Cérebro ativo por toda a vida

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Pesquisa FAPESP - Ed. 161

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Ciência eTecnologia • no Brasil

Julho 2009· N° 161

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Cérebro ativopor toda a vida

Um antrop61ogo na fronteiraEmilio Moran afirma Que a salda para os problemas amblentaiSdepende da interação entre as ciências naturais e as sociais.

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PESQUISA FAPESP 161 ■ JULHO DE 2009 ■ 3

Uma remota e desabitada ilha russa, situada a nordeste do Japão, produziu um espetáculo para os astronautas a bordo da Estação Espacial Internacional. A erupção do vulcão Sarychev, na ilha de Matua, no oceano Pacífico, foi registrada no dia 12 de junho por uma câmera da estação, numa órbita a 350 quilômetros da superfície terrestre. A imagem mostra detalhes dos primeiros estágios de uma forte erupção. Vê-se uma coluna de fumaça formada por uma combinação de cinzas de coloração marrom e vapor esbranquiçado. No topo, a nuvem clara que lembra um cogumelo pode ser de vapor condensado, resultado da elevação da coluna sobre a massa de ar frio. A última erupção do Sarychev havia ocorrido em 1989. N

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Cogumelo no Pacífico

IMAGEM DO MÊS*

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161 JULHO 2009 > ED

> CAPA > POL(TICA CIENTfFICA 36 INSTITUiÇÃO > CltNCIA ~E TECNOLÓGICA O IPT busca novo F

18 Estudos revelam como perfil e planeja " MEDICINA ê

o cérebro envelhece e 30 BIODIVERSIDADE articular a solução Além de causarsugerem estratégias Pesquisadores traçam de grandes infarto e câncer,para mantê-Io saudável estratégias para os temas tecnológicos cigarro prejudicadurante toda a vida próximos dez anos do todo o organismo

Programa Biota-FAPESP 38 COLABORAÇÃOEncontro das ECOLOGIA

> ENTREVISTA 32 COMEMORAÇÃO FAPs discute Formigas ajudamCebrap faz 40 anos com a melhor forma de sementes a germinar

12 Especialista em vasto portfólio de potencializar os na Mata Atlânticasistemas dinâmicos pesquisas nas ciências recursos para pesquisa e no Cerradoe presidente da humanas e sociaisAcademia Brasileira de ENERGIA

Ciências, o matemático Estoque de carbonoJacob Palis fala do retido no soloamadurecimento deve aumentar comda pesquisa no Brasil a mecanização

da colheita de cana

> SEÇÕES 3 IMAGEM DO MÊS 6 CARTAS 9 CARTA DA EDITORA 10 MEMÓRIA 24 ESTRATÉGIAS 40 LABORATÓRIO 60 SCIELO NOTíCIAS 62 l

> EDITORIAS > POLÍTICA C&T > CIÊNCIA > TECNOLOGIA > HUMANIDADES WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR

66

METEOROLOGIAPoeira do desertoafricano semeia nuvensresponsáveis porparte da precipitaçãona Amazônia

> TECNOLOGIA > HUMANIDADES74 NOVOS MATERIAISNanoübras poliméricasvão contribuir paraa liberação controladade fármacos

80 ANTROPOLOGIAA relação dúbia entreigrejas neopentecostaise o demônio

FíSICA

Percursos aleatóriosda luz e de animaissão descritospor pesquisadores

66 BIOCOMBUSTíVEISNovas cepas deleveduras convertemmais rapidamentea sacarose em etanol 78 RECICLAGEM

Lodo da indústriade papel entrana composição demateriaispara construção

85 SOCIOLOGIAForças Armadasenfrentam dilemasda sociedadepós-moderna

70 SAÚDE

Órteses para punhosfeitas com resinae nanopartículas deargila são moldadassob medida 90 LITERATURA

Tese investigaimportância de qibisna formação deleitores na infância

72 QUíMICA

Películas desenvolvidaspor pesquisadoresda USP garantemautenticidade a cédulase documentos

DTíCIAS 62 LINHA DE PRODUÇÃO 94 RESENHA 95 LIVROS 96 FiCÇÃO 98 CLASSIFICADOS I CAPA MAYUMI OKUYAMA ILUSTRAÇÃO VISCA

[email protected]

Bartolomeu de Gusmão

Gostaria de alertar que o texto "Proe-zas de um padre voador" (edição 160)apresenta uma valorização exageradado trabalho de Bartolomeu de Gusmão.Sabe-se que já se usavam balões de arquente na China, pelo menos desde oséculo III d.C; talvez desde o século IIa.c., conforme descreve Ioseph Nee-dham na sua obra Science and civili-zation in China, volume 4, parte 2, p.596. Na Europa, seja por influênciados chineses ou por descoberta inde-pendente, já se empregavam balõesde ar quente, para fins militares, pelomenos desde o século IX (ver WHITEJr., Lynn. Eilmer of Malmesbury, an ele-venth century aviator: a case study oftechnological innovation, its context andtradition. Technology and Culture, 2:97-111,1961). Portanto, muito tempoantes de Bartolomeu de Gusmão essesartefatos já eram conhecidos. Tambémé incorreto afirmar que Santos Dumontconstruiu o primeiro balão dirigível.Estes e outros equívocos podem serdesfeitos pela leitura da dissertação demestrado de Erivelton Alves Bizerra,Santos Dumont e o desenvolvimento dadirigibilidade de balões.

ROBERTO DE ANDRADE MARTINS

Grupo de História e Teoria da Ciência,UnicampCampinas, SP

6 • JULHO DE 2009 • PESQUISA FAPESP 161

Tenho um grande respeito pelo professorRoberto Martins, um amigo de longa da-ta. Ele é um pesquisador de altíssimo ní-vel e muito consciencioso em tudo o quefaz. Vou comentar aqui apenas o tópicorelativo a Bartolomeu de Gusmão. O queele disse é rigorosamente correto. Toda-via, quando fui entrevistado sobre Bar-tolomeu de Gusmão, não me preocupeicom esse rigor histórico minucioso numapequena reportagem que não se propu-nha a ser um trabalho de pesquisa, massim uma informação em comemoraçãoao tricentenário dos balões de Gusmão.A ciência chinesa era quase desconhecidano Ocidente até a enorme obra de IosephNeedham, o grande erudito que a revelouao mundo a partir dos anos 1950. O fa-to de os chineses terem usado balões oumesmo o uso de balões na Europa medie-val não empana, a meu ver, a importânciade Gusmão, cujos estudos se deram comos jesuítas na Bahia, tanto no Colégio deBelém, junto à Vila de Cachoeira, comoem Salvador, num ambiente bastante dis-tanciado daqueles possíveis antecessores.Previamente a esse período ele havia idopor muito pouco tempo a Lisboa, masseus estudos até 1709 transcorreram noBrasil. Ele só se transferiu definitivamen-te para Portugal em 1709, o mesmo anoem que construiu seus balões de ar quen-te. O que é importante ressaltar é que aeducação proporcionada pelos jesuítasno Brasil era de alta qualidade para ospadrões da época e que Gusmão soubetirar partido disso. É lamentável que osarquivos jesuíticos se tenham em grandeparte se perdido quando da expulsão daordem por Pombal em 1759, assim comoos papéis pessoais de Gusmão, que desa-pareceram ou foram destruídos quandode sua saída precipitada de Portugal emrazão de intrigas e perseguições.

CARLOS ALBERTO FILGUEIRAS

Instituto de Química - UFRJRio de Janeiro, RJ

Eldorado na Amazônia

No sentido de colaborar com a discus-são sobre a possibilidade de terem exis-tido na Amazônia civilizações pré-co-

loniais que teriam atingido um elevadonível de desenvolvimento (reportagem"O sonho do Eldorado amazônico", edi-ção 160), gostaria de me referir ao livropublicado em 2002 pelo comandantereformado da Marinha britânica GavinMenzies. Em 1421, o ano em que a Chi-na descobriu o mundo (editora BertrandBrasil), o autor apresenta provas de quemarinheiros chineses teriam adentradoo rio Amazonas até o rio Tapajós, ondehoje fica Santarém, e a seguir descidoaté os afluentes do Tapajós, nas proxi-midades de Cuiabá. Menzies trabalhoudurante 15 anos para reconstituir asviagens das frotas chinesas no período1420-1430 e encontrar os mapas car-to gráficos por eles produzidos. Foramesses mapas que mudaram a vida dedom Henrique e o destino de Portu-gal. Os mapas mostravam que nesseperíodo os chineses circunscreveramo globo e localizaram o estreito deMagalhães orientados pelo Cruzeirodo Sul. Mapas das costas do Nordestedo Brasil apareciam em diversos ma-pas antigos. Eles localizaram ainda osdeltas dos rios Orinoco e Amazonas,indicando suas latitudes com precisão.Esses fatos levaram Menzies a reunirum grupo de pesquisadores capazes deler textos medievais espanhóis e por-tugueses encarregados do estudo derelatos em primeira mão de explora-dores dessas mesmas nacionalidades doNovo Mundo, muitos dos quais nuncaforam traduzidos antes. Isso foi possívelgraças aos direitos autorais antecipadosdo livro 1421, o ano ... A localização e aorigem das "cidades perdidas" da Ama-zônia ainda estão por ser feitas. As des-crições deixadas pelos antigos explora-dores se mostram verdadeiras e exatas,sem nada de mirabolante. O Eldoradotalvez seja a memória fantasiada, umarealidade ainda mais fantástica.

VERA MARY COZZOLINO, APOSENTADA

Escola Politécnica/USPSão Paulo, SP

Algumas considerações positivas sobrea reportagem "O sonho do Eldoradoamazônico': Como desenvolver ativida-des e projetos arqueológicos com base

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em suposições e lendas, se a funçãogeradora da ciência é a objetividadeconcreta? Não necessitaria a Amazôniade procedimentos de desenvolvimentoautossustentáveis, antes de liberação deáreas florestais para projetos arqueo-lógicos? Atualmente, se a pesquisa ar-queológica se concentrasse em áreasjá delineadas como reconhecidamentehistóricas, como a região dos Sete Povosdas Missões (no Sul) e o castelo GarciaD'Ávila, em Praia do Forte, na Bahia,por exemplo, teríamos resultados maisconcretos. Parques já solidificados epromissores, responsáveis por desco-bertas consistentes, como o Parque Na-cional da Serra da Capivara, estão longede receber a atenção e os recursos quenecessitam para atingir sua plenitude.Ao abordar essa questão, Pesquisa FA-PESP está abrindo um espaço para queo desenvolvimento da arqueologia sejapriorizado e a Floresta Amazônica pro-tegida de incursões, cujas prioridadesestão muito longe de serem projetos ar-queológicos, já que nem sabemos aindaconviver com os complexos recursos denossa Amazônia.

As reportagens de Pesquisa FAPESP mostrama construção do conhecimento essencialao desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução.

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FRANCISCO J.B. SÁSalvador, Bahia

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Alunos premiados

Como orientador de um dos alunospremiados, gostaria de tecer dois co-mentários que acho não foram credita-dos adequadamente na nota "Estudantespremiados" (edição 160). O aluno pre-miado na Febrace/Poli/USP 2009 e nafeira internacional Intel Isef, Ivan La-vander Ferreira, desenvolveu todo oseu trabalho no Centro de Toxinolo-gia Aplicada (Instituto Butantan), umdos Cepids financiados pela FAPESP.Emsegundo lugar, o prêmio recebido porFerreira (segundo lugar geral em rni-crobiologia) foi o maior alcançado porum brasileiro nessa feira internacional(1.500 alunos do mundo todo), melhordizendo pela primeira vez um brasilei-ro chegou tão perto do maior prêmiooferecido, do jeito que foi colocado nãoficou claro. O prêmio foi tão importante

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PESQUISA FAPESP 161 • JULHO DE 2009 • 7

que ocorreram convites para que o alu-no venha a fazer o curso de graduaçãoem universidades norte-americanas.

PEDRO ISMAEL DA SILVA JR.

Centro de Toxinologia AplicadaInstituto ButantanSão Paulo, SP

Etanol

Ao ler a reportagem "Balanço sustentá-vel" (edição 159) percebi quão exaltadosforam os benefícios proporcionados pe-la utilização do etanol como combus-tível. Entretanto, a produção de álcoola partir da cana-de-açúcar esbarra emalguns problemas relevantes. Em pri-meiro lugar, não é seguro afirmar queo etanol de cana seja significativamentevantajoso em relação ao diesel. O álcooltem sido um substituto para a gasoli-na, em veículos particulares, mas ain-da não abrange amplamente o setor detransportes coletivos e de cargas. Dessaforma, a densa frota de ônibus e cami-nhões continua sustentada pelo diesel,matéria fóssil potencialmente poluido-ra. Em segundo lugar, se por um lado amecanização da colheita da cana atuade forma a suplantar os prejuízos pro-vocados pelas queimadas, por outro nãocontribui para a melhor ia das condi-ções de trabalho nas áreas de cultivo. Éconhecida a realidade da mão de obra

8 • JULHO DE 2009 • PESQUISA FAPESP 161

canavieira espelhada na miséria sala-rial, na isenção de protetores corporaise nas jornadas diárias superextensivas.Além disso, muitas indústrias liberamem cursos fluviais o vinhoto, resíduoda produção do álcool. Isso agrava osquadros de poluição e interfere no equi-líbrio do ecossistema aquático. O etanol,se comparado aos substratos energéti-cos fósseis, certamente contribui para aredução dos impactos ambientais noci-vos à ecoesfera. Para classificá-lo comocombustível sustentável, sua produçãodeve ser administrada possuindo porbase o manejo consciente do solo e aconservação da natureza.

GABRIELA SILVA DUARTE

Belo Horizonte, MG

Darwin e o Brasil

O trabalho dos pesquisadores relatadopor Carlos Haag na reportagem "O eloperdido tropical" (edição 159) esclareceque nas Conferências Populares da Gló-ria era predominante a visão humanís-tica, antiescravista de Darwin, o "dar-winismo social", de Herbert Spencer, eas ideias do pai da "lei da biogenética",Ernst Haeckel. Enquanto isso, o ladobiológico, a evolução das espécies ba-seada no princípio da seleção natural,era mais fortemente conectado com onaturalista alemão naturalizado bra-sileiro Fritz Müller, residente em Flo-rianópolis e Blumenau. Tanto Haeckelquanto o próprio Darwin foram forte-mente influenciados por Fritz Müller,fato bem lembrado em artigo recentepublicado por Margherita A. Barraccoe Cesar Zillig em Scientific AmericanBrasil. Provavelmente foi em 1861 queFritz Müller recebeu uma cópia da pri-meira edição de A origem das espécies e,a partir daí, manteve uma vívida cor-respondência com Charles Darwin por17 anos, tanto que nas edições seguintesdo livro Müller se tornou o cientistamais citado. Duas das suas observaçõesganharam notoriedade entre os bió-logos, a do mimetismo entre espéciesnão-palatáveis de borboletas (mime-tismo Mülleriano), e a noção de que

relações filogenéticas entre grupos deorganismos podem ser reveladas atra-vés do estudo do seu desenvolvimento,sendo esta o resultado de observaçõesde crustáceos do litoral de Santa Cata-rina. O próprio Darwin incorporou talconceito na sua monografia sobre era-cas e Haeckel também (e literalmente)apropriou-se da noção e a petrificouna fórmula "a ontogenia recapitula afilogenia" Em sua forma haeckeliana, a"lei da biogenética" tem justamente re-cebido muitas críticas, mas como regrageral continua guiando pesquisas naárea de evo-devo (evolução e desenvol-vimento) da Biologia moderna.

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HIV

Excelente a reportagem "Coquetel de an-ticorpos" (edição 159) que, além de elu-cidar os vários trabalhos feitos no campoda busca por uma vacina eficiente contrao HIV, explica em que o mais promissordeles se baseia e como funcionará. Noentanto, talvez seja o momento de in-vestir mais em diferentes pontos, comoo fulereno, molécula constituída por 60átomos de carbono unidos de modo aformar uma estrutura semelhante a umabola de futebol. O impressionante é suacapacidade de aprisionar dentro de sinão só o vírus causador da Aids, comotambém alguns outros vírus que causamenfermidades como o da hepatite. Noentanto, o fulereno causou graves efeitoscolaterais em alguns pacientes testados,o que talvez possa ser revertido por meioda manipulação da molécula. Resta anós, leigos, esperar e torcer para que acura venha logo, seja de onde for.

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Belo Horizonte, MG

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PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 9

O poder dos velhos

Uma projeção publicada pela Nature no começo do ano passado indica que a pro-porção de pessoas com mais de 60 anos na

população mundial, de 10% em 2000, chegará em 2050 a 22%. Teremos então um mundo com uma população de quase um quarto de idosos, enquanto no Brasil a composição etá-ria terá mudado de forma ainda mais veloz: os acima de 60 anos, que hoje representam 9%, serão 29%, quase um terço dos brasileiros em 2050, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Trata-se de uma situação simplesmente inimaginável há apenas um século, quando a expectativa de vida ao nascer, por exemplo, nos Estados Unidos, mal passava dos 50 anos e, no Brasil, estava em parcos 30 anos, como aparece em Brasil e Argentina: um ensaio de história com-parada (1850-2002), livro de 2004 de Boris Fausto e Fernando J. Devoto, publicado pela Editora 34 (a fonte é um trabalho de 1998 de Rosemary Thorp, Progresso, pobreza e exclusão: uma história econômica da América Latina no século XX). A propósito, a Argentina situava- -se então nesse quesito bem à frente do Brasil, com uma expectativa de vida de pouco mais de 40 anos.

Esse grande envelhecimento da população em todo o mundo, acompanhado por uma preocupação pertinente com a qualidade de vida das pessoas na fase final da vida, vem motivando o desenvolvimento de um campo transdisciplinar de pesquisa que indaga, de múltiplos pontos de partida, como o cérebro envelhece. Ou melhor, o que acontece com o cérebro de adultos idosos saudáveis à medida que envelhecem mais e mais – e que estratégias podem ser seguidas para mantê-lo saudável por toda a vida. Os trabalhos, que vêm sendo elaborados sobre isso, inclusive no Brasil, de-vem contribuir para que se defina com mais precisão nos próximos anos a fronteira que separa alterações típicas do simples envelhecer daquelas mudanças que sinalizam o começo de doenças neurodegenerativas dramáticas, como o mal de Alzheimer.

Sobre uma meia dúzia desses estudos bra-sileiros e mais a leitura referencial de vários trabalhos internacionais foi que o editor de

Mariluce Moura - Diretora de Redação

institutO verificadOr de circulaçãO

CElso lafErPresidente

josé arana varElavice-Presidente

ConSElho SUPErIor

CElso lafEr, EDuarDo MoaCyr KriEgEr, horáCio lafEr Piva, hErMan jaCobus CornElis voorwalD, josé arana varEla, josé DE souza Martins, josé taDEu jorgE, luiz gonzaga bElluzzo, sEDi hirano, suEly vilEla saMPaio, vahan agoPyan, yoshiaKi naKano

ConSElho TéCnICo-AdmInISTrATIvo

riCarDo rEnzo brEntanidiretOr Presidente

Carlos hEnriQuE DE brito CruzdiretOr científicO

joaQuiM j. DE CaMargo EnglErdiretOr administrativO

ConSElho EdITorIAlluiz hEnriQuE loPEs Dos santos (coordenador científico), Carlos hEnriQuE DE brito Cruz, franCisCo antonio bEzErra Coutinho, joaQuiM j. DE CaMargo EnglEr, Mário josé abDalla saaD, Paula MontEro, riCarDo rEnzo brEntani, wagnEr Do aMaral, waltEr Colli

dIrETorA dE rEdAçãoMariluCE Moura

EdITor ChEFEnElDson MarColin

EdITorES ExECUTIvoSCarlos haag (humanidades), fabríCio MarQuEs (PoLítica), MarCos DE olivEira (tecnoLogia), riCarDo zorzEtto (ciência)

EdITorES ESPECIAISCarlos fioravanti, MarCos PivEtta (ediçÃo on-Line) EdITorAS ASSISTEnTESDinorah ErEno, Maria guiMarãEs

rEvISãoMárCio guiMarãEs DE araújo, Margô nEgro

EdITorA dE ArTEMayuMi oKuyaMa

ArTEMaria CECilia fElli júlia ChErEM roDriguEs

FoTógrAFoSEDuarDo CEsar, MiguEl boyayan

SECrETArIA dA rEdAçãoanDrEssa Matias teL: (11) 3838-4201

ColAborAdorESana liMa, anDré sErraDas (banco de dados), DaniEllE MaCiEl, EMilio fraia, EvanilDo Da silvEira, gonçalo junior, laurabEatriz, lEanDro nEgro, rEinalDo josé loPEs, visCa E yuri vasConCElos

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faPesPrua PiO xi, nº 1.500, ceP 05468-901altO da laPa – sãO PaulO – sP

secretaria dO ensinO suPeriOr

GOvernO dO estadO de sãO PaulO

issn 1519-8774

fundaçãO de amParO à Pesquisa dO estadO de sãO PaulO

ciência, Ricardo Zorzetto, se debruçou para produzir a reportagem de capa desta edição de Pesquisa FAPESP (página 18). Enquanto a lia, pensava que filmes como o belo e melan-cólico Chuvas de verão, de Cacá Diegues, com o grande Jofre Soares no papel do velho que ao se aposentar toma a providência imediata de vestir o pijama e, assim paramentado, postar--se na porta de casa, mais e mais soará como um hino a um modo de viver inteiramente anacrônico – enquanto os filmes que atual-mente celebram entre outras façanhas tardias a (re)descoberta do amor em anos avançados, como Tinha que ser você (Something’s gotta give) ou Alguém tem que ceder (Last chance, Harvey), tendem a se multiplicar, talvez com protagonistas cada vez mais velhos. Afinal, o envelhecimento saudável é uma incontestável vitória da vida – e o amor, pieguices à parte, reafirmação vigorosa do sim à vida.

Outra leitura imperdível desta edição é a reportagem sobre a Igreja Universal do Reino de Deus, que abre a seção de humanidades (página 80). A partir de alguns estudos re-centes provocados pelo crescimento impres-sionante do neopentecostalismo no país, o editor Carlos Haag fala da relação dúbia que existe entre igrejas neopentecostais e o diabo (menos fincado nos demônios da tradição cristã e mais vinculado ao exu das religiões afro-brasileiras) e apresenta algumas nuances da “teologia da prosperidade” que serve de base ao funcionamento da Igreja Universal. Como argumenta uma de suas entrevistadas, a antropóloga Paula Montero, “se a ‘teologia da libertação’ produziu a categoria do pobre como ator político na cena pública, a ‘teologia da prosperidade’ da Igreja Universal produz o pobre como ator econômico e o torna res-ponsável por sua salvação”.

Finalmente, quero destacar a entrevista pingue-pongue do matemático, presidente da Academia Brasileira de Ciências, Jacob Palis (página 12), feita pelo editor de política científica e tecnológica, Fabrício Marques. Estudioso, internacionalmente respeitado, dos sistemas dinâmicos, ele fala de maneira entusiasmada e instigante sobre o amadure-cimento da pesquisa brasileira.

carta da editora

memória

( )

Raridades na redeProjeto Brasiliana Digital disponibiliza livros antigos da Biblioteca Mindlin na internet

Apreciosa coleção de livros, manuscritos e periódicos raros garimpados ao longo de 80 anos pelo jornalista, advogado e industrial José Mindlin começa a sair das prateleiras de sua biblioteca particular no bairro do Brooklin, em São Paulo, para se mostrar por inteira na internet. Desde junho, é possível ler,

copiar e imprimir livros que formam o mais completo conjunto privado de obras sobre temas brasileiros. Eles são reunidos desde 1927, quando Mindlin começou a adquirir livros antigos, aos 13 anos. São títulos raros, alguns do século XVI, sobre literatura brasileira e portuguesa, relatos de viajantes, manuscritos históricos e literários, periódicos, livros científicos, didáticos, de arte e iconografia. Foram digitalizados até agora,

Neldson Marcolin

Da esquerda para direita: ilustrações dos livros História do Brasil (1918), Hans Staden (1557), Les bords du Parahiba (de Debret, 1834) e Rondon (à dir. na foto) na obra The Roosevelt- Rondon scientific expedition (1916)

dentro do projeto Brasiliana Digital, por volta de 3 mil documentos (livros, folhetos, imagens, mapas etc.), que estão disponíveis no endereço eletrônico www.brasiliana.usp.br (conheça alguns nesta página).

O Brasiliana Digital integra um projeto maior, o Brasiliana USP, coordenado pelo historiador István Jancsó, do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo. José Mindlin, de 95 anos, doou parte de sua biblioteca, a coleção Brasiliana de 17 mil títulos (40 mil volumes) para a USP em 2006 sob a condição de se construir um edifício próprio para os livros, de modo que eles tivessem o mesmo cuidado e atenção que recebem no prédio que o bibliófilo ergueu para guardá-los no terreno onde está sua casa. A universidade buscou formas de concretizar

o desejo de Mindlin, com recursos próprios e patrocínio privado. Neste ano começou a ser construído um prédio na Cidade Universitária que abrigará a biblioteca doada e, também, as novas instalações do IEB. “A ideia é criar um centro que pense a cultura e a memória brasileira acessível a toda a população, indistintamente”, explica Jancsó.

Para o projeto da Brasiliana Digital serão

digitalizados cerca de 12 mil títulos por serem de domínio público. Para tanto, foi comprado um sistema de digitalização robotizada de livros encadernados da Kirtas Tech, uma empresa norte-americana. Trata-se de um robô, apelidado pela equipe do Laboratório Brasiliana Digital de Maria Bonita, que fotografa até 2.400 páginas por hora (cerca de 40 livros por dia).

O projeto da Brasiliana Digital é coordenado

pelo historiador Pedro Puntoni, da USP, e financiado pela FAPESP no valor de R$ 980 mil, dinheiro suficiente para comprar a Maria Bonita (US$ 220 mil) e pagar 15 bolsistas. “No total, temos 30 profissionais envolvidos, entre professores, pesquisadores, técnicos e bolsistas, trabalhando na digitalização”, diz Puntoni. Os livros podem ser pesquisados pelo conteúdo e são oferecidos completos em resolução para impressão (300 DPIs) ou para visualização na tela (100 DPIs). A Escola Politécnica (Poli/USP) também participa, auxiliando no manejo e desenvolvimento de softwares. “Posteriormente deveremos continuar usando o robô para outros projetos que se apresentarem”, conta o professor Edson Gomi, da Poli. Com o projeto, conseguiu-se preservar os livros raros para o futuro e garantir a universalização do acesso. A frase sempre repetida por Mindlin – “A gente passa e os livros ficam” – tornou-se ainda mais verdadeira.

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Ao lado, o robô Maria Bonita; acima, o primeiro livro impresso no Brasil (1747) e páginas de Sermões (1679-1748)

12 n julho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 161

entrevista

Jacob Palis

saudável incertezaEstudioso dos sistemas dinâmicos e presidente da Academia Brasileira de Ciências, o matemático fala do amadurecimento da pesquisa brasileira

Se a comunidade brasileira de pesquisadores em matemática é reconhecida internacional-mente, um nome que sintetiza essa competência é o de Jacob Palis Júnior, de 69 anos. Minei-ro de Uberaba, esse filho de um

comerciante libanês com uma dona de casa síria foi um dos principais articula-dores, nos anos 1970, da reformulação do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa), que multiplicou a formação de matemáticos de alto nível no país e se con-solidou como um celeiro da pesquisa de ponta neste campo do conhecimento.

Palis fez graduação em engenharia, iniciada em 1958 e concluída em 1962, influenciado por um irmão engenheiro. Mas quando concluiu o curso, sentiu a necessidade de aperfeiçoar-se em mate-mática, sua paixão desde a infância. “Na minha cabeça eu voltaria à engenharia, mas com uma formação básica muito mais forte. Isso nunca aconteceu”, relem-bra. Após um estágio no Impa com os matemáticos Maurício Peixoto e Elon Lima, decidiu fazer o doutorado nos Es-tados Unidos e mandou uma carta para Stephen Smale, pedindo para ser seu orientando. Smale era um importante pesquisador de sistemas dinâmicos, uma área da matemática iniciada pelo grande matemático francês Henri Poincaré no final do século XIX. Trata-se do estudo de trajetórias de equações diferenciais a longo prazo e que servem para mo-delar fenômenos que evoluem no tem-po, como o clima, as reações químicas e os sistemas planetários, dentre muitos outros. Palis foi prontamente aceito e

Fabrício Marques

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constatou, poucos anos mais tarde, o acerto de sua escolha: em 1966, Smale recebeu a Medalha Fields, o prêmio de maior destaque na área de matemática, considerado o Nobel desta ciência. Na Universidade da Califórnia, em Berkeley, Palis obteve em sua tese de doutorado, concluída em 1967, e logo a seguir em trabalho conjunto com seu orientador, resultados que os levaram à formulação de uma importante conjectura na teoria moderna dos sistemas dinâmicos, rela-cionando dois conceitos, o de hiperbo-licidade e o de estabilidade. A prova da conjectura seria concluída por um dos alunos de doutorado de Palis, Ricardo Mañé, 20 anos mais tarde.

Embora tivesse convites para per-manecer nos Estados Unidos, Palis quis voltar ao Brasil, pois anteviu a possibi-lidade de contribuir para multiplicar a boa, mas restrita, comunidade de pesqui-sadores brasileiros em matemática. No Impa, esteve à frente, ao lado de Peixoto, Lima e Manfredo do Carmo, entre ou-tros colegas, da criação de um programa regular de doutorado, considerado de excelência. Na década de 1970, dedicou--se ao estudo das bifurcações (mudança de estruturas dinâmicas em sistemas que dependem de parâmetros) e, a seguir, à teoria dos sistemas caóticos, aqueles em que um certo grau de incerteza está pre-sente: são sensíveis às condições iniciais e a dificuldade de fazer previsões é bem maior. Seu trabalho e o de diversos outros matemáticos levaram-no à formulação de uma conjectura global dos sistemas dinâmicos, segundo a qual a maioria dos sistemas têm seu comportamento a lon-

go prazo regido por um número finito de atratores, que constituem o “destino final” das trajetórias.

Autor de mais de 80 trabalhos cientí-ficos e orientador de 41 teses de doutora-do, Palis é detentor de diversos prêmios nacionais e internacionais, membro de 12 academias de ciências, dentre as quais a americana, a brasileira, a francesa e a russa e recebeu a Legion d’ Hounner do governo francês. Foi diretor do Impa en-tre 1993 e 2003. Nos últimos anos vem se dedicando também à promoção das atividades científicas e tecnológicas. Pre-sidiu a União Internacional da Matemá-tica entre 1999 e 2002. Em 2006 foi eleito presidente da Academia de Ciências do Mundo em Desenvolvimento (TWAS), com sede em Trieste, na Itália, para on-de se desloca três ou quatro vezes por ano por curtos períodos. Desde meados de 2007 também preside a Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio de Janeiro. “O fato de eu ser presidente da ABC ajuda minha atuação na TWAS e vice-versa”, diz. Casado – a oficialização de sua união com Suely Lima está pro-gramada para o dia 4 de julho –, pai de três filhos e avô de um neto, Palis deu à Pesquisa FAPESP a entrevista a seguir:

n O senhor deixou Uberaba, Minas Gerais, para estudar engenharia no Rio de Janeiro. Depois é que se especializou em matemá-tica. Como foi essa travessia? — Sempre me interessei pela matemáti-ca. Sou o mais novo de uma família com oito filhos. Meu pai veio do Líbano e mi-nha mãe do norte da Síria. Meu pai tinha uma loja grande em Uberaba, vendia de

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tudo. Mas nunca deixou nenhum dos filhos – eram cinco homens e três mu-lheres – ajudar na loja. Queria que todos estudassem na universidade. Era uma obsessão. Quando eu tinha 4 anos, me colocaram numa pequena escola em que eu ia e voltava sozinho – naturalmente perto da minha casa. Quando fui ao gru-po escolar, já sabia somar, multiplicar, conhecia elementos de matemática. O curioso é que hoje está confirmado que a criança tem o perfil neurológico para aprender matemática e linguagem já a partir de 2 anos. O meu gosto por ma-temática vem desde essa época.

n O desejo de seu pai se cumpriu, então.— Foi cumprido à risca. Ele financiava os estudos até o final. Um dos meus ir-mãos fez engenharia e foi o que mais me influenciou. Vim para o Rio de Janeiro aos 16 anos também para cursar a escola de engenharia, que é onde se fazia a me-lhor matemática, na minha visão daquela época. Cursei o segundo e o terceiro ano do científico, uma das duas alternativas do ensino médio para entrar na faculda-de. Tive muito estímulo e ótima moradia, pois meu irmão engenheiro tinha um apartamento muito confortável de frente para o Pão de Açúcar. Foram anos mui-to importantes para mim, tanto que ao final do primeiro ano fiz um teste para entrar na Universidade do Brasil [atual Universidade Federal do Rio de Janei-ro, UFRJ] e passei em primeiro lugar, mas não valeu porque não tinha idade. No segundo ano fiquei novamente em primeiro lugar e aí valeu. Fui para a es-cola de engenharia, mas gostava muito de matemática e de física e fazia muitas perguntas nas aulas.

n Isso lhe trazia problemas?— As respostas nem sempre eram satis-fatórias para as minhas ansiedades. Duas vezes fui chamado pelo diretor da escola porque professores reclamaram. Um de-les dava o curso de motores e depois de seis aulas eu disse a ele, “Professor, o se-nhor poderia resumir tudo isso em uma aula”. Ele chamou-me ao quadro-negro e, de fato, pude fazer um bom resumo no período daquela aula. Ele queixou-se ao diretor, Rufino Pizarro. Disse que eu estava fazendo ironia, o que de forma al-guma era verdade. O diretor me chamou, conversamos e ele disse, “Sou obrigado a repreendê-lo”. Mas na saída falou, “Não mude nunca”. O episódio repetiu-se e outro professor queixou-se ao diretor, que outra vez me encorajou a continuar fazendo perguntas.

14 n julho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 161

doutorado no exterior. Eram poucos os exemplos na época.

n Por que escolheu os Estados Unidos?— Perguntei ao Elon Lima, um dos óti-mos matemáticos que eu conhecia, qual tinha sido o melhor matemático que ha-via passado pelo Brasil em anos recentes. E ele me deu um nome: Stephen Smale. Escrevi para ele. Smale estava na Univer-sidade Columbia, em Nova York. Fiquei meio surpreso quando ele de pronto aceitou ser meu orientador.

n O que sua família achou?— Ficou apreensiva, “Você vai estudar mais? Já não estudou o suficiente?”. Tive de convencê-los. O curioso é que me inscrevi em dezembro de 1963 para começar em setembro do ano seguinte nos Estados Unidos. Mas em junho o Ste-phen Smale decidiu aceitar uma oferta de Berkeley, na Califórnia, e saiu da Uni-versidade Columbia. Ele me avisou que estava indo para Berkeley e escrevi de volta dizendo que as inscrições para lá já haviam se encerrado há tempos. Ele disse que negociaria com Berkeley para que me aceitassem. E assim se passou. Antes disto, em março daquele ano de 1964, houve o golpe militar e o CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] praticamente parou por alguns meses. Era o único lu-gar que eu conhecia que dava bolsas para o exterior. A essa altura eu não tinha co-mo pedir ao meu pai para ajudar – ele já havia me “carregado” até o final de meu curso universitário. Então ouvi falar que existia uma bolsa de nome Fulbright da-da pelo Instituto Brasil-Estados Unidos. Apareci para fazer o teste e, para minha surpresa, rapidamente concordaram em me dar uma bolsa. Mas disseram, “Vamos decidir qual é o seu perfil e onde é melhor você ir”. Eu não concordei, “Só aceito se for para a Columbia”. Pedi a inscrição e me aceitaram. Acabei indo para Berkeley, e com esta bolsa americana.

n Como foi sua adaptação?— Meu orientador de início deu-me boas- -vindas, mas não muito mais do que isso, e nem era para ser. Mas ele coor-denava um seminário relatando novas pesquisas em sistemas dinâmicos que eu decidi fazer após um semestre por lá. Em setembro de 1967 terminei meu doutorado. Fiquei mais um ano nos Estados Unidos: fui para a Costa Leste, visitei a Universidade de Brown e o MIT [Massachusetts Institute of Technology] e conheci Harvard. Em fevereiro voltei a

Berkeley – me ofereceram uma posição de professor assistente. Fiquei até agosto porque queria participar de um grande congresso em julho, de análise global, e aí voltei para o Brasil. Creio que teria fa-cilidade de ficar nos Estados Unidos, mas queria mesmo é dar minha contribuição à ciência de meu país.

n Por que quis voltar?— Nesse tempo estava em Berkeley co-mo professor visitante o Elon Lima, que havia sido professor em Brasília e depois retornou ao Impa, e também se encon-trava por lá outro colega matemático, o Manfredo do Carmo, fazendo um pós- -doutorado. Eu conversava muito com eles e havia a ideia de que nós tínhamos poucos, porém ótimos, matemáticos, so-bretudo Leopoldo Nachbin e Maurício Peixoto. Por diversas razões, inclusive científicas, eles passavam bastante tempo no exterior. Tínhamos, Elon, Manfredo e eu, a sensação de que seria importante ter um ambiente científico permanente, em que a pesquisa fosse feita de forma sistemática, assim como a formação de novos pesquisadores. Retroagindo um pouco, no primeiro ano que passei em Berkeley li um pequeno livro escrito por James Watson, ganhador do Nobel, des-crevendo a descoberta da estrutura do DNA. O livro chama-se The double helix e me impressionou muito. A descrição do ambiente científico onde tudo aconteceu, no Laboratório Cavendish em Cambrid-ge, Inglaterra, é que me chamou mais a atenção. Acho importante contribuir para criar um ambiente científico onde os alunos e os pesquisadores se sintam estimulados. Então me ofereceram uma posição na UFRJ e também no Impa. Mas, um ano depois de voltar, em 1970, percebi que não dava para me dividir entre a universidade e o instituto.

n Por quê?— O Impa tinha as melhores condições. Àquela altura o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] tinha criado o Funtec [Fundo Tecnológi-co], que produziu uma melhora muito grande no orçamento da ciência e tecno-logia básicas. E teve também o parecer Sucupira, do professor Newton Sucupira, do Conselho Federal da Educação, que organizou a pós-graduação no país em bases muito avançadas. Estes dois fatos me entusiasmaram. Certamente o Impa, com o apoio do BNDES, ficou bem mais forte, com potencial de contratar novos pesquisadores, promover aquela ideia de ambiente científico e de lançar um pro-

n E como o senhor chegou à matemática?— Encontrei professores de matemática dentro da escola de engenharia – enge-nheiros que optaram por uma carreira ligada à matemática. Um dos catedráti-cos era Maurício Peixoto, que também me influenciou depois. Entre os relati-vamente poucos e ótimos matemáticos brasileiros da época um bom percentual deles tinha feito engenharia. Isso era um fenômeno comum na época – as pessoas faziam engenharia e no meio do cami-nho descobriam a física, a matemática, a química... Comecei a fazer um semi-nário de matemática e, na parte final do meu curso de engenharia, a frequentar o Impa e, em menor escala o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, o CBPF. Pensei que quando eu terminasse enge-nharia iria estudar mais matemática e física e depois voltaria à engenharia, mas com uma formação básica muito mais forte. Esse “retorno” nunca aconteceu. Terminei o curso e ganhei o prêmio de melhor aluno da universidade na época. Naquele momento decidi que queria ir para o exterior fazer o doutorado. Outra característica que tenho até hoje é que às vezes não sei muito bem do que es-tou falando, mas sei a direção que quero seguir. Não sabia direito o que era fazer

Teria facilidade de ficar nos Estados Unidos. Mas concluí que seria importante criar um ambiente científico permanente no Brasil, em que a pesquisa fosse feita de forma sistemática

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grama regular de pós-graduação. O Im-pa já tinha doutorado, mas em conjunto com a UFRJ. Só para ver a diferença, nos anos 1960 foram formados no Impa oi-to ou nove doutores; nos anos 1970, 30. Ainda em 1970 me encontrei com José Pelúcio Ferreira, famoso por ter sido a pessoa instrumental para a entrada do BNDES no apoio à ciência.

n Com o ministro João Paulo dos Reis Ve-loso o senhor não se encontrou?— Sim e Reis Veloso também foi uma figura importante na criação da Finep [Financiadora de Estudos e Projetos]. A propósito, deu-se comigo um fato inesque-cível em 1970. Eu voltava para casa num sábado à tarde carregado de livros. Morava em Laranjeiras, pertinho do Fluminense, e em geral saltava do ônibus em frente ao Instituto de Cegos e descia em linha reta em direção à minha casa. Mas saltei um ponto antes – não me pergunte por quê – e fiz um circuito mais longo. Peguei uma ruazinha muito calma e por acaso encon-trei o José Pelúcio. Ele estava com os dois filhos pequenos e me viu carregando livros. Perguntou, “No sábado à tarde?”. Respondi que estava treinando alunos e começando um novo programa de doutorado. Ele dei-xou que eu falasse e despejei entusiasmo sobre a minha área e a de outro colega. Disse que seria bom em 1971 fazer uma conferência internacional para nossos alu-nos terem visões diferentes da matemática e dos matemáticos e também para começa-rem a ser conhecidos internacionalmente. Ele perguntou, “Quanto custaria isso?”. E fiz timidamente um orçamento de cabeça e ele disse, “Mas só isso?”. No final da con-versa ele concluiu, “Vamos fazer o primeiro contrato com vocês de US$ 150 mil”.

n Era um dinheiro enorme para a época.— Muito. Eu não conseguia chegar a esse número. Mas em duas ou três semanas nós do Impa estávamos com o ministro Veloso e o Pelúcio assinando o protocolo da concessão do projeto.

n Se o senhor tivesse parado do ônibus no ponto certo...— Aprendi que incerteza é uma coisa óti-ma. Claro que deu tudo certo, fizemos um grande simpósio em julho de 1971 e eu já tinha um aluno muito bem encaminhado no doutorado. Tínhamos começado no final de 1969, início de 1970 e eu espera-va bons resultados quanto à formação de doutores só em quatro, cinco anos. E estes apareceram bem antes: o primeiro a con-cluir o doutorado comigo foi o Welington de Melo, que está no Impa, é um ótimo

matemático e também mineiro como eu. Nessa ocasião, um aluno de um colega uruguaio escreveu uma carta dizendo que tinha demonstrado vários teoremas, resol-vendo conjecturas difíceis em minha área. Gostei muito daquela carta e convenci os outros membros do comitê organizador – o Elon e o Maurício – de que nós tí-nhamos que convidá-lo para nosso sim-pósio. Mas como, se ele não tinha nem se formado na universidade? Insisti porque as coisas que ele escreveu faziam sentido. Ele veio, conversou comigo, perguntou se o aceitaria como aluno. Respondi, “Pelo conteúdo de sua carta, sim”. Um mês de-pois ele escreveu-me e eu aceitei ser seu orientador de doutorado.

n Trata-se do Ricardo Mañé, matemático nascido no Uruguai e já falecido...— Exatamente. Como o Welington, ele terminou seu doutorado em um tempo recorde, fez uma tese muito boa. O fato é que no início de 1973 eu já tinha orien-tado três teses de doutorado. A seguir fui para os Estados Unidos com uma bolsa Guggenheim e passei um ano fora. É im-portante dizer que as teses destes primei-ros alunos foram publicadas em ótimas revistas. Fiquei muito entusiasmado por-que os frutos apareceram antes do que nós esperávamos. O mesmo aconteceu na área de geometria, do Manfredo do Carmo.

n Um site que mapeia a genealogia dos matemáticos informa que o senhor teve 41 estudantes sob sua orientação e 128 des-cendentes, que são os alunos de seus alunos. Queria que abordasse essa relação de orien-tadores e seus discípulos na matemática.

— Tenho muito orgulho dos colegas que foram meus alunos e seus descenden-tes. Não tenho conflitos com eles porque acho importante reconhecer o mérito deles e não por terem sido meus alunos. O Ricardo Mañé, por exemplo, foi um matemático que poderia ter ganho a Medalha Fields. Esse prêmio é dado a matemáticos de até 40 anos. Nenhuma Medalha Fields foi dada até hoje a um matemático que tenha feito sua carreira em um país em desenvolvimento. Claro que o ambiente matemático internacio-nal hoje em dia respeita muito mais a comunidade matemática brasileira do que naquela época, meados dos anos 1980, embora já desfrutássemos de um bom prestígio. Mas o fato é que quando se obtém um resultado espetacular em Princeton ou em Paris, todo mundo fica sabendo. Fora dos grandes centros, o im-pacto de um grande resultado tende a ser mais limitado. O Ricardo certamente era um matemático que poderia ter ganho a Medalha Fields. Outro que veio depois é o Marcelo Viana. Atualmente temos um candidato muito forte.

n Quem é?— Chama-se Artur Ávila. Ele chegou muito cedo ao Impa. Veio do Colégio Santo Agostinho. Foi aluno do Weling-ton de Melo, e doutorou-se aos 20 anos. É brilhante. Hoje tem 30 anos. Está em Paris metade do ano e, com essa idade, já é um diretor de pesquisa, ligado ao Centre National de la Recherche Scien-tifique, o CNRS. Isso é excepcional. Há três anos ele veio passar uma longa tem-porada no Brasil e o Impa sabiamente

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ofereceu a ele permanecer por aqui seis meses anual mente, com salário, em uma posição muito especial. Isso é possível porque o Impa é uma organização social, com estrutura mais flexível. Enquanto está conosco ele ganha salário e quando vai para a França isso é suspenso. Sem dúvida, ele já é uma liderança aqui e também lá.

n Como a pesquisa em matemática no Brasil evoluiu nos últimos anos?— Atualmente é particularmente forte. Em 1974 e em 1978 dois matemáticos bra-sileiros deram palestras no Congresso In-ternacional de Matemáticos, fato até então inédito. Voltou a acontecer nos anos 1990. Ser convidado para fazer palestras em tal congresso é um fator de muito prestígio. Ele só ocorre a cada quatro anos e são convidados cerca de 180 matemáticos e matemáticas. O número de nossos pa-lestrantes neste congresso vem crescendo e esse é um dos sintomas de nossa forte presença no cenário internacional. Não é o único, mas é um bom indicador.

n E mais recentemente?— Em 2010 vamos ter dois palestrantes neste congresso e ambos são do Impa: Artur Ávila e Fernando Codá. O Artur dará uma palestra plenária. Como é muito jovem, isso aponta para a Meda-lha Fields. Mas não é certeza. O Marce-lo Viana já tinha dado uma plenária em 1998 e não ganhou a Fields em 2002 – em minha opinião, isto foi um erro, mas sou suspeito para dizê-lo. Esse crescimento da importância da pesquisa científica brasileira é recente – como um todo, a ciência brasileira é muito jovem. De fato, ela começa a se consolidar com a criação da Universidade de São Paulo, em 1934. Claro que tivemos um Carlos Chagas, notável cientista, mas não foram muitos como ele. Nossa comunidade foi toman-do corpo nos anos 1940 e sobretudo nos anos 1950. É tudo muito recente.

n Qual o grau de amadurecimento da co-munidade científica brasileira?— A produção científica brasileira cres-ceu muito e não por mero acaso. Gra-ças a um investimento regular, que tem crescido nos últimos anos, os ambientes científicos têm cada vez mais se consoli-dado. Há uma grande concentração em São Paulo e, a seguir, no Rio. É bom que esses centros sejam fortes. Mas também é importante que surjam ótimos cen-tros em todos os estados. É preciso não confundir essa posição com a de deixar de valorizar as melhores equipes, os me-

lhores centros. A ideia não é essa. Mas a desconcentração é muito importante e foi por isso que a ABC recentemente criou vice-presidências regionais. Cria-mos também os Membros Afiliados de até 37 anos, jovens cientistas de maior talento de cada região escolhidos anual-mente pelos Membros Titulares daquela região por um período de cinco anos não renováveis. Isso está tendo uma reper-cussão muito boa, graças ao entusiasmo desses jovens.

n A ABC mantém grupos de cientistas encarregados de produzir documentos sobre grandes temas. Qual é o saldo dessa experiência? — Os grupos de estudos representam outra frente importante de atividades. No ano que vem teremos uma eleição e há uma orientação no sentido de que os grupos de estudos em andamento con-cluam, se possível, sua missão de uma forma já propositiva para oferecer do-cumentos conclusivos aos candidatos, sobretudo à Presidência da República, mas também aos que pleiteiam ser go-vernadores de estado quando apropria-do. Sempre com base científica. É muito importante que os documentos gerados sejam propositivos. Nesse sentido, graças ao grupo de estudos da ABC de biocom-bustíveis, marcamos uma presença muito boa no que se chama G8 + 5 de acade-mias de ciências. Temos o G8 + 5, que é o grupo dos sete países mais ricos, mais a Rússia, e os cinco países de economia emergente (África do Sul, Brasil, China, Índia e México). Como os mandatários desses países se reúnem anualmente, as respectivas academias de ciências são convocadas para fazer proposições em dois temas científico-tecnológicos de primeira importância para a sociedade. Este ano foram escolhidos Energias Re-nováveis e Migração. No primeiro, bio-combustível quase não aparecia, devido à questão da segurança alimentar. Aqui quero marcar um ponto: os cientistas brasileiros defendem o etanol brasileiro em bases puramente científicas.

n E como foi a apresentação da ABC?— Falei sobre o etanol brasileiro, seguin-do as linhas das discussões do grupo de estudo de biocombustíveis da ABC, mas o texto foi essencialmente escrito por Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, com a colaboração de outra pessoa muito competente, que é o João Jornada, presidente do Inmetro. A certa altura, percebi que o texto nos colocava na defensiva porque dizia, “Podemos pro-

duzir usando um pequeno percentual de terra arável do Brasil e da América do Sul, cerca de 10% do consumo mundial de gasolina”. O “pequeno percentual” havia sido calculado por importantes cientistas da área de segurança alimentar como o limite aceitável para a plantação de cana--de-açúcar. Mesmo assim, pelas minhas contas, o resultado dava mais de 100%. Liguei de Roma para o Brito e disse que se produzia muito mais etanol do que es-tava no texto. Ele disse que sugeriu aquele número admitindo-se um coeficiente de risco exagerado. Eu respondi que de-veríamos apostar em um número mais correto, levando em conta um coeficiente de risco mais plausível. Ele concordou. A conclusão é a seguinte: usando estimati-vas de cientistas respeitáveis que criticam biocombustíveis em favor da segurança alimentar, apenas com a terra arável que sobra de seus cálculos no Brasil e na Amé-rica do Sul, podemos produzir etanol de cana que cobre todo o consumo mundial de gasolina até 2050. É espetacular. Além disso, é o menos poluente e não disputa espaço com a terra arável necessária à se-gurança alimentar. Creio que talvez tenha sido a melhor apresentação da reunião. E o documento final valorizou a posição so-bre biocombustíveis de nossa delegação.

n Quando o senhor esteve na FAPESP, em abril, assistiu a uma exposição dos coorde-nadores de três programas da Fundação: o Biota, o de bioenergia e o de mudanças climáticas. O que achou dos relatos?

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— Fiquei impressionado com a pujança dos estudos, o entusiasmo dos grupos e sua produtividade. São projetos densos. Entendi que o de mudanças climáticas tem essas características, mas ainda está em desenvolvimento. Nos outros, as ati-vidades têm sido intensas.

n Na apresentação, o senhor deu suges-tões sobre programas de formação de novos pesquisadores em áreas que me parecem ainda carentes no país... — Claro que levantamentos devem ser feitos para consolidar minha opinião, mas de pronto posso dizer que oceano-grafia mereceria um programa especial para formação de pesquisadores. Esse esforço já foi feito, mas há que ser re-novado. Temos uma costa imensa, um ambiente muito especial que também sofre impactos de toda sorte, inclusive mudanças climáticas. Outra área é a de engenharia, que sofreu muito na década de 1980. É uma área vital para o desen-volvimento de qualquer nação. Há tam-bém o caso da matemática: trata-se de uma comunidade muito bem qualifica-da por vários indicadores, mas pequena em relação à demanda. Um exemplo: a média nacional de citações em relação à média mundial é de - 11%. Isto é, es-tamos colados à média mundial, que se concentra nos países avançados. Trata-se de um índice excelente. Mas a área não tem atraído um número suficiente de ta-lentos. Mencionei oceanografia e enge-nharia, áreas que considero que tenham o mesmo problema. Isso representa para nós um desafio: criar estímulos para que um número maior de ótimos talentos se dirija a essas áreas. Quanto à matemática, em particular, ela é importante porque perpassa muitas áreas de conhecimento. O que está acontecendo é que estamos formando hoje cerca de 120 doutores por ano nas instituições bem qualificadas pe-la Capes. É um número pequeno porque não atende à demanda nem dos concur-sos das universidades. Muitas vezes as vagas são preenchidas por físicos teóricos e eles são bem-vindos, mas também não é sempre que se interessam.

n Quando o senhor assumiu a presidên-cia da Academia de Ciências do Mundo e Desenvolvimento (TWAS) há dois anos, apontou como desafios específicos o au-mento da participação das mulheres e a questão da fuga de cérebros. A TWAS está conseguindo cumpri-los?— Sim, mas os desafios pela frente são imensos. Essa é uma tarefa que não termi-na em tão breve período de tempo. Men-

de modo geral, as instituições não são tão estáveis na maioria dos países da África. É fundamental tornar os ambientes de pesquisa mais estáveis. No conjunto, faltam centros de pesqusia adequados para que os talentos que existem por lá fiquem à vontade em suas atividades, sem excessivas preocupações finan-ceiras de sobrevivência. Em relação ao programa que mencionei – doutorado, doutorado sanduíche, pós-doutorado para alunos qualificados dos países em desenvolvimento –, a TWAS fornece a passagem. Em relação à bolsa, é a me-nor das despesas, mas simbolicamente é importante. Acho que é também im-portante criar vínculos que permitam ao aluno que vem de um país relativamente menos desenvolvido voltar à sua nação de origem com a certeza de que suas relações com cientistas do Brasil, China, Índia e México permanecerão no futuro. Por isso é essencial ter o pós-doutorado como parte do programa. Há ainda um grande desafio: convencer os próprios governos dos países menos privilegiados a participarem do processo.

n Por que o Brasil tem dificuldades dramáti-cas de melhorar o rendimento dos alunos de matemática? Temos pesquisa de ponta, mas seguimos patinando no ensino básico.— É um aparente paradoxo. A pesquisa de ponta é feita por uma comunidade bem menor que a de ensino fundamen-tal e médio. O ensino da matemática, nas suas diversas etapas, envolve nú-meros completamente diferentes, com milhões de jovens e crianças. Assim, as dimensões relativas às pesquisas e ao ensino de matemática como um todo são muito diferentes. Há dois pontos a discutir: o principal deles é a formação de bons professores. Mas não basta só ter professores competentes com salá-rios razoáveis. É preciso ter também o apreço da sociedade. Isso piorou muito no Brasil porque antigamente não tínha-mos pós-graduação e os professores do secundário dos melhores colégios eram figuras importantes na sociedade. Isso tudo se perdeu. O prestígio deslocou-se para a universidade e depois para pós- -graduação e pesquisa. Há que recompor esse quadro. Isso vai influenciar toda a cadeia. É algo fácil de desenhar e difícil de implementar. Estamos começando a enfrentar o problema com vigor. Temos olimpíadas para estimular os alunos, mas ainda esbarramos na falta de competên-cia de quem ensina. O professor, às vezes, tem a maior boa vontade, mas não pode ensinar o que não sabe. n

cionando um exemplo singelo relativo à nossa ABC: este ano, num total de 18, fo-ram eleitas seis cientistas mulheres como membros titulares. Esse número é inédito, correspondente a um terço do total de eleitos. Subimos um pouco o percentual de mulheres dentre os membros titulares, que agora é da ordem de 11,5%. Temos que chegar a 50%! De maneira natural, sem forçar e sempre respeitando o mérito. Na TWAS o percentual é bem menor, mas há programas especiais de doutorado e pós-doutorado para mulheres dos paí-ses em desenvolvimento. Temos também programas financiados em grande parte pelo Brasil, China, Índia e México, que oferecem bolsas de doutorado, bolsas de doutorado sanduíche e de pós-doutora-do aos candidatos qualificados dos paí-ses em desenvolvimento e isso nas boas instituições de pós-graduação dos países mencionados. Cada vez mais a mulher é consciente da sua competência e parti-cipa mais desses programas. Mas há que manter vigoroso estímulo à presença da mulher no ambiente científico.

n E em relação à fuga de cérebros?— A fuga de cérebros é dramática nos países africanos, ao contrário do Brasil. Com a possível exceção da África do Sul,

O número de doutores em matemática que formamos não atende sequer à demanda dos concursos de universidades. Muitas vezes as vagas são preenchidas por físicos teóricos

Afiado até o fimEstudos revelam como o cérebro envelhece e sugerem estratégias para mantê-lo saudável durante toda a vida

Pesquisas concluídas recentemente – e outras ainda em anda-mento – no Brasil e no exterior vêm permitindo conhecer em detalhes alguns dos fenômenos químicos e biológicos caracte-rísticos do envelhecimento, em especial do cérebro e de outros órgãos do sistema nervoso central que controlam a forma como percebemos o mundo e interagimos com ele. Realizados com pessoas e animais saudáveis, vários desses trabalhos devem

contribuir para que nos próximos anos se consiga definir com mais precisão a fronteira que separa as alterações típicas do envelhecimento natural daquelas que caracterizam o princípio de enfermidades neuro-degenerativas aniquiladoras como o mal de Alzheimer, que atinge cerca de 5% das pessoas com mais de 60 anos e se torna mais e mais comum à medida que a idade avança. Segundo alguns especialistas, hoje essa fronteira estaria mais para uma larga faixa do que uma linha.

“Estabelecer o que é parte do envelhecimento saudável e estreitar essa fronteira talvez permita identificar mais cedo as pessoas vulnerá-veis a desenvolver essas doenças e tomar medidas para tentar frear o seu progresso”, afirma o psiquiatra Geraldo Busatto, coordenador do Laboratório de Neuroimagem Psiquiátrica da Universidade de São Paulo (USP), que vem investigando o processo natural de envelheci-mento do cérebro.

Esse conhecimento, aliás, torna-se cada vez mais fundamental à medida que a população humana envelhece, a galope, nas diferentes regiões do planeta. A proporção de adultos com mais de 60 anos deve

Ricardo Zorzetto

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Afiado até o fimAfiado até o fimcrescer continuamente ao longo deste século – de modo mais acelerado em sua primeira metade, segundo uma projeção publicada na revista Nature no início de 2008 – e passar de 10% da população mundial em 2000 para 22% em 2050 e 32% em 2100. No início do próximo século o Japão será pratica-mente uma nação de idosos: metade dos japoneses terá mais de 60 anos. No Brasil não será diferente. O índice de pessoas com mais de 60 anos deve tri-plicar até 2050, passando dos atuais 9% para 29%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em paralelo ao aumento da expectativa de vida, gastos públicos e privados devem crescer, uma vez que os idosos consomem mais recursos de saúde do que os mais jovens. Estimati-vas apresentadas anos atrás por James Lubitz em dois artigos no New England Journal of Medicine dão uma ideia de quanto custam alguns anos a mais de

vida nos Estados Unidos. Uma pessoa que morre aos 65 anos gasta com saúde no último ano de vida cerca de US$ 31,2 mil. Quem vive mais 25 anos e che-ga aos 90 desembolsa US$ 235,4 mil, a maior parte com atendimento médico e cuidados de enfermagem.

Nesse mundo mais grisalho, que exigirá uma revisão dos sistemas de aposentadoria e trabalho, quem deseja ver netos e bisnetos crescerem certa-mente pretende chegar ao final da vida em boa forma, tanto do ponto de vista físico como mental. Ainda que se esteja longe de qualquer espécie de pílula an-tienvelhecimento, a ciência pode ajudar as pessoas a completar 80 anos com boa saúde, mente afiada e muito tempo de vida pela frente, e a desfazer o retrato pouco atraente da velhice que Shakes-peare, com a ironia habitual dos ingle-ses, traçou na comédia As you like it, escrita 400 anos atrás, quando poucos viviam muito além dos 30. De acordo

com a personagem Jacques, a sétima e última fase da vida seria uma segunda infância. Mas desprovida da vitalidade e do frescor desta e marcada pela per-da: dos dentes, da visão, do paladar, da memória, enfim, de tudo.

Há oito anos as equipes de Busatto e de dois especialistas em epidemiologia da USP, o psiquiatra Paulo Rossi Mene-zes e a psicóloga Marcia Scazufca, ini-ciaram um levantamento em hospitais e unidades do serviço público de saúde e em clínicas privadas de uma área na região oeste da capital paulista habita-da por cerca de 1,3 milhão de pessoas. Pretendiam identificar adultos que pro-curavam um serviço de saúde mental pela primeira vez com sinais de psicose, transtorno que provoca distorção na percepção da realidade, com o objeti-vo de obter imagens de seus cérebros e verificar se apresentavam alterações. Os pesquisadores também convidaram um vizinho sem problemas de saúde física

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ao longo da vidaou mental para participar do estudo e servir como parâmetro de comparação – em geral, vizinhos de bairro compar-tilham um ambiente físico semelhante e apresentam níveis socioeconômico e cultural muito próximos. Com um equipamento de ressonância nuclear magnética, o grupo da USP conseguiu imagens do cérebro de 89 pessoas sau-dáveis com idade entre 18 e 50 anos. Também produziu imagens de 102 homens e mulheres saudáveis na faixa etária dos 65 aos 75 anos, seleciona-dos entre 2.072 pessoas que integraram outro estudo, feito em parceria com o psiquiatra Homero Vallada.

E ssa amostra nos permite ter uma ideia mais aproximada de como é o envelhecimento cerebral na popu-

lação brasileira, que tem uma história de vida muito diferente daquela da po-pulação europeia ou norte-americana”, afirma Busatto, um dos coordenadores da pesquisa. As análises iniciais desse trabalho começam a surgir agora na forma de artigos científicos, um pu-blicado em março na Neurobiology of Aging e outro que deve sair em breve no American Journal of Neuroradiology, e de apresentações em dois congressos internacionais realizados no início de julho em Paris.

O que revelam? Muita coisa. Uma delas é que durante o envelhecimento natural o cérebro sofre uma considerá-vel eliminação de células (neurônios) – há quem estime em 50 mil o número dessas células mortas por dia dos 20 aos 75 anos, totalizando uma perda de 10% do total com que nascemos –, mais acentuada na região que amadu-rece mais tarde: o córtex, uma camada de poucos milímetros de espessura que recobre externamente os dois hemis-férios cerebrais. Como um regente de orquestra, o córtex cerebral coordena o processamento e o armazenamento de informações captadas pelos órgãos do sentido (visão, audição, paladar, tato e olfato), além dos movimentos. Nele estão concentrados os corpos celulares (a região central, onde está o núcleo ou centro de comando) da maior parte de nossos 100 bilhões de neurônios. Por sua coloração levemente acinzentada, o córtex, ao lado de áreas menores e mais internas do cérebro que também abrigam os corpos celulares dos neu-rônios, compõe o que se conhece como massa cinzenta.

A partir das imagens do cérebro dos indivíduos com idade entre 18 e 50 anos, Débora Terribilli e Maristela Schaufelberger calcularam o volume de massa cinzenta e também o de massa

branca, onde se concentram os pro-longamentos (axônio) dos neurônios, responsáveis pela conexão de diferentes regiões do cérebro e de outros órgãos do sistema nervoso central. Elas notaram que as pessoas mais velhas de fato apre-sentavam uma redução mais acentuada da massa cinzenta, em especial em duas regiões do sistema nervoso central: o córtex pré-frontal direito e o hemisfé-rio esquerdo do cerebelo – o volume de outras áreas cerebrais variou muito pouco. Situado na porção anterior do cérebro, logo acima dos olhos, o córtex pré-frontal é associado ao planejamen-to de ações, aos movimentos complexos e ao pensamento abstrato. No extre-mo oposto da cabeça, pouco acima da nuca, o cerebelo coordena a realização dos movimentos (em particular movi-mentos finos como passar uma linha pelo buraco de uma agulha), além de desempenhar um papel importante na aquisição da memória, na atenção, no controle dos impulsos e na percepção de informações do ambiente.

Busatto esperava mesmo verificar alguma redução de massa cinzenta em algumas regiões, já que, depois de completar a sua formação no final da infância, o cérebro e outros órgãos do sistema nervoso central começam a en-colher lenta e progressivamente, sem que isso represente danos relevantes ou alguma enfermidade. O mais intrigan-te, porém, foi que essa perda de massa cinzenta não ocorreu de forma contí-nua nem afetou de maneira homogênea o córtex pré-frontal e o cerebelo.

Dois fenômenos biológicos pare-cem explicar esse achado. Um deles é o amadurecimento tardio do córtex, que provoca a eliminação das conexões (sinapses) entre neurônios não utili-zadas, chamada pelos especialistas de poda sináptica. Como os cabos de uma central telefônica que são recolhidos, a poda sináptica interrompe a comu-nicação entre essas células. Mas pode ser acompanhada da criação de novas conexões e até mesmo da formação de neurônios novos (neurogênese), o que

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Aprendizagem remodela massa cinzenta

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ao longo da vida

pode fazer o volume de massa cinzenta variar. A segunda transformação, ge-ralmente observada até a terceira ou quarta década de vida, é a continuação do crescimento de uma camada prote-tora de mielina envolvendo o axônio, que acelera a transmissão dos impulsos nervosos, e influencia o cálculo do vo-lume relativo da massa cinzenta. “Ape-nas parte da perda que vimos se deve à morte de neurônios”, explica Busatto.

D o final da adolescência até a ida-de madura, a redução de massa cinzenta foi mais rápida e intensa

entre os homens do que entre as mu-lheres. Esse resultado, detalhado pelo grupo da USP no artigo da Neurobio-logy of Aging, coincide com o de um estudo realizado no Japão e que deve ser publicado nos próximos meses pela mesma revista. No Instituto de Desen-volvimento, Envelhecimento e Câncer da Universidade Tohoku, a equipe de Yasuyuki Taki acompanhou por seis anos 381 moradores de Sendai que

tinham de 28 a 87 anos. Imagens rea-lizadas no início e no final da pesquisa mostraram o declínio mais acelerado de massa cinzenta na população mas-culina. Embora nos homens o volume desse tecido seja cerca de 10% maior do que nas mulheres – em média, 673 mililitros ante 606 mililitros –, eles per-dem massa cinzenta mais rapidamente da terceira até a oitava década de vida. No final do experimento, o volume médio masculino era 640 mililitros e o feminino 589 mililitros.

Novamente, duas razões parecem justificar esse declínio mais acentuado nos homens. Em primeiro lugar, eles são mais propensos a desenvolver pro-blemas cardiovasculares, que reduzem o fluxo sanguíneo cerebral e aumentam a morte de neurônios. Além disso, até por volta dos 50 anos as mulheres es-tão naturalmente mais protegidas. Por mecanismos ainda não muito claros, os hormônios femininos, entre eles o estrógeno, parecem reduzir a morte de células cerebrais.

Em plenaatividade:Tomie Ohtake, a artista plásticade 96 anos, e o arquiteto Oscar Niemeyer, de 102

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ao longo da vida

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tal e se prolongue por mais tempo nessa região. “O córtex é formado por bilhões e bilhões de células, o que lhe garante uma reserva fisiológica, pois muitas de-las têm função redundante, enquanto o hipocampo só tem algumas centenas de milhares de neurônios”, comenta o neurologista Fernando Cendes, da Uni-versidade Estadual de Campinas (Uni-camp), um dos coordenadores da Co-operação Interinstitucional de Apoio a Pesquisas sobre o Cérebro (CInAPCe), financiado pela FAPESP.

Por meio de um teste de memori-zação de palavras e exames de imagens, Cendes e os neurologistas Benito Da-masceno e Marcio Balthazar avaliaram a memória e a integridade do cérebro de 47 pessoas com mais de 50 anos (16 saudáveis, 15 com comprometimento cognitivo leve e 17 com Alzheimer em fase inicial). Tanto os indivíduos com comprometimento cognitivo leve como aqueles com Alzheimer apresentaram redução de massa cinzenta em duas áreas do sistema límbico – o hipocampo e os núcleos talâmicos –, em comparação com as pessoas saudáveis. A principal diferença, segundo Balthazar, estava na quantidade de neurônios perdidos, mais elevada em quem tinha Alzheimer. Ou-tra distinção marcante: as pessoas com Alzheimer também apresentam algum nível de perda de massa branca, segundo dados publicados em 2009 no European Journal of Neurology.

Tão importante quanto localizar e medir a perda de massa cinzenta é saber o que a provoca. Recentemen-

te dois grupos paulistas encontraram algumas pistas de alterações bioquí-micas que se tornam comuns com o envelhecimento e desencadeiam a morte celular – o que pode explicar, ao menos em parte, a perda de neurônios observada nos idosos.

Anos atrás Elisa Kawamoto e Cris-toforo Scavone, do Laboratório de Neu-rofarmacologia Molecular da USP, pro-curaram Tania Marcourakis e Ricardo Nitrini, estudioso do mal de Alzheimer, para propor uma colaboração: preten-diam estudar pessoas com a enfermida-de à procura de alguma característica especial que pudesse ser usada como marcador biológico da doença, que até hoje só é confirmada após a morte por meio da autópsia. Trabalhos publicados à época sugeriam que o Alzheimer, que leva à perda progressiva da memória e da capacidade de realizar funções es-senciais à vida como se alimentar, afe-taria todo o organismo, e não apenas o sistema nervoso central.

A o analisar a atividade das proteí-nas de dois tipos de células do san-gue (hemáceas e plaquetas), Elisa

e Scavone descobriram uma alteração importante. Quem tinha Alzheimer produzia óxido nítrico em níveis bem superiores ao normal. Extremamente versátil, o óxido nítrico é um com-posto essencial à vida que funciona como neurotransmissor no sistema nervoso central. Em excesso, porém, mata as células – o óxido nítrico gera moléculas chamadas radicais livres,

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Sem perder a linha: idosos e crianças na passarela de Ronaldo Fraga na São Paulo Fashion Week

À medida que o tempo avança e o vi-gor físico diminui, ocorre uma mudança importante no padrão de perda da massa cinzenta cerebral. A diminuição no nú-mero de neurônios – antes restrita a al-gumas áreas do córtex, região do sistema nervoso muito jovem do ponto de vista evolutivo, que começou a se desenvolver há 60 milhões de anos com o surgimento dos primatas – passa a atingir também, de modo acelerado, uma porção mais interna e primitiva do cérebro: o siste-ma límbico, que abriga uma estrutura em forma de cavalo-marinho chamada hipocampo, associado à aprendizagem, à memorização de fatos recentes e à fi-xação de memórias antigas.

D os 70 anos em diante, os homens apresentaram uma perda de neu-rônios mais acentuada no hipo-

campo do que em outras áreas do cérebro, constatou Pedro Curiati ao analisar imagens do sistema nervoso central de 102 idosos saudáveis. Nas mulheres observou-se um declínio acelerado de massa cinzenta em todo o cérebro a partir dos 70 anos. “Ana-lisados em conjunto, esses dados aju-dam a compreender algumas das alte-rações clínicas que os idosos saudáveis apresentam, como dificuldade maior de aprender tarefas novas ou de criar novas memórias”, afirma a psiquiatra Tânia Ferraz Alves, uma das autoras da pesquisa.

Até faz sentido que a perda mais acelerada de neurônios no envelheci-mento normal comece no córtex fron-

pESQUISA FApESp 161 n julho dE 2009 n 23

> Artigos científicos

1. TERRIBILLI, D. et al. Age-related gray matter volume changes in the brain during non-elderly adulthood. Neurobiology of Aging. No prelo.2. TAKI, Y. et al. A longitudinal study of gray matter volume decline with age and modifying factors. Neurobiology of Aging. No prelo.

que danificam as proteínas celulares. Faltava verificar se a produção exage-rada desse composto era exclusiva do Alzheimer ou uma característica do envelhecimento.

De volta ao laboratório, Scavone e Elisa realizaram testes com ratos com idades variando de 6 a 24 meses, o que, em uma comparação grosseira, cor-responderia em humanos a uma faixa etária que vai do final da adolescência até os 85 anos. Desta vez encontraram produção aumentada de óxido nítrico tanto nas células sanguíneas quanto em neurônios do córtex pré-frontal dos animais idosos. Era um sinal de que o desequilíbrio bioquímico deveria surgir com o envelhecimento.

E havia mais. Já se sabia que os neurô-nios do córtex cerebral eram muito mais suscetíveis aos danos que sur-

gem no Alzheimer do que os neurônios do cerebelo. Mas não se tinha ideia de qual fator conferia essa resistência. Elisa descobriu que as células do cerebelo produziam níveis mais altos de uma proteína que auxilia a preservação e es-timula a proliferação dos neurônios: o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF). As taxas de BDNF também eram mais elevadas no córtex de ra-tos jovens do que no de ratos idosos. “Com a diminuição da produção desse composto neuroprotetor e o aumento da geração de radicais livres, a célula não resiste”, diz Elisa, que atualmen-te pesquisa no Instituto Nacional do Envelhecimento dos Estados Unidos a capacidade de compostos naturais como a curcumina combaterem os ra-dicais livres.

Estudando a causa da morte de neu-rônios de ratos idosos, as farmacolo-gistas Soraya Smaili e Guiomar Lopes, da Universidade Federal de São Paulo, viram que a elevação dos níveis de radi-cais livres no interior do cérebro dani-fica a membrana de uma das organelas mais importantes da célula, a mitocôn-dria, que transforma o açúcar (glicose) disponível no sangue em energia. Com a membrana alterada, a mitocôndria libera proteínas que desencadeiam a morte celular. “O envelhecimento pa-rece produzir uma série de alterações que, isoladamente, não causam disfun-ção celular, mas, em conjunto, matam as células”, diz Soraya.

Enquanto não surge – se é que sur-girá – um tratamento para minimizar os efeitos do envelhecimento sobre o cérebro, quem pretende chegar bem ao final da vida dispõe de algumas al-ternativas ao alcance de todos. Uma é a prática de exercícios físicos. Estudos com animais já mostraram que man-ter o corpo em movimento melhora o fluxo sanguíneo e a oxigenação do cérebro e estimula a produção de neu-rônios. Em testes com idosos, Arthur Kramer, da Universidade de Illinois, constatou que atividades aeróbicas, como caminhadas, melhoram o fun-cionamento do córtex, o desempenho em tarefas cognitivas e promovem o crescimento do hipocampo. “Quem não se exercita sempre pode começar”, diz Andréa Deslandes, da Universida-de Federal do Rio de Janeiro, autora de uma análise sobre os mecanismos pelos quais o exercício pode retardar o envelhecimento.

Quem não sai da cadeira sequer para alcançar o controle da tevê tem outra saída: manter-se intelectualmente ativo. Investigando o cérebro de pessoas que morreram com mais de 80 anos e aparentavam ser saudáveis do ponto de vista neurológico, Ricardo Nitrini, da USP, descobriu que uma em cada quatro idosos apresentava as lesões típicas do Alzheimer. “O que explica porque essas pessoas estavam bem é o alto grau de escolaridade e o nível intelectual elevado”, afirma. Atividades que exigem esforço mental, como pla-nejar o caminho mais rápido na feira, fazer palavras cruzadas ou ler, ajudam. Na opinião do neurocientista Iván Iz-quierdo, especialista em memória, a leitura é a melhor maneira de manter as sinapses ativas. “Quando alguém lê usa vários tipos de memória”, disse Iz-quierdo em uma entrevista anos atrás. “Quem não pode ou não sabe ler deve pedir a alguém que leia para ele. Assim usa a memória auditiva.” n

Em amarelo: áreas do cérebro em que há perda de massa branca no Alzheimer

Em vermelho:redução de massa cinzenta no córtex (alto) e no sistema límbico (acima) no Alzheimer

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24 ■ julho DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 161

Estratégias MUNDO>>

>Parquesem banho-maria

A crise financeira mundial afetou grandes projetos de parques tecnológicos, principalmente nos Estados Unidos, mas outros países fazem um esforço para levar adiante tais empreendimentos. “Muitos projetos estão em banho- -maria com a falta de dinheiro”, disse à revista

As glórias do passado e os

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problemasbemdefinidos.“Estamosfalandodageografiado

séculoXXI,nãodadoséculoXIX”,afirmou.

missões espaciais da Nasa. A primeira audiência pública evidenciou dificuldades para levar adiante as metas do governo Bush, de substituir os ônibus espaciais por uma nova geração de naves e levar novamente o homem à Lua. Steve Cook, responsável pelo projeto de foguetes Ares, idealizados para conduzir a cápsula tripulada Orion ao espaço, informou que a Nasa gastou apenas US$ 10 bilhões dos US$ 35 milhões necessários para viabilizar a primeira missão à Estação Espacial Internacional, em 2015. E disse que serão necessários US$ 100 bilhões para completar a missão que levará o homem à Lua, em 2020. O custo elevado reabriu o debate sobre

a utilidade científica desse tipo de missão, que pouco acrescentaria aos resultados das missões Apollo. Entidades como a Planetary Society, em Pasadena, na Califórnia, propuseram outros destinos em substituição à Lua, como asteroides próximos à Terra – numa etapa preparatória de uma viagem a Marte. O relatório da comissão deve ser concluído em agosto.

>ALuapode esperar?

Às vésperas do aniversário de 40 anos da chegada do homem à Lua, comemorado no dia 20 deste mês, uma comissão de dez especialistas convocada pelo presidente norte-americano Barack Obama começou a debater o futuro das

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PESQUISA FAPESP 161 ■ julho DE 2009 ■ 25

Nature Anthony Townsend, diretor de centro de estudos do Institute for the Future, de Nova York. Um dos projetos em compasso de espera é o de um parque em Kannapolis, na Carolina do Norte, vítima provável de um corte de US$ 4,5 bilhões do orçamento que o governo estadual terá de fazer. O Massachusetts Biomedical Initiatives, que agrega três incubadoras tecnológicas, perdeu a metade dos US$ 700 mil em subsídios estaduais que recebia para comprar equipamentos. Em outros países a situação é menos grave. No Japão, a Kansai Science City não foi afetada pela recessão, graças à diversidade de patrocinadores, que vão de laboratórios farmacêuticos a fabricantes de produtos eletrônicos. Recentemente, o governo francês anunciou investimentos de € 1,5 bilhão em 71 polos industriais. O premiê de Cingapura, Lee Hsien Loong, também

avisou que os investimentos em dois grandes projetos de parques tecnológicos, batizados de Biopolis and Fusionopolis, seguirão apesar da recessão.

>Produção transparente

A Colômbia quer unificar sua produção acadêmica e científica num portal da internet. A Biblioteca Digital Colombiana (www.bdcol.org) foi lançada no mês passado e abriga teses e artigos científicos de pesquisadores de duas universidades públicas e onze privadas. O projeto busca dar suporte às universidades, que vêm sendo cobradas a organizar repositórios acessíveis à sociedade dos documentos científicos que produzem. Segundo Edwin Montoya, líder da iniciativa, o objetivo é atrair todas as universidades para o projeto.

>Etanol sudanês

O presidente do Sudão, Omar al-Beshir, inaugurou a primeira fábrica de biocombustíveis do país. A planta, instalada a 250 quilômetros da capital Khartoum, foi construída graças a um acordo com a companhia brasileira Dedini e deverá produzir 200 milhões de litros de etanol de cana-de-açúcar nos próximos dois anos. O país também celebrou uma colaboração com o Egito para o desenvolvimento de biocombustíveis extraídos de palha de arroz. Eltayeb

A tunísia, a África do Sul e o Quênia emergiram do relatório

The Africa Competitiveness Report 2009,produzidopeloFó-

rumEconômicoMundial,comoospaísesmaisinovadoresdo

continente.“Elestêminstituiçõesdepesquisadequalidade,

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eempresas”,disseorelatório.Egito,NigériaeSenegaltam-

bémaparecemnoestratosuperiordoranking.Odocumento

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iz Mohamed Abdelgadir, pesquisador sudanês na área de agronomia, disse à agência SciDev.Net que as duas iniciativas são exemplos promissores de cooperação Sul-Sul. “Elas estimulam a economia baseada no conhecimento e permitem a transferência de tecnologia entre países em desenvolvimento”, afirmou.

“O Sudão é um país talhado para a produção de biocombustíveis porque tem vastas áreas não cultivadas e custos de mão de obra agrícola baixos. Além de aumentar a renda para a população, os combustíveis renováveis são uma fonte de energia alternativa para a África”, disse Abdelgadir.

26 ■ julho DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 161

Estratégias MUNDO>>

científica, mas para todo o mundo”, justificou. Além da criação do laboratório, o protocolo propõe o desenvolvimento conjunto de duas outras áreas de pesquisa: energias renováveis e ciências do mar.

complementar a malha de investigação observacional sobre as mudanças globais. “O problema das alterações climáticas como oportunidade e não apenas como slogan é fundamental não só para a investigação

>Efeitosno Atlântico

Uma parceria entre Portugal e Estados Unidos resultará na criação de um laboratório no Arquipélago dos Açores para estudar os efeitos das mudanças climáticas no Atlântico Norte. Um protocolo de cooperação celebrado entre a Fundação para a Ciência e Tecnologia, agência de fomento e de avaliação do governo português, e a Universidade de Massachusetts – Dartmouth, prevê a criação do laboratório, que deverá promover estudos de sensoriamento remoto, além da observação da superfície e das profundezas do oceano. O ministro da Ciência e do Ensino Superior, Mariano Gago, disse ao jornal Expresso que a criação deste laboratório é uma oportunidade científica para

A presidente chilena mi-

chelleBacheletanunciou

estímulosparaaavanço

dasenergiasrenováveis

noChile.Aenergiaeólicaéqueterámaiscrescimento,

poisestudosdeumórgãodogovernodemonstraramque

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>Cientistas cortejados

Tangidos por perseguições políticas no período Saddam Hussein e pela violência pós-ocupação do Exército norte-americano, os cientistas do Iraque que fugiram para o exterior estão sendo cortejados pelo governo e convocados a ajudar na reconstrução do país. “Estamos felizes em dizer: voltem para casa, pois vocês, cérebros iraquianos, precisam nos ajudar a seguir um novo caminho”, disse, segundo a agência Reuters, Sadek al-Ribaki, conselheiro do primeiro-ministro Nuri al-Maliki, a uma plateia de pesquisadores em Bagdá, no final de junho. De acordo com o governo, há 350 mil iraquianos com diploma universitário vivendo fora do país – ou 17% dos 2 milhões de cidadãos que abandonaram o Iraque nos últimos anos. Mas muitos dos 200 cientistas presentes ao evento são céticos em relação aos resultados do apelo, num país em que civis ainda morrem todos os dias em tiroteios e explosões. “É difícil voltar definitivamente, mas o governo poderia nos convidar a participar de projetos específicos em que pudéssemos contribuir, mesmo a distância”, disse Mohammed al-Rubaie, professor de engenharia genética da Universidade de Dublin, na Irlanda.Chilevaiexpandirparqueeólico

PESQUISA FAPESP 161 ■ julho DE 2009 ■ 27

Estratégias brasil>>

A FAPESP investiu em 2008 R$ 638

milhões no apoio à pesquisa, maior

desembolso na história da Fundação

e 16% superior ao realizado em 2007.

De 2001 a 2008 a Fundação investiu

R$ 3,9 bilhões em projetos de pesquisa.

Esse desempenho acompanha a evolu-

ção da transferência de 1% da receita

tributária do estado de São Paulo para

a Fundação, como determina a Consti-

tuição estadual. No período, a soma de

recursos das transferências do Tesouro

do Estado foi de R$ 3,3 bilhões, passan-

do de R$ 271,4 milhões, em 2001, para

R$ 623,4 milhões em 2008. Em 2008

a receita total da FAPESP – que compreende ainda recursos

próprios e advindos de convênios – foi de R$ 769,33 milhões,

valor 21,6% superior ao de 2007. Em 2008 foram contratados

11.336 novos projetos de pesquisa, volume 7% maior que o

de 2007. O presidente da FAPESP, Celso Lafer, destacou que

a Fundação, nos últimos anos, vem construindo seu trabalho

em cima de um novo patamar. “Uma das coisas novas é o

capítulo da internacionalização, por meio do estabelecimento

de uma série de convênios e acordos que visam não apenas

ampliar o volume de recursos para pesquisa, mas fortalecer

o mecanismo de rede entre pesquisadores brasileiros e de

outros países”, disse. Outra novidade foi a promoção de se-

minários e workshops relacionados aos diversos programas.

“Esse conjunto de atividades permite a criação de redes entre

os próprios pesquisadores brasileiros, que passam a interagir

e a ter conhecimento sobre o que se passa em suas áreas de

interesse e sobre as necessidades de pesquisa”, disse Lafer.

Segundo o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de

Brito Cruz, os investimentos da Fundação podem ser classi-

ficados em três blocos: “A Formação de Recursos Humanos,

com 35% do desembolso, é parte essencial da estratégia da

FAPESP para formar as novas gerações de cientistas em São

Paulo e no Brasil. O Apoio à Pesquisa Acadêmica, motivada

pela curiosidade do cientista, recebeu 56% dos desembolsos.

Para a Pesquisa Orientada a Aplicações, na qual se incluem

importantes programas como Biota, Bioen, Mudanças Climá-

ticas, Tidia, Políticas Públicas, CInAPCe, Pipe e Pite, foram

desembolsados 9% dos recursos e esse percentual reflete

o aumento da oferta por outras agências de recursos para

projetos dirigidos a aplicações”.

apoiado pela FAPESP, e é coordenadora de Conflitos Ambientais do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Edson Leite, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), atua na área de engenharia de materiais e metalúrgica e coordena atualmente o projeto “Compósitos moleculares funcionais derivados de poliuretanas: síntese e caracterização”, também apoiado pela FAPESP. Fernanda De Felice, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), atua na área de neurobiologia da doença de Alzheimer. Flávio dos Santos Gomes é professor do programa de pós-graduação em história da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Renato de Lima Santos é professor da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

> Os brasileiros da bolsa Guggenheim

Seis pesquisadores brasileiros estão entre os 180 agraciados com a bolsa prêmio da Fundação Memorial John Simon Guggenheim, dos Estados Unidos, em 2009. São eles Marcelo Knobel, Angela Alonso, Edson Leite, Renato de Lima Santos, Fernanda Guarino De Felice e Flávio dos Santos Gomes. Os US$ 25 mil de cada bolsa devem ser utilizados em projetos dos laureados. A premiação de Marcelo Knobel, pró-reitor de Graduação e professor do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp, refere-se aos estudos realizados na área de nanomagnetismo. Angela Alonso, professora do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), coordena o projeto de pesquisa “A experiência inglesa de Joaquim Nabuco”,

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28 ■ julho DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 161

Estratégias brasil>>

por causas externas; promoção e proteção da saúde e meio ambiente; e gestão e gerenciamento do SUS. As propostas serão recebidas até o dia 25 de agosto. A edição 157 da Pesquisa FAPESP informou que o edital sairia no dia 9 de março, mas o lançamento foi adiado após o fechamento da revista. Mais informações estão disponíveis no endereço <www.fapesp.br/ppsus>.

> Contribuição reconhecida

Wagner Farid Gattaz, professor do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, foi agraciado com o Prêmio de Pesquisa da World

> Sai o edital do PPSUS

A FAPESP, a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, o Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) lançaram no dia 8 de junho uma chamada para apresentação de propostas ao Programa Pesquisa para o SUS: gestão compartilhada em saúde (PPSUS) 2009. O edital disponibiliza R$ 6 milhões para projetos de pesquisa em seis grandes temas: doenças transmissíveis; doenças não transmissíveis; morbidade e mortalidade materno-infantil; morbidade e mortalidade

o Espaço ciência, um museu inte­

rativo a céu aberto mantido há 15

anos pelo governo pernambucano,

venceu o 9° Prêmio José Reis de

Divulgação Científica. O museu, que recebeu 100 mil visitantes

em sua sede no ano passado, localiza-se em uma área de 120 mil

metros quadrados, próxima ao mar e entre as cidades de Recife

e Olinda, e oferece mais de 100 atrações para crianças, jovens e

adultos. É dotado de instalações como um espelho d'água, uma

hidrelétrica gerando corrente, um planetário e uma caverna e

ainda abriga o manguezal Chico Science, uma área de mangue

utilizada para experiências e espaço de educação ambiental – os

visitantes são convidados, por exemplo, a identificar as espécies

que habitam o lugar. O Espaço Ciência também organiza mostras

e oficinas itinerantes, levadas num micro-ônibus a cidades do

interior de Pernambuco e estados vizinhos, e se dedica a projetos

de cunho social e educativo, como o treinamento de crianças e

jovens carentes em cursos de jardinagem e de construção de

jogos e brinquedos de madeira. “É a primeira vez que um museu

de ciências vence o José Reis. A premiação, além de homena-

gear o nosso trabalho, também significa um reconhecimento ao

avanço que temos visto nos museus do ciência brasileiros”, diz

Antonio Carlos Pavão, professor de química da Universidade

Federal de Pernambuco e diretor do Espaço Ciência desde 1995.

O Prêmio José Reis, concedido anualmente pelo Conselho Na-

cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), é

uma homenagem ao médico, pesquisador, jornalista e educador

José Reis, que morreu em 2002, aos 94 anos de idade.

mUSEU A céU AbERto

Federation of the Societies of Biological Psychiatry, em reconhecimento às suas contribuições na pesquisa biológica dos mecanismos moleculares das doenças neuropsiquiátricas. O prêmio, um dos mais importantes na área de psiquiatria biológica, é outorgado pela federação que representa as sociedades de psiquiatria biológica de todo o globo. Criado em 2001, o prêmio é concedido a cada dois anos. Os quatro cientistas contemplados anteriormente são da África do Sul, Israel, Reino Unido e Estados Unidos.

> Ernesto Parterniani (1928-2009)

Morreu em Piracicaba, aos 81 anos, Ernesto Paterniani, professor do Departamento de Genética da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP. Especialista de renome internacional na pesquisa genética do milho, teve papel de destaque na melhoria de variedades cultivadas hoje no Brasil, como a Piramex, a Pérola Piracicaba, a Piranão VD-2 e a Esalq-VD. Trabalhou como bolsista da Fundação Rockefeller no México e nos

Instalações doEspaço Ciência:100 mil visitantesem 2008

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PESQUISA FAPESP 161 ■ julho DE 2009 ■ 29

Estados Unidos. Na Esalq chefiou o setor de Melhoramento do Milho, foi diretor do Departamento de Genética e coordenou cursos de pós-graduação em genética e melhoramento de plantas. Também exerceu funções como a de membro da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Em 1988 recebeu do CNPq uma das mais importantes premiações do país, o Prêmio Álvaro Alberto para a Ciência e Tecnologia. Em 1º de junho deste ano foi agraciado com o Prêmio Fundação Conrado Wessel (FCW) 2008 de Ciência Aplicada, por sua contribuição ao desenvolvimento agrícola e nutricional do país.

> Raupp é reeleito na SBPC

O matemático Marco Antonio Raupp foi reeleito presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) para o mandato de julho de 2009 a julho de 2011. Especialista em análise numérica, professor livre-docente da Universidade de São Paulo

(USP) e coordenador do Núcleo do Parque Tecnológico de São José dos Campos em São Paulo, Raupp foi reeleito com 766 dos 828 votos de associados

Durante um semi­

nário sobre as pes-

quisas da vacina an-

timalária, realizado

na Faculdade de

Medicina da Univer-

sidade de São Pau-

lo (FMUSP), o casal

de cientistas Ruth e

Victor Nussenzweig

anunciou que pre-

tende retornar ao

Brasil em breve.

Radicados nos Es-

tados Unidos desde

os anos 1960, Ruth

e Victor, ambos com

81 anos, pretendem

seguir trabalhando

em pesquisas sobre a vacina antimalárica na FMUSP, onde

ambos se formaram no início da década de 1950. Segundo

Victor, que é chefe da Divisão de Imunologia Michael Hei-

delberger da Universidade de Nova York (NYU) , a vacina

RTSS, desenvolvida por sua equipe, está em estágio de

testes clínicos de larga escala em diversas regiões da África.

“A vacina já está em fase 3 [última] de experimentação,

envolvendo entre 15 mil e 20 mil pessoas. Nos últimos 20

anos foram testados os princípios e feitos muitos ensaios

clínicos em humanos. A vacina se mostrou capaz de prote-

ger de 30% a 50% das pessoas depois de três injeções”,

disse o pesquisador à Agência FAPESP.

que reunirá bases de dados de instituições como o Datasus e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para agrupar informações ambientais, climáticas, humanas e de saúde pública. O principal objetivo da iniciativa é ampliar a pesquisa sobre os impactos das mudanças climáticas na saúde humana, que podem ser causadas por eventos extremos, como ondas de calor ou por alterações dos ecossistemas, produzir alertas de situações de emergência e servir de apoio à tomada de decisão por autoridades. Para o especialista do Inpe e coordenador do projeto, Antônio Miguel Vieira Monteiro, uma das peculiaridades do observatório será a possibilidade de participação dos cidadãos por meio da Base Viva, que permite ao usuário inserir informações sobre eventos naturais, clima e condições de saúde sem estar vinculado a nenhuma instituição. A versão piloto do projeto deverá ser lançada ainda neste ano.

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Ruth e Victor Nussenzweig: vacinas antimalária

Observatório terá informações ambientais e de saúde

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da SBPC. Raupp prevê que seu novo mandato será marcado pelas mobilizações em torno do aprimoramento de marcos regulatórios para o desenvolvimento da atividade científica e do fim do contingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

> O monitoramento das mudanças

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) anunciaram a criação do Observatório Nacional de Clima e Saúde (Observatorium),

30 n julho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 161

dez anosBiodiversidade

Os próximos

Pesquisadores traçam estratégias para o futuro do Programa Biota-FAPESP | Fabrício Marques

Num evento que comemorou uma década de atividade do Programa de Pesquisas em Caracterização, Conservação, Recuperação e Uso Sustentável da Biodiversidade do Estado de São Paulo (Biota-FAPESP),

cerca de 300 pesquisadores reuniram-se num workshop em São Paulo a fim de discutir estratégias para os próximos dez anos. Divididos em grupos, os par-ticipantes esboçaram temas que devem merecer estudos complementares, como o aperfeiçoamento dos inventários da riqueza biológica, com a inclusão de novas técnicas de biologia molecular e genômica, a ampliação de estudos sobre a diversidade marinha ou a criação de uma área de educação, capaz de pro-duzir material didático para os ensinos fundamental e médio. “O avanço do co-nhecimento da biodiversidade de algas, por exemplo, carece de investimentos em estudos que incluam biologia mole-cular. Sem esse tipo de dado nossos tra-balhos não teriam qualidade para serem aceitos em publicações internacionais”, diz Carlos Alfredo Joly, coordenador do programa e professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

As propostas feitas pelos grupos de trabalho serão avaliadas pela coor-denação do programa e os pontos em comum serão incorporados ao docu-mento que estabelece estratégias, metas e objetivos do programa para a próxi-

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ma década. Lançado em 1999, o Biota- -FAPESP foi responsável por um inédi-to mapeamento da biodiversidade pau-lista. Produziu 84 projetos de pesquisa e gerou avanços no conhecimento, como a identificação de 1.760 espécies (1.109 microrganismos, 564 invertebrados e 93 vertebrados), além da publicação de mais de 700 artigos científicos, 20 livros e dois atlas. No campo da qualificação de recursos humanos, formou 169 mes-tres, 108 doutores e 79 pós-doutores. Em dez anos, a FAPESP investiu R$ 82 milhões no programa.

Um dos consensos do workshop foi a necessidade de ampliar a visibi-lidade internacional da produção do Biota. Uma das metas é aumentar o número de publicações em revistas de impacto e incentivar o intercâmbio de pesquisadores e professores visitantes e a participação em eventos no exte-rior. “Precisamos ter maior inserção na arena internacional, tanto na área acadêmica como nas discussões de po-líticas de conservação e uso sustentável da biodiversidade. Isso deve ser feito por meio de parcerias, intercâmbios e participação nos comitês de organiza-ções internacionais”, disse Joly.

Outro ponto de convergência foi a necessidade de estimular a pesquisa em informática para biodiversidade, com o objetivo de criar novas ferramentas computacionais de análise dos dados capazes de amplificar o conhecimento gerado pelos dados de campo recolhi-

dos pelos pesquisadores, acrescentando, por exemplo, interfaces com modelos de mudanças climáticas. A reformulação do Sistema de Informação Ambiental do Biota (SinBiota), que reúne os dados coletados pelos pesquisadores, foi de-fendida por Ricardo Ribeiro Rodrigues, professor titular da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), que coordenou o programa entre 2004 e 2008. “A criação de um novo protocolo de coleta que permita a reestruturação desse banco de dados é uma das ques-tões que precisamos começar a discutir fortemente”, disse Rodrigues.

Segundo dados apresentados por Carlos Joly, a área de ciência da com-putação apresentou poucos projetos e, consequentemente, foi uma das que menos recebem investimentos diretos do Programa Biota. “Só conseguiremos sofisticar o SinBiota se formos atrás de parcerias com a área de informática. Até agora não conseguimos motivar pesquisadores da ciência da compu-tação a submeterem projetos ao pro-grama”, afirmou. Entre as ideias aven-tadas no workshop estava também a integração do Biota à rede KyaTera, do Programa Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avan-çada (Tidia) da FAPESP, para facilitar a troca de dados e as colaborações.

Valor - O professor de botânica Marcos Buckeridge, da USP, também ressaltou a necessidade de atrair pesquisadores da área de informática, mas não só eles. “Precisamos de matemáticos, de engenheiros e também de economis-tas”, afirmou. Segundo ele, também é preciso dar foco à pesquisa na área que possibilite estabelecer o valor econô-mico dos recursos hídricos e da biodi-versidade. “Sem estabelecer um valor, não há como cobrar”, disse. Líder de projetos temáticos do Biota e agora atuando no programa de Bioenergia (Bioen), Buckeridge defendeu a criação de um Comitê Interprogramas, para investir nos pontos de intersecção entre as iniciativas da FAPESP.

O grupo encarregado de discutir o elo entre o programa e a educação sugeriu a criação do Espaço Biota Edu-

política científica e tecnológica>

PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 31

cação, um ambiente atraente para os estudantes com dados coletados pelo programa. “Nos referimos à educação em sentido amplo – produzir material que possa ser usado tanto na rede de ensino fundamental e médio como pa-ra a divulgação voltada à sociedade em geral”, disse Carlos Joly. “Muitas vezes o professor de ciências usa exemplos da fauna e da flora de outros países porque não encontra material organizado de ecossistemas locais”, afirmou.

Doenças negligenciadas - A trans-formação do conhecimento gerado em produtos comerciais, considerado um dos pontos vulneráveis dos dez primeiros anos do Biota, deverá ser estimulado por meio de um conjunto de estratégias. “Há um consenso de que o Biota é o melhor espaço para falar de bioprospecção”, diz Vanderlan da Silva Bolzani, do Instituto de Química de Araraquara da Universidade Esta-dual Paulista (Unesp) e coordenadora da Rede Biota de Bioprospecção e En-saios (BIOprospecTA). Ela enfatizou a importância de priorizar a busca de fitoterápicos, a fim de abastecer o Sis-tema Único de Saúde, e a pesquisa de fármacos contra as doenças negligen-ciadas, aquelas que inspiram pouco interesse das indústrias por atingirem os países pobres.

Por fim, o grupo encarregado de discutir estratégias para transferência de conhecimento para o governo suge-riu que os novos projetos incluam em sua concepção o uso de seus resultados para sustentar políticas públicas. Isso aconteceu, por exemplo, com uma re-solução da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SMA) segundo a qual a aná-lise de todos os pedidos para uso de áreas com florestas nativas deverá se basear nas categorias de importância para a restauração definidas num mapa produzido pelo programa. O grupo fez uma proposta ousada. Sugeriu a con-tratação de uma espécie de embaixador do Biota, um especialista talhado para desempenhar um papel político, capaz de identificar demandas da sociedade e estabelecer parcerias com outros esta-dos e o governo federal, além de órgãos de fiscalização e licenciamento. n

32 n julho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 161

COMEMORAÇÃO

com a sociedadetoniaSin

Cebrap faz 40 anos com vasto portfólio de pesquisas nas ciências humanas e sociais

Neldson Marcolin

>

PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 33

com a sociedade

Uma instituição ágil, voltada para as ciências humanas e sociais, que permite fazer pesquisa de ponta e gerar trabalhos que servem de base para o setor de políticas públicas. Essa defini-ção parece se encaixar bem no perfil do Centro Brasileiro de Pesquisa e Planejamento (Cebrap), que completou 40 anos no dia 29 de maio. “A universidade muitas vezes demora a entrar em sintonia com o debate das questões mais agudas da

sociedade. O Cebrap responde rápido a elas, com investigações, análises e propostas”, avalia a antropóloga Paula Montero, presidente do centro e professora da Universidade de São Paulo (USP).

Nesses 40 anos, há numerosos exemplos de trabalhos que se tornaram referência. Hoje o Centro de Estudos da Metrópole (CEM), abrigado no Cebrap, é responsável pelas linhas de pesquisas de maior impacto e visibilidade desenvolvidas na instituição, segundo Paula. O CEM é um dos 11 centros de pesquisa, inovação e difusão (Cepids) financiados pela FAPESP desde 2000. Este ano se tornou também um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, do Conselho Nacional de Desen-volvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Seu objetivo é estudar os problemas urbanos e suas dinâmicas.

“Até 2000, quando foi criado, os estudos urbanos tendiam a ser pouco centrais”, conta o cientista político Eduardo Marques, diretor do CEM e professor da USP. A maior parte da produção anterior do Cebrap focalizava a cidade em si, apesar de boa parte dos objetos serem urbanos. No final dos anos 1990, o Cebrap se articulou com outras instituições para responder ao edital da FAPESP relativo à constituição dos Cepids, liderado por Argelina Figueiredo. “Do tripé que sustenta o Cepid – pesquisa, inovação e difusão –, substituímos o termo ‘inova-ção’ por ‘transferência’, porque produzimos bases de dados sobre temas urbanos e as transferimos para o setor público”, explica Marques. Ele conta que nesses oito anos de funcionamento o CEM passou a ocupar lacunas importantes no cenário da produção e disseminação de da-dos georreferenciados sobre as principais metrópoles brasileiras. “Nós compramos várias bases de dados, digitalizamos e integramos outras, usamos para nossas pesquisas e as colocamos no nosso site, de graça, para todos os usuários.”

O centro também desenvolve estudos e projetos sob encomenda. Quando alguma esfera de governo (municipal, estadual ou federal) precisa de um trabalho específico, como saber quantas pessoas há em determinada favela, o CEM faz o geoprocessamento com dados dis-poníveis, que são analisados e cruzados pelos pesquisadores e técnicos do centro. Esse tipo de trabalho gera recursos extraordinários que são usados para o funcionamento da instituição.

Outros estudos do centro tentam entender a heterogeneidade do te-cido social da metrópole. Hoje a migração é muito menor do que em déca das passadas. As periferias e a pobreza não são ho mogêneas – há distritos com 600 mil pessoas e elevada heterogeneidade. “Isso decorre de vários fatores e se liga às políticas de inclusão com o retorno da de-mocracia, dos anos 1980 para cá”, diz Marques. Há ativismo po líti co, associações e maior negociação e pressão. O cenário das condições de vida melhorou. “A pobreza absoluta não acabou, mas diminuiu muito nas maiores metrópoles brasileiras, embora a pobreza relativa ainda seja uma característica marcante nas nossas cidades.” Apesar disso, a estrutu-ra social sofreu poucas alterações nas últimas duas décadas nas grandes metrópoles, para além das transformações trazidas pela migração e in-fo

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34 n julho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 161

corporação da mulher ao mercado de trabalho. Para identificar onde estão os problemas, o CEM produziu projetos como o Mapa das Vulnerabilidades So-ciais do Município de São Paulo, além de outros 27 projetos desenvolvidos pa-ra órgãos públicos diferentes de todo o Brasil, incluindo Rio de Janeiro e Salva-dor. “No caso do projeto paulista, a ideia foi fazer análises e mapeamentos que ajudassem a dirigir as políticas públicas da prefeitura para atendimento do ido-so e das crianças mais pobres, por exem-plo”, explica. Só assim é possível saber com precisão onde aplicar o dinheiro público e as políticas sociais.

Assentamentos precários - No ano passado o CEM realizou para o Ministério das Cidades um projeto sobre assenta-mentos precários (favelas e lotea mentos clandestinos e irregulares nas áreas ur-banas). Em razão da dimensão do ter-ritório nacional, foram gerados dados e estimativas para 671 municípios (aqueles acima de 150 mil habitantes, além de to-dos situados em regiões metropolitanas). Dentre esses, o CEM gerou cartografias intramunicipais para 371 deles – os mapas estão disponíveis no site <www.centrodametropole.org.br>. Também na rede há a revista digital DiverCidade, que trata de divulgar toda a massa de infor-mações resultantes do CEM.

Muito antes dos estudos sobre a me trópole, um livro lançado em 1976 foi muito importante para o Cebrap. Trata-se de São Paulo 1975: crescimento e pobreza. Feito a pedido da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, mostrava a outra face do mila-gre econômico brasileiro daquela épo-ca. Dom Paulo Evaristo Arns assinou a apresentação citando dados sobre o aumento da mortalidade infantil e cri-ticando a desnutrição, o excesso de tra-balho, a falta de moradia, a precariedade do transporte, a insegurança e a “asfixia da liberdade de associação, informação e reivindicação”. O estudo era dividido em seis capítulos escritos por Cândido Procópio Camargo, Fernando Henrique Cardoso, Frederico Mazzucchelli, José Álvaro Moisés, Lucio Kowarick, Maria Hermínia Brandão Almeida, Paul Singer e Vinícius Cal deira Brant.

Foram alguns desses autores que criaram o Cebrap, um instituto de pes-quisa privado e sem fins lucrativos. Era

um jeito de continuar trabalhando no Brasil mesmo com o cerceamento às li-berdades democráticas do período, que levou o governo militar a cassar quem era considerado inimigo do regime. Entre os fundadores e sócios estavam intelectuais renomados, conhecidos no exterior, como Antonio Candido de Mello e Sousa, Elza Berquó, Eunice Durham, Francisco de Oliveira, José Arthur Giannotti, Roberto Schwarz e Ruth Cardoso, além dos já citados Fer-nando Henrique e Singer. Para manter o centro conseguiu-se financiamento da Fundação Ford – entidade norte- -americana que não podia ser acusada de comunista – e de empresários.

Uma das estratégias adotadas para evitar problemas com o regime era pu-blicar todas as pesquisas produzidas. O

objetivo era não deixar parecer que ali se fizesse qualquer tipo de trabalho que fosse secreto. A iniciativa revelou-se um sucesso quando Elza Berquó, Cândido Procópio e Paul Singer começaram a fazer os estudos sobre demografia e a publicá-los nos então Cadernos Cebrap. É preciso lembrar que o planejamento familiar era uma questão política can-dente em 1970, um constante embate entre a Igreja Católica e os militares. “Os Cadernos se tornaram verdadei-ros best-sellers porque os dados oficiais do governo sobre essas questões não eram públicos”, diz Paula Montero. Os estudos sobre a população foram essenciais para saber como eram as fa-mílias, quantos filhos tinham, qual a composição da renda, onde moravam e trabalhavam etc.

Favela na capital paulista: geração de estimativas e mapas

PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 35

Os Cadernos Cebrap e Estudos Ce-brap inauguraram as publicações da casa. A primeira teve duas séries, de 1971 a 1978 e de 1984 a 1986. A se-gunda foi publicada entre 1971 e 1980 e antecedeu a atual Novos Estudos, que traz artigos, entrevistas, resenhas e dossiês e é referência obrigatória para as disciplinas no âmbito das ciências sociais, das artes e da literatura. Houve ainda a publicação dos Cadernos de Pes-quisa, entre 1994 e 1997. Com exceção das edições recentes de Novos Estudos, todas as outras estão esgotadas. Mas é possível ler e imprimir todos os núme-ros dos periódicos antigos, assim como livros esgotados, na biblioteca virtual do Cebrap (www.cebrap.org.br).

Políticas - Alguns grupos se destaca-ram na primeira década da instituição. O de Fernando Henrique, Giannotti e Oliveira pensava sobre política e demo-cracia – a democratização e a reforma do Estado eram temas sempre debatidos. Elza, Singer e Procópio se debruçavam sobre política e população, produzindo dados importantes sobre fertilidade, por exemplo. Octavio Ianni liderava uma equipe que estudava planejamento so-cial. Já nos anos 1980 a reforma do Es-tado continuava na moda e surgiu um novo tema recorrente: o debate sobre a crise do bem-estar social.

A área de religião, inaugurada no Cebrap por Procópio, permanece ativa, agora com a própria Paula Montero à frente. Nos anos 1970 e 1980 havia a discussão se o protestantismo nas ca-madas pobres urbanas produziria um sujeito mais adequado às exigências do mundo urbano. As religiões que se ex-pandiram nessas camadas precisaram negociar com a tradição africana para desafiar o catolicismo. “Num primeiro momento, a umbanda cresceu muito nos anos 1960. Era uma mistura do ca-tolicismo com o espiritismo kardecista”, diz. Nos anos 1990 foi a vez do cresci-mento do neopentecostalismo, que é uma combinação do protestantismo com a raiz africana. Segundo Paula, um dos rituais mais importantes do neo-pentecostalismo é a possessão seguida da expulsão de exu do corpo do fiel.

A pesquisadora desenvolve alguns trabalhos mostrando como a cultura religiosa da Igreja Católica marcou pro-fundamente a formação da sociedade

civil brasileira. Em nome da proteção da credulidade pública contra a ação de charlatões e feiticeiros, o Estado crimi-nalizou e perseguiu, pelo menos até os anos 1950, as práticas populares afror-religiosas e outras que tivessem qual-quer conotação mágica. O único espaço possível para que essas práticas deixas-sem de ser perseguidas foi assumirem a forma de religião e reivindicarem o direito à liberdade religiosa. “Inverto o raciocínio de Max Weber, que tem a te-se de que a secularização – movimento no qual a religião reflui para o mundo privado – libertou a sociedade civil”, diz. Para Paula, o espaço civil no Brasil foi construído ao mesmo tempo que se construíram novas religiões.

Essa linha de pesquisa sobre reli-gião indica que há uma continuidade dentro do Cebrap de temas e linhas de pesquisa que se renovam continuamen-te. Outros se esgotam por si mesmos. A discussão sobre a modernização do país, que dominou a década de 1970, deixou de ser importante. “Hoje não se fala mais nisso”, exemplifica Paula.

Uma área que cresce dentro do Ce-brap é a de direito e democracia. “Os professores Marcos Nobre e Ricardo Terra estão construindo uma colabora-ção com estudantes e pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas para, a partir das teses do filósofo Jürgen Habermas, pensar as normas do direito e a consti-tuição de leis”, conta Paula.

Antes de Nobre e Terra, o coor-denador de filosofia era José Arthur Giannotti, da USP, um dos fundadores do Cebrap e seu presidente por duas vezes. “Trabalhávamos com lógica e ontologia”, diz Giannotti. Houve um momento, porém, em que se notou

que era importante trabalhar também com jovens. “Com a massificação das universidades, percebemos que teríamos de fazer um movimento para formar quadros científicos mais qualificados.” De 1986 a 2007 o Cebrap manteve um programa na área de humanidades com estudantes de todo o país, o Programa de Formação de Quadros Profissio-nais, dirigido por Giannotti. Até 2003, o objetivo era aprimorar a formação de mestrandos e doutorandos não só com estudos, mas também graças ao conví-vio contínuo com os pesquisadores. A partir de 2003 foi criada a modalidade para pós-doutorandos, com o mesmo objetivo. “Mesmo com as atividades de bolsistas, os estudantes conseguem participar de pesquisas em andamen-to do Cebrap”, conta o pesquisador. O programa contou com financiamento do Conselho de Desenvolvimento Cien-tífico e Tecnológico (CNPq) desde 1986 e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) a partir de 1989. Os resultados foram muito bons e beneficiaram diretamen-te as universidades paulistas com gente bem formada e se ajudou a renovar as gerações de pesquisadores do centro.

Ainda este ano deverá ser lançado no Brasil e no México o livro O horizonte da política – Questões emergentes e agendas de pesquisa, coordenado pelo cientista político Adrian Gurza Lavalle, um dos coordenadores do CEM e diretor cien-tífico do Cebrap. “São nove artigos de 34 pesquisadores da casa que visam expor as novas agendas de pesquisa sobre política, para ampliar a compreensão do tema”, diz Lavalle. O livro condensa o trabalho de vários anos de reflexão e investiga-ções e foi encomendado aos autores pa-ra mostrar, também, como se entende a política hoje. “Atualmente o Cebrap tem caminhado para um processo progres-sivo de internacionalização, mediante a rea lização e coordenação de projetos de pesquisa comparativos entre diferentes contextos regionais e nacionais, graças à colaboração com instituições de outros países”, conclui Lavalle. n

Um dos mapas sobre vulnerabilidade feito para São Paulo: mais dados para as políticas públicas

InstItuIção

Gargalos do desenvolvimentoO IPT busca um novo perfil e planeja articular a solução

de grandes temas tecnológicos

Aos 110 anos de idade completados em junho, o Institu-to de Pesquisas Tecnológicas (IPT) está investindo nu-ma nova vocação. Habituado a responder a demandas da sociedade e do desenvolvimento industrial, como a produção de ensaios de materiais ou a elaboração de laudos sobre acidentes em obras, o IPT quer agora assu-mir um papel articulador da solução de grandes temas

tecnológicos, antecipando-se às necessidades dos setores público e privado. Um símbolo desse novo modelo é o Centro de Pes-quisas de Estruturas Leves, laboratório que o IPT irá inaugurar até dezembro no Parque Tecnológico de São José dos Campos, para pesquisa e desenvolvimento de novos materiais e estruturas metálicas. O objetivo é ajudar o país a desenvolver materiais que auxiliem a reduzir o peso dos aviões, dominando uma tecnologia essencial à competitividade no setor aeroespacial, com possíveis aplicações também na indústria automobilística e de petróleo.

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IPT

PESQUISA FAPESP 161 n julhO DE 2009 n 37

pios de São Paulo, Guarulhos e Franca. O instituto conta hoje com cerca de 500 pesquisadores e mais de 400 técnicos.

Há outros assuntos em avaliação pelo instituto, como o aperfeiçoamen-to de tecnologias para a produção de células solares e de turbinas de ener-gia eólica. “Estamos criando uma no-va diretoria incumbida de prospectar grandes temas, com potencial nas de-mandas tecnológicas e no potencial de arregimentação de parceiros”, diz João Fernando. A senha para a mudança de perfil veio com o aumento substancial dos investimentos públicos nas ativida-des do IPT. Até recentemente o institu-to tinha investimentos anuais de R$ 3 a R$ 5 milhões, na maioria advindos da iniciativa privada. Estão sendo investi-dos na modernização entre 2008 e 2010 R$ 150 milhões, sendo R$ 120 milhões de dinheiro do governo estadual.

O novo perfil almejado pelo IPT segue um figurino internacional. João Fernando Gomes de Oliveira cita o exemplo do Korea Advanced Institute of Science and Technology (Kaist), uma das maiores instituições de pesquisa da Coreia do Sul, atualmente envolvida em projetos tecnológicos de fronteira, como o desenvolvimento de materiais plásticos ultrarresistentes e a criação de portos móveis, capazes de descar-regar ainda no mar grandes navios de contêineres, cujos tamanhos são cada vez menos compatíveis com os calados dos portos tradicionais. “Guardadas as proporções, a ambição do IPT é seme-lhante. Sabemos que a inovação é um processo contínuo, que depende de diversas etapas. Existe um elo perdido no processo de inovação do Brasil: o financiamento e a simulação de testes capazes de mostrar que as boas ideias dos pesquisadores terão uma aplicação prática para as empresas. É nesse elo que queremos atuar”, afirma.

Concreto e asfalto - A adaptação às necessidades de cada época é uma mar-ca da longevidade do IPT. Criado em 1899 como Gabinete de Resistência de Materiais da Escola Politécnica, tinha como objetivo produzir ensaios de ma-teriais de construção, como o concreto e o asfalto então importados. A partir de 1926, passou a ser conhecido como Laboratório de Ensaios de Materiais e, em 1934, tomou o seu nome definitivo.

Ao longo de sua trajetória, engajou-se em missões de todo tipo, como a orien-tação da fabricação de granadas de mão para os paulistas rebelados em 1932; o desenvolvimento de placas de ma-deira para a fabricação de pequenos aviões na década de 1940; e adaptação de motores de carro para uso de gaso-gênio durante a escassez de gasolina da Segunda Guerra Mundial. A partir dos anos 1950, participou dos projetos de grandes usinas hidrelétricas, assim co-mo, duas décadas mais tarde, da cons-trução da primeira linha de metrô da capital paulista.

Nos últimos 20 anos, dedicou-se também a projetos na área ambiental e a parcerias com empresas de peque-no e de médio porte, que não podem custear um departamento de pesquisa e desenvolvimento próprio. O trabalho que mais chama a atenção do público, porém, são as perícias feitas pelos téc-nicos do instituto em acidentes como o desmoronamento das obras de uma estação de metrô, há dois anos, que ma-tou sete pessoas. “O ideal seria que o IPT tivesse sido convidado a participar na fase de elaboração do projeto e do monitoramento da obra, em vez de fazer um trabalho de arqueologia para definir as causas da tragédia”, diz João Fernando Gomes de Oliveira. “Mas não podemos evitar essa missão de ‘polícia técnica’, pois somos a instituição mais habilitada a fazer isso no estado e a maior parte de nosso financiamento é pública.” n

Fabrício Marques

o Gabinete de Resistência de Materiais, em 1904

Com um investimento total de R$ 90,5 milhões, a iniciativa foi viabilizada por uma parceria que envolve a FAPESP, o IPT, a Secretaria de Desenvolvimento de São Paulo, a Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer) e o Banco Na-cional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

“O IPT atua nesse projeto como um aglutinador, negociando com órgãos de fomento e atraindo competências das universidades para desenvolver tecnologias que solucionem problemas complexos do setor industrial”, diz o diretor presidente do instituto, João Fernando Gomes de Oliveira, professor da Escola de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, a ideia do laboratório não partiu do IPT, mas apontou um norte para a instituição. “Concluímos que a nossa relevância no futuro vai depender do envolvimento em grandes projetos estruturantes como esse”, diz João Fernando. Já existe um segundo projeto delineado, o laboratório de gaseificação de biomassa, que deverá operar num horizonte de cinco anos no Parque Tecnológico de Piracicaba, e irá articular esforços de empresas e investimentos públicos para superar gargalos tecnológicos na produção do etanol de segunda geração.

O objetivo é tornar viável a trans-formação da celulose, que está no ba-gaço de cana e na palha descartada na colheita, em álcool combustível, por meio da conversão em gás da biomas-sa e a subsequente liquefação do gás em etanol. Esse tipo de tecnologia, que promete multiplicar a produtividade da cana-de-açúcar brasileira, é objeto de um grande esforço de pesquisa sobre-tudo nos Estados Unidos e na Europa. O consórcio interessado no laboratório do IPT inclui a Braskem, a Petrobras, o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) e a União da Indústria da Cana- -de-açúcar (Unica). As unidades de São José dos Campos e Piracicaba se agrega-rão a uma estrutura que atualmente se distribui por 67 prédios e ocupa mais de 96 mil metros quadrados nos municí-

O instituto quer

mostrar como

as boas ideias

de pesquisadores

podem ter aplicação

prática para as

empresas. Um elo

frágil da inovação

38 n julho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 161

COLABORAÇÃO

Movimento articuladoEncontro das FAPs discute a melhor forma de potencializar os recursos para pesquisa

Em reunião conjunta em São Paulo nos dias 18 e 19 de junho, integrantes do Conselho Na-cional de Secretários Estaduais para Assuntos de CT&I (Consecti) e diretores do Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap) decidiram enviar uma carta pedindo a criação de uma fundação de amparo à pesquisa

(FAP) aos governadores dos quatro estados que ainda não têm uma instituição como essa funcionando. São eles, Rondônia, Roraima, Amapá e Tocantins. “Nossa expectativa é que, trabalhando de forma integrada e em parceria com os órgãos federais, os representantes das FAPs possam fazer ações articuladas, somar recursos e promover trabalhos que tragam resultados efetivos em ciência, tecnologia e inovação que garantam o de-senvolvimento para o nosso país”, disse Mario Borges Neto, presidente da Confap e da Fapemig. “O fato de 23 unidades da federação terem sua própria fundação significa que a sociedade reconhece a ciência e tecno-logia brasileira como fator de desenvolvimento social”, avaliou Ricardo Brentani, diretor presidente do Con-selho Técnico-Administrativo da FAPESP.

A opinião unânime do encontro entre os secretários e os diretores das fundações é que todos os estados têm de tomar iniciativas próprias para potencializar o financia-mento à pesquisa que vem das fontes federais e empresa-riais. “Trata-se de levar adiante um federalismo coopera-tivo, que passa pela interação entre os estados-membros, da federação e pelo relacionamento entre as instâncias da União com as respectivas entidades dos estados-membros tendo como objetivo compartilhado adensar o potencial da pesquisa brasileira. No caso da FAPESP, isso vem se traduzindo nos inúmeros convênios com as FAPs de ou-tros estados e igualmente pelos convênios com o CNPq e a Capes”, disse Celso Lafer, presidente da FAPESP.

“Temos uma grande parceria com as FAPs e as se-cretarias de Educação de todo o país”, afirmou Jorge Guimarães, presidente da Capes, que representou o ministro da Educação, Fernando Haddad. “Nosso com-

promisso e maior desafio é dar apoio à educação básica.” Ele lembrou que, embora a posição brasileira no mun-do da ciência seja de destaque, na área de matemática básica, a situação é dramática. Apenas três alunos em mil acertam a metade das questões das provas dessa disciplina. “Temos de usar a inteligência disponível na ciência e tecnologia para melhorar o ensino funda-mental.” Marco Antonio Zago, presidente do CNPq, também esteve presente no evento.

Durante o encontro, a FAPESP e a Fapeam, do Amazonas, lançaram um edital conjunto para estimu-lar projetos que envolvam a realização de intercâmbio de estudantes e pesquisadores dos dois estados. “Não há como desenvolver ciência no Brasil sem articular e sem adicionar recursos e competências e partilhar infra-estrutura”, afirmou Odenildo Sena, diretor presidente da Fapeam. Para o secretário executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia, Luiz Antonio Rodrigues Elias, que representou o ministro Sergio Rezende, é a articulação entre todos que permitirá a consolidação do Sistema Na-cional de C&T no país. Ele contou que a lei de inovação foi aprovada no Rio Grande do Sul, por unanimidade, no dia 17 de junho. “Tem havido um esforço grande na maioria dos estados para aprovar as respectivas leis de inovação”, disse René Teixeira Barreira, presidente do Consecti. “Estamos fortalecendo o sistema com o braço da inovação”, disse. O secretário de Desenvolvimento de São Paulo, Geraldo Alckmin, informou durante o encontro que a lei paulista também seria regulamentada em junho. Carlos Vogt, secretário de Ensino Superior de São Paulo, participou da abertura da reunião.

O diretor científico da Fundação, Carlos Henrique de Brito Cruz, destacou a importância de os governos estaduais respeitarem os repasses de recursos. Na apre-sentação que fez sobre a história da FAPESP ele contou que São Paulo sempre respeitou esse princípio. O dire-tor científico falou de alguns dos principais programas financiados atualmente, como de bioenergia (Bioen), o de mudanças climáticas globais e o de mapeamento da

>

PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 39

reconheça a importância de levar as universidades federais para o interior, ele pede atenção para as instituições que já estão nessas cidades de modo a se integrar melhor com o sistema central e evitar a sobreposição.

O Ministério da Educação, por meio da secretária de Ensino Supe-rior, Maria Paula Dallari Bucci, res-saltou que vem sendo feito um longo trabalho de institucionalização das Ifes, ainda inacabado. Mas ainda há muito que avançar em relação a articulações externas, como explorar mais as áreas de extensão e inovação. “Do ponto de vista formal, os programas de extensão e inovação podem render mais do que rendem hoje.” Maria Paula também indicou por onde avançar. “A institu-cionalidade atual é fragmentada e não se conecta com a extensão e a inovação, embora as universidades recebam bom volume de recursos”, afirmou. “Temos pela frente o desafio da construção de uma nova institucionalidade: mais leve, mais inteligente e mais racional.”

O assessor de Coordenação dos Fundos Setoriais do MCT, Antonio

Ibañez, disse que as coisas boas das universidades federais que eram tabus até algum tempo atrás, como as avalia-ções, foram absorvidas pela sociedade. Mas reconheceu que a autonomia das Ifes ainda é uma questão não resolvida, assim como as fundações criadas pe-las universidades para torná-las mais flexíveis do ponto de vista burocrático e financeiro. “Tradicionalmente, o Es-tado não quer abrir mão do controle das universidades nem das fundações”, disse Ibañez.

O professor Manassés Claudino Fonteles, da Universidade Federal do Ceará e ex-presidente do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub), reconheceu os avanços dos úl-timos anos, mas atacou a mediocrida-de geral das universidades brasileiras. “Precisamos construir um processo de competência do norte ao sul do país”, sugeriu. “Não podemos ter competên-cia apenas nas 30 ou 40 instituições consideradas de bom nível.” Fonteles concluiu criticando o “financiamento episódico” da pesquisa, como ocorre tanto pelo país. n

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diversidade paulista (Biota), entre ou-tros. “Só é possível pensar em progra-mas com duração de dez anos, como o Biota, porque sabemos que os recursos estarão disponíveis”, disse Brito Cruz.

Ensino superior – A qualidade e o financiamento à pesquisa relacionada ao ensino superior entraram na pauta de apresentações e debates no segundo dia da reunião do Consecti e da Confap com uma reclamação. “Temos 48 uni-versidades estaduais e municipais em 22 estados, mas o investimento do governo é muito maior nas Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes)”, disse João Carlos Gomes, presidente da Associação Brasileira de Reitores das Universidades Estaduais e Municipais (Abruem). “Não dá para fazer programas de educação e de ciência e tecnologia nacionais sem a participação das universidades esta-duais e municipais”, alertou. “Sabemos que o investimento não será o mesmo que é feito nas Ifes, mas poderíamos ter um espaço maior no orçamento do governo federal, garantindo recursos para custeio e investimento.” Embora

Da direita para a esquerda: Brentani, Borges Neto, Barreira, Alckmin, Lafer, Vogt, Gomes, Elias, Guimarães e Zago

40 ■ julho DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 161

laboratório mundo>>

nem afeta o comportamento dos mosquitos, mas interfere na metamorfose dos jovens, que expostos ao JHA não chegam à fase adulta. Os resultados apresentados em 26 de junho no site da PNAS foi animador: uma redução entre 42% e 98% na emergência de adultos. Os autores sugerem usar o método em conjunção e alternância com outros, para evitar que os mosquitos desenvolvam resistência à substância.

>Lavourasmais resistentes Nos próximos anos a temperatura média deve aumentar na maioria dos países africanos, de acordo com vários modelos de previsão climática, e reduzir a produção agrícola em pelo menos metade das áreas hoje cultivadas. Intensificar o uso

liderado por Gregor Devine, do instituto britânico Rothamsted Research, espalhou armadilhas com pequenas doses de um análogo do hormônio juvenil (JHA) dos mosquitos. O experimento no cemitério público de Iquitos, na região amazônica do Peru, mostrou que bastam armadilhas em 3% a 5% das áreas de descanso para que as fêmeas espalhem o pó pelas poças em que depositam seus ovos. A substância não é repelente

de variedades resistentes ao calor pode ser uma alternativa para adaptar-se às mudanças do clima, de acordo com um estudo de pesquisadores da Global Crop Diversity Trust e do International Food Policy Research Institute publicado

>Unidosao inimigo

Uma equipe internacional encontrou uma estratégia proverbial para vencer um adversário difícil como o mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue: recrutar o próprio mosquito. Depois de uma boa refeição de sangue, as fêmeas procuram um lugar para descansar e se preparar para pôr os ovos. Foi nesses locais de repouso que o grupo

Pedestres, ciclistas e motociclis-

tasrepresentamquasemetadedo

totalde1,27milhãodemortescau-

sadasporacidentesdetrânsitoto-

doanonasruaseestradas.Resultadodeexcessodevelocidade,

consumoexcessivodeálcooloufaltadeequipamentosdesegu-

rança,osacidentesdetrânsitodeixamtambémde20milhõesa

50milhõesdeferidos,deacordocomoprimeirolevantamento

internacionalsobreacidentesdetrânsito,feitopelaOrganização

MundialdaSaúde(OMS)em178países.Amaioria(90%)dos

acidentesocorrenospaísesmaispobres,emquecirculam48%

dosautomóveisdomundo–oBrasilestáentreosdezquemais

registraramacidentesemaismortes–,enquantoosmaisricos

apresentamasmenorestaxasdeacidentes,queporsinalsalta-

ramdadécimaposiçãoem2004paraaquintaprincipalcausa

demortenomundo.Entreos178paísesanalisados,só57%

exigemousodecintodesegurançaparatodosospassageiros

esó20%dospaísespobresexigemseuuso.

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Trânsitoletal:Brasilestáentreosdezcommaisacidentes

Aliado:substânciatóxica(amarelo)napatadomosquito

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PESQUISA FAPESP 161 ■ julho DE 2009 ■ 41

dos insetos não infectados originalmente morreram após 30 dias do mesmo modo que os que haviam sido atacados pelos fungos.

on-line em junho no Global Environmental Change. Se Ruanda, por exemplo, enfrentar o calor hoje sentido na Etiópia, pode começar a plantar o milho etíope, desde que os bancos regionais de sementes estejam disponíveis. Bancos de sementes internacionais talvez ajudem a evitar que a agricultura entre em colapso total nos outros seis países em que o clima estará quente como nunca antes se registrou em qualquer lugar da África.

>Fungocontra barbeiros

Pesquisadores argentinos encontraram uma alternativa de baixo custo – uma formulação seca de fungos Beauveria bassiana – contra os insetos transmissores do protozoário Tripanosoma cruzi, causador da doença de Chagas, um grave problema de saúde pública na América do Sul. Em experimentos realizados em laboratório e em campo – em nove casas

de Tierras Nuevas, Bolívia, e em uma comunidade rural de Campo Largo, Argentina –, os fungos degradaram a cutícula dos insetos, usando seus componentes em proveito próprio (PLoS Neglected Tropical Diseases). Os insetos, de difícil controle por terem adquirido resistência aos inseticidas à base de piretroides, podem morrer também por terem convivido com os que tiveram contato com

os fungos: de acordo com o trabalho coordenado por Nicolás Pedrin, da Universidad Nacional de La Plata, Argentina, 50,9%

no

aa os observadores do Sol

detectaram a primeira

manchasolardonovociclo

queoSolatravessaacada

11 anos e começou após

umatrasodedoisanos.As

manchas–áreasescuras

dotamanhodaTerracom

temperaturasmaisbaixas

–nuncatinhamdesapare-

cidoportantotempo:dois

anosemquaseumséculo.

UmaequipedoObserva-

tórioSolarNacionalusou

umatécnicasimilaràusada

paradetectarterremotose

podeterencontradouma

explicaçãoparaesseatraso

–umfenômenomagnético

chamadocorrentesdejatossolares.Acada11anos,oSolgera

correntesdeplasmanospolosqueviajam,muitolentamente

(cercade10quilômetrosporhora),somenteatéoequador.Por

razõesaindanãoesclarecidas,essascorrentesmagnéticasini-

ciamumnovociclosolareasmanchassolaresreaparecemquan-

doatingem22grausdelatitudeaosuleaonorte.Ochamado

máximosolar,períododemaiorintensidadedasmanchasedas

descargaseletromagnéticasqueinterrompemascomunicações

porsatélite,devechegaremalgunsanos,senãoatrasar.

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Se levassem os engenheiros em conta, insetos não voariam. o mesmo vale para

sementesquevoamcomohelicópterosemminiatura,descobriramDavidLentink,

daUniversidadedeWageningen,naHolanda,eMichaelDickinson,doCalifornia

InstituteofTechnology(Caltech),nosEstadosUnidos.Surpresocomoslongos

voosdassementesdeáceredecarpino,quegirandoaoventosesustentamnoar

muitomaisdoqueafísicaeaengenhariapreveem,ogrupotransformouorobofly,

desenvolvidoporDickinsonparaentendercomoasmoscasvoam,nummodelo

desementegirandoemóleo.Aoexaminarotrajetodescendente

dasementemecânica,ospesquisadoresdescobriramqueelaé

sustentadaporminúsculostornadoshorizontais.Sementesreais

emtúneisdeventoverticaisconfirmaram:elaseosinsetosdomi-

naramovooposicionandoasasascomumângulodeataquemuito

alto.Podeservirdeinspiraçãoparanovasturbinas(Science).

Independência:sementesdeácersesoltamevoamparalongedaplanta-mãe

42 ■ julho DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 161

laboratório brasil>>

estatinas apresentavam risco de morte maior quando chegavam ao hospital na fase aguda do infarto do miocárdio. Não se sabia por quê. Por serem as estatinas as drogas mais receitadas

Os oceanos estão reple-

tos de plástico: garrafas,

embalagens, sacos e

fragmentos de plástico

industrial. Quem sofre

mais são as aves ma-

rinhas, que confundem

o lixo flutuante com

presas, comem peixes

com plástico no sistema

digestivo e regurgitam

os detritos para seus

filhotes. O material não

é digerido e pode blo-

quear o intestino, pro-

vocar úlceras e reduzir

o volume útil do papo.

O oceanógrafo Edison

Barbieri, do Instituto

de Pesca da Secretaria

da Agricultura e Abas-

tecimento do Estado de

São Paulo, examinou o

conteúdo estomacal

de 110 aves marinhas

encontradas mortas

na Ilha Comprida, no

litoral paulista. Encon-

trou plástico em todas

as dez espécies ava-

liadas, em duas delas –

o bobo-pequeno (Puffinus puffinus) e o albatroz-de-

-sobrancelha (Thalassarche melanophrys) – em quantida-

de suficiente para atrapalhar a ingestão e a digestão, se-

gundo conta o pesquisador em um artigo publicado nos

Brazilian Archives of Biology and Technology. A propor-

ção de animais afetados também assustou, respectiva-

mente, 86% e 73% nas duas espécies. Se a quantidade

de plástico que chega ao mar não for reduzida, o problema

tende a se tornar cada vez mais grave.

relação inversa entre níveis de insulina e de resistência à insulina com a densidade mineral óssea. Do mesmo modo, nos rapazes obesos que participaram desse estudo, quanto maiores as taxas de leptina, hormônio que reduz o apetite e acelera o metabolismo, menor a quantidade de minerais nos ossos – portanto, maior o risco de osteoporose, uma doença característica dos idosos, em jovens.

> Inflamação de volta ao coração

Anos atrás, pesquisas nos Estados Unidos mostraram que as pessoas que haviam suspendido o tratamento com

> O peso e os ossos dos adolescentes

Sobrepeso e osteoporose podem ter ligação direta. Embora se acredite que a sobrecarga causada por altos índices de massa corpórea minimize a perda óssea, estudos revelam que os ossos se tornam mais frágeis porque hormônios sexuais se modificam nas células de gordura – quanto mais gordura, menos massa óssea. Em adultos a obesidade está ligada a um aumento da densidade de minerais nos ossos e um risco menor de fraturas da bacia em mulheres pós-menopausa. Em adolescentes, que ainda estão crescendo, as relações são mais refinadas, de acordo com um estudo de Wagner Prado e Aline de Piano coordenado por Ana Dâmaso, da Universidade Federal de São Paulo (Journal of Bone and Mineral Metabolism). Análises de sangue e de ossos de 109 adolescentes (41 rapazes e 68 moças) de 13 a 18 anos com sobrepeso indicaram uma

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Albatroz: lixo ingerido atrapalha digestãoBu

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Acima do peso: esqueleto mais frágil em jovens

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PESQUISA FAPESP 161 ■ julho DE 2009 ■ 43

no mundo para controlar o colesterol em pessoas com risco de doenças cardiovasculares, uma equipe do Grupo do Estudo do Coração da Universidade de Brasília saiu atrás de explicações. Por meio de um estudo com 249 pessoas que tomavam ou não estatinas antes, durante ou depois do infarto, os pesquisadores mostraram que esse efeito se deve pelo menos em parte ao chamado rebote inflamatório – o reaparecimento dos processos inflamatórios que contribuíram para o infarto – causado pela suspensão da medicação. “Esse efeito não é observado em pacientes crônicos, que mantêm o uso de estatinas”, disse Andrei Sposito, coordenador do estudo detalhado em junho na revista Atherosclerosis.

> Companheiros de longo tempo

Vermes intestinais chamados helmintos acompanham animais e seres humanos há muito tempo e podem indicar hábitos – ou mudanças de hábitos – alimentares de povos antigos. Os registros mais antigos de helmintos de animais em vestígios arqueológicos de origem humana são de ovos do verme intestinal Taenia sp. e do parasita de canais biliares Fasciola sp. no Chipre, que datam de cerca de 9.500 anos atrás. De acordo com trabalho coordenado por Luciana Sianto e Adauto Araújo, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, no Brasil há apenas três registros de helmintos de animais

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p As tubas uterinas, antes cha-

madas de trompas de Falópio,

normalmente descartadas

em cirurgias para retirada do

útero e laqueadura, poderiam

ser uma fonte adicional de

células-tronco para medicina

regenerativa. Uma equipe do

Centro de Estudos do Genoma

Humano da Universidade de

São Paulo (USP) coordenada

por Tatiana Jazedje e Mayana

Zatz extraiu células mesenqui-

mais de tubas uterinas de seis

mulheres com 35 a 53 anos de

idade, de acordo com um arti-

go publicado em junho na re-

vista Journal of Translational

Medicine. O trabalho foi feito

em colaboração com médicos

especialistas em fertilização

e sua importância vem de as

células mesenquimais serem

potencialmente capazes de se

diferenciar em vários outros

tipos. Facilmente isoladas e cultivadas, essas células deram

origem a células de tecidos musculares e adiposos (ricos em

células que acumulam gordura), cartilaginosos e ósseos. O

grupo verificou também que essa transformação se deu sem

causar alterações nos cromossomos, que poderiam prejudicar

o funcionamento genético das células. Antes desse trabalho,

células de cordão umbilical, tecido adiposo e polpa dentária,

por meio de outros estudos, haviam mostrado a mesma ca-

pacidade de diferenciação. A nova descoberta aumenta as

possibilidades de se obter células-tronco sem a necessidade

de destruir embriões.

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Polivalentes: células-tronco (vermelho) nas trompas

em vestígios arqueológicos humanos. Os mais antigos são ovos dos parasitas intestinais Acanthocephala encontrados em Minas Gerais, com idade estimada em 1.325 a 4.905 anos (Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo). Também em Minas foi encontrado o primeiro registro no país de infestação pelo verme Echinostoma sp., comum na Ásia e transmitido pelo consumo de peixes e moluscos crus.

Múmias: informação sobre dietas e doenças do passado

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44 n julho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 161

Mais danos da fumaçaMedicina

Mais danos da fumaçaMais danos da fumaçaCigarro prejudica o funcionamento e os músculos do coraçãoO

s efeitos da fumaça de cigarro não se limitam aos mais conhecidos, como a intensificação do risco de infarto e de câncer de pulmão, laringe e boca. Pesqui-sas recentes em animais de laboratório, realizadas na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e na Universidade

Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu, mostra-ram que essa fumaça pode ser ainda mais deletéria, sobrecarregando e enrijecendo o músculo cardía-co, o miocárdio, a ponto de deformar o coração e alterar seu funcionamento. Outro estudo, na Uni-versidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, indicou que a fumaça, agindo sobre as células do nariz, impede a formação dos cílios que filtram as impurezas do ar que entram pelas narinas.

Os experimentos em animais ajudam a avaliar com precisão os riscos à saúde para os 20 milhões de fumantes no Brasil, o equivalente a 16% da po-pulação acima de 18 anos, que talvez não possam mais fumar em espaços públicos no estado de São Paulo a partir de agosto, de acordo com uma lei ainda em debate. “Vários estudos têm mostrado que pessoas expostas à fumaça de cigarro apre-sentam um maior risco de desenvolver sinusite crônica e, ainda, que a exposição à fumaça de cigarro piora a evolução de pacientes operados de sinusite crônica”, comenta Edwin Tamashiro, que detalhou as alterações da fumaça sobre o desen-volvimento dos cílios em um artigo publicado em abril na revista American Journal of Rhinology and Allergy. Outros estudos servem de alerta, como o realizado na Unifesp mostrando que a prática de exercício físico pode intensificar os danos provo-cados pela exposição à fumaça de cigarro, em vez de os impedir, como era esperado.

“No ser humano, as repercussões do tabagis-mo sobre as coronárias são mais drásticas e com efeitos mais rápidos que as verificadas sobre o miocárdio”, comenta o cardiologista Paulo Tuc-ci, professor da Unifesp. Ele explica desse modo por que os outros efeitos são menos conhecidos e menos estudados, mas não menos preocupantes. Todo ano cerca de 5 milhões de pessoas – metade delas nos países em desenvolvimento – morrem no mundo inteiro devido às mais de 50 doenças associadas ao hábito de fumar cigarros, visto ho-je como uma forma de dependência química e psicológica. A névoa esbranquiçada que ajudou a compor o estilo de Humphrey Bogart em Ca-sablanca, de Rita Hayworth em Gilda e de tantos outros personagens no cinema resulta da combi-nação de cerca de 4 mil substâncias tóxicas, das quais 250 são prejudiciais ao organismo, e 50, especificamente, cancerígenas.

Para conhecer melhor os efeitos da fumaça de cigarro e prever o que poderia se passar tam-bém no organismo humano, os pesquisadores submetem ratos à fumaça de cigarros durante horas em câmaras fechadas. “No rato normal, o diâmetro da cavidade do ventrículo esquerdo aumentou e a capacidade de contração do cora-ção diminuiu”, diz Sérgio Paiva, pesquisador da Unesp de Botucatu, com base em resultados de experimentos obtidos em 2003. “Essas alterações pioram em animais submetidos a um infarto agudo do miocárdio.” Os animais infartados que tiveram de respirar muita fumaça de cigarros apresentaram uma dilatação no átrio esquerdo e no ventrículo esquerdo, as cavidades do coração que bombeiam sangue oxigenado para todo o corpo. Em princípio não seria nada grave, por-que o lado esquerdo do coração de pessoas que praticam esporte com regularidade também é fo

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Carlos Fioravanti

PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 45

46 n julho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 161

mais volumoso que o de pessoas se-dentárias. O problema é que os danos são mais amplos e mais profundos no caso dos ratos, principalmente os que tiveram de praticar alguma ativida-de física e respirar muita fumaça de cigarro.

Em estudos mais refinados, com quatro grupos de ratos (o de controle, o de treinados, que tiveram de nadar duas horas por dia, o de fumante, que respi-rou durante duas horas na câmara com a fumaça de 40 cigarros, e o de treinados fumantes), o coração mostrou-se mais pesado e o miocárdio com menor velo-cidade de contração e de relaxamento no grupo dos treinados fumantes, em comparação com os do grupo controle. Os treinados fumantes também apre-sentaram uma redução de 50% na força dos músculos papilares, que controlam a válvula mitral, que impede o refluxo de sangue do ventrículo para o átrio esquerdo. Além disso, nesses animais o volume do núcleo das células do mio-cárdio praticamente dobrou, indicando um aumento na síntese de DNA.

Ainda não está claro por que o exer-cício físico ampliou, em vez de impedir, como se esperava, os efeitos da fumaça do cigarro – uma das possibilidades é que a hipertrofia do coração possa ser uma resposta conjunta dos estímulos gerados pelo exercício físico e pela fu-maça de cigarros. Houve avanços, po-rém, nas hipóteses sobre os mecanismos de ação da fumaça. “Para o coração”, diz Tucci, “o grande vilão parece ser o monóxido de carbono”. Resíduo da fu-maça de cigarro – e também da fumaça de carros e indústrias –, o monóxido de carbono (CO) age de dois modos sobre a hemoglobina, a molécula que distribui oxigênio a todas as células do corpo. O CO liga-se mais facilmente que o oxigênio à hemoglobina, assim ocupando as vagas que seriam do oxi-gênio (cada molécula de hemoglobina consegue transportar quatro átomos de oxigênio por vez). Além disso, aumenta a afinidade do oxigênio pela hemoglo-bina; em consequência, a hemoglobina não soltará o oxigênio tão facilmente ao passar pelas células.

Já no interior das células do miocár-dio, na medida em que mais fumaça de cigarro percorre as vias respiratórias e influencia as ligações do oxigênio com a hemoglobina, ocorrem alterações nas

1. Efeitos da exposição a fumaça do cigarro e da suplementação da dieta com betacaroteno sobre a comunicação intracelular em cardiomiócitos de ratos2. Mecanismo de ajuste da cinética do cálcio no miocárdio seguindo-se à dilatação ventricular súbita3. Avaliação da genotoxicidade na prenhez de ratas com diabete de intensidade moderada

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auxílio Regular a Projeto de Pesquisa

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1. Sergio Alberto rupp de pAivA – unesp2. pAulo JoSé FerreirA tucci – unifesp 3. déborA criStinA dAmASceno – unesp

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PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 47

proteínas que medeiam a ação de íons de cálcio, que regula a contração dos músculos cardíacos. “A contração do miocárdio será menor quanto menos cálcio entrar na célula”, diz Tucci, que demonstrou em 2006 a associação dire-ta entre a quantidade de cálcio iônico e os batimentos cardíacos (ver “Os canais do coração”, Pesquisa FAPESP nº 122). Como resultado dessas alterações, “o coração perde capacidade de bombear sangue para o corpo”.

Em ratos infartados, portanto, com insuficiência cardíaca, o sangue veno-so, que chega aos pulmões rico em gás carbônico, vai congestionar os capilares sanguíneos próximos ao pulmão e até mesmo transbordar para os alvéolos pulmonares, que deveriam conter ape-nas ar, em vez de logo trocar gás car-bônico por oxigênio e voltar a circular. “No organismo de quem fuma”, diz o pesquisador da Unifesp, “o volume de sangue retido no pulmão e no cora-ção, que equivale normalmente a 5% do total em circulação no organismo, pode chegar a 25%”. Como resultado desse congestionamento, o oxigênio que chega aos pulmões com o ar vai demorar mais para entrar na circulação sanguínea e chegar a todas as células do corpo que precisam dele para produzir a energia que as mantém vivas.

Efeitos sobre a gravidez – Foi também usando as câmaras fechadas com pare-des de vidro que Débora Damasceno e sua equipe verificaram na Unesp de Botucatu que a fumaça de cigarro pode também prejudicar o desenvolvimento de fetos, que nascem com peso abaixo do normal quando as ratas prenhes res-piram continuamente ar com fumaça de cigarro. Em um estudo publicado este ano na Reproductive BioMedici-ne Online, Maricelma Souza, sob sua orientação, observou que a placenta estava maior e os fetos nasciam me-nores como provável efeito separado e cumulativo de dois problemas, o diabe-tes e a exposição prolongada à fumaça de cigarros. “A maior preocupação é que, embora as ratas da linhagem usada nesses experimentos sejam muito resis-tentes, em 20 dias já apresentaram da-nos”, diz Débora. “É muito assustador. Talvez as mulheres possam ter prejuízos até mais graves, embora não se possa afirmar com certeza.”

> Artigos científicos

1. PORTES, L.A. et al. Swimming training attenuates remodeling, contractile dysfunction and congestive heart failure in rats with moderate and large myocardial infarctions. Clinical and Experimental Pharmacology & Physiology. v. 36, p. 394-399. 2009.2. LiMA, P.H.O. et al. Levels of DNA dama-ge in blood leukocyte samples from non-diabetic and diabetic female rats and their fetuses exposed to air or cigarette smoke. Mutation Research. v. 31, p. 44-49. 2008.3. Castardeli, et al. Exposure time and ventricular remodeling induced by tobacco smoke exposure in rats. Medical Science Monitor. v. 14, p. 62-66. 2008.

Dos experimentos surgem novas hipóteses para verificar efeitos ainda pouco explorados sobre o organismo feminino. Uma delas, que começa a ser examinada pela equipe de Débora, é que os componentes da fumaça de ci-garro – em especial o benzoalfapireno, cujos danos ao organismo começam a ser estudados mais intensamente – possam atuar sobre os hormônios pro-duzidos pelos ovários e, desse modo, ser uma das causas de abortos natu-rais também em mulheres. De acordo com um estudo do instituto Nacional do Câncer (NCi) dos Estados Unidos publicado em outubro de 2008, o Brasil apresenta um dos maiores índices de mulheres que fumam durante a gravi-dez (6,1%), depois do Uruguai (18,3%) e Argentina (10,3%).

Edwin Tamashiro também obteve resultados claros na USP de Ribeirão Preto avaliando os efeitos da fumaça de cigarro sobre as células com cílios que revestem as vias respiratórias, do nariz aos pulmões. “Os cílios das células do epitélio respiratório são importantíssi-mos na defesa primária do organismo”, diz. “Graças ao batimento ciliar é que conseguimos depurar impurezas e mi-crorganismos que inalamos todos os dias.” Ele demonstrou in vitro que a exposição à fumaça de cigarro atrapa-lha o processo de formação de cílios em células em maturação, sugerindo que o organismo poderia se tornar mais sus-cetível a infecções causadas por vírus e bactérias transmitidas pelo ar.

Resultados aparentemente para-doxais sobre os efeitos do tabagismo, porém, são comuns. A equipe de Dé-bora verificou que tanto o diabetes quanto o tabagismo, separadamente, causavam danos no DNA de filhotes de ratas expostas à fumaça. Em outro experimento, examinando o DNA de filhotes de mães diabéticas fumantes, ela esperava que os efeitos se somassem, mas não: os danos foram menores. Nes-se caso é difícil imaginar o que propor às mulheres grávidas fumantes, porque, como outros experimentos em animais mostraram, parar de fumar no meio da gravidez pode levar à síndrome de abstinência. Débora reconhece que a recomendação de associações médicas internacionais para as mulheres evi-tarem os danos da fumaça – parando de fumar ou evitando respirar fumaça

cinco anos antes de engravidar – é um tanto inviável.

Na Unesp, Paiva havia notado em 2005 o que chamou de efeito parado-xal da fumaça de cigarro: ratos que respiraram muita fumaça e depois sofreram um infarto induzido apre-sentaram sobrevida maior que os do grupo controle, que haviam apenas so-frido infarto. “Talvez a fumaça crie um precondicionamento contra a falta de oxigênio, protegendo o coração contra o mal pior, o infarto, que se aproxima”, cogita Paiva.

Um resultado inesperado veio de outro experimento: o betacaroteno, substância que deveria proteger o organismo contra doenças crônicas, eliminava o efeito protetor do cigarro. Capaz de eliminar resíduos chamados de radicais livres, o betacaroteno, en-contrado na cenoura, no mamão e na manga, protegeu o coração de ratos normais, de acordo com um estudo de 2006 na Toxicological Sciences. Em outro estudo, na Arquivos Brasileiros de Cardiologia em 2007, o betacaroteno agravou os danos da fumaça no coração de ratos que sofreram um infarto agudo do miocárdio induzido e foram depois expostos à fumaça de cigarros.

Experimentos com animais de la-boratório são úteis porque ajudam a formular hipóteses sobre o que pode acontecer com pessoas, mas devem ser tomados com moderação porque, entre outras razões, “o que se faz é um superestímulo e por pouco tempo”, diz Tucci. “Temos de considerar os resulta-dos experimentais sob uma ótica não terrorista.” n

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Jardineiras

fiéisFormigas ajudam sementes a germinar na Mata Atlântica e no Cerrado

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Ecologia

Maria Guimarães

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PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 49

Quando andava por uma floresta na Mata Atlântica e viu a polpa de um fruto de jatobá aberto ser devorada por formigas, o biólogo Paulo Oliveira, da Univer-sidade Estadual de Campinas (Unicamp), começou a duvidar da noção difundida de que esses insetos sociais têm um papel desprezível na ecologia das sementes. Quase 15 anos depois, o grupo de pesquisa

imerso na intimidade das relações entre plantas e formigas mostra que os pequenos animais não só arrastam as semen-tes para locais mais propícios como as limpam, facilitando a germinação. “A dispersão de sementes nos trópicos é muito mais complexa do que se achava”, comenta Oliveira.

Quase todos os holofotes dos estudos sobre ecologia de dis-persão de sementes estão voltados para aves, macacos e outros vertebrados atraídos pelos frutos coloridos e com polpa sabo-rosa de nove entre dez espécies de árvores e arbustos de grande porte. Esses animais carregam os frutos por grandes distâncias e lançam as sementes ao solo. Se o fruto cai por acidente, ele ainda pode estar quase intacto, mas mesmo depois de passar

pelo sistema digestivo muitas vezes ain-da resta um bom tanto de polpa.

O que acontece no chão, entretan-to, passou praticamente despercebido até Oliveira fincar aí um dos fios con-dutores de seu grupo de pesquisa. Um dos produtos mais recentes vem do doutorado de Alexander Christianini, agora professor no campus de Sorocaba da Universidade Federal de São Carlos (UFScar). Ele e Oliveira mostram que no Cerrado de Itirapina, no interior de São Paulo, formigas de cinco gêneros recolhem as sementes que chegam ao chão. Em artigo deste mês na Oecologia, os biólogos sugerem um papel impor-tante para as formigas depois que as aves transportaram as sementes para bem longe da árvore-mãe: elas fazem o serviço mais detalhado de jardinagem.

Aves e macacos em geral depositam as sementes debaixo de alguma árvore. Os restos de polpa então atraem as for-migas, que levam nacos para dentro do formigueiro. “A semente fica limpinha no chão da floresta”, conta Oliveira, “impedindo que fungos se instalem e acabem por matar o embrião da planta”. Além disso, algumas formigas carregam as sementes até o formigueiro, que o pesquisador descreve como “uma ilha de nutrientes”, já que ali estão pedaços descartados de plantas e restos de for-migas mortas e outros insetos.

O jatobá (Hymenaea courbaril) despertou a curiosidade do pesquisa-dor. Num experimento, com colegas da Uiversidade Estadual de São Paulo em Rio Claro e da Universidade Federal de Mato Grosso, mostrou que 70% das sementes limpas pelas formigas brota-ram, o que só aconteceu com 20% das que não foram tratadas pelas pequenas jardineiras. De 1995 para cá, essa linha de pesquisa deu origem a quatro douto-rados que revelaram que essa relação é bastante generalizada na Mata Atlântica e no Cerrado.

almoço bem pago: ataque a lagartas e transporte de frutos trazem benefícios às plantas

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o que também ajuda na germinação, segundo artigo publicado em 1998 na Biotropica. O mesmo acontece com ou-tras plantas típicas do Cerrado.

Presas fáceis - Contemporâneo de Inara no laboratório de Oliveira, Mar-co Pizo se concentrou sobre interações entre plantas e formigas na Mata Atlân-tica e mostrou que o arilo nutritivo vermelho em torno das sementes da canjerana (Cabralea canjerana) atrai formigas carnívoras. “Para as formigas carnívoras os frutos ricos em proteínas e gorduras são como insetos que não brigam, não mordem e não saem cor-rendo”, compara Oliveira. Pizo, agora na Universidade do Vale do Rio dos Si-nos (Unisinos), no Rio Grande do Sul, espalhou sementes com e sem polpa pelo chão da floresta, protegidas por pequenas gaiolas para evitar que fos-sem recolhidas por animais maiores. Ficou claro que as formigas preferem as sementes com polpa (71% da parte ver-melha é gordura) e que essas sementes germinam muito mais depressa depois de semeadas pelos pequenos insetos, conforme artigo destacado na capa do American Journal of Botany em 1998.

Provado que as formigas transportam sementes, restava verificar se essa dispersão é direcionada ou aleatória. Durante o dou-torado com Oliveira, Luciana Passos inves-tigou as relações entre plantas e formigas na mata de restinga da Ilha do Cardoso, no litoral sul paulista. Parte da Mata Atlântica, essa floresta é menos exuberante por crescer em solo menos rico e mais arenoso. Ela es-palhou pedaços de sardinha pela ilha para atrair formigas carnívoras, que a conduzi-ram de volta aos ninhos – 21 deles.

Em artigo publicado em 2002 no Journal of Ecology, Luciana conta o que acontece com os frutos ricos em óleo da árvore Clusia criuva, ou clúsia, que

produz numa estação por volta de 5.800 frutos com, ao todo, 25 mil sementes. Boa parte delas (83%) acaba nas fezes de 14 espécies diferentes de aves. A pesquisadora viu que as sementes que caem ao chão são transportadas por até 10 metros pelas formigas Odonto-machus e Pachycondyla, carnívoras da subfamília das poneríneas, que “têm uma picada dolorida como se fossem marimbondos”, conta Oliveira.

Mas a história não acaba aí. Luciana investigou mais a fundo e viu que essas formigas removem 98% das sementes que chegam às fezes das aves ainda não completamente digeridas. A bióloga en-tão contou os jovens brotos de clúsias e encontrou um número desproporcio-nal junto aos formigueiros – o dobro do que viu no resto da mata. Além disso, ela manteve o censo de plantas jovens ao longo de um ano e viu que ao redor dos formigueiros elas têm chances sig-nificativamente maiores de sobreviver. Luciana mandou amostras desse solo para análise no Instituto Agronômico de Campinas e verificou que ele é mais rico em nitrogênio e potássio do que o resto da floresta, graças aos detritos acumulados pelas formigas.

O mesmo acontece com a maria- -faceira (Guapira opposita), cujos frutos pretos de cabo vermelho atraem aves como o araçaripoca e a saíra-sete-cores e têm alto teor de proteínas (28%), de acordo com artigo de 2004 na Oeco-logia. As formigas Odontomachus car-regam as sementes por até 4 metros e em torno de seus ninhos se aglo-meram brotos. O grupo da Unicamp desenvolveu um sistema que mede o quanto uma estaca penetra no solo e assim mostrou que as escavações dos formigueiros deixam a terra à sua volta muito mais fofa, além de mais rica em potássio, fósforo e cálcio.

Ecologia e comportamento de formigas neotropicais

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Auxílio regular a Projeto de Pesquisa

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Paulo de oliveira

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A bióloga Inara Leal mostrou que as formigas-cortadeiras, que incluem as saúvas, também têm seu lado jardinei-ro. Quem vê a longa fileira, quase uma autoestrada em miniatura, de formigas levando nas costas pedaços de folhas e flores teme pelo destino da planta sa-queada. Não é à toa, uma única colônia de saúvas pode coletar 30 quilogramas de vegetação num dia como adubo para os fungos que cultivam e lhes servem de alimento. Elas são capazes de deixar, em poucas horas, um arbusto frondo-so reduzido a um graveto seco, mas o importante para a bióloga é que as cortadeiras também carregam frutos e sementes. Inara, que depois do doutora-do na Unicamp se tornou professora na Universidade Federal de Pernambuco, observou que as saúvas Atta sexdens são atraídas pelo arilo amarelo, um apêndice grudado às sementes da copaíba (Copai-fera langsdorffii), uma árvore comum no Cerrado e na Mata Atlântica que tem sabiás-laranjeiras e jacus como princi-pais dispersores. As saúvas carregam as sementes até 10 metros, retiram o arilo nutritivo e muitas vezes chegam a que-brar o revestimento duro da semente,

Depois de regalar-se com a polpa da copaíba, saúva deixa a semente limpa e pronta para germinar

PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 51

Alexander Christianini deu um passo além e demonstrou que o desma-tamento do Cerrado invalida o efeito positivo das formigas na ecologia das plantas. Já se sabe que o miolo das ilhas de floresta é mais fresco e úmido do que a fronteira com áreas desmatadas. O pesquisador mostrou que as formi-gas grandes também são mais comuns no interior do Cerrado, onde o solo é mais rico em nutrientes e mais macio. Ao longo de um ano de monitoramen-to, 92% das colônias de formigas do interior da mata persistem, ante só 30% nas bordas. Como ali também, a exemplo do que acontece na Mata Atlântica, as plantas germinam melhor junto aos formigueiros, jovens plantas nas bordas têm cerca de 0,2% de chan-ces de sobreviver ao primeiro ano de vida. Esses resultados deixam claro que o desmatamento tem efeitos nocivos tanto sobre as formigas como sobre as plantas, e que esses efeitos so somam. Mas com seu talento de jardineiras as formigas podem ajudar a recuperar uma floresta alterada, contribuindo para a germinação das sementes.

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> Artigos científicos

1. CHRISTIANINI, A.V. e OLIVEIRA, P. S. The relevance of ants as seed rescuers of a primarily bird-dispersed tree in the Neotropical cerrado savanna. Oecologia. v. 160, n. 4, p. 735-745. jul. 2009.2. SENDOYA, S.F. et al. Egg-laying butter-flies distinguish predaceous ants by sight. The American Naturalist. v. 174, n. 1, p. 134-139. jul. 2009.

O grupo da Unicamp vem desco-brindo muito mais sobre as funções ecológicas desses soldados e operários em miniatura que vivem em grupos de milhões. Algumas plantas produ-zem substâncias para atrair formigas, que retribuem servindo como tropas de defesa. É o caso do pequi (Caryo-car brasiliense), planta típica de cerra-do que dá frutos muito apreciados na culinária da região central do país. As formigas se deliciam com o néctar que brota de glândulas nos botões das flores do pequi e atacam outros insetos, co-mo lagartas. Sebastián Sendoya, aluno de Oliveira e André Freitas, mostrou que as borboletas Eunica bechina, espe-cializadas em depositar seus ovos nas folhas do pequi, sobrevoam as plantas e detectam formigas predadoras. O tra-balho, publicado este mês na American Naturalist, indica que a sofisticação vi-sual das borboletas lhes permite pôr ovos em folhas seguras e até reconhecer formigas inofensivas.

Tudo isso, e mais, está no que Olivei-ra considera o trabalho mais importan-te de sua vida: o livro The ecology and

evolution of ant-plant interactions, que ele escreveu em parceria com seu colega mexicano Victor Rico-Gray. Publicado em 2007 pela Chicago University Press, o livro é uma ampla revisão de todas as interações ecológicas que se conhece entre formigas e plantas. “As pessoas dão mais importância aos vertebrados porque são os animais que se enxerga com mais facilidade”, protesta o biólogo da Unicamp, “mas na Amazônia o peso seco de invertebrados é quatro vezes maior do que o de vertebrados”. E as formigas, cujas colônias podem chegar a milhões de operárias, são os mais nu-merosos entre os invertebrados. n

Para a predadora Pachycondyla striata, outras espécies, como Odontomachus chelifer, servem de alimento

52 n julho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 161

Estoque de carbono retido no solo deve aumentar com a mecanização da colheita de cana

A colheita mecanizada da cana- -de-açúcar deve aumentar o estoque de carbono no solo, por deixar a terra coberta de palha que aos poucos se decompõe, em comparação com o processo inteiramen-

te manual, fundamentado na queima das folhas para facilitar o corte. Do mesmo modo, a conversão de pasta-gens degradadas em canaviais deve ampliar a quantidade de carbono no solo, acredita Marcelo Galdos, pesqui-sador do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da Universidade de São Paulo (USP), que esteve à frente das análises do fluxo de carbono de cana-viais do Brasil, da Austrália e da África do Sul. Os resultados foram publicados em maio em duas revistas científicas, a Soil Science Society of America Journal e a Plant and Soil, e debatidos em 16 de junho no workshop Impactos So-cioeconômicos, Ambientais e de Uso da Terra, realizado na FAPESP como parte do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen).

“O que temos de fazer é usar a agricultura conservacionista, trans-ferindo o CO2 (gás carbônico) do ar para a planta e para o solo”, comentou Carlos Clemente Cerri, professor do Cena que orientou esses dois trabalhos, dos quais participaram pesquisadores da Universidade do Estado do Colora-do, Estados Unidos, e do Instituto de Pesquisa de Cana-de-açúcar da África do Sul. “A cana colhida com queima reduz o estoque de carbono no solo, mas a sem queima aumenta”, afirmou Cerri. Segundo ele, a colheita mecânica pode fazer o solo reter até 3 toneladas de carbono em três anos, “um resultado importante para deduzir das emissões de gases do efeito estufa gerados pela produção de etanol”.

Ainda não há consenso sobre esses valores. “Não temos encontrado grande benefício em deixar palha sobre o solo”, comentou Segundo Urquiaga, pesqui-sador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Agrobiologia).

Ele chegou a ganhos mais modestos, de apenas 300 quilogramas de carbono por hectare ao longo dos 16 anos de acompanhamento de canaviais em Per-nambuco tratados com e sem queima. “Não podemos nos preocupar apenas com carbono, temos de pensar na di-nâmica da matéria orgânica e no papel do nitrogênio”, disse. “Se não fosse as-sim, bastaria enterrar bagaço de cana para transferir carbono para o solo.” Segundo ele, a quantidade de carbono estocado depende dos resíduos, do grau de degradação (solos mais degradados retêm mais que os mais bem conserva-dos) e da própria capacidade do solo de acumular carbono. “No início o solo acumula muito, depois menos”, observou.

Ao longo dos debates do dia, os pes-quisadores concordaram que precisam estabelecer metodologias convergentes para obter informações mais abundan-tes e exatas sobre os impactos da pro-dução de etanol de cana-de-açúcar e as possíveis contribuições para redução dos gases do efeito estufa como o gás carbônico, causadores do aquecimen-to global. “Os cálculos de impacto e benefícios ambientais dependem dos conhecimentos do impacto sobre o uso do solo, que não são claros”, reiterou Isaías de Carvalho Macedo, do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Estra-tégico (Nipe) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, motivou os pesquisadores brasileiros a fazer estudos cujos resultados sejam apre-sentados em revistas de circulação in-ternacional. Geralmente os “resultados ficam escondidos em publicações em língua portuguesa”, comentou. “Preci-samos ter mais presença mundial nes-se assunto.” Para ele, um dos desafios à frente é “produzir uma ciência que seja competitiva mundialmente”, au-mentando o número de cientistas e a capacidade científica nessa área, para manter a liderança na tecnologia de produção de etanol.

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PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 53

de energia dos Estados Unidos, anun-ciou em maio os primeiros 49 projetos de pesquisa que devem receber US$ 20 milhões dos US$ 500 milhões destina-dos a pesquisa nessa área nos próximos dez anos. Um dos palestrantes, Evan Delucia, da Universidade de Illinois, uma das que participam do Energy Biosciences Institute, descreveu na FA-PESP as pesquisas sobre o etanol em andamento nos Estados Unidos com outras plantas, a exemplo do milho.

Desmatamento - No Brasil o plantio da cana-de-açúcar ainda está associa-do a um problema que Jank procurou desfazer: o desmatamento. No início de junho, Bill Clinton, ex-presidente dos Estados Unidos, em um encontro sobre etanol realizado em São Paulo, Carlos Fioravanti

“O Brasil saiu na frente e tem expe-riência, mas a liderança não está garan-tida”, afirmou Marcos Jank, professor da Faculdade de Economia, Adminis-tração e Contabilidade (FEA) da USP e presidente da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Unica). “A próxima etapa depende de investimento e plane-jamento. Tenho visto muita duplicação, falta de integração e de coordenação”, observou, acrescentando que tem rece-bido diretores de empresas estrangeiras com orçamentos próximos a US$ 50 milhões para desenvolver novos produ-tos, como os hidrocarbonetos, a partir da cana. Os investimentos são altos também em instituições de pesquisa. Apenas o Energy Biosciences Institute, um consórcio público-privado que reú-ne duas universidades e uma empresa

Cultivo da cana: sob testes de impacto ambiental

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enalteceu o álcool brasileiro produzido a partir da cana-de-açúcar, que pode-ria evitar emissões de gases causadores do aquecimento, mas lembrou que as emissões produzidas pelo desmata-mento, principalmente na Amazônia, continuam altas. Duas semanas depois, Jank assegurou: “A cana não causa des-matamento, porque está avançando so-bre áreas de pastagens”.

Em um dos capítulos do livro Sugar-cane ethanol – Contributions to climate change mitigation and the environment, editado por Peter Zuurbier e Jos van de Vooren, uma equipe coordenada por André Meloni Nassar, diretor-geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações (Icone) e um dos coor-denadores de projetos em andamento no Bioen, verificou que os canaviais não se expandem em direção às fronteiras agrícolas do país nem pressionam dire-tamente a vegetação natural em qual-quer região do país. Segundo Jank, as pastagens é que tomam os espaços ocupados por florestas e outros tipos de vegetação natural. “O problema é o desmatamento indireto e ainda não medido com precisão.”

“Não basta ser combustível”, co-mentou Heitor Cantarella, coordena-dor do grupo de trabalho de agronomia e uso da terra do Bioen e pesquisador do Instituto Agronômico de Campinas. “O etanol precisa passar em testes de sustentabilidade e se mostrar ambien-talmente aceitável.” Glaucia Mendes Souza, coordenadora do Bioen, disse que um os objetivos do programa de pesquisas e dos encontros com os es-pecialistas é justamente definir áreas que necessitem de mais atenção e inves-timentos. Lançado em julho de 2008, o Bioen conta com investimentos iniciais de R$ 73 milhões para apoiar pesquisas sobre variedades de cana, processos de produção de etanol e outros deriva-dos, e impactos sociais, econômicos e ambientais do uso e produção de biocombustíveis. n

54 n julho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 161

Meteorologia

A chuva que vem

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Poeira do deserto africano semeia nuvens responsáveis por parte da precipitação na Amazônia

Num paradoxo intrigante do sistema climático da Terra, uma das regiões mais áridas do planeta parece exercer um papel importante na formação da chuva que rega uma das áreas mais úmidas. Experimentos feitos durante a época mais chuvosa do ano em um trecho de floresta preservada na Amazônia Central, próximo a Manaus, indicam que a poeira do deserto

do Saara, transportada por milhares de quilômetros pelos ventos sobre o oceano Atlântico tropical até a América do Sul, ajuda a formar as nuvens responsáveis por 80% da chuva nessa região amazônica. Sobre a floresta, os grãos de poeira do Saara funcionam como núcleos de gelo, plataformas micros-cópicas em torno das quais a água no estado sólido se agrega e origina as nuvens altas, muito carregadas de chuva.

Os resultados desse trabalho, publicados na edição de maio da revista Nature Geoscience, são surpreendentes e ainda precisam ser aprimorados, ressalta o físico Paulo Arta-xo, da Universidade de São Paulo (USP), um dos autores do estudo. “Precisamos descobrir, por exemplo, se essa influên-cia da poeira do Saara ocorre também em outras regiões da Amazônia. Também precisamos de medidas de longo prazo, registradas ao longo de anos, para compreender como esse efeito varia com as estações do ano”, diz o pesquisador. De qualquer maneira, os dados obtidos perto do pico da estação chuvosa na Reserva Biológica do Cuieiras, a 60 quilômetros ao norte de Manaus, sugerem uma contribuição um bocado relevante da poeira do Saara para a concentração de núcleos de gelo na Amazônia Central.

Artaxo e pesquisadores dos Estados Unidos e da Ale-manha coletaram amostras de ar nessa região da floresta de 9 de fevereiro a 9 de março de 2008 e encontraram es-sas partículas de poeira em até 80% dos núcleos de gelo.

Reinaldo José Lopes

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sobre o atlântico: ventos carregam poeira do saara para a américa do sul

PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 55

56 n julho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 161

A poeira parece alternar sua função de principal semeadora de nuvens de gelo com as chamadas partículas biológicas primárias (bactérias, grãos de pólen, esporos e fragmentos de folhas e de in-setos), emitidas pela própria floresta. Ora uma, ora outra era a responsável majoritária pela formação dos núcleos de gelo. Somadas, as duas fontes gera-ram 99% das sementes de nuvens – ne-nhuma delas contribuiu com menos de 15% dos núcleos.

A analogia com sementes é útil. Na Amazônia, as nuvens que se for-mam a grandes altitudes têm en-

tre 15 e 18 quilômetros de espessura e são constituídas por cristais de gelo. São elas que geram as chuvas mais intensas e abundantes, essenciais para o ciclo hidrológico da região. Nuvens mais ra-sas, com 3 a 5 quilômetros de espessura, surgem mais próximo ao solo a partir de gotas líquidas e contribuem menos para as chuvas da Amazônia.

Nesse estudo, os pesquisadores co-letaram as partículas em suspensão – também chamadas de aerossóis – no ar da floresta ao nível do solo e as injetam em uma câmara que permite simular a formação das nuvens profundas con-vectivas. “Usamos uma câmara que reproduz as condições da atmosfera a até 18 quilômetros acima do solo e até 70 graus Celsius negativos”, diz o físico. É em um ambiente semelhante a esse, com baixa pressão e baixa temperatu-ra, que se formam as nuvens profundas convectivas, justamente as que brotam a partir de núcleos de gelo e respondem pelo grosso da precipitação amazônica. “Estamos planejando experimentos com aviões para o período 2010-2011, para fazer medições em regiões da atmosfera em que as nuvens de gelo se formam. Medir essas partículas em altas altitudes não é trivial”, comenta Artaxo.

A contribuição da poeira do Saara para a chuva amazônica nunca tinha si-do flagrada, embora a jornada dos grãos pelo Atlântico fosse relativamente bem conhecida. Dados da agência espacial norte-americana (Nasa) sugerem que 4% da poeira de cada tempestade do deserto atravesse o oceano até as Amé-ricas – uma proporção maior, quase 20%, se perde no caminho, depositan-do partículas de ferro que fertilizam a água do oceano e aumentam a capa-

cidade das algas de absorver carbono da atmosfera. Não são as ventanias no Saara que, isoladamente, trazem o pó até aqui. Parece haver um reservatório constante de partículas flutuando sobre o norte da África, que só é empurrado rumo às Américas quando as condições do vento são apropriadas.

Um grau de mistério significativo ainda envolve os processos físicos da atuação dos aerossóis – sejam os de poeira, sejam os de origem biológica – como núcleos de gelo. “Esses proces-sos ainda não são bem compreendidos”, reconhece Artaxo. A presença de certos metais – ferro no caso da poeira do Saa-ra e zinco no das partículas produzidas pela floresta – parece ser importante para a formação dos núcleos de ge-lo. Aliás, a presença e a proporção de elementos químicos como alumínio, silício, manganês e ferro permitem confirmar a origem saariana da poeira analisada por Artaxo e colaboradores.

“A proporção desses elementos nas partículas de Manaus é a mesma encontrada na poeira do Saara. E há a correlação entre a presença desses aerossóis e o movimento das massas de ar, o que mostra que não se trata de poeira levantada por um caminhão em uma estrada próxima ao local da coleta, mas de transporte atmosférico de longa distância”, explica Artaxo.

P ara o físico, ainda que a contribuição do Saara para a chuva se revele um fenômeno geral para a Amazônia,

é difícil dizer o que isso significará num contexto de mudanças climáticas. Num planeta mais quente, chegará mais ou menos poeira até aqui? “Por enquanto precisamos obter mais dados experi-mentais para tentar responder isso com previsões quantitativas”, afirma.

Em outra publicação recente, desta vez na Science, Artaxo deixou de lado o contexto específico da Amazônia para, com pesquisadores de outros países, se debruçar sobre os efeitos do fogo sobre o clima e a biosfera do planeta ao longo do tempo. Incêndios grandes e peque-nos ajudaram, por exemplo, a forjar as várias áreas da savana do mundo ao longo de milhões de anos. E parecem estar se intensificando, diz Artaxo. “É possível ver um aumento da incidên-cia de queimadas no mundo todo nos últimos anos”, afirma.

A equipe calculou que os efeitos dos gases estufa produzidos pelas queima-das correspondem a 19% da contribui-ção humana para o aquecimento global desde a época pré-industrial. “As quei-madas no Brasil geram cerca de 30% dos gases emitidos por queimadas no planeta”, ressalta o físico.

Números à parte, é bem prático: em termos de custo e benefício, reduzir ou eliminar as queimadas é provavelmente um dos melhores investimentos ime-diatos contra o aquecimento global causado pelo homem, superando pla-nos como a ampliação da rede de usinas nucleares ou a troca da atual frota de automóveis movidos a combustíveis derivados de petróleo por veículos a biocombustíveis ou a hidrogênio. “Com o controle das queimadas, teríamos um retorno rápido em termos de redução de emissões de gases estufa com um investimento muito baixo. Também haveria outros benefícios, como a pre-servação da biodiversidade amazônica”, ressalta o físico. “A construção acelera-da de usinas nucleares ou a renovação global da frota de carros demorariam décadas para reduzir significativamente as emissões de gases estufa.”

Segundo Artaxo, há uma relação in-direta entre o crescente descontrole do fogo no planeta e a hipótese da savani-zação da Amazônia. Essa possibilidade, que aparece com certa frequência em modelos climáticos que tentam prever o futuro da floresta, é consequência da transformação de vastas áreas de mata fechada em formas de vegetação mais abertas e ecologicamente empobrecidas, que lembram superficialmente o Cer-rado do Brasil Central. “Com o avanço do desmatamento e a possível redução na taxa de precipitação, talvez surja uma vegetação mais suscetível ao fogo e au-mente a incidência de queimadas”, diz Artaxo. “Isso geraria uma realimentação positiva que impulsionaria o processo de savanização da Amazônia.” n

> Artigos científicos

1. PrENNI, A.J. et al. relative roles of biogenic emissions and Saharan dust as ice nuclei in the Amazon basin. Nature Geoscience. v. 2, p. 402-405. mai. 2009.2. BOwMAN, D.M., et al. Fire in the Earth system. Science. v. 324, p. 481-484. abr. 2009.

PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 57

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o modelo de desenvolvimento econômico predominante hoje na amazônia – que começa com desmatamento e exploração madeireira e culmina com o uso de vastas áreas para pecuária extensiva e agricultura – está mais para um gerador de pobreza do que para um motor de riqueza, ao menos no longo prazo. a conclusão resulta de uma análise conduzida por pesquisadores do Brasil, do reino unido, da nova Zelândia e de Portugal, publicada na edição de 12 de junho da Science. os municípios amazônicos onde não há desmatamento têm inicialmente um baixo índice de desenvolvimento humano (idH), indicador que leva em consideração a renda, a escolaridade e a expectativa de vida da população. Com a chegada da fronteira agrícola, esses municípios passam por uma onda de prosperidade e, quando seus recursos naturais se esvaem pela exploração intensa, voltam à situação inicial de idH baixo.

a análise não avaliou a trajetória dos municípios ao longo dos anos, por não haver uma série temporal disponível, explica a bióloga portuguesa ana rodrigues, do Centro de ecologia Funcional e evolutiva em Montpellier, França, uma das autoras do estudo do qual participaram os brasileiros Carlos sousa Júnior e adalberto Veríssimo, do instituto do Homem e Meio ambiente da amazônia (imazon). ante essa impossibilidade, a equipe comparou locais ainda não engolidos pela fronteira agrícola com outros nos quais a fronteira está muito ativa,

além de áreas onde o desmatamento e a ocupação estão quase concluídos. “nessa classificação, usamos duas variáveis: a porcentagem de área desmatada até 2000, que dá uma ideia da extensão do desflorestamento; e a proporção de floresta derrubada entre 1997 e 2000, que indica se o município estava na fronteira ativa ou não”, diz ana. o ano 2000 foi usado como referência para coincidir com o do Censo brasileiro, que permitiu calcular o idH dos municípios.

os registros mostram que os municípios que desmataram até 60% de sua área – e 0,5% da área total entre 1997 e 2000 – alcançaram um idH equivalente ao índice médio brasileiro. Já o idH dos locais em que a proporção de floresta derrubada foi ainda maior e a devastação quase completa foi semelhante ao de regiões da amazônia em que a floresta está preservada – nessas duas situações, o idH é inferior ao índice de desenvolvimento humano médio do Brasil.

“É provável que haja modelos em que a decadência econômica possa ser evitada apesar do desmatamento, embora eu suspeite de que eles dependeriam de injeções frequentes de investimento vindo de fora da amazônia”, diz ana. o desafio é criar um modelo de desenvolvimento com o mínimo de desmatamento. “todos ganhariam: seria bom para as pessoas, para os ecossistemas e para reduzir as emissões de carbono responsáveis pela mudança climática global”, comenta. “a situação atual é ruim nessas três frentes.”

O ouro de toloExploração intensa de recursos naturais da Amazônia gera prosperidade passageira

riqueza exaurida: 1,8 milhão de hectares de floresta derrubados a cada ano

58 n julho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 161

Física

Trajetos ao acaso

Físicos descrevem percursos aleatórios da luz e de animais

Um complexo aparato com pequenas caixas de vidro e uma câmera supersensível per-mitiu a pesquisadores franceses – dos quais uma radicada na Paraíba – descreverem o comportamento da luz em condições muito especiais. Quando um fóton, a partícula da luz, se choca contra um átomo de rubídio

– e depois outro, e outro em seguida –, ele se desloca por distâncias que seguem um padrão conhecido como voo de Lévy. O resultado, publicado no final de maio no site da revista Nature Physics, é a primeira descrição estatística desse fenômeno físico com base em observações experimentais e pode ajudar a prever a propagação de fótons em certas situações.

“Muitos pesquisadores têm procurado eventos naturais que sigam voos de Lévy”, conta a física Mar-tine Chevrollier, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). São movimentos aleatórios que se caracteri-zam por uma série de passos pequenos entremeados por raros deslocamentos longos. É exatamente o que acontece no experimento em que fótons são lança-dos em um vapor atômico a 47 graus Celsius, cujos átomos de rubídio flutuam uns distantes dos outros. Com essa densidade baixa, os fótons esbarram em

um único átomo a cada vez e os pesquisadores podem medir de-talhadamente essas interações.

O trabalho da francesa radi-cada na Paraíba mostra uma in-teração nesses encontros em que um átomo absorve um fóton e o reemite em outra direção, co-mo um jogador que recebe uma bola e a chuta para outro lado. Mas a interação entre fótons e átomos tem uma particularida-de importante: se a frequência de vibração for parecida entre as duas partículas, o que acon-tece na maior parte das vezes, o fóton é lançado a uma curta dis-tância, 5 milímetros em média. “Há, porém, uma probabilidade muito pequena de a frequência do átomo estar muito longe da do fóton”, diz Martine. Quando isso acontece, o fóton é reemiti-do com uma frequência diferen-te da que tinha antes, num efeito conhecido como Doppler, e por isso chega a percorrer distâncias muito maiores, de até 50 milí-metros. No entanto, essa mu-dança de frequência só acontece a uma temperatura muito baixa, só obtida em laboratório.

Já se imaginava, teoricamen-te, que isso pudesse acontecer. “O difícil é observar”, conta a pesquisadora. Ela tentou fazer o experimento em seu labo-ratório, sem sucesso. Era pre-ciso controlar com precisão as condições para fotografar com uma câmera supersensível a tra-jetória dos fótons e a distância percorrida por cada um deles.

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PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 59

abelhas, pinguins e outros – se-guem voos de Lévy. Junto com seus colaboradores Gandhi Mo-han Viswanathan, da Universi-dade Federal de Alagoas, e Er-nesto Raposo, da Universidade Federal de Pernambuco, o físico da UFPR tem usado os voos de Lévy para entender como esses animais procuram alimento.

O voo de Lévy é vantajoso, por exemplo, quando uma fonte de alimento está distribuída de maneira esparsa e aleatória. A estratégia mais proveitosa para um animal em busca de uma refeição é, nesses casos, fazer pequenos movimentos por um tempo para vasculhar os arre-dores. Se não encontrar nada, é melhor ir para uma zona dis-tante, onde a probabilidade de encontrar alimento talvez seja maior. Várias pesquisas mos-traram que esse padrão é bem comum na natureza, como discute a revisão publicada em 2008 na Physics of Life Reviews por Viswanathan, Raposo e Luz. Eles mostram que um espectro variado de animais, de amebas a baleias, parece adotar voos de Lévy em seus deslocamentos.

Em uma colaboração cons-tante, o trio de físicos do Para-ná, de Alagoas e de Pernambu-co agora trabalha em análises detalhadas para formalizar a teoria dos voos de Lévy em um contexto matemático rigoroso. Com isso, eles esperam descre-ver em fórmulas matemáticas não só o que acontece nos mo-vimentos individuais, as situa-ções observadas com mais fre-quência até agora, mas também nos procedimentos coletivos de busca, como bandos de maca-cos que seguem regras internas para coordenar os percursos de maneira a aumentar as chan-ces de encontrar alimento. Para fomentar a discussão científica em torno do tema, os três pes-quisadores estão organizando uma edição especial da revis-ta Journal of Physics A, com artigos de revisão e trabalhos originais sobre movimentos de buscas aleatórias, que de-verá ser publicada por volta de outubro deste ano. n

Maria Guimarães

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Por isso a parte experimental acabou sendo feita na Uni-versidade de Nice, na França. Martine participou do traba-lho na fase de cálculos e análise dos resultados. “As condições especiais das experiências que realizamos eram apenas impos-tas pela técnica concebida para medir os passos individuais dos fótons”, explica a física. Mas o voo de Lévy é bem comum em fenômenos que envolvem espa-lhamento de luz e acontece, por exemplo, em estrelas, em lâmpa-das fluorescentes e em parte dos raios solares que se propagam na atmosfera e no mar.

Mundo animal - O voo de Lévy também descreve com precisão alguns fenômenos ecológicos, explica o físico Marcos da Luz, da Universidade Federal do Pa-raná (UFPR). Até um tempo atrás, acreditava-se que tudo seguia distribuições normais, em que eventos médios são muito comuns e os muito pe-quenos ou muito grandes são raros. Recentemente, porém, dados convincentes indicam que muitos animais – como chacais,

> Artigos científicos

1. MERCADIER, N. et al. Lévy flights of photons in hot atomic vapours. Nature Physics. 2009.2. VISWANATHAN, G.M. et al. Lévy flights and superdiffusion in the context of biological encoun-ters and random searches. Physics of Life Reviews. v. 5, n. 3, p. 133-150. set. 2008.

Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internetwww.scielo.org

Notícias

60 n julho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 161

n Filosofia

Mundo globalizado

Estamos diante de um paradoxo: vivemos num mundo globalizado, em que os acontecimentos podem ser apre-sentados em tempo real, mas não logram se armar numa imagem de mundo que nos conduza a ele como nossa morada. No artigo “A perda do mundo”, de José Arthur Giannotti, da Universidade de São Paulo, pergunta-se se haveria algum rebatimento entre o funcionamento atual do sistema capitalista e essa experiência de falta do mundo que nos persegue no cotidiano.

Novos Estudos – Cebrap – nº 81 – São Paulo – jul. 2008

n Psiquiatria

Transtorno mental e DST

Evidências indicam que pacientes com transtornos men-tais têm elevada prevalência de infecções sexualmente trans-missíveis, mas os dados brasileiros são escassos. O objetivo do estudo “Prevalência de HIV, sífilis, hepatites B e C entre adultos com transtornos mentais: um estudo multicêntrico no Brasil” foi determinar a prevalência do HIV, hepatites C e B, e sífilis entre pacientes com transtornos mentais no Brasil. Os autores do trabalho são Mark Drew Crosland Guimarães, Lorenza Nogueira Campos, Ana Paula Souto Melo, Carla Jorge Machado e Francisco de Assis Acurcio, da Universidade Federal de Minas Gerais, e Ricardo Andrade Carmo, do Hos-pital Eduardo de Menezes, da Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais. Uma amostra representativa de pacientes adultos com transtornos mentais foi aleatoriamente selecio-nada de instituições públicas de saúde mental no Brasil. Dos 2.475 pacientes entrevistados, 2.238 tiveram sangue coletado. A maioria era sexualmente ativa ao longo da vida (88,8%) ou nos últimos seis meses (61,4%), do gênero feminino (51,9%), solteira (66,6%), com metade dos participantes com menos de cinco anos de escolaridade e renda média mensal baixa individual (US$ 210). Uso de preservativo foi baixo em toda a vida (8%) ou nos últimos seis meses (16%). As soroprevalên-cias gerais foram 1,12%, 0,80%, 1,64%, 14,7% e 2,63% para, respectivamente, sífilis, HIV, HBsAg, anti-HBc e anti-HCV. As taxas encontradas são maiores do que em outros estudos com populações representativas no Brasil, com altos índices de comportamento sexual de risco. Segundo os autores, a

situação é preocupante e estratégias de prevenção devem ser urgentemente implementadas pelos serviços de saúde.

Revista Brasileira de Psiquiatria – vol. 31 – nº 1 – São Paulo – março 2009

n Educação

Propaganda ufanista

O artigo “Educação e ideologia tecnocrática na ditadura militar”, de Amarilio Ferreira Jr. e Marisa Bittar, da Univer-sidade Federal de São Carlos, examinou a ideologia tecno-crática subjacente à educação brasileira durante a vigência da ditadura militar (1964-1985). Os autores seguiram a premissa segundo a qual as reformas educacionais imple-mentadas após 1964 ficaram marcadas tanto pelo modelo de modernização autoritária do capitalismo brasileiro ado-tado a partir desse ano quanto pela teoria econômica do “capital humano”. A propaganda ufanista, que tinha como lema o “Brasil grande potência”, gerado pela “eficiência técnica” aplicada na forma de administrar o Estado e as suas empresas, também teve os seus corolários ideológicos no âmbito da própria política educacional levada à prática após a reforma universitária de 1968 e a reforma da educação de 1º e 2º graus de 1971. Assim, o sistema nacional de educação que emergiu com as reformas da ditadura militar foi marca-do pela ideologia tecnocrática, que propugnava uma concepção pedagógica autoritária e produ-tivista na relação entre educação e mundo do trabalho.

Cadernos Cedes – vol. 28 – nº 76 – Campinas – set./dez. 2008

n Gestão

Desafios das mudanças climáticas

O objetivo do artigo “Sob os ventos da mudança climática: desafios, oportunidades e o papel da função produção no contexto do aquecimento global”, de Charbel José Chiap-petta Jabbour e Fernando César Almada Santos, ambos da Universidade de São Paulo (campus de Ribeirão Preto e de São Carlos, respectivamente), é lançar luzes sobre as

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PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 61

implicações da mudança climática para as organizações. Para fazer frente a esse debate, são explorados: o concei-to de inteligência ambiental; as estratégias por meio das quais as organizações fazem frente ao desafio da mudança climática; as oportunidades que explicam a adoção dessas estratégias; e o papel fornecido pela função produção para que tais estratégias possuam o efeito desejado. Por fim, tais conceitos são sistematizados, buscando-se uma integração dos modelos teóricos existentes, até então considerados de maneira estanque.

Gestão e Produção – vol. 16 – nº 1 – São Carlos – jan./mar. 2009

n Física

Nascimento da ciência moderna

No trabalho “A evolução do pensamento cosmológico e o nascimento da ciência moder-na”, os autores Cláudio Maia Porto, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, e Maria Beatriz Dias da Silva Maia Por-to, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, fazem uma ex-posição do processo de trans-formação que levou a ciên cia qualitativa de Aristóteles, fun-damentada em princípios filosóficos, à ciência moderna, estruturada sobre uma combinação de empirismo e ma-tematização, processo cuja culminância se deu com a obra de Newton (ao lado). Os pesquisadores apresentam como o Cosmos aristotélico-ptolomaico, rigidamente ordenado segundo critérios metafísicos, foi substituído por um novo Universo, regido por uma causalidade mecânica, expressa por meio de leis matemáticas, e completamente destituído de conceitos como finalidade e valor. Eles mostram como a revolução introduzida por Copérnico ultrapassou os li-mites da astronomia, dentro dos quais nasceu, e promoveu uma ampla transformação do pensamento científico que conduziu ao nascimento da física newtoniana.

Revista Brasileira de Ensino de Física – vol. 30 – nº 4 – São Paulo – out./dez. 2008

n Ginecologia

Câncer de mama e sexualidade

As pesquisadoras Priscila Ribeiro Huguet, Sirlei Siani Morais, Aarão Mendes Pinto-Neto e Maria Salete Costa Gurgel, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Maria José Duarte Osis, do Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas, avaliaram a qualidade de vida e aspectos da sexualidade de mulheres com câncer de mama segundo o tipo de cirurgia e características sociodemográ-ficas. Foi realizado um estudo de corte transversal com 110

mulheres tratadas há pelo menos um ano com câncer de mama no Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher da Unicamp. Os resultados, presentes no artigo “Qualidade de vida e sexualidade de mulheres tratadas de câncer de mama”, mostraram que idade, escolaridade, tipo de cirurgia e tempo desde a cirurgia não influenciaram a qualidade de vida nos domínios físico, meio ambiente, psicológico e relações sociais. Mulheres com relacionamento marital estável tiveram escores maiores nos domínios psíquico e relações sociais. Maior nível socioeconômico influenciou a qualidade de vida nos domínios físico e meio ambiente. Em relação à sexualidade, mulheres com relacionamento marital estável tiveram escores maiores de qualidade de vida em ambos os componentes de sexualidade. Mulheres sub-metidas à quadrantectomia ou à mastectomia com recons-trução imediata apresentaram melhores escores em relação à atratividade quando comparadas às mastectomizadas sem reconstrução. Ou seja, melhor nível socioeconômico e de escolaridade, relação marital estável e cirurgia com conservação mamária estão associados a melhores taxas de qualidade de vida, inclusive a sexual.

Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia – vol. 31 – nº 2 – Rio de Janeiro – fev. 2009

n Dermatologia

Impacto emocional

O vitiligo acomete, em média, 1% da população mundial. Mais de 75% dos pacientes têm autoimagem depreciativa em relação à doença. Seu impacto emocional é muitas vezes negligenciado pelo cuidador, influenciando negativamente o prognóstico. Os pesquisadores Lucas S.C. Nogueira, da Universidade Católica de Brasília, Roberto D. Azambuja Pe-dro e C.Q. Zancanaro, do Hospital Universitário de Brasília, verificaram o efeito do vitiligo sobre as emoções e discutiram as últimas descobertas sobre a interação mente-corpo e seu desdobramento sobre a doença. Cem pacientes com vitiligo responderam, na primeira consulta, a uma pergunta sobre as emoções que a presença das manchas lhes provocava. Entre os que tinham manchas em áreas expostas, 80% queixaram-se de emoções desagradáveis, em relação a 37% dos que tinham manchas em áreas não expostas. As emoções mais referidas foram medo (71%), vergonha (57%), insegurança (55%), tristeza (55%) e inibição (53%). Qualquer doença crônica produz uma vivência negativa propiciada pela ex-pectativa de sofrimento. O vitiligo é um desafio à autoestima. Além de uma orientação científica adequada, o paciente carece de conforto emocional. A resposta e a adesão ao tra-tamento e até mesmo a resiliência diante de eventuais falhas terapêuticas dependem da boa relação médico-paciente. Os resultados estão no artigo “Vitiligo e emoções”.

Anais Brasileiros de Dermatologia – vol. 84 – nº 1 – Rio de Janeiro – jan./fev. 2009

> o link para a íntegra dos artigos citados nestas páginas estão dis po­níveis no site de Pesquisa FaPesP, www.revistapesquisa.fapesp.br

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62 ■ julho DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 161

lINHA DE PRODUÇÃO mUNDO>>

Uma aeronave mo-

vida a energia solar,

capaz de voar de dia

e de noite sem preci-

sar queimar um único

litro de gasolina ou

qualquer outro com-

bustível fóssil. Assim é

o avião Solar Impulse,

com previsão de dar

uma volta ao mundo

em 2011 com escala

em todos os continen-

tes. O aparelho, con-

cebido por um grupo

de empresas liderado

pela farmacêutica Sol-

vay, pela fabricante de

relógios Omega e pelo

banco Deutsche Bank,

deve alçar voo ainda

este ano e, no próxi-

mo, fa zer travessias

dos Estados Unidos e

do oceano Atlântico. Com 22 metros de comprimento e 1.600

quilos, o Solar Impulse possui 63 metros de envergadura,

equivalente à do Airbus 340. A asa desproporcional serve

para acomodar os 200 metros quadrados de células foto-

voltaicas do painel solar, responsável por captar os raios do

Sol e transformá-los em energia. O voo noturno será possível

com uma bateria de lítio de 400 quilos a bordo que armazena

a energia capturada durante o dia. O avião, construído com

fibra de carbono, voará a 70 km/h e terá capacidade para uma

pessoa. O voo ao redor do planeta será conduzido pelo suíço

Bertrand Piccard, idealizador do projeto, que já deu volta ao

mundo sem escalas num balão, em 1999.

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“eterna”, capaz de guardar informações por 1 bilhão de anos. O dispositivo consiste de uma nanopartícula de ferro inserida em um nanotubo de carbono. Quando carregada eletricamente, a nanopartícula se desloca de um lado para outro do nanotubo, simulando os algoritmos 0 e 1 que caracterizam as memórias digitais. Simulações em laboratório revelaram que memórias construídas com esse sistema podem vir a atingir uma capacidade de armazenamento de 1 terabyte por polegada quadrada. O próximo desafio dos pesquisadores é conseguir produzir em larga escala a memória “eterna” – que não usa silício como matéria-prima.

> Internet tridimensional

Já pensou planejar uma viagem para o Taiti pela internet e, no lugar de ver fotos e ler uma porção de links com textos sobre esse paradisíaco destino, ser capaz de fazer um passeio virtual em três dimensões nos bangalôs construídos sobre o mar azul? A internet tridimensional, rica em visualizações 3D > Memória de

1 bilhão de anos

A revolução digital dos últimos anos trouxe inegáveis e inimagináveis avanços em diversos setores da sociedade, mas uma preocupação ocupa as mentes dos cientistas e, principalmente, dos profissionais responsáveis pelo armazenamento de

Avião Solar Impulse: células fotovoltaicas sobre as asas

informações, como bibliotecários: o reduzido tempo de vida útil da maioria dos dispositivos de armazenamento de dados, estimado de 10 a 30 anos. Para tentar solucionar esse problema, pesquisadores da Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, desenvolveram o protótipo de uma memória digital

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PESQUISA FAPESP 161 ■ julho DE 2009 ■ 63

ultrarrealistas, foi um dos 40 projetos e conceitos futuristas apresentados pela Intel Corporation durante o Research@Intel Day, em meados de junho. Outro destaque do evento, focado em tecnologia, internet 3D, tecnologia da informação empresarial e mobilidade sem fio, foi a computação confrontacional, que permitirá ao usuário distinguir o joio do trigo e identificar dados equivocados ou falsos entre os milhares de informações que circulam pela rede. Com a ferramenta, quando você estiver lendo uma notícia on-line, blocos de texto serão automaticamente destacados se informações encontradas em outros lugares contradizerem alguma alegação feita. Os projetos estão sob o comando dos pesquisadores do Intel Labs.

> Nanopartículas contra o câncer

Há muito se sabe que o calor é eficiente no tratamento de tumores de câncer. A dificuldade está em aquecer o tumor sem provocar danos nos tecidos ao redor. Um passo para vencer esse desafio foi dado por cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos. Eles conseguiram criar um sistema

com nanopartículas de ouro que destrói os tumores com efeitos colaterais mínimos. Primeiro implantam-se as nanopartículas nos tumores. Em estudos com camundongos, elas foram colocadas com injeções intravenosas. Depois é lançado sobre o tumor uma fonte de luz com comprimento de onda na região do infravermelho próximo. As nanopartículas absorvem os raios e emitem calor, destruindo o tumor sem atingir os tecidos ao redor. Nos experimentos os camundongos ficaram livres dos tumores em 15 dias, sem nenhum caso de reincidência.

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A inauguração no final de junho

do maior equipamento de laser

do mundo nos Estados Unidos

está animando pesquisadores

ao redor do planeta. Não é para menos. Segundo os respon-

sáveis pelo projeto, o aparelho, batizado de National Ignition

Facility (Instalação Nacional de Ignição, ou NIF na sigla em

inglês), deverá ser capaz de provocar uma fusão atômica que

atingirá temperatura e pressão comparáveis às existentes

no centro de estrelas e de planetas gigantes. O experimento,

previsto para acontecer no próximo ano, abrirá espaço para

a realização de uma série de estudos e testes impossíveis

de serem feitos com a tecnologia atual. A fusão atômica

será alcançada quando 192 potentes feixes independentes

gerados pelo laser atingirem uma cápsula de hidrogênio e

aquecerem seu invólucro de ouro, chamado hohlraum. Caso se

mostre viável, a fusão nuclear pode vir a ser uma alternativa

energética “limpa” e uma opção aos combustíveis fósseis e

à energia nuclear convencional. Os custos do projeto, coor-

denado pelo Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na

Califórnia (EUA), são estimados em US$ 3,5 bilhões.

ExPErImEntolUmInoSo

Instrumentos da câmera onde funcionarão 192 feixes de laser

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64 ■ julho DE 2009 ■ PESQUISA FAPESP 161

lINHA DE PRODUÇÃO bRAsIl>>

no campo. Há três anos, as Fatecs de Araçatuba, Piracicaba e Jaboticabal ministram o curso superior Bioenergia Sucroalcooleira, com três anos de duração.

curso, de um ano e meio, é voltado aos profissionais que gerenciam e executam atividades desde o preparo do solo até a colheita e a administração de máquinas

>Conforto térmico

Uma casa fabricada com placas pré-moldadas de concreto celular espumoso, material que contém minúsculas bolhas de ar e facilita a construção em série, é o novo laboratório de engenharia civil instalado no campus da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Natal. O experimento que vai ser usado também para testes de concreto com poliestireno (um tipo de plástico) expandido e outros tipos de tijolos e blocos faz parte da Rede de Pesquisa em Eficiência Energética de Sistemas Construtivos (Repeesc) que nasceu na UFRN e congrega pesquisadores das universidades federais de Campina Grande, na Paraíba, Piauí, Alagoas, Santa Catarina e o Instituto Nacional de Pesquisa

>Gentepara produzircana

A perspectiva do aumento da produção de etanol em 40%, nos próximos três anos, e as necessidades tecnológicas relacionadas ao setor sucroalcooleiro trazem o desafio da formação de profissionais cada vez mais especializados. Nesse sentido, o Centro Paula Souza, do governo do estado de São Paulo, que administra 162 escolas técnicas estaduais (Etecs) e 48 faculdades de tecnologia (Fatecs), criou dois cursos voltados ao setor. O mais recente, iniciado neste ano, é o curso de Técnico em Produção de Cana-de-açúcar nas Etecs de Andradina e Penápolis, na região de Araçatuba, onde o aumento da produção subiu de 8,8 milhões de toneladas de cana em 2000 para quase 21 milhões em 2007. Esse

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PESQUISA FAPESP 161 ■ julho DE 2009 ■ 65

coordenados pela professora Heloíza Helena Ribeiro Schor. O produto teve uma patente elaborada e foi licenciado para a Crômic, empresa responsável por 52% da produção brasileira de calçados esportivos. A universidade terá direito a um percentual ainda não definido por estar vinculado ao volume de venda. A concepção do tênis teve apoio da Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica da UFMG, também coordenado por Heloíza, da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais, do Instituto Euvaldo Lodi (MG) e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

Espacial (Inpe). A rede estuda a combinação do vento, da umidade, a iluminação e a radiação do sol com materiais de construção que proporcionem maior conforto térmico e baixo consumo de energia, no caso de ar- -condicionado, para os moradores da Região Nordeste do país. Um dos resultados

iniciais da UFRN é o Iso-blok, bloco mais barato que os atuais, constituído de concreto celular espumoso e material reciclado, principalmente de plásticos, trabalho de doutorado do aluno e hoje professor Guilherme Fábio de Melo, que foi objeto de patente da universidade. >Otênisquesaiu

dauniversidade

O desenho inovador do solado do tênis Aerobase, que será fabricado pela empresa mineira Crômic, permite que ele absorva e amorteça melhor os impactos de uma caminhada. Também possui um design que traz conforto e boa sensação térmica para o usuário. Outra novidade é que ele contou na sua elaboração, a pedido da empresa, com uma equipe de cinco professores e oito alunos do Laboratório de Bioengenharia do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG),

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66 n julho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 161

PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 67

biocombustíveis

Fermentação acelerada

Novas cepas de leveduras são mais eficientes na conversão da sacarose em etanol

Na busca por microrganismos mais efi-cientes para a produção de etanol, dois grupos de pesquisadores brasileiros desenvolveram, por métodos distintos, duas novas cepas de leveduras da espécie Saccharomyces cerevisiae capazes de pro-duzir maiores quantidades da substância.

Pequenos fungos microscópicos, as leveduras exer-cem um papel fundamental na transformação do açúcar em álcool durante o processo de fermen-tação nas usinas. O grupo liderado pelo professor Boris Ugarte Stambuk, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), recorreu à engenharia genômica, enquanto os pesquisadores coordenados pela professora Cecília Laluce, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara, no in-terior paulista, utilizaram a genética clássica para

obter um híbrido a partir de leveduras selecionadas. “Fizemos uma intervenção no genoma da Saccharomyces para modificar a forma como ela atua no fermentador e, com isso, conseguimos otimizar o processo”, diz Stambuk, do Departamento de Bioquímica do Centro de Ciências Biológicas da UFSC, que também coordena na instituição um grupo de pesquisa, criado em 1997, para estudos sobre a biologia molecular e a biotecnologia de leveduras. “Com a mesma quantidade de sacarose conseguimos obter de 10% a 15% a mais de etanol.”

A estratégia consistiu em modificar a forma como a Sacaccha-romyces produz a enzima invertase, responsável por acelerar o processo de hidrólise (quebra) dos carboidratos da sacarose, transformando-os em glicose e frutose. Essa reação, que acontece do lado de fora da célula da levedura, é chamada de hidrólise extracelular. Com a alteração da invertase por meio da modificação do gene específico para essa enzi-ma, o açúcar passou a ser transportado e fermentado diretamente no interior da Saccharomyces. “A hidrólise extracelular é um sistema que considero ineficiente porque favorece o desenvolvimento de outras leveduras e bactérias presentes nas dornas de fermentação, que pas-sam a se utilizar da glicose e da frutose”, diz Stambuk, que também é orientador credenciado no Programa de Pós-graduação em Biotec-nologia da Universidade de São Paulo (USP). Quando fermentam, esses microrganismos contaminantes do processo produzem ácidos orgânicos que resultam em perdas na produção de etanol.

tecnologia>

Dinorah Ereno

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Formação de colônias de

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Saccharomyces

68 n julho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 161

A próxima etapa da pesquisa, que teve a participação de pesquisadores do Instituto de Química e da Escola Supe-rior de Agricultura Luiz de Queiroz de Piracicaba, ambos da USP, será testar a levedura geneticamente modificada na Usina Cerradinho, em Catanduva, no interior paulista, para avaliar como ela se comporta em um ambiente in-dustrial. O estudo teve apoio financeiro da FAPESP, por meio de um Projeto Temático coordenado pelo professor Pedro Soares de Araújo, do Instituto de Química da USP, e do Conselho Na-cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que aprovou uma proposta apresentada por Stambuk em parceria com a Fermentec, empresa de consultoria especializada em fermenta-ção alcoólica, em um edital de Desen-volvimento Tecnológico e Inovação.

Stambuk conta que o seu interesse por uma via de captação direta do açú-car pela levedura começou em 1997. Al-guns estudos que apontavam essa possi-bilidade já tinham sido feitos na década de 1980 por pesquisadores espanhóis e australianos, mas não avançaram. An-tes de iniciar o projeto que resultou na levedura geneticamente modificada, o pesquisador havia orientado dois alu-nos de mestrado que caracterizaram o

Schenberg, do Instituto de Ciên cias Biomédicas da USP e que desde a déca-da de 1970 faz pesquisas com leveduras, ressaltou que a estratégia desenvolvida é inovadora. “É um jeito novo de a le-vedura fazer álcool”, disse Ana Clara, que participou da banca de avaliação de um dos alunos de Stambuk.

O pesquisador, que tem vários projetos na área, inclusive no sequen-ciamento do genoma de leveduras in-dustriais, explica que as modificações genéticas se tornam estáveis dentro da levedura porque foram feitas nos pró-prios cromossomos. “Muitas modifi-cações são feitas com plasmídeos para leveduras, material genético também encontrado em bactérias, mas no mun-do industrial isso não funciona, porque essas moléculas são instáveis.”

Resistência ao calor - A outra cepa de levedura que também mostrou em testes de laboratório ser uma excelente produ-tora de álcool tem outra característica que a torna especial para as condições enfrentadas nos processos industriais. Ela é resistente a altas temperaturas. “Enquanto as leveduras comerciais para produção de etanol fermentam bem entre 30ºC e 34ºC, a levedura que desenvolvemos fermenta entre 37ºC e 38ºC com pouca mortalidade celular”, diz Cecília. Como é muito difícil controlar a temperatura no verão no processo de fermentação, quando há uma elevação acima de 36ºC imediatamente aumenta a toxidez do álcool nas dornas, resultando na morte de leveduras produtoras de etanol.

Outra inovação dessa nova cepa, que teve um depósito de patente feito pela Agência Unesp de Inovação em setembro de 2008, é que ela fermenta rapidamente. “Ela faz a conversão total do açúcar em até três horas, enquanto pelo processo tradicional a fermenta-ção leva de seis a 12 horas”, diz a pes-quisadora, que desde a década de 1980 se dedica a estudar fermentos. Isso re-presenta uma vantagem porque, quan-to mais longo o tempo de fermentação, maiores são os efeitos dos microrga-nismos contaminantes e de outros fa-

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gene responsável pela captação direta do açúcar. “Na literatura já havia sido descrito que isso era possível com a fer-mentação da maltose, outro açúcar que a Saccharomyces fermenta eficientemente”, diz Stambuk. “A levedura joga a maltose para dentro da célula e fermenta o açú-car do lado de dentro.”

Desde o início do projeto da levedu-ra geneticamente modificada em 2005, foram testadas várias estratégias para que ela parasse de produzir a invertase extracelular e passasse a transportar o açúcar para o interior da célula, onde é feita a hidrólise da sacarose. Uma delas foi muito bem-sucedida e resultou em um depósito de patente em abril deste ano, em parceria com a Fermentec. Vá-rias dissertações de mestrado e teses de doutorado em andamento, orientadas por Stambuk e apresentadas na UFSC e na USP, também são fruto desse pro-jeto. A professora Ana Clara Guerrini

células da levedura vistas com microscopia eletrônica

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PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 69

tores agressivos, como temperatura elevada e deficiência nutricional, do processo sobre o fermento. A nova cepa também resiste a quantias ele-vadas de etanol e à acidez em ciclos sucessivos de fermentação.

Para chegar a essa levedura, foram selecionadas várias linhagens de S. cerevisiae encontradas em usinas que apresentavam características como tolerância ao calor e rápido consumo de açúcar para produção de etanol. Depois de vários testes e combina-ções, foi obtida uma levedura híbri-da, que recebeu marcadores genéticos que permitem o seu monitoramento durante todo o processo de fermen-tação alcoólica. “Com os marcadores é possível saber a proporção dessa levedura em relação aos microrga-nismos contaminantes presentes nas dornas de fermentação”, diz Cecília. Além disso, é possível observar se as células do fermento estão passando por alterações durante a safra, se a levedura é dominada pelas levedu-ras selvagens e até mesmo se ela de-saparece do processo vencida pelas concorrentes. Atualmente essa dife-renciação é feita apenas por técnicas de biologia molecular que necessitam de consultores especializados.

A levedura Saccharomyces cerevisiae conta com mecanismos para suportar estresses, como mostram estudos conduzidos em laboratório pela professora sandra Regina ceccato Antonini, do centro de ciências Agrárias da universidade Federal de são carlos (uFscar), campus de Araras. Alguns fatores, como a deficiência de nutrientes e a presença de alguns tipos de alcoóis produzidos com o etanol na fermentação, levam a uma mudança na sua morfologia – de unicelular ela passa a filamentosa, ou seja, formada por uma cadeia de células, muitas delas extremamente alongadas e “deformadas” –, que pode compensar a perda da eficiência produtiva provocada pelo estresse. “Para a levedura significa uma forma de escapar de um ambiente desfavorável”, diz sandra.

A pesquisadora tem estudado esse efeito no processo de fermentação alcoólica, porque dentro das dornas de fermentação a levedura vive sob um estresse muito grande. embora os dados ainda não sejam conclusivos, a pesquisadora ressalta que a filamentação indica uma vantagem adaptativa para a levedura, já que há um aumento da sua área superficial. “A levedura passa de uma célula para um filamento comprido”, diz sandra, que desenvolveu a pesquisa com apoio da FAPesP por meio de um auxílio regular, iniciado em 2005 e encerrado em 2008. como a área celular aumenta, pode haver um maior contato com o meio de cultura, levando a uma compensação devido à morte de células ocasionada pelo estresse.

“Numa situação em que a levedura está estressada e não passa para a forma filamentosa, o prejuízo do estresse pode ser maior”, diz a pesquisadora. ela ressalta que, mesmo sob condições estressantes, algumas linhagens de Saccharomyces não mudam de morfologia. A explicação é que a essa mudança pode ser uma característica genética, mas ainda não se conhece um gene específico relacionado à filamentação. “existem vários genes que podem estar envolvidos nesse processo.” Na avaliação da pesquisadora, o fato de essa característica estar presente em leveduras industriais significa que alguma função ela deve ter, porque aparece por uma pressão seletiva. “A princípio achei que era uma característica ruim, mas depois comecei a perceber a sua importância.”

Mutação induzida 1. Estresse, transporte e metabolismo de alfa-glicosídios em saccharomyces cerevisiae 2. Otimização da fermentação de sacarose e produção de álcool por saccharomyces cerevisiae3. Aspectos básicos e aplicados da utilização industrial de leveduras

ModAlIdAdES

1. projeto temático2. Desenvolvimento tecnológico e inovação3. auxílio regular a projeto de pesquisa

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1. Pedro SoareS de araújo – usp 2. BoriS Ugarte StamBUk – uFsc3. CeCília lalUCe – unesp

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1. r$ 482.204,54 (FapEsp)2. r$ 173.005,92 (cNpq)3. r$ 118.245,46 (FapEsp)

os Projetos>

> Artigos científicos

1. BATISTA, A.S. et al. Sucrose fermenta-tion by Saccharomyces cerevisiae lacking hexose transport. Journal of Molecular Microbiology and Biotechnology. v. 8, p. 26-33. 2004.2. BADOTTI, F. et al. Switching the mode of sucrose utilization by Saccharomyces cerevisiae. Microbial Cell Factories. v. 7. 2008.

“Na usina, a mesma levedura é usada em vários ciclos de fermenta-ção durante a safra inteira, que dura até sete meses”, diz a pesquisadora Karen de Oliveira, que trabalhou com a levedura híbrida durante o seu doutorado, orientado por Cecí-lia e encerrado em 2008. “Em alguns casos, são usadas três espécies dife-rentes de Saccharomyces no início da safra em usinas e depois de um mês não existe mais nenhuma”, relata. As leveduras que estão no ambiente ou na própria matéria-prima invadem o processo de produção de etanol e começam a se multiplicar. “Mas as leveduras presentes no ambiente pre-cisam apenas se alimentar, e não pro-duzir álcool”, diz Karen, que atual-mente pesquisa o comportamento de leveduras durante a fermentação de hidrolisados do bagaço de cana no seu pós-doutorado. O projeto, coor-denado pela professora Cecilia Lalu-ce e que tem ainda a participação dos pesquisadores Sandra Sponchiado e Eduardo Cilli, faz parte do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen).

“Controlar a estabilidade das le-veduras ao longo da safra é essencial para garantir a continuidade dos ci-clos sucessivos de fermentação”, diz Cecilia. Isso porque, quando o fer-mento começa a ficar intoxicado pelo excesso de álcool produzido ou em decorrência das condições de estresse da fermentação, ele morre, o que po-de levar ao reinício de todo o proces-so. “O colapso de um processo, com parada completa e reinício, significa grandes prejuízos para as usinas”, ressalta. A próxima etapa do proje-to, que já está sendo negociada com o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), é testar a levedura híbrida em um processo industrial. n

70 n nononnon DE 2009 n PESQUISA FAPESP 1XX

SAÚDE

Órteses para punhos feitas com resina e nanopartículas de argila são modeladas sob medida

Um novo material composto de uma resina polimérica recoberta com partículas de nanocerâmica, para aplicação em dispositivos usados na imobilização de punhos e ou-tras partes do corpo, foi desenvol-vido na Universidade Federal de

Minas Gerais (UFMG). O nanocompósito, que foi concebido para ser vendido em for-ma de kits e aplicado sob medida de acordo com a necessidade de cada paciente, poderá ser enviado para qualquer parte do mundo. “No caso de um terremoto, por exemplo, se for necessário enviar material para imobi-lização de pernas e braços em larga escala, é uma forma rápida e prática de atendimento”, diz o professor Antonio Ávila, coordenador do curso de pós-graduação em engenharia mecânica e orientador da tese de doutorado que resultou no novo produto, patenteado pela Coordenadoria de Transferência e Ino-vação Tecnológica da universidade.

Uma das vantagens desse material em comparação com o importado usado nos dispositivos externos chamados órteses é o processo de moldagem a frio. “Quando misturada ao líquido endurecedor, a resi-na produz calor suficiente para permitir a modelagem do material”, diz a professora Adriana Valladão, do departamento de te-rapia ocupacional da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG, que desenvolveu o material duran-te o seu doutorado. O aquecimento não se compara ao do termomoldável importado, um plástico que precisa ser aquecido em água quente a até 70 graus Celsius para ser utilizado, mas a resistência e a rigidez dos materiais são muito semelhantes.

A moldagem a frio permite o uso do na-nocompósito inclusive em pacientes com queimaduras. “Duas camadas externas re-cobrem uma camada interna mais rígida composta de um tecido em fibra de vidro e material nanoestruturado, para dar resis-tência”, explica Ávila. Para dar mais conforto ao paciente, o tecido em fibra de vidro é en-volto por uma borracha macia de neoprene, um material sintético usado em roupas de mergulho, por exemplo. Nos kits, os mate-riais que compõem as camadas externas, a interna e o neoprene serão colocados se-paradamente em pacotes. Na composição do material nanoestruturado que recobre a parte central entra a montimorilonita, uma argila com alta capacidade de absor-ção de água, que é tratada e queimada para se transformar em cerâmica. “A espessura da cerâmica que estamos trabalhando tem

>

Resistência e conforto

PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 71

repetitivo, para tentar minimizar ou di-minuir o movimento do punho e, com isso, minimizar sintomas como dor e for-migamento”, diz Adriana. A síndrome do túnel do carpo é uma doença que ocorre quando o nervo que passa na região do punho (nervo mediano) fica submeti-do à compressão, causando dormência e formigamento nas mãos, principalmente nas extremidades dos dedos.

Participaram da avaliação da órtese 26 pessoas, com idade média de 22 anos. Todas cumpriram tarefas cotidianas, co-mo pegar objetos pesados, digitar e se alimentar. “O objetivo era verificar se du-rante a execução das tarefas a órtese iria ou não se deformar e também se man-teria o punho na posição correta”, diz Adriana. Na comparação com a órtese de punho feita com material termomol-dável encontrada no mercado a resposta foi bastante semelhante. “Embora tenha rigidez bastante parecida com a do ma-

terial utilizado atualmente, a órtese feita com compósito nanoestruturado tem uma certa flexibilidade que faz com que se acomode melhor na mão do paciente, que se sente mais confortável”, relata.

Na análise de custos entre os dois materiais, o desenvolvido na universida-de mineira apresenta uma economia de 30% em comparação com o importado. Uma placa do material termomoldável importado com 60 por 40 centímetros custa cerca de R$ 400,00 e a fabricação de uma órtese de punho fica em R$ 52,00. A mesma órtese feita com o ma-terial nanoestruturado moldado a frio fica entre R$ 14,00 e R$ 17,00. “Como o governo gasta anualmente cerca de R$ 5 milhões só em financiamento de órte-ses, a diferença permitiria com o mes-mo valor atender um número maior de pessoas”, diz Ávila. n

Dinorah Ereno

Fibra de vidro com resina nanoestruturada

Nanoestruturas em formação na resina polimérica

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Nanocerâmica distribuída em amostra

cerca de 50 nanômetros”, diz Ávila. No Brasil existe uma jazida com esse tipo de argila, mas o processamento em granu-lação nanométrica não é feito aqui, por falta de tecnologia adequada. O quilo do material custa cerca de R$ 20,00, o que o torna apropriado para aplicações terapêuticas de baixo custo.

Materiais alternativos - Desde a épo-ca do mestrado, quando se dedicou à caracterização mecânica de materiais para órteses encontrados no mercado, Adriana se deu conta de que havia pouca diversidade à disposição. “Todos eram importados e caros”, diz. A partir daí a pesquisadora começou a pensar em tra-balhar com materiais alternativos, que contribuíssem para reduzir custos dos hospitais públicos e do Sistema Único de Saúde (SUS). Inicialmente Ávila havia pensado em utilizar o material nanoes-truturado para aplicação aeronáutica, como extensão do seu pós-doutorado na área de engenharia aeroespacial na Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, concluído em março de 2004. A proposta de usar a nanocerâmica em um material para órtese partiu de Adriana. O projeto começou a ser desenvolvido em 2004 e teve financiamento do Con-selho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Ministério da Saúde.

A princípio, a ideia foi trabalhar com o material nanoestruturado para órteses de punho, mas ele poderá ser usado para pescoço, tronco e membros inferiores.“Foi escolhida a órtese de pu-nho porque é um tipo de dispositivo utilizado em várias patologias, como síndrome do túnel do carpo, tendinite e outras decorrentes de lesões por esforço

72 n nononnon DE 2009 n PESQUISA FAPESP 1XX

Química

Marcador coloridoMateriais luminescentes garantem autenticidade a cédulas e documentos

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Cédulas de dinheiro cobertas por películas de po-límero extremamente finas e translúcidas podem se tornar uma solução avançada para garantir a autenticidade da moeda de um país. Ao ser ilu-minada com luz ultravioleta, por exemplo, a nota emite como resposta uma luz vermelha compro-vando a veracidade do papel-moeda. Esse recurso

tecnológico que pode ser estendido para outros produtos passíveis de falsificação, como passaportes, carteiras de identidade e de habilitação, além de documentos oficiais, está em processo de patenteamento pela Agência USP de Inovação, que administra as patentes da Universidade de São Paulo. O grupo de inventores tem à frente o químico Hermi Felinto de Brito, professor do Instituto de Quími-ca da USP, que desde a década de 1980 trabalha com os elementos químicos chamados de terras-raras, matéria- -prima que faz parte dessas películas poliméricas.

As terras-raras na verdade são metais e compõem um grupo de 15 elementos conhecidos como lantanídeos – entre o Lantânio (La) e o Lutécio (Lu) enfileirados em uma coluna na Tabela Periódica –, mais dois outros, o Escândio (Sc) e o Ítrio (Y). O termo “rara” foi dado a esse grupo de elementos porque na época da descoberta dos primeiros representantes desse grupo com propriedades muito similares entre si, no século XVIII, além de serem de difícil separação de outros minerais eram encontrados apenas na Escandinávia, na Eu-ropa. Hoje eles são encontrados no mundo todo. No Brasil, o 10º produtor mundial, são comuns nas areias monazíticas da Região Sudeste. Quanto à designação “terra”, a explica-ção é que inicialmente foram isoladas na forma de óxidos, em composição com o oxigênio, substâncias que na época recebiam o nome de “terras”. Embora pouco populares, esses elementos possuem propriedades luminescentes e são usados, por exemplo, em lâmpadas fluorescentes, aparelhos de diagnóstico médico e para formar as imagens nas telas de televisores, computadores e celulares. Apesar de darem cores às telas de TV, na natureza os metais terras-raras não são chamativos. Normalmente variam do cinza-escuro ao prateado e são macios e flexíveis. Mas eles se tornam atraen-tes na forma de íons (átomos ou moléculas com perda de elétrons) para algumas tecnologias pela capacidade que possuem de emitir luz colorida, depois de submetidos a uma fonte de excitação que pode ser radiação eletromagné-tica (raios X, ultravioleta, luz visível, infravermelho), feixe de elétrons, calor, eletricidade, energia mecânica, reações químicas ou biológicas.

No caso de alguns elementos do grupo terras-raras na forma de íons como o európio (Eu), o térbio (Tb) e o

>

terras-raras: compostos de elementos químicosemitem cor ao serem iluminados

Evanildo da Silveira

de forma eficaz.” Em termos práticos, o íon terra-rara é envolto por moléculas orgânicas, como dicetonatos, carboxi-latos e sulfóxidos. São estes ligantes que absorvem a energia de excitação mais eficientemente e a transferem para o íon terra-rara, que depois a libera sob a forma de luz colorida.

Mais barato - De acordo com Brito, o número de pesquisas sobre a fotolumi-nescência de terras-raras está aumen-tando significativamente no mundo, devido às propriedades ópticas pro-missoras desses sistemas. “Vários com-postos desses metais já são aplicados, portanto deve-se considerar o estudo de design molecular [síntese] que exis-te por trás desses produtos”, diz Brito. Também contribui para o aumento do interesse científico e tecnológico por esses materiais a redução de seu preço. “Há dez anos os compostos de terras- -raras eram muito caros, mas agora o preço caiu bastante”, explica. “Nas nossas pesquisas usamos normalmen-te sistema de dopagem (1% apenas de terras-raras), o que também barateia o produto.” O elemento menos abundan-te dessa série, o túlio, é mais comum na natureza que o ouro, a prata e a platina. Para efeito de comparação, calcula-se que a crosta terrestre contenha 0,02% de lantanídeos e 0,00002% de prata. Assim, o túlio é mil vezes mais abun-dante do que o metal precioso.

Na USP, Brito utiliza a estratégia de preparação de uma série de novos compostos de terras-raras altamente luminescentes que podem ser usados como dispositivos moleculares emis-sores de luz. No total, ele e seu gru-

túlio (Tm), quando submetidos à ra-diação ultravioleta, eles emitem as co-res primárias, vermelho, verde e azul, respectivamente. “Para um material emitir luz é necessário que ele absorva uma quantidade suficiente de energia oriunda de uma fonte de excitação”, diz Brito, como, por exemplo, o fenômeno chamado persistência luminosa. Ele ocorre porque, ao serem excitados, os elétrons desses materiais absorvem e acumulam a energia que recebem. De-pois de cessada a excitação, aos poucos eles relaxam e retornam ao seu estado normal, liberando no processo o ex-cesso de energia adquirida na forma de fótons, que compõem a luz visível, ou, no caso, a luz colorida emitida pelo material. Há duas formas de ocorrer essa emissão: uma rápida, chamada fluorescência, em que todo o processo se forma em um tempo muito curto (nanossegundos), e outra mais lenta, a fosforescência, que pode persistir por um período muito longo, que varia de milissegundos até horas.

Para que isso ocorra, no entanto, os pesquisadores têm de superar outra propriedade dos íons terras-raras. “Eles apresentam baixo coeficiente de absor-tividade molar, ou seja, absorvem pouca energia das fontes de excitação”, expli-ca Brito. “Para superar essa deficiên cia, utilizamos ligantes como ânions (molé-culas orgânicas) ou moléculas neutras consideradas como doadores de pares de elétrons, com o objetivo de coletar luz

PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 73

Preparação e estudo fotoluminescente da persistência luminosa de materiais dopados com íons terras-raras

ModAlIdAdE

Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa

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Hermi Felinto de Brito – USP

InvEStIMEnto

R$ 191.572,77 e uS$ 6.076,94 (FAPESP)

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po já criaram e testaram cerca de 200 compostos feitos a partir desses ele-mentos, como o európio, o térbio e o túlio. Eles incorporam, principalmen-te, os dois primeiros elementos com um plástico e produzem um filme ou película fina. “Esse filme polimérico dopado apresenta característica “bico-lor”, que, sob radiações em diferentes comprimentos de onda, emite cores distintas”, explica Brito. “Quando é excitado com uma lâmpada ultravio-leta, que tem comprimento de onda curto (255 nanômetros), ele emite a cor verde. Se for excitado com uma luz com comprimento de onda um pouco mais longo (365 nanômetros), emite o vermelho.” Uma das vantagens desse sistema bicolor é a utilização de identi-ficação da legitimidade de documentos com maior segurança e precisão por possuir dois marcadores ópticos em um mesmo sistema.

Segundo Brito, além da capacidade de emitir duas cores, a estabilidade tér-mica e a facilidade do processamento dessa película polimérica dopada com íons terras-raras fazem dela um ma-terial atrativo para várias aplicações como marcadores fotônicos. Esses ma-teriais podem ser aplicados na área de segurança, como uma impressão digi-tal, por exemplo, nas cédulas de dinhei-ro. Ele revela que a patente deposita-da pela USP no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) sobre a película polimérica bicolor chamou a atenção de técnicos do Banco Central que já demonstraram interesse em co-nhecer a tecnologia para possível uso como marcador de cédulas do real. Bri-to diz também que as notas de euro já possuem esses marcadores, mas com compostos diferentes. n

74 n julho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 161

Manta de nanofibras de polímero possui maior resistência à ruptura

NOVOS MATERIAIS

Menores e mais

eficientesNanofibras tornarão mais avançados os processos de filtração de microrganismos e liberação controlada de fármacos

Yuri Vasconcelos

Sofisticados filtros capazes de reter vírus, bactérias e partículas sóli-das extremamente finas de líqui-dos ou gases, cápsulas revestidas por membranas bioabsorvíveis que liberam o medicamento no organismo de forma controlada

em determinado período de tempo e substratos para crescimento de órgãos e tecidos biológicos são materiais avançados que estão em desen-

volvimento em vários pontos do mundo e têm as nanofibras poliméricas como matéria-prima principal. Esse material, que também está em fase

de aperfeiçoamento, possui um processo de pro-dução dominado por poucos centros de pesquisa no mundo, incluindo agora o Brasil, por meio do

trabalho da equipe da engenheira química Rosario Elida Suman Bretas, professora do Laboratório de

Reologia do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

A equipe desenvolveu e solicitou a patente de dois tipos de produção de nanofibras por meio de um proces-so conhecido como eletrofiação, baseado na aplicação de corrente elétrica. O primeiro pedido, relativo à produção

de nanofibras de poliamida 66 (ou náilon 66), foi finan-ciado pela multinacional francesa Rhodia, que participou

da pesquisa e depositou a patente na França. O segundo, relacionado à produção de nanofibras de nanocompósitos poliméricos de poliamida 66 (PA66) com argila montmolli-

ronita (MMT), teve apoio financeiro da FAPESP e foi depo-sitada no Brasil. A poliamida 66 é um polímero largamente usado para produção de fios têxteis, reforço interno de pneus,

suturas, cordas e linhas para varas de pesca.Nanofibras poliméricas são um tipo de fio plástico com-

posto por polímeros ou compostos poliméricos com espessura da ordem de nanômetros (1 milímetro dividido por 1 milhão). São milhares de vezes mais finas do que um fio de cabelo ou uma

fibra têxtil comum. Atualmente elas são empregadas por poucas empresas no mundo, entre elas a americana eSpin Technologies, a sul-coreana Nanotechnics e a japonesa Kato Tech, na fabricação

de filtros capazes de reter poluentes de dimensões micrométricas. Uma de suas principais características é a elevada área superficial,

o que permite uma superfície de contato com o meio externo mui-tas vezes superior à de fibras produzidas pelos meios tradicionais e com dimensões macroscópicas capazes de serem vistas com o olho

humano. “A área superficial por volume ou específica de uma fibra é inversamente proporcional ao seu diâmetro. Isso significa que as nanofibras têm uma maior área para um mesmo volume de fibras,

o que é muito importante para diversas aplicações”, explica Rosario Bretas. “Todos os processos ligados a fenômenos de superfície, como

filtração, por exemplo, são potencializados pela criação dessa enorme área superficial”, complementa o engenheiro de materiais Thomas Ca-nova, gerente de pesquisa e desenvolvimento da Rhodia Poliamida.

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PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 75

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Assim, quanto maior a área da fibra, por exemplo, maior a quantidade de fármacos liberados no organismo pelas membranas bioabsorvíveis (que são ab-sorvidas pelo organismo humano na for-ma de cápsulas ou mesmo por adesivos sobre a pele) num determinado período de tempo. O mesmo ocorre com os dis-positivos para crescimento de células de órgãos e vasos capilares e para filtração de partículas ou poluentes. Nesse último caso, quanto maior a área da fibra, mais elevada sua quantidade de poros e me-lhor a retenção de partículas.

O utra característica importante das nanofibras de compósitos polimé-ricos é a possibilidade de se fabrica-

rem fios com propriedades superiores aos convencionais. Isso é possível por-que esses compósitos são produzidos a partir da mistura de um polímero com

uma partícula de dimensões nanomé-tricas. Essas partículas, por sua vez, são capazes de melhorar as propriedades mecânicas de um produto, como elas-ticidade e resistência a ruptura, a ca-pacidade de funcionar como barreira a vários gases, além de elevar a taxa de biodegradabilidade. “É como misturar fibras de vidro ao náilon, para elevar sua resistência”, diz Rosario. A partícu-la adicionada ao polímero criado pela pesquisadora foi a montmollironita, um tipo de argila que confere ao náilon 66 maior resistência mecânica. O desafio de melhorar as propriedades do com-pósito está em fazer com que cada na-nopartícula se encontre bem dispersa e distribuída por todo o polímero.

Embora a poliamida 66 não seja biodegradável, o grupo da UFSCar já está desenvolvendo nanofibras de nano-compósitos poliméricos biodegradáveis e bioabsorvíveis utilizando como matriz os polímeros policaprolactona, poliácido láctico e polihidroxibutirato, entre ou-tros. Em todos os casos, são utilizados a argila montmollironita e os nanotubos de carbono, partículas cilíndricas for-madas por folhas de átomos de carbo-no. “Nosso objetivo principal com esses novos estudos, iniciados há dois anos, é produzir estruturas compósitas polimé-ricas bioabsorvíveis para suporte de cres-cimento celular in situ [na própria pele ou na mucosa humana para liberação de drogas ou contribuição no crescimento celular] e compósitos condutores de ele-tricidade”, conta Rosario.

A parceria com a Rhodia, segundo a professora da UFSCar, foi fundamental para o sucesso da pesquisa. “A empre-sa forneceu a poliamida 66 sintetizada especialmente para a eletrofiação, ou seja, com peso molecular específico e composição química adequada. Is-

so permitiu que a solução polimérica tivesse a viscosidade, a condutividade e a tensão superficial ideais para a ele-trofiação”, destaca. Segundo a pesquisa-dora, enquanto fibras poliméricas com diâmetros micrométricos podem ser fabricadas por métodos tradicionais de fiação (fundido e por coagulação, por exemplo), a única técnica capaz de pro-duzir fibras poliméricas nanométricas é a eletrofiação. Esse método, criado há mais de 70 anos, já originou mais de 30 patentes apenas nos Estados Unidos.

Um sistema de eletrofiação consiste basicamente de quatro equipamentos: um capilar, que pode ser uma seringa com agulha, um eletrodo de cobre ou outro metal, uma fonte de alta-tensão de até 30 quilovolts e um aparelho para coletar as nanofibras, como, por exemplo, um tambor rotativo. Duran-te o processo de eletrofiação, a solução polimérica – o polímero mais o solvente – é colocada dentro do capilar. Em razão da tensão superficial, ela permanece lá dentro, sem escoar. Em seguida, o ele-trodo de metal é imerso na solução e é conectado à fonte de alta-tensão. Uma tensão elétrica é aplicada e, quando de-terminado campo elétrico é alcançado, a solução polimérica dentro da seringa começa a escoar, formando um jato.

E sse escoamento ocorre porque, quando a tensão elétrica é aplica-da à solução polimérica, uma carga

elétrica é induzida na superfície da gota na ponta do capilar. A repulsão mútua de cargas produz uma força diretamen-te oposta à tensão superficial”, explica Rosario. À medida que a intensidade do campo elétrico é aumentada, a su-perfície da gota da solução na ponta do capilar se estira, adquirindo um for-mato cônico. No momento em que o

1. Sistemas poliméricos nanoestruturados: processamento e propriedades2. Obtenção de nanofibras por eletrofiação

modAlIdAdES

1. Projeto Temático2. Programa de Apoio à Propriedade Intelectual

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1 e 2. Rosario Elida Suman Bretas – uFSCar

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1. R$ 1.182.988,99 e uS$ 643.499,18 (FAPESP)2. R$ 6.000,00 (FAPESP)

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Microscopia eletrônica de nanofibras de nanocompósitos de polímeros com argila montmollironita

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PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 77

campo elétrico atinge um valor crítico, no qual a força elétrica repulsiva supera a força da tensão superficial, um jato da solução polimérica é produzido na ponta desse cone. Enquanto o jato se desloca pelo ar, o solvente da solução polimérica se evapora, formando uma nanofibra polimérica. Essa, por fim, se deposita sob o coletor na forma de uma manta de nanofibras não tecida.

D e acordo com Rosario, a eletro-fiação é a única técnica conheci-da para fabricação de nanofibras

poliméricas. Para a produção de na-nofibras metálicas, pode-se recorrer à eletrodeposição química. O uso de ten-sões elétricas relativamente elevadas, a baixa produtividade do processo e a necessidade de utilização de solventes, alguns deles tóxicos, são as principais desvantagens da eletrofiação em com-paração aos métodos convencionais de fiação. “Os solventes empregados no processo precisam ser evaporados. Por isso, o ideal é não usar solventes tóxi-cos. Nas nossas pesquisas, utilizamos água, acetona, diclorometano e ácido fórmico, que não são considerados solventes altamente tóxicos”, diz Ro-sario, que afirma desconhecer outro grupo de pesquisa brasileiro que tenha conseguido desenvolver nanofibras de compósitos poliméricos de poliamida 66 com montmollironita. “No Brasil, um grupo do Instituto de Química da Universidade de São Paulo já trabalha com essa técnica há muito tempo, mas com outros polímeros.”

As pesquisas do grupo da UFSCar contam com a colaboração de pesqui-

> Artigo científico

GUERRINI, L. M.; BRANCIFORtI, M. C.; CANOvA,t.; BREtAS, R. E. S. Electrospinning and Characterization of Polyamide 66 Nanofibers with different Molecular Weights. Materials Research. v. 12, n.2. 2009.

sadores de universidades do Brasil e do exterior. Os professores Rodrigo Lam-bert Oréfice e Alfredo Góes, ambos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), estão encarregados de fazer o crescimento de células ósseas nas es-truturas compósitas desenvolvidas por Rosario. Outra parceria é com o químico Luc Averous, do Laboratório de Enge-nharia de Polímeros para Altas tecno-logias da Universidade de Estrasburgo, na França, autor de um novo método de eletrofiação em via de ser patentea-do e especialista na síntese de polímeros biodegradáveis e bioabsorvíveis. Nesse caso foi firmado um convênio com du-plo objetivo. O primeiro é a utilização em futuras pesquisas de novos políme-

ros bioabsorvíveis sintetizados por ele e o segundo é a realização de estudos comparativos do método pioneiro de eletrofiação desenvolvido por seu grupo com o dos pesquisadores da UFSCar.

também foi estabelecida uma par-ceria com a Universidade de Alberta, no Canadá, que tem como alvo os estudos do engenheiro químico e professor Ut-tandaraman Sundararaj, que conseguiu desenvolver nanofibras de cobre e prata por um processo de eletrodeposição em óxido de alumina. Com esse material ele conseguiu fabricar nanocompósitos adicionando poliestireno, que podem ser utilizados como sensores piezelétri-cos (que geram um campo elétrico sob ação de um esforço mecânico), sistemas de descarga elétrica e escudos contra interferência eletromagnética, entre outras aplicações. “A nossa proposta é fazer esses nanocompósitos com nano-fibras de compósitos de um polímero condutor com nanotubos de carbono. Os testes elétricos seriam feitos na Universidade de Alberta”, diz Rosario. As parcerias com as universidades de Minas Gerais, França e Canadá contam com o apoio da FAPESP e fazem parte de um projeto temático, coordenado pela pesquisadora e que tem como pesquisadores principais os professores Elias Hage Júnior e José Alexandrino de Sousa, ambos da UFSCar.

Além das duas patentes já requeri-das, o projeto para produção de nano-fibras poliméricas, iniciado em 2003, rendeu a publicação de quatro artigos científicos em periódicos nacionais e estrangeiros. Outros dois trabalhos já foram apresentados no 41th Internatio-nal Symposium on Macromolecules – Macro2006, realizado no Rio de Janeiro em julho de 2006, e no Annual Mee-ting of the Polymer Processing Society, ocorrido na Itália em junho de 2008. As pesquisas realizadas na UFSCar tam-bém contaram com o apoio do Con-selho Nacional de Desenvolvimento Científico e tecnológico (CNPq), que financiou três bolsas de estudos. n

Nanofibra de polímero com nanotubos: condutores de eletricidade

No laboratório, seringa com eletrodo goteja nanofibra para formar a manta

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Reciclagem

Resíduolodo da indústria de papel entra na composição de materiais de construção

O lodo resultante do processo de tratamento dos efluentes hí-dricos da fabricação do papel, formado por materiais como caulim – um tipo de argila muito usada pela indústria de porcelana – e celulose, foi rea-

proveitado de forma inovadora na pro-dução de compósitos cimentícios para a construção civil, como blocos de veda-ção, pisos intertravados para calçadas e placas para forros. Areia, cimento e o re-síduo obtido nas estações de tratamento de efluentes, depois do processamento adequado, formam uma argamassa que recebe a adição de brita para formar os compósitos. “A grande inovação está na composição do material”, diz a professo-ra Adriana Nolasco, do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) de Piracicaba, no interior paulista, coorde-nadora da pesquisa. “A partir da mesma base tecnológica é possível fabricar uma série de produtos.”

A proporção do lodo na composição varia de acordo com a aplicação. Os tes-tes de resistência à compressão apontam que blocos de vedação, painéis divisórios e tijolos compactados, componentes que exigem maior desempenho físico-mecâ-nico, podem receber de 5% a 10% do resíduo, enquanto placas de forro e pai-néis isolantes termoacústicos permitem a adição de 20% a 30% do material.

Foram escolhidas duas empresas com processos produtivos distintos para participar da pesquisa. A Papirus Indús-tria de Papel, de Limeira, fabricante de papel-cartão reciclado a partir de aparas, Dinorah Erenom

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e a Votorantim Papel e Celulose, unidade de Piracicaba, que produz papéis para impressão e especiais a partir de matéria- -prima virgem. A intenção era avaliar o desempenho de compósitos produzidos com resíduos de diversas fontes. O re-sultado mostrou variação insignificante no desempenho dos materiais obtidos, o que indica que mesmo resíduos obtidos em diferentes condições têm o mesmo potencial de aplicação.

O estudo, feito pela mestranda Sa-mantha Nazaré de Paiva com orienta-ção da professora Adriana, resultou em um pedido de patente do material e do processo de produção pela Agência USP de Inovação. O trabalho também ficou com o primeiro lugar na categoria de soluções sociais e ambientais na Olim-píada USP de Inovação, em dezembro do ano passado. “O aproveitamento do lodo possibilita a fabricação de novos materiais para construção com cus-to reduzido”, diz a pesquisadora. “Ao mesmo tempo representa uma solução ambiental ao dar uma destinação ade-quada ao resíduo.”

Grandes volumes - A posição do Brasil como o sexto maior produtor mundial de celulose e o décimo primeiro no caso do papel é uma mostra dos grandes volumes dessas matérias-primas aqui produzidas. São cerca de 220 indústrias distribuídas em 17 estados. Dados do relatório estatístico 2007/2008 da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa) mostram que foram produzidos 12 milhões de tonela-das de celulose e 9 milhões de toneladas de papel em 2007. O lodo de efluentes corresponde a cerca de 1% do volume

dessa produção. A disposição mais usual desse resíduo são os aterros industriais, a um custo médio de R$ 65,00 a tonelada, além do valor do transporte. No entan-to, pequenas empresas ainda utilizam aterros sanitários e lixões municipais, em desacordo com a legislação.

Um estudo anterior feito por Adria-na aponta como 100 quilômetros a distância máxima entre as fábricas de materiais de construção e as indústrias de papel para tornar viável a produção. “Como esses materiais vão competir com os convencionais, é preciso levar em conta os custos de logística do lodo tratado para as fábricas”, diz. O ideal é que a produção seja regional, no entorno da indústria de papel. “As in-dústrias poderiam fazer parcerias com as prefeituras ou com o terceiro setor para viabilizar pequenos negócios para produzir esses materiais.”

Ao dar nova destinação ao lodo das estações de tratamento, as indústrias reduzem custos de transporte e dis-posição desses resíduos. As empresas fabricantes de material de construção também serão beneficiadas com a no-va tecnologia. “Elas conseguem pro-duzir um material de boa qualidade com redução no custo dos insumos.” A tecnologia usada para a fabricação é a convencional, assim como as formas e dimensões dos componentes são os mesmos dos que estão no mercado.

Os resultados obtidos nessa pes-quisa são fruto de duas décadas dedi-cadas ao aproveitamento de resíduos. Em 1989, durante a sua dissertação de mestrado na Escola de Engenharia de São Carlos, também da USP, Adriana

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construtivo

Dinorah Ereno

Tijolo feito com mistura de areia, cimento e resíduo da indústria de papel

produziu um compósito a partir de ci-mento e o lodo da indústria de papel. “Era um material muito leve para iso-lamento termoacústico, indicado para substituição de painéis pré-fabricados feitos com isopor”, diz a pesquisadora. Como não encontrou nenhum parceiro comercial que se interessasse em pro-duzir, o projeto não foi adiante.

Mas ela não desistiu. Continuou seus estudos nessa linha, que resulta-ram no desenvolvimento de um blo-co cerâmico e de tijolos, feito com o mesmo resíduo e argila. Nesse projeto, conduzido de 1993 a 1996, Adriana teve a parceria da Votorantim de Piracicaba, que se encarregou de contatar as olarias e indústrias cerâmicas do município. Dessa vez o desfecho foi outro e quase imediatamente ao fim da pesquisa os blocos cerâmicos feitos com resí duos entraram em produção comercial, por meio de várias empresas, a partir de 1996, licenciados pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb). A indústria cerâmica também se beneficiou, porque como o resíduo é bastante úmido houve redução no consumo de água para a produção dos blocos cerâmicos. “A celulose evita a re-tração do tijolo durante a secagem ao ar, antes da queima”, diz Adriana. Quando a argila tem uma grande retração, mui-tos blocos se trincam e há perda do ma-terial. No processo de queima a celulose desaparece, mas o caulim, uma argila de altíssima qualidade, entra em ação. “A cerâmica ganha qualidade no acaba-mento e na resistência ao impacto.” n

80 n julho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 161

AntropologiA

Não há céu sem infernoA relação dúbia entre igrejas neopentecostais e o demônio

Sai, capeta!” Esse literal “grito de guerra” surge no ima-ginário de boa parte das pessoas quando ouve falar na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), e suas “co-legas rivais” neopentecostais, por causa por chamados ritos de “descarrego”, supostos exorcismos em que es-píritos demoníacos são intimados a se “manifestar” do “interior do indivíduo” (seja nos templos das igrejas,

seja, ao vivo e em cores, pela televisão), em geral demônios saídos das “profundezas” das religiões afro-brasileiras. O diabo, porém, não parece, para os pastores, tão feio como se pinta. “Graças a ele e à dinâmica em que nada lhe escapa, a IURD aumenta sua possibilidade de crescimento. Contrariamente ao que afirma, a igreja deve boa parte de sua expansão e constituição a esse ser. Logo, mais do que candomblé e umbanda, o que a igreja necessita de fato é dialogar com uma tradição sociorreligiosa em que se possam encontrar sofrimentos equivalentes à figura do diabo”, explica o antropólogo Ronaldo de Almeida, professor da Unicamp e pesquisador do Cebrap, cujo estudo A Igreja Universal e seus demônios (Terceiro Nome, 149 páginas, R$ 28,00) foi lançado recentemente com apoio da FAPESP.

Segundo a pesquisa Economia das religiões, publicada pela Fundação Getúlio Vargas em 2007, a população de evangélicos cresceu de 16,2% (2003) para 19,9%. O estudo também revela que, com a crise metropolitana nas últimas décadas, o inchaço das grandes cidades, o aumento da violência e a piora do aces-so aos serviços públicos, as igrejas evangélicas neopentecostais tiveram um crescimento mais expressivo nas periferias. Com o surgimento da “nova pobreza” as pessoas seguem em geral dois caminhos: ou se apegam a religiões de práticas mais inten-sas, como as pentecostais, ou perdem a esperança e viram sem

Carlos Haag

>humanidades

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PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 81

82 n julho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 161

Pecado - “As representações do diabo são o eixo a partir do qual o universo simbólico desta igreja é constituído. É ele que causa as doenças, conflitos, de-sempregos, alcoolismo, leva ao roubo, como são Jesus e o Espírito Santo que curam, acalmam, dão saúde, prospe-ridade material e libertam do vício e do pecado. Nessa visão se nega por um lado a ação de outros seres espirituais como se nega a responsabilidade hu-mana e, assim, as origens históricas do mal e do bem”, avalia a socióloga Cecília Mariz, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Se o catolicismo, des-de o século XVIII, vem abandonando satanás e seu séquito, para a doutrina neopentecostal é preciso eliminar a presença do demônio. “Para eles, as outras denominações religiosas são pouco engajadas nessa batalha, ou até mesmo são espaços privilegiados da ação dos demônios, os quais se ‘disfar-çariam’ em divindades cultuadas nesses sistemas, caso, sobretudo, das religiões afro-brasileiras, cujos deuses são vistos como manifestações desses demônios”, completa o antropólogo da USP Vag-ner Gonçalves da Silva. “Quem não tem Deus, tem o diabo”, afirmou um pregador ouvido por Almeida em sua

pesquisa de campo. “O que é enfatizado na evangelização não é o afastamento de Deus por causa do pecado e, assim, a necessidade de ‘conversão’, mas a apro-ximação com o diabo, preferencialmen-te gerada pela frequência aos terreiros no passado do fiel, o que requer a ‘li-bertação’”, analisa o antropólogo. Esse “culto de libertação”, segundo o pesqui-sador, pode ser lido, porém, como uma inversão simbólica dos rituais encon-trados nos terreiros. Num paradoxo, se a relação inicial entre os dois universos religiosos está fundada sobre oposição e confronto, a IURD não deixa (é até mesmo obrigada, para sua própria so-brevivência, a fazê-lo) de reconhecer a veracidade do que ocorre na umbanda e no candomblé. “Esse reconhecimento garante que a possessão efetivada num terreiro se reproduza também no tem-plo, embora nesse lugar a ‘manifestação’ tenha a função de revelar as estratégias do diabo para escravizar, espiritual e materialmente, o homem.” Segundo Almeida, ao acreditar que está comba-tendo uma fé inimiga, a Igreja Universal acabou, na verdade, criando uma cos-mologia de seres malignos, povoando seu inferno com essas entidades. “Por um sincretismo às avessas, a IURD aca-

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religião. O estudo revela que o cresci-mento dessas igrejas nas áreas metro-politanas também pode ser entendido como uma forma de ocupar uma lacuna deixada pelo Estado, com desemprego, “favelização”, precariedade de acesso aos serviços públicos. Se a “velha pobreza”, a das áreas rurais, continua católica, a “nova pobreza”, da periferia das grandes cidades, estaria migrando para as insti-tuições neopentecostais. “Se a ‘teologia da libertação’ produziu a categoria do pobre como ator político na cena pú-blica, a ‘teologia da prosperidade’ da Igreja Universal produz o pobre como ator econômico e o torna responsável por sua salvação. Seu modo de rituali-zar o dinheiro e fortalecer a eficácia da ação (via incorporação da feitiçaria no exorcismo) lhe dá uma grande ampli-tude discursiva”, analisa a antropóloga Paula Montero, da USP e do Cebrap. “Nessa nova configuração, os códigos referentes à saúde e à prosperidade, co-mo uma ética do mundo dos pobres, têm apresentado grande capacidade de mobilização, um capital social que faz com que seus ritos conquistem estádios de futebol, televisões e outros espaços.” Será que os bispos da IURD querem mesmo que o capeta saia?

PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 83

bou produzindo sua pombagira, seu exu Tranca-Rua, sua Maria Padilha. Às avessas, porque a síntese gerada buscou no polo negativo da religiosidade cristã (o diabo) o elemento equivalente às en-tidades, e é graças a essa inversão que a igreja pode ainda manter um discurso proselitista e a exigência de exclusivi-dade, característica evangélica”, nota o pesquisador.

Cultos - Dessa forma, a Igreja Universal combate aquilo que, em parte, ajudou a criar, e não são apenas os ex-praticantes de religiões afro-brasileiras que com-parecem, agora convertidos, aos cultos da Universal, mas também suas antigas divindades, ainda que transformadas. “O neopentecostalismo, ao se distan-ciar do pentecostalismo clássico, e ao se aproximar da umbanda e outras re-ligiões, ainda que seja para negá-las, passou a traduzir para o seu sistema o ethos da manipulação mágica e pessoal, mas agora ‘sob nova direção’, colocando o ‘direito’ no lugar do ‘favor’”, analisa Vagner. “A igreja elaborou, pela guer-ra, uma antropofagia da fé inimiga. As diversas crenças do cenário religioso brasileiro não são apenas referências a partir das quais, pelo contraste, se possa pensar a identidade da Universal. Mais do que pela oposição, a igreja rege seu processo de expansão por essa antro-pofagia religiosa, na qual as mais diver-sas crenças podem ser negadas em seu conteúdo original e, ao mesmo tempo, assimiladas em suas formas de apre-sentação”, observa Almeida. Daí sua capacidade de “abrandar” o ascetismo pentecostal, suavizando o estereótipo do “crente” protestante tradicional e histórico. A nova igreja passa a valori-zar os prazeres terrenos e a estimular o consumo de bens materiais como sinais de salvação. “Ao contrário da invoca-ção umbandista, no neopentecosta-lismo exu não é mais chamado para atuar como mensageiro ou ‘sujeito do favor’. Agora sua função é vir para ser expulso em nome da cura e da salvação do possuído. Não sendo mais a morada do ‘maligno’, o crente liberto ‘expulsa o favor’ e afirma o seu ‘direito à graça divina’, falando diretamente com Deus”, explica Vagner. Na Universal, o fiel “to-ma posse da bênção”.

“No caso dos terreiros, a ‘cobrança pelos serviços’ personaliza o pagamento,

fazendo dele suspeito de interesse priva-do e exploração. No caso da Universal, esse ato é entendido como ‘doação’, uma demonstração de fé endereçada direta-mente a Deus, para desafiá-lo. A oferta cria uma aliança entre Deus e o homem, pela qual Ele fica obrigado a uma resti-tuição imediata”, observa Paula Monte-ro. Nas palavras de Edir Macedo, bispo da Universal, o crente se torna “sócio de Deus” e nessa condição privilegiada passa a aproveitar as bênçãos do Senhor. “Para provar a própria fé e ganhar as recompensas, os fiéis são induzidos a re-alizar sacrifícios ou desafios financeiros. Quem não paga o dízimo, advertem os pastores, rouba a Deus. Como o tama-nho da fé se mede pelo maior ou menor risco que se assume no ato de doação, quem quer mostrar grande fé precisa assumir grandes riscos financeiros”, explica o sociólogo Ricardo Mariano, da PUC-RS. “O modo sacrificial que o dinheiro assume nos ritos da Universal retira do sacrifício o seu caráter violen-to e bárbaro (em suposta oposição aos ‘presentes’ ofertados nos rituais afros aos deuses) e o transforma em uma relação abstrata de risco, como em um investi-mento econômico”, completa Paula. A base dessa ideologia pecuniária é a cha-

mada “teoria da prosperidade”, a aliança com Deus, garantia de que todos podem ter aquilo que quiser se tiverem fé e a de-monstrarem com convicção. Isso inclui casa na praia, carros do ano, sucesso nos negócios e mesmo no amor. Não interes-sa se é um bem material ou espiritual. “A Universal procura maximizar a provisão de compensações concretas e imediatas neste mundo, adaptando sua mensagem à vida material e cultural das massas po-bres a fim de dar algum sentido, a expli-car a razão de se encontrarem vivendo como vivem, a justificativa de uma dada posição social”, nota Mariano.

O dinheiro não está presente apenas nas práticas da Universal, mas igual-mente em outras práticas religiosas. “Mas apenas nela os fiéis se reúnem, semanalmente, para o culto à prosperi-dade, em que ouvem sobre a legitimida-de da abundância e assistem a uma pre-gação que parece uma ‘palestra’ sobre coisas do mercado”, analisa a antropó-loga Diana Nogueira de Oliveira Lima, do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro). “A dinâ-mica cultual e sua mídia são perspicazes no despertar das crenças e das noções mágicas da religiosidade popular, tiran-do dividendos à instituição e negando qualquer acusação de ‘mercantilização do sagrado’. A Universal se estruturou como uma igreja brasileira de exporta-ção, presente em vários países do globo (EUA, França, entre outros), dirigida por um Bispo S/A, faturador de sucesso empresarial e político, tendo poder de penetração pública e estratégias, tam-bém anônimas, entre os indivíduos e clientes anônimos. Daí ser uma igreja de ‘prestação de serviços’, uma institui-ção religiosa secularizada pela relação empresa-clientes”, escreve o teólogo e sociólogo Odêmio Ferrari, da PUC-SP, autor de Bispo S/A: a Igreja Universal e o exercício do poder (Ave-Maria, 264 páginas, R$ 29,00). “Sua originalidade é ter produzido uma dupla inversão: por um lado, seus ritos generalizaram a ‘feitiçaria’ no espaço público e, por outro, fizeram coincidir caridade e prosperidade econômica. Afinal, em suas práticas rituais mais importan-tes, a Universal recupera as categorias clássicas do cristianismo: o exorcismo e o donativo em dinheiro”, avalia Paula. Não sem razão, o apóstolo Hernandes, do casal dirigente da Igreja Renascer em

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Cristo, igualmente adepta da “teologia da prosperidade”, ao ser acusado de es-telionato, defendeu-se: “Estamos sendo perseguidos pelo próprio diabo”.

Doença - “A Universal e outras respon-dem aos apelos imediatos cotidianos. Mais do que à doença, ela responde ao medo de alguma doença estigmatiza-da. Além de nos livrar dos problemas financeiros, promete que vamos ficar ricos. Ela é universal como ampla in-terlocução com a sociedade, visando um maior espaço público e, se possí-vel, a conversão dos interlocutores ao reino de Deus”, analisa Almeida. No caminho dessa universalidade, além dos esforços conhecidos de se utilizar da melhor forma os meios de comuni-cação, incluindo-se mais recentemente a internet (forma, ao lado da música, de ter acesso aos jovens), os neopentecos-tais vêm ganhando espaço na política. “As igrejas Universal e Assembleia de Deus souberam aproveitar seus mo-delos autoritários como instrumento para conquistar votos juntos aos fiéis e implantar um regime de disciplina e hierarquia nas suas bancadas, tirando a autonomia de seus pares no Legislativo”, analisa o sociólogo Saulo Baptista, autor de Pentecostais e neopentecostais na polí-tica brasileira (Annablume, 430 páginas, R$ 67,00). Até os anos 1980, a posição dessas igrejas era de absenteís mo social

e político, ainda que com uma ferrenha dimensão anticomunista e de apoio ao regime militar. “A política pentecostal é exemplificada por posturas como acreditar ser pecado fumar e beber, mas não legislar em favor de elites e sonegar recursos para alimentação, moradia e saúde dos muitos necessitados. No sen-tido ético, participar de um esquema de corrupção não é tão condenável, desde que beneficie a igreja com ambulâncias ou concessões de rádio, porque isso am-plia a capacidade de ‘ganhar almas para Cristo”, afirma Saulo Baptista. Apesar disso, a pesquisa revela que escândalos como o “mensalão” e outros chocaram alguns fiéis que reagiram e diminuíram as votações para os “candidatos oficiais” das igrejas. “Ao ingressarem de forma corporativa na política as igrejas ado-taram o comportamento populista de manobrar fiéis para ganhar votos, e a presença dessas corporações no espaço público tem repetido vícios da cultura política nacional, não enfrentando ques-tões sociais, remetendo-os ao mundo das causas sobrenaturais.” É o popular “irmão vota em irmão” que permitiu à “bancada evangélica” espaço para exer-citar um perfil político fisiológico.

“Sob o tripé cura, exorcismo e pros-peridade financeira, e tendo o diabo co-mo origem de todos os males, a Univer-sal demarcou o seu espaço no cenário da religiosidade popular brasileira. Sem

maiores elaborações teológicas, a igreja, mais do que qualquer outra denomina-ção evangélica, criou uma mensagem para atender às demandas mundanas imediatas”, completa Almeida. Se a ética protestante orientava a conduta econô-mica do puritano calvinista, continua o pesquisador, cabendo à instituição religiosa apenas o ensinamento da dou-trina da predestinação, com a Universal temos a própria instituição relacionan-do-se com o mercado, impulsionada pela missão evangelizadora. “É uma verdadeira holding multinacional, cujo produto básico que dinamiza toda a estrutura é a fé.” Daí que não podem faltar nem o capeta, nem as religiões afro-brasileiras, sem as quais a igreja perde totalmente a sua razão de ser e existir. Assim, na ideologia, como nos rituais, o diabo pode até ir embora, mas ele sempre volta. n

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> Livros citados

1. MONTERO, P. Religião, pluralismo e esfera pública. Novos Estudos. Cebrap, v. 74, p. 47-66, 2006.2. HILL, J. História do cristia nis mo. Editora Rosari, 560 páginas, R$ 79,00.3. SILVA, Vagner Gonçalves da. Neopentecostalismo e religiões afro-brasi-leiras: Significados do ataque aos símbolos da herança religiosa africana no Brasil contemporâneo. Mana (Rio de Janeiro), v. 13 (1), p. 207-236, 2007.

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Sociologia

Futuro, volver

Forças Armadas enfrentam dilemas da sociedade pós-moderna

>

Nós somos da Pátria a guarda,/ fiéis soldados,/por ela amados”, assegura o hino do Exérci-to brasileiro. Se, em plena ditadura militar, boa parte dos civis entoava esses versos sem grande convicção, hoje a questão se agravou. “As Forças Armadas brasileiras vivem um mo-mento de extremo conflito: ao mesmo tempo

que abraçam ideias hipermodernas, buscam manter as prerrogativas tradicionais, conquistas corporativas e estruturas arcaicas, dentro de uma autonomia ante o Estado e a sociedade que beira a fase ditatorial. A instituição vive agora uma intensa crise de identidade”, afirma o militar e pesquisador Paulo Kuhlmann, pro-fessor do curso de Relações Internacionais da Unesp e autor da tese de doutorado Exército brasileiro: estrutura militar e ordenamento político, defendida recentemente na USP. “A sociedade brasileira e os órgãos legislativos e governamentais têm pouca preocupação com temas da Defesa e pouco conhecimento sobre as Forças Ar-madas. Por um lado, isso dá uma autonomia exagerada aos militares para delimitar o formato e a atuação da Defesa. Por outro, gera um estrangulamento, por meio de cortes orçamentários e outros fatores, da força pela estrutura estatal que a deveria manter, por desconhecer suas reais finalidades e funcionamento”, analisa.

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escolas militares. No ano em que o Mi-nistério da Defesa completa dez anos, a relação entre civis e militares ainda é claudicante, incerta e indefinida. “Em resumo, há um nítido contraste com o período anterior, em especial os anos 1970, sem que tenha havido propria-mente uma ruptura política. A debi-lidade institucional associada a uma soberania atrofiada pela globalização gerou uma ‘crise de identidade’ dos mi-litares”, analisam as pesquisadoras da Unesp Ednéia Fázio e Suzeley Mathias em seu estudo O ensino médio e o papel do Exército. “A classe política brasileira não tem se debruçado sobre a definição dos interesses nacionais e, assim, não visualiza as ‘novas ameaças’ que o país enfrentará num futuro próximo”, con-tinuam. Assim, o preparo do comando castrense para responder aos novos de-safios que se colocam continua parte da arena militar, que tem não apenas se organizado de forma autônoma, mas também definido interesses e ameaças para o país como um todo por si pró-pria. E aí está o perigo.

A crise de identidade está ligada com o desaparecimento do inimigo, a partir do fim da Guerra Fria, e com

a desvalorização do estamento militar na maioria dos países. No Brasil essa desvalorização soma-se à ideia de re-vanchismo por parte dos reprimidos a esse estamento. Alguns militares acre-ditam que os governos de esquerda vingam-se, por outras vias, jogando as Forças Armadas no desamparo e no su-cateamento”, avalia. Uma pesquisa feita pelo diretor do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, o antropólogo Celso Castro, coordenador do Consórcio Forças Armadas Século XXI, sobre o estado das relações civis-militares no Brasil, revelou que “ainda é grande o peso negativo da herança simbólica da atuação das Forças Armadas durante o regime militar”. Além disso, a pesquisa mostrou que é preciso uma maior con-vergência do sistema de ensino militar com padrões e valores utilizados no sis-tema de ensino civil, pois há uma clara desconfiança dos civis sobre os padrões de qualidade e isenção do sistema das

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A novidade, ainda não se sabe se boa ou má, é a aprovação recente, pela Presidência da República, do pro-

jeto, feito pelo Ministério da Defesa e pela Secretaria de Assuntos Estratégi-cos, de renovação das Forças Armadas para a criação de uma Estratégia Nacio-nal de Defesa, que pretende, a partir do segundo semestre deste ano, começar a construir no país uma “cultura mi-litar vanguardista e profissional” por meio da reorganização, reorientação e reequipamento das Forças Armadas. A partir do momento em que a socie-dade civil passar a ter ingerência sobre o projeto de Defesa e na constituição do soldado do futuro será possível, enfim, descobrir para que servem as Forças Armadas, hoje voltadas para um sem-número de atribuições, as cha-madas “missões subsidiárias”. “Ações como combate à dengue, fornecimen-to de água no Semiárido, construção de estradas, entre outras tarefas, são atribuições que se somam à ideia de construção de nação preconizada pelo Exército como a sua função precípua e

praticada por meio do serviço militar e da profissionalização dos recrutas”, explica Kuhlmann. “A reestruturação do Exército ao longo da transição de-mocrática ocorre em um período em que a força militar busca o distancia-mento do conflito ideológico-político e da busca pela profissionalização e mo-dernização.” Segundo o pesquisador, as Forças Armadas tentam se profissiona-lizar por meio de uma avaliação profis-sional, operacional, baseada na eficácia exigida de uma força militar moderna, embora esbarrem nos gastos e na falta de possibilidade política de mudar o sistema. “A isso se soma a preocupação com a perda da vantagem política de influenciar a juventude e ter seu efetivo reduzido a um mínimo insuportável, fruto do medo da alteração do serviço militar, hoje obrigatório.”

K uhlmann lembra ainda que existe uma reação dos militares à política norte-americana para a América

Latina, em que os EUA desejam que as Forças Armadas sejam meras polícias

contras as “novas ameaças” (tráfico de drogas, crime organizado, entre ou-tros), deixando o ideal de soberania de lado. “Ao lado do medo do revanchis-mo da sociedade e da indefinição do Ministério da Defesa, visto como jovem demais, há a negação ao pensamento único gerado pela globalização que afirma ser a soberania desnecessária e anacrônica”, observa o militar. Há uma longa trajetória a marcar esses medos: a Guerra das Malvinas, em 1982, que colocou os militares argentinos numa situação de ridículo; a democratiza-ção da América Latina; o fim da União Soviética e, com isso, o término da Guerra Fria; e, mais recentemente, o atentado às Torres Gêmeas em 2001, que provocou uma retomada de ideais militaristas que se pensavam extintos. “O fim da Guerra Fria gerou uma dou-trina de reajuste das Forças Armadas dos EUA e da Europa, um downsizing, já que as antigas configurações de con-flitos se faziam mais presentes”, nota Kuhlmann. A instrução dos soldados foi deixando de lado os valores tradi-

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so somado às questões de controle da fronteira (contrabando de armas, ma-deira etc.) e confronto com guerrilha de outros países. Em suma, uma estratégia da resistência.” A nova geopolítica inter-veio na formação militar. “Ela agora deve proporcionar a capacidade do militar de cumprir diversos papéis diferenciados, como scholar, estadista, negociador, polí-cia. Mas se não houver educação formal para suprir essas carências ele não de-sempenhará bem suas novas funções no mundo pós- -moderno.” Assim, é preciso capacitar os novos militares a cumprir “novas missões”, possibilitando maior es-treitamento das relações civis-militares. Isso não é tão fácil como se poderia pen-sar. “Se a educação é tão sensível como pensamos, e a educação militar está fora do âmbito de ação do governo, então po-demos concluir que as Forças Armadas gozam de grande autonomia, pois pode formar seus quadros, forjando consci-ências sem sequer dar satisfação de seus atos”, analisam Ednéia e Suzeley. “No que diz respeito à formação militar, todas as reformas querem aproximar os futuros comandantes da sociedade civil, incluin-do, nisso, o próprio método de educar as futuras classes dirigentes. Mas não se deve perder de vista nem a capacidade castrense para ocupar espaços vazios (daí a necessidade de se formar civis nessa área), nem a capacidade de antecipação e adaptação que eles têm”, avisam as pes-quisadoras. Não sem razão, o projeto do governo prevê que a Academia Militar

das Agulhas Negras mude sua base do estado do Rio para Brasília. Também, nesse sentido, a inserção do Ministério da Ciência e Tecnologia na construção da Estratégia Nacional de Defesa, com medidas que maximizem a integração dos esforços de pesquisas nas instituições científicas civis e militares.

Um ponto, no entanto, ainda inco-moda militares e estudiosos de De-fesa: a função de “polícia” interna

que governo e sociedade gostariam de colocar sobre os militares. “Há uma grave falta de clareza e precisão na le-gislação atual sobre como regular essa atuação das Forças Armadas na ‘garan-tia da lei e da ordem’, função que causa grande desconforto em parte do meio militar. Atualmente se caminha por sendas de ambiguidades jurídicas que regulamentam a missão e as tarefas do Exército, o que banaliza o emprego dos militares como uma fórmula mágica para a solução dos problemas”, alerta Kuhlmann, para quem há o perigo de militarização das instituições policiais e da corrupção dos estamentos militares. Igualmente, continua, é preciso cautela com as “missões complementares” que, em geral, são vistas com bons olhos pelas Forças Armadas, já que elevam a simpatia da sociedade pelos militares. “O Exército está tendo uma atua ção onidirecional. Se juntarmos isso à des-valorização do equipamento de Defesa nacional, aos baixos salários e às más condições de trabalho, tudo altera a ex-pectativa dos que estão nos quartéis e daqueles que pretendam ingressar. Sem ingerência civil nos currículos de for-mação militar, há excessos de atuação e a crise de identidade se consolida nas Forças Armadas.” Sentindo-se desam-parados, observa o pesquisador, os mi-litares perderam as referências de seus valores e crenças corporativos relacio-nados ao cumprimento de uma missão que não existe mais. “Isso se refletiu e ainda se reflete em vários episódios de desobediência.” Ao mesmo tempo, o uso indiscriminado, ainda que, como dizem as autoridades civis, esteja alicer-çado legalmente, já trouxe problemas na convocação das tropas sem o aval da Presidência e do Congresso, com consequências funestas como as mor-tes na invasão da siderúrgica de Volta Redonda, entre outras.

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cionais de Duty, Honor, Country e se aproximando dos valores de recom-pensas materiais, mais comuns às ati-vidades profissionais civis, a chamada civilinization dos exércitos. “Após o 11 de Setembro, porém, esse momento, batizado de ‘pós-modernismo militar’, é substituído pelo amargo estado de segurança. Há um retorno à preocu-pação original de defender o território, quase caracterizando a volta ao passado tradicional, embora o inimigo seja ‘vo-látil’, por meio do combate ao terroris-mo.” No Brasil, conta o pesquisador, o primeiro movimento correspondeu à criação, em 1984, do Sistema de Plane-jamento do Exército (Siplex), que pre-tendeu operacionalizar a instituição e colocá-la na modernidade. Pensava-se, então, em aumentar o efetivo militar, mas a nova reconfiguração nacional e internacional impediu isso.

N o Brasil ocorreu a transferência da prioridade da Defesa da Região Sul para a região amazônica. Ao contrá-

rio do que se via no período da Guerra Fria, quando o foco estava no Sul, que possuía um inimigo delimitado, inte-restatal e que se armava e se preparava consoante a um confronto, na Amazônia, atual prioridade, novas e velhas ameaças são percebidas, bem como a forma de combatê-las: os vazios geográficos são amenizados com a ideia de colonizar a região, envolvendo também a nacio-nalização e a integração dos índios, is-

Militares policiando arredores de favela no Rio de Janeiro

PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 89

A relevância da discussão é com-provada pela repetição de algumas des-sas questões naquele que sempre foi o modelo de todas as forças: o Exército americano. O sociólogo da Academia de West Point, Morton Ender, acaba de lançar, nos EUA, American soldiers in Iraq: mcsoldiers or innovative profes-sionals?, pesquisa de campo feita com vários militares em ação no Iraque. “Há muitos resultados inesperados, fruto da adoção, pelos corpos americanos de princípios de eficiência derivados da rede McDonald’s, como rapidez, estabilidade etc. Isso vem gerando sol-dados individualistas que se acreditam melhores do que seus colegas, mas que acabam patinando na chamada ‘irra-cionalidade do excesso de racional’, re-ceita certa para limites na criatividade, autonomia e espontaneidade”, explica Ender. “Os novos soldados não mais lu-tam por suas equipes, por seus camara-das, mas sim por um ideal nacionalista abstrato de América. Suas atitudes são pautadas pela America first, o que suge-re um ‘isolacionismo-internacionalista’ entre os soldados americanos.” Nisso o

11 de Setembro teve a sua participação. “Mas não o que se esperava. A maior parte dos soldados não reagiu aos ata-ques e apenas uma pequena parcela se importou e foi à luta. Os números de hoje são ridículos em comparação com os sacrifícios épicos feitos nas guerras passadas. Poucos interromperam suas vidas para servir ao ‘bem maior e ao ideal’.” Os pontos positivos ficaram com a diversidade crescente nas forças ame-ricanas. “Muitos que não são os ‘típicos soldados americanos’ (branco, cristão, hetero, trabalhador, jovem, preparado fisicamente) acabaram conseguindo, enfim, uma cidadania completa dentro das organizações militares. Igualmente as novas condições geopolíticas, que exigem um soldado mais sofisticado para as novas missões, deram maior espaço às recrutas mulheres, mais adequadas às novas sutilezas exigidas pela nova forma de guerra”, explica. Isso, aliás, também aconteceu nas For-ças Armadas brasileiras por motivos análogos, embora menos bélicos. Para aqueles que defendem o fim do serviço militar obrigatório, “como nos EUA”,

Ender avisa que a América está na con-tramão e deveria advogar um serviço universal nacional. “Isso poderia ser usado para corrigir muitos dos males sociais de que sofre a sociedade ame-ricana.” O mesmo argumento, aliás, é usado por militares e civis no novo projeto de Defesa que preconiza a ma-nutenção do serviço militar obrigatório e sua universalização efetiva para todas as classes sociais, e não apenas aos mais pobres, como acontece atualmente. Seja como for, lá, como aqui, nota Ender, ainda existe um grande lapso “entre os mundos civil e militar” e se verifica uma civilinization da vida militar, seja na representação social, seja nas atitu-des representacionais. E é aí, notam os especialistas, que mora o perigo. n

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> Livros citados

1. ENDER, Morten G. American soldiers in Iraq. Routledge, 199 páginas, 2009.2. BEST, Nicholas. O maior dia da história. Editora Paz e Terra, 332 páginas, 2009.

Carlos Haag

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Literatura

Tese investiga importância de gibis na formação de leitores na infância

Gonçalo Junior

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Em 1944, a Revista do Inep (Instituto Nacio-nal de Estudos Pedagógicos), do Ministério da Cultura, publicou ao longo de três edi-ções um estudo bombástico a partir de uma pesquisa feita com professores e estudantes sobre as histórias em quadrinhos, um pro-duto de massa surgido no país na década

anterior. A conclusão era das mais alarmistas: os comics constituíam um nocivo instrumento que estava prejudicando o aprendizado escolar de diver-sas formas: desestímulo ao estudo das disciplinas, abandono dos livros infantis e, pior, causavam pre-guiça mental, ao viciar os estudantes com imagens e poucos textos. Seguiu-se, então, uma guerra em escolas de todo país, quando fogueiras foram orga-nizadas para queimar gibis. Mais lenha foi jogada no incêndio quando o professor Antonio D’Ávila publicou, em 1958, A literatura infanto-juvenil, um tratado em defesa dos livros para crianças e contra as revistinhas.

Foi preciso duas décadas para que editoras co-mo Ibep e Ática adotassem a linguagem dos qua-drinhos em seus livros de português, geografia, história e matemática. Desde então, a aceitação das revistinhas pelos professores como reforço paradi-dático parecia pacífica. Na verdade, os quadrinhos se tornaram quase sempre o primeiro contato de várias gerações de crianças com o aprendizado da leitura e da escrita e de entretenimento, além de um objeto de grande valor afetivo, sempre ligado à infância. É o que está exposto na tese de Valéria Aparecida Bari, O potencial das histórias em quadri-nhos na formação de leitores: busca de um contrapon-to entre os panoramas culturais brasileiro e europeu, com orientação do professor Waldomiro de Castro Santos Vergueiro, da Escola de Comunicações e

Artes (ECA), da USP. Na pesquisa, ela se propôs a discutir

a importância das histórias em quadri-nhos na formação do gosto pela leitura

das crianças, a partir das experiências de dois países: Brasil e Espanha. Ao mesmo

tempo, debruçou-se sobre a compreensão das mensagens transmitidas tanto pelo tex-

to das histórias quanto pelos dese-nhos – que são indissociáveis e se completam nesse tipo de

arte. Segundo a pesquisadora, os elementos que constituem os

quadrinhos, como o letramento, abrem possibilidades de inser-

ção dos produtos da lingua-gem gráfica sequencial nas práticas biblioteconômicas

e pedagógicas atuais. “A leitura de his-tórias em quadrinhos forma leitoras

que gostam de todo o tipo de leitu-ras, com a vantagem de criar tam-

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PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 91

bém uma cultura de leitura infantil e comunidades leitoras de grande abrangência”, observa. “Afinal, é preciso lembrar que a formação do leitor só chega ao amadurecimento se a pessoa gostar de ler. O vínculo emocional é um elemento fundamental. Nesse sentido, as histórias em quadrinhos, além da facilidade de mostrar conteúdos complexos para leitores iniciantes, também amadurecem a relação emocional entre o leitor e sua leitura.”

A pesquisadora destaca que, em um país que muito recentemente deixou de ser predominantemente analfabeto, o primeiro contato de grande parte da população com a leitura se deu nos bancos escolares e nas bibliotecas públicas. “Temos uma geração que, no início do século XXI, foi impulsionada a ingressar num mundo letrado e virtualizado, sem que as vivências leitoras tenham um significado em sua vida real. Somente o prazer e o gosto podem justificar esse esforço para subir os enormes degraus da alfabetização e letramento.” Segundo ela, a lingua-gem híbrida das histórias em quadrinhos, que conjuga texto e imagem na formação dos significados complexos, forma um leitor atento, eclético e proficiente, para a leitura competente de diversas mídias e linguagens, assim como na qualidade da organização das ideias e a formulação de textos escritos, com muita diversão e articulação.

O letramento, prossegue ela, compreende fases evolutivas como pré-requisitos para a formação das habilidades e competências leitoras. Primeiro, a decodificação, que requer a memorização do registro da linguagem escrita e sua reprodução gráfica. Segundo, a de reprodução, repetição e produção própria, que requer a memorização de estruturas mais complexas da linguagem escrita, ao mesmo tempo que o desen-volvimento de habilidades motoras para a reprodução de letras e sinais gráficos, competências linguísticas e articulação de ideias e raciocínios. “A prática da leitura e da escrita como exercícios de reprodução, repetição

92 n julho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 161

e produção, quando bem conduzida, leva à formação de hábitos leitores. Os hábitos, por sua vez, levam ao gosto pela leitura, a parte mais requintada e pessoal do processo de letrar alguém.”

Nesse contexto, as histórias em qua-drinhos contribuem de forma relevante com todas essas fases: auxiliam muito na memorização, estimulam natural-mente a reprodução e produção pró-pria do seu leitor, habituam as crian-ças à leitura e, de forma muito clara, formam o gosto leitor. “Todas essas fases têm em comum o grande esforço mental, sofrimento e comprometimen-to necessário por parte do indivíduo, para o êxito do letramento. Como uma vantagem adicional, preparam o cére-

bro para trabalhar integradamente as amídalas direita e esquerda, já que se utilizam de linguagem híbrida, facili-tando a subjetividade e preparando o cérebro para o pensamento comple-xo.” Em sua opinião, não seria possível compreender o fenômeno da formação do leitor, ou seja, do letramento, sem as vivências sociais nos ambientes nos quais se dá a apropriação social da lei-tura. Nem seria procedente que tivesse obtido o grau de especialista, sem viver e reviver o fenômeno da leitura em sua plenitude. “As histórias em quadrinhos chamam a atenção para os aspectos mais positivos da leitura, tornando o ensino da leitura mais afetivo e voltado para a formação de gosto e personalida-

de do leitor, conforme pude constatar nas minhas entrevistas para a pesquisa, indo muito além das leituras que não poderiam deixar de embasar uma pes-quisa científica.”

O trabalho da Valéria parecia ter colocado uma pedra sobre o pre-conceito de décadas contra os gibis

no Brasil. “A inegável popularidade dos quadrinhos foi, talvez, responsável por uma espécie de desconfiança sobre os efeitos que eles poderiam provocar nos leitores. Já que são um meio de comuni-cação de vasto consumo e com seu con-teúdo voltado para os jovens, as HQs se tornaram, logo cedo, objeto de restrição por parte de pais e professores”, observa Waldomiro Vergueiro, coordenador do Núcleo de Pesquisas em Histórias em Quadrinhos da ECA-USP e organizador do livro Como usar as histórias em qua-drinhos na sala de aula (Editora Con-texto, 160 páginas, R$ 25,00), ao lado de Angela Rama, Alexandre Barbosa, Paulo Ramos e Túlio Vilela. Foi só depois de os quadrinhos ganharem um novo status, em especial na Europa, como forma de arte que o preconceito foi diminuindo e se começou, timidamente, a incluir quadrinhos em materiais didáticos, de início para ilustrar partes das matérias que, antes, eram explicadas por um tex-to escrito. “Houve erros e exageros pela inexperiên cia do uso em ambiente esco-lar, mas as iniciativas contribuíram para refinar esse processo”, afirma Vergueiro. Hoje é muito comum usar quadrinhos para transmitir conteúdo, em especial após a avaliação realizada pelo Minis-tério da Cultura, a partir de meados de 1990. Mais recentemente, o emprego de histórias em quadrinhos na educação

PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 93

é reconhecido pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e pelos Parâmetros Cur-riculares Nacionais (PCN). “Há várias décadas, os quadrinhos fazem parte do cotidiano dos jovens e, assim, a inclu-são desse material na sala de aula não é objeto de qualquer tipo de rejeição por parte dos estudantes que, em geral, o recebem de forma entusiasmada.”

Vergueiro lamenta que haja no Bra-sil e até mesmo no mundo um subapro-veitamento dos quadrinhos nas salas de aula das mais diversas formas – reforço paradidá-tico, estímulo à alfabetização (uma vez que é uma forma de entretenimento) etc. “A interligação do texto com a imagem, que existe nos qua-drinhos, amplia a compreensão de uma forma que qualquer um dos dois códigos, sozinho, não conseguiria atingir.” Segundo o pesquisador, há ainda um des-conhecimento do meio por par-te dos professores, que não lhes possibilita saber o que escolher e como utilizar em aula. “Soma-se a isso o pouco incentivo governa-mental existente para utilização das histórias em quadrinhos, deixando praticamente toda a iniciativa por conta dos professores.”

C omo argumentos para defender a adoção dos quadrinhos no ensi-no, ele destaca a familiaridade dos

alunos com as histórias em quadrinhos e com os elementos de sua linguagem desde os primeiros anos de vida, o fácil acesso aos produtos quadrinhísticos, o baixo custo do material (na banca de jornal) quando comparado a outros meios, a possibilidade de aplicação em virtualmente todas as áreas e disciplinas e a possibilidade de desenvolver estu-dos ou projetos multidisciplinares com histórias em quadrinhos. “Acho que de-vemos ter uma atitude permanente de esclarecimento dos professores quanto às vantagens e possibilidades de utiliza-ção dos gibis em sala de aula.”

Para Vergueiro, isso poderia come-çar na formação dos professores que, quando ainda alunos de graduação, podem e devem ter contato com as his-tórias em quadrinhos como instrumen-to de trabalho de sua futura profissão, familiarizando-se com produções im-

portantes da área e recebendo orien-

tações de como utilizá-las em ambiente didático. “A ideia preconcebida de que os quadrinhos colaboram para afastar as crianças e jovens da leitura de livros e outros materiais já foi refutada por vários estudos. Hoje sabemos que os leitores de quadrinhos são também lei-tores de outros tipos de jornais, revistas etc. A ampliação da familiaridade da leitura de quadrinhos, na sala de au-la, permite que muitos estudantes se abram para a leitura, encontrando me-nos dificuldades para concentrar-se nas leituras que são destinadas ao estudo.” Há quem defenda a importância dos quadrinhos como forma de facilitar o acesso à literatura. “Já cresceu o reco-nhecimento da HQ como recurso pe-dagógico, porém, na escola, instituição que homologa o uso dos quadrinhos como ferramenta de ensino e apren-

dizagem, a concepção que prevalece é aquela que vê nos quadrinhos apenas um recurso auxiliar para aprender, não reconhecendo neles o seu diálo-go com o literário. Há uma carência sobre o quadrinho e as possibilida-des comunicativas que ele oferece”, explica Maria Cristina Xavier de Oliveira, autora da tese de dou-torado A arte dos quadrinhos e o literário, defendida há poucos meses na USP sob orientação de Nelly Novaes Coelho.

“O quadrinho apresenta novas formas de criar textos e de

leitura. É uma arte que, ao contrário do que se pensa, precisa ser apreen-dida e compreendida. O quadrinho é um meio que pode servir a muitos fins, como despertar um olhar criati-vo, o raciocínio rápido, a concatena-ção de ideias, o domínio de técnicas de composição e da exploração visual. Os quadrinhos podem ser um meio de formação de leitores, não passivos, meros receptores, mas ativos, colabo-radores importantes na leitura e na construção de novos textos”, acredita. Quem disse que aquilo que você adora ler é “apenas um gibi”? Com certe-za foi alguém que não participou da Campanha de Desarmamento Infantil, em Recife, onde, em poucas semanas, mais de 500 mil armas de brinquedos foram trocadas por gibis. A pena do quadrinho, com certeza, é mais forte do que a espada ou o revólver. E bem mais gostosa de se ver. n

94 n julho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 161

resenha

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Em 1905, a Companhia Docas de Santos construía uma usina hidre létrica na serra de Santos,

para fornecer energia elétrica para o porto, quando um surto de malária paralisou as obras. Os dois sócios, Cândido Gaf frée e Eduardo Guinle, ambos a fina flor da sociedade da capital, apelaram ao amigo Oswal-do Cruz, então diretor do Institu-to Manguinhos, para ajudá-los. O cientista indicou Carlos Chagas, que conseguiu resolver o problema. A capacidade da ciência em retirar obstáculos ao progresso encantou a dupla de industriais, que resolveu, em gratidão, apoiar a medicina e a ciência. Eram os tempos do “nacio-nalismo sanitário” da belle époque carioca em que combater doenças era símbolo da modernidade, do esforço tropical de erradicar o que havia de atraso no país e permitir que o Brasil construísse a sua na-cionalidade em igualdade com os países do Primeiro Mundo, espelho onde a burguesia da época se via re-fletida. Fora para isso que o prefeito Pereira Passos “botara abaixo” os velhos casarios do centro, erguen-do uma nova cidade nos moldes de Paris.

O livro da historiadora Gisele Sanglard, fruto de sua tese de dou-torado de 2005 pela Casa de Oswal-do Cruz/Fiocruz, reconstitui esse processo de patrocínio privado à ciência na primeira metade do sé-culo XX, em especial na relação entre Carlos Chagas e Guilherme Guinle, sobrinho de Gaffrée e que o substituiu à frente dos negócios após a morte do industrial. Dessa parceria resultou a construção de

hospitais para sifilíticos e cancerosos, na década de 1920, entre outras conquistas. No novo cenário do Rio republicano as elites estavam dispostas a construir uma nova relação com a cidade, lançando mão do mecenato para acabar com a pobreza que “maculava” a capital. A prática tinha tudo a ver com a formação católica nacional e a caridade, só que, com o progresso, foi substituída pelo “mecenato científico”, nascido diretamente do entusiasmo pelas descobertas de Pasteur na França. Se antes era “apropriado” dar dinheiro para os pobres do hospital, no novo século exige-se uma nova postura e, assim, a medicina passa a combater a po-breza por meio do controle das doenças. Ciência e capital industrial se encontraram.

Com a generosidade tão característica das elites ame-ricanas (infelizmente rara em nossa história), a sociedade endinheirada passou a preencher os vazios deixados pe-lo incipiente Estado republicano, resolvendo as questões que aquele não conseguia. Como não podia deixar de ser, esse encontro entre ciência e dinheiro podia ocorrer nos salões elegantes, como os do Jockey Club carioca, onde Guilherme Guinle, que assumiu os negócios familiares com a morte de Gaffrée, e Carlos Chagas se encontravam e discutiam propostas de mecenato para a medicina, no combate seja à sífilis, à lepra, às grandes endemias ou às doenças do sangue, todos projetos caros ao novo diretor de Manguinhos após a morte de Oswaldo Cruz. O que im-pulsionava Guinle era seu desejo de melhorar as condições de vida da raça brasileira. Claro que havia nisso boas doses de eugenismo, a doutrina cara à época, mas quem somos nós para julgar ou atacar as conquistas que seu patrocínio legou à posteridade, como bem colocou o jornalista Chatô em O jornal na série que fez com os mecenas das ciências? Foi graças a eles que muitos pesquisadores conseguiram levar adiante seus trabalhos. O Rio reunia o ambiente, as pessoas e o desejo de construir uma nação a partir das con-quistas modernas, ainda que, na raiz, o que impulsionou esse mecenato tenha sido a tradição caridosa herdada dos tempos da colônia lusitana. No encontro dos salões com o laboratório, do investimento da ciência como regeneradora da sociedade, onde amizades tiveram papel importante, nasceu a medicina brasileira. Bons tempos em que a elite pensava num projeto para o país e preferia gastar seu di-nheiro em hospitais e pesquisas, no espírito de Pasteur, e não no de Louis Vuitton.

Caridade científicaEstudo revela dívida da medicina brasileira com o mecenato de industriais

Entre os salões e o laboratório – Guilherme Guinle, a saúde e a ciência no Rio de Janeiro, 1920-1940

Gisele Sanglard

Editora Fiocruz

304 páginas R$ 38,00

Carlos Haag

livros

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PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 95

Castrati e outros virtuoses

Alberto José Vieira Pacheco Editora Annablume/FAPEsP 354 páginas, R$ 50,00

Alberto Pacheco nos conta em seu livro, que traz um cd-rom com canções e documen-tos, a prática vocal carioca nos tempos em que a família real se transferiu para o Brasil. A contratação de castrati, numa época em que estes desapareciam na Europa, encon-trou um virtuosismo no país, causando grande impacto na música composta, so-bretudo, por marcos Portugal e José mau-rício Nunes Garcia.

Editora Annablume (11) 3812-6764 www.annablume.com.br

Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano

José de souza Martins Editora Contexto 192 páginas, R$ 35,00

A partir de uma ideia de fronteira como lu-gar privilegiado da observação sociológica e do conhecimento sobre os conflitos e difi-culdades próprios de quem vive no limite e no limiar da história, José de Souza martins nos guia em seu estudo sobre as fronteiras étnicas no Brasil, a criança na luta pela terra e pela vida, além de fazer uma reflexão acerca do tempo e do capitalismo de fronteira.

Editora Contexto (11) 3816-0333 www.editoracontexto.com.br

Franceses no Brasil: séculos XIX-XX

Laurent Vidal e Tania Regina de Luca (orgs.) Editora Unesp 488 páginas, R$ 54,00

os imigrantes franceses no Brasil, geralmen-te pouco visíveis diante da presença maciça de outras etnias, é assunto deste trabalho que busca estimular estudos nesse campo. Laurent Vidal e Tania regina organizaram o livro em cinco temáticas que tratam, princi-palmente, sobre as imagens e realidades da imigração, as atividades urbanas e as colô-nias agrícolas, a terra de refúgio e algumas trajetórias e memórias individuais.

Editora unesp (11) 3242-7171 www.editoraunesp.com.br

Comunicação popular escrita

Américo Pellegrini Filho Editora Edusp/FAPEsP 695 páginas, R$ 70,00

Uma pesquisa feita em todo o planeta, Co-municação popular escrita traz um imenso painel do que se produz em grafitagem em 107 países. São 14.014 grafitos nas línguas de origem, com uma classificação inédita e fruto de um trabalho elaborado. com cer-teza, é uma obra de re ferência importante para estudiosos e aficionados.

Edusp (11) 3812-6764 www.edusp.com.br

Força de trabalho e tecnologia no Brasil

Marcio Pochmann Editora Revan 148 páginas, R$ 27,00

o estudo defende que, na primeira década do século XXI, a crise do capital globali-zado permite inaugurar uma nova fase no processo de desenvolvimento nacional. Isso, segundo o autor, exige uma reflexão sobre o avanço da matriz energética renovável do Brasil, já que o país não poderia mais perder-se no que o autor chama de erros do passado.

Editora Revan (21) 2502-7495 www.revan.com.br

História de São Paulo colonial

Maria Beatriz Nizza da silva (org.) Editora Unesp 348 páginas, R$ 48,00

o livro aborda momentos importantes da história da capitania de São Paulo, desde seu período donatorial ao período da res-tauração de sua autonomia e o movimento constitucional. Especialistas com intuito de contar uma história ainda não contada da cidade enfocam questões como a autono-mia das câmaras, o poder do capitão-mor, a presença paulatina da coroa na Justiça e sua intervenção no âmbito financeiro, além de um estudo da demografia e do universo da posse da terra e de escravos.

Editora unesp (11) 3242-7171 www.editoraunesp.com.brfo

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96 n julho DE 2009 n PESQUISA FAPESP 161

ficção...

Campo em branco

Para Julia

N a rodoviária, ele recusou o táxi, a bagagem era pou-ca e a empresa tinha arrumado uma pensão no centro, não deve ser longe. Sumiu pela rua lateral,

de calçamento de pedra e um barulho distante de gente bebendo e falando, as fileiras de casas velhas e iguais faziam os telhados subir iguais, por cima de janelas e sacadas de ferro que se repetiam até o céu, todas iguais. Em menos de meia hora, uma mesma ladeira voltou de novo e de novo (a cidade é pequena, confusa). Econo-mizou dinheiro jantando um misto-quente e no escuro do quarto o ventilador trepida, parece que vai se soltar do teto e cair feito um boeing.

Não muda muito e acontece assim: 1) a visita ao hos-pital da cidade; 2) a falsa apresentação como familiar; 3) o papo informal com o médico; 4) e se tudo corre bem, uma cópia do histórico de consultas e internações do morto. No caso do avô da Raquel foi fácil, o doutor Benaglia nem sequer fez perguntas. Com indiferença, abriu uma gaveta e entregou os documentos que com-provavam a doença cardíaca omitida pelo velho, tudo carimbado, em duas vias – o doutor Benaglia tinha os dedos tortos. Estendeu a mão, pegou os papéis, agra-deceu e antes de sair, tossindo, lembrou da garganta, aproveitou pra falar da garganta, que estava irritada e doendo desde cedo. O médico vasculhou o bolso do jaleco, tirou um bloco desbotado e num garrancho, sem vontade, receitou algo (difícil de ler). Então se despediram. Na rua de novo, tentou não se perder; a casa da Raquel fica na parte antiga, do outro lado. Na passagem estreita, olhou o mapinha, seguiu pelo muro, ouvia um tambor, as vozes pareciam perto, ali, na rua, depois da igreja.

A Raquel perguntou se ele aceitava um café. Na casa, de dois andares e uma árvore cinza na frente, ela e o avô moravam sozinhos. O avô era reitor da universidade, consertava pianos (ou algo assim). Tinha morrido há cerca de um mês. De acordo com o registro 91.937 da seguradora, o velho sofrera uma cirurgia para a retirada de um rim, há três anos. Depois, nada mais. Tinha a saúde perfeita. Mas ela devia saber, não tocou no assunto, devia saber do coração do velho, o avô mentiu para a seguradora, ela provavelmente está mentindo também. A Raquel gesticulava com a coluna inclinada: “O lugar do meu vô era ali, naquela cadeira do canto”. Ela era bonita, usava grampos no cabelo fino e foi abrindo a cortina enquanto falava, “estávamos assistindo um filme na tevê, e acho que fui até o quintal ver por que o cachorro não parava de latir, quando voltei, meu avô estava ali, no chão”, pela janela, na rua, as crianças pulavam, o ar pontilhado de confetes, “demoraram pra chegar do hospital e abracei o corpo, o rosto, as mãos. Porque aquilo ali era meu vô, mas já não era, entende?” Ela parou. Ele apoiou a pasta sobre a mesa, a mão no braço dela: estou aqui pra te ajudar (lá fora, as crianças apostavam corrida, faziam guerra), tossiu e tirou a papelada: vou estar agilizando o processo, o dinheiro deve chegar em um mês, no máximo dois. O que precisava era da assina-tura dela, e tossiu: a caneta, disse, e apontou o campo em branco.

Vai chover e choveu. Apesar disso o calor seguia forte. Sem camisa, deitado na cama, ele prestava atenção nas turbulências do ventilador, nas hélices que trepi-davam, afundavam e pareciam rir (de soluçar), da sua

Emilio Fraia

PESQUISA FAPESP 161 n julho DE 2009 n 97

magreza provavelmente. Rangiam, como se fossem des-pencar, dividindo-o em dois – e nenhum daqueles seria ele. Quis mais de uma vez avisar o rapaz da recepção, mas teve preguiça. Estava cansado. A luz pálida dos primeiros postes se acendeu e pela vidraça um finzinho de sol pingava no vão antes da noite, sua última na cidade. A chuva foi passando, passando. Pensou em tomar banho, talvez dar uma volta.

Chapéus pontudos, cabeças de ave, de caveira, Neros e Césares, o bloco do rabanete, um corso de nuvens, de mulheres-fantasma, sereias, princesas e piratas, came-leiros e sufis, uma cortina de garoa morna– a Raquel. Forçou a vista, era ela; o batuque cresceu e a Raquel, ele tentava segui-la entre ombros, por cima de um casa-co desbotado; ela surgia borrada, duplicava-se, depois sumia. Acendia, apagava. Não entravam em acordo, a Raquel que – os tambores, aquele amontoado de relâm-pagos a carregou. Ele forçou na direção oposta, porque de repente também era empurrado pra dentro e dentro lideravam a correnteza um estandarte prateado e um homem vestido de touro com chifres de dois andares parecendo um ciclone que aumentava rodopiando, rodopiando, rodopi–

Sentiu um puxão no braço. Quase morreu de susto e a Raquel riu (a franja na testa, os olhos escuros de sombra), tentou falar e precisou berrar porque todo um clarão de conexões, batidas, vozes, trombones, mulheres de bigode, homens de saia, os encurralava (confuso e impossível de explicar assim, aqui, desse jeito). Ela dis-se, tentou dizer, que uma amiga, acho que se chamava Marina, Maria, ou não era nada disso também, estava dando uma festa e que – alguém gritou e ele não en-

tendeu, mas ela falou alguma coisa como ter sido legal conhecer você, que a amiga, a festa, vamos com a gente, e obrigada por tudo, obrigada mesmo.

Estava quase amanhecendo quando na frente da casa da Marta ele se despediu da Raquel. Desceu uma ladeira, e a noite voltava – a competição de vinho ruim na cozinha, a história sobre um homem que convertia leões ao cristianismo, a Raquel dançando, girando, pessoas falando ao mesmo tempo, quase que, você tem um cigarro?, quer dizer a, quando eu era criança, isso, discutindo, não dá pra saber, outra cidade, sem nenhuma razão, a Raquel descobrindo comigo o telha-do, deve ser, ou ele sim, só meu pai que, minha mão no meio das coxas dela, e no fim nós, é, claro, não tinha ninguém, nada, ninguém. Desceu uma ladeira, duas, se apressou. Nas calçadas, restavam os bêbados e no lugar dos piratas e índios, a carcaça de uma poltrona velha jogada no meio da rua. Pensou em ligar para casa, não aparecer na empresa. Tomar um banho, talvez dar uma volta. Ou simplesmente ficar assim, aqui, deitado no quarto, as mãos por trás da cabeça, olhando pra cima – a competição de vinho ruim, o homem que convertia os leões, a Raquel dançando, girando, des-cobrindo comigo o telhado. As coxas, o vestido curto. Tudo de contornos imprecisos, girando: um tipo de mancha. Apagada, mortificada, embranque – ele tossiu, e a garganta, o ventilador acabava com ela.

mo

Emilio Fraia é jornalista, co-autor com Vanessa Barbara de O verão do Chibo (Alfaguara, 2008) e colabora com as revistas Trip e piauí.

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