” desmontaram as origens do pensar

da democracia direta diante da morte da maioria de seus cidadãos, que não tiveram

tempo de serem substituídos. Ademais, os novos jovens cresceram em um ambiente

hostil, de guerra e rondando o mundo, não tendo vivenciado o apogeu das

participações populares. A liberdade passou a ser mitigada, já que soldado em

guerra não é livre. Por fim, quando os homens voltavam para casa o que eles menos

carregavam eram os ideais gregos, pois tinham vivido mais tempo longe daquelas

terras que perto de suas famílias. A base de tudo se ruiu e a organização das

pequenas cidades em estado passou a ser substituída por um imperialismo

conquistador, o qual os levou até a Idade Média.

Passemos então a estudar Aristóteles como o principal marco dessa época

para os fins do presente estudo, visto que sua ética ensinou muito do sustenta a

moralidade das relações humanas até os dias de hoje.

2.2.1 A Ética de Aristóteles.

A vida de Aristóteles foi repleta de fatos e atos marcantes, deixando para a

humanidade grandes ensinamentos em diversas searas do conhecimento. O corte

que ora se faz é no campo da ética, estrutura raiz de seus estudos.

Sua ética era clara, crítica e pontual. Suas palavras ressoavam como luzentes

demonstrações filosóficas de que mudanças ainda eram necessárias na democracia

ateniense, motivando muitas de suas falas:

Além da escravidão, a outra instituição que mantinha a democracia ateniense era o imperialismo, que ao mesmo tempo em que possibilitava materialmente a democracia, tornava inconciliáveis a política externa dos atenienses com os ideais vividos na polis. Tal realidade levou Aristóteles a afirmar que “a forma de governo é uma democracia quando os homens

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livres que são também pobres, e a maioria governam.” (ARISTÓTELES apud WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, 2013, p. 160)

Como visto, mesmo amando sua terra e entendendo os avanços que já

significava o que existia, ele não parou de demonstrar que não havia igualdade real

na democracia grega52 e que esta era possível, desde que as amarras da

diferenciação financeira fossem cortadas.

Assim era Aristóteles53, que depois de estudar cerca de 20 anos com Platão e

passar um período fora de Atenas após a morte deste, volta e abre sua escola, o

Liceu, onde inclusive se dedica ao ensino de Alexandre, O Grande. Mas sua ética

não o deixava dedicar-se somente aos estudos dos nobres, sendo quase diários os

cursos abertos ao grande público, chamados de exotéricos54, onde a dialética e

retórica predominavam.

Inclusive, cabe uma explicação sobre duas fases em que o mundo conheceu

Aristóteles, pois os esotéricos permaneceram guardados por muitos anos com os

descendentes dos estudiosos mais avançados de sua doutrina, passando a serem

conhecidos somente no Século I, já na Era Cristã. Antes disso, somente os

exotéricos, de menor conteúdo filosófico e menos aprofundado, dominavam seus

seguidores, onde o mestre era praticamente uma continuidade de Platão55. Por fim,

52 Tal posicionamento crítico à democracia grega causaria problemas para sua permanência em Atenas após a morte de Alexandre “O Grande”, defensor de seu mestre e generoso colaborador financeiro do Liceu. 53 Embora a maioria de sua obra tenha sido perdida, a exemplo do ocorrido com muitos outros filósofos antigos, principalmente no incêndio da Biblioteca de Alexandria, ainda restaram vastos exemplos de seus ensinamentos, inclusive autorais. 54 Diferentes dos esotéricos ou acroamáticos, cursos estes feitos dentro do Liceu e dedicados aos mais avançados alunos e à matemática, física, lógica e metafísica. Mas tal distinção não tinha o mesmo objetivo da separação de Pitágoras, que deixava os ensinamentos profundos para os já iniciados em sua ciência. Aristóteles tinha a finalidade pura de organização didática, pois tais cursos avançados estavam abertos aos que se destacavam e se interessavam nos exotéricos. Ele era incapaz de praticar desigualdade em seus atos, pois era um defensor do que hoje entendemos por igualdade material. Embora tenha lutado por igualdade, Aristóteles tinha escravos (seu testamento mostra isso, pois os deixou como parte de seus bens), o que demonstra e comprova o que já fora dito que a preocupação principal não era com o próximo na Grécia, ao menos não de forma profunda, mas sim com o papel do ser humano com o Universo. Assim falava parte de seu testamento, para sua esposa Hérpile: “[...] A ela deverão entregar, além daquilo que já lhe dei, um talento de prata retirado de minha herança, três escravas (se as quiser), a pequena escrava que já possuía e o pequeno Pirraio [...]” (ARISTÓTELES, 2011, p. 15). Ao mesmo tempo, deixou gravado a libertação de diversos outros escravos no mesmo documento: “[...] que Ambracis seja libertada [...] Tácon será libertado no dia da celebração do casamento de minha filha, e juntamente com ele Fílon, Olímpio e seu filho. [...] (ARISTÓTELES, loc. cit.) 55 Somente após o descobrimento dos acroamáticos que a visão aristotélica se posicionou na história em definitivo, inclusive no que tange à parte em que ele discordava de seu

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outra dificuldade de acesso aos seus dizeres veio a ocorrer justamente com a

cristianização do Império Romano, que a exemplo do que fez com tantos outros

filósofos, proibiu sua divulgação, classificando-a como ilegal, o que foi corrigido

somente após o início do Império Bizantino.

Sua defesa pela vida em cidades destacou sua forma de pensar no coletivo,

pois para ele as pessoas se uniam para formar suas famílias e estas formavam

pequenas comunidades (vilas), que juntas formavam cidades e a organização final

disso era o que proporcionava uma vida digna, racional, diferenciando os humanos

do restante dos seres. Viver fora desses cercos, para Aristóteles, era sinal de

selvageria ou de divindade, não havendo meio termo. Essa é a lógica dele afirmar,

como dito, que o homem era um animal politico. A pólis56 era vista por ele como

consequência natural de todos no sentido de união de semelhantes de mesma raça.

Apesar de o raciocínio ser diferente do que se entende hoje como política, de certa

forma foi o início do pensamento da comunidade atual.

A ética de Aristóteles passa pela busca de uma vida digna, o que se

conseguiria nas cidades, com justiça, bondade e beleza. E foi no estudo das cidades

existentes na época que teve início uma de suas maiores obras, que ora se destaca:

“A Política”. Diferente de Platão (cujos dizeres políticos eram consequência de

pesquisas teóricas), Aristóteles resolveu aprofundar seus estudos na política através

da observação prática das formas de governo que existiam na época, razão pela

qual suas conclusões são absolutamente mais valiosas para as comparações atuais.

As primeiras perguntas que ele fazia já demonstravam o condão de sua pesquisa:

Aristóteles escolheu examinar os regimes para analisar suas forças e fraquezas. Para tal, levantou duas simples questões: quem governa e a favor de quem se governa? Como resposta para a primeira pergunta, Aristóteles observou que existem basicamente três tipos de governo: por uma única pessoa, por um grupo seleto ou por muitos. Como resposta para a segunda pergunta, o governante poderia agir em favor da população como um todo, o que ele considerava verdadeiro ou bom governo, ou em interesse próprio do governante ou da classe dominante, o que seria uma forma defeitosa. (PAUL KELLY et. al., 2013, p. 43)

mestre Platão. Um exemplo disso era a maior atenção ao conhecimento através da observação ao invés do raciocínio intelectual. Os dados empíricos alcançavam maior destaque para ele que para seu antigo mestre. 56 As cidades gregas também tinham por finalidade a proteção de institutos que os gregos almejavam: liberdade e propriedade.

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Nesse momento cabe o destaque de um dos traços marcantes da ética de

Aristóteles – o homem deve ser mais prático que teórico – pois ele dizia que pensar

e falar é muito fácil e qualquer um pode fazer, mas praticar aquilo que entende por

ético é outra coisa, ponto essencial da diferença de seu comportamento para todos

os demais.

Tal questão será bastante debatida posteriormente no Capítulo 4.1, onde será

abordada a promessa de campanha política. É por essa corrente que se defende

que o político deve deixar a teoria de lado e prometer aquilo em que acredita e não

existe nada melhor para o eleitor se certificar disso que conhecer a vida prática do

seu candidato a representante.

Essa é uma demonstração da aplicação da ética de Aristóteles de forma

direta na condução de uma carreira política, pois seus atos na prática demonstrarão

se tudo não passou de uma manobra em busca de votos ou se realmente suas

promessas se sustentam, como bem ensinam as palavras dos estudiosos de

Aristóteles: “Refugiar-se na teoria é o mesmo que, quando estamos doentes, escutar

atentamente o médico, mas não fazer nada do que ele prescreve.”57

Tratar algo somente na teoria é se preocupar somente com a causa do

problema, sem que o ser humano possa agir – a favor ou contra – essa causa. Ai

reside a diferença com a prática. Para Aristóteles a ética e a política são

conhecimentos práticos, assim como a medicina e a engenharia, porque existe a

necessidade de tomada de decisão pelo ser humano de como se deve agir. A

escolha deve ser realizada. Mas agir com ética para ele não é somente decidir, mas

sim decidir corretamente. Seguir as leis, por exemplo, é uma conduta ética, pois isso

deve ser praticado independente da vontade ou conveniência do cidadão. Sócrates

já havia demonstrado isso ao aceitar sua condenação.

Aí entram novamente as cidades, pois estas impõem a convivência em

sociedade e para isso existem regras que devem ser observadas por todos, gostem

uns mais ou menos, no mais claro dizer que “seu direito termina onde começa o do

outro”. Isso é a ética da convivência de Aristóteles, ou seja, a prática das condutas,

a saída do ócio, das teses puras e simples:

57 Diz ainda o mesmo autor: “A ideia central aqui, veremos, é que o caráter de uma pessoa não é bom porque ela simplesmente conhece o que é a justiça ou a coragem, mas porque ela quer ou deseja agir em conformidade com o que seja justiça ou coragem” (FLAMARION CALDEIRA RAMOS et. al., 2015, p. 29)

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Em primeiro lugar, Aristóteles distingue dois modos de praticar belas e nobres ações, isto é, ações que são dignas de louvor, que merecem elogio por serem dotadas de qualidade moral, como, por exemplo, os atos de coragem. Um modo de praticá-las é pelo sentimento de pudor, ou seja, porque é honrado ou íntegro agir como agimos; um outro modo de praticar belas e nobres ações é praticá-las porque desejamos evitar um mal maior, a punição. Num caso como no outro, pratica-se uma ação nobre, mas a motivação para praticá-la e bastante diferente: no primeiro caso, a motivação vem da nobreza do caráter, no segundo, vem do temor ao castigo. Em suma, há certas coisas que são reprováveis ou vis, motivo pelo qual deveriam ser evitadas simplesmente porque são reprováveis ou vis. A pessoa virtuosa, ou seja, aquela que é nobre de caráter, não as praticaria jamais, ao passo que os que se deixam guiar pelos prazeres só deixariam de praticá-las porque temem uma consequência pior e contrária ao prazer que perseguem. Em segundo lugar, Aristóteles afirma que aqueles que apenas perseguem suas paixões, ou seja, aqueles que estão inclinados a fazer tudo o que satisfaça seus desejos, mesmo os que a razão proíbe, nunca sentiram o gosto do que é verdadeiramente nobre e agradável. [...] Aristóteles não condena as paixões ou o prazer, mas a sua desmesura. [...] o que não é natural é certo comportamento humano que se aproxima da bestialidade, ou seja, o comportamento que se deixa dirigir por tudo o que apraz ou repulsa unicamente à sensibilidade. (FLAMARION CALDEIRA RAMOS et. al., 2015, p. 31)

Seguindo seus rastros, não existe dificuldade na compreensão do quanto

importante para a política é agir através da vontade verdadeira de praticar o

humanismo. A nobreza de caráter deve ser o termômetro da sociedade na escolha

de seus representantes e tais características as vezes não são visíveis facilmente,

pois é fácil identificar o belo, o prazeroso e mais difícil constatar a sensibilidade ao

que realmente interessa.

Um bom exemplo é a politica do pão e circo. Ela é tão eficiente que vem

sendo utilizada há Séculos sem que a população deixe de eleger representantes que

a possuem em sua plataforma de governo, ou seja, atividades prazerosas aos olhos

de todos, mas que não trazem avanços verdadeiros, desperdiçando anos de gastos

públicos com atitudes inócuas para o interesse público. Contudo, a culpa é

concorrente, do eleito e do eleitor, pois não vivemos mais a democracia direta da

Grécia e se alguém está representando votos, é porque estes aconteceram.

Aristóteles valorizou muito a dedicação à educação! Ele afirmava que pela

educação o ser humano poderia ter a consciência para realizar as escolhas corretas,

já que a ética necessitava da prática dessas decisões. Para ele, o erro é impedido

pela educação. Além disso, o apreço pelo que é digno, justo e bom vem pelo

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conhecimento. Mas o ensino de seu Liceu traz novamente o traço da prática para

tais atividades, pois ele entendia que não adiantava simplesmente mostrar o que é

correto, mas sim deve o aluno sentir e apreciar o ato de praticar o bem.

Existe grande diferença em simplesmente dizer a uma criança o quanto é

importante ajudar o próximo ou levar o aluno em uma diligência prática em um

hospital ou algo parecido. As simples lições práticas de educação entre colegas de

uma sala de aula já mostram isso. Essa era a educação de Aristóteles, deve ser

sentido o sabor da pratica digna58. Quando isso acontece, a régua do prazer é

alterada e o que era desconhecido ou despercebido torna-se o foco, sem retirar ou

desmerecer as normais atividades que também sempre foram prazerosas. A

diferença está em ser ou parecer ser.

Já se explicitou que para Aristóteles a democracia era como uma politeia

corrompida, ou seja, ele entendia que a politéia era o governo por muitos a favor de

todos e que na democracia59 o cidadão nunca era atingido diretamente,

separadamente, mas sim como um todo distante da realidade. No modelo que se

tem hoje por democracia isso não ocorre. Por conta disso, surge uma crítica ao

estudo quando é realizado somente pela prática, pois como a democracia estudada

por Aristóteles foi a escravagista da Grécia, os parâmetros que ele possuía eram

diferentes que a democracia que se almejava em tese e que hoje está mais

enraizada.

Não há como pensar hoje que um Estado que se ampara na democracia

mantenha um regime de desigualdade, mais impensável ainda seria a escravidão,

que ao menos de forma oficial foi abolida da humanidade. Assim, o estudo se torna

mais operante quando se soma a visão prática ao método comparativo e às críticas

de melhoramentos necessários. Talvez a politeia de Aristóteles se aproxime mais

hoje do que entendemos de democracia que como retratada em suas obras. Mas

58 Aristóteles também falava em gostos específicos que deveriam ser aproveitados, ou seja, as atividades de educação devem ser dirigidas para as naturais vontades de cada aluno, pois assim as chances do que é bom ser prazeroso é maior. Em linhas claras, não adianta ensinar a prática das artes para quem tem o dom da atividade física ou insistir nas atividades de campo para alunos que buscam desenvolver a engenharia de cidades. Trazendo isso para o campo da representação, tem-se que as políticas públicas devem ser específicas e não genéricas e vazias, ou seja, em uma comunidade em que a atividade agrícola é importante, não há como o eleitor se contentar com promessas referentes a outros prazeres. 59 Dizia o filósofo que na democracia o governo é sempre para interesse próprio ou da classe dominante, nem que tal interesse seja a liberdade para os democratas. O fato de ser buscada somente para alguns era o motivo de sua revolta.

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nem tudo eram críticas, pois ele colocava a democracia com melhores vantagens

para o povo que a própria monarquia ou aristocracia (boas para ele). A razão disso

está justamente em uma realidade que não é também muito distante do mundo

moderno, dizia ele que “enquanto o cidadão individual talvez não tenha a sabedoria

e a virtude de escolher um bom governante “os muitos” talvez provem ser melhores

governantes que “o único”. (PAUL KELLY et al., 2013, p. 43)

Analisando com esse prisma, correto está seu entendimento. Se tivéssemos

um ser humano capaz de reunir todas as qualidades necessárias para sozinho

governar, possivelmente seria melhor a monarquia que a democracia. Diante dessa

dificuldade, ao invés de um homem apenas, busca-se uma vontade apenas. Isso sim

é perfeitamente possível! A resposta veio por Rousseau, com a vontade geral. A

vontade geral é o governo por uma vontade só! Chegar a essa vontade é certamente

mais fácil que achar o governante perfeito em uma só pessoa.

Portanto, ressalvada as questões atinentes à defesa da escravidão e do

status inferior da mulher, Aristóteles foi um dos maiores gênios da humanidade e

seus ensinamentos éticos influenciam até hoje os pensamentos de todos.

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2.3 A ROMA ANTIGA E A ÉTICA DE CÍCERO

O Império Romano foi um dos maiores que a humanidade já vivenciou, não

existindo na atualidade absolutamente nada que se compare a sua força,

principalmente em consideração ao mundo conhecido na época de sua existência.

As nações que hoje dominam aparentemente o planeta, seja quanto à cultura ou

gigantismo financeiro, não detém o domínio real que os romanos tiveram em suas

mãos. Isso denota a capacidade que os romanos tiveram em representar melhor

seus cidadãos, naturais e estrangeiros, que os políticos de hoje.

Portanto, embora a história de Roma esteja também atrelada às conquistas e

guerras e não somente a suas formas de governo, a verdade é que nada

permaneceria tanto tempo em domínio caso não tivesse sido realizado de uma

forma compatível com sua época. Povos distantes de Roma foram dominados e

permaneceram durante Séculos. Assim, se atualmente se discorda da forma como a

Roma Antiga agiu, a verdade é que foram adorados por muitos Séculos e por muitos

romanos e não romanos.

A parte que interessa a este texto é sua atividade política, que tem seu maior

representante em Cícero. Estudar o cônsul romano é falar sobre o estoicismo, pois

sua ética advinha em grande parte de tais pensamentos, onde a natureza era a dona

da razão. A virtude do homem é o resultado do bom relacionamento dele com as leis

naturais. Quando se fala aqui em natureza não se está falando do entendimento

moderno da palavra, que resume o contrário de artificial. A natureza aqui é a uma lei

suprema, não necessariamente religiosa, que domina a todos sem necessidade de

existir na forma positiva. O que os estoicos falam na verdade é o que entendemos

por princípios éticos60.

Ademais, a posição de Cícero61 está bem mais próximo do que hoje se

defende que a posição dos gregos, embora também de respeitável aplicação. A

breve leitura da primeira citação abaixo já comprova a diferença entre as duas

políticas, grega e romana62. Cícero (2011, p. 120) afirmava que:

60 “o termo lex toma, assim, em Cícero o sentido geral e abstrato de princípio, tal como a palavra nómos na filosofia grega” (COMPARATO, 2006, p. 113) 61 “que jamais ninguém esqueça que é só pela integridade que se mede a utilidade, e que não passam de regras diferentes para uma única coisa” (CICERO, 2011, p. 138) 62 Não se tem aqui o objetivo de dizer que uma cultura ou filosofia estava mais certa que outra ou que uma é melhor que a outra. O que se diz é que no contexto deste estudo, os

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É princípio de conhecimento universal que a utilidade pública e a utilidade particular são uma só coisa. Se cada qual tira para si mesma, a sociedade humana será diluída. Se a natureza preceitua que o homem deve fazer o bem a seu semelhante pela única razão de ser homem, segue-se que nada há de ser útil em particular que não seja em geral. Por esse motivo, essa lei da natureza é igual para todos, e a ela estamos todos sujeitos; a lei natural nos proíbe ainda de prejudicar os outros. O primeiro princípio sendo verdadeiro, o segundo também o é. É absurdo o que dizem, que não devem tomar nada a um pai e a um irmão, tendo em vista a vantagem própria, mas que em relação aos outros sim. Afirmar essa máxima é excluir direitos sagrados que unem os cidadãos e os obrigam a tratar da utilidade comum, aniquilando as associações nas cidades. Há outros que admitem ser necessário respeitar direitos de concidadãos, mas não de estrangeiros; esses destroem a sociedade em geral que compreende o gênero humano, cuja ruína importará na destruição de tudo o que se chama bondade, humanidade, justiça, liberalidade.

Se ao pensar em nós mesmos, estamos a pensar também em toda a

humanidade, a visão do humanismo do outro já estava brotando nos estudos de

Cícero. Sua leitura é correta, pois não há como se dizer que uma atitude particular é

útil para a humanidade se não refletir também no coletivo. A visão romana foi

perfeita: utilidades públicas e particulares não podem ser encaradas como coisas

diferentes.

O ponto aqui está em aceitar que isso é fruto de uma lei maior, que não

necessita estar positivada porque a lei é natural, eticamente enraizada na mente de

cada ser humano. Contudo, Cícero não via a lei escrita como errada, salvo a lei

escrita imoral!

Dizia ele que a lei natural era muito mais forte que qualquer lei escrita, pois

esta não podia ir contra os ditames morais. Assim, entre uma regra (positiva) e uma

lei natural, esta deve prevalecer! O que se vê aqui é o mais nítido sopesamento

entre regras e princípios, hoje tão defendidos por Alexy. O que ele queria dizer é que

uma lei, se injusta ou contrária às leis naturais, não é lei, mesmo que aparentemente

tenha tal intenção. Neste ponto existe contrariedade com pensamentos do

positivismo moderno de Kelsen (o qual entende que a lei deve fixar paradigmas e

deve ser respeitada), até porque para os estoicos essa ética natural é anterior à

vontade de cada povo e supera os interesses destes. Explica Cícero (1996, p. 45):

“como poderia existir liberalidade, amor à pátria, piedade, vontade de fazer o bem e ensinamentos de Cícero se enquadram mais ao que ora se defende, principalmente no que diz respeito ao humanismo do outro.

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de reconhecê-lo? [...] Nascem de nossa inclinação natural o amor o próximo, o qual

é fundamento do direito.”

O que se está dizendo não pode ser interpretado como a extinção do direito

particular em prol do coletivo. O exemplo prático disso é citado por Comparato

(2006, p. 112) ao dialogar com os ensinamentos da Roma Antiga: “é claro que o

interesse comum não suprime o individual, assim como o bem comum não absorve a

propriedade privada.”

O respeito ao próximo de Cícero alcança a todos e não somente aos nascidos

em Roma63. Isso ajuda a explicar um dos motivos de tal Império ter ido tão longe,

pois mesmo não sendo uma cultura seguida por todos os governantes romanos64,

muitos deles respeitavam os estrangeiros como se romanos naturais fossem,

fazendo das conquistas romanas um avanço também sentido pelos povos

conquistados.

Através desses conceitos, o direito romano conseguiu atingir uma

universalidade maior ainda que o grego (ambos foram os primeiros sistemas

jurídicos a vigorar também fora de seus originais territórios):

Na época de fastígio do império romano, o seu sistema jurídico vigorava no vasto território, compreendido entre a Grã-Bretanha e o Egito, a Espanha e o Mar Negro. Assim, o fator de unificação do império romano, a par do poder militar, foi incontestavelmente o direito, tanto público (a organização política), quanto privado (a família, as sucessões por causa da morte, os direitos reais, as obrigações delituais e contratuais; e o direito penal que, à época, ainda dependia, em sua aplicação, da iniciativa da vítima e sua família). Da mesma forma, o direito processual romano, pelo seu caráter racional, suplantou em pouco tempo os sistemas processuais dos demais povos, ainda impregnados de superstição e magia. (COMPARATO, 2006, p. 115)

Roma então é o berço da conquista de povos através de uma forma de agir e

de pensar em todos os sentidos que tais modos possam ser compreendidos. Toda

similaridade com o que este texto traz como conceito de vontade geral não é mera

63 COMPARATO (2006, p. 113): “Ora, esse direito natural, fundado no amor ao próximo, não rege apenas as relações com os nossos familiares, ou com nossos concidadãos. “Dizer que se deve respeitar os concidadãos, mas não os estrangeiros, é destruir a sociedade comum do gênero humano.” 64 Muitos eram maus e pensavam somente na guerra e na cobiça dos bens dos estrangeiros.

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coincidência, pois Rousseau confessou suas influências antigas, tanto gregas

quanto romanas.

Ora, se um povo permanecia unido com Roma após ser conquistado e isso

não era somente pelo temor de sua força bélica, mas também por conta de sua

codificação, é porque essas leis traziam em sua letra parte da vontade deles

também. Portanto, o legislador romano conseguiu reunir em suas normas atributos

que consagravam valores que qualquer um entendia serem também seus e não

somente de Roma. Quais eram? Certamente a positivação das leis naturais que

Cícero tanto citou.

O que se quer utilizar de tais conceitos romanos é o ensinamento de que a

representatividade de um eleitor (aos olhos de hoje) está diretamente ligada ao que

ele pensa, ao que ele quer, a sua vontade, mas existem leis naturais que devem

prevalecer a esta vontade caso a mesma não seja uníssona com o interesse geral,

ou seja, não há como um político defender a pena de morte se isso não reflete a

realidade geral da sociedade que se viva, embora se saiba que existem eleitores

favoráveis a tal penalização.

As palavras do imperador romano Ulpiano, transcritas ao Digesto (conjunto de

teorias jurídicas romanas, uma espécie de manual de direito), são claras com o que

ora se afirmou:

Se se quer entender a matéria jurídica, é preciso, antes de mais nada, saber donde vem a palavra direito (ius). Ora, essa palavra provém de justiça (iustitia): com efeito, como definiu limpidamente (eleganter) Celso, o direito é a arte do bem e do equitativo. E nós (juristas) podemos, com razão, ser chamados os sacerdotes do direito, pois de fato praticamos a justiça, procuramos dar a conhecer o que é bom e equitativo, com a separação entre o justo e o injusto, a distinção entre o lícito e o ilícito; pretendemos que os homens de bem se conduzam não apenas por temor do castigo, mas também pelo desejo de recompensa, e esforçamo-nos, sinceramente, por alcançar, sem engano, uma filosofia verdadeira. (COMPARATO, 2006, p. 119)

O final da citação retrata que a representatividade romana não era fruto

somente do temor do castigo, mas sim também do desejo do alcance da filosofia

verdadeira. Isso demonstra a anterioridade das normas que eles entendiam

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influenciar tudo e a todos, pois existia algo mais verdadeiro65. A conduta do eleito de

hoje também deve estar amparada nesse conceito, ou seja, na distinção do que é

justo e injusto, lícito ou ilícito, verdadeiro ou falso (pelas leis naturais, nossos atuais

princípios).

Nos diálogos que travou em sua obra A República66, Cícero destaca o valor

que deve ter o político e no que ele deve se basear para o cumprimento de seus

deveres públicos, o interesse público. Novamente se vê um ponto de encontro com a

doação total do eleito em um claro gesto de humanismo do outro, pois entendia o

também pretor romano que quem deseja caminhar na atividade pública deve ter esta

em primeiro plano.67

A moralidade no servir ao público deve estar amparada no sentimento

comum, o qual deve representar a prática dos deveres individuais em consideração

aos direitos de toda a comunidade. A ética de Cícero derruba um conflito que muitos

filósofos afirmam existir, entre a utilidade e a honestidade, pois para ele não existirá

o homem honesto se seus atos não forem uteis para seus irmãos, ou seja, não

existe dicotomia na interpretação de tais conceitos, mas sim união e consequência.

O respeito ao público na Roma Antiga era maior que a defesa do individual,

pois para eles o coletivo era fruto da lei natural, anterior aos interesses privados. Os

maiores crimes eram os atos contra a república romana, como traz Clayton Reis

(2010, p. 29): “Havia exata noção dos delitos privados e públicos. Os delitos de

natureza pública eram considerados mais graves, eis que ofendiam o Estado, sobre

o qual se assentava a estrutura sócio-política-econômica do sistema vigente da

época.”

Embora a Roma Antiga de Cícero tenha deixado muitos outros ensinamentos

que poderiam ser expostos, os conceitos políticos que mais marcaram seus dias

foram citados, demonstrando o quão importantes foram para a formação da atual

65 Ulpiano ainda esclareceu que “a justiça é a vontade constante e perpétua de dar a um o que é seu. Os preceitos do direito são: viver honestamente, não lesar ninguém, dar a cada um o que é seu. A jurisprudência (ciência do direito) é o conhecimento das coisas divinas e humanas, a ciência do justo e do injusto.” (COMPARATO, loc. cit.) 66 Cícero foi um dos maiores defensores do republicanismo. 67 “Já contra as objeções daqueles que ressaltavam as fadigas e os perigos a que estavam expostos os homens públicos, sem receber nada senão muitas vezes a ingratidão, Cícero responde com o próprio exemplo de uma vida dedicada ao bem público. Argumenta que os bons cidadãos devem estar preparados para assumir os encargos públicos e devem ambicionar o exercício do poder, a fim de evitar que os maus o façam e com isso destruam a república, ao impor seus interesses particulares. Cícero defende ainda a necessidade de sacrificar muitas vezes o próprio bem estar pelo bem da pátria.” FLAMARION CALDEIRA RAMOS et. al., 2015, p. 71)

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democracia. Contudo, cabe ainda citar o conflito entre Pelágio, de Roma, e Santo

Agostinho, até porque leva o texto ao próximo passo histórico, a Idade Média.

O assunto se mostra importante porque Pelágio68 era uma espécie de profeta

que acreditava que o homem era dono de suas vontades e que tudo poderia fazer

por conta disso. Entendia ele que não existia ninguém verdadeiramente mau,

tampouco verdadeiramente bem. Tudo caminha conforme a vontade de cada um. Já

Santo Agostinho acreditava no pecado original e que o homem não é conhecedor de

todo seu interior, o que o impede de creditar todas suas práticas para sua vontade.

Para a verdade apontada neste texto, de que a representatividade deve ser

exercida sempre a favor do bem e que não pode o politico esquivar-se de tal ato sob

o argumento de que não desejou a conduta errada, os ensinamentos de Pelágio se

mostram mais coadunados. O Estado inclusive deve acreditar nisso, pois as leis tem

também o objetivo de transformar cidadãos, de levá-los ao exercício do bem. Pensar

o contrário e dar uma conotação de punidora de atos à legislação é retirar dela a

vontade do eleitor, pois este não deseja ser punido, mas sim protegido e regrado por

algo que acredita, sendo a punição uma consequência de quem não compreende

isso.

Por isso, em devendo o representante atuar a favor do ser humano, para

melhorar este e buscar um mundo mais próximo da ética, deve acreditar que o

homem com moral equivocada tem como ser levado à moralidade, portanto, mais

perto deste texto está a compreensão do cristianismo romano a partir da flexibilidade

da vontade de Pelágio. Até porque o objetivo final da pesquisa é a demonstração de

que existe possibilidade do exercício da ética política através da representatividade

da vontade geral do eleitor e se esta vontade não pudesse ser identificada (mas sim

fosse fruto de algo oculto no ser humano, imutável, inflexível), seu conceito coletivo

de evolução não existiria.

68 Monge nascido em Britânia (onde hoje fica a Inglaterra), na época território romano, nos idos de 350.

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2.4 DA IDADE MÉDIA À CONTEMPORANEIDADE

Uma vez já enaltecidos os dois momentos mais importantes da política antiga,

dos Pré-Socráticos, Grécia69 e Roma, migra-se agora diretamente para a Idade

Média, onde a abordagem da origem do bem e do mal feita por Santo Agostinho é

relevante para o tema da representatividade, pois ao emprestar seus argumentos

podemos dizer não ser possível que a falta de ética seja imputada a alguém diverso

da própria pessoa, o que complementa o final do capítulo anterior quando de sua

dicotomia com Pelágio70. Para o filósofo da época medieval, a maldade ou qualquer

ato diverso da bondade e da ética é a falta desta e não algo separado e individual.

Neste sentido se concorda com Santo Agostinho (2014, p. 73): “o que tornou adão

capaz de obedecer as ordens de Deus também o tornou capaz de pecar.” A

liberdade e o livre arbítrio são defendidos em suas ideias como o centro da tomada

de decisões. Portanto, a ética do governante deve imperar acima de tudo, mesmo se

entender ele que dentro das vontades que herdou tem alguma posição que o mova

mais para o mal que para o bem, aqui entendido como o bem estar comum.

Nasce neste momento um conflito que precisa ser sopesado. Não como nos

ensinamentos atuais de Alexy71, mas sim como um conflito onde está a ética de um

lado (o bem) e a, em tese, vontade não ética do outro. O lado a ser escolhido é a

ética. Um representado não pode ter o condão de promover erros ao seu

representante em detrimento da moralidade da representação dos demais, tanto

quanto o representante não pode amparar suas atitudes em nome de uma conduta

irregular dos representados. Talvez este seja um bom exemplo onde prevalece o

mandato representativo72 contra o imperativo, pois o representante deverá optar pelo

bem de todos em detrimento de uma conduta antiética que deveria ser realizada.

69 A democracia grega era uma democracia minoritária, assim reproduzindo, registra Paulo Bonavides, o pensamento da G. W. F. Hegel, de que “o Oriente fora a liberdade de um só, a Grécia e Roma a liberdade de alguns, e o mundo germânico, ou seja, o mundo moderno, a liberdade de todos.” (Fernando Gustavo Knoerr, 2009, p. 22-23) 70 “Para Pelágio, o ser humano não pode ser dotado de uma natureza inteiramente má [...] reduzir os homens a tais inclinações seria incorrer em equívoco. O homem não é, ou não é somente, o lobo do homem.” (TZEVETAN TODOROV, 2012, p. 23) 71 Que presume a existência de dois princípios de mesmo peso normativo e ambos do eixo do bem (para adequar o pensamento atual ao antigo). 72 Fernando Gustavo Knoerr (2009, p. 71) explica: “[...] O mandato imperativo é figura assaz assemelhada ao contrato do Direito Civil, no qual, acaso, não cumpridos satisfatoriamente os encargos atribuídos ao mandatário, pode-se revoga-lo. [...]”. Sobre o mandato livre: “A principal questão a se fazer acerca do instituto é justamente a que busca saber se aquele

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Não existe o acaso nas atitudes, tampouco algo que não atinja a todos,

discurso esse que pode ser empregado na política pública (o que existe é atitude,

preparo, intenção pelo ato ético), como bem disse Santo Agostinho (2014, p. 13): “O

que nas coisas chamamos de acaso nada mais é que algo cuja razão e causa são

secretas; e nada de conveniente ou de inconveniente acontece à parte que não diga

respeito e não atinja também ao todo.”

Os ensinamentos do bispo de Hipona refletem o que se deseja suscitar neste

momento. Ora, os representantes (quanto maior o número de representados maior

sua responsabilidade) devem pensar bem em seus atos, pois irão afetar a todos.

Além disso, não poderá o acaso ser apontado como culpado do erro.

Outro ensinamento de Santo Agostinho (Ibid., p. 23) se mostra importante

para o dia-a-dia do governante, quando afirma que “errar é sempre buscar e jamais

encontrar”. Assim, o ato de ficar inerte (e nada fazer ou tentar fazer para o bem do

povo) com o medo de errar e se expor é um erro ético maior que não tentar e isso

não é permitido ao representante.

É certo que muitos dos eleitos permanecem em seus mandatos sem nada

trazer de novo para o bem estar dos que representa. Encontrar mil e uma desculpas

para sua ociosidade, mas na verdade o que pretende é tentar se eleger novamente

sem que tenha feito seu trabalho. Pior ainda quem pratica o ato em deslealdade ao

que lhe foi outorgado.73

Embora não tenha mais cabimento nos dias de hoje a base das lições de São

Tomás de Aquino74, que pregava a submissão total à lei divina75 (e lutava contra

Aristóteles no que tange à existência do universo), muitos de seus raciocínios são a

favor do todo, o que nos importa neste momento. A discussão da liberdade religiosa

que fala em nome de outrem, sem estar estritamente vinculado à vontade daquele, pode ser chamado de representante.” (ibid., p. 72) 73 “[...] Aquele que é feliz não pode errar. [...] Na minha opinião, o erro consiste em aprovar o falso em lugar do verdadeiro. [...]” (Ibid., p. 24) 74 “Santo Agostinho e São Tomás de Aquino entendiam que a natureza do homem era acima de tudo racional, possuía autonomia e capacidade de decidir e responder pelos seus atos e, portanto, também poderiam fazer o mesmo sobre a natureza ambiental, este entendimento confirmou a trouxe à tona, o pensamento de ideias pregadas desde os primórdios pelos sofistas, a de que o homem era medida de todas as coisas” (SAMIRA CHWEIH, 2015, p. 53-54) 75 “Com o advento da Reforma Protestante no início do século XVI, a instituição da Cristandade, que já havia sofrido uma grave ruptura com a criação da ortodoxia oriental no século xi, desapareceu por completo. [...] na cosmovisão teológica de Tomás de Aquino toda a vida submetia-se à lei divina, por intermédio das prescrições constantes da lei natural e da lei humana. Um mandamento do príncipe, contrário ao direito natural e à Lei de Deus, não teria validade alguma.” (COMPARATO, 2013, p. 184)

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aqui não será abordada, pois como já dito anteriormente, estamos falando em

representantes e em democracia em seu sentido mais amplo (bem mais amplo que

a própria vontade geral de Rousseau), não cabendo assim o foco em tal questão,

até porque a base da presente pesquisa também são os avanços constitucionais já

conquistados na atualidade na maioria dos países, como no Brasil76, sendo a

liberdade de crença um dos mais importantes deles.77

O representante, apesar de parecer ser um só, é a soma das diferentes

espécies que o montaram78, das diferentes vontades que de alguma forma

chegaram a um ponto de se somarem em um só gênero que fale por elas. São

Tomás de Aquino (2011, p. 23) falou sobre a montagem do gênero da seguinte

forma:

No entanto, embora o gênero signifique toda a essência da espécie, nem por isto é preciso que seja única a essência das diversas espécies cujo gênero é idêntico, pois a unidade do gênero procede da própria indeterminação ou indiferença. [...] Donde ser claro que pela adição da diferença, removida aquela indeterminação que era causa da unidade do gênero, permanecem diversas as espécies pela essência. [...] E já que, como foi dito, a natureza da espécie é indeterminada a respeito do

76 “VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (Art. 5.º, inc. VI, Constituição da República, 1988) 77 Um representante deve sim se preocupar com a religião de sua comunidade, de seus eleitores, principalmente quando vemos muitos dos eleitos terem origem direta em diversas igrejas. Defender a posição dos religiosos enquanto eleitos quase que exclusivamente por eles é válido, mas devemos separar a religião da vontade. O que o político eleito pela igreja x defende é a vontade de seus eleitores e não uma posição de hierarquia da igreja ou de uma lei divina. Assim, devemos separar o joio do trigo e falarmos sim da religião como algo que prega o sentimento puro de auxílio mútuo com o próximo, sem pregarmos que a representatividade de um eleito por uma igreja deve se ater somente às leis da igreja e contra outra crença, pois essas não possuem o condão de normatizar as condutas humanas neste momento da humanidade. Até mesmo nos países que não admitem o pluralismo religioso não existe mais tamanha devoção às leis ditas como divinas. Pode-se até tomar por base ou por desculpa para a aprovação de leis um ou outro escrito de origem religiosa, mas o que se busca na verdade é o estabelecimento de leis para os homens. Portanto, não age com ética em sua representação o candidato que promete condutas com base em textos religiosos que sabe que não retratam a realidade das normas da Nação onde ele pretende se eleger. A eleição é hoje e no agora devem estar seus pensamentos, sob pena de tudo que prometeu durante sua campanha para se eleger não passe de palavras ao vento, que de nada servirão no curso do processo democrático. Defender a religião sim, qualquer uma delas. Defender Deus, Cristo, Maomé, Jeová ou outro Nome é possível. O que não pode é prometer com base no impossível visando enganar o eleitor. 78 Existiu um pensador na Índia Antiga que não foi tratado neste texto, nos anos de 350-275 a.C. que afirmou isso como poucos, foi Kautilya, que dizia: “um governante é responsável pelo bem estar, pela segurança e disciplina do seu povo. Ele precisa ter um amplo leque de sabedoria, habilidade e qualidade. Ele precisa ser treinado na autodisciplina e no estadismo antes de tomar posse. Já no poder, ele deve ser aconselhado por ministros hábeis e experientes, pois a governança somente é possível com ajuda. Uma roda sozinha não se move.” (PAUL KELLY et. al., 2013, p. 45)

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indivíduo, assim como a natureza do gênero a respeito da espécie, dai vem que, assim como a aquilo é gênero, visto que se predicada da espécie, implicava na sua significação, embora indistintamente, o todo que está determinantemente na espécie, também, do mesmo modo, é preciso que aquilo que é espécie, na medida em que se predica do indivíduo, signifique o todo que está essencialmente no indivíduo, embora indistintamente. [...]

Para São Tomas de Aquino, a razão e os argumentos teológicos são

importantes para um político e não somente a primeira. Mas ele não faz isso com

objetivo único de profetizar a Igreja, mas sim é sua forma de poder colocar os

princípios éticos nas decisões, que para ele possuem a marca religiosa. Ao alegar a

possibilidade de que um gênero (de pessoas, uma cidade) tenha um mesmo objetivo

(certamente para ele o bem e justiça), não se faz necessário que suas espécies

(homens) tenham a mesma essência (razão, religião, etc.), pois é possível se ter

uma união de todos para um único fim mesmo com tantas diferenças. Isso que ele

pregou e assim deve pensar um eleito, ou seja, ele deve ser o gênero de muitas

espécies, portadoras de muitas essências.

Em 1513 Maquiavel terminava sua maior obra “O Príncipe” e a partir de então

tem início uma das maiores injustiças que já se viu no mundo da filosofia política,

pois sua obra e seu nome ficaram rotulados como algo “maquiavélico”, o que seria

uma política manipuladora e traiçoeira, que em geral atua em benefício próprio,

utilizando seu jargão de que “os fins justificam os meios”. A história contada pelos

que não compreendem seus ensinos não é a única e, com acato a tal corrente,

parece não ser a mais correta.

A época vivida por ele era difícil, onde homens queriam viver sem as amarras

da orientação divina, principalmente em sua Florença, já com governo republicano

naqueles dias.

O que Maquiavel disse foi fruto de uma realidade prática que viu na época,

pois ele queria se livrar da prisão das palavras soltas ao vento com intuito de

comoção e explicar que o Estado tinha que garantir o bem-estar e a segurança de

seus cidadãos, a qualquer preço. É a interpretação desse preço que fez de suas

obras algo mal compreendido. Ele pregava utilidade, necessidade, sucesso, perigo e

consequência, ao invés de simplesmente lidar com os conceitos de certo e errado.

Sua visão era de certa forma realista demais (para muitos era cínica), pois fazia mal

aos olhos de quem defendia a pureza dos homens acima de tudo.

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Deve o Estado conseguir melhorar a vida de seus cidadãos e para isso não

deve ser preocupar apenas com a moralidade de seus governantes, mas sim com a

utilidade correta de cada um para o fim que se almeja. A doação do governante deve

ser completa ao ponto de entender que será julgado pelos meios que utilizou e, se a

sociedade enxergar o resultado como positivo, está tudo justificado, pois se buscou

todos os meios possíveis para o bem-estar coletivo, razão principal da existência do

Estado. Kant criticaria essa posição com veemência, o que será abordado no

capítulo dedicado a ele.

Maquiavel diz ainda que o homem tem sim uma natureza humana mais

agressiva, para ele original ou fundamental, mas isso pode ser transformada em

algo melhor, para o bem da sociedade, principalmente quando o meio em que se

vive é harmônico. Traços negativos podem ser positivados, pois a mudança é

possível, não existindo imutabilidade ou pecado original.

Rousseau (2011, p. 149) esclarece pontualmente os equívocos na

interpretação de Maquiavel:

Maquiavel era um homem honesto e um excelente cidadão. Aliado, porém à casa dos Medicis, era constrangido, na opressão de sua pátria, a disfarçar seu amor à liberdade. Só a escolha de seu execrável herói (César Borgia), manifesta francamente suas intenções secretas. O confronto das máximas do seu livro O Príncipe às do seu Discurso sobre Tito Livio e às de sua Historia de Florença, demonstra que esse profundo político não teve até aqui senão leitores superficiais e corrompidos. A corte de Roma proibiu severamente a leitura desse livro. Acredito-o, pois é ela que ele pinta com mais clareza.

O texto chega a outro momento crucial da política, a época do Racionalismo e

do Iluminismo e marcos do fundamento histórico político precisam ser entendidos,

principalmente Jean Bodin, Thomas Hobbes, John Locke e Montesquieu. Os

raciocínios desses homens são necessários para a compreensão de um dos marcos

teóricos do texto, Jean-Jacques Rousseau. Vamos a eles.

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2.4.1 A Partir do Racionalismo e do Iluminismo.

A presente pesquisa é uma corrente lógica de ideias, razão pela qual sua

leitura precede dos anteriores capítulos e se completa com os que ainda virão. Após

o estudo de muitos doutrinadores da história da humanidade, alguns se mostraram

mais importantes para o tema da ética na política na forma como este texto os

compreendeu (a que não é mais ou menos certa, mas tão somente a forma deste

texto, neste momento), pois abordaram o tema de forma mais precisa ao que se

pretende passar.

Dentro desse contexto, os parágrafos a seguir trarão somente um breve

nuance das tantas lições que Jean Bodin, Thomas Hobbes, John Locke e

Montesquieu deixaram, bem como em hipótese alguma pretende diminuir a

importância de outros pensadores da época.

Hobbes, Locke e Rousseau79 são conhecidos como contratualistas. A razão

de tal denominação está no fato de que todos baseiam as relações sociais e

políticas em um contrato, em um instrumento de racionalização, vendo o pacto social

entre cidadão e Estado como a base para a existência jurídica do Estado. Alguns

pontos principais devem ser tratados sobre Hobbes e Locke, sob pena de

permanecer um vácuo para as conclusões rousseaunianas que se busca.

É o contrato social que distingue o estado de natureza do estado civil do

homem. A relação após o pacto torna-se jurídica e o Estado passa a garantir suas

obrigações contratadas, enquanto os cidadãos cedem suas liberdades. Aí reside

uma das maiores diferenças entre os contratualistas, pois a liberdade vai se

tornando cada vez mais inalienável conforme os três pensadores se manifestam.

Enquanto Hobbes cede toda a liberdade para o Estado, deixando o cidadão sem

poder (mas com o retorno do Estado), Locke cede parte dela e Rousseau não cede

nada em definitivo, somente a outorga ao Estado por meio de representantes,

podendo recuperar a liberdade caso estes quebrem o contrato social, que não se

extingue, mas sim se reestabelece quando uma nova outorga é realizada.

79 De Rousseau não será falado neste momento, pois este possui um capítulo a parte ao se falar da vontade geral.

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Hobbes não consegue pensar dessa forma porque seus preceitos são todos

racionais por demais, baseados na ciência quase que puramente matemática80.

Locke já não pensa da mesma forma, pois para ele o contrato social não é somente

uma realidade histórica e nem o resultado puro da ciência, mas sim em um conjunto

de relações entre as vontades dos cidadãos e a dos governantes, o Estado, o qual

busca tratar de diversas áreas comuns a todos. É muito próximo do que entendeu

Rousseau. Por fim, para Hobbes o homem era mau por natureza e para Rousseau

não. O homem era bom por natureza e a sociedade o corrompe!

Adentrando nas ideias de Jean Bodin, 1529-1596, os estados deviam ser

soberanos em seus próprios territórios, onde a soberania deve ser absoluta. É o

governo das famílias, que ao se juntarem repassam o poder de governo para um

soberano, que o recebe de forma limitada. A característica de limitação de poder,

apesar de absoluto em sua concessão é a chave principal do governo absolutista de

Bodin81. Salvo o contrato de Hobbes, todos os demais limitam o poder do Estado:

O fortalecimento do racionalismo empirista dará gênese ao contratualismo, responsável por afirmar que o Estado foi criado pela vontade conjunta de todos os homens, manifestada num acordo (o pactum subjectioni de Thomas Hobbes ou o pactum unionis de John Locke) que, prefigurado apenas para fins retóricos (já que nenhum contratualista, à exceção de Giambattista Vico, se preocupa em localizá-lo historicamente), tem por fim eliminar as adversidades do estado primitivo, dando gênese ao Estado como ente político. Uma vez celebrado o contrato, “no lugar da pessoa particular de cada contratante, este ato de associação produz um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros como a assembleia de votantes, o qual recebe deste mesmo ato uma unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade. Esta pessoa pública que se forma assim pela união de todas as outras, recebeu o nome de cidade e agora recebe o de república ou de corpo político, chamado por seus membros Estado, quando é passivo; soberano, quando é ativo; poder, comparando-o com seus semelhantes [...] Não é por outra razão que Jean-Jacques Rousseau mais tarde chamou de “república, a todo Estado regido por lei, qualquer que seja sua forma de administração, porque somente então, é que o interesse público governa e a coisa pública representa algo. Todo governo legítimo é republicano.” (FERNANDO GUSTAVO KNOERR, 2009, p. 28)

80 “Hobbes considera que a injustiça, que consiste para ele no não cumprimento dos contratos, é uma forma de contradição lógica. Segundo ele: “assim como se considera absurdo contradizer aquilo que inicialmente se sustentou, assim também no mundo se chama injustiça e injúria desfazer voluntariamente aquilo que inicialmente se tinha feito” (HOBBES, 1974, apud FLAMARION CALDEIRA RAMOS et. al., 2015, p. 102) 81 Outro ponto principal de Bodin está na igualdade formal e em sua visão também contratualista: “Claro está na teoria bodiniana que o Estado não é resultado natural da condição humana, como era a societas civilis do modelo aristotélico, correspondente à natureza social do homem. O Estado é criado mediante a vontade concordante de todo tácita, como na teoria de Jean Bodin, ou afirmada mediante um contrato [...]” (FERNANDO GUSTAVO KNOERR, loc. cit.)

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A explicação acima reflete o contrato social de maneira perfeita, bem como

enfatiza que para Rousseau o governo é legítimo se for republicano. Tal

apontamento também foi feito por Locke, que contrariou o absolutismo de Hobbes,

além de ter ido contra a afirmação deste sobre o estado de guerra no estado da

natureza dos homens. Para Locke o estado da natureza comportava a razão, a qual

somente deixava de existir e necessitava do Estado se a conglomeração de pessoas

fosse muito grande, surgindo então os conflitos de propriedade e demais que

envolvem as cidades. O liberalismo de Locke foi marcante para a Revolução

Francesa, bem como para os ideais que marcaram Thomas Jefferson na

Independência dos Estados Unidos da América. Sobre as sociedades políticas,

narrou ele em sua obra “Segundo o Tratado sobre o Governo”:

Como já mencionamos, os homens são por sua natureza livres, iguais e independentes, e por isso nenhum pode ser expulso de sua propriedade e submetido ao poder político de outrem sem dar seu consentimento. O único modo legítimo pela qual alguém abre mão de sua liberdade natural e assume os laços da sociedade civil consiste no acordo com outras pessoas para se juntar e unir-se em comunidade, para viverem em segurança, conforme e paz umas com as outras, com a garantia de gozar de suas posses, e de maior proteção contra quem não faça parte dela. Qualquer número de homens pode fazê-lo, porque não prejudica a liberdade dos demais que ficam como estavam, livres no estado de natureza. Quando certo número de homens acordou assim em constituir uma comunidade com o governo, ficam de fato, fazendo parte dela e formando um corpo político, no qual a maioria tem a prerrogativa de agir e resolver por todos. (LOCKE, 2011, p. 68)

Para Locke a representação do Estado, o que interessa para este texto, existe

antes do contrato a ser firmado, que estaria somente aguardando o chamado das

partes. Para Locke existe uma lei natural que rege inicialmente essa relação. Se

para Hobbes não existe lei no estado da natureza, ou seja, não existe ética alguma e

todos estão em guerra, para Locke tudo antes já estava regrado pelos princípios

implícitos da lei natural e os homens fora do contrato social não são

necessariamente selvagens, mas sim estão no controle dos seus atos e fatos, o que

para ele, apesar de válido, é menos louvável e alcança piores resultados que após o

contrato social.

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Finalmente, a teoria de Montesquieu ensina que o governo deve estar

separado em três poderes, executivo, legislativo e judiciário e que devem funcionar e

atuar separadamente e independentes um do outro, sempre com o mesmo poder, ao

ponto da harmonia dos mesmos quanto aos seus freios e contrapesos ser o que a

sociedade necessita para seu bem-estar.

É o espelho do que se vê até os dias de hoje, sendo que tal posicionamento

reflete sobremaneira as questões desenvolvidas na representatividade, pois em

todos esses poderes existem representantes, mas que atuam de formas diferentes.

A questão que os une é a compreensão de que mesmo com funções

diferentes o que eles devem defender é o interesse público, pois este é o tapete da

vontade geral. Quando um juiz, um deputado e um governador compreendem que o

trabalho de todos é importante para uma coisa só – a sociedade – a engrenagem

caminha através dos trilhos da paz e da evolução ética. A visão de todos deve ser o

apoio ao próximo, ao outro.

Deve ser da natureza de todo o ser humano ajudar ao próximo. Voltaire

(2015, p. 10) ensinou que “Os homens não são feitos senão para socorrerem uns

aos outros”. O representante tem de entender isso como um mantra a ser cantado

diariamente. O outro é o seu destino, a única coisa que o move, que deve ser

almejada. Ele ensinou que “a liberdade não pode subsistir frente à necessidades

absoluta, pois seria necessário que fôssemos livres.” (VOLTAIRE, 2015, p. 23)

Para representar com eficiência “é preciso ser novo sem ser bizarro, às vezes

sublime, e sempre natural. Conhecer o coração humano e fazê-lo falar. Ser um

grande poeta sem que jamais nenhum dos personagens da peça pareça poeta.

Saber perfeitamente sua língua, falá-la com pureza, com uma harmonia contínua,

sem que nunca a rima prejudique em nada o sentido” (ibid., p. 91).

Os acontecimentos da época são ora explicados por SÉLLOS-KNOERR

(2014, p. 436):

Em 1789 foi aprovada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão abolindo todos os privilégios pessoais e todas as servidões, para se encarar o homem em geral e os seus direitos em geral. Assim se proclamava a Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Os homens cujas concepções alimentaram os ideais dos revolucionários de 1789 entendiam que a nova ordem burguês devia assentar no postulado de que a propriedade de uns implica a exclusão da propriedade de todos os outros.. Transparece o conceito de sociedade burguesa, propriedade perfeita, absoluta e exclusiva, implicando a separação completa dos não-proprietários. No plano filosófico-

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politico, ai se afirmava, na esteira de Rousseau: Não há corporações dentro do Estado. Há apenas o interesse particular de cada indivíduo e o interesse geral. Não é permitido a ninguém inspirar aos cidadãos um interesse intermédio, separá-los da coisa pública por um espírito de corporação. No plano mais estritamente econômico, o deputado justificava a necessidade de combater as associações e organizações operárias com o argumento de que elas eram um atentado contra a ‘liberdade dos empregadores” e visavam ‘recriar as corporações aniquiladas pela revolução. Já se vê como o individualismo se ocupara dos indivíduos em abstrato e não dos homens em concreto e como as abstrações filosóficas de Liberdade e Igualde, traduzidas no preceito que proclama todos os indivíduos iguais em direitos.

Justamente nesses anos da Revolução Francesa, dez anos após a morte de

Rousseau, nasce Arthur Schopenhauer, um apaixonado pelas teorias de Kant, por

sua vez um apaixonado pelas ideias rousseaunianas. Ele tenta explicar a vontade de

uma forma que ora recepcionamos. Os empiristas entendem que cada ser humano

tem uma visão do mundo a partir de suas percepções e experiências pessoais e que

isso se limita ao mundo dos fenômenos apenas e não ao dos números, para

Schopenhauer o mundo é o mesmo, não existindo tais divisões. Explica-se melhor o

que se pretende, pois isso diverge de Kant: A vontade individual e interna para ele é

a mesma da externa, não tendo divisões. A vontade individual é parte de uma

vontade universal, mas não é separada desta. Este é o pensamento que se adota.

Se alguém tem vontade de algo e pratica o ato, essa vontade é a mesma, sendo

somente sentidas de forma diferente. Assim é a vontade que se espera do

representante, que não poderá alegar que o que pratica (contra o outro) não foi fruto

de sua própria vontade, mas sim como cumprimento de algo que não poderia se

negar a fazer.

A visão do mundo pode até ser realmente limitada pelas experiências que se

tem82, mas isso não é motivo para que se esconda de tudo e de todos, muito menos

motivo para deixar de praticar o bem. Discorda-se de Schopenhauer (2014, p. 26)

quando ele afirma que “é mais seguro temer os homens do que confiar neles”, bem

como quando diz: “num mundo tão irrestritamente comum, todo aquele que for

extraordinário irá necessariamente se isolar, e de fato se isola. Quanto mais o

82 Entende-se neste texto que é possível se aprender, ao menos um pouco, com as experiências dos outros, não sendo um caminho sem saída o cometimento dos mesmos erros sempre. Embora Schopenhauer fale que nossos atos também são frutos de nossas percepções (limitadas) e não somente de nossas experiências, o existencialismo pregado por ele coloca o homem em um mundo fechado, ocioso, protegido, onde a negação é a maior das proteções. Não se concorda com essas saídas, bem como se discorda de seu ambiente pessimista onde o homem tem mais chance de ter contato com a dor e com o sofrimento que com a felicidade.

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homem se isola da companhia dos homens, melhor se sente.” 83 Esses

pensamentos são impossíveis de estar na mente de quem deseja representar

alguém ou até mesmo ser representado.

Seguindo a régua do tempo e muitas décadas à frente, encontramos

Nietzsche. A época era a segunda metade do Século XIX e Nietzsche (2003, p. 105)

também questionava que a Sociedade estava sendo enganada por falsos moralistas,

os administradores da época que alegavam se basear na moral para praticar seus

atos mas que na verdade queriam somente lutar por suas próprias vitórias, por suas

próprias conquistas e riquezas. Ele chegou a dizer que “com esse livro começa a

minha campanha contra a moral” (Ibid., p. 104), mas com a leitura se compreende

que o que ele ataca não é a moralidade, mas sim o que chamam de moral, visto que

se o mundo que ele vivia era administrado pela moral, então ele era contra esta:

Minha tarefa de preparar para a humanidade um momento de suprema tomada de consciência, um grande meio-dia, no qual ela olhe para trás e para a frente, no qual ela fuja ao império do acaso e dos sacerdotes e coloque pela primeira vez a pergunta do por que?, do para que? Como um todo – essa tarefa resulta, necessariamente, da compreensão de que a humanidade não está por si mesma no caminho correto, que ela está longe de ser regida de maneira divina, que, muito antes, justo entre suas mais sagradas noções de valor, o instinto da negação, da deterioração, o instinto da dácadence reinou com toda sua sedução. A pergunta acerca da origem dos valores morais é, por isso, uma pergunta de primeira ordem para mim – porque ela condiciona o futuro da humanidade. A exigência de que a gente deca acreditar, de que no fundo tudo se encontra nas melhores mãos, de que um livro, a Bíblia, concede a tranquilização definitiva no que diz respeito à sabedoria divina na condução do destino da humanidade, é, retraduzida na realidade, a vontade de não deixar surgir a verdade sobre a lamentável antítese disso tudo, ou seja, o fato de que a humanidade até hoje esteve nas piores mãos, de que ela foi regida pelos malogrados, pelos vingativos-astutos, pelos assim chamados “santos”, esses caluniadores do mundo e violentadores do homem.

O mais importante da citação acima, ao menos para este texto, não é a

quebra de tudo que se entendia antes de Nietzsche84, tampouco suas críticas à

83 Pior ainda quando ele diz: “Num mundo em que pelo menos cinco sextos das pessoas são canalhas, néscias ou imbecis, é preciso que o retraimento seja a base do sistema de vida de cada indivíduo do outro sexto restante – e quanto mais ele se distanciar dos demais tanto melhor. A convicção de que o mundo é um deserto, em que não se pode contar com companhia, deve se tornar uma sensação habitual.” (Ibid., p. 28-29) 84 “Os intérpretes de Nietzsche sempre colocaram o filósofo no apogeu de um desenvolvimento, no fim de uma evolução, no auge de um processo histórico. Karl Jaspers, o filósofo alemão, dividiu a história do pensamento ocidental em dois períodos, fazendo de Nietzsche um divisor de águas. Se antes dele dominava o “conhece-te a ti mesmo” socrático

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Igreja ou aos pensadores antigos da razão ou sua adoração a si mesmo, mas sim

quando ele ataca o fato dos representantes do poder da época não realizarem

atuações condizentes com a melhoria do mundo que existia e quando ele ataca a

moral que se apresentava na época, pois para ele isso não tinha nada de

moralidade.

Deseja-se o agora, apesar de termos que aprender com o passado e tirar

deste o que nossa verdade (cada um com a sua) o que teve de mais importante, de

mais útil. “Vamos redimir o passado e transformar tudo aquilo que “era uma vez” em

“era assim que eu o queria!” – apenas isso seria redenção para mim.” (Ibid, p. 125)

Mesmo ao se chegar à época do existencialismo de Sartre (2014, p. 20-21),

consegue-se retirar de suas lições conceitos que interagem com as afirmações

deste texto, principalmente no que tange à responsabilidade individual de cada

pessoa pelo todo, pois sua vontade vai refletir em algo na vida do seu semelhante,

de sua comunidade. Não há como tomar decisões de vontade sem pensar na

vontade geral. Esta sim é a verdadeira chave para se viver em harmonia e com bem

estar:

Assim, a primeira decorrência do existencialismo é colocar todo homem em posse daquilo que ele é, e fazer repousar sobre ele a responsabilidade total por sua existência. E quando dizemos que o homem é responsável por si mesmo, não queremos dizer que ele é responsável estritamente por sua individualidade, mas que é responsável por todos os homens. [...] Quando dizemos que o homem faz sua escolha por si mesmo, entendemos que cada um de nós faz essa escolha, mas, com isso, queremos dizer também que, ao escolher por si, cada homem escolhe por todos os homens. [...] Fazer a escolha por isto ou aquilo equivale a afirmar ao mesmo tempo o valor daquilo que escolhemos, pois não podemos nunca escolher o mal; o que escolhemos é sempre o bem, e nada por ser bom para nós sem sê-lo para todos. Se a existência, além do mais, precede a essência, e nós queremos existir ao mesmo tempo em que moldamos a nossa imagem, tal imagem é válida para todos e para nossa época inteira. Assim, nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, pois ela envolve a humanidade como um todo.

Anos após, os ensinamentos de Hannah Arendt chegam para tratar das

massas. Cuidados devem ser tomados, pois devemos evitar que as massas gerem

– que perdurou até Hegel, com o qual alcançou o ápice -, depois dele a filosofia se caracteriza por um profundo desengano em relação à racionalidade, pela dissolução de todos os elos e pela queda de todas as autoridades. [...] Max Weber, de sua parte, disse: “O mundo onde nos existimos em termos de pensamento é um mundo cunhado pelas figuras de Marx e Nietzsche.” (NIETZSCHE, 2003, p. 7-8)

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movimentos como se todas representassem algo para o bem de sua coletividade.

Isso pode não ocorrer. Os regimes totalitários também são consequência de

massas85, pois dela necessitam para serem instalados. Não existe totalitarismo sem

um grande número de habitantes, um grande número de pessoas que estejam

desordenadas, mas prontas para se impressionar com algo. Conforme ensina

ARENDT (2012, p. 434), onde há massa e ralé, mais fácil será a instalação do

totalitarismo, principalmente porque “a atração que o mal exerce sobre a

mentalidade da ralé não é novidade. Para a ralé, os “os atos de violência poderiam

ser perversos, mas eram sinal de esperteza”:

Somente onde há grandes massas supérfluas que podem ser sacrificadas sem resultados desastrosos de despovoamento é que se torna viável o governo totalitário. Os movimentos totalitários são possíveis onde quer que existam massas que, por um motivo ou outro, desenvolveram certo gosto pela organização política. As massas não se unem pela consciência de um interesse comum e falta-lhes aquela específica articulação de classes que se expressa em objetivos determinados, limitados e atingíveis. O termo massa só se aplica quando lidamos com pessoas que, simplesmente devido ao seu número, ou à sua indiferença, ou a uma mistura de ambos, não se podem integrar uma organização baseada no interesse comum, seja partido político, organização profissional ou sindicato de trabalhadores. Potencialmente, as massas existem em qualquer país e constituem a maioria das pessoas neutras, que nunca se filiam a um partido e raramente exercem o poder de voto.

Do que foi dito, o que se extrai é que para se evitar a queda da democracia

frente ao totalitarismo uma das barreiras é que a massa não esteja totalmente

despolitizada, sem objetivo e não agrupada. A política sem ética de

representatividade pode se aproveitar de massas para a instalação de regimes

maléficos para as liberdades. E não existem muitas diferenças entre a ralé de hoje e

a de antigamente86, assim devemos aprender com os erros e acertos do passado

para que males similares nunca mais retornem visando a destruição de uma política

representativa que busque o bem comum.

Por fim, Rawls afirma que não existe ética na política, mas que não se pode

aceitar uma política sem ética: 85 “[...] os regimes totalitários, enquanto no poder, e os líderes totalitários, enquanto vivos, sempre “comandam e baseiam-se no apoio das massas.” (ARENDT, 2012, p. 435) 86 “É difícil perceber onde as organizações da ralé do século XIX diferem dos movimentos de massa do século XX, porque os modernos líderes totalitários não diferem muito em psicologia e mentalidade dos antigos líderes da escória, cujos padrões morais e esquemas políticos, aliás, tanto se assemelham aos da burguesia.” (ARENDT, 2012, p. 442)

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Respeitado pensador contemporâneo, J. Rawls, elaborou sua ética a partir da tentativa de solução de um conflito que se trava na ordem social. Por isso o seu pensamento é conhecido como ética-política: “A partir da ideia de conflito social pode-se concentrar o movimento da ética-política de J. Rawls em três tempos: a) reconhecimento do conflito entre os bens disponíveis escassos e o desejo ilimitado de posse por parte dos indivíduos; b) intervenção da teoria da justiça instaurando a sociedade bem ordenada (justa); c: a consolidação da comunidade política onde prevalece a cooperação, o senso da justiça e as virtudes da cidadania”. A justiça, para Rawls, é o que fundamenta uma nova ordem política. (JOSÉ RENATO NALINI, 2008, p. 243)

A teoria de Rawls parece uma das melhores propostas, pois para a política

talvez a justiça seja a melhor das correntes, uma vez que quanto mais justo for o

ato, mais benefícios são entregues à população e consequentemente para todo o

País. Não existe justiça social sem moralidade, sem ética. Esta é a razão dos três

conceitos se cruzarem de forma tão sintomática que chegam a ser sinônimos,

principalmente no campo da política e suas promessas.

2.4.2 A Ética de Kant.

A exemplo de todos os pensadores que já viveram, é necessário

compreender que Kant87 viveu o Século XVIII (1724-1804) e o estudo de seus

raciocínios deve ser visto com a contemporaneidade de sua época. Era

extremamente metódico e apegado a sua rotina e cumpridor de regras como poucos

da sua época. Esses dados são importantes para sua compreensão.

Ele vivia a época de quando o cristianismo já havia superado as noções

gregas. A noção de igualdade deve ser balizada para chegarmos à Kant, pois para

ele a moralidade passa pela quebra de toda desigualdade. Se para Aristóteles era

moralmente relevante a força, a virtude, a beleza, fazendo os homens desiguais, 87 O estudo de Kant foi realizado por diversas obras, em especial três de sua autoria, as quais são citadas neste momento como fontes principais, pois a compreensão de seus ensinamentos não foi realizada através de citações diretas devido sua complexidade, mas sim pelas emoções da leitura do autor. Portanto, tudo que ora se vê nos parágrafos seguintes tem como fonte: (KANT, 1959); (KANT, 2011) e (KANT, 1964), obras devidamente descritas nas referências.

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para a moralidade cristã tais desigualdades não classificam os homens, pois o que

importa é a forma como tais diferenças são utilizadas, ou seja, as pessoas são

iguais e o que importa é o uso dos talentos.

Se em sua teoria o que importa é a forma de usar as capacidades, ou seja,

como o homem usa seus momentos, é imprescindível que ele tenha liberdade!

Assim, para Kant uma conduta ética nasce da liberdade com a igualdade.

Ao tentar identificar os limites da razão, os limites do que devemos conhecer

vai sensivelmente influenciar a moralidade kantiana, pois ele questionava se o

homem tem realmente a capacidade de pensar tudo que deveria entender.

Perguntava ele - Será que temos condições com nossas faculdades intelectuais de

identificar o que realmente é bom? Essa resposta só podia ser encontrada

pensando, olhando para dentro. Para isso ele contextualiza a intelectualidade com o

empirismo. Então, deve haver razão mais percepção, evitando o erro na separação

das substâncias, pois devemos saber se o mundo que percebemos é realmente o

mundo nele mesmo.

O limite do conhecimento está na percepção sensorial do observador, não

tendo como se ir além. Então, se Descartes afirma que os sentidos levam ao erro e

Hume afirmava que tudo advém deles, Kant consegue juntar tais ensinamentos,

dizendo que para o conhecimento real importam duas coisas, tanto aquilo que se

percebe quanto as estruturas do conhecimento, pois sem estas não há como se

perceber algo. A razão vem antes e a percepção depois, mas uma não existe sem a

outra. O conceito é a razão que leva a perceber. O conhecimento a priori (tudo que

eu disponho para conhecer e que não depende de uma experiência sensorial do

mundo) antecipa o a posteriori (depois da experiência sensorial).

Para Kant o tempo não é um dado do mundo, mas sim uma das categorias do

conhecimento a priori e graças a isso pode haver a coordenação de aplicação do

empirismo. O tempo é uma condição de conhecimento da prática e está no sujeito.

O espaço sofre da mesma relação, pois é uma competência a priori, a qual também

antecipa os atos a posteriori.

Finalmente, a causa também não está no mundo, pois a causalidade

entenderá os acontecimentos por conta de um paradigma causal. Isso é

acontecimento a priori. É uma condição de entendimento para o homem, que precisa

da causa e efeito, a posteriori.

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Assim, a revolução copernicana de Kant sugere uma inversão da análise do

conhecimento, uma vez que tudo está no homem e não mundo, não necessitando

que o sujeito gravite em torno do objeto e sim o inverso, ou seja, quem manda na

experiência da vida é o homem. Quem comanda o conhecimento é o ser humano. O

que ele quer é priorizar as leis naturais, que já estão nas mentes de cada ser

humano. O conhecimento já está disponível, basta acessá-lo e aplicá-lo.

Kant então tenta buscar o que existe de comum neste conhecimento humano,

tentado retirar a base de sua ética disso. Para ele o descumprir dessas bases é agir

contra a sociedade dos homens. Para ele é mais importante aquilo que todos já

sabem ser o certo e não o que ainda precisa ser descoberto. Para ele, mais

importante que conhecer o mundo é conhecer a si mesmo, pois este é o meu

mundo, a forma como eu o vejo, como eu o percebo com base nos conhecimentos a

priori que eu possuo. Conhecer é registar o real, que se impõe em nossa vida de

forma ativa na elaboração do conhecimento. Assim, aquilo que é real é uma

construção do espírito e não do mundo. Este é construído pelos homens.

Superadas as questões iniciais, é importante salientar que a noção de que o

objeto não se impõe ao homem e sim o contrário faz com que um representante de

alguém tenha que dar forma a um conhecimento a priori que vem da vontade de seu

outorgante. O resultado a posteriori necessita obrigatoriamente do conhecimento

anterior. Assim, o representante deve conhecer tudo que o representado é, pois ele

é o objeto que precisa ser conhecido, pois o mundo deve ser formado a partir da

visão do eleitor e não do eleito.

Outra questão que deve ser compreendida minimamente para a reflexão que

o texto pretende praticar é a diferença que Kant faz do juízo sintético e do juízo

analítico. Em toda síntese o predicado acrescenta algo ao sujeito e toda análise

detalha um conceito internamente. Na análise não se traz elementos novos, mas sim

meramente se analisa um conteúdo.

Um representante deve fazer uma análise da vontade do eleito e não uma

síntese, pois o político não pode acrescentar suas opiniões pessoais à vontade da

comunidade, mas sim conhecer seus conceitos (a priori), analisá-los (sem nada

acrescentar) e encontrar as soluções para aquelas necessidades.

Sua contrariedade à Maquiavel é latente, pois Kant entende ser absurdo

julgar um ato por suas consequências, pois para ele quando você age os efeitos de

sua ação dependem de outras variáveis para além dessa ação, o que impede o

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vínculo desses atos para seus efeitos, pois estes não dependem somente do sujeito,

mas sim de todo o universo. Dizia ele, inclusive, que as consequências dependem

do sujeito e, portanto, é impossível julgar o ato pelas consequências.

Assim, um representante não pode agir como desejar pensando somente em

atingir a vontade do eleitor e que isso será o suficiente para seu reconhecimento,

pois ele não terá como saber o que o eleitor pensará do efeito de tal ato. Assim, todo

o ato deve estar revestido da vontade (ética), no início, meio e fim. Só isso pode dar

certeza a um efeito moralmente válido.

O iluminismo era uma época em que os homens estavam tentando se livrar

de vez das amarras para poder manifestar seus sentimentos, seus pensamentos,

suas decepções e descontentamentos. A compreensão da época é essencial para

entender as adequações para o enquadramento atual. Kant descreveu a época com

maestria:

Que são as Luzes? A saída do homem de sua minoridade, isto é, incapacidade de servir-se de seu entendimento sem direção de outrem, necessidade pela qual ele mesmo é responsável, pois sua causa reside não numa falha do entendimento, mas numa falta de decisão alheia. Sapere aude! Tem a coragem de servir-te de teu entendimento. Eis a divisa das Luzes. [...] Kant foi assertivo ao identificar que a razão somente se prestava a concatenar os juízos que, por sua vez atuavam, sobre os múltiplos fenomênicos: espaço e tempo, diversamente de seus antecessores racionalistas que usavam a razão também sobre o mundo numênico; e, de seus antecessores Empiristas que a faziam incidir também nos múltiplos de espaço e tempo. Para Kant, portanto, a razão não constitui seus objetos, mas atua numa função de reguladora das ações humanas. (KANT, 1967 apud POLESE, 2014, p. 53)

A visão da representatividade filtrada por esse idealismo transcendental de

Kant impõe limite na forma de pensar do político, pois retira dele a possibilidade de

entender que tem total domínio da verdade, como também permite uma infinidade

de soluções a partir do problema apresentado. (ibid., p. 54)

Outras interpretações de Kant, outros olhares, também interessa à visão que

o texto pretende expor, como a citada por EDUARDO HENRIQUE PUGLIA

POMPEU (2015, p. 134):

Neste contexto, Kant constrói um conceito de Liberdade como a possibilidade de se “autodeterminar” perante a incidência da norma e,

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sempre, por meio da razão, e cumpri-la de bom grado, conscientemente fazendo o que é o “melhor”, o bem. Destaca, ainda, que somente a razão pode orientar o “agir livre”, posto que o agir guiado pela “apetência”, tão somente, induz à satisfação de outras necessidades, fisiológicas, egoísticas ou mesmo espirituais que, inevitavelmente, podem concretizar o bem individual e até mesmo o geral, mas, nunca, o universal. [...] Esse agir livre, guiado pela razão, deve buscar a felicidade como o “sumo bem”, e, para tanto, necessita de se orientar por princípios universais ou máximas que independam da experiência prática para se justificarem.

Kant ordena algo perto do que Lévinas também ensina anos depois e que já

foi falado por muitos pensadores que aqui foram abordados, pois a busca do bem

deve ser realizada sempre, independente de qualquer coisa.

Uma das frases de Kant que mais resume seus ensinamentos, para encerrar

nosso breve relato de seus pensamentos é: “não é possível conceber coisa alguma

no mundo, ou mesmo fora do mundo, que sem restrição possa ser considerada boa,

a não ser uma só: uma boa vontade.” (KANT, 1964, p. 53). Compreender essa boa

vontade é a primazia de uma boa representação política, pois para Kant só existe

uma coisa que se enquadra nesse conceito e isso deve ser o objeto da vontade de

todos, eleito e eleitor. Para ele essa boa vontade é a PAZ!

2.4.3 A Ética de Foucault.

O poder é um dos maiores desafios para a ética dos representantes, para

tanto são importantes os estudos de Foucault88, que tratou da relação entre verdade,

poder e direito e em alguns pontos questionou se são os discursos de verdade que

criam o direito para o exercício do poder ou se o direito é utilizado pelas relações de

poder para criar os discursos de verdade:

88 Michel Foucault nasceu em 15 de outubro de 1926, na França, em Poitiers, tendo falecido em Paris, no dia 25 de junho de 1984 e foi um dois maiores pensadores que o Mundo viu, leu e ouviu, tendo sido professor da cátedra de História dos Sistemas de Pensamento no Collège de France, de onde inclusive saíram vários de seus livros, publicados a partir de suas palestras, cursos e entrevistas. Além disso, adentrou fortemente nas instituições sociais, tensionando a medicina e suas mais diversas especialidades. Falou muito sobre a sexualidade, tendo se posicionado fortemente contra a homofobia, tendo sido dos precursores das corretes contra a discriminação ao homossexual. (HEUSELER, 2014)

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O que tentei investigar, de 1970 até agora, grosso modo, foi o como do poder; tentei discernir os mecanismos existentes entre dois pontos de referência, dois limites: por um lado, as regras do direito que delimitam formalmente o poder e, por outro, os efeitos de verdade que este poder produz, transmite e que por sua vez reproduzem−no. Um triângulo, portanto: poder, direito e verdade. (FOUCAULT, 2012, p. 185)

Afirma ainda o filósofo que todos somos obrigados a buscar e provar a

verdade para tudo, em um incessante exercício de alimentação do poder ou de

quem o tem. A verdade89 é lei em nossa Sociedade, mas seria uma lei sem autoria?

Não. Ao menos a partir dos idos da Idade Média nas sociedades ocidentais, onde a

lei era devidamente encomendada pelo poder real ou similar.90 Toda a discussão

jurídica da época tinha como paradigma a Soberania, ou seja, identificar os poderes

de cada rei, dentro e fora de seus limites territoriais, com o intuito de fixar e,

ulteriormente, limitá-lo.

Foucault abordou os nuances desse poder, mas com o intuito de traçar outro

ponto de observação, demonstrando a necessidade de inversão dessa ótica,

levando o poder também aos súditos, ao povo (o que atualmente se encaixa em

cada cidadão e/ou titular de direitos e deveres). Não há como se ver o poder de

forma centralizada, mas sim dividido e com capilaridade dentre todos os que se

interagem.

Tal pensamento certamente não seria bem aceito na Idade Média pelos reis,

mas nos dias de hoje se adequa perfeitamente nas sociedades onde, em tese,

existem também direitos e não somente deveres. Não há um poder único, mas sim

ramos que se atravessam e interagem em todas as camadas sociais, chegando aos

menos favorecidos politicamente e economicamente, pois é através desses

cidadãos (às vezes nem cidadão constitucional é) que todo o poder retorna e, ao

mesmo tempo, renasce. As relações devem ser recíprocas e, portando, os efeitos da

dominação também.

A ciência do Direito atualmente é alimentada por tudo, pois tem como norte

atingir a todos, mesmo que às vezes isso não esteja muito claro. Assim, aquele

cidadão da base da cadeia política e econômica também é possuidor de vontades, 89 Já dizia Carlos Drummond de Andrade no poema “Verdade” que esta é relativa a cada um, a cada observador. 90 “É essencialmente do rei, dos seus direitos, do seu poder e de seus limites eventuais, que se trata na organização geral do sistema jurídico ocidental. Que os juristas tenham sido servidores do rei ou seus adversários, é sempre do poder real que se fala nesses grandes edifícios do pensamento e do saber jurídico.” (FOUCAULT, 2012, p. 186)

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direitos, deveres e de discursos de verdade. De alguma forma a lei deve fazer

alcançar seus olhos (sim, aqui não há que se falar em lei e justiça cega, pois

vivemos a era da igualdade material e não da igualdade formal) e ouvidos para

todas as realidades, principalmente para as pessoas, humanas ou não (empresas),

que tenham algo a dizer, a esclarecer, a demonstrar.

Não se trata de analisar as formas regulamentares e legítimas do poder em seu centro, no que possam ser seus mecanismos gerais e seus efeitos constantes. Trata−se, ao contrário, de captar o poder em suas extremidades, em suas últimas ramificações, lá onde ele se torna capilar; captar o poder nas suas formas e instituições mais regionais e locais, principalmente no ponto em que, ultrapassando as regras de direito que o organizam e delimitam, ele se prolonga, penetra em instituições, corporifica−se em técnicas e se mune de instrumentos de intervenção material, eventualmente violento. (FOUCAULT, 2012, p. 187)

A análise do poder deve ser focada no fim e não no início: “em outras

palavras, captar o poder na extremidade cada vez menos jurídica” (Ibid., p, 187). O

filósofo vai além, retirando a análise do plano da intenção ou da decisão e olhando

para onde está a efetivação desse poder, onde está sua realização, seu

objeto.91Alega ainda que o poder deve ser visto como algo que circula e somente

funciona em cadeia e não centrado em uma única pessoa, devendo ser exercido em

rede, não se aplicando aos indivíduos, mas sim passando por eles.

Peter Pál Pelbart (2014) resume:

Ora, quando cunhou o termo biopoder, Michel Foucault tratava de descrimina-lo, esse biopoder, de um regime anterior denominado soberania. O que era o regime de soberania? Consistia em fazer matar e deixar viver os demais. Cabia ao soberano a prerrogativa de matar de maneira espetacular os que ameaçavam sem o seu poderio, e cabia ao soberano deixar viver os demais. Já no contexto biopolítico surge uma nova preocupação, segundo Foucault. Não cabe ao poder fazer morrer, mas sobretudo fazer viver, isto é, cuidar da população, da espécie, dos processos biológicos, cabe ao poder otimizar a vida. Gerir a vida de soberania, consistia num mecanismo de supressão, de extorsão, seja da

91 “Em outras palavras, ao invés de perguntar como o soberano aparece no topo, tentar saber como foram constituídos, pouco a pouco, progressivamente, realmente e materialmente os súditos, a partir da multiplicidade dos corpos, das forças, das energias, das matérias, dos desejos, dos pensamentos, etc. Captar a instância material da sujeição enquanto constituição dos sujeitos, precisamente o contrário do que Hobbes quis fazer no Leviatã e, no fundo, do que fazem os juristas, para quem o problema é saber como, a partir da multiplicidade dos indivíduos e das vontades, é possível formar uma vontade única, ou melhor, um corpo único, movido por uma alma que seria a soberania.” (Ibid., p. 188)

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riqueza, do trabalho, da força, do sangue, culminando com o privilégio de suprimir a própria vida, no regime subsequente de biopoder ele passa a funcionar na base da incitação, do reforço, da vigilância, visando a otimização das forças vitais que ele submete. Ao invés então de fazer morrer e deixar viver, trata-se de fazer viver e deixar morrer. O poder investe a vida, não mais a morte. Daí porque se desinvestiu tanto a própria morte, que antes era ritual, espetacular e hoje é anônima, insignificante.

Assim, o cidadão não é um mero efeito do poder ou seu alvo, mas sim um

centro de distribuição desse poder que, automaticamente, passa a ser também dele.

Esse raciocínio é parte dos pensamentos de Foucault. A busca dessa inversão de

observação é o que comprova a importância de toda a capilaridade da rede de

poder, principalmente do final dela (ou seu início), ou seja, os cidadãos.

2.4.4 A Ética de Hans Jonas.

Hans Jonas (2006, p. 136) nos disse há muitos anos com o seu PRINCÍPIO

RESPONSABILIDADE: “age de tal maneira que os efeitos de tua ação sejam

compatíveis com a permanência de uma vida humana autêntica”. Compreender o

que ele quis dizer e transportar aos dias de hoje é essencial para este breve diálogo,

pois será o filtro do raciocínio que se pretende abordar. Pensar nas gerações futuras

é agir com moralidade, é atuar a favor do princípio responsabilidade de Hans Jonas

(2006), que nos disse há muitos anos: “age de tal maneira que os efeitos de tua

ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana autêntica”.

Não há como negar a importância da obra de Hans Jonas no contexto

histórico do desenvolvimento sustentável, que conseguiu prever com grande

proximidade que os avanços (seriam avanços? Essa é justamente a grande questão

de seus pensamentos) da tecnologia seriam importantes e ao mesmo tempo

temerários para a população mundial.

Seus pensamentos são pelo coletivo, pelo bem público, pelo social. Ele nunca

pretendeu deixar de lado os avanços da sociedade no campo das ciências,

principalmente as mais envolvidas com a tecnologia, mas sim fazer com que os

cientistas pensassem antes de focar seus estudos, para dirigi-los através do uso

ético. Isso pode ser visto quando Hans Jonas avalia a tecnológica através da ciência

bélica, tentando demonstrar quanto maléfica esta pode ser a pesquisa, em

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desprestígio do que poderia ter se alcançado com menos tempo e menos custo,

desde que com um foco diverso da guerra. Tecnologia para a morte, para o mero

conforto, para meros prazeres. Tudo com altíssimo custo ambiental, transformando a

manutenção da natureza em algo completamente esquecida e deixada de lado,

como se lá estivesse somente para oferecer insumos para as conquistas de novas

fronteiras. O estado apocalíptico da sociedade é o que mais se tenta evitar com suas

previsões, inclusive fazendo uso da heurística do temor92.

Ensinou o filósofo alemão que não há como deixar de frisar a questão entre a

responsabilidade paterna e a responsabilidade política. A paterna nada mais é que a

responsabilidade natural, que advém do amor e dos deveres (e direitos) entre pai e

filho. Já a política nasce na escolha e isso a torna importante, pois são essas

escolhas que podem mudar tudo, principalmente no futuro. Então surge o conceito

de responsabilidade total, onde nos colocamos mais preocupados com o futuro do

coletivo, cientes de que nossos atos são frutos de nossas escolhas e que essas

devem ser tomadas com cautela (medo), com amor e responsabilidade incondicional

(paterna), em prol da comunidade e do social, sem pensar somente no

individualismo (político/governamental).

Neste momento o foco deste estudo ganha relevo, pois a ética da

representação, como dito, está no pensamento do futuro do representado e suas

gerações. O meio ambiente ganha notoriedade ao ser imprescindível tal contato

quando se fala em futuro e sustentabilidade.

A realidade das redes sociais como o facebook teve início somente em 2004,

o google nasceu em 1998, o iphone (smartphones) em 2007. O primeiro serviço de

telefonia móvel brasileira surgiu no Rio de Janeiro, a partir de 1990. Portanto, Hans

92 “Um dos conceitos mais interessantes e polêmicos da obra de Hans Jonas. Trata-se da heurística do temor, erroneamente traduzida do alemão como heurística do medo, acentua o filósofo Jelson Roberto de Oliveira. “Trata-se de uma opção ética pelo mau prognóstico, de um antídoto contra a esperança sem sentido que pode afetar a ação humana no mundo. Em vez das probabilidades otimistas e idealistas, Jonas propõe utilizar-se o medo como forma de aprendizado e fazer da projeção da possibilidade da previsão negativa como condição para alterar a atitude do ser humano frente à natureza. Para o autor, é preciso utilizar as predições e os presságios apontados pelos saberes científicos modernos como forma de antecipação das condições desastrosas previstas caso o ser humano não altere as suas ações, em sentido de fomentar a responsabilidade”. E completa: “Trata-se de uma tomada de consciência do perigo, do risco do mal que adviria do uso perigoso do poder da técnica. Como a ameaça ambiental é geralmente imperceptível ou, pelo menos, de difícil acesso para o cidadão comum, a heurística poderia contribuir para revelar a real possibilidade do perigo e serviria de convocação. O temor tem, portanto, um tom antecipador e é a “primazia do mau prognóstico” que despertaria no ser humano a responsabilidade. (JUNGES, 2001)

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Jonas sequer conviveu com a telefonia celular! Em 1993 (ano de sua morte) ainda

se utilizava dinheiro em espécie, cheque e crediário no papel, atualmente

substituídos em mais de 90% pelos cartões de débito e crédito.

As linhas de produção nas fábricas eram diferentes das que se veem hoje,

sendo que ao mesmo tempo em que se tentava beneficiar mais o trabalho humano

ao da máquina, tinha-se menos cuidado com o meio ambiente, afinal de contas

somente pouco antes, em junho de 1992, ocorreu a ECO-92, onde mais de 100

chefes de Estado tentaram achar meios para o desenvolvimento econômico

sustentável. No ano da morte de Hans Jonas (1993) o mundo viu de perto vários dos

efeitos de suas “previsões” 93, como os danos causados por artefatos de guerra e a

primeira clonagem de embriões humanos.

A clonagem atualmente já é uma realidade, tendo sido inclusive travado

grande debate na doutrina e jurisprudência mundial e brasileira nos últimos anos e

os artefatos de guerra somente tiveram seus investimentos aumentados, seus

tamanhos diminuídos e sua capacidade de destruição elevada. Mas poderia se dizer

que fora desses “avanços” tecnológicos existe campo para o princípio

responsabilidade? A resposta certamente é positiva.

Existe toda uma ancoragem social e política no princípio responsabilidade:

Tomando como ponto de partida a ideia de que o ser humano tem o caráter precário, vulnerável e transitório de todos os seres viventes, logo precisam de proteção [...] Só o ser vivo, em sua natureza carente e sujeita a riscos, pode ser objeto da responsabilidade de outro ser [...] é recomendável que o gestor94 responda por seus atos e omissões (passado) [...] na perspectiva política, o “o outro” – que pode ser qualquer vivente – contrapõe-se ao poder do gestor por meio do seu direito de existir. O poder do gestor é submetido a uma vontade moral. Assim, trata-se de uma responsabilidade em relação ao que ainda poderá ser feito (remete sempre às gerações futuras). (SOUZA-LIMA, 2014, p. 21-22)

Quando Hans Jonas (2006) fala em “permanência de uma vida humana

autêntica” ele está prevendo que caso não nos preocupemos hoje, podemos perder 93 [...] Em 26 de fevereiro houve o ataque a bomba ao World Trade Center; em 6 de abril uma explosão nuclear numa fábrica de produtos químicos na cidade siberiana de Tomsk (Rússia); em 27 de maio explosões em Florença e Roma destruíram património histórico; em 27 de junho mísseis norte-americanos atingem, no centro de Bagdá, Iraque, a sede dos serviços secretos iraquianos, causando seis mortos e vários feridos e em 25 de outubro, investigadores da Universidade George Washington, Estados Unidos, realizam a primeira clonagem de embriões humanos. (WIKIPEDIA, 2014) 94 Em nosso caso, o político.

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duas de nossas principais características no futuro, ou seja, a “autenticidade” e a

“natureza humana”.

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2.5 A ATUALIDADE DA ÉTICA DE EMMANUEL LÉVINAS

Os dias de hoje impõem o debate sobre a igualdade material, pois se vive o

grito do respeito às diferenças. Isso não quer dizer que o ser-humano deixou de

buscar uma identidade, mas sim que este quadro deve ser pintado por diversas

cores e por diversos pincéis, refletindo tudo que se vê no mundo, compartilhando o

maior número de experiências possíveis, de vontades possíveis. Essa é a vontade

geral atual.

Entrando mais na realidade sociológica e antropológica brasileira, o que

acontece por aqui é o abuso que os políticos fazem contra um povo amigo, cordial e

pacífico. Embora ocorram manifestações pontuais em determinadas épocas (como

agora em 2014/15), a verdade é que o cidadão brasileiro não tem o condão de brigar

por seus direitos (e talvez isso faça com que ele entenda que também possa

flexibilizar seus deveres). Os apontamentos de Zwegig (2013, p. 125-131) sobre o

Brasil, feitos ainda no Século passado são perfeitos para demonstrar nossa raça,

nosso sangue:

Não há um tipo antropológico brasileiro. Raça. [...] O processo do abrasileiramento não é apenas um processo de adaptação ao clima e à natureza, às condições espirituais e espaciais do país, mas acima de tudo de transfusão [...] encontram-se aqui todos os matizes, fisiológicos e de caráter [...] esse processo de contínua assimilação com incessante miscigenação continua em curso, ainda não está pronta a forma definitiva dentro dessa evolução. Mesmo assim, o brasileiro de todas as classes e posições já tem o cunho claro e típico de uma personalidade étnica [...] aquilo que é tipicamente brasileiro hoje já é suficientemente evidente para não mais ser mais confundido com o que é tipicamente português, ainda que o parentesco e a filiação sejam indubitáveis [...] o brasileiro é um tipo quieto, sonhador e sentimental. Às vezes até com uma certa melancolia, sentimento este que Anchieta, em 1585, e padre Carmim já pegaram no ar quando chamaram a terra de “desleixada e remissa e algo melancólica” [...] ele é de boa índole e de boa-fé, e o povo tem aquele traço cordial e infantil que muitas vezes é próprio dos povos meridionais europeus, porem raramente tão nítido como aqui.

O que se quer frisar é que a ética política em países menos desenvolvidos,

como o Brasil, é ainda mais essencial que em outros, pois além de ser mais fácil

enganar o povo95, também é mais difícil vê-lo brigar96 contra isso! Ademais, a

95 Resultado de baixos investimentos em educação, dentre outros fatores.

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maioria dos povos como o brasileiro tem o costume de aceitar que sua felicidade

está boa assim, ou seja, desde que fique como está (não piorando), bem como

sonha que alguém melhore sua condição97, pois ninguém contou para eles que isso

depende mais deles que dos outros.

Um dos problemas atuais é esconder do homem que ele pode tudo e que

tudo depende dele. A felicidade98 não pode ser obtida através de mensagens

divinas, mas sim em decorrência de um esforço que deve ser ao mesmo tempo

individual e coletivo, sendo que está na compreensão dessa coletividade o segredo

de seu alcance. Nunca o alcance definitivo, pois a felicidade necessita de

paradigmas para ser reconhecida quando se está diante dela. O rio da alegria possui

águas quentes e geladas, devendo o corpo estar ambientado para ambas as

estações, pois somente com tal preparação e prevenção é que se mantém pelo

maior tempo possível o bem estar harmônico do mundo em que se vive. 99

Para tanto, o homem deve estar sempre atento para saber identificar o que é

o bem e o mal, pois a qualquer tempo pode se deparar com episódios que exigirão

de si soluções para tais questionamentos e saber no mínimo que se está diante de 96 Tal característica não é facilmente alterada, nem mesmo pela educação, pois é fruto da raiz do brasileiro. 97 Quase como um representante divino, que resolvesse tudo sozinho, como um pagamento das orações e dízimos. 98 Fala-se em felicidade aqui não como a bíblica que despeja no crente em Deus a busca por um sentimento de alegria que será conquistado somente pela fé, mas sim em algo conquistado também pela fé, não em uma fé isolada enraizada na figura de um Ser que lutará para que tudo dê certo para você, mas sim na fé de que essa Energia que gira em torno de todos oferece a cada um a chance de que nos tornemos pessoas melhores a cada dia, a cada ato e que isso depende mais de nós do que dos raios milagrosos. Esta era do Monte Olimpo passou e hoje todos podem ter acesso ao que é certo e errado sem precisar descer as 12 Tábuas. Quem alega desconhecimento corre o risco de ser testado a cada dia com o mesmo desrespeito por parte dos seus semelhantes, podendo se tornar mais um invisível aos olhos de todos os seus e do Estado. A leitura parece trazer a doutrina de um ateu, mas em verdade é somente o que deve raciocinar quem realmente crê, quem verdadeiramente leu a Bíblia e não quem escutou sermões de todas as espécies. Para citar somente um exemplo, na BÍBLIA SAGRADA (2012, p. 612) em Provérbios 16:20:21:22 pode ser lido o seguinte ensinamento: “20 Quem examina cada questão com cuidado prospera, e feliz é aquele que confia no Senhor. 21 O sábio de coração é considerado prudente; quem fala com equilíbrio promove a instrução. 22 O entendimento é fonte de vida para aqueles que o têm, mas a insensatez traz castigo aos insensatos.” Antes de depositar todas as fichas em Deus, Ele (aqui se tem a Bíblia como a fonte das fontes) mesmo nos ensina a examinar cada questão com cuidado e somente após isso se terá prosperidade. Adiante, Ele coloca a prudência e o equilíbrio como o verdadeiro ensinamento e, por fim, elogia o entendimento em detrimento da insensatez. Ora, só não enxerga quem não quer ver, pois para este não existe nada além da crença na escritura virtual comprada mensalmente com seus dízimos. 99 Ao se falar em bem estar harmônico se está dizendo de um sentimento que se encontra somente quando todos a sua volta estão bem, ou seja, em mútua alegria. Infeliz é o que mente para si mesmo que a felicidade pode ser obtida em meio à tristeza dos seus semelhantes. Mais infeliz ainda é o que sequer entende que está dentre semelhantes.

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tal pergunta já será uma evolução, pois identificar os momentos de decisão o coloca

dentre os pensadores, dentre os previdentes, dentre os sábios. A resposta não

importa, pois dificilmente ele saberá qual seria o norte obtido com outra decisão, se

melhor ou pior. Contudo, não ter sua vontade é como não viver! Sequer é como um

vento sem destino, pois este ainda encontrará algum anteparo que o desviará.

Passar os dias sem enxergar as perguntas é estar no vácuo e cada vez mais

longe em um túnel cuja saída será tão demorada quanto sua entrada, quanto o

número de dias perdidos. Assim, infelizmente, meio dia perdido é um dia inteiro

vivido sem motivo algum. Para os que acreditarem em absolutamente qualquer

coisa, será uma grande perda de tempo.

Viver em harmonia100 também não está somente em buscar o melhor para si

e para todos ao mesmo tempo através dos atos101, mas também escutar e maior

número de falas e filtrá-las pelo bem comum em busca de um líquido que possa ser

bebido pelo maior número de pessoas. A vontade geral de Rousseau é a alma deste

breve estudo, mas não a única verdade a ser escutada. Seria um desrespeito para a

humanidade eleger somente um pensamento como algo a ser perseguido, a ser o

caminho a se percorrer.

Quando Tales de Mileto afirmou que tudo era composto de água, há quase

três mil anos, o importante não foi sua tese derrubada tempo depois, mas sim o fato

de um homem já naquela época não aceitar o que apresentaram a ele como

verdade, de não aceitar que tudo era coisa dos deuses e procurar dar alguma razão

para o que via e entender o que acontecia. Não obstante o raciocínio parecer

simples aos olhos dos que hoje acham que sabem muito, o bom intérprete consegue

ver (como Tales) que a água se move, muda, se amolda e alcança seu objetivo ao

invés de permanecer parada aguardando e aceitando tudo como certo. De certa

forma o filósofo estava certo quanto ao modo que deve caminhar a humanidade,

sempre se questionando, alterando seu molde mesmo que não alcance as

respostas, pois o importante são as perguntas.102

100 O dicionário traz: har.mo.ni.a sf. 1. Disposição balanceada entre as partes de um todo. 2. Simetria, proporção. 3. Sucessão agradável de sons. 4. Paz, concórdia. 5. Mús. Arte de formar e encadear acordes. (XIMENES, 2000, p. 490) 101 Como fala o utilitarismo. 102 Muitas são as frases de conhecimento público e antigo atribuídas a pensadores e filósofos sobre o tema, como: “A arte de interrogar é bem mais a arte dos mestres do que as dos discípulos; é preciso ter já aprendido muitas coisas para saber perguntar aquilo que se não sabe.” e “geralmente aqueles que sabem pouco falam muito e aqueles que sabem muito falam pouco” (Rousseau); “Eu não procuro saber as respostas, procuro compreender

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Diferentes são muitos homens atuais, que aceitam a coisificação como sendo

a verdade da nova era, como muitos pais que permitem que filhos troquem de

personalidade a cada dia, a cada nova moda, a cada novo seriado de TV, sem se

preocuparem sequer com o que está influenciando suas proles e colocando em jogo

os ensinamentos de seus antepassados, os quais deveriam seguir em progressão

evolutiva qualitativa.

Fala-se muito em civilização moderna em detrimento aos antigos que viviam

na agricultura como se as características da atualidade demonstrassem sermos mais

civilizados que nossas bisavós, mesmo que diariamente passe a frente dos olhos o

caos que se vive, onde muitas vezes ninguém se indispõe contra as milhares de

mortes completamente desmotivadas (só a natural é motivada), isso para se falar

somente na mais cruel das violências103. As notícias chegam às dezenas nos jornais

e nossa indignação dura somente até a leitura da próxima matéria, em uma

desprezível atitude passiva e calada, que beira a concordância.

Bem aventurados os que perseguem a dignidade da pessoa humana como

uma régua inflexível, pois a invisibilidade dos menos favorecidos é uma realidade

que cresce diariamente no mundo de hoje, principalmente nas grandes cidades.

Nem mesmo na Idade Antiga ou Média, época teoricamente mais cruéis, o

semelhante pobre (em qualquer sentido do termo) foi tão invisível aos olhos dos que

se entendem como cidadãos. Por mais horrível que seja essa (in)evolução, os dias

começam e terminam como se mendigos não existissem, como se trabalhadores

não realizassem os serviços públicos essenciais de que tanto necessitamos, como

se tudo de ruim que ocorreu no mundo naquele dia fosse fruto de um filme e não da

verdade do cotidiano.

Se Rousseau enfatiza a força da vontade chegando a alegar que dificilmente

existe forma de representá-la104, pois ou se tem a mesma vontade ou não se tem, o

as perguntas.” (Confúcio); “Julgue-se um homem mais pelas suas perguntas do que pelas suas respostas.” (Voltaire); “A pergunta certa é geralmente mais importante do que a resposta certa à pergunta errada.” (Alvin Tofler); “A chave de todas as ciências é inegavelmente o ponto de interrogação.” (Honoré de Balzac); “Antes eu não entendia porque não recebia nenhuma resposta à minha pergunta, hoje não entendo como podia acreditar que era capaz de perguntar. Mas realmente não acreditava, só perguntava.” (KAFKA, 2015). 103 Embora o ser humano tenha demonstrado ser capaz de praticar violências indescritíveis, a morte certamente é o fim que mais se deve evitar, pois dela não se conhece, ainda, a volta. Para os mais incrédulos sequer existe algo após sua consecução. 104 “Não se pode representar a soberania pela mesma razão que se não pode alienar; consiste ela essencialmente na vontade geral, e a vontade não se representa; ou ela é

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que ora se diz é uma visão anda mais umbilical, pois quase não deveríamos falar em

representante, mas sim na própria pessoa representada, pois ao se incorporar a

visão do outro na vontade geral, o que se encontra é o próprio eleitor na pessoa do

eleito e não outra pessoa. O representante só existe fisicamente. A beleza de

Lévinas (2012, p. 63) deve permanecer sempre no coração de um bom

representante:

Sofrer pelo outro é ser responsável por ele, suportá-lo, estar em seu lugar, consumir-se por ele. Todo o amor ou todo o ódio do próximo, como atitude refletida, supõe esta vulnerabilidade prévia: misericórdia; “gemido de entranhas”. Desde a sensibilidade, o sujeito é para o outro: substituição, responsabilidade, expiação. Mas responsabilidade que não assumi em momento algum, em nenhum presente. Nada é mais passivo do que este ser posto em causa anterior à minha liberdade, do que este ser posto em causa pré-original, do que esta franqueza. Passividade do vulnerável, condição (ou incondição) pela qual o ser se mostra criatura.

Enquanto o eleito não compreender que ele não existe sozinho, mas sim que

deve ser um espelho da vontade do outro, dentro do melhor espírito de alteridade

que se pode exprimir, não irão ocorrer as melhorias que efetivamente se espera na

comunidade, como ensinou Lévinas (2012, p. 48):

Desejo do Outro como necessidade daquele que não tem mais necessidades, que se reconhece na necessidade de um Outro que é Outrem [...] O desejo do Outro – a socialidade – nasce num ser que não carece de nada ou, mais exatamente, nasce para além de tudo o que lhe pode faltar ou satisfazê-lo. No desejo, o Eu (Moi) põe-se em movimento para o Outro, de maneira a comprometer a soberana identificação do Eu (Moi) consigo mesmo, cuja necessidade não é mais que nostalgia e que a consciência da necessidade antecipa [...] A relação com o Outro questiona-me, esvazia-me de mim mesmo e não cessa de esvaziar-me, descobrindo-me possibilidades sempre novas. Na me sabia tão rico, mas não tenho mais o direito de guardar coisa alguma. (grifo nosso)

A solução está quando se coloca o outro de Lévinas acima de tudo, inclusive

de si próprio, pois ao se cuidar do outro se está cuidando de você mesmo, uma vez

que ambos possuem as mesmas vontades mestres (eixos de vontade),

diferenciadas somente nas especificidades individuais que não alteram a direção

mesma, ou outra, e nisso não há meio termo. (ROUSSEAU, 2003, apud KNOERR; FERREIRA, 2014, p. 98)

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das ações. Faz parte desse processo de doação a leitura de tudo pela sensibilidade,

sendo a razão somente utilizada para a recolocação de tudo nos trilhos, quando há

desvios. Não existe liberdade sem o olhar total ao próximo e isso não é feito pela

razão, a qual nunca deixaria que isso ocorresse por completo! A objetividade da

metafísica não resolve a questão das decisões sobre as pessoas, infelizmente105

(pois traria maior facilidade):

[...] o homem livre é voltado ao próximo, ninguém se pode salvar sem os outros. O domínio reservado da alma não se fecha a partir do íntimo. É “o Eterno que fechou a porta da Arca sobre Noé”, diz-nos, com admirável precisão, um texto do Gênesis. Como haveria ela de fechar-se na hora em que a humanidade perece? Haverá horas em que o dilúvio deixa de ameaçar? Ei-la a interioridade impossível que desorienta e reorienta as ciências humanas de nossos dias. Impossibilidade que não aprendemos nem pela metafísica, nem pelo fim da metafísica. Espaço reservado entre mim e si (moi et soi), recorrência impossível, identidade impossível. Ninguém pode permanecer em si: a humanidade do homem, a subjetividade, é uma responsabilidade pelos outros, uma vulnerabilidade extrema. O retorno a sai faz-se desvio interminável. Bem antes da consciência e da escolha – antes que a criatura se reúna em presente e representação para se fazer a essência – o homem aproxima-se do homem. Ele é tecido da responsabilidades. Poe elas, lacera ele a essência. [...] Trata-se da responsabilidade pelos outros em direção aos quais se encontra desviado, nas “entranhas enternecidas” da subjetividade que ele rasga, o movimento da recorrência. (LÉVINAS, 2012, p. 104-105)

Lévinas (2012, p. 87) também deixa de colocar o mal com algo equiparado ao

bem, completando o raciocínio e orientando o ser humano (político) de como deve

reagir quando encontrar as adversidades que pretendem afastá-lo do bem:

É a ambiguidade insuperável do Mal que é sua essência. O mal sedutor é fácil é, talvez, incapaz de romper a passividade da sujeição pré-liminar e pré-histórica, de aniquilar o aquém, de repudiar aquilo que o sujeito jamais contraiu. O mal mostra-se pecado, quer dizer, responsabilidade de recusa das responsabilidades, contra sua vontade, nem ao lado, nem em face do Bem, mas no segundo lugar, abaixo e sob o Bem. O ser que persevera no ser, o egoísmo ou o Mal, delineia assim a dimensão mesma da baixeza e o nascimento da hierarquia. Já começa a bipolaridade axiológica. Mas o mal pretende ser contemporâneo, o igual, e o irmão gêmeo do Bem. Mentira irrefutável – mentira luciferiana.

105 Aqui se retrata uma verdade que o autor acredita (e não está sozinho). É necessário este pesar, pois a verdade é a de cada um e a contrária (nunca é contrária, pois o fim é o mesmo) deve ser amplamente respeitada.

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A maioria dos estudiosos de Lévinas afirma que seus ensinamentos são

melhor compreendidos na vida prática e que os exemplos mostram a perfeição de

sua luta pelo outro. Pois bem, um exemplo é simples de ser visualizado: Em uma

noite fria de inverno um casal passa em frente a um banco de praça e vê dois

mendigos deitados sem cobertores e abraçados em clara demonstração de frio. Eles

estão dormindo e não percebem a presença do casal. Neste momento nasce o

conflito. Milhares de anos de ensinamentos da ética estão borbulhando em frente

dos olhos do casal, que pode optar por três condutas mais previsíveis dentre as

milhares possíveis: a) passar pelos mendigos e nada fazer, pois nada estão

pedindo; b) parar e pedir a ajuda do Estado, exigindo o cumprimento de sua

obrigação no contrato social; c) ajudar os mendigos imediatamente com suas

próprias forças.

Talvez a resposta pareça simples no texto, mas não é, pois isso ocorre todos

os dias em todas as cidades do mundo de uma ou outra forma. Não existe lugar

deste Planeta que alguém não precisa de ajuda, a todo momento. Portanto, o

cuidado com a resposta deve ser considerado, sob pena da cobrança interna de

cada um se transformar em mais uma corrente penalizadora. Contudo, é necessário

esclarecer que para Lévinas certamente a resposta mais correta é a letra “c”, pois

para o humanismo do outro não existe chamado e se alguém está com frio é porque

você também está com frio e você não quer passar frio. E quando você está com frio

não aguarda o Estado lhe socorrer, mas sim se protege do frio, o que deveria então

o casal fazer de imediato. A resposta “b” poderia não ser tão errada, mas é uma

conduta de moralidade mitigada, a qual não pode ser rejeitada, mas não está dentro

da filosofia da doação ao outro. Isso nem é tão novo assim, pois o cristianismo já

ensinava que devemos amar ao outro como a nós mesmos.

Para Lévinas a comunicação da linguagem da necessidade é inevitável.

Quando alguém se depara com outro ser humano imediatamente surge a

mensagem de que são semelhantes e que, em havendo necessidade, deve ele ser

ajudado. A doação deve ser completa. Pode-se até tentar o desvio dessa

mensagem, mas não se alcançará o êxito da fuga por completo, uma vez que a

cobrança ética é implacável diante do relacionamento face a face, que internamente

é uma algema que ambos que se olham entendem permanecer. Podem até não se

comunicaram, mas ambos compreenderam tudo em um mero olhar.

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A alteridade não pode ser apagada da memória dos semelhantes. Tanto é

verdade, que em todos os momentos em que alguém não ajuda um semelhante

imediatamente esse alguém encontra uma desculpa interna para tal

descumprimento para com essa lei natural e fundamental. Muitas vezes, inclusive,

fala-se até externamente (como, por exemplo, quando não se dá uma esmola

alegando que isso não ajudará) tal razão impensada, como a imputação de

responsabilidade ao Estado. Só que este existe sem seus membros, sem sua outra

parte no contrato social.

Absolutamente nada no mundo traz tanta inquietação ao ser humano que ver

outro ser humano precisando de ajuda, quieto, sem nada pedir. O ato de olhar por

ajuda, sem nada solicitar, em absoluto estado de hipossuficiência, derruba toda a

paz de espírito interior que qualquer um possa ter. Triste dos homens que

conseguem superar tais momentos sem se recordar disso com vergonha de seus

atos, Mais triste ainda quem sequer consegue ver tais momentos, como na

invisibilidade e na coisificação já faladas.

Restam então explicitados os maiores fundamentos da ética na representação

política que puderam ser observados pelo texto, tendo alcançado seu grau maior

nesse tão simples ensinamento de Lévinas, que na verdade tão somente quer que

tratemos a todos como nós mesmos e nada mais. O representante que compreender

isso certamente será um político maravilhoso, a ser lembrado por muitos séculos por

todas as gerações de eleitores, mesmo os que sequer tenham vivido sua época.

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3 A REPRESENTATIVIDADE E A VONTADE DO ELEITOR.

Através do mito da brasilidade explicado por Jessé Souza (2009, p. 12), o

cidadão brasileiro (o que pode de certa maneira ser retratado também como um

espelho para os demais países menos desenvolvidos106) é enganado há Séculos por

toda a cadeia de poderosos que utiliza a massa como mão de obra e de manobra

para a manutenção do poder e da corrente financeira que passa somente nas mãos

das mesmas famílias, deixando grande parte da população achando que estão todos

no mesmo barco conforme termo utilizado pelo autor.

Portanto, o que se busca é ter um país onde a vontade geral do povo possa

ser vista estampada nas políticas públicas e nos direitos e deveres sociais, tão

qualitativamente dispostos na Constituição da República de 1988, certamente uma

das melhores da sua era, embora parte da realidade social e de sua aplicabilidade

seja ainda outra.

Lassalle107 defendeu que uma Constituição deve refletir o momento em que

se vive e isso deve ser perseguido tanto por representantes quanto por

representados para que seu cumprimento seja o mais natural possível, pois a

realidade nada mais é que a vontade de todos positivada. Uma Nação que possui

suas leis máximas sem cumprimento lembra o mundo das cavernas de Platão, pois

uma boa Constituição nada mais é que o mundo ideal, o mundo das formas, com a

diferença de que neste caso este mundo pode ser alcançado, não passando

somente de sombras ao fundo da parede como quando as leis de um país não

representam a vontade de seu povo e, assim, este prefere seu descumprimento e a

permanência dentro da escuridão.

O representante deve lutar para a Constituição seja cumprida, evitando

defeitos congêneres tão enraizados, como a imensa desigualdade social e 106 Frisa-se que quando se fala neste parágrafo em desenvolvimento, se está utilizando parâmetros financeiros mundiais e índices modernos, pois em muitos países pobres a ética reina em demasia, bem como o amor ao próximo, uma vez que tais valores não estão adstritos ao que se tem, mas sim ao que se é. 107 Ferdinand Lassalle, 1825-1864, foi um dos mais renomados precursores do que para muitos é a verdadeira Constituição, uma vez que ele acreditava que o documento deveria refletir a realidade da sociedade que se pretende regrar. Dizia ele que caso não fosse um espelho do contexto político atual, seria então uma mera folha de papel. Sua obra principal no Brasil foi conhecida como “A Essência da Constituição”. Konrad Hesse foi um dos seus maiores contrapontos, uma vez que este afirma que uma Constituição não deve se preocupar em refletir o estado atual e sociológico, mas sim ser um marco jurídico normativo, estabelecendo a dialética entre o ser e o dever.

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financeira, além do total desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Assim, cada vez menos seriam necessários casos de renascimento do orgulho

nacional contra maus políticos, onde a esperança do resgate dos critérios éticos da

Nação ressurge das cinzas. O problema é que sem educação política isso tende a

acabar logo e gerar poucos resultados práticos fora o escândalo do momento108,

continuando o povo a eleger sempre os mesmos.

Para mudar, todos devem perseguir o bem estar! Quando se fala aqui em

perseguir o bem estar, não se está falando somente em utilitarismo, pois não se

espera a busca do coletivo esquecendo-se de tudo que é individual. A liberdade do

ser humano deve sempre permanecer com ele, que pode sim ceder

temporariamente parte dela em troca do bem estar comum, mas nunca de forma a

sacrificar todos seus interesses, toda sua vontade. Ao dizer o contrário neste texto

não estaríamos diante da teoria da vontade geral de Rousseau, a qual exige que o

comum seja a soma de parte dos individuais e não um ente totalmente separado

formado de uma terceira vontade.109 Existe sim este ente separado, mas não com

vontade diversa dos originários! Para Rousseau, tudo que tenha o condão de tirar a

liberdade do homem não é o melhor caminho, salvo se for para também o beneficiar

(sem prejudicar o todo, mas sim também o beneficiando), o que vem a ocorrer com o

seu contrato social.

Apesar de se entender que a vontade geral da antiga Paris deve ser

atualizada para os dias de hoje, sofrendo pequenas transformações devido às

alterações sociais ocorridas nesses mais de duzentos anos, ainda se trabalha com o

108 Um bom exemplo disso é a nova eleição de políticos já cassados, que o povo acaba por depositar seu voto novamente, praticamente esquecendo os motivos do exílio político anterior. 109 É indispensável uma pausa neste momento para que se compreenda que ao se falar em vontade geral hoje não se está falando na impossibilidade da formação de mais de uma vontade geral, mesmo que o termo soe estranho. Rousseau falava em unanimidade de uma forma diferente, que deve ser compreendida como a que representa todo o grupo ao qual se pertence, ou seja, pode sim a vontade geral representar uma comunidade e esta eleger um representante e ao mesmo tempo existir outro (em outra repartição) que representa outra vontade geral advinda de vários outros indivíduos. É como o Poder Legislativo. O que não pode é esta vontade geral deixar de ter dentro de si uma parcela de cada um dos indivíduos que a preencheu, senão deixa de ser geral e passa a ser outra figura, que deve ser evitada, pois advém da vontade própria do representante ou de parte dos representados, o que para este texto é antiético, uma vez que se utilizou a promessa pré-eleição da defesa da bandeira de todos e, após eleição, o tecido composto pelo suor desse todos foi rasgado e passou a ser fruto de um tecido sem costura, sem representatividade. Como pode ser chamado de representante alguém que não representa nada salvo sua própria vontade? Isso pode ser tudo, menos um mandato, o qual exige mandatário. A soma de todas essas vontades forma o contrato social moderno, mas que em verdade não difere em muito do anterior.

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principal de sua teoria, ou seja, na reunião do interesse de todos em uma única

vontade, a do bem comum. Os dias de hoje são da miscigenação, das diferenças,

das transfusões de sangue entre Nações. Tudo isso fez o homem de hoje, que deve

ser respeitado e não convidado ao retorno do ontem. Deve se aprender com o

passado e manter o que de melhor ele ensinou, seja com acertos ou erros, mas

sempre deve se buscar o avanço.

Os políticos devem aceitar as pessoas como elas são, como a atualidade

exige! Não se pode pensar em alterar o estado das pessoas, pois isso não é

possível ou, ao menos, é muito mais difícil que fazer com que o Estado as

represente de alguma forma, somando suas vontades. Devemos deixar a função de

alterar o estado real das pessoas aos artistas (ao mundo irreal) e não fazermos por

conta, pois no mundo real isso é impossível. Devemos sempre ser uma só pessoa,

sem a transformação somente para o bel prazer dos modismos. Aristóteles (2011, p.

41-42) já disse há centenas de anos que:

Na medida em que os artistas por imitação representam as pessoas em ação, sendo elas necessariamente boas ou más (pois, o caráter humano) quase sempre se ajusta a esses [dois] tipos, porquanto é pelo vício e pela virtude que as pessoas se distinguem no caráter), eles estão capacitados a representar as pessoas acima de nosso próprio nível normal, abaixo dele, ou tal como somos.

A representatividade deve ser a soma de todas essas pessoas, de todos

esses estados, desprezando modismos e mentiras. A base da vontade deve ser a

verdadeira, a interna e não a do parecer ser. Hoje se vive muito em preocupação

com o que está na moda em detrimento à manutenção do que é bom, mesmo que

“antigo”. Ao falar do que chama de “a cultura no mundo líquido moderno” Bauman

(2013, p. 25) alerta:

Guiada pelo impulso de ser diferente, de escapar da multidão e da rotina competitiva, a busca em massa da última moda (do próprio momento) logo faz com que as atuais marcas de distinção se tornem comuns, vulgares e triviais; mesmo o menor lapso de atenção ou até uma redução momentânea da velocidade da prestidigitação podem produzir efeitos opostos aos pretendidos: a perda da individualidade. Hoje os símbolos de “estar de vanguarda” devem ser adquiridos depressa, enquanto os de ontem, da mesma forma, devem ser confinados à pilha de refugos. A regra de ficar de olho naquilo “que já saiu de moda” deve ser observada tão

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conscienciosamente quanto a obrigação de permanecer no topo do que é (neste momento) novo e atual. 110

Termina ainda o pensador polonês citando Simmel (1992 apud BAUMAN,

2013, p. 25): “A moda é uma forma de vida particular, que procura garantir o acordo

entre uma tendência no sentido da igualdade social e outra no sentido do isolamento

individual”. Contudo, a exigência de mudança constante é que o faz o ser humano

da moda ser cada vez mais uma coisa e cada vez menos um ser pensante, que

decide individualmente (mesmo que com paradigmas comuns) o que pretende ser

ou ter.

A beleza maior da vida está nas diferenças entre os homens! E que não se

confunda o elogio aqui dado às diferenças com desigualdade, mas sim com

respeitar e aceitá-las, dando a elas os tratamentos desiguais na medida de sua

desigualdade.111 Mas isso só não é a certeza de se agir com ética, pois existem os

que mesmo com direitos e deveres materialmente iguais, são antiéticos. A filosofia

grega já defendia que não existe meio termo entre o bem e o mal, ou seja, em

termos éticos não adianta tentar esconder sua atitude, pois além de você ter

conhecimento de que está certo ou errado (quanto à ética), todos saberão! Pode até

ninguém nada lhe dizer, mas saberão.

Em nenhum momento estamos falando que as pessoas são imutáveis e que

nascem boas ou ruins ou que tal característica não pode ser de todos, como se

estivéssemos diante da teoria de Lombroso112, tampouco de que elas não podem

lutar contra a falta de ética, mas sim de que quando isso ocorre nada esconde o

malsinado ato, pois ele é como uma mancha vermelha em um tecido branco e com

relevo, pois sequer a falta de visão impede do homem mal intencionado ser

percebido. Portanto, o político que pratica atos em deslealdade à vontade (do bem

estar comum) que lhe outorgou o mandato será sim notado com facilidade. A

110 “O estilo de vida declarado pelos que dele desfrutam ou a ele aspiram, comunicado aos outros e tornado publicamente reconhecível pela aquisição dos símbolos da mudança da moda, também é definido pela preeminência dos símbolos das últimas tendências e pela ausência daqueles que não estão mais na moda.” (BAUMAN, 2013, p. 25) 111 Emprestando a máxima da teoria que contempla a diferença entre igualdade formal e igualdade material. 112 “Pelas ideias de Lombroso, e é o ponto muito criticado de sua teoria, o criminoso não é totalmente vítima das circunstâncias sociais e educacionais desfavoráveis, mas sofre pela tendência atávica, hereditária para o mal. Enfim, o delinquente é doente; a delinquência é uma doença” (LOMBROSO, 2010, p. 5)

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diferença não está em ser visto, mas sim em ser punido, no mínimo com a perda

dessa outorga.

É importante se destacar, o que não cansaremos de repetir durante este

trabalho, que ao se retirar a outorga de mandato de um representante não se está

rompendo o contrato social, pois este é celebrado entre os homens e suas vontades

individuais solidificadas para o bem comum, para que tudo dê certo para todos. O

que deve ocorrer é a troca do representante, já viciado pela falsa virtude de sua

própria vontade.

Seria este o mundo que Platão previa em suas cavernas? É possível sim se

reportar à Atenas antiga e traçar um paralelo, pois o mundo em que vivemos muitas

vezes é tão somente um reflexo do mundo de nossas ideias, onde as coisas

funcionam e o Estado e os políticos representam o que o povo deseja. O que vemos

é uma realidade totalmente distorcida, onde promessas de campanha eleitoral e até

mesmo a execução dos mandatos não tem absolutamente nenhum compromisso,

buscando tão somente o voto.

Os afortunados de toda a espécie não podem esquecer as manchas da

sociedade ao se trancarem em suas casas, verdadeiras prisões contra problemas

que são fruto da falta de atenção de todos e não somente do Estado. Todos são

culpados por tudo de bom e de ruim que acontece no Estado! O que é o Estado

senão a união dos interesses de seu povo? Todo o poder emana do povo, o que

além de já estar enraizado nas Nações justas e pluralistas, é positivado como

princípio basilar em muitas constituições, como na brasileira, logo no seu início:

“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou

diretamente, nos termos desta Constituição.” (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988, §

único, art. 1.º)

Poder este que não pode sofrer confusão entre direito e dever. A verdade é

que ambos se completam dentro de um Estado que se volta para os interesses de

sua população, para o interesse público. Canotilho (2003, p. 97) acerta novamente

ao ensinar que não deve se falar apenas em Estado Constitucional, tampouco em

Estado Constitucional de Direito, mas sim em Estado de Direito Democrático-

Constitucional, pois o termo vai além da simples lógica de um Estado que possui

uma constituição legal:

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O Estado constitucional não é nem deve ser apenas um Estado de direito. Se o princípio do Estado de direito se revelou como uma “linha Maginot” entre “Estados que tem uma constituição” e “Estado que não tem uma constituição”, isso não significa que o Estado Constitucional moderno possa limitar-se a ser apenas um Estado de direito. Ele tem de estruturar-se como Estado de direito democrático, isto é, como uma ordem de domínio legitimada pelo povo. A articulação do “direito” e do “poder” no Estado constitucional significa, assim, que o poder do Estado deve organizar-se e exercer-se em termos democráticos. O princípio da soberania popular é, pois, uma das traves mestras do Estado constitucional. O poder político deriva do “poder dos cidadãos”.

Para se chegar à evolução do pensamento do jurista português, foram

plantadas raízes de liberdade, igualdade e fraternidade. Isso é fruto da planta de

Rousseau. Pode não ser apenas dessa semente, mas sua vontade geral como base

das atuações do Estado está claramente visível em seu texto, pois a derivação do

poder através do povo nada mais é que atuar para o seu interesse, individual e

coletivo, ao mesmo tempo. 113

Qualquer atividade de Estado que não esteja sendo realizada com o início,

meio e fim em seu povo estará abalada, envenenada e fadada ao insucesso de sua

avaliação! A vontade geral de Rousseau estava em outra época e precisava dar

outros recados que hoje já não necessitam mais serem ouvidos e somente por essa

razão possui alguns pontos que aos olhos da atualidade são críticas fervorosas.

Assim, devemos tirar de suas lições o que de melhor ela tem, como ocorre com

todos os ensinamentos e pensamentos, antigos ou novos. Essa é a razão da

vontade geral ser abordada neste trabalho de forma um pouco atualizada, alterada

para esta época.

Alguns políticos e intelectuais falam que o país está ruim por culpa de seu

povo, chegando a dizer que o povo é ruim (quem já não escutou este absurdo?).

Tamanha ignorância. Não se pode aceitar que a triste realidade atual, de tanta

desigualdade, seja fruto da vontade dos cidadãos114, pois é certo que ao menos a

maioria tem em seu pensamento a necessidade de uma sociedade mais justa e 113 “Em Jean-Jacques Rousseau, a democracia começa a se caracterizar com um modelo de Estado que impõe a aceitação da diferença. A minoria deve aceitar a imposição da maioria, embora a maioria também deva tolerar as divergências da minoria.” (FERNANDO GUSTAVO KNOERR, 2009, p. 44) 114 “A pobreza e a desigualdade são tão antigas quanto a humanidade e sempre vieram acompanhadas de fortes sentimentos morais. Menos ingênuo do que imaginávamos, o velho professor participava de uma corrente de pensamentos que se tornou famosa na época de Thomas Malthus, na Inglaterra, mas ainda hoje tem fortes adeptos: a de que uma parte, talvez a maior, dos problemas da pobreza é culpa dos próprios pobres, que não têm determinação e forma de vontade para trabalhar.” (SCHWARTZMAN, 2004, p. 14)

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igual115. Através dos ensinamentos de Piketty (2014, p. 466), não pode mais ser

admitida qualquer desigualdade entre as pessoas, somente se for para a utilidade

comum. Afirma o professor da École d’Économie de Paris em sua premiada obra ao

falar que a igualdade alcança tudo e todos:

A segunda frase do primeiro artigo da Declaração dos Direitos de 1789 tem o mérito de fornecer uma resposta possível a essa pergunta, pois reverte de alguma maneira o ônus da prova: a igualdade é norma, a desigualdade é apenas aceitável se for fundamentada sobre a “utilidade comum”. [...] Uma interpretação razoável é que as desigualdades sociais só são aceitáveis se forem do interesse de todos e, especialmente, se forem do interesse dos grupos sociais menos favorecidos. É necessário então estender os direitos fundamentais e as vantagens materiais ao máximo de pessoas possível, sobretudo se for do interesse daqueles que têm menos direitos e que enfrentam oportunidades de vida mais restritas.

E nada tem maior eficácia na diminuição das desigualdades que uma boa

política pública e social que tenha essa finalidade. Por isso é tão necessário ensinar

política nas escolas, não para se retirar futuros eleitos das salas de aula, mas sim

porque a política verdadeira é uma das melhores formas de transformação social e

manifestação de vontade dos cidadãos. É pela política que a vontade de um

encontra a necessidade do outro e vice-versa, pois as pessoas são diferentes desde

o nascimento e tem momentos felizes diferentes, possuindo bem estar diversos. Não

se pode confundir objetivar a felicidade de todos com a unanimidade de opiniões.

São coisas diferentes!

Os países menos desenvolvidos, como o Brasil, estão longe de alcançar o

que Bandeira de Mello (2006, p. 29) ensina como sendo função pública, ou seja,

“Comece-se por dizer que função pública, no Estado Democrático de Direito, é a

115 Quando todos entenderem que a igualdade gera riquezas para todos, os mais favorecidos economicamente não terão medo, um fruto de sua ignorância, de lutar pela igualdade e pelo bem estar comum. Não se prega aqui a descida definitiva dos mais ricos para dividir seus valores com os mais pobres. Isso nunca funcionou e nunca vai funcionar! O que se prega é uma igualdade de oportunidades através de uma política pública (e porque não também privada corporativa) de isonomia material, onde todos possam ter oportunidades iguais para crescer na vida, querendo, em todos os sentidos, principalmente na educação e no trabalho. Ao se falar em desejo de crescer não se está deixando tudo para a meritocracia, pois isso não funciona em países onde grande parcela da população passa fome e não tem acesso a absolutamente nada há Séculos. A abolição da escravatura trouxe somente algumas liberdades, mas as amarras da falta de amparo social ainda perduram forte como há duzentos anos. Em países como o Brasil, o Estado deve equiparar as pessoas em um patamar mínimo de bem estar, principalmente quanto à fome, saúde e educação. Enquanto cidadãos estiverem mais preocupados em se alimentar a estudar não teremos nenhum futuro.

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atividade exercida no cumprimento do dever de alcançar o interesse público,

mediante o uso dos poderes instrumentalmente necessários conferidos pela ordem

jurídica.” 116

O interesse público é justamente o que se deve buscar através das

campanhas políticas, pois ele é visível a todos, principalmente em países em

desenvolvimento onde quase tudo ainda é escasso.

O povo tem sim sua carga de responsabilidade, a qual é tratada adiante, mas

a função estatal não pode ser terceirizada para os eleitores como se esses tivessem

a função final de atuar. Ademais, é necessário que se compreenda que os

governantes e o povo devem pensar a mesma coisa e isso só é possível de baixo

para cima, ou seja, quando o governante efetivamente representa as ideias da

comunidade. Rousseau (2012, p. 18) responde essa questão de uma forma que

certamente caberia nas respostas dos cidadãos de hoje:

Se eu tivesse de escolher o lugar do meu nascimento, teria escolhido uma sociedade de grandeza limitada pela extensão das faculdades humanas, insto é, pela possibilidade de ser bem governada e onde, bastando-se cada um a sua ocupação, ninguém seria obrigado a atribuir a outros as funções de que estivesse encarregado. [...] Quisera ter nascido num país em que o soberano e o povo só pudessem ter um único e mesmo interesse, a fim de que todos os movimentos da máquina tendessem sempre unicamente para a felicidade comum. Como isso só poderia ser feito se o povo e o soberano fossem a mesma pessoa, segue-se que eu gostaria de ter nascido sob um governo democrático, sabiamente moderado.

A legalidade é uma característica marcante de toda representatividade que

aqui se pretende traçar. Não existe espaço em uma política ética para qualquer ato

que beire a ilegalidade e como a representação tem que ser completa e ampla ao

ponto de não deixar qualquer habitante de fora, todos devem ser amparados pela lei.

E todos querem a proteção das leis. Uma situação interessante ocorria com os

apátridas do pós-guerra na Europa, onde para que tivessem a proteção das normas

chegavam a praticar crimes, como bem Arendt (2012, p. 390) alertou:

116 Celso Antônio Bandeira de Mello ainda cita Kelsen, afirmando que este sustenta que as funções estatais na verdade são duas: a de criar o Direito, legislação, e a de executar o Direito, o que tanto é feito pela Administração como pela Jurisdição. (ibid., p. 30)

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A melhor forma de determinar se uma pessoa foi expulsa do âmbito da lei é perguntar se, para ela, seria melhor cometer um crime. Se um pequeno furto pode melhorar a sua posição legal, pelo menos temporariamente, podemos estar certos de que foi destituída de direitos humanos. Pois o crime passa a ser, então, a melhor forma de recuperação de certa igualdade humana, mesmo que ela seja reconhecida como exceção à norma117.

Portanto, uma Nação justa, solidária e representativa, deve amparar a todos

que estejam sob seu território, devendo a legislação concedê-los direitos e deveres

sem excluir qualquer pessoa (por certo dentro de uma igualdade material), evitando

que essas busquem brechas para que sejam incluídas no sistema. Todas as

pessoas devem estar representadas pelos governantes e devidamente amparadas

na lei.

Desde quando nasceu a primeira ideia de Estado118 surgiu a necessidade de

representantes que junto dele falassem por grupos de pessoas e/ou tomassem

decisões que afetam a todos. O entendimento do que deve mover os representantes

e qual deve ser o exercício mínimo de seus atos já foi tratado na Roma Antiga, por

Cícero (2011, p. 35), que demonstrou a necessidade das seguintes prevenções:

Há quatro fontes de onde decorrem tudo o que é honesto. A honestidade consiste em descobrir a verdade pela astúcia do espírito, ou em manter a sociedade humana dando a cada um o que é seu e observando fielmente as convenções; encontra-se, ainda, ou na nobreza e forma da alma indômita e inquebrantável ou nessa ordem e medida perfeita das palavras e ações, resultando daí a moderação e o comedimento. Ainda, que esses quatro elementos da honestidade sejam confundidos e unidos, cada um deles produz certa natureza de deveres: assim, ao primeiro, que não é senão a sabedoria e a prevenção, pertence a procura e descoberta da verdade, sendo mesmo função particular dessa virtude. Aquele que descobre melhor e mais depressa o que há de verdadeiro em cada coisa, sabendo explicar-lhe a razão, é avaliado, com razão, criterioso e sábio. A verdade própria dessa virtude é, de qualquer maneira, a forma pela qual é desempenhada. A finalidade das outras três é a aquisição e a conservação de tudo o que é imprescindível à vida, a harmonia da sociedade humana, a grandeza d’alma

117 Os “sem nação” desejavam a proteção do Estado a qualquer custo e como a lei não trazia direito aos apátridas, salvo quando estes viravam criminosos (os criminosos tinham mais direitos que os apátridas), eles preferiam cometer delitos, pois enquanto na pendência de julgamentos tinham a proteção do Estado e principalmente do lado arbitrário da polícia. 118 “O problema é saber em que momento, em que condições, sob que forma o Estado começou a ser projetado, programado, desenvolvido, no interior dessa prática consciente das pessoas, a partir de que momento ele se tornou um objeto de conhecimento e análise, a partir de que momento e como ele entrou numa estratégia meditada e concertada, a partir de que momento o Estado começou a ser invocado, desejado, cobiçado, temido, repelido, amado, odiado pelos homens. Resumindo, é essa entrada do Estado no campo da prática e do pensamento dos homens, é isso que é preciso apreender” (FOUCAULT, 2008, p. 330)

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que mais se destaca desprezando os bens e as honras que se ambiciona para si e para os outros. A ordem, a constância, o equilíbrio e outras virtudes semelhantes entram nessa categoria; não se satisfazem com a especulação pura, determina ação. Observando a medida e inserindo ordem em todas as coisas da vida, ficaremos fiéis à honestidade e à dignidade.

Das lições acima, apesar de não existir uma mais ou menos importante,

destaca-se a que o representante romano chamou de grandeza d’alma, pois

destituir-se da busca de bens e de honras está dentre as maiores provas do

verdadeiro espírito público. Sem isso o político se enche de decisões top-down,

ordenando tudo de cima para baixo independente da oitiva do cidadão, um perfeito

indicador da crise política contemporânea119.

119 (JOSÉ EDMILSON SOUZA-LIMA, 2014, p. 14.) O autor ainda cita indicadores da crise ética da contemporaneidade, como a “baixa preocupação com o futuro das novas gerações, apenas com o presente de alguns grupos privilegiados: corrupção” e a “exacerbação do ego” como uma das causas comuns de tais negativismos.

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3.1 A VONTADE GERAL DE JEAN-JACQUES ROUSSEAU

Rousseau é o principal marco teórico da presente pesquisa, razão de seus

estudos serem abordados em todos os capítulos. Contudo, é importante destacar

alguns de seus temas, os quais trazem a união do que se afirmou antes de sua

existência e marcou os trabalhos futuros.

Rousseau120 conseguiu viver para ver os Estados Unidos da América

proclamar sua independência em 1776, poucos anos antes de sua morte em 1778,

além dos fervores que anteciparam a Revolução Francesa de 1789, mas não teve

tempo de ver os discursos inflamados realizados pelos líderes da época com seus

textos levantados. Embora tenha vivido com uma tristeza interna que por muitas

vezes o assolou121 por nunca ter conhecido a mãe (falecida durante seu parto), nada

o impediu de ver o mundo com seus olhos cheios de esperança de ver a liberdade

reinar sobre os menos afortunados. Seu senso de liberdade não era somente em

relação aos mais pobres e menos esclarecidos, mas sim para com todos. Seu senso

de liberdade não era somente em relação aos mais pobres e menos esclarecidos,

mas sim para com todos. Quando se fala que a Revolução Francesa foi gerada no

ventre de suas obras não se está exagerando, pois o embrião já se via desde o

Discurso Sobre as Ciências e as Artes122

O que se tinha nas teorias platônica e aristotélica era a democracia posta não como forma de Estado, mas simplesmente forma de governo. Olvidada nas teorizações modernas precedentes, Jean-Jacques Rousseau resgata a democracia para discorrer sobre uma peculiar relação entre o indivíduo (a quem Thomas Hobbes apenas reconhecia uma sujeição) e o governo. Criticando o modelo Liberal de Montesquieu (e reflexamente o de John Locke), Jean-Jacques Rousseau escarnese do depósito de confiança que o indivíduo deve fazer em prol do governo, afirmando que “o mais forte nunca o é bastante para ser sempre o amo, se não transformar sua força em direito e sua obediência em poder. (KNOERR, 2009, p. 41)

120 Rousseau morreu em 02/07/1778 e foi enterrado na Ilha dos Choupos, em Ermenonville, na França e, após, seus restos mortais são levados para Paris, durante a Revolução Francesa. 121 A doutrina traz como sua a frase: “Meu nascimento foi o primeiro de meus infortúnios [...] nasci quase morrendo, e tinham pouca esperança de me salvar. Carreguei comigo as sementes de uma doença que os anos agravaram”. (STRATHERN, 2004, p. 9) 122 Em 1749 foi publicada a obra Discurso sobre as Ciências e as Artes, fruto de sua participação (que acabaria em ser o maior premiado) no concurso promovido pela Academia de Dijon que teve como questão a ser respondida: “o progresso das artes e das ciências tem feito mais para corromper ou para purificar os costumes”?

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Suas citações demonstram de forma clara e didática a beleza de suas ideias.

Passa-se a citar algumas da obra que mais influenciou os pensamentos desse texto

– DO CONTRATO SOCIAL (Rousseau, 2011) - as quais são praticamente

autoexplicativas123 devido sua facilidade em se fazer compreender:

[...] logo que o serviço público deixa de ser a principal ocupação dos cidadãos, e estes preferem seu interesse, o Estado se aproxima da sua ruína. [...] Num Estado realmente livre, os cidadãos fazem tudo com seus braços e nada com sua bolsa. Longe de pagar para eximir-se de seus deveres, pagarão para cumpri-los. (ibid., p. 102-103)

Foi lúcida a ética rousseauniana ao enaltecer o homem da natureza como

livre dos vícios da modernidade (da época, mas absolutamente atual), o que

comprova as mazelas que ele entendia que a sociedade trazia. Tanto que é sua

frase mais famosa:

“O homem nasceu livre e, não obstante, está acorrentado em toda a parte. Julga-se senhor dos demais seres sem deixar de ser tão escravo como eles.124” (ibid., p. 21)

A crítica acima nasceu de seu descontentamento com a (in)evolução das leis

advindas da proteção da propriedade privada, a qual teria acorrentado e tirado a

liberdade do homem da natureza, o qual teria nascido fundamentalmente bom.125 Os

123 Às quais devem se somar as já trazidas antes e depois desses parágrafos, já que as palavras de Rousseau estão em todos os capítulos da presente pesquisa. 124 São muitas as traduções da obra mais importante de Rousseau e principalmente a de sua frase mais conhecida. Possibilitando uma interpretação mais completa de seus dizeres, tem-se algumas delas: "O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros" (tradução de Maria Constança Peres Pissaia, Ed. Vozes); “O homem nasce livre e por toda parte encontra-se acorrentado” (DOUGLAS KIM et. al., 2011). 125 Aqui temos a maior diferença entre os pensamentos dos contratualistas Hobbes, Locke e Rousseau. O primeiro entendia que o homem era mal por natureza e o contrato social era necessário para que o estado lhe permitisse a convivência com os demais, já que seu estado de natureza era hostil, egoísta, individualista. No contrato social de Hobbes a liberdade era repassada para o estado de forma completa e irrevogável. Para Rousseau o pensamento é quase o inverso, ou seja, é a sociedade quem estraga o homem da natureza, por nascença feliz, livre e independente. Para Locke o contrato social devia ser firmado para proteger os direitos e a propriedade dos indivíduos, não havendo cessão completa desse

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pensamentos de Rousseau já mostravam as sementes do romantismo e o fim do

iluminismo. Para ele, as correntes da sociedade civilizada afastaram o homem da

virtude, trazendo o vício e a miséria.

Rousseau entendia que a sociedade não poderia ser governada por

aristocratas, monarcas ou pela igreja, mas sim por todos os cidadãos, os quais

deviam juntos participar da formulação das leis como uma unidade própria, movidos

pela volonté générale – a vontade geral (DOUGLAS KIM et al., 2011, p. 158). Foi

pela crença de que essa liberdade do povo em decidir tudo levaria a uma maior

igualdade e fraternidade que foi acessa a chama da Revolução Francesa. Todas

essas reações eram contrárias à razão, a qual entendia ele ser a maior responsável

pela quebra da inocência e felicidade do homem da natureza126. Por fim, foi a

insistência em contrariar a civilização em prol do homem da natureza que o fez ter

grandes discussões e conflitos com alguns amigos seus da época, como Voltaire e

Hume, sendo que foi este último que o recebeu em casa quando foragido da França

para a Inglaterra em uma das várias vezes em que teve sua prisão decretada.

Muitos foram os seguidores de parte de seus pensamentos, como Kant, Hegel e

Marx:

[...] Mais tarde, e de maneira mais notável, Karl Marx ficou impressionado com algumas das obras de Rousseau sobre desigualdade e injustiça. Diferentemente de Robespierre – um dos líderes da Revolução Francesa, que ajustara a filosofia de Rousseau a seus próprios fins durante o Terror -, Marx compreendeu-a com precisão, desenvolvendo a análise de Rousseau sobre a sociedade capitalista e os meios de substituí-la. O Manifesto comunista de Marx termina com um aceno a Rousseau, ao conclamar os proletários que “não têm nada a perder, exceto seus grilhões”. (ibid., p. 159)

Narra o texto original de Marx:

Em todos esses movimentos se evidencia a propriedade como questão primordial, sem levar em consideração o se grau de desenvolvimento alcançado da época. Por fim, por toda a parte, os comunistas trabalham

poder (legislativo) para o povo, para a vontade geral. As decisões mais importantes estavam ao crivo do Estado, guardião desses direitos. 126 Na obra Emílio, ou da Educação ele explicou que (aos olhos dele) a educação era a responsável pela corrupção do homem, pois trazia ensinamentos da sociedade moderna. Isso deve ser interpretado como o filtro do momento em que ele vivia, pois o que ele criticava não era a escola, os mestres, os ensinamentos, mas sim o que se ensinava na época. Tanto que seus livros eram quase que imediatamente proibidos após lançados.

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pela união e pelo entendimento dos partidos democráticos de todos os países. Os comunistas se recusam a ocultar suas opiniões e seus propósitos. Declaram abertamente que os seus fins só podem ser alcançados pela transformação violenta de toda a ordem social até hoje existente. Que as classes dominantes tremam ante uma revolução comunista! Nela os proletários nada têm a perder, a não ser seus grilhões. Tem um mundo a ganhar. Proletários de todos os países, uni-vos!

Em momento algum se pensou em afirmar que Rousseau defendeu algo fora

do contrato social, até porque sua maior luta foi pela liberdade em todos os seus

sentidos, principalmente no que tange ao homem poder ser e ter o que bem

desejava, inclusive podendo retornar ao seu estado da natureza se assim

conseguisse. Ele não lutava contra o homem ter posses, mas sim contra a

desigualdade das posses e que ela fosse usada para escravizar a vontade dos

povos. Ele lutava contra o poderio de poucos em detrimento à liberdade dos demais.

Contudo, não entendia que deveria haver os mesmos freios que o socialismo impõe,

até porque era contrário a qualquer hipótese de limitação da liberdade.

Este breve diálogo traz algumas questões atinentes ao agora personagem

principal, Jean-Jacques Rousseau. Será que pensar em fazer uma política com ética

e baseada na vontade geral é possível? Será que isso existe somente no mundo de

nossas ideias? Será que a chama do mundo real (como a chama da caverna de

Platão que lançava as sombras na parede) mudou tanto assim o mundo que

queremos que exista em comparação ao mundo que realmente existe ao ponto de

desejarmos permanecer olhando para a parede da caverna e não para o mundo

real?

Os cidadãos devem se livrar das correntes da caverna e tentar fazer com que

o mundo seja cada vez mais próximo do mundo de suas ideias, de suas formas!

Ora, quando Rousseau falou em vontade geral ele estava falando em receber do

Estado algo um pouco mais condizente com o que ele acreditava, com o que o povo

acredita e deixar de ter somente o que nos entregam já lacrado e pronto para o

consumo. Não se trata de uma revolta completa contra as representações já

existentes, mas sim em exigir que essas efetivamente representem algo que não a si

próprios.

Rousseau (2004, p. 35) afirmou expressamente em sua obra Contrato Social:

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[...] o que o homem perde pelo contrato social é a liberdade natural e um direito sem limites a tudo que o tenta e pode atingir; ganha a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. [...] cumpre distinguir bem a liberdade natural, que só tem por termo as forças do individuo, da liberdade civil, que é limitada pela vontade geral.

Ao se abrir mão de lutar com as próprias forças e contratar socialmente

(contrato social), outorgando o poder aos eleitos de representarem a vontade de

seus eleitores, abre-se mão de parte da liberdade e se ganha força no todo, na

garantia da união dos que pensam da mesma forma. O que são tais representantes

senão cada um parte de uma “colcha de retalhos”, onde cada um desses

pedacinhos representa a vontade de um eleitor?

Assim, ao se falar em representatividade da vontade geral do eleitor pelo

eleito, se está falando de encarar o mandato como se o eleitor estivesse à frente do

mesmo! Quem age é o eleitor pelas mãos do eleito, que tem o sangue de todos

correndo dentro de si. Tal contexto metafórico deve ser vislumbrado para sempre,

pois como se verá adiante sua validade atravessa o fim do mandato outorgado.

Como já dito, quando o eleitor deixar de perceber em seu representante sua

vontade estampada, ou seja, parte da liberdade que ele emprestou através de seu

voto, imediatamente nascem para o mesmo dois direitos, primeiro o de exigir que

seu representante volte a defender interesses de sua comunidade, sob pena de

devolução da parte da liberdade que lhe foi emprestada e o segundo o de outorgar o

respectivo empréstimo a outro representante.

Este é o universo que muitos querem ver nos céus da pátria, onde o cidadão

dialoga com pensamentos advindos do contrato social de Rousseau, em sintonia

com outras escritas, exercitando a vontade geral (mesmo que aos olhos de hoje)

como uma das soluções para uma política com mais ética. Só existe possibilidade

de progresso quando todos entenderem esse contexto, ou seja, que não existe nada

independente, mas sim que tudo está interligado, sendo que em algum ponto as

vontades podem se unir e são similares, formando a vontade geral. Esse ponto é o

desejo de que todos vivam bem! Tal pensamento também é o de Ross (2000, p.

341):

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[...] nos tempos modernos tornou-se hábito falar de bem-estar social, das necessidades da comunidade, etc. em lugar da soma total do prazer dos indivíduos. A introdução do conceito de sociedade, como um sujeito único cujo bem-estar deve ser promovido na, maior medida possível, permitiu contornar, mas não superar, os, dois defeitos fundamentais do utilitarismo: a incomensurabilidade das necessidades e a desarmonia dos interesses. A ideia de que a comunidade é uma entidade independente, com necessidades e interesses próprios, deve ser rejeitada como ilusória. Todas as necessidades humanas são experimentadas pelo indivíduo e o bem-estar da comunidade é o mesmo que o de seus membros.

A crítica ao utilitarismo é feita de forma construtiva, pois remete ao que se

defende também agora, ou seja, não há como se formar uma sociedade perfeita

como sendo uma terceira pessoa com vontade própria e que deve ser perseguida

como a ideal, pois o que existe na verdade é a soma da vontade de seus membros,

de seus cidadãos, com todas as suas individualidades e ao mesmo tempo, sua

coletividade.

Por certo, não se espera elucidar tais assuntos com tão breve ajuste de

raciocínios, até porque nem mesmo os Séculos de escritas resolveram as questões

da vontade do povo, as quais estão mais atentas ao mundo interior que ao exterior,

das normas. Assim, vale trazer a lição de Rousseau (2004, p. 49):

Para descobrir as melhores regras de sociedade que convêm às nações, seria necessária uma inteligência superior que visse todas as paixões sem experimentar nenhuma; que, sem relação com a nossa natureza, a conhecesse profundamente; que se dignasse a entender a nossa felicidade, sendo a sua independente de nós; que buscando enfim no andar dos tempos uma glória distante, pudesse trabalhar num século e gozar no outro. Seriam necessários deuses para dar leis aos homens.

Conforme dito, não se pretende apontar olhares para soluções através da

aplicação pura e simples dos pensamentos de Rousseau e sua vontade geral,

tampouco afirmar que pelo seu contrato social a sociedade atual encontraria sua

felicidade. O que se busca é retirar da interpretação de sua filosofia nuances que

certamente já poderiam estar solidificados no pensamento dos eleitores e eleitos.

Muitos de seus dizeres fazem parte da realidade de uma sociedade ainda

cheia das mesmas mazelas daquela Europa antiga onde o filósofo e também músico

residia tentando encontrar soluções para os não mais aceitos poderes do Estado e

da Igreja. Hoje, mudados alguns atores, a verdade é que a falta de interesse em

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fazer política através da vontade dos cidadãos ainda é uma triste realidade, sendo

suas exceções raríssimas pérolas perdidas em um imenso mar desolado.

Ponto importante do pensamento de Rousseau está no fato dele não tratar a

vontade geral como fruto da unanimidade127, mas sim da possibilidade de todos

expressar sua opinião. Nem poderia ser contrário se ele defende a liberdade. Seria

um contrassenso. Escreveu ele:

Sob os maus governos esta igualdade é só ilusória e aparente, e não serve senão para manter o pobre na sua miséria e o rico na sua usurpação. Na realidade as leis são sempre úteis aos que possuem e prejudicam aos que nada tem, donde se segue que o estado social não é vantajoso aos homens senão quando todos eles possuem alguma coisa ou quando nenhuma deles tem algo em demasia. Para que uma vontade seja geral, não é sempre necessário que seja unânime, porém necessita da contagem de todos os votos. Qualquer exclusão formal quebra a generalidade.128

O que se busca é o que hoje se tem por democracia participativa, onde

ninguém é excluído. Se as Eleições são no Brasil, todos os brasileiros devem ter

direito a votar.129 Ao se impedir alguém que tem este direito, estaria todo o contrato

social fadado a não representar a vontade geral. Como visto, pode haver

discordância, o que não pode haver é desrespeito à manifestação da mesma, que

deve ser escutada. Caso esta não vença as eleições, a corrente vencedora será

fruto da vontade geral, pois respeitou e dialogou (como Sócrates e sua dialética)

com a parte oposta.

Contudo, como o que se defende agora é a representação através da

compreensão do outro, não se pode admitir que após eleito o vitorioso se volte

contra os que não votaram nele. As Eleições serviram para ratificar a vontade geral,

mas esta acrescida do humanismo do outro nada será se desprezar as

necessidades dos que pensavam de alguma forma diferente.

Conforme Protágoras afirmava, todos estão corretos e tudo é relativo, pois

visões e necessidades são diferentes. O brilhantismo do representante atual é

127 Tal ponto será abordado outras vezes neste trabalho, pois é uma das maiores discussões acerca da interpretação de seus pensamentos. Até ulterior prova contrária, ele não fala em unanimidade de vontade, mas sim de poder expressá-la. 128 (Rousseau, 2011, p. 146) 129 É certo que mesmo naquela época ele não pensava em crianças votarem. Assim, quando ele falava em todos, falava no que ele entendia por eleitores, por pessoas que podiam manifestar sua vontade formalmente.

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compreender que deve governar também para os que lutaram contra sua vitória,

contra sua ideologia. E ao propiciar o alcance da política pública à oposição não se

deve exigir a imigração para sua filosofia, mas sim manter as garantias individuais

dele no mesmo patamar de seus apoiadores, no mais amplo sentimento de

semelhante.

Sabe-se que para Rousseau (2011, p. 44) “a vontade particular tende por sua

natureza às preferências, e a vontade geral à igualdade”, mas isso não quer dizer

que a vontade geral não respeita a particular. Como já dito, ele nunca falou em

unanimidade, mas sim em distinguir o que é a vontade de todos e a vontade geral:

“Há muitas vezes uma diferença considerável entre a vontade de todos e a vontade

geral. A última apenas diz respeito ao interesse comum, a primeira diz respeito aos

interesses que são parciais, sendo esta nada mais do que a soma de todas as

vontades particulares”

O contrato social de Rousseau não se limita ao que se tem por contrato no

direito civilista, mas sim busca por parte do homem livre emprestar uma fatia de sua

liberdade em troca de uma fatia de segurança (em todos os sentidos da palavra)

para viver em sociedade, embora ele entende-se que a vida na civilização não

importava em vantagem real frente ao estado da natureza:

Contrato, no sentido em que qualifica Rousseau, não tem a feição jurídica que lhe daria Portalis, para quem contrato é a convenção por meio da qual uma ou mais pessoas se comprometem, perante uma ou outra, a dar a fazer, ou a deixar de fazer determinada coisa. Em sentido mais filosófico, o contrato aparece como forma bilateral ou multilateral, incluindo compromissos recíprocos. O contrato de Rousseau – também designado como pacto social – é o conjunto de convenções fundamentais que, ainda que nunca hajam sido formalmente enunciadas, resultam implícitas na vida em sociedade, sendo a sua fórmula a designada de que cada um de nós coloca em comum a pessoa em seu total poderia, sob a suprema direção da vontade geral; em consequência, recebemos, cada um, uma parte indivisível do todo comum.

Neste ponto é de mister importância que se compreenda que ao se falar em

suprema direção da vontade geral não se está falando no homem aceitar o que o

soberano, no caso o eleito (trazendo aos dias de hoje) ou o Estado deseja que

aconteça. Caso se raciocine assim se estaria diante da figura do que hoje se

entende como um contrato de adesão. Um contrato assim, mesmo que tenha por

finalidade a felicidade de todos (aí reside certo combate ao utilitarismo de John

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Stuart Mill) não pode ser aceito no presente caso como fruto da vontade geral, pois

para que esta exista deve haver vontade individualizada, ou seja, o tapete130 deve

conter retalhos de todos.

Assim, o eleito deve existir tão somente para reunir as forças de todos os

envolvidos em sua eleição, quase que como uma enciclopédia de pensamentos

individuais. Não pode haver vontade geral sem o respeito à opinião de cada voto!

Mas, como dito, isso não pode ser confundido com unanimidade no sentido de todos

terem a mesma opinião ou praticarem mesmo ato e/ou ter por fim o mesmo

resultado! Isso seria impossível!

Uma decisão unânime para este pensamento é aquela em que se busca o

consenso respeitando opiniões diferentes, muitas vezes opostas inclusive. É aquela

em que todos têm necessariamente o mesmo pensamento, a mesma finalidade

inclusive.

A política não deve permanecer presa aos pensamentos materiais de

prosperidade. Resta comprovado pelo que se vê hoje que houve grande

desproporção entre a evolução material e a do interior do ser humano. A pintura que

o eleitor ajudou a pintar deve ter uma parte suficiente para que se tenha orgulho de

gritar para todos que aquela obra foi feita por ele também. Mas não se tem somente

que participar da pintura do quadro, mas sim que acompanhá-lo em todas as suas

exposições e defender a beleza de suas cores, pois ele representa sua opinião,

escolhas e vontades. E mais que sua vontade, aquele quadro é a vontade de todos

os seus semelhantes, seja este conjunto somente o prédio que se mora, seu bairro,

sua cidade ou o seu País.

Com a celebração do contrato, não se tem como alcançar a vontade particular

sem somar a vontade de todos em sua volta, pois se assim não fizer o

representante, este estará longe de alcançar seu bem estar e a forma que tanto se

almeja no mundo das ideias (metaforizando Platão). O que se está dizendo é que o

bem estar particular depende sim da soma da vontade de todos, desde que nesse

130 O contrato social de Rousseau é (de uma forma mais simplista) fazer com que o todo seja como o já citado tapete de retalhos, confeccionado com a vontade de cada um e que este tapete contemple todas as cores e formas das pessoas que vão usá-lo, melhor ainda, das pessoas que gostam de tapetes e que escolheram este tapete. Mas este pedaço do tapete que reflete uma opinião deve ter o tamanho suficiente que se possa identificar onde a parte de cada um está. A vontade particular deve ser reconhecida por quem a depositou para que se possa efetivamente achar que o tapete o representa. Enxergar no eleito a defesa da opinião de cada um é o ponto mais importante.

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todo esteja também retratada a vontade do particular. Aí sim se estará próximo da

vontade geral que ora se defende, ou seja, um mundo, pequeno ou grande,

resultado da vontade e união de todos, gerando um bem estar que se visto de fora

poderão todos que ali participaram identificar sua parcela de presença.

A evolução dos pensamentos e sistemas vieram na fase de Sócrates, Platão

e Aristóteles, que culminam nos defensores da razão:

“Ocorre que, com a consolidação dos postulados racionalistas, seguindo linha que o aristotelismo já havia inaugurado, passa-se a reconhecer no próprio homem – como será consagrado pelo modelo de Estado Democrático rousseauniano – a condição de determinar o que é a vontade de todos (a vontade geral), posta como elemento a-histórico empiricamente identificado.” (FERNANDO GUSTAVO KNOERR, 2009, p. 18)

Ademais, o próprio Rousseau fez de suas obras um conjunto de informações

trazidas desde os tempos mais longínquos. Suas pesquisas131remontam os

aspectos sociais de toda uma era voltada a conquistas financeiras ocultadas por um

manto de religiosidade. O Iluminismo recheou a mente de todos, mas poucos

tiveram a coragem de gritar ao mundo o que pensavam, estudar sua lógica132 de

ideias e tentar explicar que existia algo fora dos muros do Palácio de Versalhes e de

tantos outros que ditavam as regras133 de uma sociedade que clamava internamente

por mudanças, mas que não sabia por onde começar:

131 Neste momento aproveito para ir contra aos que criticam a obra de Rousseau como sendo de pouca abordagem intelectual tão somente porque em muitos momentos o romantismo e o sentimento venceram argumentos técnicos: “Na verdade, ele foi, certamente, o menos intelectual de todos os grandes filósofos. Com frequência, o sentimento triunfa obre o argumento intelectual em seus livros” (STRATHERN, 2004, p. 7). Alegar que ser sentimental e romântico era algo negativo em uma época onde o que mais faltava eram tais sentimentos é negar comida aos que tem fome. O povo estava tão carente em interpretar a vida através de mais princípios e de menos razão que os ensinamentos do filósofo suíço atravessaram seus manuscritos e lideraram uma revolução de pensamentos e de atos como poucas vezes se viu na história da humanidade. Assim, tratar com menor relevo um pensador que conseguiu se destacar na mesma época de (levando em conta os nascidos durante sua vida) de Kant, Hume, Diderot, Gottfried Leibniz, George Berkeley, Voltaire, Adam Smith, Edmund Burke, Jeremy Bentham, Mary Wollstonecraft, Fichte, Shelegel, Montesquieu e Hegel, é desprezar uma luz que chama atenção em meio à Lua Cheia de um céu estrelado. 132 Lógica sim, pois não existe razão para crer que os filósofos da época deixaram de ter raciocínios encadeados somente porque tinham por finalidade a melhoria da vida em sociedade através da revolta contra o domínio da Igreja e o Estado. Reformar a mente dos europeus de porque e como as coisas existiam e eram não foi tarefa fácil para pensadores que conviviam com ouvintes surdos de tanto escutarem os gritos do Clero e da Nobreza. 133 Infelizmente Rousseau (1712-1778) não viveu para ver o resultado formal das ideias do iluminismo se transformando na era da codificação, como o Código da Prússia (1794,

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Os políticos utilizam para o amor à liberdade os mesmos sofismas que os filósofos utilizaram no tocante ao estado natural. Pelas coisas que veem, julgam coisas muito diferentes, que não viram, e atribuem aos homens uma tendência natural à servidão, pela paciência com a qual aqueles que eles têm sob seus olhos suportam a sua; sem pensar que com a liberdade acontece o mesmo que com a inocência e a virtude, cujo preço só se sabe quando as desfrutamos e cujo gosto se perde tão logo as perdemos. Brasidas dizia a um sátrapa que comparava a vida de Esparta à de Persépolis: “Conheço as delicias de teu país, mas não podes conhecer os prazeres do meu.” (Rousseau, 2012, p. 75)

Rousseau, a exemplo deste estudo, era mais sentimento e menos razão,

como os juristas atuais que atuam mais com princípios que com regras, era uma

irracional. Seu texto mostra isso com clareza:

Eu não sou, portanto, simplesmente um ser sensitivo e passivo, mas um ser ativo e inteligente, e, diga o que disser a filosofia sobre isso, ousarei pretender a honra de pensar. Sei somente que a verdade está nas coisas e não em meu espírito, que as julga, e que, quanto menos coloco de meu nos julgamentos que produzo, mais estou certo de aproximar-me da verdade: assim, minha regra de entregar-me mais ao sentimento que à razão é confirmada pela razão mesma. (ROUSSEAU, 1966, apud KUNTZ, 2012, p.41)

Portanto, os governados não podem permanecer inertes aos maus

governantes, e devem evitar permanecerem calados, sob pena de sua passividade

transformar em um gesto de inevitável rompimento da representatividade. Todos

temos responsabilidades com o contrato social, ainda mais se colocado em uma de

suas cláusulas a humanidade do outro. Inevitável, então, a perseguição conjunta,

eleitor e eleito, das melhorias para suas comunidades. Em frente!

considerado o primeiro código moderno) e o Código da Áustria (1786), tampouco para assistir a Revolução Francesa de 1789.

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4 A ÉTICA DO CANDIDATO

Conforme já enfatizado, não pretende o texto impor qualquer verdade, mas

sim estudar a ética e formular perguntas sobre as condutas que detém sua marca.

Portanto, assim como Schopenhauer (2014, p. 3), nada se quer provar: “querer o

menos possível e conhecer o mais possível, eis a máxima que conduziu minha

trajetória de vida”.

É fácil escutar discursos atuais e prontos de que hoje ninguém mais se

preocupa com nada nem com ninguém, salvo consigo mesmo e com o que pode

possuir materialmente. Muito pior que a era do ter ao invés do ser, é a era do

parecer ser e do parecer ter. O cidadão do Século XXI parece possuir necessidade

de ser mais de uma pessoa, sendo uma quando se está sozinho ou no máximo

perante os familiares e amigos próximos e outra completamente diferente, pronta

para ser comercializada e colocada em uma prateleira de valores sociais vazios134

quando está visível aos olhos de todos.

A coisificação do homem trouxe elementos novos para a sociedade, negativos

e desconhecidos dos Séculos anteriores. Transformar ideais em coisas e dar mais

valor a estas que aquelas geraram um ser humano desmotivado com ascensão do

intelectual, não no sentido de estudioso, mas sim como a quem busca raciocinar

para além do que está vendo ou tocando. Nada é mais importante que tentar

conhecer, tentar135 compreender o que move o mundo ou coisas e fazer com que

esse movimento interceda de forma a evoluir o pensamento do homem para um bem

estar comum. Tanto para o eleito quanto para o eleitor, a ética da representatividade

deve ser encarada como um valor fundamental!

134 Aqui se fala da doença que o homem atual possui em se fantasiar de outro homem para parecer ser o que não é e ter o que não tem. Pior que isso, é que na maioria das vezes o diálogo se dá entre dois “humanos” que parecem ser ou ter (o que não são ou não possuem) e sequer entendem que estariam mais próximos se demonstrassem seu verdadeiro eu, sua verdadeira face. As mídias sociais do mundo virtual (internet) são hoje o maior exemplo dessa nova categoria de avatares (no sentido digital da palavra, do cibercorpo, não da divindade sânscrita), onde são montados perfis que mostram uma vida conduzida por felicidade e perfeição, bem como por posses de bens e sentimentos que passam longe da realidade do indivíduo que se vende para a comunidade. 135 Não há como deixar de utilizar o verbo tentar, pois não podemos nos atrever a dizer que sabemos algo quando já sabemos pelos ensinamentos de Sócrates que nada sabemos. O grande Ateniense, já nos idos de 469-399 a.C. já dizia que “há apenas uma coisa boa: conhecimento; e uma coisa má: ignorância. O conhecimento é indissociável da moralidade.” (DOUGLAS KIM et al., 2011, p. 48)

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A ética na política é assunto há muito abordado na doutrina, como bem

ensina Bittar (2010, p. 150):

A questão ética volve-se para o mundo das atividades políticas de modo todo especial. Quando se afirma isso, tem-se em vista, sobretudo, a magnitude das consequências que se podem produzir com simples atitudes nesse plano de relações. De fato, se a saúde político-institucional se traduz na saúde social, deve-se aceitar que a estrutura da éthos de uma sociedade fica, em grande parte, na dependência de ocorrências e atitudes políticas. O individual está jungido ao coletivo, assim como o privado ao público.

Ética é algo difícil de conceituar, mas certamente a quase totalidade das

pessoas adultas sabem distinguir o que seria a existência dela e sua falta na

apresentação de casos concretos. Assim se está diante de algo aceito na

comunidade por todos como a coisa certa a se fazer.

Seria sinônimo de Moral? A maioria dos estudiosos pensa que sim, apesar de

alguns terem e Ética como um padrão de um grupo, portanto relativa, enquanto a

Moral indicaria algo latente, objetiva. Compreende-se a corrente do sinônimo, pois

não se pode chamar de um Código de Ética qualquer padronização de grupo, senão

seriam éticos os pactos internos de bandidos de um presídio quanto à violência em

novatos ou o chamado “código de ética da máfia”, o que, respeitosamente, não se

pode admitir como algo positivo. Contudo, vincula-se neste momento na corrente

que tem como conceitos diferentes136, sendo a ética sim um conjunto de valores

sociais que poucas vezes é alterada, seja temporalmente ou geograficamente. A

sociedade sempre soube o que era certo e errado, mas nem sempre a sua moral

carrega aquele conceito ético. Moral é a escolha que é feita a partir de certo conceito

ético. Sabemos que matar semelhante é errado em qualquer circunstância e que

quando isso ocorre é uma afronta à ética realizada por nossa moral.137

Tanto isso é verdade que as imoralidades não são vistas como regras éticas,

como, quanto aos políticos, o absurdo do rouba, mas faz, que nasceu como uma

“norma”, outro “código de ética” entre os corruptos.

136 Embora se compreenda o que os que optam pelo “sinônimo” pensam. 137 Em hipótese alguma se pretende adentrar nas possibilidades que se dariam para a ocorrência da morte de alguém ou para se matar alguém, como por exemplo, em legítima defesa. O que se busca aqui é debater a diferença da moral, como uma escolha do ato a ser praticado. Se essa escolha será, após, “desculpável” ou “aceitável”, é outro assunto, que não se pretende focar.

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No campo da ética, a doutrina costuma fazer divisões, dentre as quais se

destacam a ética das virtudes, a dos deveres, a cristã, a utilitarista e a axiológica.

Em todas elas pensadores, filósofos e estudiosos de todas as áreas até hoje

carregam seguidores.

Assim, realmente não existe uma verdade a ser seguida, uma moral a ser o

norte único da vida justa. O que existe é conseguir fazer o bem para si e para o

maior número de pessoas possíveis, com um detalhe: sem prejudicar ninguém. Aí

reside a diferença e ao mesmo tempo a maior importância da ética na política,

principalmente um pretenso político, ainda candidato, pois uma campanha política

atinge um número muito maior de pessoas, podendo tanto melhorar, quanto

prejudicar suas vidas com o que é dito.

Portanto, se agir com ética é importante no cotidiano de todos, muito mais

ainda será na vida do candidato! A defesa de ideais e posições controvertidas deve

estar balizada pelo povo em geral, por todo o universo de pessoas envolvidas

naquela comunidade. Quando as promessas de campanha138 estão regradas no

coletivo todos saem ganhando, além de serem compreendidas e menos

questionadas.

Há que se pensar muito antes de escolher pela vida pública, ainda mais

atualmente onde em poucos segundos qualquer um sai do anonimato para a

notoriedade. Como já dito anteriormente, a doação deve ser completa, sem volta,

uma escolha definitiva pela vida do outro. Neves (2014, p. 13) exemplificou a

questão através da vida de um dos maiores defensores da democracia brasileira,

Tancredo Neves139:

138 O corte deste estudo na atuação do candidato ocorre justamente neste ponto, das promessas de campanha em diante. Tal escolha se dá porque é o ponto principal da candidatura. Futuramente poderá ser tratado em capítulo a parte o período pré-candidatura, com a escolha pelo partido político, ponto também crucial para que a comunidade compreenda com quem esta falando. Contudo, tal assunto acabou sendo tratado junto com as promessas de campanha o conflito partidário, tendo o enfoque necessário para o momento. Outro ponto de bastante relevo da pré-candidatura é a vida pregressa do pretenso candidato, uma vez que o que pratica em seu cotidiano demonstra com grande clareza o que fará enquanto candidato e principalmente enquanto eleito. O tema acabou por ser abordado durante todo o desenvolvimento do trabalho, facilitando a compreensão e o contato com os nuances que devem formar um político ético. 139 Não se tem nenhuma intenção de abraçar qualquer partido político neste texto. A utilização do exemplo da vida de Tancredo Neves foi feita porque sua eleição remonta uma conquista recente da democracia brasileira, tornando-se importante para o renascimento dos mandatos que possuem por escopo a representação popular e não o poderio militar ou golpe (motivado ou não), o qual também não se pretende questionar, embora o autor seja contrário a qualquer forma de governo que lembre o absolutismo e/ou autoritarismo.

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Ele foi um guerreiro da esperança e da confiança. Testemunhei em seus gestos e escolhas, muitas delas silenciosas, o seu profundo amor e compromisso com o Brasil. Aprendi com ele que patriotismo é sentimento e sentido. Quando precisou escolher entre a sua conveniência pessoal e os interesses do país, não titubiou. Escolheu a pátria. Porque era a pátria que vivia dentro dele.

Adotar uma conduta de proteção de todos e que vá além dos seus entes

queridos comprova o caminho escolhido, pois a visão do outro se torna cada vez

mais palpável quando se vê além de sua própria família, inclusive com o emprego de

suas forças, pois como bem afirmou Dom Helder Câmara (1987, apud JOSÉ

EDMILSON SOUZA-LIMA, 2014, p. 57): “é perfeitamente normal que vocês pensem

em seus filhos, suas casas, seus negócios. Mas não se esqueçam de que somos

todos irmãos [...] Não é normal, num país que se afirma cristão, que haja um por

cento de muito ricos, cinco por cento de bastante ricos, dez por cento de ricos e

depois apenas a massa dos pobres e dos muito pobres”.

O caminho inverso sequer é compreendido e aceito. O discurso antigo de que

tudo vai melhorar e de que todos estamos no mesmo barco não cabe mais e

ninguém mais suporta, pois as diferenças são gritantes e os ajustes prometidos

nunca chegam. Nada é mais eficiente na comprovação de uma representação

popular falida que a existência de gritantes diferenças sociais, onde os ricos estão

cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.

Muitos políticos e ricos dos países menos desenvolvidos ainda não

compreenderam que para manter e aumentar suas riquezas não é necessário140 que

o pobre continue pobre! Dezenas são as lições doutrinárias, principalmente da

economia, que demonstram que todos só ganham com a melhoria de todos. E

países mais ricos e desenvolvidos são exemplos vivos e atuais disso e mesmo

assim nada é feito.

140 Dentro desse contexto, citam-se parte das críticas de Weber, que certamente reflete bem um dos paradigmas desse trabalho, ficando muito ainda a se pensar: A ideia do dever do homem para com suas posses, ao qual se submete como um obediente encarregado, ou mesmo como uma máquina de ganhar dinheiro, onera a sua vida com seu peso desalentador. Quanto maior a posse, desde que a atitude ascética para com a vida esteja dominando, mais pesado o sentimento de responsabilidade em mantê-la intacta para a glória de Deus e em fazê-la crescer em um esforço contínuo. (WEBER, 2005, p. 127)

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Contudo, não há como deixarmos de citar os estudos de Chesnais (1996)141,

o qual diz que apesar de culparmos em demasia os governantes e empresários do

terceiro mundo pelas mazelas que ocorrem em suas casas, existem outros culpados

nesse contexto! Ele demonstra que é muito fácil para as multinacionais americanas

e europeias se instalarem em países do terceiro mundo, sugar tudo e todos, e

manter as aparências em seus países de origem. Isso é o que mais ocorre! A

mundialização dos recursos está ajudando os mais ricos e complicando os mais

pobres. O que se quer dizer é que as causas não estão somente em uma

representatividade interna, mas também de um pensamento externo. Portanto,

embora não seja este o foco deste trabalho, é importante frisar a meia culpa, uma

vez que o terceiro mundo parecer estar sustentando as riquezas do primeiro mundo.

E isso foi diferente em alguma época da humanidade? Egito, Roma, etc.?142

É razoavelmente confortável para um cidadão suíço criticar as notícias que vê

na mídia sobre os absurdos que acontece em países com o Brasil, mas será que ele

sabe (será que quer saber?) que existem fábricas centenárias de origem europeia

141 Ele afirma que “a globalização é a expressão das “forças de mercado”, por fim liberadas [...]”, ou seja, a sociedade deve se adaptar as regras do mercado, das grandes corporações, cujos seus representantes são a OCDE, FMI, GATT e demais organismos internacionais de controle do capital financeiro. Assim, o termo “mundialização” engloba em seu ponto de vista a “globalização” não somente como atividades empresariais e os seus fluxos comerciais decorrentes, mas inclui a “globalização financeira”. Decorre dessa analise que os grandes fluxos comerciais e financeiros dependem cada vez mais da ingerência nas economias nacionais dos controladores do capital financeiro (fundos privados de mútuos), e via consequência gera um endividamento dos Estados periféricos, cujo sistema financeiro não está em uma fase de desenvolvimento considerável. Cita ele como exemplo a crise do México em dezembro de 1994 a janeiro de 1995, que cominou com a desvalorização do peso e fuga em massa do capital financeiro, uma queda no PIB de 5% (1995), desemprego 25% população, inflação de 50% a.a. Conclui-se que “uma das características essenciais da mundialização é integrar, como componente central, um duplo movimento de polarização, pondo fim a uma tendência secular, que caminhava no sentido de integração e da convergência.” Assim, a expressão mundialização possui um sentido mais pernicioso, pois em vez de diminuir as distâncias entre os extremos, tem finalidade de afastar gradativamente as diferenças econômicas de cada Estado ou região, gerando consequências na esfera das relações de trabalho, na renda do trabalhador, na proteção social, ambiental, financeira entre outras. O termo globalização ideologicamente possui uma menor concentração de compreensão, pois é muito abrangente, e neste texto pode ser interpretado como integração e convergência dos agentes a finalidade comum o desenvolvimento global. 142 O assunto é de grande valia e pode ser o foco principal de outro estudo, o qual chega a ser perigoso de ser feito, pois pode vir a comprovar que o circulo das nações e pensamentos humanos não mudaram absolutamente nada em milênios e que as pessoas continuam a se dividir entre ricos e conquistadores e pobres e conquistados, como sempre foi, desde a idade da pedra. Sistemas foram alterados para aparentemente mascarar os acontecimentos, como o fim da escravidão (verdadeira) e o início da escravidão assalariada (moderna), dentre outros fatores, como a própria democracia dos países periféricos, talvez mantida vitualmente por ser mais fácil para acalmar os ânimos da migração de um absolutismo de poder político para um absolutismo de poder financeiro.

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instaladas aqui que funcionam através de mecanismos que nunca seriam utilizados

na Suíça? Essa culpa é de quem, governantes, governados ou de ambos? Deve ser

entendido que os acontecimentos do terceiro mundo podem também ser fruto do

imperialismo financeiro internacional, que se aproveita do baixo poderio econômico

“dos fracos” para praticar suas irregularidades e manter o país no caos que se

encontra e alguns (pouquíssimos) casos são descobertos.

Por essas razões que representantes devem permanecer no foco da

representação local como um norte sem sul. Falou-se muito de representantes com

exemplos mais próximos dos responsáveis pelo poder executivo, pelos gestores.

Mas nessa questão da proteção internacional surge o poder legislativo com maior

ênfase que o executivo. Os representantes legislativos devem lutar pela liberdade do

seu povo em todos os sentidos, principalmente quanto ao desenvolvimento nacional

sustentável, diminuindo os abusos internacionais no país. Em nenhum momento se

está indo contra a globalização, mas sim a favor dela sem os abusos. É papel dos

legisladores a confecção de leis que permitam que empresas europeias olhem para

o mercado brasileiro como olham para o mercado interno do Euro, ou seja, sabendo

que a época da exploração acabou.

Nesse ponto o sistema positivista é mais interessante, pois cria paradigmas

sem se preocupar com a realidade. “Pelo positivismo de Hans Kelsen, idealista da

Teoria Pura do Direito, a interpretação das normas jurídicas leva em conta a norma,

de forma exclusiva, sem qualquer influência dos fatos da ordem do ser.” (HIILDA

NOGUEIRA, 2014, p. 62).

O conceito não é novidade, mas é importante para demonstrar o quanto o

representante deve sopesar as doutrinas a todo momento, pois regras e princípios

devem conviver juntos, sendo que as vezes as primeiras tornam-se sim mais

importantes. Lutar por pontuar a defesa dos interesses locais na legislação de forma

inflexível é tão importante como aplicar princípios que protegem o meio ambiente,

pois o final é o mesmo, ou seja, a proteção do outro local. E o papel dos legisladores

é o positivismo, não sem qualquer método ou discussão social e principiológica, mas

sim uma legislação que traga a proteção que consta no contrato social, esperada por

ambos os contratantes.

O legislador deve ter em mente a hermenêutica filosófica de Gadamer, fruto

das conquistas de Heidegger, pois com a filosofia hermenêutica e a hermenêutica

filosófica, os fundamentos anteriores são questionados, superando-se o esquema

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sujeito-objeto. A hermenêutica filosófica abre caminho para a hermenêutica crítica. A

decisão do legislador é um papel complicado diante de tantos conceitos. Streck

(2009, p. 267) afirma: “Não há conceitos em abstrato. Conceitos não flutuam no ar,

para servirem de capas de sentido aos “fatos desnudos”. Não há grau zero na

atribuição de sentido. [...] A compreensão alcança suas verdadeiras possibilidades

quando as opiniões prévias com as que se inicia não são arbitrárias.” Por isso que a

opinião prévia dever ser amparada na vontade do eleitor, da comunidade, do

cidadão local.143

Não há como fugir da força da vontade do cidadão em buscar a evolução

através da vida em uma sociedade civil organizada:

É muito longo o percurso feito pelas sociedades até o momento que se torna manifesta a sua consciência de si. Tudo o que se pode dizer é que há um momento em que a emergência da identidade coletiva começa a exigir de seus membros a organização do território e do modo de vida que escolheu. Essas exigências concretizam-se, sobretudo pela definição das instituições em que se concentra o poder político e pela manutenção do quadro técnico-profissional de que depende o cotidiano da coletividade. (PARMENIDES, 2013, p. 24)

A citação extraída dos comentários sobre o filósofo grego comprova o que se

vê hoje, ou seja, a sociedade cresceu tanto e está tão complexa, que ficou

impossível aos olhos de qualquer um enxergar todos formalmente iguais. A busca é

pela igualdade material e por tal razão as atenções devem ser voltadas para um

conjunto menor de vontades, embora estas não sejam distintas em sua essência das

demais. O voto distrital talvez seja um bom caminho, assunto para outro estudo.

143 Mas o representante não pode atuar de forma contrária à lei. Isso deve ser compreendido pelo representado. Sempre existirão os freios e contrapesos que levam a vontade individual a um patamar mínimo de controle coletivo, amparado na vontade geral, senão sobressairá a insegurança jurídica e virão os retrocessos aos direitos e garantias já conquistados anteriormente. Ainda seguindo o magistério de Lenio Luiz Streck (2009, p. 267), o papel do representante pode ser equiparado ao do juiz para este texto: “o juiz deve proferir a sua decisão seguindo as regras do jogo; caso contrário, já não teremos um jogo, com regras próprias, mas, sim, o jogo da discricionariedade do juiz.” A equiparação é válida em parte, pois o representante legislador tem os freios do que não pode ser alterado, bem como de onde pode atuar e ao mesmo tempo tem o direito e dever de tentar alterar o que entender ser para o bem de sua representatividade.

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4.1 A PROMESSA DE CAMPANHA

As palavras de Rousseau (1999, apud JONATHAN WOLFF, 2011, p. 95)

comprovam a importância de que o candidato mantenha-se ético e cumpridor de

suas promessas após eleito e abre nosso diálogo:

O povo da Inglaterra considera-se livre, mas está redondamente enganado: só é livre durante as eleições parlamentares. Mal os deputados são eleitos, a escravatura passa a vigorar e o povo fica reduzido a nada. A utilização que faz dos escassos momentos de liberdade de que goza mostra bem que merece perdê-los.

Os problemas com as promessas já remontam de muito. Contudo, sequer

advém da época de Rousseau, pois já marcou a política romana.

O ano era 64 a.C. e Cícero (Marco Túlio Cícero) se preparava para a

candidatura ao consulado na Roma Antiga após já ter exercido diversos cargos e

funções. Quinto Túlio Cícero, seu irmão mais novo e conselheiro, preparou um

“manual” para aquelas eleições visando ajudá-lo a obter o êxito pretendido. Ele

assim o ensinava:

No Forum, era executado o ritual da prensatio (aperto de mão), que consistia em apertar a mão a todas as pessoas aí presentes, suplicando (literalmente) o favor do voto. Tudo valia, desde as palavras de elogio até promessas de favores que muitas vezes não podiam ser cumpridas. [...] Expressa-se agora a conclusão do tópico relativo às promessas e ao seu cumprimento, referindo Quinto que fazer uma promessa é sempre um risco incerto; contudo, dizer que não faz surgir inimizades, “de imediato e em grande número”. Quinto avança também a opinião de que é preferível que alguém se irrite com o candidato no Foro do que em casa, e que as pessoas se insurgem muito mais contra aqueles que recusam do que contra aqueles que se vêem impedidos de cumprir a sua promessa, embora o desejassem. (SILVA, 2010, p. 20-34)

Cícero144 conseguiu ser eleito e os “conselhos” de Quinto ficaram famosos,

ultrapassando os Séculos e chegando aos dias de hoje. Pelo que se vê nas atuais

144 Contudo, é necessário frisar que tais ensinamentos foram do irmão de Cícero e não deste próprio, o qual acabou por tornar-se um dos maiores pensadores da filosofia política da era romana. Inclusive, tem vários momentos de afirmação do contrário do que seu irmão

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Eleições, principalmente nas brasileiras, a Roma Antiga ainda existe em nossos dias

e algumas de suas “dicas” são ainda seguidas, mesmo que muitos de seus

seguidores desconheçam a fonte.

O ano era de 1861 e os EUA tinham acabado de eleger Abraham Lincoln seu

presidente mesmo após sua recente derrota para o senado em 1858. Sua maior

promessa de campanha era a oposição à escravatura, o que levou, dentre outros

fatores menos importantes à Guerra Civil Americana e, ainda mais grave, à

secessão.

Diferente dos ensinamentos citados na Roma Antiga, Lincoln perseguiu sua

promessa como o rio persegue o mar e conseguiu abolir a escravidão nos EUA em

1863, sendo reeleito. Logo após o cumprimento de sua segunda promessa feita

como base de sua reeleição (a união dos EUA, com a rendição das forças

confederadas), o presidente americano foi assassinado por um opositor a suas

ideias.

As promessas do antigo presidente americano não foram feitas para seu

propósito, nem de um pequeno grupo, mas sim pensando em toda a Nação e no

futuro, unido, dela! A coletividade fazia parte de suas intenções desde o início, o que

garantiu uma conquista ética, moral, enfim, justa.

Na mesma época, Dom Pedro II145, ainda Imperador brasileiro nos idos de

1850 (antes de nossa abolição da escravatura) lutou fervorosamente (assim como

Lincoln) para o fim da escravidão em nossas terras. Dizia aos quatro cantos que

conseguiria e, absolutamente ético neste foco, fazia de tal promessa uma realidade

em seus dias, já que “nunca” possuiu escravos mesmo podendo ter quantos

quisesse em uma época em que todos a sua volta os “possuíam” 146 em demasia.

Diz-se isso não para mostrar que no Brasil também se conseguiu acabar com

a escravidão147, mas sim para mostrar outro contexto da promessa, na verdade o

disse, como: “O cidadão que, mesmo pressionado pelas circunstâncias, fez uma promessa ao inimigo, deve manter sua palavra. [...] Ora, a palavra dada deve sempre refletir o que se pensa, e não o que se diz.” (CICERO, 2011, p. 43) 145 Não é o mote da presente pesquisa, mas a administração de Dom Pedro II é tida como uma das mais importantes para o Brasil de todos os tempos, tendo sido vitoriosa em diversos fatores, principalmente os financeiros, culturais e militares. Décadas após sua morte e de muitas gerações de maus políticos, seus restos mortais foram trazidos para o Brasil, sendo ele transformado em um herói nacional. 146 Como coisas. 147 No Brasil, em 1850 o tráfico humano para escravidão foi oficialmente extinto, com a Lei Eusébio de Queirós. Em 1871 veio a Lei do Ventre Livre, libertando os filhos de escravos e,

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quanto é importante prometer o que já é uma prática no dia-a-dia do eleito, ou seja,

prometer já dando o exemplo com seus próprios atos.

Prometer condutas que já são seguidas no cotidianamente pelo candidato

certamente é uma das maiores garantias de seu cumprimento, visto que acreditar de

verdade e praticar o que promete faz parte de um dos segredos da conquista da

confiabilidade do eleitor.

Seja Getúlio Vargas, prometendo ser o “pai dos pobres”, o voto secreto e o

voto feminino e, dentre outras coisas, cumprindo as promessas da Revolução de 30;

seja Collor prometendo abrir o mercado nacional; seja FHC148 com a promessa da

estabilidade da economia e moeda ou, por fim, as promessas de melhoria do poder

de compra das classes menos favorecidas financeiramente feitas por LULA, a

verdade é que não existe campanha política sem promessas, pois o povo espera

melhoras e costumeiramente as prevê através do que afirmam os candidatos.

As promessas de campanha sempre tentam aproximar o candidato aos

anseios do eleito, uns mais eticamente e outros a qualquer custo. No Brasil existe a

clara intenção do candidato se misturar ao povo, colocando-se junto deste e parte

dele. É o que JESSÉ SOUZA (2009, p. 29) corretamente chama do mito da

brasilidade:

Do Oiapoque ao Chuí, todo brasileiro, hoje em dia, se identifica com esse “mito brasileiro”. Todas as nações bem-sucedidas, sejam ricas ou pobres, possuem um mito semelhante. O “mito nacional” é a forma moderna por excelência para a produção de um sentimento de “solidariedade coletiva”, ou seja, por um sentimento de que “todos estamos no mesmo barco” e que, juntos, formamos uma unidade.

Os governantes brasileiros e a classe mais privilegiada financeiramente, que

dominam o Brasil há Séculos, se encarregam de perpetuar nos demais que apesar

finalmente, em 13 de maio de 1888, a escravatura foi abolida em terras brasileiras com a Lei Áurea. 148 Aqui não se pretende adentrar na disputa do pai do Real existente entre FHC e Itamar Franco, pois o que mais importa neste momento é demonstrar promessas de campanha que foram feitas com base na vontade geral (alguém duvida que a estabilidade da moeda representava a vontade geral?) e que foram perseguidas e cumpridas após as Eleições. Ademais, a luta do bom ex presidente Itamar Franco não será vitoriosa, pois o povo elegeu para o pai do Real o ex presidente FHC e nada mais poderá mudar isso. Da mesma forma, não se pode tirar de LULA a luta pela melhoria alimentar básica da Nação, através do BOLSA FAMÍLIA, mesmo que o projeto iniciar dele tenha sido outro, o FOME ZERO, dentre outros.

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das dificuldades tudo está bem e que seguimos juntos para um futuro melhor,

enganando o povo e impedindo até muitos dos que se entendem como mais

preparados intelectualmente de enxergar a verdade, ou seja, que já passamos o

momento da beira da ruína, pois já caímos há tempos.

Não se busca com este texto trazer a verdade, pois esta já se sabe ser

diversa conforme o ouvinte, o intérprete, como bem afirmava Carlos Drummond de

Andrade em seus poemas. A única verdade que se pode afirmar neste momento, é

que em Manari149, no Pernambuco, uma das cidades mais pobres do Brasil, não se

sabe o que é cumprimento de promessas de candidatos e muito menos o que é

acesso a qualquer coisa através do poder público, pois lá a luta diária é por água e a

população se esmera solidariamente a em breve poder brigar somente por comida.

Este é o Brasil, onde todos estamos no mesmo barco. É dessa ética ou da

falta dela, nas promessas de campanha, que o trabalho fala.

Qual seria o limite ético para as promessas de campanha? Ele existe? O que

espera a população, o Estado, os adversários políticos? Qual a responsabilidade

que o candidato possui com aquilo que promete? Não há como esgotar a matéria e

os ensinamentos tão importantes da ética nesse contexto, mas é possível debater

questões para a reflexão de todos em busca de melhorias para as gerações atuais e

futuras.

Promessa é um termo que certamente se equipara a um juramento, gerando

uma noção de confiança no ulterior, no futuro incerto, mas ao mesmo tempo

previsível em face do foco do que se deseja.

Promete-se tudo para si e para todos, diariamente e na maioria das vezes

sem qualquer raciocínio lógico e possível. A promessa vem para acalmar a si próprio

e os que estão em sua volta. É uma trégua no caminho, dando a certeza ou ilusões

que se chegará ao destino.

149 “Manari, onde IDH é baixo e água vale ouro, fica em Pernambuco, cidade que já teve o menor Desenvolvimento Humano do país tem renda per capita de R$ 30 e esperança de vida de 57 anos. [...] Manari, no sertão de Pernambuco, assusta pelos números. Segundo a classificação do PNUD, o município tem o menor IDH-M (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) do Brasil. A renda per capita média de R$ 30,43 mensais só não é inferior, entre 5.507 municípios do país, à da recordista Centro do Guilherme, no Maranhão, com R$ 28,38. Na prática, quase não existem fontes primárias de renda. [...] Todos os dias, entre 4h30 e 5h da manhã, os homens que conseguem trabalho na roça saem da cidade para a lavoura, enquanto mulheres e crianças caminham até um ponto mais afastado da cidade com baldes e garrafas vazias. O destino é a única grande cisterna disponível, construída com recursos municipais, na qual os moradores conseguem um pouco de água para atender as necessidades mais básicas. Quando chove, outra alternativa é o açude vizinho” (PNUD, 2013).

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Nietzsche (2014, p. 48) estava certo ao afirmar “Devemos ter uma boa

memória para sermos capazes de cumprir as promessas que fazemos”. O filósofo

não utilizou esta frase para falar de sua teoria da superação do homem ou do Deus

morto, mas sim de quanto o homem utiliza as promessas de forma vazia,

desmotivada, sem qualquer ligação com a atividade.

É justamente este um dos campos reservados para a ética na política, ou

seja, evitar as promessas desnecessárias, para não ocorrer seu esquecimento e

inutilidade! Deve ser prometido o que se pode cumprir, senão é melhor nada dizer.

Promessa de campanha não deixa de ser uma propaganda eleitoral, pois “a

propaganda é um conjunto de técnicas empregadas para sugestionar pessoas na

tomada de decisão” já ensinava FÁVILA RIBEIRO (1998, p. 379).

O TRE do Paraná fixou um entendimento perfeito para conceituar o tema da

propaganda ilícita, em decisão bem citada por EDSON CASTRO (2008, p. 257):

A propaganda eleitoral ilícita há que ser aquela em que o pré-candidato atua como se candidato fosse, visando influir diretamente na vontade dos eleitores, mediante ações que traduzem um propósito de fixar sua imagem e suas linhas de ação política, em situação apta, em tese, a provocar um desequilíbrio no procedimento eleitoral relativamente a outros candidatos[...]

Não obstante o tema do presente trabalho não ser especificamente a

propaganda eleitoral, lícita ou ilícita, não há como deixar a promessa de campanha

totalmente fora desse contexto. Assim, quando se fala em promessa de campanha

desproporcional com a ética, prometendo o impossível (o que beneficia mais o

candidato com o eleitor despreparado), poderia sim se estar falando em propaganda

eleitoral irregular e esta seria uma boa forma de coibir tal atitude.

Adentrando na área do interesse público, este é justamente o que se deve

buscar através das campanhas políticas, pois ele é visível a todos, principalmente

em países em desenvolvimento onde quase tudo ainda é escasso.

Não se pretende focar o assunto somente nas eleições brasileiras. Contudo, é

certo que as eleições no Brasil são “recheadas” de promessas políticas de todas as

formas. Ao se prometer o praticamente impossível (acreditando que nada, em tese,

é impossível) certamente se estaria agindo sem ética.

Como disse PERELMAN (1996, p. 7) “a justiça é considerada por muitos a

principal virtude, a fonte de todas as outras” e que “a ciência moral não tem outro

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objeto senão ensinar o que é justo fazer e ao que é justo renunciar”. E não existe

melhor justiça que a manifestação da verdade pelos que representam o povo! Não

há como respeitar uma promessa de campanha (e existem muitas) que busque, por

exemplo, a imposição da pena de morte no Brasil, pois isso não parece ser possível

de ser aprovado no Brasil.

A última pena de morte para crimes civis aplicada no Brasil foi em 1876, em

Pilar, Alagoas, com a morte do escravo Francisco e não foi utilizada oficialmente

desde a Proclamação da República, em 1889150, tendo o sido o segundo país das

Américas a abolir tal sistema, direito atualmente estampado na Constituição

Brasileira151 como cláusula pétrea, além desta Nação ser signatária da Convenção

Americana de Direitos Humanos para a abolição da pena de morte, de 1996.

Por esses motivos e muitos outros, conquistados por mais de um Século de

legislação, doutrina e jurisprudência, é praticamente impossível que se alguém

prometer aprovar a pena de morte no Brasil o faça. Na verdade sequer conseguirá

apoiar tal ideia durante sua gestão, o que comprova que tais dizeres são realmente

eleitoreiros e buscam enganar o povo, ou seja, a promessa não é ética.

Prometer o impossível é agir de forma contrária à ética e até mesmo das leis

brasileiras, pois já existem mecanismos de aferição, ainda normalmente ligados às

metas alcançadas do Plano de Governo (não necessariamente das promessas de

campanha) junto aos Tribunais de Contas, que buscam verificar a efetividade de

seus cumprimentos.

A população está cada vez mais revoltada com promessas de campanha

praticadas de forma antiética, simplesmente para ganhar votos. A indignação é

tamanha que a jurisprudência brasileira não coloca mais como dano moral a

cobrança e divulgação pública de tal afronta aos bons princípios pela mídia em

geral. Os tribunais tem se posicionado a favor da divulgação das cobranças e do

descontentamento com possíveis quebras de promessas.

Quando o povo está clamando para que aconteça o que o candidato disse

antes, na verdade está indo a favor do mais puro interesse público e divulgar isso é

150 As possibilidades da Constituição do Estado Novo e da Lei de Segurança Nacional não são tidas como exceções, pois não existiram julgamentos. 151 A pena de morte foi proibida no Brasil, menos para a guerra. Constituição Federal, artigo 5, inciso XLVII: “salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX”: “declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional”.

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sim papel da imprensa, que deve ser uma das maiores cobradoras das promessas

feitas.152 Hoje existem muitos meios de comunicação, quase todos de massa, o que

propicia um alcance gigantesco dos candidatos. Assim, é importante agir com

responsabilidade ética. A maior frustação do sistema democrático em qualquer país

está no descompasso entre a quantidade de promessas e sua consequente

realização, o que ocorre por falta de comprometimento com o que é afirmado pelo

proponente. A promessa irreal propicia a manutenção de um estado mentiroso de

realidade, na verdade mantém o mito da brasilidade, já falado anteriormente.

Por certo a falta de freios e contrapesos legais também carrega sua parcela

de culpabilidade nesse contexto, devendo aos poucos serem encontrados meios

alternativos de coibição e de posterior fiscalização.

Disseram os ensinamentos de Maquiavel, por RIBEIRO (1992, p. 104),

“Maquiavel diria que pouco importa se é justo ou não segundo a moral. Nos dois

casos, o sentido crítico é o mesmo: se cada qual puder impugnar, por injustos, os

atos do governante, a governação se mostrará impossível”.

Então pode haver uma posição ética de maior importância que outra no

campo da política? O problema certamente é estranho e a solução mais ainda, pois

o que existe não é uma posição mais ética que a outra, mas sim uma decisão mais

“justa” que a outra para aquele momento ou para específica comunidade.

Exatamente como já afirmado anteriormente.

Ora, sopesar as posições encontradas para se chegar a uma solução melhor

para sua comunidade não seria quebrar uma promessa de campanha, mas sim

exercer um direito de liberdade, desde que ambas as vertentes estejam de acordo

com a vontade geral do povo.

O chamado direito reflexivo de Teubner153 impõe que as normas devem

caminhar com os avanços da sociedade e representar aquilo que existe hoje, não

podendo permanecer inerte a tantas conquistas sociais que devem ser vivenciadas

sem retrocessos. É mais um estudo que pode ser trazido para fixar as promessas de

campanha na realidade e não da ficção ou no passado.

152O artigo 27 da Lei de Imprensa (lei nº 5250/67), em seu inciso VIII, dispõe: "Art. 27. Não constituem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e da informação: [...] VIII - a crítica inspirada pelo interesse público.” 153 “O “direito reflexivo” seria fundamentalmente constituído pelo conjunto de regras definidoras dos esquemas relacionais dos grupos e organizações da época actual” (CANOTILHO, 2003, p. 1153)

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Deve ser levado em consideração de que o mundo oferta muitos mais

possibilidades do que o que realmente pode ser realizado e que vivemos no “mundo

das expectativas” 154 de Luhmann, como bem afirma Barreto (2013, p. 142-148):

A função do direito seria, assim, reduzir a complexidade por meio da produção de sentido. Isso se dá a partir da seleção de expectativas comportamentais que possam ser generalizadas em três dimensões: temporal, social e prática. Na dimensão temporal, as expectativas são estabilizadas contra desapontamentos por meio da normatização. Entenda-se que a tática de que se vale contra o desapontamento é a sanção. Por conseguinte, na dimensão social, as expectativas são institucionalizadas; com o conceito de institucionalização, consegue-se “delinear o grau em que as expectativas podem estar apoiadas sobre expectativas de expectativas supostas em terceiros”. Finalmente, em relação à dimensão prática, as expectativas são fixadas por um sentido idêntico. Pois, “[...] já que não podemos participar diretamente da consciência de outras pessoas, a expectativa de expectativas (ou expectativas reflexivas) só é possível através da mediação de um mundo em comum, no qual estão fundamentadas todas as expectativas”.

Contudo, as promessas de campanha não podem participar desse mundo de

possibilidades, pois ela deve ter no mínimo dois paradigmas, um abstrato e um não,

sendo que o primeiro é a vontade do eleitor, ou seja, deve o candidato estar

orientado pela vontade geral já citada, que é a soma de sua vontade com a vontade

do eleitor. O segundo paradigma, como já dito, é a lei e as possibilidades reais de

atingir o que promete dentro de um mundo real e atual. Mesmo assim serão muitas

as possibilidades e perspectivas. É imprescindível filtrar as promessas pelo

positivismo das normas, não em um sentido puramente de Kelsen e sua rigidez, mas 154 “Com efeito, a relação entre complexidade e contingência é um ponto de partida possível para empreender-se uma observação sistêmico-luhmanniana do Direito. Para tanto, pode-se partir da seguinte premissa: o convívio humano é sensorialmente orientado. Este convívio, do qual advém a própria comunicação social, leva-nos a explorar não apenas os processos básicos de formação do Direito, mas sua função como um componente da estrutura de sistemas sociais. Dizer que o convívio humano é sensorialmente orientado, significa afirmar que a relação do homem com o mundo é constituída de forma sensitiva, pois este mundo proporciona ao homem um número infindável de experiências e ações, contrapostas ao seu limitado potencial em termos de ação atual e consciente . Isto é, o mundo se apresenta ao homem como um excesso de possibilidades de ação, uma vez que incessantemente se criam situações as mais diversas, situações que se mostram simultaneamente complexas e contingentes. Nesse sentido, por complexidade quer-se significar que “sempre existem mais possibilidades do que se pode realizar”. Em outras palavras, significa que o número de possibilidades de ação será sempre maior que o de possibilidades atualizáveis. Já por contingência, quer-se dizer que “as possibilidades apontadas para as demais experiências poderiam ser diferentes das esperadas, ou seja, que essa indicação pode ser enganosa por referir-se a algo inexistente, inatingível”. Nesse sentido, pode-se afirmar que as relações humanas são orientadas por expectativas.” (BARRETO, 2013, p. 142-148).

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sim em um sentido mais reflexivo, mas próximo de Lassalle, cujos conceitos já foram

abordados. Isso é perfeitamente possível diante de uma legislação mundial onde as

regras não mais dominam as normas, as quais já estão recheadas de princípios.

Logicamente, a promessa deve ser possível juridicamente, passando pelo filtro das

leis.

É simples apontar um exemplo prático recente brasileiro, que movimentou

todo o Brasil, como no caso da divisão dos royalties do petróleo. Pode se afirmar

que agiu sem ética o deputado que lutava pela manutenção da não divisão e

permanência das receitas em sua localidade? E os que lutavam pela divisão em

nível nacional? E a decisão da legenda, a qual muitas vezes foi uma terceira via,

mais próxima aos interesses do Governo Federal e de sua plataforma? Todos

podem estar agindo em total conformidade com suas promessas de campanha e,

assim, se a régua for esta, estariam agindo com ética.

A história brasileira155 é rica em demonstrações que somente a liberdade

constrói. O caminho da solução será certamente o pluralismo, ou seja, qual a

posição que permite maior participação, maior cooperação e resultados para a

população. Portanto, no caso citado teremos até se compreende que todos estariam

agindo dentro de sua ética local, nos interesses locais. Mas não seria mais justo e

mais de acordo com a Constituição Brasileira pensar totalmente no coletivo?156

Como já dito, de nada adianta defender a pena de morte se todos sabem que

é praticamente impossível ser aprovada no Brasil! De nada adianta defender que a

155 Neste momento cabe citar a lembrança da VII Conferência Nacional da OAB, ocorrida entre os dias 7 a 12 de maio de 1978, em Curitiba. O momento foi um marco para a garantia das liberdades em um Brasil que estava perto de voltar a respirar, como bem lembra o Professor Dr. René Ariel Dotti em sua obra: “[...] Uma notável cobertura da imprensa nacional e local já prenunciava os novos tempos que adviriam logo em seguida, com a Emenda Constitucional n.º 11, de 13 de outubro de 1978, e a Anistia (Lei n.º 6.683, de 28.8.1979).” DOTTI ainda traz, com louvor, o discurso de Raymundo do Faoro, então presidente da OAB: “[...] O Estado democrático é a única ordem que pode proporcionar as condições indispensáveis à existência do verdadeiro Estado de Direito, onde a liberdade-autonomia cede lugar à liberdade-participação que pressupõe princípios pertinentes ao núcleo das decisões políticas e à sua legitimidade institucional. [...] As restrições à liberdade somente se tornam legítimas na medida em que visem à preservação do interesse coletivo – respeitado o limite infranqueável da dignidade da pessoa.” (DOTTI, 2014, p. 16) 156 Não se tem as respostas técnicas do caso concreto, pois dependem de números dos estudos da divisão do petróleo e isso não vem ao caso, pois o que se pretende é debater a ética enquanto proposta de campanha, ou seja, deve o candidato se preocupar o máximo possível com o coletivo, com a sociedade, com a Nação (principalmente se em cargos federais), pois este é o norte da Constituição Federal. Não que exista uma gradação da ética, mas certamente é mais justa a solução que proporciona melhorias para um número maior de pessoas. No caso concreto, inclusive, nada impede que a melhor solução seja manter as receitas nas comunidades que atuam no petróleo (como disse, não é o mote deste trabalho), pois a sustentabilidade local deve ser perseguida sempre que possível.

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imposição de uma religião em uma pátria onde todos são religiosos, mas cada um

com suas verdades, inclusive a dos agnósticos e ateus! Enfim, de nada adianta dizer

que vai prender todos os bandidos do mundo e depois ser incluído como investigado

em alguma de suas condutas.157

Promessas assim são antiéticas, pois além de juridicamente impossíveis, não

dependem do candidato! Isso sem falar da questão de ter que votar com a legenda.

O homem é um ser livre e pronto para tudo, tem vocação para agir com propriedade

e na defesa de suas opiniões e consciência, mas quando ele pretende representar

votos, representar uma comunidade, deve pensar nela e não em suas conquistas

pessoais!

Os candidatos devem pensar de duas formas, uma no todo, no genérico, em

todo o País! Depois deve colocar aquele gênero em sua comunidade, vendo qual

parte daquilo se torna espécie. Isso é agir com ética, prometer com moralidade!

Todos sabem que países como o Brasil precisam de quase tudo no campo

social. É fácil fazer promessas de campanha com base no social, dizendo que vai

colocar mais comida na casa do eleitor! Supondo que um candidato com esse perfil

de promessa genérica seja eleito e mais, que ele cumpra com o prometido e

entregue uma cesta básica para cada uma das, por exemplo, 20 mil famílias que

votou nele todos os meses. Pode se dizer que ele prometeu e cumpriu? Certamente!

Mas teria ele agido com moralidade, com ética? A resposta não pode ser imediata,

pois é muito difícil de solucionar essa questão.

Programas nacionais brasileiros como Bolsa Família geram opiniões bastante

divergentes. Muitos, inclusive fora do Brasil, elogiam as ações alegando que a

distribuição de renda básica é necessária atualmente no Brasil, gerando o mínimo

de circulação de bens de consumo nas classes menos favorecidas e trazendo

alguns benefícios indiretos, como as contraprestações do programa, ou seja, manter

filhos em escola, estar registrado em “carteira”, etc.

Mas também geram críticas gigantescas, principalmente no que tange aos

eventuais desvios de valores que se vê na mídia, além de ver pessoas dentro do

programa que, em tese, precisam menos que outras que estão fora. Pequenos

desvios e erros em programas nacionais para países tão grandes e com localidades

157 Neste ponto volta-se a confirmar a necessidade do eleitor fiscalizar não somente seu outorgado, mas sim a sua renovação da outorga. Nunca seremos uma Nação diferente se elegermos os mesmo, sempre.

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tão diferentes são, infelizmente, normais se não planejados com diferenças

regionais! É impossível fixar programas com regras nacionais para que pessoas do

Pará (onde fica Melgaço, a cidade com o menor IDH do Brasil atualmente) tenham

os mesmos direitos e obrigações dos cidadãos de São Caetano do Sul, no Estado

de São Paulo. O povo é o mesmo e tem que ter as mesmas coisas em todos os

sentidos, mas não está se falando em merecimento, mas sim em prioridades.

A diferença entre as duas cidades é gritante em tudo158, mas o programa é

nacional159 e devem existir normais nacionais!?! Ai está o engano! Muitos (não

todos) políticos brasileiros ainda possuem uma mentalidade equivocada e não

pensam no coletivo sustentável e local, mas sim em “dar o peixe e não a vara de

pescar”.

Antes (nisso se concorda) deve se dar o peixe, pois não há como ensinar a

pescar quem tem fome imediata. Mas em comunidades onde a fome imediata não é

a característica principal deve ser pensado mais na sustentabilidade local, na

segunda etapa.

Voltando ao problema já feito antes, não seria melhor o candidato eleito

procurar aprimorar as leis de acesso ao emprego e ao consumo (desoneração

tributária, melhorar o acesso ao formalismo empresarial, ao emprego registrado,

etc.) a dar as cestas básicas? O eleito com menor interesse público pensa que não,

pois ele pretende tirar a foto (cortar a fita da obra) com o eleitor e ainda colocar uma

faixa na frente com os dizeres “promessa cumprida”, sendo o sonho de tal candidato

dar uma cesta básica por mês para aquela família até que ela se torne dependente

daquela doação ao ponto de votar nele em todas as eleições. Ele ainda não sabe

que os grandes homens nunca são esquecidos na história e pensar na

sustentabilidade local (sem deixar de lado o gênero buscado nacionalmente) seria

moralmente melhor, mais ético, mais justo e deixaria uma grande marca moral para

seu nome.

Prometer uma cooperativa local e lutar por ela não seria melhor que dar as

cestas básicas? Se um programa fosse nacionalizado com algumas diferenças

158 O IDHN de São Caetano é de 0.862 e o de Melgaço é 0.418. (WIKIPEDIA, 2014). 159 Até existem algumas pequenas alterações regionais, principalmente no montante de recursos disponíveis, mas o que existe não é o suficiente para se dizer que estamos diante de algo regionalizado e focado nas necessidades de cada parte do Brasil. Contudo, é compreensível que seu primeiros anos tenham sido dessa forma, pois as faltas são básicas e estão sendo atacadas nas raízes. Portanto, a fala deve ser compreendida como um apontamento de melhoria e não de crítica aos programas já existentes.

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regionais seria mais aproveitado, gerando menos críticas? Talvez as contrapartidas

pudessem ser diferentes em cidades como São Caetano, já que lá não adianta que

o dever seja somente manter o filho na escola, pois quase todos já estão na escola,

bem como lá talvez não seja tão importante algumas dezenas de Reais a mais

mensalmente no salário, pois a miséria não é tão grande.

Enfim, aí está a ética na política, diferente da ética pessoal! As promessas

políticas devem ser a mistura de todas as posições, pensando no coletivo e na

sustentabilidade em todos os sentidos, sempre!

Tem gente que promete acabar com a marginalidade em uma campanha ao

cargo de prefeito em cidade onde sequer existe delegacia, de tão poucos delitos que

existem lá! Faz isso porque pensa que prometer com ética é simplesmente prometer

o que sabe que é melhor para se viver. E ele não está errado, mas não está agindo

com a melhor ética para aquela localidade, não está sendo justo para si e para com

os seus. Talvez aquele município precise muito mais de seu foco na saúde pública,

no transporte, que na segurança pública. Pior, em tese, a segurança pública é de

responsabilidade do Estado160 e não precisaria um prefeito prometer muito nesse

sentido, pois não está nas mãos dele muitas das soluções. Assim, não seria ética

sua promessa.

Seria isso então prometer com ética? Ser justo para si e para com sua

comunidade? Quase isso, pois não se pode esquecer que deve também o projeto

estar envolvido ao menos de forma genérica com as necessidades e o caminho do

País como Nação, além de não prejudicar ninguém, nem os direitos sociais já

conquistados. Como se vê, a matemática não é tão simples.

Quando se fala em lutar pelos interesses da coletividade local não se fala em

exercer uma longa manus de um grupo próprio a que pertença o candidato, pois ele

deve sim levar consigo suas ideias e posições individuais, mas ao estar em um

papel público, outorgado de interesses de toda a espécie de cidadão, deve pensar

na comunidade como um todo e deixar de lado suas razões próprias, lembrando

sempre que a moral e justiça está em atingir o maior número de pessoas em seus

160 “Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:[...]” (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988)

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atos, dando sempre que possível a vara como nas palavras de LAO-SÉ, ainda no

Século VI a.C.161

Não pode o eleito esquecer tudo que levou o coletivo a elegê-lo e passar a

pensar somente nele, mesmo que cumpra suas promessas de campanha. Deve

estar claro que a maior promessa é lutar pelo povo, não com o simbolismo de

GETÚLIO VARGAS, pois o povo não é composto somente das classes mais pobres,

pois ricos, o comércio e indústrias também precisam de governantes dedicados! A

circulação real de bens e riquezas é essencial para que tudo caminhe, o que deve

se evitar é sua concentração.

FARAH (2000, p. 141) ensina:

Enfim, quando um agente público (o eleitor, mas sobretudo os eleitos) recebe esse impacto de corrupção do corruptor, esquece inteiramente os propósitos que tinha para administrar o setor, para administrar a prefeitura, para administrar o Estado, o país, e se torna apenas um elemento de captação de recursos pessoais para suas vaidades e fantasias próprias e de sua família, esquecendo inteiramente a função pública

Já dizia GRACIAN (2004, p. 30) que somente “conhecimento e intenções

nobres garantem a fecundidade do seu sucesso”, o que é dito em total crítica à

união da inteligência com a má intenção, que ele chama não de um bom casamento,

mas sim de uma violação monstruosa. A arte da prudência é tudo, como o próprio

título de sua eterna obra ensina. Prometer sim, sem prudência jamais.

Caso a promessa seja feita com os cuidados citados e outros muitos (a

verdade é de cada um) que não constam neste breve trabalho, o candidato terá uma

grande chance de ter o mesmo sucesso que CÍCERO teve, ou seja, a eternidade,

sem precisar se utilizar do manual de QUINTO, hoje (provavelmente também já

naquela época) totalmente desnecessário. A permanência na inércia é a mais fácil

das atitudes e se tomar em um mundo que precisa de mudanças.

Não há como deixar de citar os ensinamentos de Macintyre (2001, p. 99):

161 A frase “Se deres um peixe a um homem faminto, vais alimentá-lo por um dia. Se o ensinares a pescar, vais alimentá-lo toda a vida.” É atribuída a LAO-TSÉ, uma vez que o taoísmo tem por base o livro TAO TE CHING, também atribuído a ele, o qual prega uma teoria de governo justo, com foco no te (virtude), encontrada através do tao (caminho), como já frisado neste estudo.

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[...] há uma diferença fundamental entre o “Homem como ele é” e o “homem como poderia ser se realizasse sua natureza essencial”. A ética é a ciência que pretende capacitar o homem e entender como se dá a transição daquele para este estado. A ética, portanto, nesta tese, pressupõe alguma explicação de potência e ato, alguma explicação da essência do homem enquanto animal racional e, sobretudo, algum conhecimento do telos humano. Os preceitos que impõem as diversas virtudes e proíbem os vícios que são suas contrapartidas nos ensinam como passar da potencia ao ato, como descobrir nossa verdadeira natureza e alcançar nosso verdadeiro fim. Desobedecê-los será torna-se frustrado e incompleto, deixar de alcançar o bem da felicidade racional que é peculiaridade da nossa espécie procurar atingir.

Assim, devem ser obedecidas as conquistas éticas da sociedade e não se

pode retroceder, mas sim continuar no caminho das melhorias sociais, sempre

pensando no coletivo, nas formas a atingir toda uma comunidade sedenta por

melhores dias e cansada de lutar dia-a-dia e se felicitar somente em partidas de

futebol, as quais inclusive sequer mais podem ser vistas pessoalmente nos estádios

devido aos preços de seus ingressos, mas já podem ser vistas em todos os cantos

do Brasil, mesmo em casebres, em grandes televisores de LCD. Como se vê, é fácil

constatar que Jessé Souza (2009) tem razão ao afirmar que a política do pão e circo

ainda perdura nos dias de hoje, mas talvez, infelizmente, tenha piorado, pois

antigamente ao menos o circo era visto ao vivo.

Em sistemas como o brasileiro existe uma regra que derruba grande chance

do candidato exercer suas propostas, gerando a ineficácia dos anseios dos seus

eleitores, pois aqui os partidos e coligações conservam o direito ao mandato obtido

se o candidato eleito se desfiliar para ingressar em outra legenda. Além disso, a Lei

9.096/95 em seus artigos 25 e 26 autorizam a aplicação de punições ao eleito que

não acompanhar as diretrizes da legenda, inclusive em seus votos.

Portanto, não há como deixar de defender o candidato neste momento, pois

ao mesmo tempo em que tal dispositivo veio garantir a moralidade de não haver

troca de legenda depois de eleito, o que era horrível para a democracia brasileira,

acaba ocasionando a impossibilidade de o candidato ser cobrado por algumas de

suas propostas. Se o candidato eleito não pode, em tese, votar contra sua legenda

sob pena de poder sofrer consequências, é certo que suas promessas de campanha

devem estar de acordo com as da legenda e vice-versa.

Assim, uma saída seria a legenda verificar as propostas de campanha de

seus candidatos e aprová-las anteriormente (e não simplesmente colocar em seus

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partidos candidatos de mentira, verdadeiros puxadores de votos, em clara conduta

antiética), pois certamente o sufrágio é uma boa balança neste momento. Se o povo

elegeu é porque quer aquele candidato com aquelas propostas que ele apresentou e

não deseja que ele seja obrigado a votar com a legenda, principalmente se contrário

aos interesses locais de crescimento sustentável.

Seria o voto do eleitor baseado em uma promessa motivo suficiente para o

candidato ir contra o posicionamento de sua legenda em uma votação e não ser

punido por isso? Seria motivo para ele conseguir trocar de legenda sem perder seu

mandato? São princípios em confronto, na verdade os mesmos, certamente

resolvidos pela proporcionalidade caso-a-caso.

Mas é um bom diapasão, visto que pode ser perfeitamente possível que

candidatos, principalmente os federais (pois deputados de diferentes localidades do

país podem ter interesses locais completamente antagônicos), tenham posições

diferentes e a legenda tenha uma terceira. Pronto! Ai está um conflito ético, onde

não necessariamente a decisão será contra esta.

As palavras do professor londrino Jonathan Wolff (2011, p. 148) esclarecem

um ponto que precisa ser abordado:

A democracia costuma dizer-se, é o governo – do povo, pelo povo e para o povo -. Governo para o povo quer dizer que o governo existe em proveito dos seus cidadãos, não para o benefício dos governantes. Os governos democráticos governam – no interesse dos governados -, para utilizar as palavras de Bentham. Mas o mesmo se poderia dizer de outras formas de governo. Voltaire manifestou-se a favor da – ditadura benevolente -, na qual um déspota iluminado, sem necessidade de consultar o povo, governaria ainda assim no interesse deste. Em contraste, a democracia é, mais obviamente, um sistema em que o povo governa: é um autogoverno colectivo. Esta é, então, uma descrição do que significa dizer que a democracia é o governo – para o povo – e – pelo povo -.

Se o governo deve ser para o povo e pelo povo, régua mestra da vontade

geral (melhor seria o governo é o povo) o eleito deve ter o direito de votar conforme

o outro que representa caso tal defesa esteja em desacordo com os interesses do

partido político que formalmente deve estar inserido.

Aqui não se é contra a constituição partidária, tampouco se é contrário à

existência dos mesmos, fruto de conquistas sociais importantes nos séculos da

filosofia política. Mas não se estaria fiel ao mote ora enfrentado caso não se afirme

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com todas as letras que o partido político do eleito é a vontade geral que ele

representa, que lhe outorgou parte da liberdade individual. Novamente o

sopesamento aparece como a melhor alternativa.

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5 A ÉTICA DO ELEITO.

Certamente é compreensível a angustia que o político eleito fica após já estar

de posse de seu mandato, de efetivamente ter a responsabilidade de decidir a vida

dele e de todos os outros, principalmente os que o colocaram lá, que cederam parte

de sua liberdade de escolha para sua representatividade. As decisões se tornam

mais difíceis e os erros e acertos mais visíveis.162

Quem já vivenciou uma estrutura administrativa e atuou nas escrivaninhas do

setor público vai entender o que ora se diz, ou seja, em hipótese alguma se pretende

achar desculpas para a ineficiência dos administradores públicos e/ou legisladores,

mas sim explicitar que apesar de muitas coisas boas serem realizadas, o que

aparece é a ruim. A mídia brasileira é possivelmente uma das mais autofágicas

dentre as existentes no mundo.

Aí está a diferença e ao mesmo tempo a maior importância da ética na

política, pois uma ação na política atinge um número muito maior de pessoas,

podendo tanto melhorar, quanto prejudicar suas vidas. Portanto, se agir com ética é

importante no cotidiano de todos, muito mais ainda será na vida do político!

Defender ideais e posições controvertidas devem estar balizadas pelo todo, por todo

o universo de pessoas envolvidas naquela comunidade.

O primeiro ato que deve um político com ética realizar é lutar contra qualquer

desigualdade, pois ao representar votos de toda a espécie (isso serve também para

eleições distritais) deve estar atento a qualquer movimento que busque diminuir as

conquistas democráticas.163 Deve-se combater com todas as forças a desigualdade

nos votos, como bem ensinou Lassalle ao falar do sistema eleitoral das três

162 Essa angústia é bem explicada pelo existencialismo, embora não seja esta a principalmente corrente deste trabalho. SARTRE explica: “O existencialista costuma declarar que o homem é angústia; isso significa o seguinte: o homem que se engaja e que se dá conta de que ele não é apenas o que escolhe ser, mas é também um legislador que escolhe ao mesmo tempo o que será a humanidade inteira, não poderá furtar-se do sentimento de sua total e profunda responsabilidade.” (SARTRE, 2014, p. 21) 163 Como dito desde o início, este trabalho respeita e estuda tudo que já ocorreu e foi ensinado no passado e nas demais nações do mundo, mas seu foco principal e sua régua motora são as eleições em um ambiente democrático, inclusive com maior ênfase em países ainda em desenvolvimento como o Brasil. Certamente que a teoria da representatividade serve para todos os lugares do mundo e todas as épocas, mas o discurso inflamado desta pesquisa é fruto da vivência brasileira e das injustiças sociais atuais. Assim, em todos os momentos interpretativos do texto não se pode perder este parâmetro, este olhar, sob pena de não compreender o que efetivamente se expõe e se busca.

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classes164 da Prússia, onde os eleitores eram divididos pelo volume de impostos que

pagavam, ou seja, os votos dos ricos valiam muito mais que o dos pobres. Isso não

é o que se pretende hoje no mundo, embora ainda exista em algumas nações,

inclusive no Brasil, mesmo que ocultamente.

Contudo, não há como imputar somente aos políticos as soluções para a

melhoria das políticas públicas, principalmente dentro de nações envolvidas em

mercados livres e capitalistas. Embora cientes dos deveres de todos, devemos nos

ater que a responsabilidade maior paira sim sob os ombros dos eleitos, que assim

foram com base em uma esperança de seus eleitores de que a economia de seu

dia-a-dia fosse amparada por atos enraizados no mais verdadeiro interesse público.

Séllos-Knoerr enfatiza bem o tema ao tratar das lições de Mankiw:

Neste momento, é importante registrar expressamente a conhecida e reconhecida incapacidade do livre mercado de promover o bem comum por si só e sem nenhuma intervenção estatal que conduza a economia conforme as pretensões da coletividade. Neste sentido o magistério de MANKIW: A mão invisível é ainda menos capaz de assegurar que a prosperidade econômica seja distribuída de forma justa. Uma economia de mercado recompensa as pessoas de acordo com sua capacidade de produzir coisas pelas quais os outros estejam dispostos a pagar. O melhor jogador de basquete do mundo ganha mais do que o melhor enxadrista do mundo simplesmente porque as pessoas pagam mais para assistir a um jogo de basquete do que para assistir a uma partida de xadrez. A mão invisível não garante que todos tenham comida suficiente, roupa decente e assistência médica adequada. Um dos objetivos de muitas políticas públicas, como o imposto de renda e o sistema de bem-estar, é buscar uma distribuição mais equitativa do bem-estar econômico. Mas o mesmo autor alerta para a compreensão da realidade com o afastamento da ingenuidade: Dizer que o governo pode melhorar os resultados de mercado não significa que ele sempre o fará. As políticas públicas não são elaboradas por anjos mas por um processo político que está muito longe da perfeição. Às vezes as políticas visam apenas atender aos interesses dos politicamente poderosos. Outras vezes são elaboradas por líderes bem intencionados que não são suficientemente informados. (SÉLLOS-KNOERR; AHRENS, 2013, p 53.)

O que se pretende debater é que os políticos, embora não sejam os únicos

culpados das injustiças econômicas, devem sim manter o foco nas políticas que

164 Ferdinand Lassalle falou que: “verifica-se que por esse meio cômodo se chega exatamente ao mesmo resultado como se na Constituição constasse: o opulento terá o mesmo poder político que 17 cidadãos comuns; ou melhor; nos destinos políticos do país, o capitalista terá uma influência 17 vezes maior que um simples cidadão sem recursos.” (LASSALE, 2001, p. 19)

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versem sobre um Estado melhor e com menos disparidade financeira entre seus

cidadãos, embora estes também são solidários em muitas das consequências

maléficas desse mercado.

Contudo, o político não pode se dar ao direito de ceder às pressões dos

poderosos como afirma o texto citado, pois com isso estaria diante de uma atitude

totalmente desprovida de ética e de representatividade. O eleito nunca pode desviar-

se de seu mandato, outorgado por seus eleitores. E se fosse representante somente

da classe mais privilegiada, ai sim teria tal direito? É uma pergunta de difícil resposta

a qual carece de compreender o sistema vigente e o sistema que defende este

trabalho.

Ao se falar em Estado Democrático de Direito, estamos falando de uma

Nação movida pelos pesos e contrapesos da opinião, normatizada ou não, de todos.

Assim, conforme já pautado anteriormente pelas explicações da teoria da vontade

geral, esta somente estaria bem representada quando este geral representar o todo,

sem desprezar o individual.

O ordenamento jurídico vigente, bem como todo seu sistema administrativo e

político é fruto de um conjunto de conquistas históricas, uma a uma galgadas por

Séculos. Assim, nenhum eleito pode representar somente uma categoria, pois sua

posição é o resultado do sangue e suor de todos, durante toda a história de sua

pátria e, porque não, da humanidade. Portanto, mesmo quando existe um candidato

exclusivo das classes mais ou menos favorecidas economicamente, este não poderá

quando eleito lutar somente por aquela corrente, embora tenha ela em seu eixo

principal. A luta deve ser pelo “todo”, que envolve a vontade de todos os eleitores,

de toda uma comunidade que, as vezes mesmo sem saber, busca a igualdade e não

a desigualdade.

A possibilidade de ter sido eleito, de ser um representante já denota sua

qualidade de todo e não de representação direta e individual de qualquer classe.

Então, não existe forma do eleito entender que assim o foi tão somente pela luta de

seus (exemplo) 10.563 votos, mas sim de todos os habitantes daquele País, até

mesmo de quem sequer eleitor ainda pode ser e inclusive dos que não votaram nele.

Compreender isso não é tão difícil para os que possuem senso de comunidade e de

bem estar comum, salvo para os que tendem a impor verdades e se distanciarem do

interesse público.

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É preciso abordar outro contexto ainda não tratado: a democracia social.

Matheus Bertoncini (2012, p. 166) traz:

O sentido social, desde a edição da Constituição vigente, ganha especial relevo, sendo que, em síntese, “na democracia liberal, tudo pode o homem, segundo seu querer. Na democracia social, tudo pode o homem, desde que não prejudique a coletividade.

Vive-se em uma democracia que pretende ser social ao máximo. A

representação pode conter visões diferentes das necessidades dos representados.

O ponto de vista é importante, pois decide toda uma condição de ataque e meios de

soluções. O papel do representado que tem a visão no outro é entender que se está

a falar da mesma coisa, do mesmo eixo! A partir do momento que o governante

entender que o cidadão que tem a vontade de viver bem tem a mesma vontade que

o cidadão que pretende morrer bem se está chegando na vontade geral. A

representatividade não pode estar amparada somente em uma visão cartesiana,

como bem traz Max Baratto (2003, p. 20):

[...] Esse mesmo profissional médico, justamente por causa de sua concepção mecanicista, jamais se questionou o que é melhor a seu paciente; se é morrer gozando ainda de alguns prazeres da vida, como uma boa comida e um bom vinho, em casa, junto da família e dos amigos; ou se é morrer num hospital frio e silencioso, deitado numa cama cercado de vários médicos, longe da família e dos amigos, sob o efeito de drogas potentes e, muitas vezes, sem qualquer consciência ou com muita dor e sofrimento. A concepção cartesiana da vida impede o médico de entender que, após determinado momento, o principal problema deixa de ser a vida do paciente e passa a ser efetivamente a sua morte.

O prisma pode ser diferente e ter o mesmo objetivo! Ora, o paciente que

pretende prolongar sua vida no hospital deseja a mesma coisa que paciente que

espera morrer aos poucos em casa com amigos e parentes! Assim, a vontade de

ambos é mesma, VIVER, mas parece ser diferente se o observador (em nosso caso

o representante) vivenciar somente uma das visões, um dos lados. Mal sabe ele que

pode representar ambos ao mesmo tempo com seus atos. Isso é a vontade geral

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com o olhar no outro.165 O eixo é tornar-se o outro sem retorno ao se decidir pela

dedicação ao interesse público. A vontade geral que se pretende ligar à

representatividade é a representação da vontade do outro!

A questão dirigida, territorial, local é fácil de ser resolvida! O sopesamento

deve ser o caminho! Em hipótese alguma se pretende aqui alegar que o estado não

deve governar pensando no todo e nos princípios basilares que unem os povos

independente de suas residências e origens, o que se diz é que os anseios da

população local são os mesmos, ou seja, no Piauí se desejam boas escolas tanto

quanto em Santa Catarina. Mas um representante do estado de Santa Catarina deve

ter seus olhos voltados para o mesmo problema, para enfrentar a mesma vontade,

MAS através de soluções locais, que propiciem a sustentabilidade local, que se

empreguem mais na realidade de seu povo. A falta de investimentos da educação

podem ter necessidades diferentes e soluções diferentes conforme o local. Essa é a

maior razão do direcionamento da representatividade, a visão na sustentabilidade do

“outro local”.

Se em uma cidade de IDH baixo são necessários investimentos em educação

básica, em cidades com IDH alto possivelmente são necessários os de ensino médio

e universitário. Além disso, deve haver igualdade material em tais valores

dispensados para que as cidades menos desenvolvidas possam alcançar as já mais

equiparadas com o primeiro mundo. Isso gerará outra consequência positiva, a

diminuição da emigração, a qual prejudica a sustentabilidade local e causa

transtornos nas localidades receptivas, onde a realidade é outra e o choque é

inevitável. Assim, pensar no global é pensar no individual, na localidade. O que

ocorre com os políticos atuais é que não entendem sequer o que falam, o que

pregam, o que dizem acreditar e defendem investimentos iguais em todos os locais,

bem como o emprego inoperante de políticas similares em todo o território porque

entendem que representam a todos. É o mandato representativo sendo totalmente

destruído somente em um raciocínio.

O representante deve atuar na mais pura honestidade e utilidade. Só assim

estará diante de uma conduta ética. Cícero (2011, p. 33) ensinou:

165 As vontades parecem ser diferentes, mas é a mesma e podem ser realizadas pelo representante sem prejudicar nenhuma. A busca pelo eixo principal é o desafio.

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Segundo Panetius, examinam-se três fatos diversos quando se quer tomar uma decisão prática. O primeiro, se o que se apresenta é honesto ou desonesto; sobre isso o pensamento muitas vezes se confunde. Em segundo lugar, procura-se saber se a decisão aumenta as coisas agradáveis e as comodidades da vida, as riquezas, os recursos, o poder, o crédito, enfim, se há conveniências à utilidade. Por último, trata-se de saber se aquilo que parece útil no aspecto, não se opõe ao honesto, quando a honestidade nos detém de um lado e o interesse de outro, nessa dúvida o espírito se encontra nos dois sentidos. Nessa divisão há duas omissões, e omissão é grande defeito numa divisão; não se examina somente se há honestidade ou desonestidade, mas de duas coisas honestas qual a mais honesta, assim como de duas coisas úteis, qual a mais útil. Aquilo que Panetius entendia dividir em três partes, comportas cinco. Assim, convém tratar do honesto, mas sob duplo ponto de vista; depois do útil, também num duplo ponto de vista; enfim, comprovar o honesto e útil.

Os ensinamentos de cônsul romano poderiam ser tratados como o

sopesamento de Alexy. A maior diferença esta na falta de normatividade, o que já

existe hoje, visto que o eleito se depara não somente com duas situações que

podem ser honestas e úteis, mais também sendo ambas legais. Então teremos a

separação do político que entende a ética da representatividade através de sua

correta aplicação.

E como saber o que é mais útil? Já fora dito anteriormente, estando

diretamente ligado a número de pessoas atingidas em seu bem estar e em sua

vontade através do ato a ser praticado. A decisão deve sempre estar amparada por

estes eixos: maior número de cidadãos beneficiados e vontades atingidas x maior

desenvolvimento sustentável x maior interesse público166.

Todo esse sopesamento é a busca pela razoabilidade e a fuga da

arbitrariedade. Essa razoabilidade deve ser um princípio norteador para se evitar tais

erros: [...] Maria Sylvia Zanella Di Pietro, dentre um dos significados do princípio,

averba que deve considerar não razoável “a medida arbitrária, assim entendida

aquela que é adotada por capricho, por motivos pessoais ou sem um motivo preciso

que possa ter embasamento na ordem jurídica” (JOSÉ ROBERTO OLIVEIRA, 2006.

p. 150).

Portanto, somente atuar com base em uma lei ou em um princípio não

resolve, pois o que se necessita é atuar buscando o máximo de interesse público.

Os governantes devem levar em consideração os princípios que possam significar

atingir o maior número de melhorias possíveis para a sustentabilidade local, pois

166 O interesse público neste caso aparece como a vontade geral atrelada aos freios e contrapesos do direito positivo.

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sem esta não se alcançarão os resultados esperados para que os avanços

apareçam. Muitos são os momentos em que deve haver a ponderação entre os

princípios e as regras, o que pode propiciar uma Nação com menores desigualdades

e mais oportunidades a todos.

Para a compreensão do que se pretende frisar, faz-se necessário explicitar,

em resumo, em que consiste a teoria de Robert Alexy e seu sopesamento de

princípios. A interpretação da citação de Alexy (2008, p. 351) quando afirma “uma

liberdade jurídica existe quando é permitido tanto fazer algo quanto deixar de fazê-

lo” nos leva a compreender que não há como se iniciar qualquer raciocínio em um

texto que dialoga com seus pensamentos de forma inflexível, fechada, unicamente

positivista. O filósofo e cientista do direito traz a liberdade e a igualdade como fontes

de sua luta para que o ser humano tenha cada vez mais conhecimento de seus

direitos e os viva em seu cotidiano, muitas vezes ceifados pela letra fria das regras

nascidas em uma época distante e incompatível com os problemas da atualidade.

Embora tenha por inegável influência o positivismo jurídico de Hans Kelsen167

e o jusnaturalismo de Gustav Radbruch, as pedras das colunas do estudo que o

representa possuem origens nos vértices de Habermas, passando também por

Hare, Toulmin, Baier, Perelman, Earlangem, MacCormick, Alf Ross e Dworkin. No

caso deste último, muitas das conquistas referentes à força dos princípios decorrem

também de seus estudos.

Dworkin combateu como poucos o positivismo extremo, principalmente para a

solução de seus hard cases, pois para ele todo caso possui uma resposta correta e

se baseia na integridade. Seus estudos estão mais ligados à forma de decisão que à

formação preventiva, como entender como os juízes decidem, criando um novo

direito a cada sentença. A argumentação seria o segredo de tudo e a somatória de

princípios voltada ao bem comum deve superar a regra positivada. Um dos

principais momentos de sua corrente é visto quando ele fala da política e dos

princípios. A política estabeleceria algo a ser perseguido e que deve melhorar

diversos aspectos da sociedade, diferente dos princípios que não querem assegurar 167 Hans Kelsen nasceu em Praga, em 1881, vindo a falecer em 1973, em Berkeley. Um dos maiores estudiosos do Direito de todos os tempos, revolucionou toda a doutrina e marcou toda uma época com seu positivismo jurídico, com destaque para sua obra Teoria Pura do Direito, traduzida para todas as línguas oficiais atualmente faladas no Mundo: “Se se afasta a hipótese dos direitos naturais e se reconhecem apenas os direitos por uma ordem jurídica positiva, então, verifica-se que um direito subjetivo, no sentido aqui considerado, pressupõe um correspondente dever jurídico, é mesmo este dever jurídico”. (KELSEN, 2008, p. 145)

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nenhuma vitória econômica ou social, mas sim manter uma igualdade cidadã, uma

moralidade social que não deveria necessitar de instrumentos para se alcançar, mas

sim ser algo acessível e que a sociedade não pode abrir mão, sendo essa a razão

de sua posição de destaque frente às regras. A somatória dos princípios políticos e

dos princípios jurídicos (como a legalidade, isonomia, etc.) é a arma mais completa

contra as decisões injustas que se baseiam somente nas regras secas

codificadas.168

A evolução da força de aplicação dos princípios até sua recente solidificação

no campo das normas constitucionais é o resultado de Séculos de incessantes

discussões jurídicas iniciadas ainda na época dos filósofos gregos, onde os

princípios eram fruto da natureza humana e representavam a base moral das

discussões ainda carentes de normatividade.

Já em outra era, enquanto os pensamentos de Kelsen reinavam em absoluto,

aos princípios restavam o preenchimento de lacunas e os estudos acadêmicos da

doutrina do Direito. Com o advento da era positivista, o modelo puramente

procedimental passou a ditar as condutas de todos, deixando os princípios somente

para grandes conflitos de normas e paradigmas insuperáveis pela letra da lei.

Apesar de Alexy não falar em era pós-positivista, assim é denominada por

muitos a escola que tem início em meados do Século passado e ainda caminha a

passos largos, tendo muito que conquistar. O neoconstitucionalismo colocou os

princípios em iguais condições às regras, não havendo mais espaço (poucos ainda

resistem) para interpretações que não ponderem ambos para solucionar qualquer

caso do campo dos direitos e deveres.

Os princípios alcançaram a força de norma constitucional não por acaso, mas

sim como resultado do que o Mundo passou nas últimas décadas. O cidadão

moderno não admite mais o convívio com a violência e falta de liberdade, em todos

os sentidos. Canotilho (2003, p. 1162) abraçou a teoria, citando:

168 Para Dworkin a distinção entre princípios e regras é lógica (ele não fala da tese da distinção qualitativa de ALEXY), sendo que as regras ou servem ou não para a solução do caso concreto e em não servindo (como uma luva) não tem a menor utilidade. Com a menor chance de exceção ou detalhe no caso concreto, a regra sai de cena. Essa é a grande diferença dos princípios, pois estes não são aplicados através de uma lógica tão matemática, pois eles possuem pesos e dimensões diferentes para cada caso, aí a necessidade de ponderação, de sopesamento, o que é impossível de se fazer por meio somente das regras, o que ele chama de dimension of weight.

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A existência de regras e princípios, tal como se acaba a expor, permite a descodificação, em termos de um constitucionalismo adequado (Alexy: germssigte Konstitutionalismus), da estrutura sistêmica, isto é, possibilita a compreensão da constituição como sistema aberto de regras e princípios.

Para Alexy, embora com igual força normativa, existe diferença gradual e

qualitativa entre regras e princípios: “o ponto decisivo na distinção entre regras e

princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na

maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes.

Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização.” (ALEXY, 2008,

p.90)169

Como resultado da imposição dos princípios, os juristas convivem diariamente

com a colisão entre eles e as regras positivadas170, bem como com os entraves

dentre eles próprios. Como resolver tal questão? Como é possível solucionar um

caso concreto tendo de um lado regras e do outro, princípios? E se de ambos os

lados existem princípios? Muitos são os estudiosos que buscam respostas para tais

questões, mas o melhor caminho atualmente é o sopesamento de Robert Alexy.

Todo caso é um caso, como se fosse um hard case de Dworkin. Existem

características únicas daquele momento que não poderão ser preenchidas por

paradigmas de situações, em tese, similares.

169 Existem críticas ao pensamento de ALEXY: “Apesar de sua aparente consistência, a teoria dos princípios como mandatos de otimização, defendida por Alexy, será objeto de críticas pelos autores ligados à Ética do Discurso e às análises pragmáticas da comunicação humana, o que dará origem à terceira teoria, que identifica os princípios com normas cujas condições de aplicação não são pré-determinadas. Essa terceira corrente marca-se por críticas a concepção adotada por Alexy. Uma das principais críticas elaboradas contra sua teoria é assim descrita por Marcelo Galuppo: “Para esses autores, Alexy esvazia o caráter normativo dos princípios, entrando em contradição com a compreensão deontológica que pretende defender. Por trás dessa questão, há um pressuposto da teoria desenvolvida por Alexy, que renuncia implicitamente à questão da justiça envolvida pelos princípios em favor da segurança do direito, por meio da adoção de um procedimento ligado estritamente à metodologia do direito. Assim ao esvaziar o caráter normativo dos princípios Alexy teria adotado a hierarquização de valores, vez que “uma fundamentação axiológica implica sempre uma hierarquização relativa a uma comunidade, pois aquilo que é o melhor para uma comunidade não é necessariamente o melhor para outra”. (MARCELO GALUPPO, 2011, p. 197). 170 “Foi a partir do século XIX que os princípios gerais de direito foram recepcionados pelos códigos de diversos países, embora utilizando expressões diversas. O artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antiga Lei de Introdução ao Código Civil - Decreto-Lei n. 4.657/42, cuja ementa foi alterada pela Lei nº 12.376 de 2010), refere-se expressamente aos princípios gerais do direito na hipótese de lacuna no ordenamento jurídico: "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito"” (MARINA SOARES, 2013, p. 6).

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O representante deve lutar contra as mazelas que atingem a sociedade e

talvez o consumismo exacerbado seja uma das maiores delas. A era do

consumismo foi tratada por Bauman de forma brilhante! Poucos autores

conseguiram demonstrar a nocividade do consumo171 com tamanha maestria, indo

contra a coisificação da raça humana sem evitar o seu crescimento, oferecendo

saídas sadias e operantes:

A sociedade de consumidores representa um conjunto peculiar de condições existenciais em que é elevada a probabilidade de que a maioria dos homens e das mulheres venha a abraçar a cultura consumista em vez de qualquer outra, e de que na maior parte do tempo obedeçam aos preceitos dela com máxima dedicação. (BAUMAN, 2008, p. 70)

É papel dos governantes manter a economia de um país estável e crescente,

o que pode importar em não diminuir o consumo. Contudo, a moralidade está em

direcionar os olhos da sociedade para um consumismo qualitativo. Isso se torna

mais importante ainda quando o próprio estado (enquanto administração) acaba por

virar um consumidor de tudo que se apresenta como uma, em tese, alternativa para

o bem estar do cidadão. Portanto, são duas as vertentes que os registros de

Bauman trazem, gerando atenção ao cidadão consumidor172 e ao estado

consumidor.

Sobre a importância dos princípios para a vida do representante, Canotilho

(2003, p. 58) ensina:

Aristóteles oferece-nos um conceito de constituição (politeia) que significa o próprio modo de ser da polis, ou seja, a totalidade da estrutura social da

171 “[...] o consumo é uma condição, e um aspecto, permanente e irremovível, sem limites temporais ou históricos; um elemento inseparável da sobrevivência biológica que nós humanos compartilhamos com todos os outros organismos vivos. [...] Pode-se dizer que consumismo é um tipo de arranjo social resultante da reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos rotineiros, permanentes e, por assim dizer, “neutros quanto ao regime” [...] de maneira distinta do consumo, que é basicamente uma característica e uma ocupação dos seres humanos como indivíduos, o consumismo é um atributo da sociedade.” (BAUMAN, 2008, p. 37) 172 “A garantia, com frequência repetida, de que “este é um país livre” significa: é sua responsabilidade o tipo de vida que deseja levar, como resolve vivê-la e os tipos de escolha que você faz par que seu projeto se concretize; culpe a si mesmo, e a ninguém mais se tudo isso não resultar na felicidade que você esperava. Ela sugere que a alegria da emancipação está intimamente ligada ao horror da derrota” (Ibid., 2008, p. 113)

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comunidade. A constituição do Estado tem por objecto a organização das magistraturas, a distribuição dos poderes, as atribuições de soberania, numa palavra, a determinação do fim especial de cada associação política. No conceito aristotélico de constituição juntam-se dois aspectos modernos: (1) a constituição como ordenamento fundamental de uma associação política; (2) a constituição como o conjunto de regras organizatórias destinadas a disciplinar as relações entre os vários órgãos de soberania.

Assim, o eleito deve seguir as normas, regras e princípios, pois estas são

fruto das vontades anteriores à sua eleição. Ora, o que são as leis, senão o modo de

ser da Sociedade em que se vive. Através das leis173, principalmente da Constituição

de uma Nação se obtém a identidade dela.

Não existe vontade geral, nem ética do eleitor sem o cumprimento da lei,

como bem atesta Rousseau (2003, p. 143):

[...] Como é possível que todos obedeçam e ninguém comande, que sirvam sem ter um senhor? Mais livres do que sob aparente sujeição, ninguém perde sua liberdade senão aquilo que pode restringir a liberdade dos outros. Esses prodígios decorrem da lei; só a ela os homens devem a justiça e a liberdade. É o instrumento salutar da vontade de todos que restabelece por meio do direito a igualdade natural dos homens. É a voz celeste que dita a cada cidadão os preceitos da razão pública, ensinando-o a se conduzir com base nos princípios do seu próprio julgamento, e de não estar sempre em contradição consigo mesmo. As leis são o único móvel do organismo político, que só devido a elas é ativo e sensível. Sem leis o Estado chega a se formar mas não passa de um corpo sem alma: existe mas não pode agir, pois para isso não basta que todos se submetam à vontade geral; para segui-la é preciso conhecê-la, e daí a necessidade da legislação.

A lei é o melhor exemplo de cumprimento do contrato social pelo Estado,

razão pela qual o representante e o representado devem ter suas letras como algo

maior que um dever, pois é a própria razão de tal pacto. Falar na hipótese de uma

representação sem o irrestrito aceite da lei é como deixar de acreditar em uma

sociedade civilizada.

A lei maior será sempre a dignidade da pessoa humana, a qual deve guiar

tudo e a todos no direito, como preceito fundamental e basilar de todo o

ordenamento jurídico, alcançando a maior hierarquia axiológica-valorativa.

(SARLET, 2001) 173 “bipartindo o conceito, a vontade geral, num sentido subjetivo, deve ser entendida como a vontade do todo, expressada pela maioria. Num sentido objetivo, a vontade geral coloca-se como o conteúdo da lei (em sentido político)” (FERNANDO GUSTAVO KNOERR, 2009, p. 43)

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5.1 A ÉTICA DOS SERVIDORES PÚBLICOS.

Absolutamente nada fará o administrador sem o apoio e ajuda dos servidores

públicos, os quais colocarão em prática seus planos e projetos de Governo. Dentre

os servidores, destacam-se os que recebem funções junto com a posse do

candidato eleito, normalmente para as principais atividades do Estado, as que

necessitam de maior confiança, sejam eles concursados que as vezes acabam

agregando funções gratificadas e/ou contratados em cargos de provimento em

comissão. São Ministros, Secretários, Diretores, Assessores, Assistentes,

Consultores e todas as centenas de funções criadas em cada uma das pernas da

administração direta e indireta. A existência de tais funções ainda se mostra

essencial para o andamento da democracia, embora certamente devessem ser em

número diminuto do que existe hoje.

Todos possuem diferenças de opinião e carregam correntes políticas. Por

essas e outras razões, faz-se necessário que a administração possua em seu meio

servidores com a mesma corrente filosófica e social que o candidato eleito,

possibilitando a compreensão de todos seus projetos e condutas. Sua equipe

carrega vínculos com as vontades que o representante pretende atuar.

Não se podem afastar as opiniões que defendem a necessária e um pouco

utópica (razão de existirem praticamente em todo o mundo tais funções)

interpretação de que todas as funções públicas devem ser concursadas. Isso seria

perfeito se junto tivéssemos a possibilidade de demissão menos burocrática dos que

agissem fora dos princípios administrativos, pois o concurso não é garantia de boa

prestação de serviço. Concursados ou não deveriam ser facilmente contratados e/ou

demitidos, sendo que os comissionados deveriam manter como diferenças seu limite

numérico percentual e a livre e desmotivada possibilidade de exoneração, o que já

seria o suficiente para diferenciar dos concursados, os quais certamente merecem

carregar a segurança da estabilidade, que não pode ser confundida com eternidade

a qualquer custo.

A importância em abordar tal assunto é a certeza de que não se faz política

sem o apoio de uma equipe. Assim, embora não apareçam formalmente nas

cédulas, a verdade é que todos que irão trabalhar com o representante eleito foram

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também carimbados com o dever de representar os que esperam o cumprimento do

interesse público. A ética da representatividade alcança a todos.

Mas seria inoportuno e injusto nesta breve exposição “tampar o sol com a

peneira”, alegando que todo o problema da ineficiência do serviço público está nos

comissionados. Quem atua no serviço público sabe que isso não é verdade e em

algumas vezes o que ocorre é justamente o contrário, ou seja, o concursado

permanece em uma zona de conforto, quase em uma eterna operação tartaruga.174

O pior é que isso muitas vezes ocorre tão somente porque o candidato que ele

apoiava ou votou não foi eleito e o que se prejudica é o interesse público.

O resultado será melhor para a população se sua equipe estiver junto com ele

(pois não existe nenhuma democracia no Mundo onde se elege somente uma

pessoa, visto que na verdade é eleita uma equipe toda, normalmente uma coligação

de partidos políticos). Portanto, tais posições são de suma importância, existindo em

todo o Globo.

O perfeito seria que ao ser eleito todo administrador público encontrasse ao

seu dispor servidores prontos para melhor atendê-lo, independente de aptidão

política e filosófica de cada um, no mais claro cumprimento do princípio da isonomia,

imparcialidade e interesse público. Mas se isso não ocorre nem nos países com o

mais alto grau de desenvolvimento, tampouco ocorreria nas nações que ainda

engatinham em busca das igualdades sociais.

Então o problema não está na existência dos comissionados, mas sim em

como essa massa laboral será utilizada, se efetivamente em favor da comunidade,

dos avanços do Estado e da concretização das promessas de campanha ou se

somente servirão como angariadores de votos, durante o trabalho e mais ainda em

época das Eleições.

Qual seria o limite ético para a utilização dos cargos em comissão? Existe

responsabilidade do chefe (candidato eleito ou superior que indicou o servidor) para

com os atos de seu indicado? Qual a responsabilidade que o candidato possui com

aquilo que promete?

A questão que envolve a contratação de comissionados no Brasil é de suma

importância, pois o número de envolvidos vem aumentando anualmente, já

174 Nome popular dado ao dia em que servidores públicos resolvem desenvolver suas atividades em absoluta ineficiência, ocasionando grande demora na prestação de serviços que poderiam ser realizados com maior agilidade, como se fosse um dia de greve disfarçado de dia normal.

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significando em muitas localidades grande parte dos servidores públicos em

atividade, inclusive em quantidade superior ao permitido.

Não obstante existir previsão na Constituição Federal, o assunto deve ser

tratado com muita cautela, pois muitos princípios devem ser observados quando de

sua utilização, como os da impessoalidade, moralidade e eficiência. O interesse

público deve estar sempre atendido, independente da forma de contratação do

servidor, sob pena de se infligir, dentre outros, justamente a ajenidad175.

Com certeza quando se fala em possibilidade de contratação sem concurso

se deseja algo temporário! Fora deste contexto se estaria indo contra a melhor

interpretação constitucional. Mas deve também ter tecnicidade exemplar, para poder

coordenar as equipes que não são especializadas no que pretende o candidato

eleito. Essa é outra razão muito importante para se outorgar cargos em comissão,

ou seja, buscar no mercado privado profissionais preparados para uma função

especifica, os quais não pretendem (até mesmo por perfil) permanecerem atrelados

a um concurso público, mas que ao mesmo tempo pretendem dedicar parte de sua

vida para a causa pública. Como diria Dworkin (2005) com total razão que tudo é

uma questão de princípios, em sua obra com o mesmo nome.

A boa-fé dos servidores em perseguir o desenvolvimento de seu trabalho da

melhor forma possível em busca dos avanços coletivos não pode se confundir com

suas pretensões individuais. Isso agride qualquer possibilidade de conquistar um

futuro melhor, mais sustentável.176

Discorda-se dos que alegam que a manutenção dos cargos em comissão

carrega pesos da época imperial e somente adjetivos negativos. O que se deve

separar é a contratação fora dos ditames da ética e da responsabilidade social das

posições meramente políticas. Essas sim são uma afronta aos princípios da

isonomia e vai contra o acesso ao serviço público.

Deve se levar em consideração a excepcionalidade e o controle e não

meramente o caminho da proibição, da discriminação. Existem profissionais

altamente qualificados em plena atuação no serviço público que não pretendem 175 Utiliza-se o termo em espanhol, pois a tradução para o português traz discussões doutrinárias jurídicas e semânticas, as quais são explicadas adiante. 176 “Sabe-se à saciedade que moral e direito não se confundem, que são conjuntos de normas com diferentes níveis de atuação junto aos homens, tendo este caráter coercitivo ausente daquela. Todavia, é forçoso reconhecer que o direito informa-se das noções morais para se construir um sistema normativo e cada vez mais os conceitos morais não só se conectam com o direito como lhe são o próprio esteio.” (ANTONIO CAMARGO, 2000, p. 280)

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concursar, pois querem somente a dedicação justamente para aquele projeto em

que acreditam, o que certamente fará grande diferença em sua consecução.

A Constituição Brasileira coloca como um de seus fundamentos “a construção

de uma sociedade livre, justa e solidária” 177. Assim, tem-se por orientação aumentar

a isonomia e a igualdade, sempre material, dentre seus cidadãos.

Um reflexo disso é o direito brasileiro ter eleito como sua principal forma de

contratação pública o que entendeu como sendo a mais democratica e menos

discriminatória aos seus olhos, o concurso público, fixado como regra primária em

seu artigo 37, inciso II: “A investidura em cargo ou emprego público depende de

aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo

com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei,

ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre

nomeação e exoneração”.

A legislação brasileira afastou-se do spoil`s system178 americano, mas não

deixou de manter a possibilidade dos políticos escolherem alguns de seus

servidores, sejam dentre os próprios concursados e/ou fora. O sistema misto é, em

tese (não se pode dizer que a administração americana fracassou) mais eficiente,

pois traz menos risco para a sociedade ao permitir a manutenção dos serviços

independente da troca dos governantes do Estado179.

Corretamente está a moderna doutrina de direito administrativo, pois o

sistema de despojos certamente não tem mais papel nos dias de hoje, pois as

atividades são bem mais complexas que antigamente e exigem especialidades que

sequer se conquistam nas universidades, mas sim na experiência da atividade

pública. Determinadas funções são praticamente impossíveis de serem ocupadas

por comissionados, inclusive a própria legislação impede180. Existem os cargos,

funções e empregos públicos181182, cada um com suas características próprias,

177 Inciso I, artigo 3.º, da CF. 178 Sistema americano que se acredita ter sido iniciado por Andrew Jackson, onde os cargos públicos são ocupados por apoiadores dos partidos após uma eleição, em claro agradecimento, não privilegiando o mérito pessoal, como se pretende com o concurso. 179 “gerava inconvenientes graves, quais a instabilidade administrativa, as interrupções no serviço, a descontinuidade nas tarefas, e não podia ser mantido no Welfare State, cujo funcionamento implica a existência de um corpo administrativo capaz, especializado e treinado, à altura de suas múltiplas tarefas.” (FERREIRA FILHO, 1995) 180 Como em algumas comissões de licitação, comissões de julgamento, controle interno, dentre outras, as quais necessitam do comprometimento da estabilidade. 181 Pelos ensinamentos de Alexandre de Moraes (2005, p. 844) está a doutrina tradicional: “cargo público consiste em lugar específico, que possui denominação própria, instituído na

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envolvidos em um sistema que privilegia os princípios do direito administrativo. A

jurisprudência brasileira vem construindo limites para esses conceitos e

interpretações, moldando a forma como as coisas devem ser183. E mais, ao se exigir

o concurso em hipótese alguma se está indo contra as diferenças que são impostas

para as empresas públicas, sociedades de economia mista, sendo obrigatório para

todos184.

A exceção do inciso II, do artigo 37 é a que nos interessa neste estudo, pois o

mote aqui está em filtrar esta possibilidade pela ética e, depois, confrontar com a

responsabilidade do princípio da ajenidad.185

organização do serviço público com um conjunto de deveres e atribuições individuais, a ser provido e exercido por um titular. Função pública consiste no conjunto de deveres e atribuições cometidos precariamente a determinada categoria profissional ou a determinados servidores, para a execução de serviços públicos eventuais. Na hipótese de determinada função ser exercida por quem já é funcionário, normalmente haverá um acréscimo remuneratório. Por fim, quando a função pública é exercida sob o contrato regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, temos caracterizada a conceituação de emprego público, como, por exemplo, os empregados das sociedades de economia mista e empresas públicas.” 182 Para se ter uma noção melhor de todas as possibilidades de atuação: “Esta expressão – agentes públicos – é a mais ampla que se pode conceber para designar genérica e indistintamente os sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda que o façam apenas ocasional ou episodicamente. Quem quer que desempenhe funções estatais, enquanto as exercita, é um agente público. Por isto, a noção abarca tanto o Chefe do Poder Executivo (em qualquer das esferas) como os senadores, deputados e vereadores, os ocupantes de cargos ou empregos públicos da Administração direta os três Poderes, os servidores das autarquias, das fundações governamentais, das empresas públicas e sociedades de economia mista nas distintas órbitas de governo, os concessionários e permissionários de serviço público, os delegados de função ou ofício público, os requisitados, os contratados sob locação civil de serviços e os gestores de negócios públicos. (BANDEIRA DE MELLO, 2006, p. 227). 183 STF – Adin 1326/SC; STF – Adin 1691/DF; STF – Rextr 184.635-6/MT; STF – Rextr 265.261/PR; STJ – MS 4.936/DF; STF – ADI 4178/2010; STF – MS 27604/2010; STF – RMS 28233; STF – RMS 26929; STF – RE 497554, dentre tantos outros julgamentos que estão fixando o norte das contratações brasileiras. (ROCHA FERREIRA FILHO, 2011) 184 STF - Súmula nº 685 - 24/09/2003 - DJ de 9/10/2003, p. 5; DJ de 10/10/2003, p. 5; DJ de 13/10/2003, p. 5.: “É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido.” 185 O eleito que nomeia deve ter responsabilidade sobre o seu comissionado, em todos os sentidos. Essa tese é defendida com base no princípio da ajenidad Cassar (2014, p. 229) explica que: “Ajenidad significa aquisição originária de trabalho por conta alheia. Este princípio revela dois conteúdos: a) que a aquisição do trabalho gera o vínculo de emprego com o tomador que originalmente recebe os serviços do empregado, daí por que a aquisição é originária; b) que o trabalho é exercido para e por conta de outra pessoa. Isto quer dizer que a energia desprendida pelo trabalhador destina-se a outro que não ele próprio e que é por conta deste tomador que ele exerce seus serviços, logo, é o empregador quem corre os riscos deste negócio. Daí exsurge a conclusão de que o natural é que o vínculo de emprego se forme diretamente com o tomador de serviços. A terceirização deve ser considerada como exceção, pois a aquisição do trabalho se dá de forma derivada para a empresa que terceiriza mão de obra. Outra característica que se abstrai deste princípio é o caráter forfetário da relação de emprego, isto é, de que ela é onerosa e os riscos são sofridos apenas pelo patrão.” Em se aplicando tal princípio ao caso ora estudado, temos

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E separando o que se chama de servidores estatais (BANDEIRA DE MELLO,

2006, p. 280) dos demais e ainda, em subdivisão, separando estes se chega aos: a)

servidores titulares de cargos públicos, os antigos funcionários públicos; b)

servidores empregados; c) particulares em colaboração com a administração e d)

concessionários e permissionários de serviços públicos. Ainda apoiando-se em seus

ensinamentos ao se falar nos cargos, tem-se:

Os cargos de provimento em comissão (cujo provimento dispensa concurso público) são aqueles vocacionados para serem ocupados em caráter transitório por pessoa de confiança da autoridade competente para preenchê-los, a qual também pode exonerar ad nutum, isto é, livremente, quem os esteja titularizando.

As normas são importantes para limitar o uso indiscriminado de

comissionados, mas acabou não sendo o suficiente para se coibir o clientelismo e o

nepotismo na época, tanto que o STF acabou por tratar o assunto por uma das

Súmulas mais importantes de todos os tempos de sua história, pois cotidianamente

tal matéria é discutida em quase todos os tribunais brasileiros186 mesmo sendo

vinculante e sua interpretação parecer clara para os que não forçam sua extensão.

O texto constitucional não traz exigências (como existem nos concursos)

técnicas para tais funções, somente determinando a lei anuncie a livre nomeação e

exoneração. Contudo, conforme se defende, isso não implica em nomear pessoas

sem tais características, pois os princípios do direito administrativo também são

normas constitucionais, sendo que a eficiência está estampada como um de seus

nortes.

Portanto, a interpretação não pode ser feita de maneira isolada, como se o

que indica o comissionado pudesse nomear para o cargo quem assim desejar, pois

que o Estado contrata o servidor comissionado e remunera este para que preste algum serviço público. Contudo, o servidor acaba atuando somente em benefício do seu indicador, de seu chefe real, do agente que ordenou sua nomeação. 186 Súmula Vinculante 13: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.” Data de Aprovação: Sessão Plenária de 21/08/2008.

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se assim o fizer estará indo contra o caput do mesmo artigo que o autoriza! Pensar

de forma contrária é agir como um leitor, no mínimo, desatento.

Assim, espera-se uma maior atenção aos princípios que envolvem o direito

administrativo e o direito do trabalho. O importante é que haja a integração dessas

normas, princípios e regras, para que se chegue ao que todos esperam, ou seja,

alcançar os valores supremos da nação brasileira expostos na Constituição Federal

desde o seu preâmbulo. Apesar da Emenda Constitucional 19/98 tratar das

possibilidades de contratações de comissionados, necessita ser interpretada aos

olhos dos princípios de direito administrativo, sob pena de sistema americano citado

acima ser incluído de forma indireta no seio do serviço público e certamente não foi

esta a intenção do legislador.

Os ocupantes de cargos públicos devem agir no todo do contexto ético, que

deve regrar toda sua conduta, bem como pensar em sua comunidade, em sua

representatividade. Isso é agir com ética, com moralidade! Enfim, aí está a ética no

serviço público, diferente da ética pessoal, individual! As pessoas devem ser a

mistura de todas as posições, pensando no coletivo e na sustentabilidade em todos

os sentidos, sempre!

Fala-se em estar de acordo com as leis porque como diz Bittar (2010, p. 596):

Gerir com responsabilidade é um dever jurídico, sem dúvida, mas, sobretudo, um dever ético, decorrente da própria confiabilidade depositada pelo eleitor sobre o eleito. A quebra deste pacto, desta aliança, desta relação, em que um credita ao outro um conjunto de poderes para agir e gerir em seu lugar, abre a possibilidade de se autorizar o fim da gestão política e a punição dos culpados.

O motivo de o presente trabalho abordar a situação ética do candidato eleito

quanto a sua equipe está na importância de tal atividade, ou seja, o bem estar social

da coletividade e a representatividade desta. Tanto que, em verdade, o mercado

privado premia o profissional competente com maiores salários que o público

comprovando que na maioria das vezes o trabalho que ele representa é ideológico e

não de cunho financeiro! Ademais, isso não pode ser motivo para se pensar que

todos que atuam no serviço público lá estão para aumentar seus rendimentos de

forma espúria e ilegal através de beneficiamento pessoal. Muitos, certamente a

maioria, estão sim em busca de uma função recheada de interesses públicos e

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normalmente se contentam com salários menores que o privado, mas bastante

suficiente para uma vida digna. Não é somente o dinheiro que lhes move.

A profundidade de raciocínio chega neste momento para se compreender que

o problema, como já dito, não está somente em um comissionado mal intencionado

ou em seu chefe de mesmos pensamentos, mas sim em todo o conjunto que forma

o Estado, que deve prevenir, fiscalizar e punir, formando uma corrente de três atos

que lhe assegurará um resultado mais justo e solidário.

O homem não deve deixar de evoluir, de pensar em como melhorar suas

atitudes como parte do avanço da sociedade. Bauman (2013, p. 27) e sua

modernidade completam: “O progresso, em suma, passou do discurso da melhoria

compartilhada da existência para o discurso da sobrevivência pessoal. [...]

Pensamos em “progresso” não no contexto de elevar nosso status, mas de evitar o

fracasso.”

A permanência na inércia é a mais fácil das atitudes e se tomar em um

mundo que precisa de mudanças. Quem somente reclama e não age (somente

vota), está impedido de exigir mudanças. Isso serve desde o cidadão mais impúbere

de direitos ao mais completo de deveres.

Por todos os motivos citados neste estudo, bem como tantos outros, que as

nomeações de comissionados, devem ser estudadas pela doutrina e debatidas no

poder judiciário, construindo sempre uma corrente que busque a ética de tais

relações. Como dito, em nenhum momento se questiona a necessidade da

existência de comissionados, o que já foi explicitado durante o texto, mas sim a

régua ética da eficiência e do interesse público quando ele presta seus serviços.

O fim dos abusos passa pela prevenção, fiscalização e punição dos excessos

praticados, não somente pelos comissionados, mas também pelas pessoas

beneficiadas irregularmente por esses servidores. A doutrina do direito do trabalho

também poderá ser utilizada para tal finalidade, como também já é feito pelo direito

penal, administrativo e eleitoral.

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5.2 A RESPONSABILIDADE PELA SUSTENTABILIDADE.

A pobreza e exclusão social alcançaram espaços no rol das prioridades como

antes não se visualizava, embora estivesse nas atenções das políticas públicas187.

Certamente não há como o cidadão aceitar a invisibilidade e conviver diariamente

com as desigualdades nas ruas das cidades e até mesmo nos campos. Nestes

últimos o fenômeno é mais raro, mas já existe, visto que não são mais privilégios

negativos das grandes massas.

Não existe interesse público maior a ser atendido atualmente que extirpar de

vez a fome, certamente a pior de todas as doenças sociais. Os países onde não

existe politica pública séria de combate à fome certamente são vistos com maus

olhos por todo o globo, que traçará o raciocínio lógico de que o motivo de tal

ausência administrativa não é incompetência e o despreparo, mas sim a

manutenção de uma política assistencialista mínima que não permite a melhoria do

bem estar social, o desenvolvimento de ideias e o bem estar comum. A pretensão é

manter o povo com fome para que não tenha como ter forças sequer para reclamar

por mudanças.

Quem tem fome, não estuda, não cresce, não evolui, não sorri, mas vota!

Schwartzman (2004, p. 13) conta sua experiência pessoal:

Quando a TV ainda engatinhava em Belo Horizonte, participei de um programa ao vivo com uma senhora da tradicional família mineira e organizadora de bailes beneficentes. Fiquei chocado quando percebi que não conseguiria convencer o apresentador, e muito menos o público, de que o que ela fazia era cínico e nocivo, mantendo os pobres iludidos pelas migalhas que sobravam das festas da alta sociedade. Como ousava aquele garoto, de mineiridade incerta, duvidar do espírito caridoso da elegante dama? Falar com os pobres não adiantava muito. Ao visitar um barraco de favela, comentei com o morador as péssimas condições em que ele vivia, tentando estimular sua consciência de classe. A resposta foi de indignação. Ele era pobre, sim, mas tinha orgulho de seu barraco limpo e arrumado. Que direto tinha eu de dizer que ele levava uma vida miserável?

187 “Até há 20 ou 30 anos, os temas que preocupavam os cientistas sociais eram referentes ao desenvolvimento econômico, à modernização, à participação política, à democracia e à mobilidade social. Hoje, o tema dominante é o da pobreza e da exclusão social. Não é que os temas da pobreza e da exclusão não estivessem presentes no passado, mas eles eram visto como uma decorrência de problemas, deficiências ou desajustes na ordem econômica, política e social que seriam resolvidos e superados na medida em que esses problemas, deficiências e desajustes fossem sendo equacionados.” (SCHWARTZMAN, 2004, p. 7)

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É forte a presença do já citado mito da brasilidade de Souza (2009), sendo

que sequer é percebido pelo pobre o quanto ele é explorado, inclusive como base de

uma propaganda enganosa de caridade e assistencialismo da classe mais

favorecida, que em verdade não pretende ajudar em nada, mas sim manter aquele

evento social como mais uma das formas de diversão e de cumprimento virtual de

dever. Possivelmente após um ato miserável como o citado, o qual em

absolutamente nada se diferencia da esmola nos sinaleiros, os nobres conseguem

dormir tranquilos em seus travesseiros de plumas de ganso.

Isso tudo, mutatis mutandis, deve ser transferido para as políticas públicas,

pois estão nelas as maiores possibilidades dessa realidade ser alterada. Primeiro,

devem ser combatidas com todas as forças a fome e a falta de saúde da população.

Praticamente no mesmo diapasão e não menos importante188 deve ser focada a

educação do povo. Sem fome, com saúde e educação qualquer país melhorará em

todos os aspectos. Aprender com os erros e acertos de politicas públicas (e não tão

públicas assim) antigas parece um bom começo para se dizer que o atual

representante está agindo com ética.

Amartya Sen189 já ensinou que o desenvolvimento somente impera quando

não existem amarras de privação de liberdade. Trabalhar, somar riquezas, adquirir

conhecimentos, aumentar os relacionamentos e tudo mais que se possa ter na vida

somente se faz útil se for para a manutenção da liberdade. Além disso, busca-se

longevidade saudável, digna e sustentável. A fuga desses objetivos para qualquer

Nação importa em alguma forma de escravagismo, mesmo que oculto, mesmo que

não seja internamente dentre as pessoas, mas sim externamente, em consideração

a outros Países.

188 A educação aqui é colocada em segundo plano por motivos simples: não existe como estudar com fome e doente! Assim, a política de não exclusão da fome e de manutenção de uma saúde pública pouco acessível faz com a população não tenha forças para se dedicar e se preocupar com outras necessidades, principalmente os estudos. É certo que o emprego também comparece neste momento como imprescindível, pois a dignidade somente se é alcançada mediante uma remuneração suficiente para um pai de família, o que vai propiciar que este incentive a manutenção de seus filhos na escola. Contudo, absolutamente nada disso existe sem antes extinguir-se a fome e a falta de saúde. 189 “O desenvolvimento tem de estar relacionado sobretudo com a melhora da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos. Expandir as liberdades que temos razão para valorizar não só torna nossa vida mais rica e mais desimpedida, mas também permite que sejamos seres sociais mais completos, pondo em prática nossas volições, interagindo com o mundo em que vivemos e influenciando esse mundo.” (AMARTYA SEN, 2010, p. 29)

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O Brasil190 é gigantesco e por isso dotado de características únicas!

População enorme, geografias e culturas diversificadas. São diferentes suas

prioridades, suas valorizações, suas verdades! Falar em desenvolvimento hoje sem

agir localmente não trará qualquer resultado concreto e durável. Em algumas

cidades se precisa de absolutamente tudo, como água (quiçá tratada), enquanto

regiões inteiras de outro lado clamam por investimentos para socorrer aos danos

causados pela chuva. A desertificação de algumas áreas no Brasil é uma realidade,

mas ao mesmo tempo se verifica que atitudes localizadas, com absoluta certeza

através de uma forma de biopolítica, mudam o cenário.

O Brasil sempre foi um país difícil, onde até mesmo os menos favorecidos

quando enriquecem de alguma forma se esquecem rapidamente das origens e

entram em uma autotutela de classe absurda aos olhos de qualquer realeza

verdadeira. A maioria dos ricos do terceiro mundo é preconceituosa ao máximo e

não pensa em melhorar a vida de todos, mas sim de manter o estilo escravagista

herdado pelo passado. Devemos mudar o sentido das coisas, pois não podemos

viver mais achando que o importante é o lucro das empresas e o próprio em

detrimento dos outros brasileiros, nossos irmãos. Isso deve ser o norte dos políticos

com ética ao incentivar o trabalho, produções locais e micro empresas.

Darcy Ribeiro (2006, p. 404) ao escrever sobre o povo brasileiro fala do

passado como se estivesse falando do presente:

Essa primazia do lucro sobre a necessidade gera um sistema econômico acionado por um ritmo acelerado de produção do que o mercado externo dela exigia, com base numa força de trabalho afundada no atraso, famélica, porque nenhuma atenção se dava à produção e reprodução das suas condições de existência. Em consequência, coexistiram sempre uma prosperidade empresarial, que às vezes chegava a ser a maior do mundo, e uma penúria generalizada da população local.

190 Uma coisa é certa: O Poder Público será ainda por muitos e muitos anos o maior e melhor meio de crescimento aonde os investimentos de empresas privadas não chegam, seja por conta do baixo índice de renda da população, seja pela dificuldade de acesso aos insumos industriais, ocasionados, dentre outros fatores, pela falta de infraestrutura. Por conta disso, qualquer alteração na legislação vise melhorar o sistema de política pública é bem vinda. Avanços não podem permanecer somente nos grandes centros e para as finalidades originais de sua implantação, mas sim deve ser a alavanca para o início de revisão de todo o arcabouço das normas brasileiras, pois somente assim será difundido para todos os cantos do Brasil.

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Precisamos dar a atenção necessária ao interesse público como o que irá

salvar a Nação do atraso. Ninguém mais suporta o atropelo de decisões tomadas

com base na pauta da mídia e das mortes de filhos de artistas ou de invasão de

computadores de famosos. Aqui entra o político ético, o qual atende sim o chamado

da população naquele momento de pressão da mídia, mas ao mesmo tempo procura

olhar aquele caso como uma forma de atender aos anseios da população, de todos

o que estão ligados a situações similares todos os dias.

Diariamente milhares de mulheres são agredidas por homens que não

compreendem o fim do relacionamento, como se a mulher fosse mais uma de suas

garrafas de uísque ou outro carro seu, enfim, sua propriedade. Contudo, elas vão

aos montes às delegacias brasileiras denunciar os maus tratos e algumas chegam a

anunciar seus ulteriores assassinatos, que muitas vezes realmente acaba

acontecendo, mas quando uma artista da TV sofre uma agressão o país para e julga

imediatamente o agressor como se isso não ocorresse todos os dias. Temos que ter

vergonha disso, pois tampar o sol com a peneira e dar atenção somente a casos

famosos é manter o já citado mito da brasilidade.

Contudo, é nesse momento que o homem público com ética aparece e mostra

sua capacidade de atender ao chamado, tanto individual quanto coletivo, tomando

decisões que amparem a todos, bem como que remedia o clamor momentâneo.

Outro político que não se pode mais aceitar é político corta fita, aquele que

aparece somente no ato de inauguração de obras para literalmente cortar a fita do

lançamento do evento e aparecer nas fotos como se aquilo fosse fruto de seu

trabalho. Aqui temos três erros grosseiros e culpados, sendo que cada um deles é

solidário: a) o administrador público que realmente foi o responsável por aquela obra

na verdade estava somente fazendo sua obrigação e não deveria utilizar aquilo

sequer para sua própria divulgação, quiçá permitir que outro venha para dividir os

louros; b) o político que vem para roubar tais louros, que deveria se envergonhar de

precisar de obras de outras pessoas para lograr vantagens pessoais; c) o eleitor, na

verdade neste caso um dos maiores culpados, pois se os políticos vão até o evento

é porque isso dá resultado nas eleições.191

191 Muitas vezes foi abordado o quanto a atuação do eleitor também é importante para a manutenção da ética na política. Não basta ir as ruas quando o clamo público assim chama, pois um País com ética se constrói no dia-a-dia, através de condutas das mais diversas e comuns. O maior exemplo disso é a reeleição, onde os mesmos políticos são sempre recolocados no poder mesmo diante de acontecimentos negativos de notório conhecimento.

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O eleito deve buscar o máximo de eficiência nos atos de implementação das

políticas públicas. É unânime na doutrina nacional que agir com eficiência é agir com

presteza e perfeição, buscando o máximo possível de resultados positivos. Assim,

qualquer ato que leve a resultados mais positivos, dentre eles a velocidade e a

economia, está amparado pelo princípio da eficiência. É o conhecido mais com

menos.

Bandeira de Mello (2009, p. 110) trata do assunto com objetividade e clareza

ao afirmar, já em edição de 2006 (há quase 10 anos) de sua obra mais consagrada:

Quanto ao princípio da eficiência, não há nada a dizer sobre ele. Trata-se, evidentemente, de algo mais do que desejável. Contudo, é juridicamente tão fruído e de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno agregado ao art. 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos que buliram no texto. De toda sorte, o fato é que tal princípio não pode ser concebido (entre nós nunca é demais fazer ressalvas óbvias) senão na intimidade do princípio da legalidade, pois jamais uma suposta busca da eficiência justificaria postergação daquele que é o dever administrativo por excelência. Finalmente, anote-se que este princípio da eficiência é uma faceta de um princípio mais amplo já superiormente tratado há muito, no Direito italiano: o princípio da “boa administração.”

É simples compreender o que o professor disse em sua obra. Ele não está

contra o princípio da eficiência (está muito a favor) e lembra que na verdade já era

obrigação do Estado agir com eficiência, pois se agir em conformidade com a lei já

estaria sendo eficiente. Assim, o princípio veio somente para ratificar uma obrigação

da Administração que já deveria estar sendo cumprida, que deve ser excelente e

boa por natureza, tanto que ele cita o princípio da boa administração, já de larga

expressão na Itália.

Está na hora dos representantes brasileiros serem eficientes e pararem de

aprovar leis e mais leis para falarem das mesmas coisas, como se isso fosse

necessário para a aplicação de uma norma. Se a lei é fruto da vontade popular, deve

o Estado aplicar de pronto, oferecer mecanismos para isso e não permanecer em

um ato eterno de novas votações, de novas leis, tudo sobre a mesma coisa.

A pergunta é: O Estado passou a ser eficiente somente após a aprovação

constitucional expressa de tal norma? Ora, o estado deve ser eficiente, pois é para

Se o político vai ao evento cortar a fita é porque o eleitor também estará lá para ver e votará nele tão somente por conta disso. Enquanto isso perdurar, ou seja, a conduta do eleitor votar em mensagens que beiram o estelionato, o Brasil não mudará.

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isso que surgiu, ou seja, para coordenar com maior eficiência que o particular as

suas próprias questões e as do coletivo.

Medauar (2006, p. 129) lembra que o princípio da eficiência192 já constava na

Lei Orgânica do Município de São Paulo desde 1990, com mote nos serviços

públicos. Trata o seu artigo 123: “Ao usuário fica garantido serviço público

compatível com sua dignidade humana, prestando com eficiência, regularidade,

pontualidade, uniformidade, conforto e segurança, sem distinção de qualquer

espécie.”

Caso os serviços públicos fossem prestados com eficiência, sequer seria

necessário se falar nas outras características que a lei paulistana trouxe, pois

regularidade, pontualidade, uniformidade, conforto e segurança já são adjetivos que

se espera de um serviço público. Assim, agir dessa forma é nada mais que agir de

forma eficiente!

O conceito de princípio da eficiência de Alexandre de Moraes193 é completo,

não deixando dúvidas do que ele defende:

Assim, princípio da eficiência é o que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primado pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar

192 Mesmo antes da Emenda 19/98, a eficiência já estava presente conosco, senão pelo que já foi dito, mas também pelo sistema integrado que caminham os poderes, legislativo, judiciário e executivo, pois eles se fiscalizam entre si e, por fim, o poder judiciário de alguma forma dá, em tese, a última palavra. Assim, a avaliação da forma como a administração atua não é outra coisa a não ser a aferição da eficiência em diversos sentidos do termo, que se inicia com o “consumidor/cidadão” e se encerra com a luta desses por melhores condições nos demais poderes. 193 Mas as críticas existem, Alexandre de Moraes cita em sua obra a interpretação de Maurício Ribeiro Lopes: “Em sentido contrário, criticando a adoção do princípio da eficiência, Maurício Ribeiro Lopes afirma “inicialmente cabe aferir que eficiência, ao contrário do que são capazes de supor os poderes do Poder Executivo federal, jamais será princípio da Administração Pública, mas sempre terá sido – salvo se deixou de ser em recente gestão política – finalidade da mesma Administração Pública. Claudia Fernanda de Oliveira Pereira também critica a inclusão do princípio da eficiência, afirmando que a substituição do princípio da qualidade do serviço público, aprovado no 2º turno da Câmara dos Deputados, “parece não ter sido a melhor escolha, já que tem sentido mais restrito aquela.” Sem ter a audácia de questionar tão ilustre doutrinador, mas em verdade não se vê nas palavras acima um ato contrário ao princípio da eficiência, mas sim o que vários afirmaram no sentido de que a eficiência sempre foi ou ao menos deveria ter sido perseguida pela administração pública. O que essa corrente quer dizer é que não existiu novidade, que alterou a vida do direito administrativo, mas sim, a mera ratificação, agora expressa, do que nunca deveria ter tido a necessidade de virar norma.

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desperdícios e garantir uma maior rentabilidade social. (ALEXANDRE DE MORAES, 2005)

O conceito acima é bastante abrangente e devemos dialogar com ele para

compreender, brevemente, alguns pontos. Em que consiste perseguir o bem

comum? Seria administrar para todos e por todos, sempre pautando pelos

interesses da coletividade e não da subjetividade. A régua deve ser o que a

comunidade espera e mais, naquele momento da história e naquela localidade, pois

o bem comum também se altera conforme o tempo e o espaço.

Não se está falando em flexibilidade de moral. Bem comum não se confunde

com moral, mas sim se completam os institutos. Exercitar suas competências de

forma imparcial, neutra, transparente. Ora, é por essas razões que a doutrina afirma

(e é verdade) que os princípios se encontram, pois agir dessa forma é atuar com

isonomia e impessoalidade.

Contudo, é necessário frisar o que resta explicado em outra parte do trabalho,

que a igualdade que se busca não é a formal, mas sim a material, onde os desiguais

assim devem ser tratados, para que todos possam alcançar as mesmas

oportunidades. Agir de forma participativa, eficaz, sem burocracia, é necessário para

que o cidadão tenha a possibilidade de expor o que entende estar errado, bem como

o que está certo. Participar ao cidadão o que é feito e decidido no campo da

administração é um sonho, ainda um pouco distante para o Brasil, mas que já é

realidade de países mais desenvolvidos.

E não se fala somente de países da Europa, Ásia ou América do Norte, mas

sim muito próximos ao Brasil, como no caso do Chile e Argentina. Embora nossos

vizinhos tenham passado por momentos de grandes dominações e baixa

participação popular, atualmente a realidade é outra. No Chile, por exemplo, existe o

dia da prestação de contas do Presidente, que sai de Santiago e vai até Valparaíso

onde toda a população e o Congresso o espera.

Parece um ato simples e até existe tal disposição no Brasil, mas as origens e

consequências de tal ato naquele País são concretas e não meramente formais. Em

Buenos Aires e em Santiago, exemplificando serviços simples do cotidiano, o metrô

além de mais barato que em São Paulo e Rio de Janeiro são infinitamente melhores

em todos os sentidos, desde a limpeza ao número de linhas. Isso é eficiência com

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dinheiro público! Seja ele depois privatizado ou não, a verdade é que a finalidade foi

atendida, fruto também da participação do povo, que brigou e foi ouvido!

Recentemente no Brasil vimos nas ruas grande parcela da população, a qual

saiu indignada com o que está ocorrendo no País, mas a falta de objetividade e

organização destruíram as manifestações e absolutamente nenhum resultado

concreto se viu. Muitos colocam a culpa somente no povo, que teria ido para as ruas

sem um norte, mas a verdade é que a culpa é da administração. Primeiro, que se ela

tivesse feito as coisas direito, como citado acima, ninguém estaria nas ruas e,

segundo, que ao ver sua população nas ruas, deveria a administração ter aberto

canais concretos, eficazes e sem burocracia para que as vozes chegassem aos que

governam o País.

Vendo que nada daria resultado, muitos partiram para a violência e

vandalismo, o que não se pode aceitar e deve ser punido com seriedade, mas não

deixa de ser uma forma abrupta de exercer o que um dia se chamou de poder

originário na Década de 80. Por fim, o conceito fala em evitar desperdícios e maior

rentabilidade social, ou seja, se está falando em economia de dinheiro e mais frutos

para a sociedade! E isso não vem junto, pois é perfeitamente possível que a

administração opte por solução de maior valor, desde que atendias as questões

sociais.

Em cidades mais pobres, o que importa são obras que atendam às funções

sociais que a população necessita, como água, comida, emprego e desenvolvimento

local. Onde falta água, por exemplo, seria de muito maior valor contratar alguma

empresa local, que fosse formada por cidadãos locais, que dessem empregos locais

e, além disso, cuidasse do meio ambiente com soluções definitivas e sustentáveis

na própria comunidade. Contudo, certamente é mais barato simplesmente comprar

água de uma multinacional e servir no local, pois não se teria obra, nem nada, mas

sim mera compra e distribuição. Então, nem sempre o mais barato é o mais eficiente

em se falando de sustentabilidade local. Não se pode esquecer-se da dignidade da

pessoa humana, direito basilar de qualquer nação enraizada por uma

Constituição.194

194 “El Estado constitucional de cuño común europeo y atlántico se caracteriza por la dignidad humana como premisa antropológico-culturalpor la soberanía popular y la división de poderes, por los derechos fun-damentales y la tolerancia, por la pluralidad de los partidos y la inde-pendencia de los tribunales; hay buenas razones entonces para caracterizarlo

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Seria atendida a sede do povo? Sim, de forma direta! Mas e a

sustentabilidade e desenvolvimento social local? Porque não resolver diversos

problemas locais por meio de uma só licitação? Isso é ser eficiente, além de cumprir

o papel do desenvolvimento nacional sustentável.

O foco do serviço público eficiente a ser prestado deve estar no usuário e não

na prestação do serviço, ou seja, a administração deve alcançar o que deseja o

cidadão que vai se utilizar de seus serviços e buscar isso com o máximo de

positividade.

E a eficiência da administração está em todos os seus campos, como

exemplifica Coutinho (2002, p. 65) ao falar da regulação:

Pode, enfim, a regulação ser um fator de indução do crescimento econômico e também do aumento do bem estar social? Uma das possíveis formas de se abordar essa questão é adotar como ponto de partida a noção de eficiência econômica em suas diferentes acepções. Com base na distinção entre eficiência alocativa e eficiência distributiva, busca-se apontar os dilemas e desafios que enfrenta a regulação que se pretenda atenta não somente à dimensão do bem estar agregado da coletividade (eficiência alocativa), mas também à forma com que se distribuem os ganhos e benefícios, decorrentes do aumento do bem estar geral, entre os destinatários dos serviços públicos regulados (eficiência distributiva)

O bem estar social aparece novamente como uma forma de se alcançar a

eficiência e não pode existir outra melhor, pois uma comunidade onde a

administração consegue alocar distribuir seus recursos para tal finalidade está

conseguindo ser eficiente em seu mais alto grau de conceituação. No raciocínio de

Mello é fazer chegar (alocar) serviços públicos195 onde não existem, onde são

necessários para o mínimo de infraestrutura local.

elogiosamente como democracia pluralista o como sociedade abierta.” (HABERLE, 2003, p. 3) 195 “[...] para estar presente um objeto mencionável como serviço público devem concorrer cumulativamente os seguintes requisitos: a) tratar-se de uma prestação de atividade singularmente fruível pelos usuários; b) consistir em atividade material; c) destinar-se à satisfação da coletividade em geral; d) ser reputada pelo Estado como particularmente importante para a satisfação dos interesses da sociedade; e) ter sido havida como insuscetível de ser relegada tão só aos empreendimentos da livre iniciativa, razão por que a assume como pertinente a si próprio (ainda que nem sempre com exclusividade); e f) submetê-la a uma específica disciplina de direito público.” (BANDEIRA DE MELLO, 2009. p. 274/275)

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Oportunizar a valorização do trabalho humano em todos os seus sentidos

também é uma forma do Estado agir com eficiência, pois gera efeitos sociais,

dignifica a pessoa humana e traz bem estar e desenvolvimento. Fica o entendimento

de Maria Gomes Setti (2010, p. 111):

Como se vê, todo o projeto constitucional é amparado pelos tratados internacionais que o precederam e impulsionando pelas necessidades sociais e pelo contexto sociocultural nacional que pretende a proteção da dignidade humana através do respeito a valor social do trabalho. Não se pode conceber, assim, que a prática mostre situação oposta na qual a dignidade do trabalhador seja aviltada pelo poder econômico das empresas.

A melhor política pública é a que busca a igualdade, material, em todos os

momentos. Quanto menores forem as diferenças (aqui se fala sim em dinheiro e

estudo) entre as pessoas, mais chances tem a Nação de alcançar um patamar maior

de bem estar. O legislador ao buscar a igualdade está de acordo com o humanismo

do outro, pois efetivamente todos somos iguais, nascemos e morremos, sendo que a

vida é o reflexo da atualidade. Se seremos mais ou menos acorrentados (como dizia

Rousseau) após o nascimento é fruto do que a sociedade atual permitiu, ou seja,

qual ambiente foi preparado pelos antecessores para minha chegada.

Lutar pela isonomia196 deve é responsabilidade primária de todos,

principalmente do representante. Dentre os conceitos da isonomia/igualdade, é

necessário se compreender que tal direito e dever também deve ser exercido pelo

legislador e não somente pelos órgãos administrativos e pelo poder judiciário. O

legislador também está adstrito a tal norma e assim deve observar que a isonomia

esteja sempre garantida para a boa e correta aplicação da lei que está sendo criada.

O Supremo Tribunal Federal197 já se manifestou em tal sentido.

196 Bandeira de Mello (2006, p. 102), ao falar dos princípios de direito administrativo, identifica o princípio da impessoalidade como sendo o próprio princípio da igualdade ou isonomia: “Nele se traduz a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia.” 197 “O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA - A QUESTÃO DA IGUALDADE NA LEI E DA IGUALDADE PERANTE A LEI (RTJ 136/444-445, REL. P/ O ACÓRDÃO MIN. CELSO DE MELLO). - O princípio da isonomia - que vincula, no plano institucional, todas as instâncias de poder - tem por função precípua, consideradas as razões de ordem jurídica, social, ética e política que lhe são inerentes, a de obstar discriminações e extinguir

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Ricardo Martins (2011, p. 87) ensina que “eficiência e equidade são conceitos

econômicos fundamentais”. Agir com a economia esperada é tratar o dinheiro

público com o respeito que a Sociedade espera da administração. O Autor ainda fala

em “máximo de valor pelo mínimo de custo”. Assim, é indiscutível que se mais

econômico (embora não seja somente este o caminho) normalmente198 se está

sendo eficiente.

A política pública e o interesse público, portanto, refletem o todo ou parte dos

fatores citados e tantos outros que poderão ser abordados ulteriormente. O que

efetivamente importa é o pensar no próximo com o máximo de suas forças.

Miguel Kfouri Neto (2014, p. 412), demonstra a necessidade de investimentos

na política pública que vise a sustentabilidade:

Conforme assinala Cristiane Derani, em criteriosa análise sobre a função política estatal e suas transformações, no sentido de crescente diálogo com a sociedade: “Uma sociedade mais democrática, mais consciente, com instrumentos de maior participação, é uma sociedade em que a política pública conterá de maneira mais fiel a força decisória da sociedade.” [...] O desenvolvimento sustentável, consoante os fundamentos firmados pela Declaração do Milênio (ONU, 2000) e o compromisso assumido pelos Chefes de Estado e Governo, no Documento “O Futuro que Queremos” pressupõe para sua implementação “[...] uma ampla participação pública na tomada de decisões”.

Conforme afirmado acima, a ligação entre democracia e política de

sustentabilidade é latente, pois os instrumentos de participação popular são mais

eficientes em uma sociedade que busca melhorias reais na comunidade. As políticas

públicas devem estar sempre voltadas a melhor atende aos anseios de um futuro

melhor, das próximas gerações. Isso é agir com ética.

Rousseau (2004, p. 23) já afirmava:

privilégios (RDA 55/114), devendo ser examinado sob a dupla perspectiva da igualdade na lei e da igualdade perante a lei (RTJ 136/444-445). A alta significação que esse postulado assume no âmbito do Estado democrático de direito impõe, quando transgredido, o reconhecimento da absoluta desvalia jurídico-constitucional dos atos estatais que o tenham desrespeitado. Situação inocorrente na espécie.” (AI/360461 - AG. REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO, STF, Relator Ministro Celso de Mello, DJE 28/03.2008). 198 O normalmente aqui fica ao encargo do desenvolvimento sustentável local. Este trabalho entende que a eficiência tem por regra mestre a representatividade, tema central do estudo. Em sendo assim, tudo nasce do atendimento do interesse público local, em todos os seus sentidos, inclusive quanto à sustentabilidade, que deve ganhar o sopesamento do princípio da economia (logicamente que dentro de uma razoabilidade) se ocorrer este confronto durante o percurso da contratação.

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Entro no assunto sem demonstrar a sua importância. Perguntar-me-ão se sou legislador ou príncipe, para escrever sobre política. Respondo que não, e por isso escrevo sobre ela; a ser eu príncipe ou legislador, acaso perderia o tempo em indicar o que se deve fazer? Haveria de fazê-lo, ou calar-me.

Como no mundo atual a realidade é, em tese, mais democrática, é

importante dialogar constantemente e confrontar os paradigmas sem se afrontar

verdades ou mitos. Hoje “não basta mais o apenas existir. É garantida a existência

com o mínimo de justiça social” (BERTONCINI, 2012, p. 165), pensamentos

puramente financeiros devem ser afastados como todas as forças, através da

vigilância dos sábios, controle dos justos e honestos, poder da lei e responsabilidade

dos pais do futuro.

A sustentabilidade deve ser a principal atuação do Estado hoje. Não existe

economia no mundo que suporte financiar as necessidades da sociedade

eternamente. Elas devem ser sustentáveis. Não se está falando somente das

soluções que protejam o meio ambiente, mas sim de sustentabilidade em todos os

sentidos possíveis em uma comunidade.

Apesar da impossibilidade de todos os projetos sociais tomarem vida própria

e serem mantidos por si só, a grande maioria detém tal característica. Não é

simples, pois tal questão passa também pela conduta dos cidadãos, que devem

compreender que o interesse público é um círculo, onde tanto o estado quanto o

habitante pertence ao giro. Todos devem trabalhar em conjunto para que os

objetivos sejam alcançados.

Outra questão que deve ser compreendida pelos representantes do povo é

que o paternalismo deve ser evitado. O assistencialismo é a última das opções,

devendo ser dirigido para quem realmente precisa, deve ser temporário e sempre

buscar sua desnecessidade, ou seja, que o cidadão consiga sair da situação em que

se encontra, permitindo que outros possam ser atendidos e que, principalmente,

haja a evolução na distribuição das ajudas do estado:

O paradoxo dessa situação é que, enquanto os especialistas que trabalham com números, dentro e fora do governo, apontam as grandes iniquidades na distribuição de benefícios sociais no Brasil e defendem a necessidade de uma reforma que distribua melhor os recursos existentes e atenda de preferência os mais necessitados, muitos dos políticos, e a opinião pública como um todo, não consideram esse o problema central, preferindo

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enfatizar a necessidade de ampliar os benefícios de poucos para todos. Nessa visão, os recursos públicos seriam ilimitados, mas, menos se existissem limites, eles seriam explicados pela corrupção, ou pelo atendimento privilegiado a interesses privados, ou internacionais. [...] Em essência, essa interpretação tende a não ver, ou não levar em devida conta, a história de exclusão social e marginalidade que sempre existiu no país. [...] Enquanto esse “capitalismo defeituoso” não se corrige, o paternalismo, em suas diversas manifestações, aparece como a única alternativa de atendimento às necessidades sociais cada vez mais prementes, ou pelo menos cada vez mais presentes nos meios de comunicação de massa: a distribuição de cestas de alimentos, as campanhas de cobertores e outros bens para o Natal, os apelas ao trabalho voluntário. (SCHWARTZMAN, 2004, p. 28)

Uma política de maior foco na sustentabilidade e menos no assistencialismo e

paternalismo de cunho visivelmente eleitoreiro pode transformar qualquer País em

uma Nação que pensa no bem comum de toda a sua população. Umas das receitas

é a municipalização das políticas públicas, pois quanto mais perto do seu destino

estiver o ato de transformação, maior será sua eficiência. As pessoas, físicas e

jurídicas, em sua imensa maioria são locais, ou seja, estão nos municípios. Assim,

as atitudes que estes tomarem para tal dominação serão preponderantes para a

alimentação de toda a cadeia. Isso tudo ocorre nos Municípios!

Dialogar com base nessas finalidades é preciso! São nos Municípios que

vivem as pessoas, que atuam as empresas (principalmente as pequenas e médias),

que se produzem as maiores riquezas e empregos do País. Nas veias dos

Municípios (zona urbana e rural) onde se vive diariamente com a busca do

desenvolvimento sustentável em todos os seus sentidos e onde a rede de poder

funciona. Não vivemos mais a era do poder centralizado. As palavras do então

Ministro Guido Mantega (2003, p. 67):

O último ponto de um projeto de desenvolvimento é a consolidação de um mercado de consumo de massa. Talvez seja uma das marcas de um projeto de desenvolvimento do governo dos trabalhadores. [...] Nós pensamos num crescimento econômico com distribuição de renda e diminuição das desigualdades sociais. Isso evidentemente vai produzir mais renda para os assalariados, para os setores menos afortunados da sociedade brasileira.

Então, a população de menor renda será essencial para o crescimento do

Brasil, pois é nela que está a maior parcela da população. Indústrias e comércio

lutam por essa fatia para atingir estes consumidores, que ao mesmo tempo também

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precisam fazer parte desse sistema para poder ter o mínimo de acesso aos bens de

consumo, por mais básicos que sejam. Isso é poder ramificado. Poder de decisão de

consumo.

Não se buscou encerrar o assunto neste breve e ínfimo levante de

informações e paralelos, mas sim dar início a uma pesquisa, que humildemente

pretende abordar seus pensamentos, como os abaixo, que a suspende por hora:

De uma maneira geral, os mecanismos de poder nunca foram muito estudados na história. Estudaram-se as pessoas que detiveram o poder. Era a história anedótica dos reis, dos generais. Ao que se opôs a história dos processos, das infraestruturas econômicas. A estas, por sua vez, se opôs uma história das instituições, ou seja, do que se considera como superestrutura em relação à economia. Ora, o poder em suas estratégias, ao mesmo tempo gerais e sutis, em seus mecanismos, nunca foi muito estudado. Um assunto que foi ainda menos estudado é a relação entre o poder e o saber, as incidências de um sobre o outro. Admite-se, e isto é uma tradição do humanismo, que a partir do momento em que se atinge o poder, deixa-se de saber: o poder enlouquece, os que governam são cegos. E somente aqueles que estão à distância do poder, que não estão em nada ligados à tirania, fechados em suas estufas, em seus quartos, em suas meditações, podem descobrir a verdade. (FOUCAULT, 2012, p. 175)

No Brasil falta o básico do essencial, pois até mesmo nos centros utilizados

pelos governantes como exemplos de algo bom não se tem suficientes escolas, nem

creches, nem hospitais, nem ruas com o mínimo de cuidado público (nem se está

falando de asfalto), nem saneamento básico, nem transporte público, muito menos

segurança. Fala-se de alimento! Os investimentos do setor público são ínfimos e os

que existem são mal alocados, realizados através de procedimentos repetitivos, sem

nenhuma ou pouquíssima observação aos princípios constitucionais que tiveram

suas conquistas tão comemoradas em um passado recente.

Nas terras onde há mais de 500 anos se afirmava ter todos os tipos de

riqueza, hoje o que se tem é pobreza de tudo, com total ineficiência na proteção do

maior bem de todos, que é a vida. E não se morre somente da violência

incontrolável, mas sim de fome! Isso é a mais total falta de política pública que gere

o desenvolvimento sustentável, papel preponderante para todo representante.

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6 O ROMPIMENTO DA REPRESENTATIVIDADE ÉTICA.

Diversos foram os ensinamentos históricos da filosofia que foram repassados

neste texto, bem como inúmeros foram os paradigmas legais apontados para a

melhoria da atuação do representante em prol do interesse público, certamente a

finalidade de tudo.

A soma desses fatores, principalmente do respeito à “representatividade do

outro”, o que resume tudo que foi dito. Não é algo novo e sequer se tem essa

intenção, pois muito já se falou em representação. Contudo, entende-se que a

interação dos ensinamentos de Lévinas completa o que se pretendia espelhar no

exercício de um mandato. Nem poderia ser diferente, já que a outorga de algo

implica em agir pelo outro, ou seja, em ser o outro, muito mais que simplesmente

representá-lo, o que pode ser feito mediante o emprego de suas próprias

características e ideias, sem macular o representado.

Na política entende-se que tal assertiva não é verdadeira, pois o mandatário

carrega o rosto do mandante, do que lhe cedeu parte de sua liberdade como forma

de poder para atuar. O representante não tem face, não tem mãos, não tem pernas.

Ele é por inteiro da representatividade e nada vai mudar isso, salvo se abdicar de tal

empenho. Seus atos estão já enraizados na representatividade e devem ser

orientados somente pelo coletivo, pelo atendimento do bem comum.

A representatividade também carrega em si a necessidade de todos os atos

serem carregados de cortesia no trato com as pessoas, principalmente com os

representados:

A cortesia, assim como as moedas feitas de metal, é reconhecidamente uma moeda falsa. Não se deve economizá-la...Quem, entretanto, pratica a cortesia em detrimento de interesses reais assemelha-se àquele que despende autênticas moedas de ouro em vez de moedas de metal. Assim como a cera, por natureza dura e seca, derrete-se com um pouco de calor, podendo adquirir qualquer forma, até mesmo pessoas duronas e hostis também podem, com um pouco de cortesia e amabilidade, tornar-se flexíveis e solícitas. Nesse sentido, a cortesia é para o ser humano o que o calor é para a cera. (SCHOPENHAUER, 2014, p. 25)

A amabilidade de quem pretende relacionar-se com o outro não combina com

a grosseria ou o não atendimento imediato e solícito. A doação deve ser completa. É

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uma escolha, que implica em uma renúncia.199 Amar o outro como a si mesmo200

não permite concessões, mas sim abnegações de tudo que o afaste do coletivo, do

bem estar de todos.

Não se está falado em tornar-se um profeta do Século XXI, tampouco de

abandonar as finanças que conforte os seus, mas sim em manter a luta pelo social,

uma vez que ela não acaba com o fim do mandato.

É por essa razão que antes de escolher a vida de político deve se pensar nas

consequências da decisão, pois a representatividade importa em responsabilidade

eterna para com quem um dia foi representado, principalmente os que estiveram

diretamente ligados ao candidato, seja pelo voto ou pelo trabalho em equipe.

Manter-se em pé e à ordem do convite à virtude da prática do bem é um sacerdócio

pelo outro, é uma obrigação.

Durante todo o texto, a preocupação foi demonstrar como deve ocorrer a

química entre o eleito e o eleitor e como essa relação umbilical deve ser norteada

pela vontade explicita e conjunta, tão uníssona que fica fácil de ser defendida,

compreendida e reconhecida por ambos, mas a quebra dessa química, o

rompimento dessa vontade, geram efeitos.

Durkheim, ensinando “as regras do método sociológico”, trouxe que:

[...] dir-se-á que um fenômeno não pode ser coletivo se não for comum a todos os membros da sociedade ou, pelo menos, à maior parte deles, portanto, se não for geral. Sem dúvida; mas se é geral, é porque é coletivo (quer dizer, de certo modo obrigatório) e nunca coletivo, por ser geral. É um estado do grupo que se repete nos indivíduos porque se impõe a eles; está em cada parte porque está no todo, e não no todo por estar nas partes. [...] Um sentimento coletivo, que se manifesta numa assembleia, não exprime apenas o que havia de comum entre todos os sentimentos individuais. É algo de muito diferente, como já mostramos. É uma resultante da vida comum, um produto das ações e das reações entre as consciências individuais; e se ressoa em cada uma delas, é uma virtude da energia especial que deve justamente à sua gênese coletiva. Se todos os corações vibram em uníssono, não é por causa de uma concordância espontânea e preestabelecida; é porque uma mesma força os move no mesmo sentido. Cada um é arrastado pelos outros. (DURKHEIM, 2005, p. 37)

199 Lao-Tsé ensinou: “O sábio não se exibe e vejam como é notado. Renuncia a si mesmo e jamais é esquecido.” 200 Como traz Marcos, 12:33, na BIBLIA SAGRADA: “E que amá-lo de todo o coração, e de todo o entendimento, e de toda a alma, e de todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo, é mais do que todos os holocaustos e sacrifícios.”

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Quando há essa quebra de energia, ou seja, quando o eleitor não se vê mais

arrastado pelas palavras do eleito, é que há o rompimento do laço que os une. Mas

não há rompimento do contrato social, pois este é estabelecido entre cidadão e

Estado e permanece independe de quem está no intermédio desses dois pontos, no

caso o eleito.

O rompimento se dá entre outorgado e outorgante, permanecendo o contrato

social momentaneamente sem um interlocutor. Emprestando um exemplo atual e

popular é como permanecer a parte sem advogado nos autos entre o momento da

renúncia ou revogação e a constituição de um novo causídico para sua defesa. O

contrato social permanece, ou seja, a ação judicial ajuizada para a defesa do direito

da perante a tutela jurisdicional do Estado não é extinta imediatamente somente pela

falta momentânea do advogado, mas sim continua a espera do outro outorgado.

O mesmo ocorre no rompimento da outorga representativa! O eleito deixa de

ser ético quando deixa de representar a vontade do outro, do eleitor, de sua

comunidade e neste momento há o rompimento dessa representatividade em face

da violação ética. Por essa razão o político não deve nunca deixar de cultivar o

vínculo com a sua localidade e se preciso for atualizar-se das necessidades de cada

um ao ponto de se prevenir de eventual possibilidade de desvio.

O Brasil é um país com gigantescas diferenças entre suas localidades, bem

como em suas culturas e necessidades. Enquanto existem regiões onde o problema

natural é a seca, em outros são as enchentes. As características brasileiras são

únicas no cenário mundial, uma vez que sua população é gigantesca, seguido de

sua geografia e diferenças sociais. Freyre (1960, p. 239) 201 aponta com maestria

que muitas vezes o Brasil é mais conhecido por seus “Brasis” que por sua unidade

federativa.

201“Houve tempo em que na imprensa inglesa o Brasil apareceu mais como "os Brasis" do que como "o Brasil". Reconhecia-se assim um pluralismo que de facto era tanto, deixasse de haver entre nós uma unidade nacional que contrastava com a fragmentação da América Espanhola em várias e turbulentas repúblicas, inimigas de morte umas das outras. Os chamados "Brasis" formavam politicamente um império; e social ou culturalmente um sistema de convivência em que a unidade e a diversidade se completavam. Tinha esse sistema a língua portuguesa por principal expressão de sua unidade e os contrastes regionais de predominâncias étnicas - o ameríndio na Amazónia, o branco no Sul, o negro na Baía - eram as afirmações mais ostensivas de sua diversidade ou pluralidade étnica. Étnica e cultural. [...]Hoje, sem ser Império, mas República federativa, o Brasil continua a ser um conjunto de Brasis. Mas esse conjunto de Brasis só tem sentido - social, cultural, étnico, económico, político - sob a forma de um vasto e só Brasil que, por ser plural, não deixa de ser uno. Trata-se de uma das combinações sociologicamente mais expressivas, de unidade com pluralidade, que o mundo moderno conhece.”

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A afirmação de Pero Vaz de Caminha feita ao Rei de Portugal de que “aqui

nessa terra tudo que se planta nasce, cresce e floresce” não retrata mais a verdade,

pois existem locais onde a desertificação pode já ser uma realidade e outros onde os

danos ao meio ambiente ocasionados pelo desenfreado crescimento das grandes

cidades podem já ter impedido a agricultura sem altos investimentos, tanto do setor

público quanto do privado.

O que se pretende afirmar com tais observações, é que o Brasil precisa

urgentemente preparar seu campo normativo para se proteger das dificuldades

enfrentadas pelos dias atuais e isso deve ser feito por seus representantes eleito,

que não devem ser orientados pela visão do que ocorre lá foram, nos países

desenvolvidos, pois suas soluções podem não servir para nossas realidades. O que

se tem certeza é que os brasileiros não suportam mais tamanhas injustiças sociais

vivenciadas cotidianamente e agora imbricadas na mídia de todas as formas, sequer

permitindo que qualquer um deixe de ter conhecimento do que vem acontecendo.

Quando isso continua a vontade geral se rompe!

Assim, os governantes eleitos precisam se orientar do que a população

precisa e focar as políticas públicas em tais áreas. Agir com despreparo neste caso

será a manutenção do ócio, o caos do bem estar social. Em todos os momentos o

representante deve sopesar as questões envolvidas em cada ato para que a

finalidade principal seja alcançada, o interesse público.

Para se compreender como chegamos ao que se tem hoje e onde se deve

chegar, devemos destacar o estado atual brasileiro. Mas não somente como estão

suas normas (tida por alguns doutrinadores como um dos melhores conjuntos de

regras do Mundo202), mas sim se são úteis ao que o povo precisa, para as melhorias

que o cidadão contribuinte espera! Como já dito, a verdade é relativa, Então,

devemos nos ater aos nossos problemas e encontrar as nossas soluções.

As liberdades democráticas podem basear-se na igualdade de todos os cidadãos perante a lei, mas só adquirem significado e funcionam organicamente quando os cidadãos pertencem a agremiações ou são representados por elas, ou formam uma hierarquia social e política. (ARENDT, 2012, p. 440)

202 Existem lugares no Mundo onde quase não se tem regras positivadas e se vive infinitamente melhor que no Brasil.

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Até agora não se falou precisamente do quanto é importante a participação do

eleitor, antes e depois das eleições, para a melhoria das políticas públicas. Se o

cidadão esperar que tudo ocorra sozinho, na inercia de seus atos e cobranças

certamente estará eternizando a promessa, pois esta não irá se concretizar.

O eleitor deve procurar o candidato eleito para cobrar as promessas de

campanha e deve fazer isso de todas as formas lícitas possíveis, sem desistir, pois

ele é o culpado pela vitória do candidato nas urnas. A ética do candidato eleito já

começa a ser comprovada no momento em que recebe pessoalmente todos seus

eleitores quando procurado.

O cidadão brasileiro, infelizmente, não possui em sua legislação o recall, que

permite ao eleitor americano ocasionar a perda do mandato do eleito após avaliação

por ele próprio! Barbosa, enquanto Ministro do STF, defendeu a inclusão do recall no

Brasil:

Não falei para a Presidente, mas sou inteiramente favorável (ao recall). Acho que seria medida adequada à nossa realidade, afirmou. “Medida como essa tem o efeito muito claro de criar uma identificação entre o eleito e o eleitorado. Impor ao eleito responsabilidade para com quem o elegeu, acrescentou. Barbosa explicou que a possibilidade de o eleitor voltar as urnas para destituir o candidato funciona bem em países que adotaram o sistema de voto distrital. [...] Nesse sistema distrital, os deputados são eleitos dentro de um distrito. Necessariamente vai sair eleita uma pessoa que faz parte daquela circunscrição. Há essa responsabilidade do eleito para aquele círculo pequeno que o elegeu”, disse. [...] O resultado disso é que a pessoa eleita numa circunscrição é mais fácil para o eleitor controlar e saber das tomadas de posição feitas pelo seu eleito. E cobrar. E se não gostar, ele tem a possibilidade de recall, recolher o seu voto, anular, revogar, e forçar uma segunda eleição para tirar aquele representante, acrescentou. 203

O eleito que se sentir fiscalizado e com possibilidade de ter seu mandato

revogado, terá mais cuidado com o que faz em nome do povo que o elegeu.

Contudo, a realidade brasileira é outra, visto que sequer os servidores públicos

podem ser demitidos (salvo em absoluta e raríssima exceção) quando atendem de

forma errada a população. Portanto, ainda se está longe do povo brasileiro poder

destituir os eleitos que deixarem de representa-los.

203 Disponível em http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,joaquim-barbosa-defende-recall-de-candidatos-eleitos,1046908. Acesso em 20 de julho de 2014

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Outro fator que não pode coibir o eleitor de se manifestar é por representar

minorias! A minoria ativa é aquela que reivindica seus direitos, suas atenções, a que

exige respeito e se faz ouvida. Todo eleitor deve repensar na forma como procede

diante das eleições e principalmente após estas, pois a democracia é participativa

conforme as garantias da Constituição de 1988. Não existe democracia sem a

participação popular.

Os eleitores devem ser inteligentes ao exigirem seus direitos. NALINI (2008,

p. 247) lembra MAQUIAVEL ao falar que “cidadãos podem ser com certeza

perversos, mas as coisas ficam mais fáceis se além disso forem tolos, pois a massa

se deixa sempre impressionar por aparências e resultados, e o mundo é composto

da massa”

Assim, se o eleitor quer resultados não pode ser perverso, nem tolo, mas

sim ético e exigir promessas justas, além de espertos ao ponto de entenderem que

devem cobrar os resultados. Já se frisou que não existe promessa com ética sem

atingir o maior número de pessoas possível e os direitos das minorias devem estar

compreendidos nesse pacote de atos.

Não se compreende porque o povo brasileiro gosta tanto de sair às ruas e se

cansa com a mesma velocidade que durou tais passeatas! O Brasil já fez um

presidente renunciar204, já cassou diversos políticos, já saiu em passeatas e já fez

greves! Contudo, continua elegendo os mesmos personagens e as mesmas

promessas!

Se o poder judiciário estiver corrompido de ideais partidários e de interesses

pessoais escusos, sem a liberdade e imparcialidade que se espera, a Nação nunca

terá avanços no campo da punição das promessas não cumpridas. O homem não

deve deixar de evoluir, de pensar em como melhorar suas atitudes como parte do

avanço da sociedade.

204 Até hoje é comum muitos falarem que houve um presidente retirado do poder pelo impeachment, mas isso não ocorreu de forma completa, havendo a renúncia anterior. Apesar de o processo ter sua continuidade à época por força da afirmação de intempestividade da carta de renúncia e de ter gerado a cassação de direitos políticos, hoje vemos muitos dos mesmos personagens da época novamente envolvidos com novos problemas. Com todo acato, não se pretende retirar a culpa dos agentes que agiram em desconformidade com a lei e tampouco acusá-los de algo fora dos autos, mas sim questionar está a motivação da massa de eleitores que continua elegendo os mesmos políticos, sempre, estejam ou não envolvidos com escândalos. Surge, então, a importância do papel do eleitor!

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A sociedade é diferente, as pessoas são diferentes, os eleitores não tem

como pensar de forma igual. Matheus Bertoncini (2012, p. 44) ensina:

Não parece difícil concluir que existem, e sempre existirão, grupos diferenciados dentro de uma mesma sociedade. E não menos lógico, até mesmo por determinação Constitucional, que o direito pode, sem maiores objeções, tratar tais indivíduos de maneira diferente, visando justamente estabelecer a igualdade (seja formal, mas acima de tudo material), ainda que essa não seja tarefa fácil.

Não existe mais campo para que um representante tenha políticas iguais para

todos, pois a vontade geral, como dito, é um tapete de vontades, cujos retalhos são

de todos os tipos, de todas as cores. Ao se deixar de observar as diferenças,

rompido estará a outorga.

E não há como achar que já sabemos como o mundo será amanhã. Ninguém

pode adivinhar. Sequer podemos saber que estamos no caminho certo. Leonardo

Boff (2014, p. 26) afirma que:

Ninguém tem condições hoje de nos dizer para onde está caminhando a humanidade: se na direção de um abismo, que a todos vai tragar, ou se na direção de uma culminância, que a todos vai englobar. O certo é que estamos entrando num novo patamar de consciência planetária, e que sentimos a urgência de uma aliança entre os povos que se descobrem juntos dentro da única Casa Comum, para poderem conviver de uma forma minimamente pacífica e que se faz necessário um cuidado especial com a terra e seus ecossistemas, senão perderemos as bases de nossa subsistência.

Existe necessidade de união de vontades, voltadas para um interesse único,

não no sentido de quebrar os paradigmas das opiniões contrárias dos indivíduos,

mas sim no sentido de se aceitar as diferenças, pois como já dito antes, a vontade

geral não é a vontade de todos.

O mais importante é a atenção no momento da outorga. Os homens devem

ter noção de que o custo de uma eleição errada é muito alto, sendo deveras difícil

desfazer o pouco bem (ou mal para quem prefere) já realizado. Como bem ensinou

o Padre Antonio Vieira (2013, p. 128):

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Mas estou vendo que com este exemplo de Deus se desculpam ou podem desculpar os reis. Porque se a Deus lhe sucedeu tão mal com Adão, conhecendo muito bem Deus o que ele havia de ser, que muito é que suceda o mesmo aos reis com os homens que elegem para os ofícios, se eles não sabem nem podem saber o que depois farão? A desculpa é aparente, fria, tão falsa como mal fundada, porque Deus não faz eleição dos homens pelo que sabe que hão de ser, senão pelo que de presente são. Bem sabia Cristo que Judas havia de ser ladrão, mas quando o elegeu para o oficio, em que o fio, não só não era ladrão, mas muito digno de se lhe tirar o cuidado de guardar e distribuir as esmolas dos pobres. Elejam assim os reis as pessoas e provejam os ofícios, e Deus os desobrigará nesta parte de restituição.

É dessa forma que devem pensar os eleitores e eleitos, pois sempre é hora

de praticar o bem e não é possível que sejam escolhidas desculpas para uma

representatividade errada. Quando o eleitor aposta em alguém está apostando que

ele fará coisas boas e o que ocorrerá depois é fruto das decisões morais do eleito.

Ele está sim sujeito às penas do eleitor, mas não é este culpado por suas condutas.

Finalmente, quando as cláusulas do mandato outorgado atingirem a

perfeição, não mais será necessária a preocupação com seu rompimento, pois se

terá chegado ao interesse de todos, o interesse público será igual ao particular:

Quando muitos homens reunidos se consideram como um só corpo, têm uma única vontade que se refere à comum conservação e ao bem-estar geral. Então todas as molas do Estado são vigorosas e simples, suas máximas claras e luminosas. [...] O bem comum se mostra em geral com evidência e não exige senão bom senso para ser reconhecido. [...] Um Estado, governado assim, necessita de poucas leis, e à medida que se torna necessário promulgar outras novas, esta necessidade se evidencia universalmente. O primeiro que as propõe não faz mais do que formular o que todos já sentiram, e não é questão de eloquência transformar em lei o que cada um resolveu cumprir, uma vez convencido de que os outros farão o mesmo. (ROUSSEAU, 2011, p. 113)

A partir desse momento a sociedade somente avançará e estaremos prontos

para inclusive abandonar o humanismo do outro e os interesses individuais. O

“outro” não existirá, tampouco o “eu”, pois só existirão seres humanos, iguais.

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6 A ÉTICA APÓS O MANDATO

Existe o momento de tudo na vida tanto como todos os dias temos a hora de

acordar e o momento de dormir. Não deve ser diferente o pensamento de quem

pretende representar vontades, de ser um governante, um político. Após tanto se

falar em ética, é chegado o ponto em que se pretende enfatizar que existe

grandiosidade em quem pretende abdicar da quase eterna permanência (onde isso

é possível) no poder e passar à fase do pós-mandato.

Seja não se candidatando mais ou mesmo não se reelegendo, a verdade é

que quem já esteve no poder continua com uma obrigação para com sua

comunidade, uma vez que a liderança deixa frutos sólidos, para o bem ou para o

mal. Como está a se falar somente do que é positivo na mais clara confiança na raça

humana, não se perderá tempo com os maus exemplos. As palavras de Jessé

Souza (2001) demonstram tal pensamento de continuidade: “O dia de hoje não é

dos que simplesmente vivem. É dos vivos que fazem a vida um pouquinho diferente

do legado que os mortos – e dos vivos que comportam em vida como mortos – nos

deixaram.”

Permanecer sem mandato gera responsabilidades, principalmente para quem

já teve um. É hora de privar-se do poder205 para se dedicar aos pilares construídos,

finalizar as obras que necessitam do apoio externo popular dando mais força às

massas.

A experiência deve sempre ser aproveitada, pois nenhum conhecimento pode

ser desperdiçado na linha de evolução da sociedade. É a conduta contrária, a qual

enterra discussões e controla manifestações, que acaba por manter os humanos em

um estado de ociosidade. Já dizia Parmênides (2013, p. 22) que:

205 “Existe vantagem no desprendimento, como bem afirma Schopenhauer, 2014, p. 4: “As coisas de que necessariamente sou privado em minha vida pessoal me são compensadas de outra maneira, ao longo da vida, pelo pleno gozo do meu espírito e empenho em favor de sua orientação inata; de fato, se as possuísse, não as fruiria, e ser-me-iam até mesmo impeditivas.”” Embora a afirmativa seja do existencialismo de seu autor, o texto serve para dar vida aos que não conseguiram eleger-se ou reeleger-se, pois existe vida com tal privação. Ademais, coisas belas podem ser realizadas com mandato e sem mandato, inclusive atos que um não pode praticar pelo outro. Assim, o que deve o ex-político (se é que existe) continuar na batalha de sua equipe, de sua massa, praticando o que estiver ao seu alcance sem cessar.

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[...] o saber constitui, pois, mais um dos campos de batalha em que os humanos travam sua guerra contra o tempo. De um lado está a unidade do grupo, incessantemente reafirmada, cristalizada na memória que tem de si. De outro, sua constante renovação, na diversidade dos que inscrevem na memória coletiva o selo de sua personalidade própria. [...] Só com a entrada na maturidade começa a valorizar a memória. Quando começa a recordar-se de si e de sua história pessoal, quando aprender a reconhecer-se no passado, começa a dar-se conta da longa história de tudo em que afinal sempre se achou inserido. Embora, lhe falte ainda uma enorme parte do percurso.

Por isso o político pós-mandato deve continuar na luta pelo que acredita, pelo

bem das pessoas. É certo que talvez lhe falte até mesmo saúde para uma

empreitada com a mesma velocidade que já teve antes possibilidade de utilizar, mas

ciente de suas responsabilidades com a humanidade certamente fará de seus

pequenos atos diários a continuidade do padrão ético da cultura do outro em sua

vida. E as necessidades do o próximo sempre existirão, é um belo exemplo de

sustentabilidade na história!

Não podemos deixar a sociedade perder os grandes homens206, os dotados

de espírito público e da capacidade de doação de si para outrem. Tais seres

humanos devem ser mantidos sempre à frente das representações, independente do

mandato.

Quem já esteve à frente da representatividade, principalmente do poder

legislativo, é uma chama acessa da vontade geral com o filtro da legalidade, pois já

debateu assuntos dos mais diversos contrapondo os interesses de seus eleitores

com a lei posta. Vivemos a realidade do positivismo e conforme já frisado, este texto

é escrito para o hoje, com as experiências do passado e o respeito às futuras

gerações. Então, até mesmo para se aproveitar a carga legal dessa espécie de

servidor público (não no sentido jurídico da palavra, mas sim como quem se dedicou

ao interesse público) suas experiências devem prevalecer em se meio social.

Quem discursa com o filtro da legalidade está diante da tese do caso especial

de Alexy (2014, p. 92,93):

206 “Convivemos com pessoas que não são perfeitas nem suficientemente sábias, por isso, já é bastante encontrar alguma virtude nelas. Penso mesmo que os que têm em si qualquer traço disso, não devem ser negligenciados. Deve-se procurar preferencialmente os que são dotados das virtudes mais serenas, da moderação, da sobriedade e dessa justiça que já falamos, porque a força e a grandeza d’alma são, na maioria das vezes, ardorosas em quem não é perfeito, nem sábio. As primeiras virtudes são próprias dos homens de bem. Isso a propósito dos costumes.” (CICERO, 2001,p 45)

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A tese do caso especial alega que o discurso jurídico é um caso especial do discurso prático geral. Isso se baseia em três razões. A primeira é que, no final das contas, a discussão jurídica, assim como a argumentação prática geral, diz respeito àquilo que é comandado, proibido ou permitido, ou seja, questões práticas. A segunda razão é que uma pretensão de correção é levantada tanto pelo discurso jurídico quanto pelo discurso prático geral. Esses dois tipos de argumentação são, portanto, discursos. A terceira razão afirma que a argumentação jurídica é uma questão de um caso especial porque a pretensão de correção do discurso jurídico é diferente daquela do discurso prático geral. Ela não se ocupa daquilo que é absolutamente correto, mas daquilo que é correto no contexto de um ordenamento jurídico validamente existente e com base nele.

No capítulo das promessas de campanha frisou-se o quanto é importante é

ético que o candidato defenda e prometa aquilo que é possível de ser realizado,

evitando a promessa eleitoreira do impossível. Também já se abordou a

responsabilidade do eleito de buscar nos caminhos da legalidade a inserção da

vontade de seus eleitores e onde não existe, lutar para que novas leis sejam

aprovadas, desde que respeitados os limites dessa proposição.

Pois bem, o político que já exerceu o mandato já está pintado com as tintas

das possibilidades, já é conhecedor destas, tendo a obrigação de que seus

discursos sejam casos especiais e sua argumentação esteja no limite da legalidade.

Isso não quer dizer que o direito positivo deve ser imposto na sociedade como limite

de suas vontades, distanciando de Lassalle e se aproximando de Hessel e Kelsen,

pois se espera que a legislação aplicada já seja fruto de uma discussão fervorosa da

vontade geral, representando o estado atual das coisas. A lei é a vontade geral e

não o inverso. Assim, o que vale é como a lei foi feito, qual sua origem. Para este

texto a origem é a vontade popular real e atual.

O povo deve ter conhecimento da lei que rege sua vida, pois foi fruto de sua

própria vontade geral. Não existe herança maior a ser deixada pelo ex-mandatário

que uma legislação que possa ser aprovada e compreendida por seu povo. Até

porque se exige de um povo que ele conheça todas as leis do País, sob pena de não

poder alegar seu desconhecimento em seu eventual desrespeito207. Ocorre que o

207 A Europa há muito tempo (e eles nem precisam, pois lá a parcela de analfabetos é perto de zero, senão zero em muitas localidades) já aplica interpretações diferentes da brasileira, exigindo certo grau de conhecimento para punições. Mas no Brasil, o que ocorre é não punir quem com certeza absoluta conhece a lei e punir quem com mais certeza ainda desconhece qualquer lei, de qualquer lugar. O Estado deve entender (para poder resolver o problema) que dentre seu povo existem pessoas que por algum motivo realmente não possuem condições de ter total conhecimento da legislação: “A teoria intermediária é, atualmente,

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povo não sabe ler, nem escrever! Assim, as cadeias se enchem cada vez de

cidadãos das classes menos favorecidas por tipificações que certamente poderiam

ser evitadas com o mínimo de investimento público correto em educação.

A discussão contida na obra de Santo Agostinho é uma metáfora da vida,

onde devemos entender que quando alcançamos algo temos que evoluir e não

permanecer com as amarras que nos acompanharam durante a caminhada, pois

elas não são mais necessárias ao que já alcançou a sabedoria, a experiência. Pois

bem, este deve ser o norte de quem já esteve à frente da representatividade:

Afirmas, portanto, que a fortuna é necessária ao que estuda a sabedoria, mas negas que ela seja necessária para o sábio. [...] afirmo que aquele que deseja a sabedoria tem grande necessidade da fortuna. Concordo, disse eu, porquanto é por ela que estará em condições de poder desprezá-la. [...] Portanto, a fortuna me parece ser necessária para alcançar o que se deseja. E uma vez tendo conseguido isso, muito embora julgue necessitar de algumas coisas que fazem parte da sobrevivência do corpo, fica claro que ele não necessita dela para ser sábio [...] (AGOSTINHO, 2014, p. 65)

Com o mundo caminhando para o fim da reeleição208, os políticos que

efetivamente tenham em mente e em seus corações o gosto por servir o público,

devem permanecer a frente de projetos sociais.

dominante na Alemanha, tanto na doutrina como na jurisprudência, sendo representada especialmente por ROXIN. A consciência do injusto significa que o sujeito sabe que o que faz está juridicamente proibido. Conhecer a imoralidade do comportamento seria insuficiente e conhecer a punibilidade da ação seria desnecessário. Trata-se, assim, de vincular o desvalor social ou pré-jurídico do fato à existência de uma norma jurídica ou preceptiva. Vale citar as palavras do autor: “Consciência da antijuridicidade significa: o sujeito sabe que o que faz não está juridicamente permitido, senão proibido’ (BGHSt 2, 196). Segundo isso, para a consciência da antijuridicidade não basta a consciência da danosidade social ou da contrariedade à moral da própria conduta; porém, por outro lado, tampouco é necessária segundo a opinião dominante a consciência da punibilidade. Exige-se demasiado pouco quando se considera suficiente para a consciência da antijuridicidade a consciência da danosidade ou da imoralidade. [...] De outra via, segundo jurisprudência constante e opinião totalmente dominante, a consciência da punibilidade não é necessária para o conhecimento da proibição; se o legislador quisesse exigi-la, deveria ter falado de ‘compreensão de atuar de maneira punível’ e não de ‘compreensão de fazer algo injusto’”. (SILVA, 2008, p. 1829). 208 Confessa este autor que é contra a reeleição direta (entendendo ser permitida se intercalada for a candidatura) em qualquer instância de poder, seja ela no legislativo ou no executivo, falando do que existe atualmente em estruturas de governo como no Brasil. Mas, mutatis mutandis, pode se dizer que o não aceite compreende também as demais formas de governo, existentes em outros países. Contudo, a afirmação quanto a outras realidades que não a brasileira ainda é temerária pelo desconhecimento da realidade pratica do aproveitamento da reeleição nas outras sociedades, onde possivelmente, em tese, as políticas públicas e a ética já alcançaram o desprendimento necessário para que a renovação do poder não se confunda com o absolutismo ou com a possibilidade de quebra da representatividade.

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Contudo, para o político que já passou pelo mandato não é aceitável mais

qualquer ato minimamente à margem da moralidade e do que entende a sociedade

que ele representa por conduta ética. Por isso a vida pós mandato trará mais

melhorias que o próprio, pois será a continuidade do que já foi bom para a

comunidade.

Deve haver continuidade aos bons projetos, como já se disse anteriormente,

sem qualquer preconceito ou perseguição. Portanto, os efeitos de uma

representatividade sem mandato não são diferentes. Ao contrário, podem ser

melhores, pois além de manter o que de bom foi feito, ainda trará novos ares, novos

conceitos e novas vontades209.

Muitos são os caminhos para um político que esteja sem mandato ou que até

não deseje mais cargos eletivos. Muitas são as funções que podem absorver as

experiências com representatividade, pois a prática da visão social é cada vez mais

buscada no mercado. Um exemplo disso é a necessidade que os bancos públicos

possuem para implantar políticas públicas, seu verdadeiro objetivo. Ensina Séllos-

Knoerr (2014, p. 445):

Portanto, a ação das instituições que atuam sob a rubrica de bancos públicos (BP ́s), representa o ideário de Keynes. Impossível se imaginar que o sistema bancário privado tenha interesse e condições de se apresentar frente às necessidades sociais, especialmente em situações onde, num curto prazo de tempo, o retorno não exista. [...] O foco de atuação dessas instituições é diverso e obviamente, não gira em torno da socialidade das suas operações. Pelo contrário, a pouca ou nula concorrência, levava e ainda leva as instituições privadas à prática de ações distantes de um contexto social. [...] Nas últimas décadas, os bancos privados estiveram muito longe de sua função de fornecedor de crédito às famílias e aos segmentos produtivos. Concentraram suas atividades na esfera especulativa, principalmente na aplicação em títulos públicos, com alta rentabilidade e risco praticamente zero e nos financiamento de curto prazo a custos elevados, tanto em razão da elevada taxa básica de juros, quanto ao também elevado spread bancário. [...] Com efeito, difícil imaginar grandes programas de habitação popular ou então, o financiamento de longo prazo para uma indústria, pelos meros interesses privados, sem a visão pública e de futuro pelo Estado.

209 Isso sem se falar na vantagem em se diminuir os riscos de atos impróprios, que podem ocorrer com políticos reeleitos, principalmente em sociedades ainda em desenvolvimentos, as quais desconhecem e não dominam as possibilidades de quebra de mandato em caso de quebra de representatividade. Pior ainda em sociedades em que o sistema é feito para que não haja ou no mínimo se dificulte a perda do mandato. Assim é hoje o Brasil, mais uma razão para a reeleição não ser a melhor opção por aqui.

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O importante para a sociedade é não perder no ser humano a chama do

trabalho social, da atividade com finalidade fim de interesse público, Isso não existe

somente na representatividade. Perfeito seria um político que passou anos em seu

mandato trabalhando com obras públicas levar esse conhecimento social e ético

para o mercado dos créditos públicos.

A fiscalização da Constituição Federal por parte dos políticos que já estiveram

no poder certamente é um campo de atuação supremo, pois a experiência deles

dedicada ao atendimento do outro via as conquistas já trazidas na lei representa a

continuidade de um trabalho legislativo. O norte deve ser a melhoria da eficiência

das garantias já existentes, como no caso do Estatuto do Idoso:

No Brasil, uma das mais relevantes ações em favor dos idosos em estado de risco e vulnerabilidade social foi garantida pela Constituição Federal de 1988, ao dispor, em seu art. 203, que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social. Adotando como fonte dados de julho de 2013 do Ministério da Previdência e Assistência Social/INSS e Secretaria Nacional de Assistência Social, tem - se 1.789.408 milhão de benefícios assistencial ativos ao idoso. Sendo que até o presente momento, os recursos pagos no ano atingiram a cifra de 8.393.752.645 bilhões de reais. (FERNANDO GUSTAVO KNOERR, 2013, p. 416)

Este é mais um ponto de destaque para a atuação de políticos que já estejam

aposentados. A representatividade então, mesmo fora da politica, alcançaria grande

sucesso, pois a luta por tais valores é de grande valia e representa os anseios da

sociedade.

Finalmente, não existe melhor papel para um político continuar a mover sua

representatividade que aprimorar o exercício da cidadania ensinando para a

população seus conceitos. A cidadania é a chave de tudo atualmente, pois nela

estão implícitos todos os pilares que foram trabalhados nesse texto.

Advém daí a noção de que as práticas da reivindicação e da responsabilização comunitária determinam a existência da cidadania. Tais práticas pressupõem que esteja assegurado o direito de reivindicar direitos e assumir responsabilidade pelos deveres, assim como que o conhecimento acerca dele se estenda cada vez mais e alcance toda a população. [...] Assim, a cidadania implica um contínuo aprendizado individual e coletivo. [...] Em relação à cidadania, a primeira ruptura é proporcionada pelo conhecimento-emancipação acerca dessa categoria, que rompe com a cidadania “da boca pra fora” vigente no senso comum. Entretanto, se isolada tal ruptura é insuficiente. Mostra-se imperiosa a promoção conjunta

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da segunda ruptura epistemológica, através da ação pedagógica. É preciso haver uma educação para a cidadania. [...] Na educação formal, esta passa, por exemplo, por favorecer um processo educativo no qual se aprenda a não ter medo do poder do Estado, assim como a não ambicionar o poder como forma de subordinar os semelhantes. Na educação popular, remete à tomada de consciência coletiva por parte das comunidades e grupos sociais acerca de seus direitos como cidadãos e à organização para lutar por eles. A participação é a alavanca mobilizadora dos direitos humanos e da cidadania, exigindo “uma conscientização popular a respeito de sua importância ou, em outras palavras, uma pedagogia da cidadania” [...] (LUCAS PIZZOLATTO KONZEN, 2007, p. 137)

Através da educação da cidadania o mundo pode mudar. Contudo, políticos

devem compreender a forma de se manifestar sobre as mudanças necessárias. Os

discursos ao vento devem ser evitados, pois isso não resolve. É hora da pratica e

ninguém melhor que os que já estiveram no poder para compreender que n

humanismo do outro não é necessário mandato, mas sim vontade de participar da

vida do semelhante. Ensina Paulo Freire (2014, p. 120):

O que temos de fazer, na verdade, é propor ao povo, através de certas contradições básicas, sua situação existencial, concreta, presente, como problema que, por sua vez, o desafia e, assim, lhe exige resposta, não só no nível intelectual, mas no nível da ação. Nunca dissertar sobre ela e jamais doar-lhe conteúdos que pouco ou nada tenham a ver com seus anseios, com suas dúvidas, com suas esperanças, com seus temores. Conteúdos que, às vezes, aumentam estes temores. Temores de consciência oprimida. Nosso papel não é falar ao povo sobre a nossa visão do mundo, ou tentar impô-la a ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a nossa. Temos de estar convencidos de que a sua visão do mundo, que se manifesta nas várias formas de sua ação reflete a sua situação no mundo, em que se constitui. A ação educativa e política não pode prescindir do conhecimento crítico dessa situação, sob pena de se fazer “bancária” ou de pregar no deserto.

É por essa razão que a sociedade precisa tanto da experiência de quem já

esteve no poder, de quem tem nas veias o sangue do atuar em favor do próximo,

pois somente isso produzirá o êxito na fala, na comunicação. Não podemos deixar

que estruturas inteiras de equipe a favor do social sejam desmontadas pela falta de

mandato.

O ser humano que se doa para o outro, se doa para sempre, até que todos

sejam iguais dentro do mais puro sentimento de alteridade e humanidade. E quando

isso acontecer, o trabalho da manutenção dessa igualdade será árduo. Portanto,

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nunca faltará atuação para quem se enxerga nos olhos do irmão. E então, Deus

estará feliz frente às conquistas de seus filhos.

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7 CONCLUSÕES

Difícil a missão de concluir algo tão importante como a ética na representação

política, mas uma das correntes se mostra mais sólida: o poder realmente deve

emanar do povo e esse poder atualmente se consolida através do interesse público.

Este interesse deve ter muitos frutos e gostos diferentes, visando agradar a todos os

sentidos e necessidades, mas ter a finalidade e utilidade púbica e comum. Somente

assim estaremos no caminho para uma sociedade de maior retidão em seus atos,

mesmo que para isso tenhamos que abrir mão de parte de nossa liberdade natural

através do contrato social.

A história mundial é rica em demonstrações que somente a liberdade constrói,

não podendo haver restrição alguma para as ideias, homens e mulheres de boa

vontade, que devem se focar no futuro das gerações e nas questões que possam

trazer uma vida mais digna e justa para seus semelhantes. O político deve estar

sempre ligado aos cidadãos, não no sentido da razão numérica de seus votos, mas

sim quanto ao mandato de representatividade que cada um desses cidadãos lhe

outorgou no mais amplo sentimento de melhoria pessoal e coletiva.

Essa linha de representação de vontade deve ser tão fidedigna ao ponto do

cidadão, eleitor ou não, se sentir como se fosse o próprio governo! A única certeza é

a necessidade de união de vontades, voltadas para um interesse único, não no

sentido de quebrar os paradigmas das opiniões contrárias dos indivíduos, mas sim

de se aceitar as diferenças, pois como já dito antes, a vontade geral não é a vontade

de todos os particulares, mas sim a vontade que beneficia a todos de alguma forma.

Devem ser aceitas as diferenças entre as pessoas seguindo o mais puro e

simples sentido da igualdade material, a qual atualmente é cada vez mais real no

ordenamento jurídico brasileiro. Isso é ter uma política de vontade geral, onde todos

estão protegidos e garantidos, podendo ter, caso desejem, as mesmas chances de

vida em harmonia.

Assim, desde que com prudência e respeito aos bons princípios já herdados

das antigas conquistas, atenção aos ditames legais e desde que focados na

coletividade, compreendida na espécie da sua comunidade e no gênero do todo

nacional, teremos uma política ética, lembrando sempre que a continuidade de sua

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eficácia depende do papel do eleitor e das demais autoridades, que devem ajudar,

cada uma dentro de suas possibilidades e competências, para que tudo caminhe

dentro do mais puro interesse público.

Deve haver o combate incessante à pobreza, pois não existe forma de

evolução da participação democrática de um cidadão que tem falta do básico do

essencial. Quem tem fome não é representado por ninguém, pois não tem condições

de decidir pela cessão ou não de sua parcela de liberdade, menos ainda de certificar

qual é sua vontade, salvo a de matar sua fome e sede.

Em um mundo como o atual, agir com ética representa a certeza do bem

estar comum atual e futuro. Em uma sociedade civilizada as coisas funcionam não

porque inexiste divergência, oposição ou diferença, mas sim porque existe

consenso, troca de liberdade, concessões recíprocas em prol da construção de uma

vontade geral que pode ser alterada somente quando todos entendem ser

necessário. O Estado é a realidade do bem estar atual posta no contrato social.

O humanismo da alteridade traz o máximo da representatividade do homem,

levando este ao outro de forma umbilical e inseparável. Quando a humanidade

estiver perto dessa compreensão já estaremos vivendo em um local muito melhor

que o que acordamos hoje. Viver pelo outro importa em todos vivendo para si

mesmo. É a base de tudo, é a régua dos atos sem a necessidade da lei posta. O

simples ato de se colocar no lugar do outro impede todas as mazelas da sociedade

e permite a prática de todas as soluções possíveis para o bem estar, de todos, do

outro.

Os interesses locais devem embasar as decisões e o caminho a ser seguido

pelo representante, o qual não se pode furtar de sopesar os interesses partidários e

globais com os verdadeiramente públicos e comunitários. Não se fala isso como

uma defesa do mandato imperativo, tampouco da unanimidade de opinião, como já

explicado em demasia no transcorrer do texto, mas sim em respeito aos cidadãos

que realmente necessitam de mudanças, de melhorias. O foco deve estar nas

urgências reais e atuais e quanto maior for sua atenção, maior chance de sucesso

terão as soluções a serem aplicadas.

Podemos estar longe de alcançar o bem estar que talvez pensemos em nosso

mundo ideal, mas momentos de felicidade podem existir cada vez mais e a soma

destes é o que deve ser buscada em um mundo de tantas diferenças, as quais não

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se deseja de forma alguma extinguir, mas sim premiá-las, desde que todos vivam

cada vez mais próximos do que entendem ser a luz da verdade, cada um com a sua.

Viva o consenso das diferenças! Isso é a vontade geral atual!

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