Cesário Verde - Num bairro moderno

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“CESÁRIO VERDE. UM GÉNIO IGNORADO” Num Bairro Moderno

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Análise do poema "Num Bairro Moderno" de Cesário Verde, por Rita Andrade.

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“CESÁRIO VERDE.

UM GÉNIO IGNORADO”

Num Bairro Moderno

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NUM BAIRRO MODERNO (EST. I-III)

Dez horas da manhã; os transparentes Matizam uma casa apalaçada; 

Pelos jardins estancam-se as nascentes, E fere a vista, com brancuras quentes, 

A larga macadamizada.   

Rez-de-chaussé repousam sossegados, Abriram-se, nalguns, as persianas, 

E dum ou doutro, em quartos estucados, Ou entre a rama dos papéis pintados, Reluzem, num almoço as porcelanas. 

  Como é saudável ter o seu conchego, 

E a sua vida fácil! Eu descia, Sem muita pressa, para o meu emprego, 

Aonde agora quase sempre chego Com as tonturas duma apoplexia. 

Como uma câmara vai focando todos os pormenores do espaço interior e mesmo as referências ao espaço exterior, que sugerem o bem-estar, o conforto, que se vivia, num bairro moderno e burguês.Cesário comunga também neste bem-estar, é um homem que vive neste conforto.

Este confronto é explicitado por um comentário pessoal.

Cujas persianas se abrem, possibilitando-nos a contemplação do seu interior.

Tom deambulatório.

É muito mais chique dizer em francês. Confere-lhe outro estatuto.

Suspensão súbita, completa ou incompleta do movimento e da sensação.

Sinestesia.

Hipálage.

Hipálage.

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NUM BAIRRO MODERNO (EST. IV-V)

E rota, pequenina, azafamada, Notei de costas uma rapariga, 

Que no xadrez marmóreo duma escada, Como um retalho de horta aglomerada, 

Pousara, ajoelhando, a sua giga.   

E eu, apesar do sol, examinei-a; Pôs-se de pé; ressoam-lhe os tamancos; 

E abre-se-lhe o algodão azul da meia, Se ela se curva, esguedelhada, feia 

E pendurando os seus bracinhos brancos.   

Do patamar responde-lhe um criado: "Se te convém, despacha; não converses. Eu não dou mais." E muito descansado, 

Atira um cobre ignóbil oxidado, Que vem bater nas faces duns alperces.

O uso do diminutivo –

fragilidade implícita. Contraste visual entre o branco, o negro e o colorido das frutas.

Refere-se à vendedeira como se o seu olhar se fixa-se numa imagem, destacando o que o impressiona, visualmente.Impressiona-lhe a vendedeira frágil obrigada a um trabalho pesado. As características indiciam e reiteram uma ideia de debilidade, fragilidade que acentua o peso da opressão de que é vítima.

Tom altivo.

Crítica à desigualdade e à injustiça social.

O motivo do olhar domina a composição. São elementos lexicais que confirmam a importância que a percepção visual detém no poema.

O som vem completar todo este quadro.

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NUM BAIRRO MODERNO (EST. VI-VII)

Subitamente - que visão de artista! - Se eu transformasse os simples vegetais, 

À luz do Sol, o intenso colorista; Num ser humano que se mova e exista 

Cheio de belas proporções carnais?!   

 Bóiam aromas, fumos de cozinha; Com o cabaz às costas, e vergando, Sobem padeiros, claros de farinha; 

E às portas, uma ou outra campainha Toca, frenética, de vez em quando. 

  E eu recompunha, por anatomia, 

Um novo corpo orgânico, aos bocados. Achava os tons e as formas. Descobria 

Uma cabeça numa melancia, E nuns repolhos seios injectados. 

A sinestesia aparece como motor de sensações, transmitindo a visão impressionista da realidade.

O “eu” lírico.

(Olfacto)

(Visão)

Gente do povo que contrasta com a imagem elegante, requintada do bairro burguês.

Tipos sociais característicos do espaço urbano descrito.

(Audição)

Pretérito imperfeito – um percurso entre o acto de imaginar (de recompor a realidade) e a existência do real.

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NUM BAIRRO MODERNO (EST. XIV-XV)

Eu acerquei-me dela, sem desprezo;E, pelas duas asas a quebrar, 

Nós levantámos todo aquele peso Que ao chão de pedra resistia preso, Com um enorme esforço muscular. 

(...)   

E pitoresca e audaz, na sua chita, O peito erguido, os pulsos nas ilhargas, Duma desgraça alegre que me incita, 

Ela apregoa, magra, enfezadita, As suas couves repolhudas, largas. 

A forte consciência da injustiça e de opressão, que parece ser exclusiva do poeta, pois a regateira enfrenta-o com coragem e alegria.

Auxilia a regateira, comungando com ela um mesmo esforço e tornando-se como que solidário da sua condição.

Fica contagiado com a força interior da vendedeira.

Apesar de feia, desprezada,… é por ela que o poeta nutre

simpatia.

A expressividade dos verbos, das expressões que acompanham os seus movimentos.

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FORMA DO POEMA

Co/mo é /sau/dá/vel/ ter/ o/ seu/ con/che/go, E a sua vida fácil! Eu descia, 

Sem muita pressa, para o meu emprego, Aonde agora quase sempre chego Com as tonturas duma apoplexia. 

2º e 4º verso – rima interpolada.

1º e 3º verso – rima cruzada.

2º e 3º - rima emparelhada.

Estrofes: 16 quintilhas.Sílaba métrica: Versos decassilábicos – 10 sílabas métricas.

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SÍNTESE DAS CARACTERÍSTICAS LITERÁRIO-ESTILÍSTICAS DE CESÁRIO VERDE

Poetização do real

A mulher em Cesário Verde

Linguagem e EstiloA poética literária

A dicotomia cidade/campo