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VNIARCH

Clio/Ar4ueolooia

Revista da UNIARCH - Unidade de Arqueologia do Centro de História da Universidade de Lisboa (Instituto Nacional de Investigação Científica), vol. 1, 1983-84.

Direcção: Victor GonçaJves

Colaboradores permanentes: Ana Margarida Arruda, J. C. Senna-Martínez, Pedro Barbosa, Helena Cata ri no, Ana Carvalho Dias

Orientação gráfica e capa: Victor Gonçalves

Capa: Ektachrome de V.G. (Vila Nova de S. Pedro, pormenor da fortificação interior)

Revisão de provas: Ana Lúcia Esteves e Mário Cardoso

Fotocomposto por Textype, Lisboa

Impresso por Minerva do Comércio, Lisboa, 1985

Distribuído por Imprensa Nacional, Rua Marquês Sá da Bandeira, 16 A, 1000 Lisboa

As ideias expressas pelos colaboradores de CLlO/ ARQUEOLOGIA não são necessariamente as da Unidade de Arqueologia.

Toda a correspondência:

Unidade de Arqueologia. Centro de História. Faculdade de Letras. 1699 Lisboa Codex - Portugal.

Aceita-se permuta/Echange accepted/On prie l'échangelTauschverkehr erwünscht

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INDICE

Editorial

- Apresentação, seguida de uma Pavana por uma arqueologia (quase) defunta, com votos de pronto restabelecimento Victor Gonçalves . . . .. .... .. . . .. . . . . ..... . ... ... .. ... . .. . . . . .. .. .. .. .......... . . 9-15

Estudos e intervenções

- Um corte através da fortificação interior do castro calco lítico de Vila Nova de S. Pedro, Santarém (1959). . H. N. Savory ........ . ...... . . . ............. . .... . ... . ................. .. .. . . . . 19-29

- A cronologia absoluta (datações C14) de Zambujal H. Schubart e E. Sangmeister .............. ...... . . . . ...................... . ... 31-40

- O povoado calcolítico de Leceia (Oeiras), La e 2.a Campanhas de escavação, (1982, 1983) João L. Cardoso, Joaquina Soares e Carlos Tavares da Silva . .. ..... . . ... ..... . . . 41-68

- Cabeço do Pé da Erra (Coruche), contribuição da campanha 1 (83) para o conhecimen-to do seu povoamento calcolítico 'Victor Gonçalves ... . . ..... .... .. . ... . . . .... . . . . . . .. .. ..... ... ....... .. . . ... .... 69-75

- Resumos de intervenções em Escoural (Montemor-o-Novo) e Monte da Tumba (Torrão) Rosa e Mário Varela Gomes, M. Farinha dos Santos, Joaquina Soares e Carlos Tava-

res da Silva ... . .. .. .. . ................ ... . .. . . .................. . . . . . . . 77 -79

- Doze datas 14C para o povoamento calcolítico do cerro do Castelo de Santa Justa (Alcoutim): comentários e contextos específicos Victor Gonçalves .. .... ....... ............ . ..... . . . . . . . ... .. . . .. ..... . . ..... .. .. . 81-92

- Precisiones en torno a la cronologia antigua de Papa Uvas (Aljaraque. Huelva) J. C. Martín de la Cruz .. .. . ................... .. ... . ................... . ... . ... 93-1 04

- Contribuições para uma tipologia da olaria do megalitismo das Beiras: olaria da Idade do Bronze . J. C. Senna-Martínez . . ........................ . .. . . . ...................... . ... 105-138

Em discussão

-- Povoados calcolíticos fortificados no Centro/Sul de Portugal: génese e dinâmica evo­lutiva Victor Gonçalves, João Cardoso, Rosa e Mário Varela Gomes, Ana Margarida Arruda, Joaquina Soares, Carlos Tavares da Silva, Caetano de Mello Beirão, Rui Parreira. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 141-154

Arqueologia hoje (Conversas de Arqueologia & Arqueólogos)

- Jean Guilaine responde a Victor Gonçalves

Medir e contar

- Contribuições arqueométricas para um modelo socio-cultural: padrões volumétricos na Idade do Bronze do centro e NW de Portugal

157-166

J. C. Senna Martínez ..... . .. . . . ... . . .. . . ...... . ... . .. . . . . .. . . . . ....... . ... .. . . 169-188

Varia Archaeologica

- Três intervenções sobre arqueologia no Algarve Victor Gonçalves, Ana Margarida Arruda, Helena Catarino 191-196

- Arte~acto de pedra polida de grandes dimensões provenientes de Almodêvar (Beja) Victor Gonçalves ........ . ... . .................. . ......................... . . .. .. 197 -199

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Em construção. Relatórios de actividade

- Programa para o estudo da antropização do Baixo Tejo e afluentes: Projecto para o estudo da antropização do Vale do Sorraia (ANSOR) Victor Gonçalves, Suzanne Daveal' .... . .. .. .. . . ' " . ... . . . . .. . . . .. . . . . . . . . ... 203-206

- Programa para o estudo da evolução das sociedades agro-pastoris, das origens à metalurgia plena, dos espaços abertos aos povoados fortificados, no Centro de Portu­gal (ESAG). Victor Gonçalves .. . ... ... .. .. ....... . . . ... . .. . ... ..... . . . . . . . . .. .. .... . ... . .... 207-211

- O monumento n.o 3 da Necrópole dos Moinhos de Vento, Arganil - A Campanha 1(84). J. C. Senna-Martínez .. .. .. ........ .. .... . .. . . . .. . . . .. . .. . . . .. .. .... .. . ........ 213-216

- Alcáçova de Santarém. Relatório dos trabalhos arqueológicos de 1984.

Ana Margarida Arruda . .. . . ..... . ..... . ... .. .. . .. . . . . ... . . ... . . . .. . . ... .. ...... 217-223

- Anta dos Penedos de S. Miguel (Crato). Campanha 2(82).

Victor Gonçalves, Françoise Treinen-Claustre, Ana Margarida Arruda, Jean Zammit.. 225-227

- Anta dos Penedos de S. Miguel (Crato). Campanha 3(83). Victor Gonçalves, Françoise Treinen-Claustre, Ana Margarida Arruda, Jean Zammit 229-230

- Cerro do Castelo de Santa Justa (Alcoutim). Campanha 5(83). Objectivos, resultados, perspectivas. Victor Gonçalves ... . .................................... .. ..... .. ... ... .... .. .. 231 -236

- Cerro do Castelo de Santa Justa (Alcoutim). Campanha 6(84). Resumo de conclusões. Victor Gonçalves ... .. ........... .. ........... . .... ... ... ... ... ... ... ... .... . ... 237-243

- Escavações arqueológicas no Castelo de Castro Marim. Relatório dos trabalhos de 1983. Ana Margarida Arruda ... .. .... . ...... . .... . ...... . . . .... . ...... . ..... . .... ... . 245-248

- Escavações arqueológicas no Castelo de Castro Marim. Relatório dos trabalhos de 1984. Ana Margarida Arruda ... .... .. . ........ . ..... . .. ... .... . .. . .. . .. .. . . .. ... ..... 249-254

livros Novos, Novos Livros - Para uma arqueologia total.

Luís Gonçalves, Paula Ferreirinha

- Pré-História e Decadência.

257-259

Teresa Gomes da Costa, António Baptista .... .. ... . .................... . .... .. .. 259-262

- Pré-História Europeia, entre o ensino e o mito. Nuno Carvalho Santos .......... . .... .. ..... . ..... .. .... . ...... . .... . . . ........ 262-264

Notícias e Recortes As primeiras comunidades rurais no Mediterrâneo Ocidental ... . ..... . ..... . .. .. . . . Comissão Directiva do Centro de História . .. ... .. . .. . . ....... . ..... . .. .. .. ... ..... . Quinta do Lago, uma intervenção de emergência da UNIARCH ...... ... ... . .. . ..... . A UNIARCH e o projecto ANSOR em Coruche .. .. ..... .. .......... .. ..... . . .. .. . . . Encontros UNIARCH/MAEDS ...... . . . .... .... ... .. . . . ... .. . . . ... .. ...... . . , .. .. . . Novas grutas em Torres Novas ." ....... , ..... . ....... , ......... , ...... , .. ..... . , Doutoramento em Pré-História .,., . . , .. . . .. ... " . . .. . . . ... ... ..... .. ..... , .. ... .. . Novo doutoramento em Arqueologia . ........ . , .. ... ... , . ... " . .... , ..... " .. .. ", .. Vila Nova de S, Pedro: o recomeço , ... , .. . ... , .. , .... , ... " .. .. , .. ... " . . . , ... .. . , Publicações da UNIARCH .. , . .. , .. .. ....... . , ... . . . . , .. , . " .. .... . " . ... . . ... .. . . Governador Civil de Faro visita escavações do Cerro do Castelo de Santa Justa , . .. . RECORTES .. "."", .... "", ..... ",.", ... .. .... ,., .... , .... " . .... , .. .... . . .

Em anexo Textos de Arqueologia em CLlO, Revista do Centro de História da Universidade de

Lisboa (1979-1982) .... . ....................... :, ..... . , ............ .. ...... . Autores de textos em CLlO/ARQUEOLOGIA 1: observações e endereços .. . .... ... . .

.267-269 269

270-271 272-273

273 273-273 274-276 276-277

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CLlO/ARQUEOLOGIA, REVISTA DA UNIARCH, VOL. 1, LISBOA, 1983-1984 191

Três intervenções sobre arqueologia no Algarve'

VICTOR GONÇALVES' ANA MARGARIDA ARRUDA ·" HELENA CATARINO' .

, Prospecções arqueológicas no Algarve: uma perspectiva prospectlv.

1. 'A situação de grave crise económica que se ins­talou no nosso País obriga a que graves opções se­jam tomadas, até mesmo, ou por isso mesmo, em campos nitidamente não prioritários, como o da activi­dade arqueológica.

A este facto, que condiciona os investigadores a limites concretos na sua própria perspectiva, não é estranha a sistemática redução da verbas' de que ha­bitualmente dispunham e a insegurança que pro­gressivamente atingiu os projectos mais viáveis ou as simples intervenções pontuais. Colocou-se, ent~o, no cerne das discussões, o problema do estabelecimento de prioridades claras, não apenas na escolha dos mo­numentos e sítios a escavar mas numa outra opção­-charneira: escavar ou prospectar. Esta opção, ab­surda noutros contex1os, ganhou, perante as restri­ções orçamentais, um outro vigor .

Mas se a crise é real, os números falam por si. O que importa é, portanto, e para romper o bloqueio.à partida, definir os critérios mais adequados à conjun­tura. O que se resume em decidir o que é prioritário para a arqueologia do Algarve nos próximos três anos: escavar monumentos e sítios que o justifiquem ou prosperar e cartografar sistematicamente as mui­tas áreas que permanecem por investigar.

Uma perspectiva, tão generalizada quanto incorrec­ta, tende a colocar a actividade arqueológica como preenchimento de ócios de uma minoria desocupada, como uma inutilidade interessante ou ainda como um campo folclórico de d.evaneios sazonais.

Uma vez que o mIto existe, comecemos por ele. A história de uma região, ou de um povo, faz-se

• Reúnem-se aqui, sob um título comum, as três comunicações apresentadas por membros da equipa do projecto CAALG (Carta Arqueológica do Algarve) ao 3. o Congresso sobre o Algarve, promovido pelo Racal Clube de Silves em Montechoro, de 19 a 22 de Janeiro de 1984. Os textos foram divulgados inicialmente no volume 1 das publicações do Congresso, respectiva­mente nas flP. 27-33, 45-49 e 15-25.

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192 não apenas por uma selecção de sincronias úteis mas por uma aproximação diacrónica integral. Não pode­mos recortar no tempo a reconquista do Algarve, a expansão de Lagos ou a retracção do porto de Olhão. Estes fenómenos, analisáveis isoladamente por puro conforto metodológico, fazem parte de uma tumultuo­sa torrente de factos cuja interpenetração ou cavalga­mento gera, por vezes, momentos particularmente' in­teligíveis, assinalados por dominantes. São essas do­minantes - expansão, retracção, estabilização, estagnação, transição - que, com maior ou menor dificuldade, permanecem na memória colectiva ou são registadas por cronistas ou historiadores, contempo­râneos ou posteriores a esses acontecimentos, por reconhecimento imediato ou após um certo número de fases de investigação.

Mas estas mesmas dominantes representam simpli­ficações artificiais da realidade, qualquer que ela te­nha sido, e se a carta não é o território, a dominante está muito mais longe de resumir eficazmente o real.

É assim na multiplicidade das leituras, e na sua tanto quanto possível integralidade, que assenta a re­construção que a História opera. O que é obviamente extensível aos períodos históricos em que o registo escrito era ainda desconhecido, objecto natural da Pré-História e da Arqueologia Pré-Histórica, e até mesmo àqueles outros em que a multiplicação incon­trolável do documento escrito exige uma leitura com­plemenar ou paralela só possível através da perspectiva arqueológica.

A Arqueologia parece, logo à partida, exigir um grau de preparação técnica que afasta amadores mais ou menos esclarecidos', sendo próprio de profissionais al­tamente especializados e cuja formação de base em Ciências Humanas é, no mínimo, compreensível. Longe de ser tarefa aventureira de diletantes, é sério trabalho de equipa, exiginç;fo infra-estruturas instituci­onais cuja solidez lhe permita resistir às flutuações políticas e estabilizar-se no médio e no longo termo.

2. Em 1979, num artigo sobre cartografia arqueoló­gica do Algarve, enunciava alguns pontos que viria a retomar em 1982. Basicamente, tratava-se de definir o como, porquê e quem, no que se referia à arqueolo­gia do Algarve. A ordem dos factores não é aqui signi­ficativa, todos fazendo parte de uma questão global. Vistos acima alguns dos porquês, será de insistir no como.

Começando pelo começo: cartografia arqueológica ou escavação?

Por certo a escavação é o único processo de se progredir no conhecimento do passado de uma dada região e tentativas recentes de aplicar quantificações de vestígios de superfície à interpretação geral de um sítio têm produzido tais resultados que, para usar uma linguagem de fotógrafo, as imagens obtidas apresen­tam tanto grão que os traços indicadores são por de­mais ténues para possuírem alguma pertinência.

Mas se a cartografia de monumentos e sítios não estiver feita e disponível, a verdade é que a escava­ção selectiva é impossível e não poucos serão os vestígios arqueológicos que ficarão à mercê do cres­cimento urbano desenfreado, da expansão dos aldea­mentos turísticos, da implementação da actividade in-

dustrial, da construção de novas pontes e barragens ou ainda do alargamento da rede viária. Estas amea­ças são constantes no Algarve e não poucos monu­mentos e sítios desapareceram ou foram irremedia­velmente mutilados. Nos últimos anos, a progressiva mecanização da agricultura em áreas onde predomi­nava a charrua de tracção animal veio acrescentar um perigo mais à já longa lista.

Neste contexto, pareceria evidente que, se nos en­contrássemos perante uma rigorosa alternativa, deve­ríamos privilegiar a prospecção arqueológica sobre a escavação.

Só que talvez não seja errado procurar uma posi­ção de compromisso, associando os dois tipos de in­tervenção: procurar rapidamente inventariar o que ainda é possível salvar, proceder a escavações selec­tivas em monumentos e sítios ameaçados de destrui­ção e promover operações de investigação a longo termo. Deste compromisso seriam logicamente excluí­dos os amantes da arqueologia fácil, das acções de­sarticuladas, os doentes de um certo complexo de pulga que contaminou alguns buscadores de fama e proveito e os faz escavar este ano aqui, no outro ano acolá, sempre à espera de encontrarem a tal desco­berta.

O maior pr~gmatismo deverá, pois, presidir à plani­ficação da actividade arqueológica na região algarvia e gostaria de sublinhar ~ma das possibilidades que maiores possibilidades de êxito me parece reunir.

3. A rentabilização da arqueologia, quer em termos culturais quer em termos financeiros, terá de ser na actual conjuntura, ponto fulcral da política a adoptar. Não vivemos, com efeito, tempos que encoragem a diletância, nem sequer a hipocritamente chamada 'in­vestigação pura', havendo que rever eventuais apoios a projectos cujo objectivo não esteja claramente defi­nido. O que implica exigir ao arqueólogo que redimen­sione os seus projectos à medida da comunidade (que, directa ou indirectamente, os paga). E se este dimensionamento não é difícil, mais simples ainda é a rentabilização cultural desses projectos, ainda antes de ser divulgado o seu resultado científico: através de exposições, reunindo materiais arqueológicos e foto­grafias dos trabalhos, opera-se uma abertura e contribuiu-se activamente para a géneses de uma no­va compreensão do património arqueológico.

Só um louco destrói o que conhece. Dar a conhecer o património arqueológico em investigação não é o menor dos deveres do arquólogo.

Seria absurdo falar de tudo isto sem salientar o pa­pei e a responsabilidade das autarquias e do seu or­ganismo coordenador. Para já, porque pelo menos em três lugares deveriam repetir-se essas exposições: no próprio sítio da escavação (sempre que possível), na sede do Concelho (quando estes dois lugares não coincidam) e na sede do Distrito, de preferência na Assembleia Distrital, cuja função dinamizadora no campo da cultura tem necessariamente de ser incre­mentada, como espaço de mostra do que se faz e produz nas autarquias nela coligadas.

Os Museus Municipais, infelizmente raros no Algar­ve, representam hoje, a nível nacional uma importante tendência que deve ser estimulada e apoiada a todo o

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custo, contrapondo-se ao gigantismo macrocéfalo e amorfo dos ditos 'Museus Nacionais', cujo papel não se nega, desde que cessem de parasitar indefinida­mente as regiões numa obsessão centralizadora que Estácio da Veiga duramente castigou.

Com efeito, onde, senão na área de onde são .pro­venientes, deverão ser expostos os achados arque­ológicos?

Importantes artefactos, de grande valor museológi­co e científico, recolhidos por todo o Algarve, encontram-se hoje nos sítios mais díspares. Urge re­cuperar tais colecções, depois de criarmos as condi­ções para que possam vir a ser expostos aqui mesmo, no Algarve, onde foram recolhidos. E impedir a conti­nuação deste êxodo. Para o que deveremos estudar atentamente a política museológica possível de ime­diato para a região algarvia.

Nesta linha de ideias, se um Museu de sítio para Alcalar é o mínimo que a autarquia de Portimão deve­ria antever para o futuro próximo, esta carência está longe de se resumir a um caso isolado. Há que pensar atempadamente em acolher em Tavira os milhares de peças provenientes de Torre d'Ares e que permane­cem, naturalmente contra vontade dos escavadores daquele importantíssimo sítio romano, encaixotados no Museu Nacional de Arqueologia. Tal como Faro deverá recuperar o vasto' e excelente espólio das es­cavações das Pontes de Marchil, um acampamento da Idade do Bronze. Em Alcoutim e Faro deverão dar entrada as extensas séries que a minha equipa reco­lheu no Algarve Oriental, em sete anos de pesquisas arqueológicas, e Castro Marim, se conseguir as condições de segurança que lhe faltam em absoluto, será o lugar para reunir o espólio do Castelo, cuja sequência estratigráfica vai do Bronze Final ao pe­ríodo árabe e medieval.

Num mapa do Algarve, Castro MarimNila Real de Santo António, Tavira, Faro, Portimão, (uma vez que em Lagos já existe Museu) parecem constituir-se co­mo as sedes ideais para os polos de estruturação museológica.

Esta uma maneira de rentabilizar no médio prazo a arqueologia da região algarvia. Mas a curto prazo, e para além das exposições que já referi, outras práti­cas podem ser adoptadas, e durante as próprias es­cavações. Neste sentido, a Unidade de Arqueologia do Centro de História da Universidade de Lisboa pre­para textos. em quatro línguas para serem distribuídos aos visitantes do Castelo de Castro Marim, para o que solicitou o apoio da Comissão Regional de Turismo. A experiência das escavações deste ano demonstrou a urgência deste procedimento numa circunstância' em que a afluência de público é enorme, público na sua maioria enquadrado por pretensos guias turísticos que inventam mais de nove décimos do que dizem a turis­tas incautos, receptores crédulos e indefesos de uma mensagem grosseiramente trucada.

Uma situação deve aqui ser apontada como quase exemplar. Estou a referir-me a Vila Moura, onde se verificou uma extraordinária confluência entre um sítio de grande importância arqueológica e uma empresa com singular abertura ao significado de um espaço

. ~rqueológico . É certo que também o devemos -a um

dos últimos grandes senhores da arqueologia portu­guesa, o Prof. D. Fernando de Almeida, mas nada minimiza a acção privada na valorização das ruínas.

E significativo é dizermos que enquanto o Estado não evidencia capacidades para gerir o seu próprio património (que é, aliás, o nosso) uma empresa priva­da, beneficiando é certo de uma Ipcalização espacial privilegiada, consegue mesmo 'pô-lo a render', regis­tando um número record de visitantes. Eis como a Arqueologia, em certos casos, bem pode pagar-se a si própria, trazendo inclusivamente dividendos .. .

Pergunto-me, aliás, e aqui deixo a questão, se um apoio maior dos organismos turísticos, tanto estatais como privados, não viria a contribuir de forma decisiva para o avanço da arqueologia no Algarve e se a ex­ploração das potencialidades em termos de turismo cultural do Castelo de Castro Marim (e de outros mo­numentos) não deveria, após cuidada regulamenta­ção, ser entregue a empresas privadas, que subsidi­ariam maioritariamente as pesquisas e as obras de beneficiação. Esta privatização da arqueologia não é ponto a que deixemos de voltar em futuro prÓximo.

4'. Falei já de problemas provocados pelo estabele­cimento de prioridades na programação ds activida­des arqueológicas, da responsabilização das autar­quias pela defesa do seu património, consubstanciada pela dignificação desses conjuntos, e, também, da re­de museológica possivel e da rentabilização de ar­Queologia. Não queria terminar sem o que poderia ser chamado de uma perspectiva prospectiva, e um ponto aparece desde já como adquirido: o Estado português, exausto financeiramente, não pode guar­dar o monopólio das intervenções em monumentos e sítios de interesse arqueológico.

Esta incapacidade implica que se definam parâme­tros de actuação entre a iniciativa estatal e a privada. Neste campo não é possível encarar a investigação arqueológica no Algarve, em termos de futuro, sem privatizar e rentabilizar (duas acções estritamente co­nexas) áreas prioritárias de intervenção.

Que o Estado guarde para si a construção ou apoio técnico aos Museus, existentes ou a criar, e que os serviços estatais abandonem a sua curiosa tendência necrófila, permitindo, incentivando, promovendo a ini­ciativa privada em áreas para as quais não tem capa­cidade de gestão, eis uma proposta concreta, ou prospectiva, como se pref~rir.

II

Lisboa, Inverno de 1983 V.G.

Escavações no Castelo de Castro Marim: sua integração no contexto do turismo regional

Em 1976, uma análise. da conjuntura arqueológica determinou a criação no Centro de História da Univer­sidade de Lisboa de um projecto cujo objectivo era a

193

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194 inventariação, cartografia e investigação de monu­mentos e sítios arqueológicos do Algarve. Era a Carta Arqueológica do Algarve (CAALG), dirigida pelo dr. Victor Gonçalves e cujo primeiro grande programa, o estudo do povoamento do Baixo Guadiana, dura desde então, estando agora a desenvolver a sua fase C.

A escolha do Algarve Oriental e do Guadiana, afora o»tras considerações, que a justificavam, ficava também a dever-se,( à convicção de, que a grande mancha branca existente em todos os mapas arqueo­lógicos exactamente sobre essa região não corres­pondia à' realidade, traduzindo apenas. as considerá­veis dificuldades de acesso e deslocação e que ainda hoje se fazem sentir' ao papel que o Guadiana terial representado, tanto como via de penetração de popu­lações mediterrânicas como polo difusor de culturas do interior, o que contempla particularmente as do actual Alentejo.

Dezenas de monumentos e sítios foram então iden­tificados e estão no prelo as primeiras listagens que se lhes referem. Nalguns casos, procede-se a esca­vações, noutros a recolhas de superfície, de acordo com o interesse presumível.

Foi neste contexto que se programou a escavação do castelo de Castro Marim durante um período mé­dio/óptimo de cinco anos.

Castro Marim era conhecido pelo menos desde Es­tácio da Veiga como sítio de grande importância ar­queológica: citam-se materiais paleolíticos, possivel­mente epipaleolíticos, calcolíticos, das Idades do Bronze e Ferro e, evidentemente, romanos e medie­vais, A sua identificação com Baesuris nunca foi se­riamente contestada.

Beneficiando de uma localização estratégica, na foz dessa grande estrada natural que é o Guadiana, jo­gou em vários períodos da, nossa história importante papel. Recolhas de superfície no Castelo permitiam afirmar ter a área sido ocupada pelo menos desde a Idade do Bronze, sendo mesmo, provavelmente, da Idade do Cobre alguns achados efectuados por Está­cio da Veiga na encosta de acesso.

As escavações de 1983 decorreram durante todo o mês de Setembro e abrangeram a remoção de quase 150 m3 de terras. A localização da sondagem, cuida­dosamente escolhida, proporcionou uma sequência estratigráfica praticamente desprovida de entulho no seu topo, tendo revelado uma espessa muralha roma­na com quase três metros de espessura e extrema­mente bem conservada. Solos de ocupação quase in­tactos e deposições funerárias foram igualmente re­gistados.

Durante os trabalhos foi a escavação visitada por centenas, senão milhares, de turistas nacionais e es­trangeiros, o que justifica, aliás, esta nótula.

O interesse destes turistas era mais que evidente, e não tanto pela imponência das estruturas como pelo imediatismo das descobertas arqueológicas que natu­ralmente ocorriam durante a sua presença, fazendo­-os colocar inúmeras questões, às quais os guias que por vezes os acompanhavam respondiam com tanta inexactidão como dispiciência.

Escusado seria dizer que o Castl;llo de Castro Ma-

rim apresenta a localização ideal para um lucrativo empreendimento de turismo cultural: está perto de ex­tensas e frequentadas praias que atraiem o turismo de massas e de outras mais pequenas, a propiciarem outro tipo de instalação. Na área vasta em que se situa, o vazio cultural é quase total, sendo geralmente muito politizadas as poucas iniciativas deste tipo que nela decorrem.

E, no entanto, Castelo Fantasma é bem a designa­ção para a velha fortificação. Monumento Nacional, anualmente assistimos ao esbanjamento de verbas vultosas em operações de restauro que apenas o mascaram mais e mais sob grosseiras capas de ci­mento falsificado. O lixo acumula-se, o entulho amontoa-se e as escassas dotações orçamentais da Reserva do Sapal de Castro Marim, que nele instalou a sua sede, não permitem o esperado aproveitamento de uma associação aparentemente destinada a um claro sucesso.

Verdade seja dita que a autarquia responsável ab­solutamente nada tem feito para valorizar um dos seus poucos bens, devendo 'mesmo ser-lhe assacada gorda fatia de responsabilidade pelo entulhamento e terraplanagem criminosos de importante área junto' à fortaleza afonsina e pelas destruições anualmente ve­rificadas pela: implantação de grandes postes para bandeirolas comemorativas das festas, permitindo com indiferença a actividade de prospecção clandesti­na de moedas e outros artefactos antigos na encosta do Castelo e no seu próprio interior.

Mas sejamos claros: estas críticas não recolhem a mínima hostilidade para com aquela autarquia do So­tavento. Antes querem chamar a atenção para um es­tado de coisas que tem de parar a todo o preço e, de seguida, regredir até níveis suportáveis. As autarquias têm de assumir elas próprias a defesa do seu patri­mónio e só assim este será assumido autenticamente como património colectivo. Castro Marim se não tiver, como parece não ter, técnicos que a aconselhem po­dem contar com o apoio gratuito dos investigadores que trabalham na região em geral e no Castelo em particular. Não há, portanto, desculpas para que este estado de coisas contihue e ele tem de ser eliminado seja qual for o custo político desta operação.

Finalizando esta breve panorâmica, e antes de passarmos aos possíveis remédios, haverá que recor~ dar o Museu que a Reserva do Sapal promoveu em pleno castelo. Dir-se-ia que esta excelente iniciativa poderia compensar um pouco a terrível situação des­crita, mas atenção: é absurdo resumir a densa história desta região a três salinhas sobrecarregadas de infor­mação indigerível. E este é o erro principal. O verda­deiro Museu é o Castelo. as suas paredes, a sua his­tória, as sombras que o povoam, a luz que escorre pelas suas paredes. E como um dos membros da equipa do Centro de História diz, numa comunicação a este mesmo Congresso, há que rentabilizar a Ar­queologia, fazendo-a sair de um isolamento perni­cioso.

É neste sentido que a Unidade de Arqueologia do Centro de História da Universidade de Lisboa aqui traz as seguintes propostas.

1. Imediata paragem de qualquer intervenção no

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Castelo por parte da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos nacionais sem que uma comissão de peritos se pronuncie sobre a oportunidade e os objec­tivos concretos dessa intervenção.

2. Imediata suspensão da implantação de postes de bandeira em plena área arqueológica do castelo por parte da Comissão de festas de Castro Marim.

3. Início de operações de limpeza e desaterro gerais.

4 . Passagem das cavalariças actualmente exis­tentes em pleno Castelo para área a determinar pelos interessados mas obrigatoriamente exteriores a ele.

Em seguida, 1. Completa reformulação do aproveitamento (ou

deveria dizer: desaproveitamento?) do Castelo. 2. reformulação e abertura vigiada do Museu. 3. instalação de um guarda-porteiro permanente. 4. cobrança de entradas cujo montante cobriria

apenas despesas culturais ou, ainda melhor, a própria valorização do Castelo. Um bilhete acessível, 50$00 por exemplo, multiplicado pelos milhares de visitantes, pagaria o guarda, a promoção turística, as escava­ções arqueológicas ...

5. criação de uma Associação dos Amigos de Cas­tro Marim que incluiria obrigatoriamente os Hotéis da região e que até agora têm aproveitado, sem retribui­ção, os potenciais turísticos do Castelo.

A sexta proposta seria a edição de um Guia do Castelo mas contactos já estabelecidos com a Comis­são Regional de Turismo do Algarve fazem crer que este projecto seja uma realidade já em 1984.

Uma última palavra, com Castro Marim, a sua au­tarquia, os operadores turísticos, com a Região do Algarve, não vamos deixar que as pedras erguidas pelos Cavaleiros do Mestre D. Paio Peres Correia, sobre a fortaleza árabe, construída sobre a fortifica­ção romana, erg uida sobre o povoado da Idade do Ferro, levantado sobre aldeias da idade do Bronze, sejam ou continuem a ser conspurcadas e escandalo­samente desaproveitadas. E porque o País está eco­nomicamente exausto vamos não apenas recuperar o castelo mas ... pô-lo a render.

III

Questões gerais sobre a arqueologia árabe medieval no Algarve Orientai

A.M.A.

Após as primeiras investidas árabes, a ocupaçãú da Península prosseguiu de uma forma mais ou menos sistemática. Contudo, no que se refere à ocupação do espaço geográfico que corresponde hoje a Portugal e mais especificamente ao Algarve, ainda nos faltam muitos elementos para que se possa tecer um estudo preciso e pormenorizado desse espaço.

Se é verdade que o Algarve desde logo passou a ter uma importância sobejamente conhecida pela concentração de núcleos urbanos onde se processa­va uma intensa vida político-administrativa (Ossono-

ba, Silves), também grande número de aldeias e pe­quenos lugares de características puramente rurais fervilharam numa actividade económica ligada à agri­cultura (nomeadamente ho·rticultura e fruticultura) e à criação de gado, que uma prospecção metódica e sistemática tem vindo a trazer ao nosso conhecimen­to. Assim, e apesar das limitações e escassez de mei­os, temos tentado preencher' um lugar vazio da nossa arqueologia quando a partir de 1977 iniciámos as pri­meiras fases de um trabalho de prospecção e levanta­mento cartográfico de povoados e sitias de caracterís­ticas Árabe/Medievais, no amplo projecto que abrange vários concelhos do Algarve, com vista à ela­boração de uma carta arqueológica (projecto CAALG, funcionando no Centro de História da Universidade de Lisboa) .

Servimo-nos numa primeira fase das escassas indi­cações bibliográfic~s existentes e sobretudo da obra de Estácio da Veiga Antiguidades Monumentaes do Algarve tão rica para os sítios arqueológicos Pré-His­tóricos mas tão omissa em relação a tudo que seja posterior à época romana. Numa fase posterior iniciá­mos os trabalhos de prospecção nas zonas onde se notavam as grandes lacunas deixadas por Estácio da Veiga na sua cartografia sobre o Algarve. Neste senti­do iniciámos os trabalhos na Serra do Caldeirão se­guindo uma pesquisa exaustiva de topónimos nos concelhos de Tavira e Loulé prosseguindo para os de Alcoutim e Castro Marim onde se identificou grande número de povoados e sítios, como se poderá ver na amostragem do mapa em anexo.

No concelho de Castro Marim a Unidade de Arque­ologia do Centro de História chegou mesmo a realizar' uma intervenção de emergência no povoado Árabe/ /Medieval de Vale do Bôto onde pode identificar vá­rias estruturas habitacionais, um conjunto de sepultu­ras e alguns silos. Pelas cáracterísticas desse conjun­to e pelo material recolhido podemos inferir tratar-se de um povoado distintamente rural.

Dos sítios cartografados recolhemos grande quanti­dade de telhas e cerâmica de uso comum. As telhas recolhidas são tipicamente Árabe/Medievais pela sua forma original, todas bastante decoradas com bandas onduladas ou ziguezagueantes impressas no barro ainda mole, com o auxílio dos dedos ou de um estile­te. No se\.! acabamento vemos que os bordos destas telhas são na sua maioria denticulados. Possuem to­das uma ' pasta grosseira e numerosos grãos de componentes não plásticos.

As cerâmicas recolhidas nas diversas campanhas de prospecções podem ser distribuída? por três cate­gorias específicas:

- Cerâmica vidrada (melados) na sua maioria constituída por pequenas taças contendo por vezes vestígios de decoração a óxido de manganésio, pro­duzindo efeitos de tonalidade castanho escuro. Pela sua fragmentação é-nos, no entanto, impossível de­terminar os tipos de decoração existentes nessas pe­ças.

- Cerâmica não vidrada, de variadas formas; cântaros, pequenos potes ou grandes malgas sem de­coração ou decoradas com bandas em séries de três, obtidas a partir de àedadas ou pinceladas com cal.

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196 - Grandes recipientes de uso específico como se­jam os alguidares troncocónicos e os grandes pot~s e bilhas de armazenamento. Trata-se de. peças grossei­ras onde são bem visíveis os componentes não plásti­cos e maioritariamente sem qualquer decoração. No

. entanto, o bordo ou o colo destes grandes potes pode ser por vezes decorado com finas linhas penteadas e ondulantes feitas no barro ainda mole.

O estudo destes materiais revela-se de grande im­portância na medida em que se trata de objectos de formas idênticas para todos os povoados até agora identificados, o que nos permitirá vir a elaborar uma ficlia descritiva e a catalogar devidamente as formas, técnicas de fabrico e tipos de decoração a fim de es­tabelecer um estudo tipológico pressupondo a exis­tência de contínuas evoluções no povoamento rural neste período.

Conclusões

Independentemente de toda a significação quantita­tiva de importantes estações arqueológicas do perio­do Árabe/Medieval distribuídas pela Península Ibérica ou ao longo do Mediterrâneo; em relação ao paupérri­mo panorama português podemos salientar que o tra­balho realizado por nós no Algarve Oriental se centra sobretudo no estudo de algumas povoações que ain­da hoje possuem uma fisionomia tipocamente rural e se encontram fechadas sobre si mesmas numa eco­nomia de semi-autosubsistência. ~ frequente encon­trarmos esquecidas pela Serra Algarvia pequenas po­voações onde o reaproveitamento de estruturas habi-

tacionais medievais perdurou até hoje numa sucessi­va reconstrução das 'alcarias' árabes. ~ o caso entre muitos, de Alcarias de Pedro Guerreiro (concelho de Loulé). Continuaremos a fazer nesta região do país uma prospecção metódica e escavações sistemáticas conducentes a um estudo quanto ao papel que de­sempenharam os povo·s muçulmanos na multiplicida­de das suas estruturas sócio-económicas, pelo apro­veitamento que fizeram dos solos ocupados e pela distribuição do seu povoamento rural.

H.C.

BIBLIOGRAFIA

BAZZANA, A. (1979) - Ceramiques Medieva/es: Les Methodes de la description analithiques appliqué­es aux productions de I'Espagne Orientale; Melan~ ges de la Casa Velasquez, XV, Paris, pp. 135-185.

CATARINO, H., Ana M. Arruda, Victor Gonçalves (1981) - Vale do B6to, Escavações de 1981 no Complexo Arabe/Medieval; Clio 3, Lisboa. pp. 9-28.

GONÇALVES, V. , Helena Catarina, Ana. M. Arruda (1980) - O Sitio Romano-Arabe do Vale do B6to, Noticia da sua Identificação; Clio 2, Lisboa pp. 71-80.

GONÇALVES, V., Jorge Oliveira, Ana M. Arruda, Helena Catarina, Ana Carvalho Dias (1983-4) -Carta Arqueológica do Algarve: Levantamento na Area Correspondente à C.M.P. 591); Clio/Arque­ologia 1, Lisboa.

3'1'

\' nT~ DO ~RIDlANO oe LISIGA ''''m L-__ -L ____ ~ __ ~· ~I

Localização de alguns' povoados árabe/medievais identificados pela equipa da Carta Arqueológica do Algarve (CAALG)

1. Relíquias 9. Cerro dos Mouros 17. Alcariais 2. Estouriz 10. Mesquita 18. Pêro Vaz 3. Alcarias de Pedro Guerreiro 11 . Furnazinhas 19. Marroquil 4. Corguinhas 12. Volta do Bravo 20. Corte Gago 5. Monte da Barrada 13. Vale das Gatas 21. Alcarias 6. Cerro da Mina 14. Alcaria das Choças 22. Figueirais 7. Povoado de Santa Justa 15. Corte Velho 23. Botelhas (Borradinhas) B. Alcarias de Barranco do Tecedeiro 16. Alcaria da Arraia 24. Vale do Bôto