Redalyc.SOCIEDADE CIVIL NO BRASIL: …franciscoqueiroz.com.br/portal/phocadownload/textos/GOHN....

12
Disponible en: http://redalyc.uaemex.mx/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?iCve=105117734013 Redalyc Sistema de Información Científica Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal Glória Gohn, Maria da SOCIEDADE CIVIL NO BRASIL: MOVIMENTOS SOCIAIS E ONGS NÓMADAS (COL), núm. 20, 2004, pp. 140-150 Universidad Central Bogotà, Colombia ¿Cómo citar? Número completo Más información del artículo Página de la revista NÓMADAS (COL) ISSN (Versión impresa): 0121-7550 [email protected] Universidad Central Colombia www.redalyc.org Proyecto académico sin fines de lucro, desarrollado bajo la iniciativa de acceso abierto

Transcript of Redalyc.SOCIEDADE CIVIL NO BRASIL: …franciscoqueiroz.com.br/portal/phocadownload/textos/GOHN....

Disponible en: http://redalyc.uaemex.mx/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?iCve=105117734013

RedalycSistema de Información Científica

Red de Revistas Científicas de América Latina, el Caribe, España y Portugal

Glória Gohn, Maria da

SOCIEDADE CIVIL NO BRASIL: MOVIMENTOS SOCIAIS E ONGS

NÓMADAS (COL), núm. 20, 2004, pp. 140-150

Universidad Central

Bogotà, Colombia

¿Cómo citar? Número completo Más información del artículo Página de la revista

NÓMADAS (COL)

ISSN (Versión impresa): 0121-7550

[email protected]

Universidad Central

Colombia

www.redalyc.orgProyecto académico sin fines de lucro, desarrollado bajo la iniciativa de acceso abierto

NÓMADAS140

* Dra em Ciência Política FFCHL/UNIVERSIDADE de São Paulo. (1983).Pós/Doutoramento: Sociologia- New School of University, New York, 1996-1997, com oProf. Dr Andrew Arato. Profa Titular da Faculdade de Educação da UNICAMP -Disciplina “Movimentos Sociais e Educação”.Coordenadora do GEMDEC-Núcleo deEstudos sobre Movimentos Sociais, Educação e Cidadania/FE/Unicamp e PesquisadoraI do CNPq. Secretária Executiva do Research Committee “Social Movements andSocial Classes” da Associação Internacional de Sociologia e Membro do ConselhoInternacional do Instituto Paulo Freire. E-mail: [email protected]

Este trabajo tiene como objetivo realizar una evaluaciónsobre las últimas décadas del proceso de participación de lasociedad civil en la construcción de ciudadanía entre losbrasileños –en especial en los sectores populares– a travésde movimientos sociales, ONGs y otras formas deasociativismo, como los foros, las plenarias populares y losconsejos de gestión pública. Como resultado se presentan –luego de la delimitación teórico-metodológica de la categoría‘movimiento social’– los rasgos básicos de un nuevoasociativismo y se marcan diferencias en el universo de lasONGs. Posteriormente, el texto describe el escenario actualde los principales tipos de movimientos sociales de Brasil.

This paper presents an analysis of the process of socialparticipation in the Brazilian civil society, considering thesocial movements, NGOs and other forms of association,as forums, popular plenaries and counsels of publicadministration. It presents a discussion on social movementconcept, the difference between social movements andNGOs and the basic characteristics of the new associativismin Brazil. The document also shows a mapping of currentsocial movements in Brazil.

Palabras clave: Movimientos sociales, ONGs, nuevoasociativismo, tercer sector, ciudadanía, Brasil.

SOCIEDADE CIVILNO BRASIL:

MOVIMENTOSSOCIAIS E ONGS

Maria da Glória Gohn*

141NÓMADAS

Consideraçõespreliminares: o que sãomovimentos sociais

Desde logo é preciso demarcar-mos nosso entendimento sobre o quesão movimentos sociais: nós os ve-mos como ações sociais coletivas decaráter sociopolítico e cultural queviabilizam distintas formas da popu-lação se organizar e expressar suasdemandas. Na ação concreta, essasformas adotam diferentes estratégi-as, que variam da simples denúncia,passando pela pressãodireta (mobilizações, mar-chas, concentrações, pas-seatas, distúrbios à ordemconstituída, atos de deso-bediência civil, negocia-ções etc.), até as pressõesindiretas. Na atualidade,os principais movimentossociais atuam por meio deredes sociais, locais, regi-onais, nacionais e interna-cionais, e utilizam-se muitoos novos meios de comuni-cação e informação, comoa internet. Por isso, exerci-tam o que Habermasdenominou como o agircomunicativo. A criação eo desenvolvimento de no-vos saberes são produtosdessa comunicabilidade.

Na realidade históri-ca, os movimentos sempreexistiram e cremos que sempre exis-tirão. Isto porque eles representamforças sociais organizadas, porqueaglutinam as pessoas não como for-ça-tarefa de ordem numérica, mascomo campo de atividades e deexperimentação social, e essas ati-vidades são fontes geradoras decriatividade e inovações sociocul-turais. A experiência da que eles

são portadores não advém de for-ças congeladas do passado, emboraeste tenha importância crucial aocriar uma memória que, quandoresgatada, dá sentido às lutas dopresente. A experiência se recriacotidianamente, na adversidade desituações que enfrentam. Concor-damos com antigas análises deTouraine quando afirmou que osmovimentos são o coração, o pulsarda sociedade. Eles expressam ener-gias de resistência ao velho que osoprime ou de construção do novo

que os liberte. Energias sociais an-tes dispersas são canalizadas epotencializadas por meio de suaspráticas em “fazeres propositivos”.

Os movimentos realizam diag-nósticos sobre a realidade social,constróem propostas. Atuando emredes, constróem ações coletivas

que agem como resistência à exclu-são e lutam pela inclusão social. Elesconstituem e desenvolvem o cha-mado ‘empowerment’ de atores dasociedade civil organizada à medi-da que criam sujeitos sociais paraessa atuação em rede. Tanto osmovimentos sociais dos anos 80como os atuais têm construído re-presentações simbólicas afirmativaspor meio de discursos e práticas. Elescriam identidades a grupos antesdispersos e desorganizados, comobem já acentuou Melluci (1994).

Ao realizarem estas ações,projetam, em seus partici-pantes, sentimentos depertencimento social.Aqueles que eram exclu-ídos de algo passam a sen-tir-se incluídos em algumtipo de ação de um gru-po ativo.

No início deste novomilênio, os movimentossociais estão retornando ácena e á mídia. Neles desta-cam-se quatro pontos:

1o - As lutas de defesadas culturas locais, contraos efeitos devastadores daglobalização. Eles estãoajudando na construçãode um novo padrão civi-lizatório orientado para oser humano e não para omercado, como querem as

políticas neoliberais de caráterexcludente. Um outro papel impor-tante a ser destacado nos movimen-tos atuais é o resgate que eles estãooperando, do caráter e sentido dascoisas públicas (espaços, instituições,políticas etc.).

2o - Ao reivindicarem ética napolítica e, ao mesmo tempo, exerce-rem vigilância sobre a atuação esta-

Saturnino Ramírez, Tiempo, mixta/papel, 1977

NÓMADAS142

tal/governamental, eles orientam aatenção da população para o que de-veria ser dela e está sendo desviado;para o tratamento particular que su-postamente estaria sendo dado a algoque é um bem público, como os im-postos arrecadados da populaçãoestariam sendo mal gerenciados etc.

3o - Os movimentos têmcoberto áreas do cotidianode difícil penetração poroutras entidades ou insti-tuições do tipo dos partidospolíticos, sindicatos ouigrejas. Assim, aspectos dasubjetividade das pessoas,relativos a sexo, crenças,valores etc. têm encontra-do vias de manifestaçãoporque o grau de tolerân-cia é alto na maioria dosmovimentos sociais. Masnão podemos deixar de ladoou ignorarmos que intole-rância também existe e elatêm estado presente emmovimentos fanático/religi-osos ou no ressurgimentode movimentos nacionalis-tas, com suas ideologias nãodemocráticas, geradoras deódios e guerras.

4o - Os movimentosconstruíram um entendi-mento sobre a questão daautonomia, diferente doque existia nos anos 80.Atualmente, ter autonomianão é ser contra tudo e todos, estarisolado ou de costas para o Estado,atuando à margem do instituído. Terautonomia é, fundamentalmente,ter projetos e pensar os interesses dosgrupos envolvidos com autode-terminação; é ter planejamento es-tratégico em termos de metas eprogramas; é ter a crítica mas tam-bém a proposta de resolução parao conflito em que estão envolvidos;

é ser flexível para incorporar os queainda não participam mas tem odesejo de participar, de mudar ascoisas e os acontecimentos da for-ma como estão; é tentar sempre daruniversalidade às demandas parti-culares, fazer política vencendo osdesafios dos localismos; ter auto-

nomia é priorizar a cidadania,construindo-a onde não existe, res-gatando-a onde foi corrompida. Fi-nalmente, ter autonomia é terpessoal capacitado para represen-tar os movimentos nas negociações,nos fóruns de debates, nas parceri-as de políticas públicas (é grande onúmero de militantes/assessores demovimentos, advindos de ONGs,que tem adentrado aos programas de

pós-graduação da academia. Resul-ta também que vários deles, após qua-lificados, tornam-se professoresuniversitários e voltam-se inteira-mente para a academia, ficando o mo-vimento apenas como “objeto” deestudo e pesquisas. As ONGs per-manecem como estágios laboratoriais

de iniciação participativaestando sempre compos-tas, majoritariamente, poriniciantes).

1. A dança dosconceitos e asnovas formas deassociativismo

O associativismo pre-dominante nos anos 90não deriva de processos demobilização de massas,mas de processos de mo-bilizações pontuais. Quala grande diferença? Noprimeiro caso, a mobili-zação se faz a partir denúcleos de militantes quese dedicam a uma causaseguindo as diretrizes deuma organização. No se-gundo, a mobilização se faza partir do atendimento aum apelo feito por algumaentidade plural, funda-mentada em objetivos hu-manitários. Pode ser uma

organização internacional (Anistia,Greenpeace), nacional (Campanhacontra a Fome) ou local. Mas emtodos os casos é no local que se de-senvolvem as formas de mobilizaçãoe sociabilidade. Este tipo de associa-tivismo não demanda dos indivídu-os obrigações e deveres permanentespara com uma organização. E amobilização se efetua independen-temente de laços anteriores de

Saturnino Ramírez, Amarillo café, 35 x 25 cm,litografía/papel, 1986

143NÓMADAS

pertencimento, o que não ocorrecom o associativismo de militânciapolítico-ideológica. Em suma, o novoassociativismo é mais propositivo,operativo e menos reivindicativo,produz menos mobilizações ou gran-des manifestações, é mais estratégi-co. O conceito básico que dáfundamento às ações desse novoassociativismo é o de ‘participaçãocidadã’.

Na Participação Cidadã, a ca-tegoria central deixa de ser a co-munidade ou o povo e passa a sera sociedade. “A participação pre-tendida não é mais a de grupos ex-cluídos por disfunção do sistema(comunidades) nem a de gruposexcluídos pela lógica do sistema(povo marginalizado), e sim a doconjunto de indivíduos e grupossoc ia i s , cu ja d iver s idade deinteresses e projetos integra acidadania e disputa com igual le-gitimidade espaço e atendimentopelo aparelho estatal” (vide Car-valho, 1995: 25). Trata-se depráticas que rompem com uma tra-dição de distanciamento entre aesfera onde as decisões são toma-das e os locais onde ocorre aparticipação da população. O con-ceito de ‘participação cidadã’ estálastreado na universalização dosdireitos sociais, na ampliação doconceito de cidadania e numanova compreensão sobre o papel eo caráter do Estado, remetendo adefinição das prioridades nas po-líticas públicas a partir de um de-bate público. A participação éagora concebida como interven-ção social periódica e planejada,ao longo de todo o circuito de for-mulação e implementação de umapolítica pública, porque toda aênfase passa a ser dada nas políti-cas públicas. Portanto, não será

apenas a sociedade civil a grandedinamizadora dos canais de par-ticipação, mas as políticas públi-cas também têm papel importante.A principal característica destetipo de participação é a tendên-cia à institucionalização, enten-dida como inclusão no arcabouçojurídico institucional do Estado,a partir de estruturas de represen-tação criadas e compostas por re-presentantes eleitos diretamentepela sociedade de onde eles pro-vém. Os conselhos gestores, a se-rem tratados adiante, são osmaiores exemplos. Isto implica aexistência do confronto (que sesupõe democrático) entre diferen-tes posições político-ideológicas eprojetos sociais. Todas as deman-das são, em princípio, tidas comolegítimas. Os novos sujeitos polí-ticos se constróem por meio de in-terpelações recíprocas.

A Participação Cidadã é las-treada num conceito amplo de ci-dadania, que não se restringe aodireito ao voto mas ao direito àvida do ser humano como umtodo. Por detrás dele há um ou-tro conceito, de cultura cidadã,fundado em valores éticos univer-sais, impessoais. A ParticipaçãoCidadã funda-se também numaconcepção democrática radicalque objetiva fortalecer a socieda-de civil no sentido de construir ouapontar caminhos para uma novarealidade social, sem desigualda-des nem exclusões de qualquernatureza. Busca-se a igualdademas reconhece-se a diversidadecultural. Há um novo projetoemancipatório e civilizatório pordetrás dessa concepção que temcomo horizonte a construção deuma sociedade democrática e seminjustiças sociais.

A Participação Cidadã envolvedireitos e deveres (diferentementeda concepção neoliberal de cidada-nia que exclui os direitos e só des-taca os deveres, vendo o cidadãocomo um mero cliente de um mer-cado ou um usuário de um serviçoprestado); os deveres, na perspecti-va cidadã, articulam-se à idéia decivilidade, a concepção republica-na de cidadão.

A sociedade civil organizadaé vista como parceira permanen-te na Participação Cidadã. A cha-mada “comunidade” é tratadacomo um sujeito ativo e não comocoadjuvante de programas defini-dos de cima para baixo. A parti-cipação passa a ser concebidacomo uma intervenção social pe-riódica e planejada, ao longo detodo circuito de formulação eimplementação de uma políticapública. Para que venha a ocor-rer a Participação Cidadã, ossujeitos de uma localidade/comu-nidade precisam estar organiza-dos/mobilizados de uma forma queideários múltiplos fragmentadospossam ser articulados.

Destaca-se ainda, nos anos 90, aconstrução de outros novos concei-tos como os de cidadania planetária,sustentabilidade democrática etc.(vide Sousa Santos, 2000; Scherer-Warrem, 1999; Gohn, 2001). Essesconceitos preconizam que se deverespeitar as diferenças culturais (osvalores, hábitos e comportamentos, degrupos e indivíduos, pertencentes auma sociedade globalizada pela eco-nomia e pelas múltiplas interaçõesmediáticas dadas pela TV, internet eoutros). Na realidade, os novos con-ceitos foram gerados no interior deoutros movimentos sociais tais como‘Ética na Política’.

NÓMADAS144

2. Movimentos sociaisno Brasil:manifestações naatualidade

No Brasil e em vários outrospaíses da América Latina, no finalda década de 70 e parte dos anos80, ficaram famosos os movimen-tos sociais populares articulados porgrupos de oposição ao então regi-me militar, especialmente pelosmovimentos cristãos de base, sob ainspiração da Teologia da Liberta-ção. Ao final dos anos 80 e aolongo dos anos 90, o cenário so-ciopolítico se transformou radical-mente. Inicialmente teve-se umdeclínio das manifestações nas ruas,que conferiam visibilidade aos mo-vimentos populares nas cidades.Alguns analistas diagnosticaramque eles estavam em crise porquehaviam perdido seu alvo e inimigoprincipal, o regime militar. Na rea-

lidade, as causas da desmobilizaçãosão várias. O fato inegável é que osmovimentos sociais dos anos 70/80contribuíram decisivamente, viademandas e pressões organizadas,para a conquista de vários direitossociais novos, que foram inscritosem leis na nova Constituição bra-sileira de 1988.

A partir de 1990 ocorreu osurgimento de outras formas de or-ganização popular, mais institucio-nalizadas, como a constituição deFóruns Nacionais de Luta pelaMoradia, pela Reforma Urbana;Fórum Nacional de ParticipaçãoPopular etc. Os fóruns estabelece-ram a prática de encontros nacio-nais em larga escala, gerandograndes diagnósticos dos problemassociais assim como definindo me-tas e objetivos estratégicos parasolucioná-los. Emergiram várias ini-ciativas de parceria entre a socie-

dade civil organizada e o poder pú-blico, impulsionadas por políticasestatais tais como a experiência doOrçamento Participativo, a políticade Renda Mínima, bolsa/escola etc.Todos os fóruns atuam em questõesque dizem respeito a participação doscidadãos na gestão dos negócios pú-blicos. A criação de uma Central dosMovimentos Populares foi outro fatomarcante nos anos 90 no planoorganizativo; ela estruturou váriosmovimentos populares em nível na-cional tais como a luta pela moradia,assim como buscou fazer uma articu-lação e criou colaborações entre di-ferentes tipos de movimentos sociais,populares e não populares.

Ética na Política foi um movi-mento ocorrido no início dos anos90 e teve uma grande importânciahistórica porque contribuiu, decisi-vamente, para a deposição (via pro-cesso democrático) de um presidente

Saturnino Ramírez, dibujo, 1988

145NÓMADAS

da república por atos de corrupção,fato até então inédito no país. Elecontribui também, na época, para umressurgimento do movimento dos es-tudantes com novo perfil de atuação,os “cara-pintadas”.

À medida que as políticas neo-liberais avançaram, foram surgindooutros movimentos sociais: Ação daCidadania contra a Fome, contra asreformas estatais, movimentos dedesempregados, ações de aposenta-dos ou pensionistas do sistemaprevidenciário etc. As lutas de al-gumas categorias profissionais emer-giram no contexto de crescimentoda economia informal. Como exem-plo, no setor de transportes apare-ceram os chamados transportesalternativos (“perueiros”); no siste-ma de transportes de cargas pesadasnas estradas, os “caminhoneiros”.Algumas dessas ações coletivas sur-giram como respostas à crise socio-econômica, atuando mais comogrupos de pressão do que comomovimentos sociais estruturados. Osatos e manifestações pela paz, con-tra a violência urbana, também sãoexemplos desta categoria. Se antesa paz era um contraponto à guerra,hoje ela é almejada como necessi-dade ao cidadão-cidadã comum,em seu cotidiano, principalmentenas ruas, enquanto motoristas sãovítimas de assaltos relâmpago,sequestros e mortes.

Grupos de mulheres foram or-ganizados nos anos 90 em funçãode sua atuação na política. Elas cri-aram redes de conscientização deseus direitos, e frentes de luta con-tra as discriminações. O movimen-to dos homossexuais também ganhouimpulso e as ruas, organizando pas-seatas e atos de protestos. Numa so-ciedade marcada pelo machismo isso

é também uma novidade histórica.O mesmo ocorreu com o movimentonegro, que deixou de ser quase quepredominantemente formado porgrupos de manifestação culturalpara serem também movimentos deconstrução de identidade e luta con-tra a discriminação racial. Os jovenstambém geraram inúmeros movi-mentos culturais, especialmente naárea da música, enfocando temas deprotesto.

Deve-se destacar ainda três ou-tros movimentos sociais importan-tes no Brasil nos anos 90: dosindígenas, dos funcionários públi-cos (especialmente das áreas daeducação e da saúde) e dos ecolo-gistas. Os primeiros cresceram emnúmero e em organização nestadécada. Eles passaram a lutar pelademarcação de suas terras e pelavenda de seus produtos a preçosjustos e em mercados competitivos.Os segundos organizaram-se em as-sociações e sindicatos contra asreformas governamentais que pro-gressivamente retiram direitos so-ciais, reestruturam as profissões, earrocham os salários em nome danecessidade de ajustes fiscais. Osterceiros, dos ecologistas, prolifera-ram após a conferência ECO 92,dando origem a inúmeras ONGs(organizações não-governamen-tais). Aliás, as ONGs passaram a termuito mais importância nos anos90 do que próprios movimentossociais. Trata-se de ONGs diferen-tes das que atuavam nos anos 80junto com os movimentos popula-res. Agora são ONGs inscritas nouniverso do ‘terceiro setor’, volta-das para a execução de políticas deparceria entre o poder público e asociedade, atuando em áreas ondea prestação de serviços sociais écarente ou até mesmo ausente,

como na educação e saúde, para cli-entelas como meninos e meninasque vivem nas ruas, mulheres combaixa renda, escolas de ensino fun-damental etc.

O que diferencia um movimentosocial de uma ONG? O quecaracteriza um movimento social?

Definições já clássicas sobre osmovimentos sociais citam suas ca-racterísticas básicas: possuem umaidentidade, têm um opositor e arti-culam ou se fundamentam numprojeto de vida e de sociedade.Historicamente observa-se que elestêm contribuído para organizar econscientizar a sociedade; apresen-tam conjuntos de demandas viapráticas de pressão/ mobilização;têm uma certa continuidade e per-manência. Eles não são apenasreativos, movidos só pelas necessi-dades (fome ou qualquer forma deopressão) pois podem surgir e sedesenvolver também a partir deuma reflexão sobre sua própria ex-periência. Na atualidade, eles apre-sentam um ideário civilizatório quecoloca como horizonte a constru-ção de uma sociedade democráti-ca. Atualmente suas ações são pelasustentabilidade e não apenasautodesenvolvimento. Lutam pornovas culturas políticas de inclusão,contra a exclusão. Questões comoa diferença e a multiculturalidadetêm sido incorporadas para a cons-trução da própria identidade dosmovimentos. Lutam pelo reconhe-cimento da diversidade cultural.Há neles, na atualidade, umaressignificação dos ideais clássicosde igualdade, fraternidade e liber-dade. A igualdade é ressignificadacom a tematização da justiça soci-al; a fraternidade se retraduz emsolidariedade; e a liberdade associa-

NÓMADAS146

se ao princípio da autonomia –daconstituição do sujeito, não indivi-dual, mas autonomia de inserção nasociedade, de inclusão social, deautodeterminação com soberania–. Finalmente, os movimentos soci-ais, na atualidade, tematizam eredefinem a esfera pública, realizamparcerias com outras entidades dasociedade civil e política, têm gran-de poder de controle social econstróem modelos de inovaçõessociais.

E as ONGs? O que ascaracterizam?

Nos anos 70/80, as ONGs eraminstituições de apoio aos movimen-tos sociais e populares, estavam pordetrás deles na luta contra o regi-me militar e pela democratizaçãodo país, ajudaram a construir umcampo democrático popular. Nes-ta fase, as ONGs se preocupavamem fortalecer a representatividadedas organizações populares, ajuda-vam a própria organização seestruturar; muitas delas trabalha-vam numa linha de conscientizaçãodos grupos organizados. Não se tra-tava de um tipo qualquer de ONGmas das ONGs cidadãs, movi-mentalistas, militantes. A facemovimentalista encobria, nas pró-prias ONGs, sua outra face, produ-tiva, geradora de inovações nocampo de alternativas às necessida-des e demandas sociais.

No início dos anos 90, o cenárioda organização da sociedade civil seamplia e diversifica. Surgem entida-des autodenominadas como ‘terceirosetor’ (mais articuladas a empresase fundações), ao lado das ONGs ci-dadãs, militantes propriamente di-tas, com perfil ideológico e projetopolítico definidos. Essas últimas saem

da sombra, colocam-se à frente e atémesmo na dianteira dos movimen-tos, tornando-se, em alguns casos,instituições autônomas e desvincu-ladas dos movimentos. Na segundametade dos anos 90, a conjunturaeconômica alterou ainda mais a di-nâmica dos movimentos sociais emgeral, e dos populares em particular,assim como das ONGs, que repen-saram seus planos, planejamentos deação, estratégias e forma de atuar,elaboração de planejamentos estra-tégicos etc. Novas pautas foramintroduzidas, tais como a de traba-lhar com os excluídos sobre questõesde gênero, etnia, idades etc. Osnovos tempos, de desemprego e au-mento da violência urbana, assimcomo o crescimento de redes de po-der paralelo nas regiões pobres, li-gadas ao narcotráfico de drogas eoutros, também colaboraram, e mui-to, para desmotivar a população ne-cessitada para participar de reuniõesou outras atividades dos movimen-tos e aderirem aos programas e pro-jetos das ONGs. Um grande númerode projetos sociais passa a ser patro-cinado por empresas e bancos, den-tro de programas de responsabilidadesocial, no âmbito da cidadaniacorporativa. Em dezembro de 2003,e só na área de crianças e adoles-centes, a Revista Exame listou 134grandes projetos patrocinados porempresas e companhias que possu-em fundações atuando na área doTerceiro Setor.

Registre-se ainda que a novapolítica estatal de distribuição egestão dos fundos públicos, em par-ceria com a sociedade organizada,favorece os projetos focalizados,pontualizados, dirigidos às crianças,jovens, mulheres etc. As palavrasde ordem destes projetos e progra-mas passaram a ser: ser propositivo e

não apenas reivindicativo, ser ativoe não apenas um passivo reivin-dicante. Muitos movimentos setransformaram em ONGs ou seincorporaram às ONGs que já osapoiavam. A atuação por projetosexige resultados e tem prazos.Criou-se uma nova gramática ondemobilizar deixou de ser para o de-senvolvimento de uma consciênciacrítica ou para protestar nas ruas.Mobilizar passou a ser sinônimo dearregimentar e organizar a popula-ção para participar de programas eprojetos sociais. O militante foi-setransformando no ativista organiza-dor das clientelas usuárias dos ser-viços sociais.

3. A complexidade donovo universo dasONGs: o TerceiroSetor

As ONGs são a face mais visí-vel do Terceiro Setor, mas elas sãoapenas uma das frentes de açõescoletivas que o compõem. E as pró-prias ONGs são também muito di-ferentes entre si, quanto aos seusobjetivos, projetos, formas de atu-ação e ação coletiva, paradigmase estilo de participação que ado-tam; e, fundamentalmente, pressu-postos político-ideológicos quealicerçam suas práticas (tanto asdiscursivas como as ações concre-tas). Neste paper procuramos de-marcar as diferenças entre doistipos de ONGs nos anos 90: asONGs oriundas ou herdeiras dacultura participativa, identitária eautônoma dos anos 70/80, as quaisdenominaremos de militantes; e asONGs propositivas, que atuam se-gundo ações estratégicas, utilizan-do-se de lógicas instrumentais,racionais e mercadológicas.

147NÓMADAS

No Brasil, nos anos 70-80, asONGs militantes estiveram pordetrás da maioria dos movimentossociais populares urbanos quegeraram um cenário de grandeparticipação da sociedade civil,trazendo para a cena pública novospersonagens, contribuindo decisi-vamente para a queda do regimemilitar e para a transição democrá-tica no país. Elas contribuíram paraa reconstrução do conceito de ‘so-ciedade civil’ e para a inovação daslutas sociais inscrevendo, como su-jeitos de direitos, categorias atéentão esquecidas; criando um novocampo ético-político e cultural pormeio da ações coletivas desenvol-vidas em espaços alternativos deexpressão da cidadania.

As ONGs militantes fundamen-taram suas ações na conquista dediversos tipos de direitos, lutaram

pela igualdade com justiça social,ajudaram a criar o discurso da‘participação popular’ como uma ne-cessidade e um componente da de-mocracia. Suas características eramsimilares às dos movimentos popu-lares: enraizamento na sociedade,participação mística estimulada porícones emblemáticos (como a cruz),crítica e rebeldia, disciplina organi-zativa, formas de luta social quepriorizam os espaços na sociedadecivil, pouca relação e interlocuçãocom órgãos públicos instituciona-lizados, e uso recorrente de práticasde desobediência civil, ou práticasnão circunscritas à legalidadeinstituída.

Deve-se destacar ainda queuma nova cultura política foiconstruída a partir daquela heran-ça, em relação ao espaço público eaos temas de interesse coletivo,

como meio ambiente, saúde, lazeretc.; ou temas de interesse de coleti-vos específicos, como os dos portado-res de deficiências físicas, mentais,do vírus da aids etc. Ou seja, asONGs cidadãs/militantes, junto comos movimentos sociais reivindi-catórios dos anos 80, construíram umconjunto de práticas que se tradu-zem numa cultura de cidadania, algonovo num país de tradição centra-lizadora, autoritária, patrimonialistae clientelística. Suas ações abriramespaços que demarcaram novos “lu-gares” para a ação política, especial-mente ao nível do poder local e nomeio urbano, na gestão das cidades.

Paulo Freire afirmou que quan-do falamos em nova cultura políti-ca, estamos supondo que exista umavelha. Isso obriga-nos a refletir so-bre como se constitui o novo. Elerecorda que toda novidade nasce no

Saturnino Ramírez, s.t., 120 x 180 cm, acrílico/tela, 1983

NÓMADAS148

corpo de uma ex-novidade, que co-meçou a envelhecer. E as novidadesnão surgem por decreto, pois há umainterligação entre as coisas que vãoficando velhas e as coisas que vãonascendo (1995: 71). Em nosso caso,a questão a ser pesquisada é quantoa herança daquela cultura políticapassa no cenário dos anos 90.

Nos anos 80, apesar das ONGsserem, em sua grande maioria, con-tra o Estado, elas contribuíram paraa criação de espaços de interlocuçãoentre o Estado e a sociedade civil.Ao final daquela década, as ONGsmilitantes passaram a enfrentar umdilema: participar ou não das novaspolíticas sociais estimuladas pelo Es-tado. O processo Constituinte e a pro-mulgação da nova Constituiçãobrasileira em 1988 representaram umdivisor de águas, o grandemomento de inflexão e deruptura com a tradição atéentão predominante: sercontra o Estado. Uma novaconcepção de participaçãoiniciou sua construção,unindo a democracia di-reta à democracia repre-sentativa. Tratava-se departicipar de um novo mo-mento político que era adefinição das formas degestão dos equipamentos eserviços, a definição e im-plantação das leis estaduaise municipais, a construçãodos diferentes conselhos ecâmaras de interlocuçãodo Estado com a socieda-de. Em suma, participar dagestão dos direitos. Não secontentar em estar incluí-do na lei, via um direitoadquirido, mas lutar parasua operacionalização egestão.

O Estatuto da Criança e do Ado-lescente (ECA), a Lei Orgânica daAssistência Social (LOAS), a refor-ma sanitária que levou a criação doSUS (Sistema Único de Saúde), aluta pela reforma urbana, as câma-ras setoriais da construção civil, ascâmaras dos usuários do sistema detransportes coletivos, as câmarassetoriais tripartides na indústriaautomobilística, as experiências deorçamento participativo em dife-rentes cidades brasileiras, os di-ferentes conselhos gestores depolíticas de habitação, dos direitosda mulher, das pessoas portadorasde deficiências, dos idosos, das es-colas, e outras formas de colegiadose estruturas de mediação entre oEstado e a sociedade civil, são exem-plos vivos da conquista e da forçadaquela participação organizada.

Trata-se de espaços de negociaçãoe de equacionamento de conflitosde interesses, numa gestão democrá-tica, geradora de uma culturaparticipativa nova na sociedade bra-sileira.

As ONGs militantes tornaram-se, nos anos 90, minoritárias nouniverso das ações coletivas desen-volvidas nos espaços públicos semfins lucrativos. Embora elas parti-cipem de atividades e eventosconjuntos com as novas ONGs“terceiro-setoristas”, elas têm ori-gens e matrizes discursivas nos mo-vimentos populares de base da Igreja,dos anos 70/80, no novo sindicalismodos anos 70, e na nova esquerda quedeu origem ao Partido dos Trabalha-dores e outras alas progressistas dealguns partidos políticos.

O ponto crucial quedeterminou a mudançano tipo predominante deassociativismo nos anos90, e a crise de identida-de e revisão do campo deatuação das ONGs mili-tantes, foi o surgimento e/ou reorganização de ou-tras redes associativistas –como a das novas ONGsdo ‘terceiro setor’ (quenão querem ser chamadase nem confundidas comas antigas ONGs; autode-nominam-se simplesmen-te como Terceiro Setor)–e as mudanças nas políti-cas sociais dos Estados na-cionais, decorrentes daimplantação de um novomodelo de desenvolvimen-to, de desconcentração devárias atividades estataisna área social, levando adesativação da atuação

Saturnino Ramírez, Prostituta encendiendo un cigarrillo,146 x 114 cm, óleo/tela, 1981. MAM, Medellín

149NÓMADAS

direta e transferência da operacio-nalização de vários serviços para osetor privado sem fins lucrativos etc.

As novas ONGs do TerceiroSetor não têm perfil ideológico de-finido. Falam em nome de umpluralismo, defendem as políticas deparcerias entre o setor público comas entidades privadas sem fins lu-crativos e o alargamento do espa-ço público não estatal. A maioriadelas foi criada nos anos 90 e nãotem movimentos ou associaçõescomunitárias militantes por detrás.Muitas delas surgiram pela iniciati-va de empresários e grupos econô-micos e seu discurso é muito próximodas agências financeiras internaci-onais; outras surgiram por iniciati-vas de personalidades do mundoartístico e esportivo.

Enquanto formado de organiza-ções/empresas que atuam na áreada cidadania social, o Terceiro Se-tor incorpora critérios da economiade mercado do capitalismo para abusca de qualidade e eficácia desuas ações, atua segundo estratégi-as de marketing e utiliza a mídiapara divulgar suas ações e desen-volver uma cultura política favo-rável ao trabalho voluntário nessesprojetos. Usam a racionalidade ins-trumental empírica, voltada para aconquista de objetivos imediatos.

A atuação do Terceiro Setortem gerado um universo contradi-tório de ações coletivas. De umlado, elas reforçam as políticas so-ciais compensatórias ao interme-diarem as ações assistenciais dogoverno; mas, de outro lado, elasatuam em espaços associativos ge-radores de solidariedade e que exer-cem um papel educativo junto àpopulação, aumentando sua consci-

ência quanto aos problemas sociaise políticos da realidade.

Se rememorarmos o famosodebate que ocorreu nos anos 80,nos Estados Unidos e na Europa,sobre o significado e o sentido dosmovimentos e ações coletivas dosanos 60/70 e 80, ele resultou emduas posições: os defensores datese de que os movimentos eramações estratégicas de determinadosgrupos sociais (MacAdam, McCar-thy, Morris e outros), versus os quepostulavam a tese de que os mo-vimentos eram lutas e ações paraa construção de novas identidades(sociais, culturais e políticas). Aexemplo de Melucci, Cohen eArato, e Touraine, observamosque, nos anos 90 no Brasil, houvena realidade uma fusão dos doissentidos, com um certo predomí-nio das ações estratégicas. As pró-prias alas progressistas das ONGsafirmam, atualmente, que já nãobastam princípios gerais e boasanálises da sociedade. É necessá-rio boas análises para armar estra-tégias políticas viáveis segundo acorrelação de forças políticas pre-sentes na conjuntura.

Conclusões

O perfil dos movimentos soci-ais se alterou na virada do novomilênio porque a conjuntura polí-tica mudou; eles redefiniram-se emfunção dessas mudanças. Mas elesforam também co-artífices dessanova conjuntura, pelo que ela con-tinha de positivo (em termos deconquista de novos direitos sociais),resultado das pressões e mobilizaçõesque eles –movimentos– realizaramnos anos 80. Mas os movimentos fo-ram também vítimas dessa conjun-

tura, que por meio de políticasneoliberais buscou desorganizar eenfraquecer os setores organizados.Por isso, ao longo dos anos 90, osmovimentos sociais em geral, e ospopulares em especial, tiveram queabandonar as posturas mais críticase ficarem mais ativos/propositivos.Passaram a atuar em rede e em par-ceria com outros atores sociais, den-tro dos marcos da institucionalidadeexistente e não mais à margem, decostas para o Estado, somente nointerior da sociedade civil, como noperíodo anterior, na fase ainda doregime militar. A nova fase geroupráticas novas, exigiu a qualificaçãodos militantes; ONGs e os movimen-tos redefiniram seus laços e relações.No urbano, os movimentos commatizes político-partidários fortes seenfraqueceram; fortaleceram-se osmovimentos com perfil de deman-das mais universais, mais plurais emtermos de composição social, comoos ecologistas e pela paz. No cam-po, a luta social recrudesceu e osmovimentos sociais com perfil delutas de resistência e classistas cres-ceram e tiveram seu auge; entramno novo milênio um tanto desgas-tados, mas como parte da agendados conflitos sociais do país, a exem-plo do MST.

O exercício de novas práticastrouxe também um conhecimentomais aprofundado sobre a políticaestatal, sobre os governos e suasmáquinas. Demandas pela ética napolítica e uma nova concepção deesfera pública foram os primeirossaltos dessa aprendizagem, seguidosde uma completa rejeição pelosrumos das atuais políticas neolibe-rais, geradoras de desemprego e ex-clusão social. As redes, as parceriasentre movimentos, as ONGs, geramum novo movimento social contra a

NÓMADAS150

globalização predominante, gerado-ra de miséria. Elas clamam, articu-lados com redes internacionais, peladefesa da vida com dignidade. Operfil do militante dos movimentossociais se alterou e as teorias estão aexigir de nós explicações mais con-sistentes.

Uma sociedade civil partici-pativa, autônoma, com seus direi-tos de cidadania conquistados,respeitados e exercidos em váriasdimensões, exige também vontadepolítica dos governantes, principal-mente daqueles que foram eleitoscomo representantes do povo, poistrata-se de uma tarefa que não éapenas dos cidadãos isolados. Naluta pela igualdade, a sociedadedeve-se organizar politicamentepara acabar com as distorções domercado (e não apenas corrigir suasiniqüidades), lutar para coibir osdesmandos dos políticos e admi-nistradores inescrupulosos. Aexigência de uma democraciaparticipativa deve combinar lutassociais com lutas institucionais e aárea da educação é um grande es-paço para essas ações, via a partici-pação nos conselhos, Consideramosestes últimos como parte de umnovo modo de gestão dos negóciospúblicos, que foi reivindicado pelospróprios movimentos sociais nos anos

80, quando eles lutaram pela demo-cratização dos órgãos e aparelhosestatais. Eles fazem parte de umnovo modelo de desenvolvimentoque está sendo implementado emtodo o mundo: o da gestão públicaestatal via parcerias com a socieda-de civil organizada, objetivando aformulação e o controle de políticassociais. Eles representam a possibili-dade da institucionalização da par-ticipação via uma de suas formas deexpressão: a co-gestão; a possibilida-de de desenvolvimento de um espa-ço público que não se resume e nãose confunde com o espaço governa-mental/estatal; e, finalmente, a pos-sibilidade da sociedade civil intervirna gestão pública via parcerias como Estado. Os conselhos ampliam oespaço público, sendo ainda agen-tes de mediação dos conflitos. Comotais, carregam contradições econtraditoriedades. Podem ala-vancar o processo de participaçãode grupos organizados como podemestagnar o sentimento de perten-cimento de outros, se monopo-lizados por indivíduos que nãorepresentem de fato as comunida-des que os indicaram/elegeram.Eles não substituem os movimentosde pressão organizada de massas,que ainda são sempre necessáriospara que as próprias políticas públi-cas ganhem agilidade.

Bibliografía

COHEN, Jean; Arato, Andrew, Civil societyand political theory, Cambridge, MITPress, 1992.

CARVALHO, M.C. Participação social no Bra-sil hoje. SP, Instituto Pólis, 1995.

FREIRE, Paulo, A constituição de uma novacultura política. Em Villas-Boas, R. eTelles V.S. Poder local, participação popu-lar, construção da cidadania, São Paulo,Instituto Cajamar/Instituto Pólis/FASEe IBASE, 1995.

HABERMAS, Jürgen, Teoria de la accióncomunicativa, Madri, Taurus, 1985.

GOHN, M. Gloria, 2000, Mídia, terceiro setore MST. Petrópolis, Vozes.

————, Conselhos gestores e participaçãosociopolítica, São Paulo, Cortez Editora,2001 (no prelo).

MCADAM, Doug; McCarthy, John D. e Zald,Mayer N. Comparative perspectives on so-cial movements, Cambridge, CambridgeUniv. Press, 1996.

MELUCCI, Alberto, Challenging codes.Cambridge, Cambridge Univ. Press, 1996.

MORRIS, Aldon D. e Mueller, Carol M.,Frontiers in social movement theory, NewHaven, Yale Univ. Press, 1992.

SANTOS, Boaventura Souza, A crítica darazão indolente, São Paulo, Cortez Edito-ra, 2000.

TARROW, S., The Power of Movements,Cambridge, Cambridge Univ. Press, 1994.

TOURAINE, A., Le voix et le regard, Paris,Seuil, 1978.

————, ¿Podremos vivir juntos?, BuenosAires, Fondo de Cultura Económica,1997.