Cleide de Lima Chaves

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1 CC 1 – Cidade, Poder e Mercado Coordenadora: Maria José Raspassi Mascarenhas A economia baiana e platina no século XIX: a integração regional Cleide de Lima Chaves * A ampliação do território do historiador, ocorrida desde a Escola dos Annales, vem permitindo à História um grande alcance na sua produção, especialmente no que concerne ao caráter interdisciplinar das novas pesquisas e a utilização de documentos por muito tempo desprezados pela historiografia. A nova história econômica advêm, portanto, dessas mudanças, e propõe o diálogo com outros saberes, como a história cultural e a antropologia. Os estudos, no Brasil, acerca do mercado interno, de estruturas agrárias, da época da escravidão, comércio exterior e industrialização, demografia, história empresarial, e outras tantas novas temáticas derivam de uma recente ampliação das fontes em história econômica. Neste trabalho, busco apontar para novas possibilidades de pesquisa na área em questão e contribuir nos estudos que integram, de diversas perspectivas, a história do Brasil e da América Latina. As pesquisas acerca da economia exportadora baiana estiveram mais voltadas para a África, cujo maior sustentáculo foi o sistema escravista, com a Bahia exportando principalmente fumo-de-corda, charutos, cachaça, açúcar de má qualidade e búzios, e para a Europa, nesse momento principalmente para a Inglaterra, voltada principalmente para o comércio com as Américas, seguiam o açúcar de boa qualidade e seus derivados, os couros, madeiras, destinadas para a construção naval, óleo de baleia, fumo, etc. E para o Rio da Prata, quem eram os agentes desse comércio, qual as mercadorias que circulavam, que outros fatores puderam interligar essas duas regiões? * Mestre em História Social pela UFBA e professora do Departamento de História da UESB. O e-mail para contato é [email protected].

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CC 1 – Cidade, Poder e Mercado

Coordenadora: Maria José Raspassi Mascarenhas

A economia baiana e platina no século XIX: a integração regional

Cleide de Lima Chaves*

A ampliação do território do historiador, ocorrida desde a Escola dos

Annales, vem permitindo à História um grande alcance na sua produção,

especialmente no que concerne ao caráter interdisciplinar das novas pesquisas e

a utilização de documentos por muito tempo desprezados pela historiografia. A

nova história econômica advêm, portanto, dessas mudanças, e propõe o diálogo

com outros saberes, como a história cultural e a antropologia. Os estudos, no

Brasil, acerca do mercado interno, de estruturas agrárias, da época da escravidão,

comércio exterior e industrialização, demografia, história empresarial, e outras

tantas novas temáticas derivam de uma recente ampliação das fontes em história

econômica. Neste trabalho, busco apontar para novas possibilidades de pesquisa

na área em questão e contribuir nos estudos que integram, de diversas

perspectivas, a história do Brasil e da América Latina.

As pesquisas acerca da economia exportadora baiana estiveram mais

voltadas para a África, cujo maior sustentáculo foi o sistema escravista, com a

Bahia exportando principalmente fumo-de-corda, charutos, cachaça, açúcar de má

qualidade e búzios, e para a Europa, nesse momento principalmente para a

Inglaterra, voltada principalmente para o comércio com as Américas, seguiam o

açúcar de boa qualidade e seus derivados, os couros, madeiras, destinadas para

a construção naval, óleo de baleia, fumo, etc. E para o Rio da Prata, quem eram

os agentes desse comércio, qual as mercadorias que circulavam, que outros

fatores puderam interligar essas duas regiões?

* Mestre em História Social pela UFBA e professora do Departamento de História da UESB. O e-mail paracontato é [email protected].

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A Abertura dos Portos em 1808, ocorrida após a chegada da Família Real

ao Brasil, significou um segundo momento importante de dinamização da

circulação de embarcações com pessoas e mercadorias no porto de Salvador,

pois com a transferência da Corte e da nobreza, acompanhadas da estrutura

burocrática portuguesa, ampliou-se o mercado consumidor interno e,

consequentemente, externo. Uma de suas repercussões foi o aparecimento de

outras praças comerciais nas pautas de importação/exportação da Bahia e do

Brasil, como a Holanda, os Estados Unidos, os Estados do Rio da Prata,

Valparaíso, no Chile. As províncias entravam no circuito mundial de comércio e a

produção ampliava-se em quantidade e qualidade, devido as novas exigências do

mercado europeu e, paulatinamente, também do mercado latino-americano.

Neste porto entravam os escravos provenientes do tráfico, as manufaturas da Europa

e da América do Norte, a carne salgada do Sul e do Prata. Daí saía a produção do açúcar, do

tabaco e da farinha do Recôncavo, dos diamantes da Chapada e, mais tarde, café e cacau

do Sul da Bahia, dentre outros produtos.

No século XIX, o péssimo estado do porto de Salvador provocava revoltas

envolvendo os profissionais do mar, solicitando melhores condições de salubridade para os

portos. Na primeira metade do século XIX esses motins foram freqüentes, reivindicando

melhores soldos, condições de higiene e da alimentação nas embarcações, gerando

inclusive tentativas de modernização do porto, o que só vai ocorrer de fato no início do

século XX.

Segundo Katia Mattoso, a participação do porto da Bahia na navegação

de longo curso durante o século XIX foi de 20% em média. A falta de boas vias de

comunicação terrestre entre Salvador e o resto da província privilegiava a

população estabelecida nas proximidades da capital e no litoral. Salvador, tão mal

ligada a seu próprio território, tinha, em contrapartida, excelente comunicação por

via marítima, com todo o litoral do Brasil e com o exterior. Novamente, Katia

Mattoso explicita:

Caravelas, galeotas, fragatas, brigues e bergantins; naus, navios urcas, sumacas eaté avisos – estes navios minúsculos de grande velocidade que num constante vai evem traziam as ordens da Metrópole e levavam-lhe as respostas – cingiam os maresem todas as direções: de Portugal para a África, para o Brasil, para o Rio da

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Prata, para as Índias distantes. Do Brasil para o Rio da Prata, para as Índias, paraa África, para Portugal, finalmente (Mattoso, 1992).

A vida econômica de Salvador era essencialmente comercial. O comércio

era o que mais mobilizava investimentos e movimentava a vida financeira da

província e, especialmente, o comércio de alimentos, pouco produzidos pela

capital e seu entorno, necessitando recorrer quase sempre para a importação dos

artigos de primeira necessidade da população, como a farinha e a carne seca.

Em primeiro lugar o mercado de trocas, a nível internacional, domina de longetodas as atividades comerciais e financeiras da Bahia. Tradicional, esse mercadotem por incumbência de colocar nos mercados consumidores externos umaprodução de produtos primários e de trazer para o mercado consumidor internobens aqui não produzidos quer sejam manufaturados ou mesmo alimentícios. Nasmãos de grandes comerciantes, na sua maioria estrangeiros à Bahia, dessecomércio depende a saúde material da província, de sua capital, Salvador, e doshomens que nesta habitam (Mattoso, 1978, p.239-240).

Para a Bahia, os entraves ao tráfico internacional de escravos na África, a partir de

1850, fizeram surgir outras possibilidades de investimentos no seu comércio internacional,

como o de alimentos. A mudança levou a alguns dos grandes traficantes e comerciantes

residentes na Bahia desse período a se dedicarem a essas novas atitudes, atendo-se a esse

comércio e estabelecendo um controle do abastecimento dos produtos, transformando essa

atividade em um dos ramos mais lucrativos na economia baiana, através da manipulação

desses produtos, como a escassez e alta de preços.

Livres da tutela municipal, as casas comerciais jogavam solto, abastecendo-se nasfontes de produção, no porto da cidade, alcançando o produto em pleno mar elançando no mercado apenas a quantidade que lhes assegurasse o lucropretendido. Armazenavam grandes quantidades do produto, visando o momentooportuno de comercializar, momento este, indicado geralmente pela escassez dafarinha no mercado e consequente exploração dos preços. Frequentementecostumavam desviar grandes quantidades do produto para outros centrosconsumidores, onde pudessem auferir maior margem de lucro (Ribeiro, 1982).

Na Bahia, da segunda metade do século XIX, a partir dos anos 50, a sua economia

sofreu uma das piores crises. Esta crise estava ligada ao atraso das técnicas do plantio da

cana-de-açúcar, à concorrência com o açúcar das Antilhas, pela descoberta na Europa do

açúcar extraído da beterraba e pela escassez da mão-de-obra escrava com a interrupção do

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tráfico negreiro e o desvio de um grande número de escravos para a região sul cafeeira –

pólo econômico emergente – , diminuindo o preço do produto e arruinando muitos donos

de engenhos baianos.

A decadência da lavoura canavieira repercutira de tal modo sobre a sua economiaque fizera com que a capital da Província perdesse a posição que vinha ocupando,durante muitos anos, de segundo grande centro comercial do país, logo após o Riode Janeiro. Enquanto suas exportações decresciam, tanto em valor como emquantidade, ao mesmo tempo, aumentavam suas importações, necessárias aosustento e à manutenção dos hábitos cotidianos de uma população cada vez maisinfluenciada pelos hábitos europeus e menos provida, em seu conjunto, de um poderrazoável de compra (Oliveira, 1999, p. 52).

Outros fatores, como as epidemias da febre amarela (1854-55) e do cólera morbus

(1857-58), contribuíram com a crise econômica (REIS, 1996). Analisando esta crise

econômica, Luís Henrique Dias Tavares afirma que a economia baiana era uma economia

de exportação de produtos primários – açúcar, fumo, couro, diamantes, café, cacau – e

importadora de artigos manufaturados, como tecidos de algodão, de lã, vinhos, ferragens,

calçados, papel, máquinas, carnes, estas provenientes principalmente do Prata (Tavares,

1982). Era uma economia dependente externamente, visto que necessitava de

manufaturados e produzia apenas matéria-prima.

Entretanto, mesmo com a crise açucareira nessa segunda metade, o açúcar ainda

contribuía com mais da metade das exportações baianas. Foram esses dois produtos – e os

derivados da cana-de-açúcar, como o aguardente – os que nortearam a pauta de exportação

dos produtos baianos até o final do século XIX.

Apesar da farinha de mandioca ser produzida na própria província da Bahia, sua

produção era insuficiente para atender o mercado local. Katia Mattoso revela alguns dos

motivos, como a falta de incentivos para a lavoura da mandioca, ao contrário da lavoura

canavieira, o uso de práticas agrícolas arcaicas, mantendo sempre uma baixa produtividade

e, por fim, as intempéries climáticas. Um outro dado importante para o incremento dessa

importação foi o crescimento populacional, “passava-se dos 50.000 habitantes no princípio

do século XIX para 108.138 habitantes em 1872 e 144.959 em 1890”( Mattoso, p. 71), esse

dado é significativo para o aumento do consumo de produtos básicos da alimentação do

baiano, a exemplo da farinha.

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O incremento da navegação a vapor, especialmente com a criação da Companhia

Baiana de Navegação a Vapor em 1859, contribuiu para a dinamização do comércio local e

externo, alterando as relações tradicionais de trabalho e de tempo, a despeito, por exemplo,

da maior velocidade adquirida pelas embarcações a vapor. Mesmo assim, a navegação

tradicional continuou sendo utilizada ainda por muito tempo. Todavia, os comerciantes que

residiam na Bahia continuaram utilizando as embarcações a vela, como veremos mais

adiante.

O contexto da segunda metade do século XIX, para a Bahia, apesar de permitir

evidenciar as relações comerciais com o Prata, é marcado por um período conhecido na

historiografia como de estagnação econômica, o que significa uma dependência externa em

vários setores econômicos, inclusive o de comércio de alimentos, tornando os produtos

platinos imprescindíveis para a população baiana. As sucessivas crises ocorridas durante

todo o século XIX propiciaram o enriquecimento de poucos e a paulatina perda de posição

do mercado baiano no grande mercado internacional.

Crises que esgotam as forças da província as quais ainda vacilam sob o peso deuma importação que sempre sobrepujou a exportação, permitindo a fuga decapitais para fora e o empobrecimento gradativo das forças econômicas locais,incapazes de encontrarem alternativas que viesse modificar os termos de trocas emfavor da Bahia. De 1840 a 1890 o quadro do comércio exterior da Bahia sedeteriora (Mattoso, 1978).

As crises do setor agrícola baiano repercutiram em outros setores, como o

comercial, que utilizava da produção para expandir seu comércio e casas comercias na

província, fora dela e no exterior. Porém, esses grandes comerciantes sofreram em menor

impacto dessa crise, utilizando todos os meios ao seu alcance para prosseguir aumentando

os seus capitais e manter a posição privilegiada que haviam conquistado (Oliveira, p.58),

investindo em outras áreas econômicas de maior estabilidade, a exemplo da indústria, dos

serviços públicos urbanos, em ações bancárias.

A produção econômica da região platina servia como complemento da economia

baiana. Importante ressaltar que eram as duas economias dependentes externamente.

Comercializavam produtos primários entre si, conseguindo travar relações especialmente

no que se refere à alimentação das camadas populares, impondo hábitos alimentares a todas

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as camadas sociais, e esses, como se sabe, difíceis de modificar, impuseram-se nas relações

comercias entre as duas regiões.

A segunda metade do século XIX foi um período conturbado na região platina. Não

procurarei aqui listar as causas dos diversos conflitos, mas traçar um painel que permita

uma melhor visualização das disputas de fronteiras que envolveram o Rio da Prata nesse

período da história que pretendo deter-me.

Em meados do século XIX surgiriam interesses novos, nascidos após o período de

consolidação das independências em relação às metrópoles ibéricas dos anos 1820, como as

inúmeras questões de fronteira, a abertura do comércio exterior e migrações, das disputas

pelo predomínio econômico desenvolvidas especialmente pelos portenhos, a exemplo do

projeto de reconstruir o Vice - Reino do Prata sob o governo de Buenos Aires, momentos

esses que marcaram a região platina.

As guerras por disputa de fronteiras entre Brasil, Uruguai e Argentina, como

também pelo direito de navegar nas águas da bacia do Prata, em 1850, começaram no

momento em que o governador de Buenos Aires, Juan Rosas, impôs o bloqueio dos rios da

bacia platina ao comércio e à navegação de outras nações.

O Uruguai serviu, então, de palco de lutas, visto sua localização estratégica. As

tropas brasileiras acabaram vencendo a Guerra contra Rosas e a Argentina abrindo

novamente a bacia para a navegação internacional. Há uma extensa bibliografia sobre os

conflitos e guerras entre o Brasil e o Prata, desde o período colonial, quando pertencentes

ao Império português e espanhol, respectivamente, e que não abarcaremos neste trabalho.1

Nos interessa aqui apreender as relações comercias advindas nos pós-guerras.

Com o final da Guerra, a partir de 1853, delineou-se o período de conformação

definitiva das repúblicas da Argentina e Uruguai, inclusive com criação de uma nova

Constituição na Argentina, sinalizando ainda, segundo a tese de Moniz Bandeira, para o

expansionismo brasileiro

1 A historiografia brasileira tradicional tratou de relacionar esses conflitos. Ver: POMBO, R. História doBrasil. São Paulo: Edições Melhoramento, 1952.; SOARES, T. Diplomacia do Império no Rio da Prata.Rio de Janeiro: Editora Brand, 1955.; CALÓGERAS, J. P. Formação histórica do Brasil. São Paulo:Companhia Editora Nacional, 1972. E citamos ainda, uma nova produção acerca da diplomacia no Brasil, aexemplo de: CERVO, A. L.; BUENO, C. A política externa brasileira – 1822-1985. São Paulo: Ática,1986.; RODRIGUES, J. H. Uma história diplomática do Brasil (1531-1945). Rio de Janeiro: CivilizaçãoBrasileira, 1995.

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Com um território de cerca de oito milhões Km², uma população da ordem de 10 a11 milhões de habitantes, ou seja, de cinco a mais de dez vezes superior à dequalquer outro país da América do Sul, e um aparelho de Estado capaz deempreende, internacionalmente, uma ação autônoma, tanto diplomático quantomilitar, o Império do Brasil, assegurada sua tranquilidade interna, pôde entãoimprimir-se como grande potência, em face do Rio da Prata. E, no curso da décadade 1850, o Império do Brasil impôs aos países daquela região um sistema dealianças e de acordos, que visavam não ao equilíbrio de forças, mas à consolidaçãode sua hegemonia, em substituição à de França e Grã-Bretanha (Bandeira, 1995, p.157-158).

Essa tese é reforçada pela série de acordos firmados entre os três países (Brasil,

Uruguai e Argentina) durante a década de 1850, redefinindo a presença brasileira no Prata,

não mas pelo uso da força militar e, sim, pelos tratados de comércio, navegação e limites.

Em 1851, o Tratado de Limite, Comércio e Navegação, entre o Império e o Uruguai, com

duração de dez anos, garantiu a permanência brasileira mesmo após a Guerra Cisplatina.

Um dos interesses do Brasil nesse momento era proteger os comerciantes brasileiros

no Uruguai, sendo alguns deles baianos, mantendo, assim, um importante mercado

consumidor e fornecedor de mercadorias. Com esse tratado, o Império isentava o charque

uruguaio do pagamento de qualquer tarifa. A medida visava evitar o encarecimento da

alimentação básica dos escravos (Bandeira, p. 148).

Em 1856, com a Confederação Argentina, o Brasil assinava um tratado de

amizade, comércio e navegação e, secretamente, travaram um pacto em que o

Império auxiliaria a Confederação Argentina a reincorporar o Estado de Buenos

Aires, o que só aconteceria em 1862, com o presidente Bartolomé Mitre. A partir

de então, estava unificado o Estado da República Argentina.2 Após esse tratado

com a Argentina, alguns dos seus portos também se interligavam nesse circuito

comercial, como nos apontou a documentação do Consulado de Buenos Aires na

Bahia a respeito do porto de Bahia Blanca na Argentina, que tornava-se aberto às

embarcações brasileiras a partir de 1856.

Os grandes negociantes baianos recebiam as notícias desses acordos,

haja visto serem eles os primeiros a se beneficiarem da isenção de impostos

2 A constituição argentina foi proclamada em 1853, mas Buenos Aires só se incorporou à Confederação em1862, quando eleito o novo presidente da nação, Bartolomé Mitre, que transformou Buenos Aires como acapital argentina. Ver: LUNA, F. Breve história dos argentinos. Rio de Janeiro: Instituto Cultural Brasil-Argentina, 1995.

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sobre os seus produtos. Não por acaso, circulares do Ministério da Marinha

anunciavam os acordos para a Presidência da Província:

Remetto a V. Exª os inclusos exemplares dos Tratados de amizade, commercio enavegação, celebrados com a Confederação Argentina em 7 de março, e aRepublica do Paraguay em 6 de abril do corrente anno, afim de que V. Excª ostrasmitta à Capitania do Porto dessa Provincia, para dar a conveniente publicidadeàs disposições dos mesmos tratados, quanto à navegação fluvial (APEB, Avisosrecebidos do Ministério da Marinha, Maço 934, 05/09/1856).

Nesse momento também, os problemas enfrentados pelo Brasil na contenção ao

tráfico, aguçou formas alternativas de entrada de escravos africanos no Brasil. O porto de

Montevidéu, que já possuía um importante comércio de escravos com os portos brasileiros

e com a África desde o período colonial, passando pela independência até a abolição da

escravidão naquela região – entre 1843 e 1846, no período da Guerra Grande, quando os

escravos foram libertados para engajarem-se nas tropas do exército de Oribe - permaneceu

como um porto de passagem de levas de escravos que foram introduzidos no Brasil após a

proibição do tráfico, burlando a vigilância inglesa e a legislação pertinente. A bibliografia

uruguaia destaca a importância do porto de Montevidéu para o tráfico ilegal de escravos: A

pesar de todas las leyes y disposiciones dictadas para asegurar la libertad de los negros ,

seguía el Brasil infestando nuestra campaña com su plaga de la esclavitud (Acevedo,

1934, p.433).

Um caso clássico da historiografia do tráfico é o comércio de africanos

transportados pelo navio Rio de La Plata, de bandeira uruguaia, capturado em novembro de

1834, transportando 523 escravos procedentes de Angola (Bethel, 1976, p. 139). Pierre

Veger analisando a presença africana em Montevidéu questionou a existência de uma

“colônia de africanos livres” naquela cidade, considerando que tal fato nada mais era que

uma forma de importar escravos para passá-los em seguida fraudulentamente ao Brasil.

Os africanos são ostensivamente importados na “Banda Oriental” com contratos de

trabalhadores livres e permissão do governo de Montevidéu (Verger, p. 170).

Em 1856, quando da proibição e intensificação da perseguição ao tráfico de

escravos pelos ingleses, em documento confidencial do Ministério da Marinha ao

presidente de província da Bahia, demonstrava as relações com a república uruguaia:

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O facto de se admittirem escravos a matricula nos navios nacionais para portosestrangeiros tem dado logar à questões desagradáveis, quando os ditos escravosdesertão e procurão prevalecer-se do favor da legislação dos paizes que nãoreconhecem a escravidão, e convindo evitar semelhante questão, sempre diffíceis eodiosas, e mesmo o prejuíso dos proprietários de escravos julgo acertadorecomendar a Vossa Excelência para que o force a Capitania do Porto dessaprovíncia que nos despachos das embarcações para taes portos, a excepção doEstado Oriental, com quem temos tratado, que nos garante a entrega dos desertorese escravos, não admitta a sua matricula marinheiros que não sejam livres, fazendocomprehender aos donos dos escravos o risco, que correm de os perder, e quequando por meios brandos, não consiga convencê-los se negue a conseção damatrícula (APEB. Avisos recebidos do Ministério da Marinha, Maço 934,31/01/1856).

O tratado a que se refere o documento é um dos quatro acordos firmados entre

Brasil e o Uruguai em 1851, já descritos. Esse tratado era o de extradição recíproca de

criminosos, desertores e devolução de escravos ao Brasil. Assinado na Corte pelo

Imperador e pelo representante uruguaio, o advogado Andres Lamas em 12 de outubro de

1851, no qual a república oriental reconhecia o princípio de devolução dos escravos

pertencentes a súditos brasileiros que, contra a vontade dos seus senhores, fugiam para o

território uruguaio.

O acordo feria a constituição uruguaia, que garantia proteção a todos os seus

habitantes, sejam eles estrangeiros e contrariava o princípio da abolição dos escravos, já

ocorrida no mesmo território. Na sua grande maioria, esses escravos pertenciam aos rio-

grandenses e, ocasionalmente, eram escravos vindos nas embarcações mercantis saídas do

norte do país em direção ao Prata. Os navios também funcionaram como rotas de fuga para

escravos que se fizeram passar por marinheiros livres e se engajaram no trabalho marítimo

(Rodrigues, 1999). Posteriormente, em 1860, o Uruguai não renovou esse tratado, exigindo,

especialmente dos proprietários brasileiros da fronteira, que respeitassem a abolição da

escravidão no território uruguaio.

A não renovação do tratado de comércio e navegação (1851) deve ser entendido no

contexto de recuperação da economia uruguaia após o fim da Guerra Grande e a pressão

dos saladeiristas orientais contra a concorrência das charqueadas brasileiras do Rio Grande

do Sul, que recebiam boa parte do gado pela fronteira, sem pagar nenhum imposto ao

Estado uruguaio e utilizando da mão-de-obra escrava, mais barata que a mão-de-obra livre

das repúblicas do Prata. A partir de 1861 foi estabelecido um pequeno imposto para o gado

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entrado em pé pela fronteira, contribuindo para o aumento da comercialização da carne

uruguaia – de melhor qualidade e mais barata - nos mercados de todo o Império, até o final

do século XIX (Barran, p. 89).

Esses acordos vieram no sentido de ampliar as relações comerciais e políticas entre

o Brasil e o Prata, beneficiando muitos dos comerciantes que, com a interrupção do tráfico,

buscavam outras fontes lucrativas de negócios, num momento de febre comercial de norte a

sul do país. E a Bahia não ficaria distante das discussões e aplicações desses tratados, com

as repúblicas do Rio da Prata ganhando cada vez mais destaque nas suas pautas de

importação, assumindo o abastecimento de carne salgada para quase a totalidade do norte

do Brasil.

A comercialização dos produtos pouco diferia do fim da era colonial. O charque

platino, o sebo e o couro – exportados a partir de Buenos Aires e Montevidéu – e o açúcar e

seus derivados como o aguardente, tabaco, arroz, farinha e cacau (esse despontando como

importante produto de exportação na segunda metade do século XIX) – comercializados

pelo porto de Salvador – constituíram as mercadorias mais importantes desse período.

Analisemos as duas mercadorias, que de um e outro lado, representavam nas tabelas de

importação e exportação das distintas regiões, os produtos mais procurados e

tradicionalmente comercializados: a carne seca e o açúcar.

O interesse dos grandes produtores de gado no Prata pela produção de charque

decrescia em relação aos outros derivados bovinos. O couro e o sebo tinham amplo

mercado na Europa e melhores perspectivas de preços altos. O mercado consumidor da

carne de charque platina eram os escravos e a população pobre do Brasil e de Cuba, ou seja,

esse produto supria as necessidades das camadas mais baixas da população e eram vendidos

a preços muito baixos. A disposição dos produtores e intermediários em manter o charque

na pauta de exportação advinha do fato de já possuírem um mercado consumidor garantido

e amplo, haja visto a predominância da população pobre e escrava nessas duas regiões.

A carne importada pelo Brasil era desembarcada em três portos: Rio de Janeiro,

Salvador e Recife e tinha, a partir destes, uma ampla rede de comercialização, fazendo a

sua distribuição para o interior e pelo comércio inter-provincial. Salvador, por exemplo,

abastecia boa parte das praças comercias de Aracaju e Maceió e, ainda do seu litoral, como

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Ilhéus e Caravelas, atingindo também os sertões, através dos tropeiros e caixeiros viajantes

(Mattoso, 1978, p. 244).

Os preços e a oferta deste produto variou muito durante a segunda metade do século

XIX, sofrendo com os fatores internos como com as crises de superprodução, aumentando,

assim, a oferta e diminuindo os preços, na década de 1850, até o quase total fechamento dos

portos brasileiros ao charque rioplatense nas últimas décadas, em virtude da epidemia do

cólera morbus que assolou a Argentina, prejudicando as relações comerciais e ainda com a

abolição da escravidão no Brasil (1888) e em Cuba (1898).

Como afirmou o historiador rio-grandense Guilhermino Cesar (1970, p.09) sem o

charque da área platina e sulriograndense, dificilmente a Ilha de Cuba com sua numerosa

escravaria e o nosso Nordeste açucareiro teriam alcançado, na economia capitalista, tão

grande influência no movimento de trocas. A sustentação da base alimentícia desses

escravos permitiram, assim, aos produtores e comerciantes do açúcar fazerem projeções e

ampliarem seus lucros. Num sistema que não permitia a expansão de outras culturas

agrícolas, era necessário um mercado de abastecimento, que não comprometesse a

produção de exportação. Esse foi o papel do sul platino em relação ao norte do Brasil. João

Fragoso estabeleceu uma diferença “hierárquica” dos alimentos consumidos no Brasil

colônia, e que no período imperial sofreria algumas mudanças.

o açúcar branco e mascavo, gênero voltado para a exportação; o trigo, mercadorialigada ao abastecimento interno, dirigido particularmente para o consumo dascamadas médias e superiores da sociedade colonial; o charque e a farinha demandioca, alimentos que consistiam em itens básicos da dieta das camadaspopulares e dos escravos (Fragoso, 1998, p. 38).

A carne de charque, juntamente com a farinha era item fundamental na alimentação

dos escravos. Rico em proteínas, barato, de fácil preparo e de longa durabilidade, aspectos

importantes pois a maioria dos produtos se decompunham muito rapidamente devido ao

clima tropical, converteu-se em hábito alimentício de todas as camadas sociais cubanas e

brasileiras.

O açúcar, produto tradicional baiano, mesmo com as diversas crises ocorridas,

vigorou nas pautas de exportação como a principal mercadoria comercializada. Porém,

outros centros, como o Rio de Janeiro e Pernambuco também exportavam o açúcar para o

Prata e, segundo informações do Jornal Comercio del Plata e do cônsul brasileiro Henrique

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Vasconcelos, o açúcar baiano raramente atingia preços mais altos do que o das outras partes

do Brasil.

De três pontos do Império exporta-se açúcar para aqui, da Província do Rio deJaneiro, da Bahia e de Pernambuco, o desta província é tido e havido pelo melhordos três por ser mais seco, alvo, e mais convenientemente envasilhado, o da Bahia éconsiderado o pior e por isso tem menos extração e obtém menor preço. Odesconceito em que está é devido em parte a defeitos de fabricação, em parte aoenvasilhamento em grandes e pesados caixões, sistema adotado desde temposimemoriais, também seguidos pelos exportadores de Havana e que embaraça muitoa venda pela dificuldade que oferece de ser conduzido por terra principalmente,dificuldade que não oferece o açúcar de Pernambuco, o qual por algum tempoguardado umedece e muda inteiramente de cor e gosto (Vasconcelos).

Ainda assim, a comercialização do açúcar nos aponta a importância de uma

mercadoria sobre a qual gravitou grande parte da montagem da economia na colônia,

especialmente do Recôncavo baiano e que se manteve num processo de continuidade/

permanência até o final do século XIX, nas relações econômicas da Bahia.

Vale ressaltar a importância da província do Rio Grande do Sul para os negociantes

baianos. No período colonial, era o caminho de acesso ao contrabando no Prata. A partir do

século XVIII e XIX, firma-se como região produtora de charque, deixando de ser apenas

ponto de contrabando e passando a competir no mercado interno brasileiro com os

produtores platinos, convertendo-se, desde muito cedo, numa zona de enfrentamento e

integração com os castelhanos. Interessa-nos especialmente o porto de Rio Grande, donde

os produtos baianos entravam e a carne seca saía em direção aos portos brasileiros e as

importantes áreas de charqueadas em Pelotas e Jacuí.

Iates transportavam couros salgados, charque, sebos pelos rios Pelotas e S.Gonçalo até o porto do Rio Grande, de onde eram exportados para Rio de Janeiro,Salvador e Havana (Flores, 1993, p. 119).

Segundo Moniz Bandeira, em 1854, o Rio Grande do Sul não atendia nem a terça

parte do consumo de carne seca no Brasil, que excedia o volume de mais de um milhão de

arrobas por ano. Portanto, a presença do Prata no intercâmbio comercial brasileiro foi

expressivo nessa segunda metade. Destaca o historiador Elmar Manique o porque desse

predomínio:

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Sabemos que a província utilizava-se, ainda, de métodos de produção atrasados,tendo-se em vista os já atingidos pelos produtores platinos. Ora, com um sistema deprodução realmente mais compensador e de melhor preparo, podiam os platinos,concorrer e dominar o mercado internacional (principalmente Cuba) e mesmoexportar com preços mais baratos, até mesmo para o centro do Brasil. A economiado charque do Rio Grande do Sul dependia, fundamentalmente, das crises epercalços que viessem a ocorrer no Prata (Argentina e Uruguai) e queprejudicavam a produção e exportação de seus produtos (Silva, p. 69).

Para o comércio com a Bahia, podemos perceber uma relação de equilíbrio e

interesses entre o Rio Grande e os portos do Prata, uma vez que as embarcações muitas

vezes dirigiam-se para esses locais simultaneamente, com uma tendência de preços mais

baixos para o charque platino, pelo próprio desenvolvimento de suas charqueadas e a

superação nas técnicas de produção.

Diferencia ainda a produção nas duas regiões a utilização da mão-de-obra escrava

no Rio Grande do Sul, que dificultava a racionalização da sua economia e mostrava-se

vulnerável quando da transição da mão-de-obra servil para a livre.

Commercio – ImportaçãoCharque – a existência é de 50.500 sendo 21.000 do Rio Grande e 29.500 do Rio daPrata. A do Rio Grande vende-se de 4#500 a 5#400 e a do Rio da Prata de 3#600 a5#400 (APEB, Jornal da Bahia, 06/01/1870).

Ressalta-se aqui a importância do porto de Salvador como praça de distribuição de

mercadorias importadas que alimenta regiões longínquas graças ao desenvolvimento dos

transportes marítimos (Mattoso, 1978, p.244), resultando também como uma alternativa de

minorar os prejuízos das transações comerciais e ampliar a rede consumidora dos gêneros

alimentícios pelo interior baiano e nortista.

A integração econômica, estabelecida através da circulação de

mercadorias, insere-se em uma das etapas da integração pois, mesmos que os

Estados nacionais latino-americanos e, em especial, no Prata, tenham se

constituído numa perspectiva de aumento de suas fronteiras, em detrimento das

fronteiras do outro, o segundo quartel do século XIX firma-se como aquele da

consolidação da integração econômica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

14

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1934.

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Todos os Santos: dos séc. XVIII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987.

15

DINHEIRO DE CONTADO E CRÉDITO NA BAHIA DO SÉCULO XVIII

Maria José Rapassi Mascarenhas

Doutora em História Econômica – USP

Profa. do Departamento e História da Universidade Federal da Bahia

A escassez da moeda circulante era um problema que afetava a economia da

metrópole portuguesa e principalmente da sua colônia na América. Em face deste problema

o recurso ao crédito tornou-se uma prática comum nos diversos níveis sociais do Brasil

colonial.

Aprofundar esta questão, mostrar empiricamente suas implicações no processo de

acumulação de riquezas na economia e sociedade baianas do século XVIII, especialmente

no período compreendido entre 1760 e 1808, é o nosso propósito. Para tanto, valemo-nos

de abundantes e variadas informações, quantitativas e qualitativas, constantes nos autos de

inventários post mortem das famílias residentes em Salvador. *

A partir da análise das informações dessa documentação, inferimos uma diminuta

quantidade de “dinheiro de contado**” e distinguimos, dentre outros, o crédito como um

bem definidor da riqueza e da acumulação colonial. Entendemos o crédito como parte

integrante de um conjunto, no qual articulavam-se de forma dinâmica as forças e as

atividades produtivas e a circulação de mercadorias, de moedas e créditos, seguindo

principalmente os objetivos mercantis da metrópole portuguesa. Entretanto, desse conjunto,

abordaremos apenas a questão da circulação monetária e do crédito.

Com a carência de moeda generalizou-se não só a prática do crédito, mas também a

prática de escambo pela colônia.

Os inventários post-mortem das famílias de Salvador, no período de 1760 a 1808, atestam a falta de

moedas na colônia. Mesmo entre os inventariados mais ricos não encontramos valores significativos em

dinheiro líquido e era freqüente o pagamento de dívidas com produtos ou bens da família.

Brandônio referia-se ao açúcar como meio de pagamento no início do século XVII, e sugeria aos

moradores da colônia, pelo escasso dinheiro de contado, que quando enviassem ao Reino “sem papéis

* Arrolamos o período entre 1760 e 1808, 322 inventários completos. Embora este número não revele onúmero absoluto da riqueza na Bahia vale como amostragem significativa e representativa da riqueza.** Dinheiro de contado é uma expressão usada na época colonial significando dinheiro líquido em mão.

16

dirigidos por appelação” mandassem “juntamente com elles um caixão de assucar” e bastaria “para a sua

despesa”. i

“Tamanha é a escassez de numerário que os colonos voltam ao sistema pré-histórico dos escambos in

natura dos pagamentos em espécie. (...) o dinheiro vinha a ser mantimentos e carnes e cera e couro e gado e

bois e vacas e porcos, porquanto não há outra fazenda. Em 1624 a edilidade resolve que os impostos sejam

pagos em panos de algodão, cera e couro, pelos preços correntes. (...) Variam de ano a ano as mercadorias que

fazem as vezes de moeda”. “A moeda que existe se encontra nas mãos de alguns ricaços e nos cofres dos

órfãos”, assim Alcântara Machado aludiu ao escambo existente em São Paulo no século XVII. ii

Lindley, bem no início do século XIX, constatava que o escambo era a moeda pela qual realizava-se o

comércio no Brasil, que pessoas relativamente ricas recebiam o pagamento do seu peixe em dinheiro, artigos

de alimentação e vestuário. iii

Criou-se a Casa da Moeda do Rio de Janeiro em 1698, dezesseis anos depois a da Bahia, que

funcionaram ininterruptamente entre 1734 e 1808. Porém não foi solucionada a questão da escassez monetária

na colônia.Apesar da grande extração de ouro e da expansão dos negócios coloniais, os meios de pagamento

monetário não se expandiram no nível desejável, pelo contrário, diminuíram no final do século XVIII,

rareando mesmo a moeda divisionária. iv

Encontramos nos inventários soteropolitanos do século XVIII, referências a pagamentos em espécie

como açúcar, tabaco e outros gêneros agrícolas, tecidos, escravos e imóveis. Até mesmo entre os mais ricos

não deparamos com valores significativos de dinheiro líquido e era freqüente saldar dívidas com produtos ou

bens de família, como é o caso de Manoel Pereira de Macedo e Aragão e sua mulher Dona Catharina Luiza

Marques de Queiroz que venderam parte de seu engenho para Manoel Marques e Queiroz, e receberam do

comprador como pagamento uma morada de casas de três andares com suas lojas de aluguel. v

Atribui-se, como um dos fortes motivos da reduzida circulação pecuniária, à falta de prata na

metrópole e, sobretudo, no Brasil. Para S. Schwartz a própria metrópole portuguesa “freqüentemente sofria

com a carência de moeda metálica e, após o século XVI, dependeu do fornecimento espanhol da prata da

América. Quando esse suprimento começou a minguar, em meados do século XVII, ocorreu uma grave

escassez montaria”. No Brasil, a situação foi mais aguda. Conseguia-se prata peruana através do comércio de

contrabando com a região do Prata. “Esse fluxo sofreu interrupção na década de1620 e estancou-se na década

de 1640. Tal suspensão aliou-se ao declínio do comércio colonial no decênio de 1670, criando uma severa

escassez no Brasil. (...) Em 1670, o governador geral, em resposta à pressão local, escreveu à Coroa que ‘este

país está perdido por falta de dinheiro’,”e apontava como saída para essa situação, ativar o comércio com a

América espanhola. vi

Se a escassez estava, em grande parte, relacionada com a carência da prata, como se explica a

existência de tanta prata transformada em utensílios domésticos e objetos de uso pessoal, como expressam os

inventários? Poucas eram as pessoas que não possuíam, pelo menos, uma peça de prata em casa como salva,

bandeja, castiçais, talheres, pratos, adornos pessoais e outros. O grande valor da prata estimulava o seu

entesouramento, era guardada como bem de valor de reserva, além disso, os objetos de prata continham valor

17

de status e prestígio, tão almejados na sociedade daquela época. Provavelmente estejam aí motivos de sua

carência na economia colonial.

Em face da reduzida circulação monetária na economia da metrópole e principalmente da Colônia, o

crédito caracterizou-se como um meio importante de pagamento e de acumulação. Era um fator essencial nos

negócios coloniais. Em vez de acumular-se moeda, acumulava-se crédito. O uso do crédito cresceu a tal ponto

que se tornou uma moeda invisível circulando na economia da Colônia.

A escassez pecuniária é notada mesmo em caso de grandes fortunas. Essa carência tornava o dinheiro

muito valorizado, de modo que ter “dinheiro de contado” era sinal de grande riqueza. No cômputo geral dos

bens das famílias inventariadas, entre 1760 e1808, havia um volume muito pequeno de dinheiro líquido,

chamado de contado na época. Não constava dinheiro líquido na relação de bens da maior fortuna

inventariada nesse período. Na segunda fortuna encontramos uma quantia ínfima, cento e trinta mil réis, na

quarta havia um conto* setecentos e trinta mil réis, quantia não considerável para uma família rica. Com

exceção de um senhor de engenho que deixou cinco contos e quinhentos mil réis de dinheiro, nos demais

autos de senhores de engenho ou não consta dinheiro de contado ou se havia, não passava de algumas

centenas de mil réis. Os valores mais altos desse bem pertenciam sempre aos comerciantes, variando,

geralmente, de cinco contos de réis para menos, até dez mil réis dos pequenos comerciantes. Esta situação

indica a existência de uma ínfima liquidez para os senhores de engenho, e a diminuta liquidez presente na

economia da colônia concentrava-se nas mãos dos comerciantes. Brandônio, no início do século XVII

comentava que dinheiro de contado custava “muito a juntar-se no Brasil”.vii Esse quadro revela a escassez

pecuniária e a conseqüente necessidade do uso do crédito.

Recorria-se ao crédito quando os lucros não eram suficientes para igualar os custos ou quando o

dinheiro era necessário para expansão da produção e também na compra inicial de uma propriedade. Custos

ascendentes e instabilidade crônica do mercado e da produção acentuaram a necessidade por capital e uma

boa conexão com o crédito. viii

Mas, não era só nestas circunstâncias que se buscava crédito, recorria-se também para comprar

instrumentos de trabalhos, utensílios domésticos, objetos de uso pessoal, artigos de luxo,etc. Enfim, dirigiam-

se ao crédito desde um rico senhor de engenho para investir nos meios de produção, ou nos seus gastos

suntuários até o pequeno barbeiro para comprar um tecido de cetim e ter roupa para aparentar status. Escrevia

o Morgado Mateus em São Paulo, “nesta terra as mulheres não ganham uma pataca, custam os sapatos 4$800

e para cima, trajam-nos todas da melhor seda”,ix tendo que recorrer ao crédito para obter estes artigos e

manter a aparência de luxo. Antonil referia-as aos senhores de engenho valendo-se do crédito para comprar

peças, cobre, ferro, aço, breu, velas e outras fazendas.x Desse modo buscava-se o crédito para quase tudo, da

aplicação na produção à compra de objeto pessoal.

Onde buscar o crédito? As maiores fontes de crédito provinham dos comerciantes,

sobretudo daqueles que se dedicavam ao comércio marítimo de exportação, conforme

* Para se ter uma referência de valores com um conto de réis (1.000$000) comprava-se, em média, de dez adoze escravos na faixa de vinte anos.

18

mostram os autos de inventário. Entre os maiores credores, por ordem decrescente,

podemos citar: 1) Maria Joaquina de Barros, inventariada em 1808 e seu marido Vital

Prudêncio Alves Monteiro eram donos de uma fortuna formada por 84,6% de dívidas

ativas. Atuavam no comércio marítimo com a África, traficavam escravos, eram

proprietários de embarcações, lojas de tecidos e casas de aluguel; 2) Custódio Dias Ferreira,

inventariado em 1801, possuidor da maior fortuna da relação dos inventariados, era

comerciante e senhor de engenho, proprietário de quatro engenhos, lojas e trapiches. Sua

dívida ativa importava em 39,7% do seu montemor. 3) Maria P. Rangel e João R. Silva,

1790, tinha negócios em Lisboa, Porto, África e na Colônia brasileira. Possuía créditos

equivalendo a 65% da sua fortuna. 4) Manoel Pereira de Andrade, 1795, comerciante e

senhor de engenho, proprietário de dois engenhos, fazenda de gado, lojas, trapiches,

embarcações e administrador do real donativo do açúcar e tabaco. Os seus créditos

equivaliam a 21,3% de sua fortuna. xi

Os senhores de engenho, que não exerciam nenhum ramo do comércio, vinham em

segundo lugar como fontes de crédito, porém, muito distantes dos comerciantes. Entre eles,

apareceu como maior credor, em valor absoluto Luís Carlos Pina e Melo, inventariado em

1789, com uma dívida ativa de oito contos e duzentos mil réis, correspondendo a 5,5% de

seu montemor. Por outro lado possuía elevada dívida passiva. Em segundo lugar, Sebastião

Gago da Câmera, inventariado em 1762, com um ativo de sete contos e setecentos mil réis,

equivalendo a 12,2% de seu montemor. Em terceiro lugar, Antonio Marinho de Andrade,

inventariado em 1802, com ativo de cinco contos e trezentos mil réis, perfazendo 7,5% da

sua fortuna.xii Os demais senhores de engenho inventariados possuíam dívida ativa na

ordem de um conto de réis para menos.

Além dessas duas categorias sociais, apareceram como credores, criadores de gado,

proprietários de fazendas de cana, proprietários de curtumes, de fábrica de velas, de

armação de pesca, profissionais da construção civil, artesãos, carpinteiros, barbeiros,

tanoeiros e outros.

Em linhas gerais, a maioria dos inventariados com nível de riqueza até dois contos de

réis, também era credora. Emprestava-se ou concedia-se créditos em todos os níveis sociais.

No final do século XVII e no início do século XVIII, segundo Rae Flory, os maiores

emprestadores de dinheiro eram as instituições religiosas correspondendo a 45,3% do total.

19

Entre elas sobressaiam-se: a Santa Casa de Misericórdia, o Mosteiro de Santa Tereza, o

Mosteiro de Santa Clara, a Ordem Terceira de São Francisco, a Ordem Terceira do Carmo,

a Irmandade do Sacramento e outras. Vale observar que a irmandade beneficiente da

Misericórdia era a maior emprestadora, importando em mais de um quarto da soma total de

créditos dessas instituições.Em segundo lugar vinham os homens de negócios:

comerciantes com 24,3% do total; em terceiro, profissionais da cidade com 12,5%; em

quarto,senhores de engenhos com 7,3%; em quinto, artesãos com 2,4%; em sexto,

plantadores de cana, tabaco e criadores de gado com 1,9%; em sétimo, mercadores

plantadores com 1,4% ;em oitavo, legados administrados privadamente e capelas de missas

com 1,4% e indeterminados com 3,0%.* xiii

Rae Flory relacionou também os tomadores de empréstimos entre 1696 e 1715. Por

ordem vinham: primeiro, senhores de engenho 35% dos valores totais de empréstimos;

segundo, comerciantes 17,4%; terceiro, plantadores de cana 16,8%; quarto, plantadores de

tabaco e criadores de gado 9,8%; quinto, artesãos 6,1%; sexto, profissionais 5,2%; sétimo,

mercadores-plantadores 5,0%; oitavo, instituições e indeterminados 3,6%. xiv

Os dados dos autos de inventários de 1760 a 1808, no que diz respeito a ordem de

credores e tomadores de empréstimos, indicam a continuidade da ordem apresentada por

Rae Flory. Por exemplo, com relação aos maiores devedores, permanecem os senhores de

engenho em primeiro lugar. São os casos de Luís Carlos da Silva Pina e Melo, 1789, com

uma dívida passiva de quarenta contos de réis, implicando em 27% do valor de seu

montemor e de Antonio Marinho de Andrade, 1802, com um passivo montando em trinta e

um contos de réis, importando em 54% do valor dos bens inventariados.

Os Comerciantes, em geral, não apresentavam dívidas tão altas quanto as dos senhores de engenho,

contudo, eram consideráveis. Encontramos entre os maiores devedores Manoel Pereira de Andrade, que por

sua vez era senhor de dois engenhos, fazenda de gado e arrematador do real donativo do açúcar e tabaco,

devia 18% de sua fortuna. Resta saber se suas dívidas eram provenientes da atividade comercial, da

manufatura do açúcar ou da atividade de arrematador. Maria Joaquina de Barros, grande comerciante, atuando

em diversos ramos dessa atividade, tinha uma dívida passiva de 12% de sua fortuna.

Como devedores, abaixo dos senhores de engenho e comerciantes, vinha uma gama variada de

proprietários de fazendas de cana de gado e de outras produções, donos de manufaturas, pescadores, e

artesãos de vários ofícios, sendo, portanto, indivíduos de vários níveis sócio-econômicos. Nessas diferentes

* Este quadro apresentado por Rae Flory foi construído a partir de trezentos contratos de empréstimos poridentidade de credor entre 1696 e 1715. Op. cit. P.73

20

categorias sociais, os valores dos débitos variavam da ordem de quinze contos de réis até menos de dez mil

réis, sendo que, a maioria dos devedores situava-se na faixa de um conto de réis a três mil réis. Quanto maior

era a faixa de valor da fortuna, maior o débito. Dos trezentos e vinte e dois inventários analisados, somente

quatorze apresentaram saldo negativo, ou seja, o valor total das dívidas excedeu o valor total da soma de

todos os bens deixados pelo inventariado. Entre eles, havia um senhor de engenho, um administrador do

contrato dos dízimos reais, pequenos e médios comerciantes, proprietário de roça de cana, pescadores e

artesãos. Portanto, os devedores, cujos bens não eram suficientes para pagar as dívidas e créditos, ocorriam

nos diversos níveis sociais e de riqueza. E ainda, a constatação de que a maioria dos inventariados não deixou

saldo negativo, mostra que a posição das dívidas em geral, não se tornou um problema de grande vulto na

Bahia da segunda metade do século XVIII e início do XIX.

Assim, a situação de dívida, a necessidade de investimentos na produção, a necessidade de consumo e

o luxo, como já foi visto, levavam as pessoas a procurarem o crédito e essa prática recorrente, gerou uma

economia com base no crédito. Com o crédito comprava-se e pagava-se, emprestava-se crédito, assumindo,

assim, o papel de moeda. O crédito circulava como se fosse uma moeda invisível, através de letra de câmbio,

gerando uma riqueza com ínfima liquidez.

O crédito caracterizou-se como um recurso tão essencial na época colonial, que Antonil preocupou-se

em recomendar como os senhores de engenho deveriam comportar-se para não perdê-lo. “Crédito de um

senhor de engenho funda-se na sua verdade, isto é, na pontualidade e fidelidade em guardar

promessas”.Assim como os lavradores cumpriam suas promessas aos senhores de engenho, estes deveriam

cumprir com os comerciantes que lhes emprestavam dinheiro. “Porque, se ao tempo da frota não pagarem o

que devem, não terão com que aparelharem para safra vindoura, nem se achará quem queira dar o seu

dinheiro ou fazenda nas mãos de que lha não há de pagar”. No entanto, aqueles que desperdiçavam dinheiro

em jogos ou em outras coisas, não mereciam crédito ou dilatação do prazo de pagamento. xv No início do

século XIX, T. Lindley noticiava que no Brasil uns concediam créditos aos outros, em larga escala.xvi

O crédito além de ser considerado um recurso para investimentos, para pagar dívidas ou para comprar

qualquer objeto de consumo, era também uma fonte de rendimento através da cobrança de juros das dívidas e

dos empréstimos. A prática da usura atingiu uma boa, senão a maior parcela dos colonos, como demonstram

os inventários. Dos inventariados compulsados, conseguimos contabilizar mais de cem auferindo esse

rendimento, desde o grande comerciante e senhor de engenho até o pequeno oficial mecânico.

Na sociedade colonial, com a escassez monetária, valia mais o crédito, a dívida.

Quem tinha dívida tinha crédito e quem tinha crédito tinha dívida, ninguém seria

verdadeiramente rico sem crédito e sem dívida. Esta prática atingia todos os níveis sociais,

do pequeno artesão, ao grande comerciante e senhor de engenho.

Concluindo, as considerações e dados expostos permitem afirmar que, o crédito,

moeda invisível circulante, constituía uma parcela considerável da riqueza e da acumulação

21

na economia e sociedade coloniais baianas da segunda metade do século XVIII e início do

século XIX.

Sendo assim, ser rico na Bahia não era só ter propriedade de terra para grandes

explorações agrícolas, ter escravos, ser grande comerciante, mas também, possuir

acumulação de créditos.

22

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS E DE FONTES

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vii BRANDÔNIO, Ambrósio Fernandes. op. cit. p. 57viii Flory, Rae J. Dell. Bahia society in the mid. Colonial period: the sugar planters, tobacco growers,

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São Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1967. p.169xi INVENTÁRIOS de: Maria Joaquina de Barros, 1808; Custódio Dias Ferreira, 1801;

Maria Pereira Rangel, 1790; Manoel Pereira de Andrade, 1795. APEB, Salvador.xii INVENTÁRIOS de: Sebastião Gago da Câmara, 1762, Luís Carlos da Silva Pina e Melo

1789 e Antônio Marinho de Andrade, 1802, APEB, Salvador.xiii FLORY, Rae op. cit., p. 73xiv FLORY, Rae op. cit., p. 75xv ANTONIL, André J. op. cit. P. 169xvi LINDLEY, T. op. cit. p. 172 e 173