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Uma Revolução do Coração A espiritualidade de Marcelino e uma identidade contemporânea para os Irmãozinhos de Maria Irmão Seán D. Sammon, FMS Superior Geral Institute of the Marist Brothers Volume XXXI, n.° 1 6 de junho de 2003 CIRCULAR

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Uma Revolução do CoraçãoA espiritualidade de Marcelino e uma identidade contemporânea para os Irmãozinhos de Maria

Irmão Seán D. Sammon, FMSSuperior Geral

Institute of the Marist BrothersVolume XXXI, n.° 16 de junho de 2003

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SUMÁRIO

Filhos de uma nova estação 5

Introdução 7

Parte IA importância dos contextos 15

Parte II Considerações sobre identidade 29

Parte III A espiritualidade de Marcelino 41e uma identidade contemporânea para os Irmãozinhos de Maria

Referências 78

Agradecimentos 79

Seán D. Sammon SGUma Revolução do Coração. A espiritualidade de Marcelino e uma identidadecontemporânea para os Irmãozinhos de Maria.Circulares do Superior Geral dos Irmãos MaristasVolume XXXI – n.º 130 de junho de 2003

Título original inglês:A Revolution of the Heart. Marcellin’s spirituality and a contemporary iden-tity for his Little Brothers of Mary.

Tradução:Ricardo Tescarolo

Editor:Instituto dos Irmãos MaristasCasa GeralRoma, ITÁLIA

Redação e Administração:Irmãos MaristasPiazzale Marcelino Champagnat, 200144 Roma, ITÁLIATel. (39) 06 545171Fax. (39) 06 [email protected] www.champagnat.org

Diagramação e Fotolitos:TIPOCROM S.R.L.Via G.G. Arrivabene, 2400159 Roma, ITÁLIA

Impressão:C.S.C. GRAFICA, S.R.L.Via G.G. Arrivabene, 2400159 Roma, ITÁLIA

Fotografia:Lluís Serra fms

Foto da capa:Comunicando a luzReunião do Conselho Geral ampliadoCochabamba, 31 de maio de 2003.

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FILHOS DE UMA NOVA ESTAÇÃO

III

No adeus da calma do verão,céus e chuvas excessivosconfinam e definem a jornada.Nossos passos superam espaços, subjugados pelo silêncio. Folhas arrebatadas e juncos agitados pela palidez do sol:o outono já vai pelo meio, fim do tempo.

Onde está o veículo de fogo,a carruagem ardente há tanto prometidae tão pacientemente esperada?A mensagem jaz na pátria antiga das encruzilhadas onde as portas se oferecem e se recusam:a escolha fica entre uma instantânea autonomia– raízes retorcidas de uma terra ordinária – e o vazio estranho e escuroem que o homem perscruta o mistério da vidamovendo-se e ecoando nas trilhas comunsde um chão comum.

Que caminho seguir?Por onde as trilhas se desfazeme as certezas da viagem e da buscaabandonam mapas e sentidos.Além das nuvens?Acelerem o passo sem demora:o ar é rarefeito e gélidoe a força que nos impulsiona,nos detém.

Catherine de Vinck1

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FRATELLI MARISTI

6 de junho de 2003Festa de São Marcelino Champagnat

Caríssimos Irmãos,

A presente Circular, intitulada Uma Revolução do Co-ração, é a primeira de uma série que pretendo publicarao longo dos próximos anos. Ela propõe uma reflexãosobre o lugar primordial que a espiritualidade de Mar-celino deve ocupar na identidade de seus Irmãozinhosde Maria hoje.

Duas razões justificam a escolha desse tema. Uma é aconstatação de que é preciso urgentemente formar umaidentidade renovada e arrojada para nosso Instituto eque nos persegue desde o final do Concílio Vaticano II.

A outra é a certeza de que, no alvorecer desse novoséculo, temos à disposição, não apenas a vontade de en-frentar esse desafio de repensar a identidade do Institu-to, mas também os instrumentos necessários para em-preender tal ação. E, de fato, já não é sem tempo, poisqualquer ordem religiosa digna dessa denominação as-sume a obrigação de oferecer a seus membros um mo-do especial de seguimento do Senhor, uma visão inefá-vel de autotranscendência.

Nesse contexto, as histórias de Marcelino e dos primei-ros Irmãos revestem-se de especial importância, pois nosencorajam, vocês e eu, a viver tão pobre, obediente e cas-tamente quanto possível. Além disso, ajudam-nos a com-preender, com gratidão, que nossa vida de Irmãozinhos de

Qualquer ordem religiosa

digna dessadenominação

assume a obrigação de oferecer

a seus membrosum modo

especial de seguimento

do Senhor, uma visão

inefável de auto-

transcendência.

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confirmar o relato das mulheres de que Jesus de fatoaparecera, fato é que, ao chegar à porta do túmulo e an-tes de entrar, respeitosamente aguardou a chegada dodiscípulo mais velho. A vida religiosa tem um papel se-melhante a desempenhar. Significa correr à frente daIgreja, mas esperando, quando necessário, para quepossa nos alcançar.

Ao emitir os votos, passamos a ser testemunhas damissão de Jesus de um modo revolucionário. Em pala-vras e atos, e com consciência reflexiva, devemos cha-mar a atenção da Igreja sobre a essência de sua identi-dade. Assumimos como ideal a responsabilidade decontribuir para que a Igreja nunca se esqueça o que é,tampouco o que deseja e deve ser.

Sejamos, pois, honestos, meus Irmãos: não é possí-vel dar o que não temos. Por acaso há algum sentidoem fazermos recomendações aos outros das quais nósmesmos não nos convencemos? A Igreja lutou duran-te todo o último meio século para desarmar as arma-dilhas históricas que interferiam em sua capacidadede proclamar a Palavra de Deus de maneira a atingiro coração das pessoas. Não podemos demonstrar me-nos coragem ao enfrentarmos os pontos críticos queemergem nesse momento da história dos Irmãozinhosde Maria.

O que acontecerá, porém, se não conseguirmos en-contrar respostas honestas e coerentes às perguntas“Quem somos nós” e “O que mais almejamos na vi-da”, perdendo assim a oportunidade de construiruma identidade vigorosa e arrojada para nosso Insti-tuto? Ao invés de avançarmos com entusiasmo e dire-ção, corremos o risco de caminhar sem rumo. Por ou-tro lado, uma identidade bem explicada, compreendi-da e assumida nos integrará como grupo, reanimaránossas energias e propiciará a renovação de nossocompromisso.

Maria nos torna mais – e não menos – livres. Que melhormotivo para acolher nossas tradições e promover a histó-ria de vida de Marcelino e de outros santos entre nós?

A MISSÃO: NO CENTRODE NOSSA IDENTIDADE ECLESIAL

É importante mencionar aqui outra razão que fun-damenta a escolha da identidade como tema. Ela se re-laciona à Igreja e sua missão, bem como a nosso papelde religiosos no exercício do apostolado como serviçonão-sacramental nessas duas instâncias. Assumimos umprotagonismo profético quando, professando os con-selhos evangélicos, prometemos viver o compromissobatismal de um modo radical.

Permito-me aqui uma explicação.

Missão não é apenas uma das muitas atividades denossa Igreja, mas constitui sua própria razão de ser. Partede nossa tarefa é manter essa identidade ‘visível e central’na mente da Igreja. Fazemos isso recordando todas as in-tervenções salvíficas de Deus no passado, a necessidadeque todos temos hoje de uma transformação fundamen-tal de coração e a responsabilidade que assumimos deconstruir a comunidade humana hoje e nos tempos quese projetam no futuro, conforme a promessa de Deus.

A cena de Pedro e João correndo em direção ao tú-mulo de Jesus na Páscoa, reproduzida no quadro deEugène Burnand2 tem sido algumas vezes usada parailustrar o relacionamento entre as pessoas inseridas navida consagrada e a Igreja como um todo. A história ébem conhecida: João correu à frente e atingiu a entra-da do túmulo antes de Pedro.

Seja porque a pressa de João resultasse de sua impa-ciência pela lentidão de Pedro ou de seu anseio para Um

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à disposição do Instituto e de suas muitas Províncias eDistritos não permanecerão abertas indefinidamente.Em verdade, sem uma ação decisiva e arrojada de nos-sa parte, algumas delas logo se fecharão.

O SENTIDO DA CIRCULAR

Nossa identidade como grupo e o lugar que a espiri-tualidade de Marcelino deve ocupar na identidade doInstituto são temas importantes, direta ou indiretamen-te tratados pelo 20.º Capítulo Geral. Foram tambémabordados no trabalho do Conselho Geral e em muitosdos retiros realizados mais recentemente, assim comoem algumas etapas das visitas da Administração Geralàs Províncias e Distritos. Não devem constituir surpre-sa, portanto. Afinal, a identidade, com a espiritualidadede Marcelino nela implícita, representa o elemento de-cisivo em nossa vida de Irmãozinhos de Maria.

O desafio descrito aqui, porém, supera tudo o queenfrentamos em tempos mais recentes nos programasde planejamento pastoral ou em outros instrumentosúteis para a promoção do trabalho de renovação. Porisso, ao empreender essa reflexão, deixaremos de ladoas preocupações organizacionais, por mais importan-tes que possam parecer, para nos ater às questões decaráter fundacional.

Se conseguirmos responder ao questionamento es-piritual inscrito no cerne de nossa identidade – “Aquem ou a que entregamos nossos corações?” – tudoo mais referente ao processo de renovação terá senti-do: a imagem contemporânea de Maria, o desejo deabraçar a opção preferencial pelos pobres à qual so-mos chamados, o discernimento quanto à natureza eforma de nosso apostolado e da vida em comunidadee o imediato reconhecimento dos Montagnes de hoje,entre outros.

O MESMO DESAFIO PARA TODOS?

O desafio de abordar os aspectos da identidade eda espiritualidade de Marcelino será o mesmo para to-dos no Instituto? Não, com certeza. Há Províncias eDistritos hoje cujos membros tomaram a iniciativa deempreender a tarefa da renovação. O processo de re-estruturação também contribuiu nesse sentido. Umadimensão importante desse esforço que atinge todo oInstituto para lhe propiciar mais vitalidade e viabili-dade é a da espiritualidade que, no entanto, muitas ve-zes se negligenciou. O Mistério Pascal constitui a con-vicção fundamental de nossa fé e o núcleo do exigen-te trabalho de reestruturação. Sempre ocorre um len-to e doloroso processo de morte para o velho antes dese vislumbrar, com os olhos da fé, os primeiros raiosfulgurantes de uma nova aurora de Páscoa.

Entretanto, Irmãos de algumas Províncias e Distri-tos não têm demonstrado tanto entusiasmo em suaresposta aos apelos da renovação. Temem a mudança,pois freqüentemente a relacionam a perda e confusão.E, de fato, esse é seu aparente resultado imediato. Amudança, contudo, é uma primeira etapa necessáriaem qualquer processo de transformação.

Finalmente, eu não seria sincero se não comparti-lhasse uma preocupação: a urgência de enfrentarmosas questões da nossa identidade e da espiritualidadede Marcelino em algumas de nossas unidades admi-nistrativas. A recusa facilmente se instala em um gru-po com medo da mudança, e os efeitos dessa culturade negação podem ser fatais em longo prazo.

Sou muito otimista em relação à vida religiosa e seufuturo, e em especial a nosso Instituto. O mesmoacontece no que se refere a nosso modo de vida e nos-sa missão. Entretanto, também acredito que as janelasda oportunidade que Deus tem ultimamente colocado Um

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As distinçõesexistentes

entre os conceitos de mudança

e detransformação

são muitas.

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começavam sua caminhada durante o período de reali-zação desse Concílio, enquanto outros ainda, só anosdepois de sua conclusão.

UMA LIÇÃO DE HISTÓRIA

A História pode ser um sábio professor, se formosalunos aplicados. Após os períodos de mudança etransformação na história da vida consagrada, três ele-mentos sempre parecem permanecer: a oração, a co-munidade e o apostolado. Podem se apresentar sobnovas formas, mas de algum modo esperamos que es-ses três elementos sempre estejam incluídos, não im-porta o modelo de vida reconhecido como religioso.

Encontramos, em nosso legado, as condições e osrecursos para enfrentar o desafio de repensar a vidaem comunidade, o modo de louvar o Senhor e nossoapostolado, desde que desenvolvamos o hábito da ora-ção, a capacidade de ouvir e a disposição para agircom coragem e determinação.

No entanto, a simples e freqüente dificuldade deprestar atenção no outro condiciona de forma muitoespecial qualquer processo que vise à renovação denosso modo de vida. Deve, por isso, constituir umadas prioridades em nossa convivência. O desenvolvi-mento dessa capacidade permitirá que cuidemos paranão nos cercar apenas de pessoas que sempre concor-dam com nossos pontos de vista ou para não ler so-mente aqueles autores que concordam com nossasopiniões e visão de mundo.

De fato, seria muito mais fácil não precisar escolherentre posições diferentes. Se quisermos, porém, atin-gir uma nova compreensão do Instituto e de sua mis-são, não podemos fazer apenas o que é fácil, mas simo que é certo.

TRÊS ASPECTOS IMPORTANTES

Irmãos, no início dessa tarefa de repensar a identi-dade do Instituto, tenhamos em mente três aspectos.

O primeiro é o reconhecimento que, para atingirnossa meta, nossos corações devem estar abertos à mu-dança mas, ao mesmo tempo, precisam absorver a me-lhor herança do passado. Uma renovação genuína ja-mais o descarta, ainda que procure libertá-lo das arma-dilhas da história.

O segundo refere-se às distinções existentes entre osconceitos de mudança e de transformação, que sãomuitas. Enquanto mudança sugere um caráter episódi-co, transformação constitui um processo que implicacontinuidade, propiciando a oportunidade para umajuste psicológico e espiritual a circunstâncias emer-gentes. Por exemplo, ao introduzir um programa deexercícios físicos em minha rotina diária, promovo umamudança em minha vida. No entanto, a transformaçãoresultante de tal programa freqüentemente só é visívelalgum tempo depois, quando a perda de peso e a me-lhora geral na qualidade de vida tornam-se evidentestanto para mim quanto para os outros.

O terceiro é a constatação que a peregrinação pelarenovação que o Instituto empreende está sendo parti-lhada por três gerações de Irmãos, pelo menos. Cadauma representa uma experiência singular de nossa Igre-ja e do mundo. Deixar de levar isso em conta pode cau-sar confusão e uma interpretação equivocada dos sinaisdos tempos.

Discutiremos adiante com mais profundidade as di-ferenças observadas entre as diversas gerações que con-vivem no Instituto. Por ora, entretanto, cumpre recor-dar que alguns Irmãos tiveram sua primeira experiênciade vida religiosa Marista antes do Vaticano II, outros Um

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A simples e freqüentedificuldade de prestar

atenção no outro

condiciona de forma

muito especialqualquer

processo quevise à renovação

de nosso modo de vida.

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PARTE IA importância dos contextos

U ma professora da educação infantil deu a seusalunos uma hora para que desenhassem algumacoisa de sua livre escolha como recompensa por

sua aplicação. As crianças se encantaram com a suges-tão, rapidamente tomaram de papel e lápis de cor e pu-seram-se a desenhar.

À medida que o tempo passava, crescia na professoraa curiosidade para saber o resultado. Passou, então, aandar pela sala acompanhando a produção dos alunos.

Ao observar uma garotinha chamada Luísa, contudo, aprofessora ficou desconcertada. Embora a criança esti-vesse o tempo todo trabalhando diligentemente, a edu-cadora não conseguia distinguir o que a menina estavadesenhando. Perguntou-lhe, então, o que aquele dese-nho representava.

“Estou desenhando Deus,” respondeu a menina. Aprofessora, muito surpresa, comentou: “Querida, es-se é um projeto muito ambicioso. Ninguém sabe co-mo Deus se parece.” Sem desviar os olhos do dese-nho, nem vacilar em seu traçado, a pequena Luísa re-

UM ESCLARECIMENTO

Em nome da simplicidade de estilo e de foco, dirijoa Circular aos meus Irmãos no Instituto. Entendo, to-davia, que muitos de nossos parceiros leigos podem es-tar igualmente interessados nessa mensagem, e não pre-tendo excluí-los. Irmãos, sintam-se à vontade para par-tilhar essa carta com os leigos, em seu Distrito, Provín-cia ou região, bem como para incluí-los nos debates so-bre seu conteúdo. Observem que as ‘perguntas para re-flexão’ propostas ao final de cada parte são adequadaspara os diferentes grupos e realidades locais.

UM COMENTÁRIO FINAL SOBRE A CIRCULAR

O texto se divide em três partes, cada uma seguidade uma série de ‘perguntas para reflexão’. A Circularpretende ajudar a partilhar intuições e experiências erefletir sobre o tema focalizado: você e eu, os Irmãos in-tegrados na comunidade e no apostolado, juntos comnossos parceiros leigos – enfim, todos nós. Isso dito,passemos em seguida à história que permitirá compor ocontexto no qual inseriremos a reflexão sobre a espiri-tualidade de Marcelino e a identidade de seus Irmão-zinhos de Maria.

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muitas pessoas que também abrimos mão de diversascoisas que a maioria delas espera ter: esposa, dinheiro,com o poder de administrá-lo, além de autonomia pa-ra tomar certas decisões.

Os tempos, porém, mudaram. Aqueles sinais externosque chegaram a tornar clara e compreensível a identi-dade de nosso modo de vida – como a batina, a rezadiária do terço nas aulas com os alunos ou mesmo umapostolado comum em uma Província ou Distrito – emmuitos lugares não são mais visíveis. Continuamos, adespeito disso, a esperar a manifestação de novos sinaisque poderiam servir para substituir aqueles que des-apareceram. Resultado disso? Para algumas pessoas, emmuitas partes onde o Instituto se encontra, o sentido denossa vida hoje como Irmãos já não é tão nítido, che-gando mesmo a ser confuso.

Acrescente-se a essa incerteza quanto à identidade, o fatode nos empenharmos, nesses últimos quarenta anos, emconvencer nossos pares na Igreja de que a vida de Irmãonão é melhor que qualquer outra forma de viver o Evan-gelho. Ao mesmo tempo, não conseguimos demonstrarde que modo nossa vida seria especial e marcante.

Atualmente, em alguns lugares, o aumento de nossoconsumismo, em contraste com o simples e quase aus-tero estilo de vida que nos marcavam no passado, e osrelatos de abuso sexual de crianças por parte de algunsde nossos irmãos compreensivelmente provocaram naspessoas sérios questionamentos sobre a qualidade e ofuturo da vida consagrada em geral, e da nossa vida deIrmãos em particular.

Por isso, muitos Irmãos vêm se dedicando, desde o Va-ticano II, a resgatar nossa caminhada na vida religiosa.Há quase quarenta anos estamos à procura de umaidentidade renovada e audaciosa que substitua aquelaque se perdeu durante o Concílio.

trucou: “Só mais um pouquinho e todo mundo logosaberá!”

Essa é uma expressão de absoluta confiança e certeza.Pois é com tal convicção que deveríamos hoje falar denossa identidade de Irmãozinhos de Maria e da espi-ritualidade que herdamos de Marcelino Champagnat.

Um olhar retrospectivo nos leva a reconhecer que,desde o Vaticano II, a verdadeira crise que afetou nos-so Instituto, além de outros, não é apenas uma apa-rente falta de vocações em algumas regiões do mundo.Não, a crise que atingiu tantas ordens religiosas du-rante as últimas quatro décadas é de identidade e es-piritualidade.

Tal constatação nos faz pensar. Enquanto os padres con-ciliares do Vaticano II enfrentavam o desafio necessárioe urgente de definir o verdadeiro lugar dos leigos naIgreja, não foram tão bem sucedidos em sua tentativa deredefinir a natureza e a finalidade da vida religiosa.

Com o passar do tempo, poucos entre nós conservamainda vivos na memória esse histórico Concílio e o es-pírito de esperança com que inflamou nossa Igreja.Entretanto, quem de nós ainda se recorda, sabe quenossa identidade de Irmãozinhos de Maria pareciamuito mais clara no início do Concílio do que hojeem dia.

Há quarenta anos, por exemplo, em muitos dos paísesem que servíamos, muitos jovens conseguiam pelo me-nos nos distinguir como Irmãos. Embora sem ter ple-no conhecimento do cotidiano da vida religiosa, cer-tamente nos reconheciam como pessoas especiais e,de maneira geral, observavam que nossa vida era sim-ples, pobre e de evidente renúncia. A promessa de vi-ver as orientações evangélicas de um modo especial –ou mais intenso, diriam alguns – significa aos olhos de Um

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As respostas a essas perguntas são muito importantes,pois a energia que nos dispomos a empregar e os riscosa enfrentar durante os próximos anos serão determina-dos, em grande parte, por elas.

Segundo – e igualmente desconfortável: Estamos,você e eu, de fato comprometidos com o sonho e o ca-risma de Marcelino Champagnat e estamos dispostosa dedicar uma parcela importante de nosso tempo enossa energia para realizá-los e assim atender às ne-cessidades de nosso tempo? Nesse caso, se a respostada maioria for negativa, tanto em palavras como ematos, significará que não precisamos nos preocuparcom o futuro do Instituto. Muito provavelmente, elenão irá mais longe do que a atual geração.

Em seu livro Alice no País das Maravilhas, o autorLewis Carroll relata o encontro de Alice com o gatoCheshire. Chegando a uma encruzilhada, e vendo o ga-to em cima de uma árvore, perguntou-lhe: “Que ca-minho devo seguir?” O gato respondeu com outra per-gunta: “Para onde você quer ir?” “Não sei”, disse Ali-ce. “Então,” retrucou o gato, “pouco importa que ca-minho você tome.”

Tampouco para nós importará o caminho a seguir, senão fizermos as escolhas imprescindíveis para a forma-ção de uma identidade renovada e arrojada para o Ins-tituto e não nos dedicarmos com afinco à tarefa de re-novar nosso modo de vida no futuro.

Só assim ganharemos coragem, pois entre as con-gregações que viveram um ou mais renascimentos du-rante o curso de sua história, a presença de uma visãoinspiradora guiando o grupo, algumas vozes proféticasentre seus membros e um espírito de esperança visívelem suas lideranças encheram os envolvidos da cora-gem que precisavam para responder generosamente atrês desafios:

Estamos, porém, distantes de atingir nosso objetivo. Apreocupação com o estado da vida religiosa é tal em al-gumas partes do mundo hoje que Timothy Radcliffe,OP, antigo Mestre (Superior) Geral da Ordem dos Pre-gadores, compara-nos a ferreiros em um mundo de au-tomóveis totalmente desorientados à procura de algu-ma utilidade para sua profissão.

UMA NOTÍCIA DESENCORAJADORA?

Em que pesem esses fatos, não devemos perder acoragem. O historiador da Igreja, John Padberg, SJ,3comenta que a vida religiosa atravessou, nos últimos450 anos no mundo ocidental, três grandes períodosde turbulência. O primeiro ocorreu na Reforma Pro-testante; o segundo, na época da revolução Francesa;e o terceiro, mais recente, durante os anos seguintesao Vaticano II.

Serve também de algum consolo o fato que a histó-ria da vida consagrada sempre esteve longe da estabi-lidade, a despeito das descrições de uma evoluçãopretensamente bem ordenada da vida religiosa desdeo tempo de Maria do Egito e Antonio do Deserto atéhoje. Ainda que queiramos admitir o contrário, osprocessos de transformação são sempre vacilantes,confusos e críticos.

AFINAL, TEMOS FUTURO?

Antes de prosseguir, no entanto, faremos uma brevepausa para nos propor alguns questionamentos incô-modos. Primeiro: Acreditamos, você e eu, que é possí-vel uma renovação de nosso modo de vida? Acredita-mos sinceramente que os Irmãozinhos de Maria têm fu-turo, em razão (ou apesar) das mudanças ocorridas nosúltimos quarenta anos e das perdas delas decorrentes? Um

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UMA TAREFA COMPLEXA

Devemos admitir, entretanto, que nosso trabalho derenovação se torna mais complicado em razão de de-terminadas características da época atual e da diversi-dade de gerações que convivem no Instituto hoje. Opresente momento da história, geralmente denomina-do pós-modernidade, é marcado pela consciência cadavez maior da extrema necessidade de uma imagemmais crível e renovada de Deus. Na abertura do 20.ºCapítulo Geral, Benito referiu-se a essa situação con-fusa como uma “forte crise de fé”.4

Sabemos que a realidade em que vivemos não ga-rante a fé. Foi-se o tempo em que era possível contarcom a possibilidade de viver em uma cultura cristã ourodeado de pessoas fervorosas. Pode mesmo ocorrerque alguns Irmãos, desejosos de seguirem uma vida vi-brante de fé, não encontrem apoio nem mesmo emnossas comunidades.

No alvorecer do novo milênio, muitos Irmãos des-ejam que Deus habite o centro de suas vidas. Um Deuscom quem facilmente se identifiquem e que garantaprofundidade de sentido a suas existências, respon-dendo a suas preocupações mais urgentes. Um Deusem Quem possam depositar os anseios de renovaçãoda espiritualidade e de construção de uma vida de ora-ção pessoal e em comunidade.

Um outro fato – menos óbvio, mas não menos in-quietante – foi a extraordinária quantidade de mudan-ças imposta às pessoas em muitas nações em desenvol-vimento. Com pouco ou nenhum controle sobre tal si-tuação, viram-se repentinamente diante da necessidadede enfrentar essas mudanças no intervalo de apenasuma ou duas gerações, quando nos países desenvolvi-dos esse tempo abrangeu cinco ou seis gerações. Naperspectiva humana e espiritual, o resultado foi muitas

• Iniciar uma transformação tão profunda de coraçãoque renove nossa vida de fé e nos leve a uma centra-lidade maior em Jesus Cristo.

• Redescobrir o carisma fundacional do Instituto,emaranhado nas armadilhas da história.

• Encontrar uma resposta transformadora aos sinaisdos tempos.

Creio sinceramente que, realizando essas três tare-fas, descobriremos que a espiritualidade de MarcelinoChampagnat integra o núcleo de qualquer identidadeflorescente e audaciosa para os Irmãozinhos de Maria.É evidente que o jeito de Marcelino se dirigir a Deusimplicará a adoção, hoje, de uma face do século XXI, enão aquela do século XIX. Entretanto, as atitudes eorientações que vierem a se manifestar serão, em sua es-sência, as mesmas que serviram de referência ao itine-rário espiritual do Fundador.

Uma advertência antes de prosseguirmos. Algunsmodelos que nos fizeram vibrar no passado podem vol-tar a nos seduzir em períodos de incerteza. Optar poressa alternativa, contudo, provocará apenas a perda devitalidade e, em última instância, pode comprometerqualquer possibilidade de futuro.

Vivemos uma transição paradigmática em nosso mo-do de vida. Quando isso acontece, o conhecimento an-terior deixa de ser hegemônico, mas os anseios de revi-talização para o Instituto e sua missão ainda não preva-lecem plenamente.

As escolhas mais importantes acerca de nossa identida-de e nossa finalidade como grupo se projetam no futuro.Uma vez feitas, elas nos mostrarão claramente o custo dafiliação a um Instituto e uma missão renovados, permitin-do orientar nossas energias para vivê-las em plenitude. Um

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vezes trágico, com a desintegração ou mesmo a com-pleta destruição de muitas culturas indígenas.

Para melhor compreender o tema dessa Circular,portanto, é importante conhecer as características pró-prias de cada uma das três gerações, pelo menos, queconvivem no Instituto atualmente.

Os Irmãos que constituem o grupo mais antigo de-vem se lembrar como era nosso modo de vida antes dasmudanças sísmicas ocorridas durante o Vaticano II enos anos seguintes. Guardam na lembrança, por exem-plo, que foi Pio XII o primeiro em nossa época a lan-çar um apelo pela renovação da vida consagrada, co-meçando por nos advertir, no final da década de 1950,para que algumas atitudes não adequadas à essência denosso modo de vida fossem modificadas. Esse grupode Irmãos, que cultivou durante muitos anos um mo-do de vida bastante estruturado, traz viva na memóriaa Missa em latim e reconhece um barrete ou um soli-déu.

Um segundo grupo de nossos Irmãos atingia a ma-turidade quando o Papa João XXIII abriu as janelaspara o aggiornamento, não apenas no sentido de reno-vação, mas convocando, pela primeira vez em 100anos, um Concílio Ecumênico. Muitos Irmãos dessageração foram rapidamente colhidos pelo que hoje secostuma denominar modernidade. Abandonaram, as-sim, certos privilégios e se desfizeram dos símbolos emodos de vida que os separavam do Povo de Deus. Asantigas práticas passaram a ser menos comuns, um an-tigo modo de vida comunitária começou a mudar emuitas rotinas com as quais estavam muito familiariza-dos foram deixando de existir.

Ao nos desafiar com os mesmos questionamentossobre a realidade contemporânea que todos nos faze-mos, esse grupo transferiu ao Instituto sua experiência Um

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de um tempo de perdas, um período importante de in-terrogação sobre o significado e a intencionalidade denosso modo de vida. São, pois, testemunhas privilegia-das do fim de uma época na história da Igreja e aben-çoadas pelo protagonismo que se projeta em um novotempo.

As perguntas sobre renovação feitas em 2003, porém,já não são as mesmas de 1967 e 1968. Hoje, uma novageração, pertencente a um mundo completamente des-conhecido para nós com mais de 50 anos, acompanha avida religiosa e o Instituto. Embora não seja uma reali-dade universal, cada vez mais muitos desses jovens nosprocuram sem uma identidade católica segura. Os sím-bolos que nos edificavam e nutriam nossa fé – como fa-zer abstinência de carne, jejuar desde a meia-noite até ahora da Eucaristia e as ‘primeiras sextas-feiras’, só paracitar alguns – não fazem parte de sua vivência.

Entre os jovens candidatos ao nosso modo de vida,encontram-se os filhos dessa era conhecida como mo-dernidade. Nascidos com os problemas de hoje, é com-preensível que queiram respostas a suas próprias per-guntas. Procuram sinais bem claros de que integrarãode fato uma congregação religiosa. Desejam pertencerao grupo, mas ao mesmo tempo se interrogam sobre oque fundamentará sua vida ao assumirem nosso mododesafiador de ser pessoa nos dias de hoje.

Ao falar com nossos jovens Irmãos, logo se descobreque a história do Vaticano II lhes é estranha. Sua refe-rência corresponde ao período que abrange principal-mente as décadas de 1980 e 1990, e não os idos de1960. Quando os jovens desta geração são convidadosa recuperar o período pré-moderno, com sua ênfase natradição, não se sentem motivados a restaurá-lo. Porquê? Certamente porque não se lembram do mundo eda Igreja anteriores ao Vaticano II.

Com tamanha diversidade de experiências, aqueles

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identifica três elementos que constituem a alma de suaespiritualidade, e portanto dos Irmãozinhos de Maria:o exercício da presença de Deus, a devoção a Maria econfiança em sua proteção e a prática das virtudes dasimplicidade e da humildade.

Escrevendo em linguagem apropriada para seu tem-po, Marcelino assim descreveu a espiritualidade querecomendava a seus Irmãozinhos de Maria e refletiasua própria pessoa: “Perseverai fielmente no santoexercício da presença de Deus, alma da oração, da me-ditação e de todas as virtudes. A humildade e a simpli-cidade sejam sempre as características dos Irmãozinhosde Maria. Uma devoção terna e filial por vossa boaMãe vos anime em todo tempo e em todas as circuns-tâncias. Tornai-a amada por todos, tanto quanto vosfor possível. Sede fiéis à vossa vocação, amai-a e perse-verai nela corajosamente.”7

Examinaremos mais adiante os diversos fatores quecontribuíram para a maturidade da espiritualidade deMarcelino, sendo o exercício da presença de Deus omais expressivo. Deus, cuja presença Marcelino viveue anunciou, não era uma divindade abstrata, mas opróprio Senhor Jesus. O mistério da Encarnação esta-va no centro de sua espiritualidade e sua trajetória defé o levaria finalmente à intimidade com Jesus.

Cristo era, pois, a referência nuclear para a espiri-tualidade do Fundador, assim como Maria, embora demaneiras diferentes. Marcelino depositava plena con-fiança na proteção de Maria, o que o levava a dizer fre-qüentemente a seus Irmãos: “Com Maria, temos tudo;sem ela, nada”. O nome de Maria era importante parao Fundador. Segundo o entendimento que o Funda-dor tinha de nossa fé, tanto Jesus quanto Sua Mãeconstituíam o mistério da Encarnação. Portanto, po-de-se afirmar que sua espiritualidade era verdadeira-mente “encarnacional” e também incondicionalmente

que ocupam as lideranças do Instituto hoje não podemdesconsiderar a necessidade de uma visão abrangentecapaz de incluir todos os Irmãos. Caso contrário, nãoserá possível navegar com segurança no oceano com-plexo da pós-modernidade.

DEUS HABITA O CERNE DA IDENTIDADE

O segundo foco dessa Circular — a Espiritualidadede Marcelino — é tão importante quanto o primeiro.Como vimos, o modo do Fundador se relacionar comDeus deve ser o cerne de qualquer identidade renova-da para o Instituto e a missão.

Esse tema assume importância crucial se levarmosem conta o que motivou o Capítulo Geral a solicitar àAdministração Geral a elaboração de um documentosobre nossa espiritualidade semelhante a ‘Missão Edu-cativa Marista, Um projeto para o nosso tempo’5. Comesse recurso à disposição, todos os que compartilhamdo carisma e do sonho do Fundador – Irmãos, leigas eleigos – poderemos refletir mais profundamente sobrea espiritualidade de Marcelino, para nela fundamentara nossa.

A expressão ‘Espiritualidade Apostólica Marista’6tem sido a mais usada desde 1976. Por uma série derazões, prefiro a expressão ‘Espiritualidade de Mar-celino’. Primeiro, porque qualquer reflexão sobre aespiritualidade dos Irmãozinhos de Maria deve co-meçar com nosso Fundador. O tesouro que legou aosprimeiros Irmãos e a cada um de nós, com a media-ção da Igreja, é único. Bem diferente, por exemplo,daquele de Jean-Claude Colin, cuja influência é evi-dente na espiritualidade encontrada entre os mem-bros de outros ramos da Sociedade de Maria, porémpouco na nossa.

Segundo, o Testamento Espiritual do Fundador Um

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O 20.º CAPÍTULO GERAL

A comissão de preparação do 20.º Capítulo Geral,buscando garantir ao tema central um fundamento bí-blico, escolheu uma passagem do Deuteronômio (capí-tulo 30). Nesse trecho, Yahweh propõe uma escolha aosIsraelitas: vida e futuro, ou morte e destruição. Em al-gumas partes do Instituto, enfrentamos hoje semelhan-te opção: ou abraçamos corajosamente o futuro, ou nosapegamos temerosamente ao passado.

Que preço nosso Instituto e nossa missão precisampagar para optar pela vida e pelo futuro? Nada menosdo que uma revolução! Uma revolução do coração àqual convido todos os Irmãos. O que posso prometer émuito trabalho, mais uma dieta de auto-sacrifício. Emcompensação, teremos a oportunidade de participar dorenascimento do Instituto e da missão. Isso mesmo: apossibilidade de tomar parte do renascimento do Insti-tuto e da missão que tanto amamos!

mariana.

A virtude marcante de Marcelino era a simplicida-de. Seu jeito direto, entusiasta e confiante transpiravagrande humildade. Ninguém jamais o descreveu comouma pessoa pretensiosa. Essas mesmas virtudes, quehoje atraem tantas pessoas na Igreja, aconselhava aseus Irmãos. A espiritualidade transparente de Marce-lino expressava, pois, um cristianismo prático, com opoder de nos transformar, assim como nosso mundo.

Às vezes nos surpreendemos ao descobrir o quantoalguns aspectos da espiritualidade de Marcelino são as-similados por nós. Eu, por exemplo, entre o meu pri-meiro e segundo períodos como Provincial, decidi fa-zer um retiro de trinta dias em um centro de espiritua-lidade na costa de Massachussetts.

Meu diretor espiritual era um experiente padre Je-suíta chamado Tom. Pusemo-nos logo a trabalhar, en-contrando-nos regularmente durante a primeira sema-na, à medida que entrava no ritmo do retiro.

No início da segunda semana, contudo, Tom fez umcomentário inesperado durante a sessão de trinta mi-nutos de direção: “Você não está conseguindo fazer ostradicionais Exercícios Inacianos,” argumentou. “Ma-ria está presente demais em sua espiritualidade.” Ima-ginando que esse comentário poderia ser uma críticavelada, perguntei-lhe o que significava. “Está muitoclaro,” disse. “Afinal, você é Marista, não Jesuíta.” Apartir daí, passamos o resto do retiro vendo o mundo ea Palavra de Deus pelos olhos de Maria. Quando o mêsterminou, senti que aquele fora o retiro mais marcantee eficaz de toda minha vida. Há, pois, uma série de ra-zões que me levam a propor a ‘Espiritualidade de Mar-celino’ como tema dessa Circular.

Que preço nosso Instituto e nossa missão

precisam pagar para optar

pela vida e pelo futuro?

Nada menos do que

uma revolução!

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PARTE IIConsiderações sobre identidade

T odos os dias ao pôr do sol, um Rabbi cami-nhava pela cidade onde vivia, atravessando-ade uma ponta à outra. Essa rotina diária lhe

dava tempo para meditar, enquanto acompanhava amovimentação dos habitantes.

Alguns ricos proprietários que moravam nos arredo-res da cidade habitualmente contratavam vigias paraguardar suas propriedades à noite. Certa feita, o Rabbiabordou um desses vigias e perguntou-lhe o nome dopatrão. A resposta foi um nome que conhecia bem.

Para surpresa do Rabbi, porém, imediatamente o vi-gia lhe devolveu a mesma pergunta. Isso o desconcer-tou. Mas então não era evidente para todo mundo na ci-dade que trabalhava para o Mestre do Universo? ORabbi demorou em responder. Recompondo-se da sur-presa, finalmente comentou: “Sinto dizer, mas não te-nho certeza de que realmente trabalho para alguém.Sou apenas o Rabbi dessa cidade.”

Depois de algum tempo, o Rabbi perguntou ao vigia:

“Você não quer trabalhar para mim?”

Observação: Encontre um lugar sossegado onde você possa pensarnessas perguntas. Faça isso em um momento de recolhimento. Pegue umbloco de anotações e uma caneta ou lápis e anote todos os pensamentos,sentimentos e intuições que julgar importantes. Considere em seguida apossibilidade de conversar com outra pessoa que também tenha feito essareflexão. Essas anotações podem lhe valer durante essa conversa, ou mes-mo quando você quiser conferir o fruto de suas reflexões.

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PERGUNTAS PARA REFLEXÃOPERGUNTAS PARA REFLEXÃO

1. Em seus momentos de recolhimento, que pensamentoslhe ocorrem sobre o futuro do Instituto e da missão? Vo-

cê acredita que haverá um futuro para eles ou está preocupa-do com o que nos espera? O que justifica essa reação?

2. Cite alguns obstáculos importantes para o renascimentode nosso modo de vida e da missão em sua região, Pro-

víncia, Distrito ou comunidade. Que iniciativas estão a seu al-cance para reduzir a influência ou a força desses obstáculos?

3. Nesse mesmo sentido, que elementos em você podemservir de obstáculos a esse renascimento? O que você

pensa poder fazer para superá-los?

4. Por outro lado, que virtudes ou ações pessoais você po-de mobilizar para renovar nossa vida e nossa missão em

sua região, Província, Distrito ou comunidade? O que maisvocê pode fazer para incrementar essas forças renovadoras?

5. Faça algumas considerações sobre sua espiritualidade.De que modo você descreveria seu relacionamento com

Jesus Cristo e com Maria a um amigo que lhe perguntassequal o lugar que ocupam em sua vida?

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Assim como acontece quando se enfrenta o desafio daformação de uma identidade pessoal, também na forma-ção da identidade de um Instituto é inevitável a ocorrên-cia de crises depois do processo inicial de exploração. Enas últimas quatro décadas, como Instituto, aprendemosduas difíceis lições: esse processo produz crises e quantomais as ocultamos mais tendem a ocorrer.

No entanto, a etapa decisiva para qualquer Institutoimplica necessariamente assumir compromissos – maisuma vez exatamente como ocorre na formação da iden-tidade de uma pessoa. Para vencer os períodos de ex-ploração, mudança e transição, portanto, é preciso fazerescolhas. E após avaliar as arriscadas, porém promisso-ras, possibilidades, impõe-se-nos escolher o lugar, ospontos de vista e o modo de vida com os quais nos com-prometeremos. Se pretendemos renovar a identidade doInstituto e da missão, não nos resta outra alternativa se-não enfrentar esse processo de avaliação e escolha.

AS FONTES DE PROBLEMASPARA NOSSA IDENTIDADE

Você deve estar curioso para saber as origens da confu-são sobre a identidade da vida consagrada contemporâ-nea. Pois voltemos nossos olhos para o Vaticano II. Pa-ra muitos, as decisões tomadas nesse histórico encon-tro, embora necessárias e oportunas, representaram ofim de um fundamento ideológico que sustentou nossomodo de vida durante séculos.

Do início da Idade Média até o Vaticano II, a maio-ria dos católicos aceitava sem discussão a organizaçãodos fiéis na Igreja em três níveis hierárquicos: primeiro,os clérigos; em seguida, os religiosos; e finalmente, osleigos. Muitos Irmãos com mais de 50 anos de idade,por exemplo, lembram bem que a vida sacerdotal eraconsiderada a ‘vocação superior’.

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“Sim, quero”, consentiu o vigia. “Mas quais serãominhas obrigações.”

O Rabbi lhe disse: ”Sua única obrigação será sempreme lembrar para quem trabalho, quais são minhas obri-gações e por que estou aqui. Só isso.”

Moral da história? Como Irmãozinhos de Maria,considerando os quase quarenta anos de empenho pelarenovação, tenderíamos a concluir que somos o Rabbida fábula, sempre precisando que nos recordem paraquem trabalhamos. No entanto, nosso lugar é entreaqueles que estão de vigia. Fomos chamados a viver nafronteira, como memórias vivas da Igreja para lembrá-la constantemente da sua identidade. Esse é nosso pa-pel profético.

O SIGNIFICADO DE IDENTIDADE

O que significa identidade? No âmbito pessoal, é aconsciência que cada um tem de si e do mundo em quevive. A identidade de um grupo ou instituição sugereum significado semelhante. Uma organização com iden-tidade marcante oferece uma resposta imediata e con-victa quando perguntada sobre o que representa. Assimcomo a identidade de uma pessoa a torna única e singu-lar, a de um Instituto religioso ajuda seus membros aresponderem quem são e o que mais tem valor para eles.

Para formar uma identidade, um Instituto religiosodeve principalmente explorar com honestidade as op-ções de que dispõem. E é exatamente isso que temosfeito como grupo desde o Vaticano II. À luz de nossocarisma, e atendendo aos apelos da Igreja e do mundodiante das novas realidades e necessidades, temos ho-nestamente nos interrogado que modo de ser no mun-do fomentará uma dependência radical em Deus e fa-vorecerá a missão de Jesus. Um

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modo alimentar, a esperança pelo tempo em que o rei-no de Deus se realizará. É a expressão mais completa dafinalidade da Igreja: a santificação da humanidade.

Os padres conciliares, como vimos, identificaramapenas dois estados de vida na estrutura da Igreja: o cle-ro e o laicato. Já Vita Consecrata, mesmo com algumaslacunas, recordou que há, na experiência da Igreja, trêsestados: o laical, o clerical e o religioso. Dessa forma, avida consagrada voltou a encontrar um lugar na Igrejae as condições para se poder repensar nesse novo milê-nio. Mas a história não termina aí. Na seqüência, fare-mos uma breve revisão dessa jornada de quarenta anosde redescoberta de nosso modo de vida.

DESAFIOS INÉDITOSPARA OS RELIGIOSOS IRMÃOS9

Na qualidade de Irmãos, enfrentamos alguns desafios adi-cionais e inéditos em nossas tentativas de formar uma no-va identidade pós-Conciliar. Inicialmente, sofremos umaperda de sentido superior àquela de nossos coirmãos or-denados durante o turbulento período seguinte ao Con-cílio Vaticano II. Com o intuito de garantir estabilidade eum sentido de identidade, muitos deles agarraram-se ime-diatamente a seu ministério sacramental.

Além disso, nossa vocação sempre confundiu muitoscatólicos. Alguns continuam convencidos de que ‘trei-namos para ser padres’, enquanto outros de que fracas-samos exatamente nessa tentativa.

Atualmente, no entanto, nossa vocação de Irmãospassou a confundir até mesmo alguns de nós. Há pou-co tempo, por exemplo, abandonamos certos sinais ex-ternos que no passado permitiam às pessoas distingui-rem um Instituto religioso do outro. Da mesma forma,em algumas Províncias e Distritos, nosso afastamento

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A vida consagrada vinha em segundo lugar. Um tipode entendimento muito comum sustentava que apenasos religiosos com votos podiam atingir a perfeição espi-ritual. O laicato, infelizmente, ocupava um distante ter-ceiro lugar. Muitos leigos e leigas, por não terem voca-ção ao sacerdócio ou à vida religiosa, sentiam-se cida-dãos de segunda classe em sua própria Igreja.

O Concílio Vaticano II alterou a ordem dessa hie-rarquia. “A vida consagrada,” declararam os concilia-res, “do ponto de vista da natureza divina e hierárqui-ca da Igreja, não [deveria mais] ser considerada um ca-minho intermediário entre os estados de vida clerical elaica. [Deveria porém] ser reconhecida como um modode vida ao qual alguns cristãos são chamados por Deus,tanto do clero quanto do laicato.”8

Percebe-se, com esse olhar retrospectivo, que os par-ticipantes do Vaticano II assumiram decididamente a ur-gente e necessária tarefa de redefinir o lugar dos leigos nacomunidade eclesial. Não foram, contudo, tão bem su-cedidos na tentativa de redefinir com clareza a naturezae a finalidade de nosso modo de vida. O documento Per-fectae Caritatis, por suas circunstâncias de dificuldade ecomplexidade, não teve êxito em oferecer aos religiosose religiosas o mesmo tipo de pensamento teológico que aLumen Gentium propôs em relação ao laicato.

Em tempos mais recentes, João Paulo II anuncia, emVita Consecrata, que cada um dos estados fundamen-tais de vida na Igreja expressa algum aspecto do misté-rio de Cristo. Cabe aos leigos, por exemplo, responderpela missão de garantir a proclamação do Evangelhoem âmbito temporal.

Já a vida religiosa – entendida como o reflexo domodo de vida do próprio Cristo – assume, nas palavrasdo Papa, a responsabilidade de anunciar a natureza sa-grada do Povo de Deus. Deve proclamar, e de certo Um

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co. Antes do Vaticano II, essa característica nos serviamuito bem. Como tínhamos certeza do que se esperavade nós quanto aos votos, à vida em comunidade e à nos-sa obra, dávamos conta da tarefa primordial: nossoapostolado junto aos jovens.

Esse sistema estável de significação repentinamenteentrou em colapso durante a década de 1960. Nos anosque se seguiram, alguns Irmãos tentaram promoveruma reviravolta em seu trabalho, mas sem o entendi-mento anterior ao Vaticano II. Mesmo hoje em dia, al-guns continuam inseguros quanto ao verdadeiro senti-do dos votos e da vida em comunidade e da forma e na-tureza de nossa espiritualidade.

Essa dificuldade em compreender o abalo sofridopor nosso sistema de significação, causou e calou algunsressentimentos. Evidentemente, a superação desses sen-timentos, que muitos Irmãos interiorizaram durante es-sas quatro décadas, com certeza será dolorosa à medidaque agora forem se resolvendo.

UM CAPÍTULO GERAL ESPECIAL

Entre 1967 e 1968, seguindo as orientações do Vatica-no II, foi realizado um Capítulo Geral em nossa CasaGeneralícia em Roma. Uma revisão nos documentosque os Irmãos capitulares produziram nessa ocasiãodeixa bastante evidente que tudo foi analisado no es-forço de atender aos desafios do Concílio para a reno-vação do Instituto. Percebe-se também imediatamenteque, em meio às muitas páginas produzidas, os partici-pantes do 16.º Capítulo Geral já começavam a enfren-tar a questão da identidade.

Os Irmãos que se dirigiram ao 17.º Capítulo Geral,em 1976, igualmente discutiram o tema da identidade.Fizeram-no, porém, sob circunstâncias muito diversas

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do que muitos consideravam ser nosso apostolado tra-dicional, para assumir aqueles mais coerentes com asnecessidades dos novos tempos, produziu reação se-melhante.

O resultado é que somos bem menos visíveis hojeem algumas sociedades e culturas em que nos encon-tramos e bem mais homogêneos em relação a outrascongregações religiosas. Não é de admirar, pois, nossoembaraço diante da tarefa de repensar, teórica e teolo-gicamente, um papel diferente para nós mesmos comoIrmãos na comunidade eclesial.

Ocupamos uma posição que nos permite dar impor-tante contribuição para a discussão do apostolado daIgreja hoje. Nossas vozes, contudo, com freqüênciapermaneceram estranhamente caladas. Por que moti-vo? Talvez por serem necessários canais mais oportunose eficazes que possibilitem compartilhar melhor nossaexperiência.

Como Instituto, evangelizamos prioritariamente pe-la educação. Geralmente, as organizações em que servi-mos operam independentemente da Igreja local. E commuita freqüência, quando o superior eclesiástico localnos dá sua permissão, ele o faz nos dando liberdade pa-ra organizar e orientar as atividades de acordo com astradições e práticas Maristas.

Envolvidos pelas preocupações cotidianas, própriasde qualquer escola ou instituição, acabamos submeti-dos a uma rotina que pode nos afastar das preocupaçõ-es da Igreja local. Depois de um certo tempo, descobri-mos que os canais de comunicação disponíveis para nosajudar na partilha de nossa experiência e intuições so-bre o apostolado diminuem sensivelmente.

Finalmente, como acontece com os Irmãos de outrosInstitutos, nosso grupo apresenta um caráter pragmáti- Um

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sexual. Disso resultou uma ênfase maior nos direitos in-dividuais e um progressivo descrédito em quase todasas formas de autoridade.

Nos anos que se seguiram ao Vaticano II, muitos Ir-mãos passaram a dar maior prioridade à realização pes-soal e a prestar muito mais atenção nos princípios dapsicologia e do desenvolvimento humano. Para a maio-ria, esse conhecimento foi pessoalmente útil, bem comopara a reformulação dos programas de formação iniciale permanente. Para alguns, no entanto, resultou em umexcesso de auto-afirmação e na diminuição do espíritode generosidade, tão peculiar de nosso jeito de ser.

Finalmente, em algumas partes do mundo, o proces-so de desconstrução – o desmantelamento das estrutu-ras familiares e institucionais – coincidiu com a grandeturbulência na Igreja pós-Vaticano II. Essa situaçãoprovocou confusão entre formas emergentes de vida re-ligiosa com antigas práticas até então aceitas.

Mais recentemente, alguns Irmãos notaram que, àmedida que o ‘claustro’ foi se esvaziando, algumas ide-ologias insidiosas começaram a invadi-lo – como o in-dividualismo, o materialismo, o consumismo e novasidéias sobre sexualidade e relacionamentos, para citarapenas algumas –, confrontando-se com os valores queaté então orientavam a vida religiosa. Foi nesse contex-to radical e vertiginoso de mudanças que começamos,com outros Institutos, o trabalho de adaptação de nos-sos grupos às realidades e necessidades da Igreja e domundo do final do século XX.

UMA NOVA IDENTIDADEPARA OS IRMÃOZINHOS DE MARIA

Os Capítulos Gerais, desde o Vaticano II, deixarammuito claro que, para a formação de qualquer nova

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daquelas do grupo reunido nove anos antes. Em algunsDistritos e Províncias, os Irmãos estavam assustadoscom a quantidade de pedidos de dispensa na seqüênciado Concílio e do 16.º Capítulo Geral.

De qualquer maneira, na conclusão do 17.º Capítu-lo Geral, os Irmãos capitulares divulgaram a seguintemensagem sobre identidade, integrante do relatório ge-ral desse encontro:

“A identidade Marista é um problema relacionado àprópria identidade da vida religiosa. E a identidade davida religiosa é profundamente influenciada pelo con-texto do mundo contemporâneo, principalmente noque se refere ao questionamento dos valores até recen-temente predominantes. Há, pois, uma falta de unidadeentre os diferentes elementos que constituem a vida re-ligiosa, mas essa falta não é, em princípio, uma questãomoral. É um fenômeno muito semelhante com o de umsistema biológico que, seriamente enfraquecido poruma doença, está em busca de um novo equilíbrio.”10

O CONTEXTO DAS PRIMEIRASTENTATIVAS DE RENOVAÇÃO

Como vimos, as primeiras tentativas de renovação domodo de vida Marista e de nossa missão não acontece-ram em um vácuo cultural e social. Em verdade, por te-rem ocorrido na década de 1960 e no início dos anos1970, emergiram durante um período especialmenteturbulento de agitação social e política em várias partesdo mundo. Os movimentos de independência no conti-nente africano, por exemplo, deram início ao naciona-lismo e a uma nova ordem política.

Em muitos países desenvolvidos, os anos 1960 e1970 foram particularmente marcados por uma série demovimentos que exigiam mais liberdade civil, política e A R

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PERGUNTAS PARA REFLEXÃOPERGUNTAS PARA REFLEXÃO

1. Como você responderia a um aluno, leigo ou colegaque lhe perguntasse: Quem são os Irmãozinhos de Ma-

ria? O que eles mais almejam na vida?

2. O nosso modo de vida Marista é invisível em seu país,Distrito ou Província? Se esse é o seu caso, como você

reage a tal situação? E se isso o incomoda, o que você podefazer para remediar?

3. Você concorda que a oração, o apostolado e a comuni-dade são essenciais à nossa identidade pessoal de Ir-

mãozinhos de Maria? Em caso afirmativo, diga por que. Emcaso negativo, que elementos você reconhece como essenciaispara uma identidade corporativa para nosso Instituto?

identidade para nosso Instituto, é preciso prestar aten-ção em três áreas: a oração, o apostolado e a vida co-munitária. O último Capítulo Geral também nos enco-rajou a partilhar essa tarefa com os leigos Maristas, an-siosos por definirem sua identidade e demonstrandoum vivo interesse pela missão Marista e pela espirituali-dade de Marcelino.

O 20.º Capítulo Geral destacou, das formas mais di-versas, que a espiritualidade é o ponto de partida paraum genuíno anseio de renovação. É possível mudar o ti-po de trabalho, o lugar e as comunidades. Contudo, tu-do isso não passará de ‘tratamento tópico’ se não trans-formarmos os corações.

Em duas próximas Circulares pretendo tratar os te-mas da vida comunitária e da nossa missão e apostola-do, bem como sua relação com nossa identidade. Na se-qüência dessa Circular, porém, concentrar-me-ei naqui-lo que muitos Irmãos – eu incluído – consideram a pe-dra angular da formação de qualquer nova identidadepara o Instituto: a espiritualidade de Marcelino. Se des-ejarmos sinceramente empreender uma revolução docoração, então é por ela que devemos começar.

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Observação: Encontre um lugar sossegado onde você possa pensarnessas perguntas. Faça isso em um momento de recolhimento. Pegue umbloco de anotações e uma caneta ou lápis e anote todos os pensamentos,sentimentos e intuições que julgar importantes. Considere em seguida apossibilidade de conversar com outra pessoa que também tenha feito es-sa reflexão. Essas anotações podem lhe valer durante essa conversa, oumesmo quando você quiser conferir o fruto de suas reflexões.

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PARTE IIIA espiritualidade de Marcelino e uma identidade contemporâneapara os Irmãozinhos de Maria

D urante certo período na história da Igreja, umentendimento comum sustentava que a maiorparte da humanidade estava destinada à conde-

nação eterna. Para fortalecer tal noção, seus divulgadoresomitiram um fato de suma importância, e que São Paulodenominava o ‘escândalo do Mistério Pascal’. Essa con-vicção de que muitas pessoas passariam a eternidade noinferno, entretanto, exerceu grande influência na crençae nas práticas de algumas gerações de católicos.

Cada um de nós, em certa medida, é fruto de seutempo. Os cristãos que viveram durante o período des-crito acima não podiam deixar de ser influenciados pe-lo pensamento e pelos costumes de sua época. Isso nãoé menos verdade em relação a Marcelino Champagnat.O período da história em que nasceu e viveu, bem co-mo suas circunstâncias, tiveram profunda influência so-bre seu desenvolvimento pessoal e espiritual.

No início do século XIX, na França, a Igreja enfren-tou, como hoje, uma crise de inovação. O mundo mu-dara rápida e profundamente, e a resposta da Igreja a

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UMA ESPIRITUALIDADE EM DESENVOLVIMENTO

Em “Avis, Leçons, Sentences et Instructions” (capítulo23)11, o autor descreveu os cinco estágios que constitui-riam a vida religiosa, cada um com seus desafios pró-prios: da docilidade, do compromisso dos votos, da cer-teza do caminho a seguir, da insatisfação com os resul-tados e da opção entre a decadência e a santidade. A es-piritualidade de Marcelino Champagnat também sedesenvolveu em estágios espirituais, segundo um pro-cesso de conversão que marcou o estreitamento de seurelacionamento com Deus. O Fundador, que não nas-ceu santo, empenhou toda sua vida nesse sentido.

No começo, Marcelino priorizou a autodisciplina,atingindo-a mediante uma programação bem delineadade oração e penitência. Esse regime também era segui-do em suas férias do seminário e em seu tempo de jo-vem sacerdote em La Valla.

O rigoroso horário de práticas ascéticas do Funda-dor começava com o despertar às 4h da manhã, segui-do de uma meditação de meia hora. A Missa diária eraprecedida de 15 minutos de oração em profundo re-colhimento. Embora o trabalho paroquial recebessedele plena dedicação, ainda conseguia reservar ao me-nos uma hora por dia para o estudo de teologia. Jejua-va toda sexta-feira e visitava regularmente os doentesda sua paróquia. Esses exercícios de autodisciplina,oração e penitência, adotados pelo Fundador para es-treitar seu relacionamento com Deus, constituem pa-râmetros importantes para o aprofundamento de nos-sa vida espiritual.

À medida que o relacionamento de Marcelino comDeus se estreitava, crescia sua fidelidade às regras, quepassaram a representar um guia de vida para o Funda-dor. Elas o ajudaram em seu autocontrole e no desen-volvimento de uma grande serenidade espiritual. O

essa situação precisava ser criativa e hábil. E foram pes-soas como o Fundador que, no fim das contas, tomarama iniciativa de dar a resposta.

A INFLUÊNCIA DO CONTEXTOE DAS PESSOAS

Marcelino cresceu no município de Marlhes, uma re-gião em que se cultivava uma fé profunda. A populaçãolocal proclamava São Francisco Régis como patrono,transformando seu túmulo em centro de peregrinação.Este santo marcou muito o Fundador e influenciou demodo especial sua formação espiritual.

Sua mãe, Marie Thérèse, e sua tia Louise, Irmã deSão José, foram as pessoas que despertaram a vida es-piritual do menino. Seu exemplo e orientação foramfundamentais. Delas aprendeu as práticas espirituaise recebeu a herança religiosa da região montanhosaonde nasceu.

O pai de Marcelino também representou uma in-fluência importante em sua formação. Jean-BaptisteChampagnat – funcionário público, pensador e revo-lucionário, comerciante e fazendeiro – passou para ofilho algumas de suas competências e virtudes, taiscomo a diplomacia, o discernimento, a compaixão pe-los outros, um certo tino comercial e habilidades pro-fissionais.

De início, a devoção do Fundador a Maria formou-se nas práticas religiosas e na teologia da França do fi-nal do século XVIII e início do XIX. Ele viveu no dis-trito marial dos bispos Pothin e Irenaeus e em um paísinfluenciado pelos escritos de mariologistas como Oliere Grignon de Montfort.

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Há poucas dúvidas de que a morte da mãe de Mar-celino, Marie Thérèse, em 1810, também contribuiupara provocar mudanças em sua espiritualidade. Ela te-ve participação fundamental em sua opção vocacional erepresentou um apoio crucial durante o período de for-mação no seminário. Assim escreveu em 1809: “MeuSenhor e meu Deus, prometo não mais ofendê-lo, pra-ticar atos de fé e esperança, nunca mais voltar à tavernasem necessidade, evitar as más companhias e levar ou-tras pessoas a praticar a virtude”. Sabemos que, um anodepois, ele continuava seu esforço para cumprir essasresoluções.

Durante o processo de formação como sacerdote,Marcelino foi se entregando ao poder da graça trans-formadora de Deus. O Senhor, então, valeu-se da hu-manidade do Fundador para orientar sua mente, seucoração, seu espírito e suas energias, incutindo-lhe umsentido primordial: amar a Jesus e ajudar os outros atambém amá-lo.

Irmãos, podemos chamar isso de ‘cristianismo práti-co’, na falta de melhor denominação. Mas o que de fa-to importa aqui é destacar que Marcelino expressouuma espiritualidade encarnada. Aprendeu, com sua vi-vência, que uma autêntica espiritualidade nasce no lu-gar e nas circunstâncias próprias de cada um. Quandoo Fundador atingiu a maturidade da vida, cada pessoaque encontrava se tornava para ele a imagem do Salva-dor ressuscitado, a quem ele conheceu e amou tanto.

ESPIRITUALIDADE DEFINIDA

Até aqui tudo parece muito claro, você poderia dizer.Mas como é possível vivermos hoje, você e eu, a espi-ritualidade do Fundador? Afinal, estamos falando deum homem de seu tempo, cuja busca de Deus foi in-fluenciada pelas circunstâncias de sua vida e pelos

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bom senso e o discernimento – além da influência queo rigorismo, muito mais do que o jansenismo, exerceusobre seu pensamento – permitiram-no superar o lega-lismo e a rigidez peculiares à teologia moral dos semi-nários franceses no início do século XIX.

O exercício da presença de Deus tornou-se entãoo cerne da espiritualidade na vida de Marcelino. Oprogressivo estreitamento de seu relacionamento comJesus e Maria, no entanto, não foi fácil. De fato, o jo-vem sacerdote enfrentou muitas dificuldades nesseprocesso.

O AMOR A DEUS COMO FUNDAMENTO

O Fundador atingiu finalmente um estágio em queconstruiu sua espiritualidade sobre uma base muitosólida: o amor a Deus e ao próximo. Marcelino ama-va a Deus em Sua natureza humana. Sociável portemperamento, Marcelino também amava as pessoase gostava de ficar com elas. O Fundador, conscientede que Deus se revela nas pessoas e nos aconteci-mentos da vida, entendia que o relacionamento comas pessoas era um dos meios para se poder estabele-cer um relacionamento amoroso com Deus.

APOIO PARA A TRAVESSIA

Alguns momentos de crise no início da vida de Mar-celino – como sua dispensa do seminário ao final doprimeiro ano, a morte súbita de seu amigo Denis Du-play no dia 2 de setembro de 1807 e uma conversacom o supervisor do seminário, Padre Linossier, so-bre a necessidade de melhorar sua conduta – servi-ram-lhe de apoio, como pedras à guisa de ponte im-provisada na travessia de um riacho, em seu itineráriode conversão pessoal.

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guida, tomou o rapaz pelo braço e o conduziu até a ja-nela de seu escritório. O Mestre apontou então para umvelho cavalo no campo que estava sendo conduzido porseu dono. “Venho observando esse cavalo há algumtempo,” começou o Mestre, “e tenho percebido quenão se alimenta nem bebe nada de manhã à noite. Du-rante o dia inteiro faz todo o trabalho para as pessoas,que nunca lhe retribuem isso. Sempre o vejo se esfregarna neve e nos arbustos, como é costume dos cavalos, eobservo que o dono o chicoteia com freqüência. No en-tanto, eu lhe pergunto: esse cavalo por acaso é santo?”

Moral da história? Espiritualidade significa muitomais nossa gratidão generosa pelo dom do amor incon-dicional de Deus do que qualquer prática piedosa. Ade-mais, a gratidão desinteressada é o fundamento de todavirtude. É base do amor e da caridade. Marcelino, queentendeu bem esse fato, convida-nos a fazer como ele.

Embora isso seja difícil para muitos Irmãos aceita-rem, um dos dons da atualidade é a compreensão cadavez maior de que espiritualidade é muito mais o fogoperene que deve arder em nós do que uma subida ver-tiginosa na escada das virtudes. Exercícios de piedade,sem paixão, não nos sustentam muito tempo.12

Muitos Irmãos alegam ter paixão de sobra. Admitem,também, que essa energia propulsora é o núcleo da expe-riência humana que alimenta o amor, a criatividade e a es-perança que trazemos em nós. Mas freqüentemente relu-tam em admitir que a paixão é inerente à espiritualidade.

Não será essa hesitação fruto da constatação de quea paixão, por se manifestar de maneiras tão diversas,nos assusta? Ademais, às vezes a sentimos mais comoinquietação, ou como uma espécie de desejo que con-fundimos com insatisfação. Tal concepção de paixãonos incomoda e nos frustra bastante. Mas, em últimaanálise, o que é espiritualidade senão o que fazemos

Nosso modo de viver a

espiritualidadede Marcelino,

não sofreria a influência

de nossa épocana história

e das tradições e costumes

de nossos paísese culturas?

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acontecimentos de uma época. Ora, também não so-freria, nosso modo de viver a espiritualidade de Mar-celino, a influência de nossa época na história e dastradições e costumes de nossos países e culturas, alémde tantos outros fatores?

Logo voltaremos a analisar atentamente as três ca-racterísticas mais importantes da espiritualidade doFundador como se apresentam em seu Testamento Es-piritual: sua prática da presença de Deus, a confiançaem Maria e em sua proteção e as virtudes da simplici-dade e da humildade. Antes, porém, cumpre definir al-guns conceitos para a elaboração de um contexto con-temporâneo em que seja possível inserir, mais adiante,a discussão sobre a espiritualidade de Marcelino.

“O que se entende por espiritualidade?”, alguémpode estar perguntando. Vou responder contando ahistória de um jovem que desejava atingir um alto graude santidade. Ele se empenhou bastante para conseguirrealizar isso, e finalmente foi conversar com seu Mestre.

“Mestre,” anunciou, “creio que atingi a santidade.”

“O que o faz pensar assim?” perguntou o Mestre.

“Já estou praticando a virtude e a disciplina faz al-gum tempo e desenvolvi uma grande competência nasduas,” respondeu o rapaz. “Do amanhecer ao pôr dosol não como nem bebo coisa alguma. Durante o dia,realizo todo tipo de trabalho pesado para os outros enunca espero retribuição. Se a tentação me ataca, rolona neve ou nos arbustos espinhosos até que desapare-ça. E à noite, antes de dormir, submeto-me a antigaspráticas de flagelações monásticas e açoito minhas cos-tas. Estou decididamente me disciplinando para sersanto”.

O Mestre ficou em silêncio alguns instantes. Em se-

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cava. Todas as pessoas de fé devem fazer essa jornadarumo ao discernimento. E o que isso exige? Inicialmen-te, que aceitemos Jesus como a resposta à pergunta quea vida de todo ser humano constitui. Marcelino enten-deu essa parte da Boa Nova. E foi precisamente tal as-pecto que os Irmãos do 20.º Capítulo Geral destacaramno anúncio dos cinco apelos que representam o cerneda ‘Mensagem’ do 20.º Capítulo Geral. Meu relaciona-mento com Jesus habita o centro de minha vida. Issoquer dizer concretamente que sempre lhe reservo umtempo especial e deixo que Ele se manifeste em sua ple-nitude, como aliás faço com qualquer relacionamentoimportante em minha vida.

Como já disse, nossas vidas espirituais se desenvol-vem em estágios, e tanto você quanto eu devemos ser pa-cientes conosco mesmos. Alguns diretores espirituais,por exemplo, comparam a graça da consolação encon-trada em nosso relacionamento com Jesus com a águabrotando em um poço quase transbordando. No iníciodesse relacionamento, ainda jovens e fortes, facilmenteconseguimos tirar água dele, contando exclusivamentecom nossa própria força. Temos, então, toda a consola-ção de Deus à disposição. Fica bem claro, entretanto,que os responsáveis pela tarefa somos nós, não Jesus.

Com o passar do tempo, porém, o nível da água di-minui. Mas ainda temos força suficiente para, comgrande emprenho, continuar a lançar o balde e conse-guir toda a graça da consolação de Deus. Mas o con-trole segue sendo nosso, e continuamos mantendo Jesusà distância.

O poço, porém, antes transbordando de água, final-mente vem a secar. Agora velhos e fracos, perdemos aauto-suficiência da juventude. Perguntamos então: “Oque precisamos fazer para conseguir a graça da conso-lação divina? E nossa resposta honesta deve ser: ”Nada,exceto sentar e esperar a chuva cair“.

As trêscaracterísticas

maisimportantes

daespiritualidade

do Fundador:sua prática

da presença de Deus,

a confiança em Maria e em suaproteção

e as virtudes da simplicidadee da humildade.

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com paixão?

UMA CONCEPÇÃO DIFERENTEDE ESPIRITUALIDADE

Esse significado de espiritualidade não corresponde aoque a maioria de nós aprendeu durante os anos de for-mação ou na maior parte dos programas de renovaçãode que participamos. Com freqüência, fomos levados aacreditar que, para sermos aceitos por Deus, devería-mos nos submeter meticulosamente a uma escala devirtudes. No entanto, não é verdade que qualquer ini-ciativa de relacionamento com Jesus ocorre mais poriniciativa Dele do que nossa? Teresa de Ávila sempredizia para as pessoas que pediam seus conselhos sobrevida espiritual que, quando lhes faltassem palavras pa-ra orar, deveriam simplesmente entrar na capela e sen-tar-se diante do Santíssimo Sacramento para que o Se-nhor pudesse olhar para elas com amor.

Nosso anseio por Jesus nada mais é do que o reflexode Seu anseio por nós. Mas, ao contrário do que acon-teceu com Teresa e Marcelino, poucos entre nós acre-ditam que Deus nos ama de uma maneira assim tão in-condicional. Sim, com certeza vivemos repetindo“Deus me ama incondicionalmente”. Contudo, a pala-vra ‘mas’ sempre é colocada no lugar onde deveria es-tar o ponto final da frase. Nesse caso, precisamos nosquestionar por que sempre tentamos submeter o amorde Deus, transformando dádiva em objeto de troca.Nessa vida, nós mesmos somos o obstáculo no caminhoda aceitação do amor incondicional de Deus.

ELEMENTOS DA VIDA ESPIRITUAL

Os santos e místicos que nos precederam vieram a com-preender e aceitar o grande amor que Jesus lhes dedi-

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Ele era apaixonado pelo Senhor e por sua missão. Pa-ra Marcelino, Jesus estava sempre por perto. Conse-qüentemente, seu diálogo com o Senhor foi perma-nente, assim como a confiança n’Ele e em Sua vonta-de, que foram progressivamente se aprofundando.Marcelino sempre citava as palavras do Salmo 127:“Se o Senhor não construir sua casa, em vão traba-lham seus construtores”.

A espiritualidade encarnada de Marcelino se vêmanifestada no texto de muitas de suas cartas. Emuma delas, para o Irmão Marie-Laurent, de 8 de abrilde 1839, por exemplo, o Fundador escreveu: “Suacarta, meu amigo muito querido, causou em mimgrande compaixão. Desde então jamais subo ao altarsem que o recomende Àquele em quem nunca se es-pera em vão e que pode nos ajudar a superar os maio-res obstáculos”.

ELEMENTOS PARAUMA ESPIRITUALIDADE CONTEMPORÂNEA

Uma grande paixão marcou o relacionamento deMarcelino Champagnat com o Senhor Jesus. Nos diasde hoje, também nós desejamos semelhante experiên-cia de Deus, embora compreendamos que pode vir aser muito diferente daquela do Fundador. Mencioneianteriormente que a paixão é ambiciosa. De fato, nãoobstante assuma um papel importante na vida espiri-tual, a paixão parece igualmente trabalhar em outrasáreas de nossas vidas. Quando, por exemplo, explo-dem emoções fortes como a raiva e o ódio, a paixão semanifesta com elas. O mesmo acontece nas situaçõesde profunda melancolia ou euforia. A paixão ocupatambém um lugar importante em nossa vida sexual.

Vincular, porém, a sexualidade com a paixão da vidade oração de qualquer pessoa certamente não era mui-

Nosso anseiopor Jesus

nada mais é do que o reflexo

de Seu anseiopor nós.

Quando atingirmos esse estágio da vida espiritual,como aconteceu com Marcelino, estaremos enfim pre-parados para permitir que Jesus se relacione conosco deigual para igual. Poderemos então Lhe dar a liberdadede nos amar como Ele quiser. Como saberemos que es-tamos na direção certa? Quando, como Teresa, nossoúnico desejo for a simples presença diante de Deus. Na-da mais, nada menos.

A segunda característica de uma pessoa religiosa sefundamenta na primeira: aceitar o fato que Jesus nosama de uma maneira especial, singular. Desde o princí-pio dos tempos, Deus nos procurou para se relacionarconosco, sendo Jesus o exemplo mais evidente dessainiciativa. Nosso relacionamento com Jesus e o padrãode seu desenvolvimento são únicos: não podem ser du-plicados.

A ESPIRITUALIDADE ENCARNADA

Vimos que Jesus foi fundamental para a prática da fédo Fundador. A Eucaristia também ocupou um lugarcentral em sua vida, e ele procurava celebrá-la regu-larmente com nossos primeiros Irmãos.

Sabemos também que são três os elementos inscri-tos no cerne da espiritualidade que Marcelino nos le-gou em sua prática e em seu Testamento Espiritual:confiança incondicional em Deus, devoção a Maria econfiança em sua proteção e a presença das singelasvirtudes da simplicidade e da humildade. A espiri-tualidade do Fundador era encarnada, marial e trans-parente.

Analisemos, brevemente, cada um desses elemen-tos. A natureza encarnada da espiritualidade de Mar-celino era a fonte de sua prática da presença de Deus.

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ra auto-estima, o exercício do recolhimento e uma dosede senso de humor – são recursos fundamentais paraque nossa vida seja produtiva.

Não sem razão, muitos diretores espirituais, há al-guns séculos, vêm recomendando esses mesmos instru-mentos para quem esteja seriamente interessado nopróprio crescimento espiritual. Tais recomendaçõestêm razão de ser. O grau de comunhão do corpo, damente e do espírito em um todo depende da disciplinae dos valores que sustentam nossa vida. Nesse mesmosentido, a qualidade do relacionamento que estabelece-mos com Deus, conosco mesmos e com os outros tam-bém sofre a influência dessas escolhas.

Devemos, porém, enfrentar um desafio, em se tra-tando de sexualidade e espiritualidade: aceitar a paixãoem nós e, ao mesmo tempo, reconhecer nossas limita-ções.

Embora muitas culturas atuais nos ensinem o con-trário, não é possível sempre ‘ficar com tudo’. Nesse ca-so, temos de aprender a conviver com a tensão ineren-te à vida espiritual e à sexual. Agostinho tinha razãoquando afirmava que nessa vida não será possível sabera quem confiar nosso coração. Afinal, nosso coraçãonão terá paz enquanto não repousar em Deus.

A ESPIRITUALIDADEE A CASTIDADE NO CELIBATO

Afirmei, há pouco, que a espiritualidade e a sexuali-dade apresentam uma relação muito próxima. Pode-mos mesmo dizer que a sexualidade é central emqualquer experiência de vida que se pretenda espiri-tual. Portanto, se a sexualidade está no centro de nos-sa vida espiritual, então a vida espiritual deve ocupara mesma posição em um celibato genuinamente casto.

Nossas vidasespirituais

se desenvolvemem estágios, e tanto você

quanto eudevemos

ser pacientesconoscomesmos.

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to comum na época de Marcelino. Os sentimentos se-xuais eram considerados perigosos e submetidos a umcontrole severo. Embora muitos místicos escrevessemutilizando imagens sensuais, seus trabalhos eram trata-dos com bastante precaução, se tanto.

Hoje em dia, a sexualidade assume um sentido mui-to mais amplo do que apenas o comportamento sexualgenital. Estão incluídos nesse conceito nosso modo deser no mundo como homens e mulheres e as caracterís-ticas e atitudes culturalmente definidas como femininasou masculinas, das quais as pessoas foram se apro-priando ao longo da história.

O aspecto mais importante, entretanto, é que a se-xualidade incorpora a necessidade humana básica de irem busca do outro e de acolhê-lo, tanto física quantoespiritualmente. Isso expressa a intenção de Deus deque encontremos, nessa necessidade de relacionamen-to, um sentido humano e espiritual. De fato, a sexuali-dade é parte intrínseca do relacionamento com outraspessoas e com Deus. Contudo, ela tem mais a ver comautotranscendência do que com auto-satisfação.

Também sabemos que, assim como a espiritualida-de, a sexualidade apresenta uma natureza ambígua. Sede um lado ela propicia o prazer de viver e o enlevo emum relacionamento, constituindo ao mesmo tempo fon-te de coragem extraordinária e heróica generosidade,de outro essa mesma energia pode conduzir a compor-tamentos autodestrutivos e desumanizadores. Nessasocasiões, em que se perde a noção de equilíbrio, a se-xualidade pode ser motivo de desorientação.

É o caso aqui de cogitar de que meios dispomos pa-ra ajudar a canalizar criativamente o desejo sexual, afas-tando-nos dos comportamentos perniciosos e nos le-vando a nos unir a Deus e ao próximo. Em verdade, al-guns meios – como o sentido de disciplina, uma since-

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tual, e tão profundamente humano!” Estas palavras,sem dúvida, devem ter sido muito bem aplicadas aMarcelino.

O LUGAR DE MARIA

A dimensão marial é outra característica importanteda espiritualidade de Marcelino. O Fundador devota-va grande afeição à Mãe de Jesus. Ele denominou-nosa partir do nome de Maria, reconheceu-a como Pri-meira Superiora do Instituto, chamou-a de nossa BoaMãe. Em verdade, Maria se inscreve no centro denossa herança espiritual.

O relacionamento de Marcelino com Maria foi ama-durecendo ao longo do tempo. A plena confiança quedepositava em Maria e em sua proteção veio a construirum relacionamento bastante próximo, acabando por setornar sua confidente.

Essa devoção se manifestava em seus sermões, nove-nas e cartas e na plena confiança na intercessão de Ma-ria. Tanto que ele tinha certeza de uma coisa: uma vezque as pessoas que pedissem seu auxílio tivessem se em-penhado ao máximo, ela então assumiria a responsabi-lidade de ajudá-las. A mensagem aos Irmãos Antoine eGonzaga, de 4 de fevereiro de 1831, demonstra bem es-se aspecto da sua vida espiritual. Nela ele recomendou:“Peçam o apoio de Maria; digam-lhe que, depois de te-rem feito todo o possível, pior para ela se as coisas nãoforem tão bem.”

O Fundador encorajava os primeiros Irmãos a imitá-lo na devoção a Maria. Pedia-lhes, por exemplo, que ti-vessem um quadro ou uma imagem dela em casa e que-ria que sempre levassem algo que lhes recordasse dela.Recomendava-lhes, também, o delicado gesto de ofere-cer a Maria as chaves da porta. “Ela é responsável por

A consistência da conclusão fica evidente se consi-derarmos que a segurança quanto à opção por um celi-bato casto significa obrigatoriamente aceitar – antes eacima de tudo – o verdadeiro sentido de ser um religio-so e, portanto, da identidade espiritual. Somos capazesde aprender tudo sobre sexualidade, chegar mesmo aser especialistas no assunto, mas se não depreendermoso que realmente significa ser espiritual, a castidade nocelibato continuará sempre nos inquietando.

Muita gente, nas sociedades e culturas em que nosinserimos atualmente, acreditam que abraçar um estadode vida comprometido com a castidade no celibato éuma decisão ingênua e louca. E de fato é! Ingênua por-que desafia as convenções sociais; e louca porque abra-çar e viver a castidade no celibato implica inevitavel-mente empreender uma verdadeira revolução do cora-ção. Isso equivaleria, como propõe o filósofo BernardLonergan, SJ, a “uma nova amorização total: uma ren-dição pessoal completa e permanente, sem condições,limites ou restrições”13.

Quem entre nós quer se entregar a tal conversão eabraçar essa revolução do coração? Pois é precisamen-te nisso que se encontra o desafio da castidade de nos-so celibato. Ao optar por viver a sexualidade na casti-dade do celibato, comprometemo-nos a viver com pai-xão sendo tão profundamente espirituais quanto se-xuais.

Redescobriremos, assim, o fogo – esse inefável an-seio por Jesus – que sempre ardeu intensamente emnós. Tal descoberta restaura a tranqüilidade no relacio-namento conosco mesmos e com o Senhor, mas agorasegundo Suas condições e compreendendo melhor Suamediação. E quando perceberemos que atingimos essenível? Quando, referindo-se a cada um de nós, as pes-soas exclamarem: “Veja como ele é intensamente espiri-

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de o Vaticano II, tanto na Igreja quanto em nosso Insti-tuto. A imagem da mãe de Jesus ficou congelada no tem-po, presa a imagens criadas por artistas da Renascença ecolocada em um pedestal longe de nosso alcance.

No amanhecer do século XXI, precisamos atualizar,como Instituto religioso e de acordo com os ensina-mentos do Vaticano II, a compreensão que temos deMaria. E, ao mesmo tempo, não podemos deixar de res-peitar as ricas e variadas tradições tão evidentes paranós. Cumpre insistir, portanto: essa mulher de corageme força deve ser o centro de nossa espiritualidade tantoquanto o foi para Marcelino.

UM NOVO DESAFIO

O mundo do século XIX era muito diferente do atual.Estamos muito mais conscientes do multiculturalismoe das diferenças, por exemplo. Mas, paradoxalmente,a sensação de proximidade com o outro é maior ago-ra, com muito mais oportunidades de compreensãomútua do que talvez em qualquer outra época da his-tória. É para a Igreja e o mundo contemporâneos quese deve elaborar uma nova linguagem para apresentarMaria. Em síntese: precisamos hoje de uma Mariolo-gia apropriada para o século XXI. Para fazer a dife-rença, deverá ser consistente, fortalecer-nos espiri-tualmente e nos desafiar eticamente.

O Concílio Vaticano II ensinou que santidade e au-sência de pecado não são condições antagônicas aoselementos e eventos que constituem o cotidiano da vi-da terrena. Ao contrário, a graça de Deus se inscreve nonúcleo da vida.

A vida de Maria foi uma jornada genuinamente hu-mana. É injusto, para ela e para nós, negar esse fato, ex-cluindo-a do contexto da humanidade. Essa mulher de

No amanhecerdo século XXI,

precisamosatualizar,

como Institutoreligioso,

a compreensãoque temos de Maria.

nós,” dizia. “É nossa padroeira e protetora.”

Marcelino igualmente aconselhava os primeiros Ir-mãos a adotar Maria como Mãe, que devia ser um mo-delo a ser imitado e alguém a quem se recorrer comuma confiança filial. Na Anunciação, a resposta de Ma-ria a Deus foi cheia de confiança, direta e sem titubeio.O Fundador queria que demonstrássemos igual dispo-sição em nosso “Sim”. Nesse sentido, nas Regras de1837, incluiu a oração especial “Abandono à SantíssimaMãe de Deus”.

A devoção do Fundador a Maria é um indicadormuito sugestivo de sua personalidade. Marcelino foipouco a pouco se conscientizando de suas limitações.Sabia que os dons necessários para a realização da obraque empreendera superavam em muito suas capacida-des naturais. Como explicar, então, seus bons resulta-dos? A sinceridade da consciência do Fundador credi-tava todo o sucesso de sua realização a Maria, cujo au-xílio sempre solicitava e cuja inspiração perseguia comtotal fidelidade.

MARIA DOS ANAWIM, DE NAZARÉ, DO NOVO TESTAMENTO, DE HOJE

Que posição tomamos diante de tudo isso? Que lugarMaria ocupa na espiritualidade do Instituto, bem co-mo na sua vida e na minha, no novo milênio? É pre-ciso, de início, reconhecer a rica diversidade que exis-te no Instituto quando se trata de Maria. Diversos pa-íses e culturas cultivam suas próprias imagens dela eseus centros de peregrinação, celebrações e festas.

Devemos admitir, também, que o entendimento so-bre essa extraordinária mulher de fé não difere muitodaquele dos fiéis do século XIX, o que talvez ajude a ex-plicar por que a devoção a Maria vem diminuindo des-

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Pessoalmente, espero que Maria finalmente venha aser quem de fato é, para a Igreja e para o Instituto, livreda imagem idealizada de mulher extraordinária e do pe-destal em que foi colocada.

AS VIRTUDES DA SIMPLICIDADEE DA HUMILDADE

O terceiro elemento essencial da espiritualidade doFundador é a prática das virtudes da simplicidade eda humildade. A simplicidade era uma característicamarcante de Marcelino Champagnat, uma pessoa sin-cera e que transpirava entusiasmo e confiança, enco-rajando sempre seus Irmãos a desenvolverem essasqualidades.

Marcelino foi um homem humilde, que em sua ma-turidade atingiu o conhecimento e a aceitação de simesmo. O Fundador não era pretensioso, desafiando-nos a ser assim sinceros e despretensiosos.

O relacionamento do Fundador com as crianças ilus-tra bem essas virtudes. Seu amor por elas, assim comopelos jovens, manifestava-se de maneira franca e agra-dável. Era considerado ótimo catequista, falando dire-tamente a seus corações e anseios. Preocupava-se tantocom sua evangelização quanto com sua educação, o queo levava sempre a dizer: “Não posso ver uma criançasem me dar vontade de ensinar-lhe o catecismo e fazer-lhe saber quanto Jesus Cristo a amou e quanto, por suavez, deve amar o divino Salvador.”

O episódio que ficou conhecido como o ‘Lembrai-vos na neve’ é outro exemplo das virtudes da simplici-dade e da humildade na vida do Fundador. Esse inci-dente apresenta outra característica marcante de suapersonalidade e sua espiritualidade: o grande amor por

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fé nunca foi e nunca será divina. Insistir hoje em atri-buir títulos a Maria que porventura venham a lhe con-ferir atributos divinos apenas confunde, mais do queexplica alguma coisa.

Maria era uma hebréia, mulher de seu tempo, obser-vadora do Sabbath e de todas as práticas fervorosas dosanawin, ou ‘pobres de Yahweh’. Levou uma vida co-mum e discreta. Sonhou, sofreu, riu e chorou como to-da pessoa, e não compreendia tudo. Precisou enfrentare superar, como cada um de nós, as dificuldades da vi-da, que não lhe foi suave. Viveu, enfim, a mesma con-dição humana de todos nós: tristeza e desânimo, cora-gem e grandeza, agonia e morte.

Embora alguns artistas, durante muitos séculos, re-produzissem uma cena em que Maria aparece lendo oúltimo livro do Antigo Testamento enquanto aguardaansiosamente a visita do anjo Gabriel e a notícia que aincluiria no primeiro livro do Novo Testamento, muitoprovavelmente era analfabeta, como a grande maioriadas pessoas de seu tempo, aliás. Teresa de Lisieux nosrecorda que amamos Maria não porque a Mãe de Deusrecebeu privilégios extraordinários, mas, sim, por tervivido e sofrido com simplicidade na obscuridade da fécomo todos nós. Maria foi filha desse mundo, vivendoo entusiasmo e as alegrias humanas, assim como as pre-ocupações que nos sobressaltam a cada dia.14

Ela também aguardava ansiosamente a chegada doMessias. E como sempre via o mundo com os olhos dafé, reconheceu enfim o Servo Sofredor em Seu filho.Como pessoa, fez escolhas difíceis e corajosas, vindo ase tornar uma conselheira na construção da comunida-de da Igreja nascente. Assim, embora a imagem da BoaMãe, tanto cara a Marcelino, seja muito significativa pa-ra nós, fica cada vez mais evidente que Maria tambémfoi nossa irmã na fé e uma presença profética na Co-munidade dos Santos.

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çar, acima de tudo, o Mistério Pascal. Se almejamos atransformação, devemos aprender a nos sentir à vonta-de diante do sofrimento e da morte.

Segundo, precisamos entender como o relaciona-mento com Jesus se desenvolve e o que é necessário pa-ra preservá-lo. Os autores que trataram do tema da es-piritualidade sempre insistiram que a oração é parte es-sencial do relacionamento com o Senhor. Vimos que avida espiritual de Marcelino recebeu, desde seu início,forte influência de sua mãe e sua tia Louise. Durante osanos de seminário, sua vida espiritual se desenvolveusegundo uma disciplina que estabelecia momentos re-gulares de oração e penitência, bem como outras práti-cas que ele mesmo introduziu em sua vida.

Os vínculos que se estabelecem entre nós e o Senhor se-rão tanto mais profundos quanto mais nossos tempos deoração pessoal se desenvolverem naturalmente, tornando-se cada vez mais regulares e prolongados. Mas o que ‘re-gular e prolongado’ representa concretamente? O idealseria uma hora por dia de oração pessoal. Mas essa meta éatingida ao longo do tempo, e mediante o convite de Deus.

Você e eu usufruímos a companhia de Jesus duranteas vinte e quatro horas do dia e os sete dias da semana.Se somos sérios em nosso relacionamento com Ele, nãopoderemos deixar de querer retribuir esse favor, pro-porcionando a Jesus também o prazer de nossa com-panhia ao menos durante uma hora por dia. A práticade ‘honrar esse tempo’ e a integridade na vida moral de-vem ser nossas características, como pessoas que levamsua vida espiritual de fato a sério.

Podemos resistir à idéia de tentar encontrar uma ho-ra reservada à oração pessoal em meio a uma rotina devida já bastante desgastante. Podemos também citar oartigo de nossas Constituições Maristas que prescrevetrinta minutos de oração pessoal diária. Mas, sejamos

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entre nós e o Senhor serão

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desenvolveremnaturalmente,

tornando-secada vez

mais regulares e prolongados.

seus Irmãos. E foi precisamente sua preocupação porum Irmão doente que o motivou a empreender essaviagem. O mundo de Marcelino pode ter sido pequenose comparado com o de hoje, mas nada era pequeno emse tratando de seu coração. O amor do Fundador sem-pre se traduzia em ação: um de seus Irmãos estava do-ente, e ele precisava visitá-lo a qualquer custo.

Não obstante isso, poderíamos fazer conjecturas so-bre as razões que o teriam levado a viajar, tendo em vis-ta a ameaça da tempestade de neve. Alguns poderiamalegar que a jornada de Bourg-Argental teria sido umaimprudência.

Sejam quais forem as outras motivações que o fize-ram se decidir pela viagem de retorno naquela hora, fa-to é que seu sentido de presença de Deus e sua con-fiança em Maria e sua proteção lhe deram segurança,em circunstâncias que teriam feito outras pessoas hesi-tarem. Seu recurso ao ‘Lembrai-vos’ diante do perigonão foi um impulso extremo de um homem diante dorisco da morte. Marcelino sempre teve plena certeza dopoder da constante presença de Deus. Maria tambémrepresentava um apoio sempre tão certo que contavacom sua proteção com a fé de uma criança. Pois essa féna presença salvífica de Deus o acompanhou por toda avida, assim como foi sempre inquestionável sua con-fiança em Maria. O ‘Lembrai-vos na neve’ representa,portanto, uma manifestação explícita da profunda rea-lidade espiritual de Marcelino.

O DESENVOLVIMENTO ESPIRITUAL

Como podemos aplicar em nossas vidas o que refleti-mos e discutimos até aqui sobre a espiritualidade deMarcelino?

Primeiro, é preciso pagar um preço quando aceita-mos as condições de Jesus. Afinal, Ele nos pede que Oimitemos, e não que O admiremos. Isso implica abra-

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minar algum tipo de trabalho. Não conseguia imaginar,porém, a mesma maioria de Irmãos acordando sessentaminutos antes do horário habitual para uma hora adi-cional de oração, ou mesmo para alguma atividade coma comunidade. O tempo nos ensinou uma dura lição:uma vida de crescente aprofundamento da oração ajudaa sustentar nosso modo de vida; mais ocupação, não.

O que nos afasta da oração, todavia? Creio que aevitamos porque, em parte, não rezamos como deverí-amos. Se sua oração for como a minha, certamente eladeve lutar contra inúmeras distrações, como compro-missos agendados, telefonemas a fazer e uma infinida-de de tarefas que precisam ser logo realizadas. Há diasem que tudo parece interferir na minha oração, menosDeus.

Talvez tais distrações devam ser vistas como uma for-ma de nos lembrar que não precisamos fazer coisa al-guma para merecer o amor de Deus. Ele é uma dádiva,livre e incondicional. Como Maria, precisamos apenasdizer ‘sim’ a Seu amor, ou então rejeitá-lo. Mas a idéiade que precisamos ganhar o amor de Deus é inadmissí-vel. Para a maioria de nós, religiosos, essa condição é amais difícil de aceitar. Por quê? Em parte porque nosdesconcertamos diante do amor irrestrito que Deus nosdedica. E o que finalmente nos encoraja a responder aDeus? A certeza de que a necessidade e o anseio quesentimos por Ele supera em muito nosso egoísmo e nos-sos pecados.

Insisto: esse assunto é extremamente sério para nós.Há anos discutimos a necessidade de oração pessoal enossas falhas nessa área. Um levantamento informal dasrazões apresentadas nos últimos dez anos por Irmãosque solicitaram dispensa dos votos demonstra que a fal-ta de vida espiritual é uma das duas justificativas maisfreqüentes. Apenas isso bastaria para não continuarmosa fugir desse problema e encontrar uma solução para ele.

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honestos: será possível convencer alguém de que nãoconseguimos mais do que meia hora por dia para o re-lacionamento que declaramos ser o mais importante denossa vida?

Meus Irmãos, o ativismo, essa necessidade compul-siva de estar sempre sobrecarregado de atividades, quecaracteriza a rotina de muitos Irmãos no Instituto beirao patológico atualmente. Para alguns, essa parece ser aúnica grande ameaça à vida espiritual, e me incluo en-tre aqueles que precisam lutar contra isso.15

Mas por que o ativismo representa tamanha amea-ça?16 Em razão de três elementos que acabam por en-torpecer nosso espírito e nosso coração: o convenci-mento de que tudo depende exclusivamente de nós, aatribuição de uma importância desmedida à competên-cia e à eficiência pessoais e a fuga ao desafio do reco-lhimento na solidão, com a tendência de se preenchercada instante da vida com trabalho ou diversão. Paraum Irmão superocupado, o recolhimento deve ser umaexperiência realmente terrível, pois o obriga ao con-fronto consigo mesmo. É triste dizer isso, mas algunsIrmãos valem-se de qualquer recurso para evitar tal en-frentamento.

ENCONTRANDOA CURA

O Sínodo sobre a Vida Religiosa afirmou nossa im-portância para a Igreja não pelo que fazemos, mas simpor quem somos. No entanto, Basílio observou tam-bém que nosso Instituto aparentemente se destacamais pelo trabalho do que pela oração, e essa obser-vação pode muito bem ainda prevalecer.

Um Provincial me disse recentemente acreditar que,se perguntados, muitos Irmãos de sua Província se di-riam dispostos a despertar uma hora mais cedo para ter-

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Nesse caso, devemos admitir que, embora o Institu-to tenha uma abrangência mundial, nossas palavras eatitudes nem sempre refletem essa realidade. Com mui-ta freqüência, as discussões sobre alguns elementos denosso modo de vida, incluindo a espiritualidade, conti-nuam a refletir o que, na falta de uma definição melhor,poderíamos denominar ‘pensamento ocidental’. Muitasvezes, nosso comportamento e nossa linguagem reve-lam uma convicção tácita – e, em minha opinião, equi-vocada – de que algumas culturas seriam inerentemen-te melhores do que outras.

Entretanto, não estamos sozinhos nesse desejo denos transformar em um Instituto verdadeiramente uni-versal, tanto na teoria quanto na prática. O falecido te-ólogo alemão Karl Rahner sugeriu, há cerca de trintaanos, que a Igreja enfrentou o mesmo desafio na segun-da metade do século XX, ao deixar de ser uma Igreja deuma cristandade apenas ocidental para se transformarem uma Igreja mundial. Continuando nossa reflexãosobre a espiritualidade de Marcelino e uma identidadecontemporânea para seus Irmãozinhos de Maria, esseapelo à universalidade não pode ficar esquecido.

DESENVOLVENDO-SENO ESPÍRITO DE DEUS

Vimos que o relacionamento de Marcelino com oSenhor se desenvolveu ao longo do tempo. No início,ele se disciplinava estabelecendo horários diários eatividades fixas para criar ‘hábitos’ de oração. Com otempo, contudo, atingiu tal nível em seu relaciona-mento com Jesus que acabou se tornando sua segun-da natureza.

Mas, além de abraçar o Mistério Pascal e de adotarhábitos da oração pessoal e da integridade na vida moral,

O MUNDO DE MARCELINOE O NOSSO

Marcelino Champagnat é santo não por seus própriosméritos, mas principalmente porque acolheu a graçade Deus em seu coração, onde criou raízes e flores-ceu. Foi o que sugeriu quando escreveu em seu Tes-tamento Espiritual: “Para viver como bom religioso,exige-se sacrifício; mas a graça suaviza tudo”.

Como aconteceu com Marcelino, Jesus deve estarantes e acima de tudo em nossas vidas. A natureza úni-ca de nosso modo de vida sempre foi a profissão públi-ca de viver plena e radicalmente a Boa Nova de JesusCristo como o motivo de nossa existência.

Desde sua fundação em 1817, o mundo Marista vemcrescendo em complexidade. Atualmente, por exem-plo, o Instituto se encontra em 77 países e congrega Ir-mãos das mais diferentes culturas. Os idiomas, costu-mes e tradições se diversificam de uma nação para ou-tra e, às vezes, dentro do próprio país. Evidentemente,essa condição deve ser levada em conta em qualquerdiscussão atual sobre nossa identidade e a espiritualida-de de Marcelino.

O interesse pela espiritualidade ecológica, por exem-plo, tem crescido ultimamente em algumas partes domundo. No futuro, talvez tenhamos de considerar a con-tribuição que esta linha de espiritualidade poderá trazer ànossa visão do modo de Marcelino nos conduzir a Deus.

Ao fazer isso, porém, precisamos também ter emmente que a concepção de ecologia recebe uma forteinfluência cultural. Portanto, qualquer discussão eficazdeverá sempre levar em consideração a concepção deecologia tanto nas culturas tradicionais quanto nas tra-dições religiosas asiáticas e em uma grande variedadede culturas contemporâneas.

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para uma terra estrangeira, o filho mais jovem negou aopai o exercício de seu direito. Esse filho pecou não tan-to por sua vida dissipada em lugares longínquos, masporque figuradamente desejou a morte do pai.17

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que outras práticas Jesus recomendou e nosso Fundadorcumpriu para desenvolver uma vida espiritual saudável?Podemos reconhecer três em especial: a paixão pela jus-tiça, um coração generoso e o envolvimento com umacomunidade histórica de fé. Apresento em seguida umabreve consideração sobre cada uma delas.

O reconhecimento de que a promoção de justiçapara os pobres ocupa o primeiro lugar na relação deatitudes essenciais que desenvolvem a vida espiritualnão deve mais nos surpreender. Para Jesus, havia doismandamentos básicos: amar a Deus e amar ao próxi-mo. Em Mateus 25, anuncia categoricamente que se-remos julgados pela maneira como tratamos os po-bres, que por sua vez sempre equivalerá à maneira co-mo O tratamos.

Engana-se quem pensa ser possível o relaciona-mento com Deus sem que igualmente cuidemos daspessoas mais fracas da sociedade e sem examinar im-placavelmente como nosso modo de vida contribuipara sua condição. Uma genuína espiritualidade nãopode ser excluída das preocupações pelas pessoas em-pobrecidas e pelas necessidades para a construção deuma sociedade justa.

Um coração generoso é outro importante elementona vida espiritual. Afinal, ser santo é transbordar de ge-nerosidade. É possível deduzir, então, que apenas cora-ções generosos poderão transformar espiritualmentenosso mundo. A parábola do Filho Pródigo ilustra bemesse ponto. Os dois filhos estavam ‘distantes da casa deseu pai’, um por infidelidade e fraqueza, e o outro emrazão da amargura e do despeito.

De acordo com os costumes da época, cada filho ti-nha direito à sua parte da herança, mesmo enquanto opai estivesse vivo. Mas, nesse caso, o pai também tinhadireito sobre todos os resultados obtidos pelos espóliosdos filhos. Ao exigir sua parte da herança e se mudar

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Referiu-se principalmente à fé e à impressionante cora-gem demonstradas durante o período em que o assistiuno hospital até sua morte em decorrência de um câncer.

A vida e a morte do Cardeal nos recordam que o tes-temunho pessoal pode ainda constituir um poderosoinstrumento de promoção da mensagem de Jesus Cris-to. O que fica logo evidente é que todos sabiam que Jo-seph Bernardin, antes e acima de tudo, era sacerdote.Nossa identidade primária como religiosos e Irmãos de-veria ser no mínimo assim tão clara para nós mesmos epara os outros com quem convivemos.18

A Palavra de Deus é o melhor ponto de partida paraquem deseja crescer em sua vida pessoal de oração e,portanto, em intimidade com o Senhor. Qualquer tem-po dedicado à oração com o Antigo e Novo Testamen-tos será muito proveitoso.

Reservar um período diário para a oração pessoal,desde que tratado como um compromisso absoluta-mente compulsório, também representa grande ajuda.Eu, por exemplo, tenho consciência de que, se não re-servar um tempo de oração pessoal pela manhã, asoportunidades de fazê-la depois ficarão bastante redu-zidas. De noite estou tão cansado e meu dia é de tal mo-do diversificado que dificilmente conseguiria um tempomaior para a oração pessoal. Portanto, organizo-me le-vando em conta essas circunstâncias.

A oração em comunidade é outro momento diárioimportante em que a intimidade com Jesus Cristo sefortalece. Nesse caso, porém, o desafio é quase sempremaior do que aquele da oração pessoal. Isso ocorre emrazão das diferenças de personalidade, idade e expe-riências de formação que existem entre nós. A diversi-dade das compreensões acerca da origem e da naturezadas orações realizadas em comum é outro fator impor-tante a ser considerado.

O filho mais velho, porém, não agiu melhor. Ele fezas coisas certas pelas razões erradas. Não havia genero-sidade e regozijo em seu coração. Jesus nos aconselha anão imitar nenhum dos dois filhos, mas nos encoraja aadotar o coração generoso e compassivo do pai.

Finalmente, a espiritualidade apresenta uma dimen-são pessoal e outra comunitária. Deus nos lança seuapelo não apenas individualmente, mas como grupo.Alguns Irmãos consideram difícil aceitar isso. QueremDeus, mas não instituições como a Igreja, pois sua hu-manidade e pecabilidade os perturba. Contudo, a bus-ca por Deus deve assumir uma dimensão comunitária,não podendo jamais ser reduzida a um projeto indivi-dual. Vale lembrar que também somos parte dessa Igre-ja plenamente humana e pecadora, ela que muitas vezesé objeto de nossas críticas.

ALGUMAS APLICAÇÕES PRÁTICAS

Novamente você poderia considerar que tudo estábastante claro até aqui. Mas como toda essa conversasobre espiritualidade, paixão, Marcelino e renovaçãopode se concretizar? Permitam-me, então, sugerir al-gumas aplicações práticas. Como vimos, entre as con-gregações que viveram um ou dois renascimentos aolongo de sua história, fica sempre evidente um fatorcomum: seus membros iniciaram uma profundatransformação de coração, renovando sua vida de fé ecentrando-a ainda mais em Jesus Cristo. É esse, por-tanto, o ponto crucial: o aspecto mais importante denossa identidade como Irmãos é nossa identidade es-piritual.

Ellen Gaynor, OP, serviu como médica oncologistado Cardeal Bernardin (de Chicago, Illinois), recente-mente falecido. Ela escreveu com grande comoção so-bre o impacto que o Cardeal representou em sua vida.

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acontecimentos que a envolvem no contexto de umabreve história da oração comunitária dos institutos reli-giosos desde o tempo dos Padres do Deserto até os diasde hoje. Terminada essa tarefa, talvez fique mais fácilassumir um modo de celebrar diariamente em comuni-dade a presença amorosa de Deus entre nós.

UMA BREVE HISTÓRIADA ORAÇÃO EM COMUNIDADE

Em rápidas pinceladas, começaremos essa revisão so-bre a evolução da oração em comunidade das congre-gações religiosas a partir das comunidades benediti-nas da Idade Média. Seus membros eram devotadosao Ofício Divino que, naquela época, consistia nocanto dos Salmos, intercalado por leituras dos Padresda Igreja.

Entre os séculos X e XI, no entanto, a Eucaristia –então elevada à posição de suprema importância entretodas as orações da Igreja – usurpou a posição privile-giada do Ofício Divino e passou a ocupar o centro davida monástica. Surgidos no cenário durante a IdadeMédia Alta, os cistercienses e os beguinos foram bas-tante revolucionários em sua visão de oração pessoal ecomunitária e de espiritualidade. Destacavam a inten-ção subjacente à oração formal. Seu ‘misticismo afeti-vo’, como era chamado, finalmente incluiu um grandenúmero de validações místicas de oração, tais como le-vitações, transes e estigmas.

Inácio de Loyola desenvolveu, no decorrer do sé-culo XVI, uma nova técnica de meditação estrutura-da que convergia para a vida de Cristo e as grandesverdades da fé. Sua contribuição produziu grandesmudanças no tipo de oração praticada pelos membrosde muitas congregações religiosas. No lugar de enfa-tizar a recitação do Ofício Divino ou a contemplação

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Em sua forma e freqüência, a oração em comunida-de na vida consagrada foi estabelecida de acordo com arealidade concreta dos religiosos de uma determinadaépoca. Essa situação é tão verdadeira para a vida reli-giosa em geral quanto para a de nosso Instituto. Muitasvezes, o catalisador da evolução da oração comunitáriatem sido algum Capítulo Geral com orientações especí-ficas, um desenvolvimento na Igreja em geral ou aspressões que emergem do ministério em uma determi-nada época.

Infelizmente, as preocupações mais importantes sãoàs vezes as menos influentes. Algumas delas podem,porém, incomodar bastante uma comunidade, que sepergunta quais seriam as melhores formas de louvar eamar a Jesus em comum.

Talvez você tenha ficado preocupado ao ler o pará-grafo anterior. Afinal, a lógica pode sugerir que talprocesso, ao se valer desse tipo de questionamento co-mo meio para organizar a oração comunitária, podeprovocar um número interminável de formas e estilos.E aí nossa imaginação é logo assaltada pelo receio dese criar uma confusão como a que se instalou na Torrede Babel!

No entanto, nossas Constituições e as ricas tradiçõesdo Instituto podem nos orientar. Nesse caso, entretan-to, muitos Irmãos talvez precisem refrescar um pouco amemória antes de sugerir alguma idéia para a comuni-dade. Para ajudar na reflexão sobre a oração comunitá-ria, contamos também com a experiência cotidiana denosso apostolado, da própria comunidade e de outrossetores da vida. Podemos ainda nos valer do conheci-mento sobre a evolução da oração em comunidade dereligiosos e religiosas ao longo da história.

Vamos, pois, reservar alguns minutos para analisar aevolução da oração em comunidade e entender os

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mística, Inácio levou seus confrades Jesuítas a execu-tarem os ‘Exercícios Espirituais’, fundamentados emmeditação discursiva, durante seu retiro anual. Paratanto, eram ativadas as capacidades de memória, ra-ciocínio e vontade.

Essas práticas passaram a se tornar muito popularesentre os membros de numerosas congregações emer-gentes. Muitas delas, fundadas no século XIX, adota-ram a prática do retiro anual de Inácio e fizeram da me-ditação a base de sua oração em comunidade. Reflexõ-es organizadas a partir de pontos ou temas pré-selecio-nados substituíram o misticismo afetivo tão popular nosprimeiros tempos. Para aqueles Irmãos formados antesdo Concílio Vaticano II, a forma estruturada de medi-tação de Inácio soará muito familiar, pois foi um dosprincipais métodos que nos foi ensinado.

No período do século XIX, muitos novos institutosapostólicos abandonaram o Ofício Divino. Em seu lu-gar surgiram inúmeras orações devocionais, como o ro-sário, as novenas, as orações matinais e vesperais e as la-dainhas. Tais práticas refletiam o que então ocorria emtoda a comunidade católica. Mas por que optar pelasorações devocionais em lugar do Ofício Divino? Em-bora uma explicação completa envolva muitas razões,fato é que o Ofício não era de uso tão comum, em par-te porque sua recitação completa interferia demais nacapacidade do grupo em realizar seu apostolado. Mui-tos consideravam que não era possível atender adequa-damente às tarefas de ensino ou enfermagem, por exem-plo, tendo de interrompê-las em intervalos de tempo re-gulares para acompanhar a oração em comunidade.

Nessa época, infelizmente, a oração mística ou con-templativa caiu em desuso, e as pessoas que a aspiravampassaram a ser consideradas arrogantes. A contempla-ção ficou então reservada a um pequeno grupo da eliteespiritual. Essa noção equivocada nos empobreceu co-

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mo Igreja. Se nós, como religiosos apostólicos, devemosser contemplativos na ação, precisamos, de acordo comessa autodefinição, ser tão dedicados à contemplaçãocomo à ação.

O estilo e a forma da oração em comunidade exis-tentes no nosso Instituto e em outros, portanto, evo-luíram ao longo da história. Emergiram livremente daprática diária da Igreja na seqüência desse processo.Agora, quando refletimos sobre a espiritualidade deMarcelino e nos empenhamos em alcançar uma oraçãoem comunidade apropriada e vivificadora para umInstituto do tamanho e com o alcance do nosso, preci-samos recordar a história da oração em comunidadena vida religiosa.

Ainda mais importante, porém, é compreendermosas origens de nossa própria oração em comunidade. Sóassim será possível avaliar as diversas maneiras inova-doras de louvar a Deus que surgiram na comunidadeeclesial em anos mais recentes e verificar como podemcontribuir na tarefa de renovar a oração em comunida-de em um Instituto multicultural.

A ORAÇÃO COMUNITÁRIA MARISTA

Como a oração em comum de todos os institutos reli-giosos, a nossa tem uma história própria. Alguns recor-darão, por exemplo, os tempos em que o “PequenoOfício da Santíssima Virgem”, recitado em latim, erautilizado como texto de oração. Hoje em dia, é difícilaté mesmo encontrar um exemplar dessa publicação.

Todos sabemos que cantar e recitar a Salve Reginano início e no final de cada dia não era um hábito nosprimeiros tempos, pois foi apenas em 1830 que Marce-lino incluiu essa prática. A ‘segunda’ Revolução Fran-cesa começava então sua marcha e o Fundador, em sua

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Atualmente, há muitas novas iniciativas sendo empre-endidas pelo Povo de Deus em suas manifestaçõesorantes.

E, por fim, precisamos respeitar as diferenças cultu-rais. Mesmo nos limites de nossas atuais Constituições,a oração comunitária pode não ser organizada da mes-ma forma em todas as partes do mundo. Todavia, se forfiel a Marcelino e a seu sonho, com certeza terá o mes-mo espírito.

ALGUNS DESTAQUES CONCLUSIVOS

Bem, chegamos ao final dessa Circular. Não devemosesquecer, contudo, que o Instituto continua a enfren-tar algumas tarefas formidáveis e alguns desafioscomplexos na emergência de um tempo que se mos-tra tão abençoado quanto penoso. O trabalho à nossafrente não exigirá menos do que já foi exigido parachegarmos até aqui: mentes abertas, disposição parasuperar visões ideológicas desagregadoras e muito sa-crifício.

grande devoção a Maria, instituiu a Salve Regina parapedir a proteção de Maria para sua jovem comunidadede Irmãos durante o período de revolta civil.

O Irmão Luís Maria, terceiro Superior Geral, foiquem provavelmente deu origem às invocações que re-citamos todas as manhãs, preocupado que estava emgarantir uma viagem segura para os Irmãos que partiamà África do Sul levando o Instituto. Pelo que sabemos,os Irmãos que fundaram essa Província – que celebrouseu centésimo aniversário antes da reestruturação –chegaram ao seu destino sem qualquer problema! Masas invocações recitadas com tanto fervor pelos Irmãos,seus contemporâneos, para pedir uma viagem seguracontinuaram a fazer parte da oração da manhã de mui-tas de nossas comunidades até hoje.

UMA PALAVRA FINAL SOBREORAÇÃO PESSOAL E COMUNITÁRIA

Marcelino sabia que a espiritualidade que manifesta-mos na oração pessoal e em comunidade inscreve-seno núcleo de nossas vidas como Irmãozinhos de Ma-ria. Sem elas, logo nos desviamos dos ideais de nossomodo de vida. A oração pessoal deve ser o poço onderegularmente saciamos nossa sede.

A oração em comum era, para Marcelino, igualmenteimportante. Para repensá-la e renová-la, porém, é precisocorrer alguns riscos. Primeiro, o de partilhar com os ou-tros Irmãos da comunidade algo que diz respeito a meurelacionamento com Jesus. Se você e eu queremos encon-trar modos novos e satisfatórios de orar a Deus, precisa-mos partilhar algo de nossa espiritualidade pessoal comos outros, por mais que isso seja difícil para alguns.

Em seguida, devemos tomar conhecimento dasorientações da Igreja quanto à oração comunitária.

“Amar a Deus,”insistiu,

“amar a Deus e trabalhar

para torná-loconhecido

e amado, essa deve ser

a vida do Irmão”.

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PERGUNTAS PARA REFLEXÃOComo vimos, essa Circular discute de modo especial um

dos aspectos mais importantes da nossa identidade de Irmão-zinhos de Maria. Os membros do 20.º Capítulo Geral nosdesafiaram a “centrar apaixonadamente nossas vidas e nossascomunidades em Jesus Cristo, como Maria. E, para isso, efe-tivar processos de crescimento humano e de conversão”.

Sua mensagem é desafiadora, mas também plena de júbi-lo. Pois é exatamente esse júbilo que precisa se tornar bem vi-sível hoje em nossa vida e em nossa missão de discípulos deMarcelino. Como me disse um Irmão recentemente: “Não se-ria maravilhoso chegarmos ao fim de nossa vida Marista econcluirmos que não houve mérito algum nisso, pois para nósfoi tudo tão prazeroso?”

Meus Irmãos, devemos ficar alerta, pois o desafio que seapresenta é evidente. Temos, no entanto, todas as condiçõespara superá-lo. Afinal, não é sempre o mesmo desafio desdenossa fundação no dia 2 de janeiro de 1817? Marcelino nosfalou com muita simplicidade: “Amar a Deus,” insistiu,“amar a Deus e trabalhar para torná-lo conhecido e amado,essa deve ser a vida do Irmão”. Ao definir assim nossa voca-ção, estava nos recordando que a alma de nossa identidadecomo Irmãozinhos de Maria, hoje como ontem, está em JesusCristo e em Sua Boa Nova, antes e acima de tudo.

Seán Sammon, FMSSuperior General

REFLECTION QUESTIONS

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conversar com outra pessoa que também tenha feito essa reflexão. Essasanotações podem lhe valer durante essa conversa, ou mesmo quando vo-cê quiser conferir o fruto de suas reflexões.

REFERÊNCIAS

1 Catherine de Vinck, A time to gather: selected poems. Comber-mer, Ontario: Alleluia Press, 1967 e 1974.

2 Burnand, Eugène (1850-1921). Les disciples Pierre et Jean cou-rant au sépulcre le matin de la Resurrection. Musée d’Orsay:Paris, acquis en 1898.

3 John Padberg, SJ. In Felknor (Ed.) The Crisis in Religious Vo-cations: an inside view. New York: Paulist:, 1989.

4 Atas do 20.º Capítulo Geral. Instituto dos Irmãos Maristas dasEscolas. Casa Geral. Roma, 2002.

5 Documento do 20.º Capitulo Geral, Instituto dos Irmãos Ma-ristas, Escolhamos a vida, Roma, 13 de outubro de 2001.

6 Relatório da Comissão sobre Oração, Apostolado e Comuni-dade, in Relatório Geral do 17.º Capítulo Geral, Irmãos Maris-tas das Escolas, Roma, setembro/outubro de 1976.

7 Cf. Testamento Espiritual do Padre Marcelino Champagnat, inConstituições e Estatutos dos Irmãos Maristas das Escolas, Ro-ma, 1993.

8 Austin Flannery, O.P. (Ed.). The Basic Sixteen Documents: Va-tican Council II. Costello Publishing Company, 1996.

9 Bruce Lescher in Meister, Michael, FSC. Blessed Ambiguity:Brothers in the Church. Christian Brothers Conference, 1993.

10 Relatório Geral do 17.º Capítulo Geral, op. cit.11 Furet, Jean-Baptiste. Sentences, Leçons, Avis du Vénéré Père

Champagnat. Imprimerie de Ve J. Nicolle : Lyon 1868.12 Ronald Rolheiser, OMI. The Holy Longing: The Search for

Christian Spirituality. New York: Doubleday, 1999. 13 Bernard Lonergan, SJ. Method in Theology. London: Herder

and Herder, 1972.14 Johnson, Elizabeth, CSJ. Truly our Sister: A Theology of Mary

in the Communion of Saints. New York: Continuum, 2003.15 Ronald Rolheiser, OMI, Against an Infinite Horizon: the Fin-

ger of God in our Everyday Lives. New York, Crossroad, 2001.16 Ibid.17 For further detail see Henri Nouwen. The Return of the Pro-

digal Son: A Story of Homecoming. New York, Image Books,

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PERGUNTAS PARA REFLEXÃO

1. Que aspectos da espiritualidade de Marcelino oatraem e o entusiasmam? Esses aspectos estão pre-

sentes em sua espiritualidade? Em caso afirmativo, deque formas?

2. Que aspectos da espiritualidade de Marcelino o per-turbam ou não o entusiasmam? Se possível, seja es-

pecífico e tente registrar por escrito as razões pelas quaisesses aspectos não o atraem.

3. Que recompensas você recebe e que dificuldadessente em suas experiências de oração pessoal e em

comunidade? O que já leu sobre Marcelino e sua espiri-tualidade que lhe deu condições para enfrentar e superarsatisfatoriamente essas dificuldades? Em caso afirmativo,como isso aconteceu?

4. As discussões sobre oração comunitária podemmuitas vezes provocar desentendimentos e cons-

tranger relacionamentos — exatamente o resultado opos-to ao que se espera de uma vida de oração em comum.Tente pensar durante alguns minutos e responda: Qualseria a forma ideal de uma experiência de oração em co-mum para sua comunidade hoje, levando em conta as di-ferenças de idade, personalidade, cultura e concepçõesde vida religiosa? Como isso pode ser discutido commaior liberdade em sua comunidade? Que resultados vo-cê espera dessa discussão?

5.Quem é Maria para você hoje? Como a imagem quevocê tinha de Maria mudou, se for esse o caso, des-

de o tempo de sua formação inicial?

Observação: Encontre um lugar sossegado onde você possa pensar nessasperguntas. Faça isso em um momento de recolhimento. Pegue um bloco deanotações e uma caneta ou lápis e anote todos os pensamentos, sentimentose intuições que julgar importantes. Considere em seguida a possibilidade de

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