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    Curso Online de Filosofia

    OLAVO DE CARVALHO

    Resumos de Aulas

    Vol. V

    Elaborado por Mrio Chainho

    ndice Pag.

    Aula 21 29/08/2009 2

    Aula 22 05/09/2009 9

    Aula 23 12/09/2009 18Aula 24 19/09/2009 25

    Aula 25 26/09/2009 36

    Notas:1) Este material para uso exclusivo dos alunos do Curso Online de Filosofia. Estes

    devem sempre recorrer s gravaes e transcries das aulas, como fontes primrias,para limitar a propagao dos erros involuntrios aqui contidos e colmatar as lacunas.

    2) Os resumos foram escritos em portugus de Portugal.

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    Aula 21 29/08/2009

    Sinopse: A nsia de obter uma rpida erudio conduz a uma anlise crticaprematura que no tomar posse da mensagem real contida nos textos. A conscinciaautobiogrfica depende da unificao que a imaginao faz das partes reunidas namemria, mas no devemos nos apegar a uma auto-imagem que nos encerra sobrens mesmos e assim nos tornar vulnerveis s manipulaes exteriores. A imaginao

    possui diversas funes, comeando logo por completar a percepo sensvel emconsonncia com as propriedades dos objectos de modo a v-los tal como eles so. tambm a imaginao que nos d o senso da unidade do real, porque a percepoapenas fornece dados fragmentados e em sucesso temporal. A imaginao tem aindauma funo na capacidade de antecipao que temos em relao a tudo, at emrelao a ns mesmos, j que no nos vemos como um corpo esttico mas como um

    conjunto de potencialidades. A doena materialista consiste em conceber, porabstraco do mundo real, um mundo de meras presenas fsicas e depois achar queas potencialidades do mundo real so mera projeco da mente humana. Paracombater esta doena temos de ter a capacidade de ficarmos sozinhos mas tambmdesenvolver uma transparncia para com ns mesmos.

    O problema da erudio rpida

    Quando se tenta obter erudio muito rapidamente, e essa avidez de conhecimento

    normal no comeo de uma vida de estudos, h a tendncia em saltar por cima de umafase de absoro imaginativa e comear logo a fazer anlise crtica. Dessa forma,rapidamente se desliza para fora do assunto que o texto realmente aborda e a anlisedebruar-se- sobre um texto inventado. Isto configura a doena do ensinouniversitrio moderno. Antes de termos um olhar crtico e distanciado sobre o textotemos que garantir a posse da mensagem ali presente. O verdadeiro esforo da vidaintelectual um esforo de auto-domnio, onde tentamos controlar a nossa menteemissiva de forma a nos abrirmos para o que o outro, a percepo e a realidade estodizendo. uma absoro passiva apenas no sentido em que, num primeiro momento,vamos refrear a nossa mente construtiva de elaborar raciocnios. Estes podem-nosparecer muito evoludos, mas o mecanismo do raciocnio silogstico algomecanizvel e at um animal consegue efectuar, e um computador far muito melhorque ns.

    O que caracteriza a inteligncia humana a substantividade e organizao na memriado material sobre o qual se raciocina. Para evoluirmos nesse sentido vamos abdicar,numa primeira fase, de obter uma grande erudio, que algo que vir muito rpidoquando tivermos os instrumentos mentais necessrios e a atitude correcta. Vamosganhar hbitos de estudo apropriados. Todos os dias teremos de estudar um pouco,sabendo que no podem render mais de trs horas de estudo efectivo por dia, embora

    possamos fazer outras actividades de ordem intelectual. S vamos pegar num livro setivermos a inteno de guard-lo na memria, no num esforo normal de

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    memorizao mas fazendo um teatro mental a partir do material ali contido. Ser odramatismo da situao que far com que recordemos aquilo sem esforo.

    Conscincia autobiogrfica

    A existncia de uma conscincia autobiogrfica depende no apenas da memria masda imaginao pois ela que unificar as partes para compor uma personagem. Masnunca nos devemos apegar nossa auto-imagem e tentar mant-la intacta, porquevamos esquecer quem somos e em lugar de falarmos de ns mesmos falaremos de umapersonagem imaginria, que no admite receber influncias de fora e considera-seautora de tudo. Mas neste estado que nos tornamos mais influenciveis a partir defora, porque a nossa vida altera-se e mudamos de opinies sem nem nos apercebermosde uma coisa ou de outra. Para obtermos autodomnio temos de conhecer os nossospontos vulnerveis, saber onde somos facilmente enganados e manipulados, e para isso

    temos de abandonar a defesa orgulhosa na nossa auto-imagem e nos abrirmos para asinfluncias subtis que recebemos, sobretudo dos meios de comunicaes de massas,que no tm apenas um contedo positivo, no sentido de serem imagens ou ideias quese impuseram a ns, mas trabalhamde forma mais decisiva na supresso de dados. Oque jamais entra em considerao condiciona de forma preponderante o nossopensamento. Ningum est imune aos smbolos, palavras, termos e ideias que circulamsem parar por todo o lugar e que providenciam o repertrio dos nossos pensamentos.

    Aquilo que no nos foi ensinado pelos nossos pais teve provenincia do meio familiarmais alargado e do dos amigos, ou ento dos meios de comunicao de massa e s emltima instncia da alta cultura. Temos de nos lembrar que no fomos ns que

    inventamos as palavras que usamos e at para expressar aquilo que nos mais ntimousamos palavras que vieram de fora. Nunca estamos isolados do meio cultural e sem oconstante fluxo de smbolos e palavras que este fornece nem poderamos usar apalavra eu em conscincia. Ento, ao invs do nosso eu, da nossa identidade e danossa personalidade serem coisas isoladas no nosso interior, elas fazem parte do meiocultural. Toda a nossa personalidade e a nossa individualidade no so iluses; tmuma forma mais ou menos descritvel e reconhecvel por outras pessoas. Mas podemoster muitas iluses a seu respeito e ficarmos apegados nossa auto-imagem.

    As funes da imaginaoA imaginao fundamental para a filosofia porque sem ela no conseguimos nosestabelecer no real. Uma viso puramente materialista em ltima instncia levar oindivduo a duvidar da sua prpria existncia, como alertou Giordano Bruno.

    A imaginao completa a percepo sensvel mas no inventa propriamente ocontedo em falta, como se supunha no Idealismo. Pensemos na tridimensionalidadedos objectos. Apenas podemos ver um objecto por um lado, mas o nosso olharinstintivamente sabe que h algo mais porque temos viso tridimensional e daqui surgeuma expectativa imediata de tridimensionalidade. A imaginao completa esta imagem

    e ns vemos os objectos como eles so, com tridimensionalidade e densidade. Aimaginao no completa a percepo de acordo com a sua inventividade, muito

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    menos de acordo com a estrutura do pensamento, mas sim em consonncia com aspropriedades reais que permitem a existncia e presena dos corpos. D-se ento umajuste entre as propriedades dos objectos, as capacidades do olho e a funo daimaginao. Na realidade, o bidimensional que s pode ser concebido por abstracomental, pois mesmo algo desenhado numa folha de papel s pode ser visto porque tridimensional ou ento no existiria. O bidimensional uma propriedade que pode serconcebida isoladamente mas no pode existir como tal.

    Tambm o senso de unidade do real nos dado pela imaginao. A percepo d-nosapenas uma sucesso temporal de elementos mas ns sabemos que eles existemsimultaneamente. o aporte imaginrio que mais uma vez completa os dados dossentidos para conferir um senso de realidade. Contudo, a ideia corrente afirma que arealidade constituda de estimulaes sensveis e tudo o resto criao humanasubjectiva. Mas todos os estmulos que recebemos ao longo de uma vida no compemum mundo. Esses estmulos acontecem no nosso corpo, tal como acontecem para uma

    ameba, e se nos atermos a eles ficamos apenas com um mundo inteiramentesubjectivo. Trata-se do domnio da estimulidade, como dir Xavier Zubiri, onde noexiste o conhecimento da existncia do mundo mas apenas das sensaes corporais,pois mesmo os estmulos vindos de fora so sentidos como alteraes corporais.

    A percepo sensvel no ser humano no existe isolada, de forma atomstica. Podemosapenas conceber percepes sensveis isoladas por abstraco, j que estas s existemefectivamente numa percepo total constituda em grande parte pela imaginao. Aoinvs de nos retirar do real, a imaginao existe precisamente para nos instalar neleusando para isso elementos vindos tanto da percepo sensvel como da memria,realizando com eles uma estrutura imediata. O mundo real vai ser a totalidade do

    percebido, do imaginado e do antecipado, sempre de acordo com as propriedades dosobjectos reais. porque temos imaginao que no ficamos presos subjectividadedas sensaes prprias e podemos saber que vivemos num mundo real, de objectos quetm propriedades, presena e se articulam entre si formando a unidade da presena doser.

    A imaginao tem ainda uma funo importantssima ao nos ajudar a captar umconjunto de potncias presentes em tudo o que vemos e mesmo em relao ao nossoprprio corpo, que tambm s percebido como potncia e no como simplespresena tridimensional. Quando vemos um cachorro sabemos logo que ele poder

    ladrar, morder, abanar o rabo mas de certo no sair voando ou nos cumprimentar emalemo. Captamos um conjunto enorme de possibilidades de aco que podem serrealizadas no instante seguinte e esse conjunto que faz dele um cachorro e no a suaforma externa. Apenas com esta capacidade de antecipao podemos distinguir umcachorro real de um empalhado. No se trata de uma expectativa existente apenas nanossa mente pois ela tem de corresponder a potencialidades que esto no prpriocachorro ou no se daria o reconhecimento. No uma antecipao criativa mas umapercepo, portanto. Da decorre que aquilo que chamamos de realidade jamais poderresumir-se presena esttica dos corpos mas antes um sistema imenso dedinamismos e possibilidades latentes que se podem efectivar no instante seguinte. Sem

    a percepo destas potncias estaramos totalmente fora da realidade. A imaginao o que nos permite captar este conjunto das potencialidades, nunca inteiro, atravs do

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    ajuste da conscincia estrutura da realidade. O nosso recurso mais poderoso paraconhecer a realidade a imaginao, que trabalha sempre solidria com a percepo ecria em cima uma teia de relaes que nos do uma capacidade de antecipao. Semisso no conseguiramos falar ou agir. O processo imaginativo funciona a de formaproporcionada realidade e em geral no falha desde que no tentemos control-locom a nossa vontade.Numa primeira fase no devemos fazer um trabalho analtico de averiguar se o que sepassa na imaginao verdade ou mentira. Isto envolve interpretao e decomposioem camadas de significado, e em cada uma delas a imaginao, tal como a poesia, dizumas coisas verdadeiras e outras falsas. A verdade de um poema est nele transmitiruma experincia efectiva do poeta que pode ser reconhecida por ns. Antes dissoimporta dar realce sinceridade e transparncia que o contedo imaginativo tem parans e perceber como funciona a imaginao em conjuno com a percepo.

    A educao hoje em dia largamente um processo de desimaginao, destruindo no

    apenas a inteligncia mas tambm a alma humana. Certas coisas deixam de serimaginadas para no parecer mal e ento fazemos de conta que no vemos. Asprprias normas de polidez so utilizadas para limitar a imaginao. Neste ponto alinguagem um elemento crtico, indispensvel para a nossa expresso pessoal e paraconquistarmos a nossa identidade e autenticidade. Ela tambm o nosso ponto decontacto com o mundo, onde partilhamos a lngua com toda a gente, pelo que paracumprir com eficcia a sua funo tem de estar num permanente fluxo entre o nossointerior e o exterior. Esse fluxo fica perturbado se existir uma presso para nodizermos certas coisas ou para no as dizermos de certa maneira, e nunca como hojeexistiu uma presso to controladora sobre a linguagem. O resultado deixar de

    perceber aquilo que no conseguimos dizer.

    A doena materialista

    Ns no conseguimos perceber seja o que for a partir de meras presenas fsicas. Maso prprio mundo fsico de que tanto se fala, se fosse s mera presena materialdestituda do seu potencial, no poderia existir de forma alguma. Esse um mundo queapenas pode existir como conceito, um produto mental fruto da abstraco. Comoconseguimos fazer esta operao racionalmente, retroactivamente achamos que numapercepo real os elementos de sensao, antecipao e imaginao se encontramseparados. Esta a doena materialista, uma doena do intelecto, uma falta deinteligncia que no percebe que os vrios elementos que compem uma percepopodem ser distinguveis mas nunca separveis, e o mesmo decorre para o mundomaterial. Ser inconcebvel para um materialista reconhecer que efectivamentevivemos num mundo imaginrio, pois s pela imaginao que conseguimosreconhecer o enorme conjunto de tenses, possibilidades e dinamismos presentes narealidade. A primeira etapa do curso destina-se a fugir disto e a tomar posse dacapacidade de perceber o mundo como coisa real, presente, viva e actuante, e que almdos dados actuais contm um conjunto de dinamismos, tenses e potncias que

    marcam a nossa verdadeira presena.

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    Se queremos conhecimento real, este vai ter de ser obtido a partir da percepo real eno de hipteses artificiosas, onde se faz uma seleco abstractiva de certaspropriedades dentre inmeras que percebemos. Mesmo a experincia cientfica vai terque ser inserida dentro do campo da experincia real para ter algum significado. Nuncapodemos superar a percepo real, porque afinal teramos de o fazer isso num mundoreal, retornando percepo real, e no num mundo hipottico.O mundo real era o que Husserl timidamente chamava o mundo da vida, mas este naverdade o nico mundo que existe, e a experincia cientfica s existe como uma partedo mundo da vidaque decidimos olhar separadamente, sendo uma distino mental eso uma separao de facto. As cincias vo retirar o seu valor a uma ontologia e auma epistemologia baseadas num exame desse mundo real. Esse senso de orientao ede valores dado pela filosofia e fundamental para algo poder se tornarconhecimento mas que Jean Piaget, no livro Sabedoria e Iluses da Filosofia, acaboupor desvalorizar como se fosse mero enfeite.

    O conhecimento da realidade, ao invs de ser algo reservado para uns poucos eleitos, o que h de mais prprio ao ser humano. A essncia das coisas no algo que se achaaps um longo exame crtico. Pelo contrrio, s podemos fazer um exame crtico dealgo sobre o qual j conhecemos a essncia ou nem sequer conseguiramos seleccionaros aspectos que vamos analisar. A essncia na verdade a primeira coisa queconhecemos.

    Quem se deixa influenciar por ideias materialistas e d primazia anlise crtica, aprimeira coisa que lhe acontece um corte com a percepo do mundo real, seguindoo processo cognitivo por um caminho independente. A pessoa perde a capacidade de

    examinar a experincia real e acha que tudo so aparncias e que no possvel termais do que opinies. Este um processo incentivado pelo sistema escolar, que faz oindivduo perder confiana na sua inteligncia. Daqui emerge o relativismo e aproclamao de que no existem verdades absolutas, sendo tudo relativo. Mas asopinies dos relativistas so sagradas para este e ficam furiosos se as questionamos.Este o raciocnio dominante hoje em dia em todas as discusses pblicas, a abolioda possibilidade de conhecimento objectivo e a instaurao de autoridades absolutasditadas pelo professor ou pelo grupo. este o resultado do Iluminismo que,proclamando a primazia da razo, acabou por instaurar a mais dogmtica einquestionvel das autoridades, que sacralizou a opinio dominante tornando-a opaca a

    qualquer exame racional e question-la tomado como sintoma de doena mental.Esta uma destruio da inteligncia humana que pode ser irreversvel e que configurauma crise de dimenses antropolgicas.

    A descoberta colectiva impossvel; sempre uma descoberta individual de algumque percebeu algo que os outros no percebiam. Esta capacidade de diferenciao estsendo negada porque h uma terrvel presso sobre quem quer que se atreva acontestar a opinio dominante, o que leva as pessoas a temerem a loucura se pensaremde forma diferente. A mdia tem o terrvel poder de associar um nome a uma coisaridcula, onde a repetio constante mas a discusso mnima. Numa poca em quetudo feito em segredo, em que o segredo oficial e tentar fur-lo chega a ser

    considerado crime em algumas sociedades democrticas ocidentais, o rtulo teoria daconspirao adquiriu uma conotao ridcula. Especular sobre os factos escondidos

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    essencial para compreender alguma coisa, mas ao faz-lo somos logo tomados comoloucos que acreditam em teorias da conspirao.

    Vivemos hoje no imprio da opinio, sem as mnimas condies para compreender einvestigar as coisas e rapidamente as pessoas vo mesmo desistir de vez de tentar saber

    o que est acontecendo. Ento, as pessoas iro substituir a atitude de submisso aosmistrios de Deus pela submisso aos ditames de instituies como a Reserva FederalAmericana. Esta abdicao geral de capacidades e de direitos fundamentais configurauma crise antropolgica. Elites globalistas tentam controlar o mundo mas fazem-nomentindo uns aos outros, pelo que uma poltica oculta at de si mesma.

    O antdoto para a doena

    A formao que se pretende dar no COF a que far de ns uns pequenos pontos deluz que serviro para orientar os outros na escurido, algo que at os prprios

    fabricadores de obscuridade necessitam. No por orgulho, mas no podemos nosdeixar guiar por mais ningum porque o nmero de pessoas sinceras mnimo, emesmo escutando pessoas sinceras temos de verificar se o que dizem bate com a nossaexperincia.

    O modelo da nossa civilizao o Cristo sozinho na cruz, achando que at Deus pai otinha abandonado. Sem esta capacidade de ficar absolutamente sozinho at deixamosde ver o amparo que realmente nunca se extingue, no possvel desenvolver acoragem intelectual, que algo mais importante que o volume de conhecimentosobtido. A erudio uma coisa fcil e rpida de obter se permanecermos prximos dafonte de onde tudo brota, que aquilo que est vivo e real em ns. Isso vai nosobrigar a largar muitas auto-imagens, sabendo que o centro da nossa conscincia temalgo que no para ser conhecido mas para ser realizado. Cada um de ns tem o deverde fazer florescer a sua inteligncia sem medo de descobrir a verdade. No nos dadaaqui uma verdade pronta mas apenas algumas dicas sobre como alcan-la. No vamoster medo de errar, porque isso j um medo da verdade, alertava Hegel. nossa voltah pessoas loucas que se encerraram na mentira e querem impedir todos os outros dedescobrir a verdade, acusando-os de loucura.

    Temos de nos preocupar com o nosso nvel moral porque s podemos apresentaralgum trabalho de valia ao pblico se j tivermos esclarecido as nossas relaes com

    as pessoas em redor. Temos de procurar a transparncia para com ns mesmos, algoque nunca d para obter integralmente. Temos de nos conformar a uma conscinciacclica, com altos e baixos, mas nunca nos podemos conformar com um estado dementira confortvel. Todas as verdades exteriores que descobrirmos sero falsasenquanto no aceitarmos a verdade sobre ns mesmos. Perceberemos, ento, quenunca teremos uma perfeio quantitativa total e que Deus apenas espera de ns umequilbrio entre vcios e virtudes, onde o que importa o conjunto. Os vcios so feitosda mesma matria das virtudes, dizia Santo Agostinho, o que quer dizer que ao invsde tentarmos obter uma perfeio quantitativa, a partir de uma lista de pecados, temosantes de usar os pecados para melhorar o conjunto, meditando sobre as situaes. O

    pecado no nos deve dar remorso mas sim um pouco de alegria porque, depois deconfessado, Deus nos perdoar, o que quer dizer que nos completar mais um pouco os

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    dons que nos deu incompletos. Sem esta transferncia de controlo para Deus nuncateremos auto-controlo.

    As atitudes fundamentais que temos em relao vida iro converter-se depoisnaturalmente em tcnicas filosficas, que no so mais do que artifcios para nos

    mantermos prximos da nossa conscincia e no deixarmos que os conceitos secoisifiquem. O estado de confisso permanente condio indispensvel para oexerccio da tcnica filosfica.

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    Aula 22 05/09/2009

    Sinopse: A actividade pblica dos alunos do COF s deve comear daqui a 5 ou 6anos, quando j existir uma opinio diferenciada pelo peso da obra intelectualrealizada ou em realizao, pois s assim possvel produzir algo que se sobreponhaao material em circulao dos indigentes que destruram a cultura superior.Precisamos conhecer alguns elementos fundamentais do ambiente histrico e culturalonde nos inserimos, sendo abordados nesta aula factores que pesam sobre o ambientemundial. Esses factores chegam a ser atemorizantes, mas no se pretende constrangerningum mas sim mapear o terreno para poder traar estratgias de aco. Asituao actual definida pela existncia de uma elite mundial internacional quetrabalha para a construo de um governo mundial, onde a grandes banqueiros se

    juntam intelectuais, escritores, historiadores, cientistas, etc., que concebem planos de

    uma complexidade e nvel intelectual tais que os tornam inapreensveis para ocidado comum. O movimento globalista engloba o movimento marxista e parapropor algo mais defensvel preciso enxergar pelo menos o mesmo que os grandeshistoriadores partidrios deste movimento, como Carrol Quigley e Arnold Toynbee,enxergaram. O movimento globalista comeou com o reconhecimento de um processode integrao mundial em curso, que depois passou a ser um processo voluntrio e

    planeado. Os dirigentes do movimento globalista no agem para obter dinheiro maspoder. Uma anlise sria ao fenmeno do poder tem de partir da premissa daexistncia de diferena de poder entre os indivduos da espcie humana, que no algo acidental mas estrutural, causando uma concomitante diferenciao no horizonte

    de conscincia temporal dos indivduos. A ideologia cientfica moderna desempenhaum papel substancial nos esforos da nova ordem mundial, prometendo a realizaodas promessas bblicas por vias inversas, onde se preconiza a espiritualizao damatria atravs da aco da cincia. A cincia assume-se como a autoridade supremasobre todos os domnios humanos, mas ela possui uma linguagem que s pode serentendida completamente pelos prprios cientistas, pelo que o maior controlo dohomem sobre a natureza conduz a um maior controlo de que quem domina alinguagem cientfica sobre quem no a domina. A cincia moderna pretende controlaro futuro e ordenar a natureza, mas a actividade intelectual proficiente repousa nosenso de ordem que a prpria natureza possui, misturada com um certo nvel de caos,

    que so englobados pela ordem eterna revelada pelos milagres.

    A situao mundial actual

    A situao mundial actual definida pela existncia de uma elite mundialinternacional, muito rica e poderosa, que integrou as suas actividades e trabalha emprol de um plano unificado de governo mundial. J no sculo XII ou XIII osbanqueiros internacionais associavam-se para pressionar os governos e lev-los aoendividamento, controlando-os assim. A novidade neste elemento a proporo eextenso tomada, no havendo nao que escape a este processo, e tambm a incluso,a partir de meados do sculo XIX, de intelectuais, escritores e cientistas a trabalhar

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    para este projecto. Esta elite financeira est por trs de quase todos os projectospolticos de alcance mundial ocorridos no sculo XX, ainda que nenhum deles traduzaos objectivos e planos desta elite exactamente. No se trata isto de uma mo oculta oude um poder secreto, estando tudo muito bem documentado. O processo torna-seinapreensvel para o cidado comum devido complexidade dos planos e ao altssimonvel intelectual das discusses envolvidas.Quase toda a bibliografia produzida a este respeito veio de pessoas que esto dentrodeste esquema de nova ordem mundial (Carrol Quigley, Arnold Toynbee, H. G. Wells,Aldous Huxley, etc.) ou ento de pessoal militante que se escandaliza com a situao efaz denncias. Alguns desses movimentos de denncia so criao da prpria elite,como os protestos marxista contra a globalizao, ou ento so movimentos anterioresque reagem apenas de acordo com a sua orientao, no tendo a amplitude de visonecessria para compreender o processo. Para obter esta compreenso precisamos deformao intelectual que nos permita compreender o processo desde fora, sem estar

    comprometido com o movimento nem ter necessariamente uma atitude militantecontra, adquirindo assim a escala certa e a perspectiva adequada. A mdia esquerdistav o processo apenas numa escala micro e no percebe quando, em outra escala macro,o acontecimento micro absorvido e desmentido, como acontece com os protestos deJoseph Bov contra a multinacional Monsanto, que , por sua vez, um dos pilares danova ordem mundial patrocinada pela ONU.

    O intelectual srio tem, pelo contrrio, de avaliar a situao face a uma escala devalores mais permanentes, saber o significado dos acontecimentos dentro da Histriahumana at onde a podemos enxergar, no sendo necessrio para isso conceber umaunidade integral da Histria.

    No podemos conceber o movimento globalista luz do movimento socialista, porquese d precisamente o inverso; o movimento socialista que faz parte do movimentoglobalista, foi por ele criado e desempenha ali uma funo. Precisamos, ento, de umaperspectiva mais ampla e, pelo menos, enxergar o mesmo que os grandes historiadoresdo movimento globalista enxergaram, em especial Carrol Quigley e Arnold Toynbee.Sem estudar as obras deles e perceber os princpios de interpretao e avaliao queeles usam, no podemos ambicionar a produzir algo que seja mais defensvel que assuas propostas.

    A gnese da globalizao

    No livroMain Springs of Civilization, Ellsworth Huntington reala algumas constantesda Histria, e ele menciona o crescimento das populaes e o maior contacto entreculturas, o que provocou um processo de integrao em que as culturas menores soabsorvidas pelas maiores. Mas to logo este processo tornou-se consciente, ele tornou-se voluntrio e planeado nas mos de uma elite altamente qualificada e com meiospara isso. O movimento de globalizao , ento, a tentativa de conduzir por meiosdeliberados o processo de integrao que j vinha ocorrendo, tendo por base a crenade que a Histria dirige-se no sentido de uma maior controlo da natureza pelo homem

    e tambm no sentido da maior concentrao de poder. inevitvel que todas ascorrentes dentro do movimento de globalizao tenham alguma viso de futuro

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    associada, onde est sempre presente o maior controlo sobre a natureza. Mas sobre istoexiste a crena de que este controlo pode, por sua vez, ser controlado e da emergiu aideia do controlo total do processo histrico.

    Todos os movimentos polticos em actuao no possuem os meios para lidar com um

    fenmenos como a globalizao, que necessita de uma escala mais global. Cadamovimento s v aquela parte que corresponde sua escala de prioridades. Osmarxistas analisam a globalizao luz de um processo de crescimento capitalista quese ope aos movimentos populares e aos direitos humanos. Eles mesmos no tm aviso suficientemente ampla para perceber o papel que desempenham na globalizao.Por outro lado, a postura dos liberais clssicos em relao globalizao ambgua.Se a ideia de um planeamento central lhes causa natural repulsa, eles acabam por serfavorveis ao livre mercado internacional, porque s o analisam em termoseconmicos e no como o fenmeno geral que ele , tendo outras vertentes jurdicas egeopolticas, por exemplo. Dessa forma, acabam por favorecer uma transferncia de

    soberania dos governos nacionais para organismos internacionais e, assim, a criao deum grandeLeviatinerente existncia de um comrcio internacional.

    A natureza do poder

    No podemos ver um fenmeno como a globalizao como sendo motivado peloobjectivo de obter ganhar dinheiro porque as pessoas envolvidas j tm todo o dinheiroque querem e, ainda mais relevante, controlam o poder do dinheiro. Trata-se de umaquesto de poder, de uma vontade que se sobrepe s outras. Mas no podemosanalisar o fenmeno do poder sem estabelecer uma premissa que tem sido ignorada

    por toda a cincia poltica contempornea ou tida como uma anormalidade. Essapremissa afirma que a diferena de poder entre os seres humanos uma dascaractersticas mais constantes e estruturais da presena humana no cosmos. Emnenhuma outra espcie animal a diferena de poder entre indivduos varia tanto comono ser humano, que pode chegar diferena entre o tudo e o nada. Alm disso, adiferena de poder entre indivduos tem vindo a aumentar ao longo da Histria, comorelatou Bertrand de Jouvenel no livro Du Pouvoir. No sculo XX, Mao ou Stalinpodiam decidir a vida de milhes de pessoas com um golpe de caneta sem haver aliqualquer discusso ou oposio. Mesmos os empreendimentos criados para diminuir opoder dos governos sobre os cidados acabaram por aumentar a diferena de poder

    porque sempre alimentaram o crescimento do Estado.A diferenciao de poder acarreta inevitavelmente uma diferenciao do horizonte deconscincia temporal. Quem tem o poder possui uma capacidade de previso muitosuperior aos outros, que frequentemente ignoram totalmente o que est sendo planeadopara eles. A diferenciao do horizonte temporal tambm foi algo que aumentou aolongo dos tempos, em especial a partir do sculo XIX. No limite temos o marxismoque j tem uma ideia de um destino final a ser alcanado inevitavelmente, e ento elessentem-se no direito de convocar todas as pessoas a trabalhar para esse fim, onde seprev a total colectivizao dos meios de produo e a abolio do Estado porque este

    se torna desnecessrio porque tudo Estado.

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    A cincia moderna como paradigma da salvao

    A ideia do controlo da natureza pelo homem e do controlo das condies quedeterminam a vida humana apareceu imbricada na concepo da cincia moderna,ainda antes dos movimentos ideolgicos modernos. Quando a cincia prometia o

    controlo do ambiente fsico, na prtica isso implicava o aumento do poder de unshomens sobre outros. Da dcada de 30 do sculo XX as utopias cientficas e marxistafundem-se e entram num processo de identificao, que exemplificado nas palavrasJ. D. Bernal:

    Na prtica da cincia j temos o prottipo para toda a aco humana. Osmtodos pelos quais esta tarefa realizada, por mais imperfeita que sejaa sua realizao, so os mtodos pelos quais a humanidade mais

    provavelmente assegurar o seu prprio futuro. No seu esforo a cincia

    comunismo.

    No mesmo sentido, C. H. Waddington avanou:

    A cincia por si mesma capaz de fornecer humanidade um modo devida que , em primeiro lugar, auto-consistente e harmonioso e, emsegundo lugar, livre para o exerccio daquela razo objectiva da qualdepende o nosso progresso material. At onde posso entender, a atitude

    cientfica da mente a nica que no presente adequada a esses doisobjectivos.

    O que ele quer dizer que a cincia no deve apenas estender-se apenas a todos osdomnios da aco humana como a nica forma de fazer a articulaes das aceshumanas com vista a obter um modo de vida que seja harmonioso, auto-consciente eracional. Daqui foi um passo para se considerar que a cincia deve arbitrar asdiscusses pblicas, como veio a ocorrer no sculo XX. A base da responsabilidadeintelectual passou a ser personificada pela mentalidade cientfica e quando seconcebem outras atitudes baseadas na religio, na esttica, na tradio, nas

    preferncias pessoais, etc., sempre estas ficam submetidas aprovao da cincia,porque se considera que a cincia tem o controlo racional do processo cognitivo aopasso que os outros controlos so irracionais. A cincia transforma-se no s nogrande rbitro das discusses pblicas e assim a provedora dos valores morais,culturais, religiosos, etc.

    medida que a cincia se especializa, o seu contedo deixa de ser comunicvel emtermos de linguagem geral, como acontece na fsica, onde muita coisa s se expressamatematicamente. Ento, a elite cientfica possui um conhecimento incomunicvelpara a restante humanidade e em nome desse conhecimento que pretende arbitrar as

    discusses pblicas. Acaba por ser uma autoridade que no de ordem racional j quepretende presidir a todas questes culturais, s finalidades da vida e a uma seleco de

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    valores mas que no se consegue pronunciar nos termos destes valores gerais. RichardDawkins, Stephen J. Gould, Stephen Hawkins, o que fazem traduzir para alinguagem geral da cultura superior as ideias e conceitos da cincia teoricamenteintraduzveis. Ao longo do sculo XX tornou-se uma constante a tentativa de legislarem nome do incomunicvelmas como se este fosse comunicvel.

    A elite financeira e a elite cientfica so foradas a trabalhar juntas, porque a primeiranecessita da inspirao e planos delineados pela primeira, e a segunda das verbas daprimeira, que no so apenas estatais mas surgem tambm de fundaes privadas.Sobre o cidado comum pesa, ento, todo o dinheiro do mundo somado a toda acincia do mundo. Quando a estes se junta um movimento ideolgico como omarxismo obtemos as seguintes fantasias de John D. Barrow e Frank J. Tipler:

    Toda a evoluo do universo est feita para chegar a um ponto mega.

    [Como diz Teilhard de Chardin, numa linha do modernismo catlico.] Noinstante em que o ponto mega for atingido, a vida ter conquistado ocontrolo sobre toda a matria e sobre todas as foras, no apenas numuniverso singular mas em todos os universos cuja existncia sejalogicamente possvel. A vida [o ser humano] ter se expandido em todasas regies espaciais de todos os universos que possam logicamenteexistir.

    J. D. Bernal foi uma das fontes principais deste projecto, e em 1929 escreveu:

    Uma vez aclimatado vida no espao, improvvel que o homem pareat que ele tenha alcanado e colonizado a maior parte do universosideral. E mesmo improvvel que isso seja o fim. O homem, em ltimaanlise, no ficar contente de ser um parasita das estrelas mas vaiinvadi-las e organiz-las para os seus prprios propsitos. No se deve

    permitir que as estrelas continuem a viver sua maneira antiga mas elastm de ser transformadas em eficientes produtores de energia. Pelaorganizao inteligente, a vida do universo poderia provavelmente ser

    prolongada muitos milhes de vezes em relao quilo que ela seria semorganizao.

    Isto no dito por um escritor de fico cientfica mas por um cientista e milhares deoutros pensam como ele e propem-se a enfrentar a segunda lei da termodinmica quediz que a produo de energia declina com a igualizao das coisas.

    Freeman Dyson, que considerava Bernal um pioneiro, conjectura no mesmo sentido:

    Supondo-se que ns descubramos que o universo seja naturalmentefechado e condenado ao colapso, concebvel que, por interveno

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    inteligente, convertendo a matria em radiao e fazendo a energia fluirde maneira propositada em escala csmica, possamos quebrar o universo

    fechado e mudar a topologia do espao-tempo?

    John D. Barrow e Frank J. Tipler partem do princpio que a finalidade da vida humana impedir que o universo termine:

    Se a vida inteligente estivesse j em operao em escala csmica, antesque os buracos negros se aproximassem do seu estado explosivo, essesseres poderiam intervir para impedir que os buracos negros explodissem.

    De forma ainda mais delirante por Paul Davies:

    Ns somos convocados a examinar como a vida inteligente pode ser aptaa guiar o desenvolvimento fsico do universo para os nossos prprios

    propsitos e possamos conseguir obter sucesso e moldar o universo.Podemos mesmo ser aptos a manipular as dimenses do espao criandobizarros universos artificiais com propriedades inimaginveis e entoseremos realmente senhores do universo.

    Mary Midgley, que escreveu o livro Science as Salvation(*) de onde so retiradas ascitaes apresentadas nesta aula, comenta:

    (*) O livro pode ser lido em:

    http://www.giffordlectures.org/Browse.asp?PubID=TPSASV&Cover=TRUE

    Esta perspectiva tem naturalmente o seu preo. Para isso as pessoas

    precisam de transferir a sua conscincia desde corpos orgnicos paramquinas. E ento para matrias cada vez mais subtilizadas como poeiraestelar e talvez luz. De qualquer maneira, como explica Barrow: Nessaera os nossos corpos j tero sido deixados para trs h muito tempo.

    No se coloca isto como hiptese de fico cientfica mas como a decorrncia lgicado tipo de humanidade existente hoje. Freeman Dyson esclarece melhor o futuro quese pretende para a humanidade:

    concebvel que em 10 elevado a 10 anos, a vida poderia se desenvolver

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    para longe da carne e do sangue e tornar-se incorporada num bloco denuvens inter-estelares [teoria tambm aceite por Fred Hoyle] ou numcomputador senciente.

    John B. Haldane:

    Se verdade, como ensinam as grandes religies, que o indivduo spode alcanar uma vida boa conformando-se a um plano maior que eleprprio, nosso dever perceber a magnitude desse plano, seja ele deDeus ou do homem. Ou a mente humana provar que o seu destino aeternidade e a infinitude, ou chegar um tempo em que o homem e todasas suas obras perecero eternamente.

    Enquanto o cristianismo fala de um sentido para a vida humana no presente, mesmoque essa vida dure apenas alguns minutos pois a nossa vida tem um sentido eternoporque ns no podemos viver fora da eternidade e a aquilo que aconteceu no pode irpara o nada, Haldane faz depender esse sentido daquilo que a humanidade vier afazer no futuro, e um sentido apenas vlido para quem viver esses tempos, onde oshomens sero anjos e deuses ao passo que agora somos todos bichinhos. Esta piadamacabra vendida como um esquema de sentido da vida. Haldane concebe aeternidade como algo temporal e a ser criado no futuro. Apesar de concederimportncia a um plano maior, para ele tanto faz ser um plano de Deus ou do homem,

    o que nos coloca na mo de outro sujeito que tambm no eterno. Cincia ecomunismo equivalem-se neste ponto, j que Trotsky e Marx tambm achavam que nomundo comunista o varredor de rua seria, consoante a hora do dia, um Aristteles, umMiguel ngelo ou um Napoleo.

    Esta ideia de que o universo existe para espiritualizar a humanidade, que o destinodesta alcanar uma super-humanidade ou trans-humanidade atravs da libertao daforma fsica passando a existncia para uma poeira inter-estelar inteligente ou para umcomputador senciente, est na mente de muitas pessoas que trabalham para formar umgoverno mundial. Eles so materialistas mas pretendem transcender a matria,procurando assim cumprir as promessas bblicas por vias inversas. Querem fabricar a

    imortalidade e essa ideia inspira pesquisas de valor incalculvel. Contudo, se o poderintelectual no pessoal e necessita de verbas para se materializar, a longo prazo vaiser ele que formar a cabea dos banqueiros.

    A nossa vida intelectual vai iniciar-se neste ambiente onde reina a cultura damodernidade cientfica que tenta estabelecer um novo clero que deve legislar sobre ahumanidade baseado num conhecimento intransmissvel. No se tratam de ideiastpicas de escritores de fico cientfica, que utilizam imagens do futuro em geralcomo metforas de algo presente e no como previses. Estas ideias, da cincia comosalvao, so pensadas por cientistas que se julgam profetas e orientam-se a partir

    disso. Eles pensam controlar o futuro, mas esquecem a durao da vida humana e queno estaro mais presentes, pelo que o auge do controlo significar um perfeito

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    descontrolo. E quando se fala que o ser humano controlar a natureza, cabe perguntarquem exactamente far isso. Uma vez que o conhecimento cientfico no pode sertransposto para linguagem corrente, necessariamente sero aqueles com o domnio dalinguagem cientfica a ter o poder sobre os restantes. O controlo do homem sobre anatureza muito precrio, mas o controlo de uns homens sobre outros muito eficaz es aumentar com o anseio de controlar a natureza. Acresce ainda que a tentativa decontrolar o futuro, alm de ser irresponsvel por vir a exercer-se quando osresponsveis pelo seu lanamento no estaro mais presentes, tem sobretudo umanatureza de interferncia com um efeito catico e no ordenador.

    A postura do intelectual

    O nosso posicionamento na actual situao ter de ser considerado no apenas na suavertente intelectual mas tambm na vertente social. Todo o aparato universitrio est

    encaixado nesta nova ordem mundial, e ela que determina as verbas e o prestgiointelectual, mas no tem um poder absoluto e existem rombos imensos. No podemoster a iluso de podermos usar o aparato universitrio com finalidades distintas daquelaspelas quais este se orienta hoje. Devemos antes procurar uma vida intelectualindependente, criando novas formas de subsistncia e desenvolvendo at os prpriosmeios de divulgao. Isso implica uma grande coragem moral e fsica, e se nosdeixarmos impressionar pelo aparato universitrio e meditico ficaremos burros namesma hora.

    Em termos intelectuais, no vamos ceder a estas iluses de ordem, com origemcientfica e ideolgica, mas nos conscientizar para a ordem real que existe no universo,

    que coexiste com um certo nvel de caos. Essa ordem no depende do ser humano, enem precisamos de a conhecer, basta saber que ela existe. Sabemos isso a partir daexperincia da presena do ser, e que essa ordem que ordena a nossa mente e no amente que ordena os dados do mundo exterior. A fidelidade a esta ordem vai revelar-nos parcelas do ser na medida das nossas necessidades. reconfortante a ordem doreal no depender de ns, e o nosso reconforto deve antes residir no senso daeternidade do ser, pois o universo ser rasgado como uma folha de papel sem que issoaltere a ordem do ser. A alternativa, conceber a nossa mente como ordenadora de umuniverso catico, insana. Se ns fazemos parte desse universo catico, como podeessa parte ordenar o todo?

    A relao do ser humano com a ordem universal s verdadeira se for permeada deconfiana, pacincia e modstia. Contudo, h uma ambio psictica e irrealizvel deobter o conhecimento total do universo, como acontece com Stephen Hawking, ou deobter a resposta s questes sobre a finalidade da existncia atravs da biologia, naviso de Richard Dawkins. Eles desconhecem que a ignorncia de partes da realidadefaz parte da estrutura da realidade. Quando estas pessoas no conseguem acompanharum raciocnio de S. Toms de Aquino mas tm a pretenso de obter uma descriocompleta do universo ou saber qual a finalidade da vida, elas revelam um nvel debarbarismo que no era aceite em outras pocas. A absolutizao do espao-tempo que

    pretende realizar a comunidade cientfica desmentida pela existncia dos milagres. Omilagre mostra que a ordem do universo apenas um aspecto da ordem do ser, que a

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    prpria eternidade. O milagre no uma violao de leis naturais, que na realidade soapenas generalizaes parciais e temporrias feitas por cientistas, mas antes a presenade leis eternas supra-universais.

    A ideia da descrio completa do universo parte do esquecimento de que s o que

    terminou ficou fechado, completo, j que apenas o infinito pode ser perfeito sem terfim, mas o finito no. Por isso, o dilogo com o real incompleto, no s porque anossa mente limitada mas porque a ordem do real incompleta. Plato e Aristteles

    j sabiam que a ordem da realidade no plana, tem vrios nveis, e aquilo que pareceorganizado numa escala ser catico noutra. A imperfeio da ordem real existente spode traduzir-se num conhecimento inadequado, pelo que a compreenso dessa ordemtem ser feita atravs de analogias e recorrendo a figuras de linguagem, a que a prpriacincia no deixa de recorrer, por exemplo, quando fala em matria, algo utilizadocomo metfora e que nunca ningum conseguiu definir concretamente. Uma lei fsicano mais expressiva do que um verso de Cames, o cientista apenas se ilude de que

    tudo o que diz ser literal e mais prximo da realidade porque no percebe que asmedies e os procedimentos matemticos continuam a ter por base ainda uma figurade linguagem. A passagem entre os vrios discursos fluida e problemtica e no huma linguagem que se encaixe perfeitamente num dos quatro discursos. inexactofalar em cincias exactas porque elas s podem ser exactas nas suas medies,incluindo a estimativa dos erros, mas no nos seus conceitos.

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    Aula 23 12/09/2009

    Sinopse:Esta aula baseada em algumas passagens do livro Limposture, de GeorgeBernanos, enviadas por Luciana Amato. Bernanos fala de um homem lrico, cujoexpoente mximo Victor Hugo, que incapaz de perceber a presena do ser e v anatureza apenas como eco das suas paixes. Tambm Karl Marx via a natureza comocenrio da aco humana e fornecedora de matria-prima para a indstria e, apesarde colocar a Histria como centro de tudo, considerava-se um materialista objectivo.

    Noutra passagem, Bernanos fala da fragilidade da auto-imagem, algo criado pararesponder a necessidades sociais e que apaga com frequncia a noo intuitiva que as

    pessoas tm de si mesmas. O conhecimento do corao, aquele que provm da nossaparte mais substancial, fica assim abafado. O homem passa a viver abaixo dopotencial da sua espcie e torna-se incapaz de viver a tenso entre a sua pequenez

    fsica e a sua capacidade de experimentar a presena do ser. Todo o conhecimentoprovm, em primeira mo, dessa experincia, mas como podemos fazer apreenses apartir de registos e o conhecimento se consolida em ns atravs do pensamento e daimaginao, podemos nos iludir que o universo composto de objectos de pensamentoe imaginao, e entramos assim no delrio de omnipotncia. O verdadeiroconhecimento , pelo contrrio, uma abertura para o desconhecido e para oincontrolvel que existe na coisa conhecida, pois s assim as coisas podem ter umaexistncia real no restringida ao nosso pensamento. A abertura que temos para asvrias dimenses do ser deve-se em larga medida a experincias do ser que outras

    pessoas tiveram e nos alertaram para elas. Isto faz parte da nossa experincia do ser

    e no pode ser concebido dentro de um universo puramente fsico, que no ouniverso real onde vivemos mas uma abstraco. A imensido do cosmos provocaespanto, que o princpio do conhecimento, como dizia Aristteles, mas se tentamosresolver a tenso fundamental da nossa existncia acabamos na ignorncia. Ateologia catlica foi a primeira cincia que apareceu e deu origem cincia moderna,mas nenhuma das outras cincias conseguiu alcanar o mesmo grau de organizao,solidez e coerncia que esta.

    Bernanos e a sua viso da civilizao moderna

    No livro Limposture, de Georges Bernanos, existe um pargrafo praticamenteintraduzvel:

    Cada rua, atravessada no tumulto e no deslumbramento, to logodeixada vos segue na sombra com uma queixa horrvel, pouco a poucoensurdecida at ao limite de um outro tumulto e de um outrodeslumbramento que logo junta a outra a sua voz dilacerante. E ainda,no essa palavra voz que eu deveria escrever, pois somente a

    floresta, a colina, o fogo e a gua tm vozes, falam uma linguagem. [As

    ruas no tm voz, somente a floresta, a colina, o fogo e a gua.] Nsperdemos o segredo desta linguagem se bem que a lembrana de um

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    acordo augusto, da aliana inefvel entre a inteligncia e as coisas nopossa ser totalmente esquecida nem pelo mais vil dos homens. A voz quens j no compreendemos ainda amiga, fraterna, apaziguadora,serena. O homem lrico, no grau mais baixo da espcie [a criaturamoderna que est no grau mais baixo da espcie], que o mundo modernohonrou como um deus, acreditaria risivelmente t-la restitudo [terreconquistado esta linguagem das florestas], no tendo libertado anatureza dos silvanos, das drades e das ninfas fora de moda se no parasoltar a o seu rebanho inteiro fora das suas mornas sensualidades. Omais forte dentre eles [referncia a Victor Hugo], j estrangulado pelavelhice, preencheria as ruas e as florestas com a sua infatigvellubricidade. Atrs dele, a massa dos discpulos acorreu, como quemcome, solido sagrada, no sonho abjecto de associ-lo s suasdigestes, sua melancolia, sua decepo carnal. O contgio pouco a

    pouco estendeu-se at aos antpodas. A ilha deserta recebeu asconfidncias deles [dos homens lricos], testemunhou os seus amores,retiniu com os seus grotescos soluos ante a velhice e a morte. Nenhuma

    pradaria [h], resplendente de luz e de orvalho no candor da aurora,onde voc no encontre os traos deles como papis srdidos grudadosnos postes numa segunda-feira de manh.

    Todavia, se est no homem impor a sua presena e os signos da suabaixeza natureza, nem por isso ele se apodera do ritmo interior dela, dasua profunda ruminao. Ele encobre a voz dela mas a interroga em vo()

    O original pode ser lido no seguinte endereo, pgina 22:

    http://www.4shared.com/file/118844032/6f497bbf/Bernanos_Imposture.html

    Este pargrafo resume toda uma Histria da civilizao moderna, personificada pelohomem lrico, que aquele poeta romntico que, incapaz de perceber a natureza comopresena do ser, v nela apenas um eco para as suas paixes. Victor Hugo o expoentemximo desta corrente que v o mundo inteiro como um megafone para as suastristezas carnais, por mais banais e idiotas que estas sejam. como se o mundomaterial tivesse sido suprimido, sobrevivendo apenas como cenrio para as paixes

    humanas.Na poca de Victor Hugo, Karl Marx tinha uma viso da natureza que a fazia apenascomo matria-prima da aco humana, tanto histrica como para ser usada naindstria. Este o paroxismo do subjectivismo moderno, em que o sujeito se dizmaterialista e objectivo, mas depois encara-se a si mesmo como se fosse Deus e achaque a natureza uma funo da aco humana, quando o ser humano tem umainfluncia no universo quase nula. O culminar disto o princpio antrpico que diz queo universo foi construdo tendo o homem como fim, porque ns s somos como somosdevido ao universo ter a estrutura que tem. Esta uma concluso que coincide com o

    que diz a Bblia, mas como agora se exclui Deus, ento o homem no apenas o fimda criao mas tambm o seu princpio, como se o universo tivesse apenas uma

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    existncia potencial at o advento do homem, que depois cria o universoretroactivamente. Aqui temos o princpio da inverso moderna, inclusive a inversorevolucionria, a mesma loucura de Victor Hugo em colocar as prprias paixes comocentro da realidade e tudo o resto um cenrio que serve esse propsito.

    O homem moderno fica aterrorizado quando percebe a sua pequenez dentro doconjunto do universo, algo que toda a humanidade anterior encarava com normalidade,porque perdeu a conscincia da presena do ser e j no tem Deus como mediadorentre si, um infinitsimo, e o universo ilimitado, apesar de no infinito. Com o pavorque isso provoca, tentamos suprimir a presena do universo, tomando-o apenas comofornecedor de matria-prima e cenrio histrico, donde a Histria passa a ser o centrode todas as coisas, mesmo que a sua unidade exista apenas na cabea do historiador ouento face a Deus.

    A fragilidade da auto-imagemDo mesmo livro de Bernanos citado acima, encontramos na pgina 14:

    Meu amigo disse o abade de Cnabre de repente , como voc se v?

    Como me vejo? Suspirou o senhor Pernichon. Eu no compreendoverdadeiramente. Eu no sei muito bem.

    Escute voltou o abade com doura , esta questo pode surpreend-lotal a sua simplicidade. Cada um tem um julgamento sobre a sua prpria

    pessoa, mas nisso entra pouca sinceridade quer voc queira ou no. uma imagem retocada cem vezes, um compromisso. Pois observar umaoperao dupla ou tripla do esprito, ao passo que ver um acto simples.O que lhe peo que abra os olhos com ingenuidade e que voc seapreenda com o olhar entre homens, que voc se surpreenda tal comovoc no prprio curso de realizao da vida.

    A maior parte das pessoas no tem uma noo intuitiva de si mesmas, tm apenasopinies ou uma auto-imagem que pensam que a sociedade valoriza. Ento acomunicao passa a ser entre imagens e no entre pessoas. No possvel apreender

    um ser humano na sua totalidade com o pensamento. Dessa forma s obtemos umesquema muito incompleto, mas ainda assim ns conhecemos pessoas. Quanto mais apessoa se conhece a si mesma, menos ela pensa em si, encarando-se como uma tensoque vai em direco a alguma coisa, e isso advm da experincia da presena do ser ede se estar diante do ser.

    Existe um grande descompasso entre aquilo que somos e aquilo que pensamos quesomos, essencialmente por trs razes. A primeira razo inerente s prpriaslimitaes do nosso pensamento. O pensamento que temos sobre ns, se quer ser algomais do que o autoconhecimento mudo inerente prpria existncia, vai ter de recorrer

    a elementos externos, o que inclui imagens do j vimos, que usamos depois comoanalogias em relao a ns. Usamos tambm elementos da linguagem. A partir daqui

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    obtemos um dicionrio imaginrio com o qual construmos uma imagem nossa quevisa no traduzir aquilo que somos e que apreendemos de forma muda mas antesaquilo que os outros pensam sobre ns, no deixando de ter em vista aquilo quepensamos sobre os outros. Dada a complexidade da operao, ela no pode deixar deser imperfeita.

    A segunda razo prende-se tambm com as limitaes do pensamento, agora do pontode vista da sua descontinuidade e evanescncia. O pensamento tem uma naturezafragmentria pouco adaptada a captar a nossa existncia que se desenrola empermanncia, sem interrupes, conforme uma estrutura anloga a um algoritmo que jcomporta todas as nossas possveis alteraes futuras. Uma terceira razo diz respeitoao carcter social de aprendizagem da linguagem. Pesa em ns uma necessidade deadaptao social e facilmente cedemos s exigncias daqui inerentes, canalizando alinguagem para este fim e no para expressar o nosso ser efectivo. A convivnciasocial exige que tenhamos uma auto-imagem, que composta de uma mescla de

    elementos vindos de vrias provenincias e que frequentemente compem umconjunto falso.

    O conhecimento que possui a nossa parte substantiva, o que na simbologia antiga eraconhecido como o conhecimento do corao, vai sempre existir e h uma arte milenardesenvolvida por sbios, poetas, santos, filsofos, etc., que visa ligar esteconhecimento ao nosso conhecimento racional, para que o corao fale e aquilo querealmente somos adquira uma linguagem.

    A experincia da presena do ser prpria do ser humano

    A voz do corao exprime uma substncia que basicamente a mesma para todas aspessoas. Mas essa voz ficar silenciada com o falatrio do mundo, entendido comoinimigo da alma, como diz a Bblia, que para alm de enredar as pessoas embanalidades, coloca em segundo plano a identificao entre as substncias das vriaspessoas e revela, atravs do aprendizado, diferenciaes lingusticas, tnicas, declasses sociais, etc. Perdendo a voz do corao, perdemos tambm o senso da presenado ser, ficando at desadaptados da estrutura fsica do mundo real, que tambm umacomponente da estrutura do ser. Perdemos o senso da dimenso e no percebemos oparadoxo entre a pequenez da nossa dimenso fsica e a possibilidade de noscomunicarmos directamente com a presena do ser. S o ser humano pode realizaristo, algo que a gentica no pode explicar por diferenciao em relao a outrosanimais, porque esta no capta o infinito mas ns podemos faz-lo. Para outrosanimais existe apenas o mundo em torno delas, mas ns temos o senso de todo ouniverso.

    Qualquer cincia pode apenas estudar aspectos, no est habilitada para fazer umacomparao entre o homem e outro animal. Cada cincia apenas estuda algunsfenmenos (objecto material, na terminologia escolstica), enfocando-os sobdeterminado aspecto (objecto formal) com o fim de responder a certas perguntas(objecto formal terminativo). Isto devia ser ensinado ao estudante de biologia na

    primeira semana.

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    O homem o nico animal que consegue sobreviver abaixo da capacidade da suaespcie, daqui se originando uma sub-humanidade que tem que ser carregada s costaspelos outros e que pretende ter todos os privilgios mas nenhumas dasresponsabilidades inerentes condio humana. Faz parte do potencial do homem aapreenso da tenso entre a sua pequenez fsica e a capacidade de testemunhar otamanho do universo, no sendo isto a confirmao do princpio antrpico, porquesomos ns que precisamos de saber algo do universo e no o contrrio. Pergunta osalmo: O que o homem para que Deus preste ateno nele? Aqui se expressa averdadeira dimenso do ser humano, do homem que no nada e consegue dizertudo, e que capaz de ter a experincia da presena do ser. Quando as pessoas seafastam disto e vivem apenas em funo das necessidades de adaptao social, resta-lhes uma existncia num delrio colectivo, com personalidades fabricadas a partir demodelos dados por partidos, ideologias e pela cultura de massas que lhes fornecemvalores e reaces padronizadas; e se daqui resulta a iluso de integrao, nada mais do que a sombra de uma verdadeira existncia, onde as pessoas no tm conscincia denada mas tm medo de tudo.

    O conhecimento e a presena do ser

    Todo o conhecimento, mesmo o conhecimento a respeito de outra pessoa, depende dapresena do ser. A forma mais directa de chegar a essa presena atravs do canal docorao. O esforo que foi feito em termos de cultura, religio, filosofia, etc., aolongo dos tempos pretendeu traduzir essa apreenso mais directa que nos conduz a ummanancial inesgotvel de conhecimento. O conhecimento uma traduo para a

    linguagem humana dos objectos reais, mas depois disso possvel obter conhecimentoindirecto a partir dos registos, que ajudam a chegar aos objectos reais mas nuncapodemos esquecer que estes contm sempre mais informao do que aquilo que todasas cincias possam reunir alguma vez. O universo objectivo transcende em muito ouniverso fsico, incluindo o mundo espiritual e as hierarquias de anjos e demnios.

    Como o conhecimento se consolida em ns atravs do pensamento e da imaginao,ns podemos achar que o universo composto de objectos de pensamento imaginao,quando estes objectos nunca poderiam existir se no tivssemos acesso directo presena do ser. Se no fosse assim teramos de criar o ser, incluindo as pessoas comquem interagimos, o que uma perspectiva subjectivista inaceitvel mas que a

    filosofia ocidental perdeu trs sculos debatendo-a. Um pensamento verbal nosso nemsequer totalmente criado por ns porque vai se servir de elementos vindos de fora.

    Apenas podemos conhecer algum mediante a convivncia da nossa presena real face presena real do outro. Nessa presena est um aglomerado de foras, tenses,poderes, etc., inesgotvel e que nenhum pensamento pode reter a no ser uma nfimafraco. Mesmo em relao a algum que nunca vimos, ainda que seja umapersonagem histrica como Napoleo, s possvel conhec-lo desta forma, semprecom a noo da existncia de um conjunto ilimitado de elementos naquela pessoa amais do que aquilo que nos foi oferecido nos registos. Conhecer uma pessoa

    justamente esta abertura para o desconhecido nela, que permite que exista um espaoem ns onde o outro exista como criatura real que no esteja totalmente restringida ao

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    nosso pensamento. Se fecharmos o outro dentro do nosso esquema de pensamento,vamos bloquear qualquer informao que venha dele e passa a ser uma convivnciaentre fantasmas que se temem e se vm forados a usar esquemas de domnio paraevitar olhares e perguntas comprometedoras.

    Em geral, a apreenso da presena do ser a apreenso do desconhecido e doincontrolvel, sobre o qual no temos qualquer poder. O desconhecido no necessariamente hostil a ns, contm elementos conflituantes que constituem umatenso. Se fugirmos a essa tenso para nos protegermos, vamos apenas aprender amentir melhor e a dar ares de quem sabe tudo. Mas o resultado disso um terrorexistencial ainda maior porque impedimos o nosso corao de falar.

    Mas se a experincia da presena do ser acessvel a cada ser humano, isso no querdizer que sozinhos vamos conseguir retirar dela todos os elementos e explorar as suasvrias dimenses. A riqueza que vamos retirar da experincia da presena do ser emgrande medida devida aos alertas que recebemos de outras conscincias e que nos

    permitem focar outras dimenses que nos passariam despercebidas. Isso acontecequando lemos Plato, Aristteles, Dante ou So Toms de Aquino, que nos abrem paraoutras direces do ser. A capacidade de apreender experincias que outras pessoastiveram do ser algo que faz parte da prpria experincia do ser, como mostrou LuisCencilho no livro Experincia profunda del ser.

    O universo fsico como abstraco

    A experincia da articulao de conscincias como elemento fundamental daexperincia da realidade algo que no cabe dentro da concepo de um universofsico. O universo de que fala a fsica no o universo onde realmente existimos masum universo concebido por abstraco atravs de uma longa depurao de ideias,depurao, essa sim, feita no universo real. A educao tornou-se numa forma debloquear a experincia do ser, anulando o conhecimento do corao e colocando emseu lugar uma srie de imagens e de discursos inventados com os quais as pessoas sepossam identificar e sentir que fazem parte de uma comunidade porque todospartilham da mesma fantasia idiota. Quando se chega a este nvel as pessoas ficammutiladas intelectualmente e ao ler Plato, Aristteles, Hegel s conseguiro gerarmonstruosidades e por isso a vida intelectual no se pode iniciar sem reunir algumascondies espirituais e anmicas.

    Quando perdemos a ideia da morte e do infinito passamos a acreditar em cada coisaque dizemos. As pessoas at podem acreditar que podem trocar de sexo, sem perceberque podem apenas alterar a sua aparncia exterior. Isso quer dizer que se passou aconfundir a realidade com um sonho onde tudo virtualmente possvel. Isto parte deum erro mais profundo onde se entra na total desidentificao com o outro sexo e natotal identificao com o nosso, quando a prpria condio sexual tensional, ohomem tem sempre algo de feminino na sua alma ou no procuraria a mulher.

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    Defesas contra a presena do ser

    O senso da imensido do cosmos provoca espanto, que pode dar origem aconhecimento, como assinalou Aristteles, mas tambm pode ser uma fonte deignorncia quando a pessoa sente que tem uma cabea demasiado pequena para uma

    realidade to grande e encerra-se na sua mediocridade, ou ento enceta uma fuga parao delrio de omnipotncia com vista a obter o domnio racional sobre a realidade. Osujeito faz isso para tentar resolver a tenso que compe a existncia humana, quandoela no pode ser resolvida ou destruir a prpria vida. As seis doenas do espritocontemporneo, referidas por Constantin Noica, so seis estratgias de fuga dapresena do ser, precisamente aquelas que se tornaram mais comuns.

    A teologia catlica como primeira cincia

    A teologia catlica surgiu como uma forma de articular doutrinalmente o cristianismo

    a partir de relatos dispersos, obrigando a um exame profundo dos textos e depois a umesforo para encontrar ali uma coerncia e uma hierarquia. As concluses tinham deser provisrias e as questes analisadas sob vrios ngulos. Foi a primeira vez queapareceu uma cincia inteiramente organizada, auto-consciente e crtica. A teologiacatlica o modelo de cincia, no tendo nenhuma outra alcanado o mesmo grau deorganizao interna, solidez e coerncia. A teologia surgiu precisamente quando selevantavam dvidas sobre os acontecimentos relatados e todas foram respondidaspelos telogos, que praticavam uma dvida metdica incomparavelmente superior aoque Descartes fazia na prtica. A cincia moderna originou-se a partir da teologia etenta seguir idealmente o processo de elaborao colectiva, que continuado na

    gerao seguinte, sendo a prpria sequncia histrica o que mantm a coerncia lgica,mas nenhuma cincia consegue fazer isso to bem quanto na teologia.

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    Aula 24 19/09/2009

    Sinopse:Esta aula coincide com a ltima do curso de Conceitos Fundamentais daPsicologia, onde se fez um resumo do curso e se apresentaram algumas concluses.

    A primeira questo a ser avaliada : o que a psique? No estando os psiclogos deacordo com uma definio, ou at sobre a sua existncia, h algo comum no modocomo encaram a psique e que permite identific-la como uma fora agente e, logo,uma fora causal. A psique individual, estando ligada a uma nica presena fsica, etem uma estrutura temporal. As causas psquicas no podem ser reduzidas a outrotipo de causas, no existindo tambm impulsos ou instintos incoercveis. O nicomtodo acessvel psicologia o testemunho dialogal, j que para nos conhecermos

    precisamos de outras pessoas que se incorporaram em ns, mas tambm sconhecemos os outros atravs dos nossos sentimentos, memria, imaginao, etc. O

    eu uma sntese selectiva da psique correspondente parte em que esta sereconhece conscientemente. A psicologia, com base nas concluses avanadas, oestudo da aco humana consciente. Aquilo que nos aparece como inconsciente,impulso ou instinto frequentemente o resultado de um processo de camuflagemoperado por processos de simbolizao. O desenvolvimento da psique d-se atravsde um complexo sistema de assimilaes e transformaes do material exterior a ela.

    A elaborao dos elementos pela psique d-se atravs de funes psquicas que nonecessitam de aprendizagem, cabea estando a memria e a imaginao, que somais ou menos a mesma funo, diferenciando-se a memria por tentar criar imagens

    fiis experincia original e a imaginao criando imagens que so, apenas,

    possveis de algum modo. A razo uma busca da unidade subjectiva que simboliza aunidade do ser, a partir da qual podemos construir um mapa do mundo que servepara nos posicionar e orientar, e ela est sempre em tenso com o fluxo depercepes, memrias e imaginao que enriquece a psique. O trauma da emergnciada razo surge do descompasso entre a nossa capacidade racional efectiva e aquelaque a situao nos exige por sermos seres racionais. A psique pode-se identificar coma conscincia desde que esta ltima seja vista no apenas como um foco de luz quelana ateno sobre algo mas incluindo tambm aquilo que iluminado. O horizontede conscincia o conjunto daquilo que possvel saber a cada momento e tem umarelao topolgica com o eu, porque o conjunto de possibilidades do eu e por

    isso transcende-o, mas ao mesmo tempo uma funo do eu. O amor ao prximo um requisito constitutivo da psique; tudo o que o beb apreende interpretado etransformado pelo mundo humano. A experincia gnstica decorre do temor que podeocorrer no confronto com a experincia da presena do ser, que evidencia odesconhecido, e da pode surgir a ideia salvadora de nos concebermos isolados doser. As doenas mentais resultam no de uma alterao das funes psquicas mas dasua diminuio. A meditao consiste no rastreamento de uma ideia at ao seu fundode realidade e no deve ser confundida com prticas que visam a concentrao emalgo ou no nada.

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    O que a psique?

    Olavo averiguou sobre o que a psique sabendo de antemo que na psicologia no sechegou a nenhum consenso sobre o seu significado, ao ponto de Jung considerar quetudo psique e B. F. Skinner achar que no existe psique alguma. Trata-se de um

    desacordo terico e no prtico j que todos os psiclogos sabem localizar a psique eoferecem um conjunto de testemunhos onde dizem algo a seu respeito e conseguemdistingui-la de outras coisas. Em todos os casos o mesmo objecto que est em causa,h algo de comum em todos os enfoques e que lhes est subentendido. No a buscade um mnimo denominador comum que se pretende mas saber do qu realmente ospsiclogos esto falando atravs da reconstituio do objecto, no pelo contedoespecfico do discurso mas pelo seu modo.

    Podemos resumir a pergunta ao seguinte: Como podem todos os psiclogos localizaraproximadamente a psique e distinguir a causa psquica de qualquer outra?

    No existe um acordo em relao definio mas todos os psiclogos encaram apsique como a causa de alguma coisa. A causa psquica nunca envolve umanecessidade absoluta, como acontece numa necessidade de tipo lgico, queencontramos na aritmtica e tambm acontece em causas metafsicas, como o princpiode identidade. Distintas ainda das causas psquicas so as causas fsicas, que sodeterminaes naturais, por vezes obedecendo a necessidades absolutas mas, na maiorparte, envolvendo necessidades probabilsticas, como acontece com muitas daschamadas leis da natureza. A necessidade natural pura, como a necessidade de ingeriralimento, no cria uma conduta psquica.

    Qualquer psiclogo sabe distinguir a causa psquica de outro tipo de causas, mesmo se

    no saiba defini-la, e o exerccio da sua profisso exige isso. At quando ele tentaderivar a causa psquica de outra causa, ele parte da identificao da causa psquica, es depois, atravs do raciocnio, ele tenta fazer a reduo a outros factores. Aidentificao entre causa psquica e outra causa no , portanto, evidente, s pode serconcebida como teoria, como o faz Skinner, tendo entrado em auto-contradio com obehaviorismo. Quando existe outra causa de forma evidente, como numa infecobacteriolgica, ento a prpria causa psquica que nem colocada como hiptese.

    A distino prtica que os psiclogos fazem da causa psquica de outro tipo de causaleva identificao da psique como uma fora agente e, por isso, uma fora causal.

    Caractersticas da psique

    A primeira caracterstica da psique a sua individualidade e a sua ligao a apenasuma presena fsica humana. Contudo, ningum sabe como se relacionam corpo epsique ou sequer se existe uma fronteira entre ambos. Esta no pode ser uma perguntafundadora da psicologia e teremos de deixar para mais tarde, se possvel, nem necessrio saber como se processa a relao entre corpo e psique para identificar numadeterminada conduta uma causa psquica.

    Uma segunda caracterstica da psique a sua historicidade. Uma causa psquica exige

    a presena de elementos do passado para se desenrolar, a comear pelo uso dalinguagem, mas no determinada por estes. Tal como o passado est presente na

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    estrutura da aco, sem a determinar, algum elemento de expectativa de futuro, remotoou imediato, tambm est sempre presente, mesmo no acto mais simples, como abriruma porta, onde esperamos existir algo do outro lado. A causa psquica tem um certodepsito do passado e uma expectativa de futuro, e no meio existe uma certamobilidade, onde o elemento de escolha se evidencia e ele a prpria causa psquica.A psique aquilo que nos permite sermos sujeitos agentes, de sermos a causaoriginria de alguma coisa. No estamos aqui no plano metafsico do determinismo elivre arbtrio. Poderamos at, em ltima anlise, remontar a causa psquica ao sujeito eeste como tendo origem em Deus, mas para fins de observao cientfica isto noaltera nada.

    A psique animal, ao contrrio da psique humana, no agente e sempre vai agirprobabilisticamente segundo pautas pr-determinadas, prolongando causas anteriores,que podemos chamar de instintos, reflexos condicionados, etc.

    No necessrio colocar o elemento da liberdade na psique porque as caractersticas

    da individualidade e da historicidade j bastam para resolver o problema. Tambm acaracterstica da irredutibilidade j est dada quando se identificou a causa psquicacomo distinta de qualquer outra.

    Estrutura temporal da psique e os processos de assimilao e simbolizao

    Ao investigar a estrutura da historicidade da psique devemos comear por reconhecerque a psique j est presente desde o nascimento e se desenvolve atravs de umcomplexo sistema de assimilaes e transformaes do material exterior a ela, queconsiste em tudo o que no tem na sua origem uma causa psquica. O corpo, apesar deser um pressuposto da actividade psquica, algo estranho psique. Por isso acuriosidade que os bebs recm nascidos tm com o seu prprio corpo, em especialmo e ps que so mais fceis de observar.

    O corpo tem uma srie de necessidades, precisa de ar, comida, de se mexer, mas estasnecessidades tm pesos psquicos diferentes e nenhuma delas determina uma conduta,sendo necessria a interferncia de muitos outros factores, que sero simbolizados epensados para fazer surgir uma aco. As necessidades do corpo so de vria ordem,desde a necessidade de respirar, que no pode ser adiada e constante, at necessidade sexual, que pode ser adiada para sempre, passando pela necessidade de

    alimento, que pode ser protelada por alguns dias. da natureza da necessidaderespiratria ser compatvel com todo o tipo de aces. O impulso da fome uma coisasimples, provoca algum desconforto, mas procurar comer de uma complexidade deoutra ordem, obriga a uma coordenao de vrios meios. A psique toma asnecessidades do corpo como sendo suas, mas tambm pode optar por se desidentificardelas.

    Imediatamente podemos tirar uma concluso de grande importncia em psicologia eque contraria muito do que se tem dito sobre o ser humano. No existem impulsosincoercveis no ser humano. Todas as necessidades corporais dependem dasimbolizao que fizermos delas, e a intervm elementos de memria, onde as coisasmais diversas podem aparecer sob uma figura nica. Por exemplo, aquilo que aparecesimbolizado como desejo sexual pode juntar a necessidade de contacto corporal, o

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    desejo de segurana, paz, o apelo da beleza, desejo de prestgio e assim por diante, equase todas estas coisas em si nada tm de sexual. O impulso natural fraco, mas assucessivas camadas de smbolos que lhes acrescentamos vo criar uma constelao defactores que ocupa a nossa mente de tal forma que iremos achar que no conseguimosviver sem aquilo. Grande parte da psicologia do sculo XX insistiu na importncia dosinstintos e impulsos na conduta humana, sem perceber a longa e complexa elaboraosimblica ali presente e que precisa de toda uma srie de elementos culturais,lingusticos e de aprendizado. Mesmo a agressividade, que Konrad Lorenz dizia serum dos factores mais potentes da conduta humana, manifesta-se raramente mesmo nosbriges, e em tempo de guerra os soldados pensam principalmente em auto-preservao.

    Tambm no possvel reduzir as causas psquicas a coisas como emoo, sentimentoou desejo. A emoo uma reaco total psico-fsica a um estado de coisas tal comointerpretado no momento. E o sentimento a reaco a uma informao. O sentimento

    depende da imaginao e por si no provoca aco. O desejo, apesar de provocaraco, tambm construdo pela imaginao.

    Reconhecer que a psique uma fora agente em ns, fonte de causas, reconhecer quea psique aquilo que ns somos. A prpria existncia da psicologia s possvel porno ser possvel reduzir a psique a outra coisa, mesmo que essa tentativa sejacompulsiva no ser humano, que sempre tentou descobrir fantasmas por detrs das suasaces, no se querendo reconhecer como fora agente.

    Como observar a psique?

    Fazer a observao behaviorista da psique no possvel porque no podemosobservar a psique desde fora, nem sequer podemos observar a psique dos outros semser atravs da nossa psique. A pura introspeco tambm no possvel porque anossa psique est repleta de elementos culturais, como a linguagem, que no foraminventados por ns e vieram de fora. A psicologia s pode efectivamente recorrer a ummtodo confessional, na forma de um testemunho confirmado por outros. Trata-se deum mtodo dialogal, o que se torna evidente se percebermos que tudo o que sabemossobre a nossa psique adveio da convivncia humana. A psicologia tornar estaconvivncia num processo sistemtico e passvel de anlise racional. No existe outromtodo acessvel, j que nem possvel observarmo-nos desde fora e a nossaintrospeco parcial e sem autonomia. Nem sequer nos podemos conceber comoexistentes se nunca supusemos que algum pensou algo sobre ns. Ns conhecemo-nos atravs do nosso reflexo nos outros e conhecemos os outros pelo reflexo deles emns. Apesar da psique ser individual e intransmissvel, ela tem uma natureza dialogalpois todos os elementos que a compem so dialogais. O nosso testemunho no s temque ser confirmado por outros mas estes tambm so personagens do testemunho,alguns com uma fora simblica enorme, como a nossa me. Conhecemos a nossa mecomo fora agente e no como mistura de natureza e cultura. A psique tambmpressupe a apreenso, absoro e conservao na memria de todos os objectos que

    nos circundam. Em suma, a psique pressupe a convivncia humana num mundo realentre seres capazes de gerar causas.

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    O testemunho fundamental na psicologia, mas qualquer cincia depende dele. Existeo ideal de tornar a cincia impessoal e realizada apenas por processos mecnicos, masalgum teria de interpretar os resultados dados pela mquina e contar a outros. Aquivoltamos a encontrar o testemunho, mas se eliminarmos este passo ento temos umacincia que ningum estudou ou conhece.

    As relaes entre a psique e o eu

    A psique corresponde de certo modo quilo que chamamos de eu, contudo o euno a totalidade da psique mas apenas aquela parte que conhecemos a cadamomento, dependendo do nosso conhecimento auto-biogrfico. O eu depende danarrativa que fizemos para ns mesmos e de quantas etapas conseguimos incluir alireconhecendo-nos nelas. O eu uma sntese selectiva da psique, correspondendo parte em que esta se reconhece conscientemente. A psique vai operar uma

    organizao, seleco e estruturao de si mesma para elaborar o eu, tendo por baseelementos de linguagem e de simbolizao que capaz de repetir. Por isso, noexistir eu antes de obter estas faculdades, o que ser por volta dos 5 anos, comoindicou Freud mas por outras razes. Existem outras coisas na psique mas que nosabemos o que so e por isso no as chamamos de eu, e por isso possvel aobbado agir estando fora de si.

    Teoria geral de psicologia

    Psiclogos do sculo XX como Freud, Jung ou Wilhelm Reich publicaram coisas

    muito boas em termos de observao clnica, mas as suas teorias gerais carecem deesprito analtico e filosfico, sendo patente que eles no sabiam lidar com osconhecimentos que tinham em mos. A investigao acima descrita j permite tirarvrias concluses que podem dar uma nova orientao ao modo de estudar apsicologia. Aquilo que o professor Olavo sem querer fez, na tentativa de obteresclarecimentos sobre a teoria do conhecimento, foi lanar bases e fundamentos parauma psicologia geral.

    Uma teoria geral da psicologia aqui proposta parte do princpio que a psique no podeser definida como um objecto, e que o seu modo de existncia obriga a psicologia a serum auto-conhecimento baseado no na introspeco mas no testemunho mtuo. Umaimportante generalizao negativa que se pode fazer consiste em negar a existncia deimpulsos irracionais naturais capazes de determinar a conduta humana. Quandotentamos reduzir a psique a outra coisa perdemos o que ela tem de expressivo, que asua capacidade de ser uma fora causal. A psique no pode, ento, ser estudada fora daideia da responsabilidade moral, embora isto seja um estudo parte da psicologia,entrando na tica, mas o simples reconhecimento de causas psquicas implica tambmo reconhecimento do princpio de autoria. Nesta perspectiva, a psicologia o estudoda aco humana consciente.

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    Os elementos inconscientes da psique

    O que vamos fazer com os elementos ditos inconscientes? Convm comear pordistinguir, como fez Maurice Pradines, entre aquilo que nasce connosco edesconhecemos e outro inconsciente que consiste naquilo que foi esquecido. Mas o

    esquecimento no possvel operar atravs de uma remoo da memria, pelo que setorna num processo de encobrimento, onde um smbolo encoberto por outro smbolo,que ainda pode ser encoberto por outro e assim por diante, e no final deixamos dereconhecer a presena original e quando esta voltar j lhe damos outro nome. Trata-sede um processo de camuflagem activo, muito complexo e at criativo.

    No existem foras inconscientes a impelir-nos, como impulsos incoercveis deagressividade ou impulsos sexuais, j que as nicas foras que agem em ns so asforas naturais externas e as necessidades corporais internas. Aquilo que chamamos deinstintos so complexas elaboraes construdas atravs de processos de simbolizaoque podem, no entanto, criar condutas compulsivas que j se tornaram compactos no

    analisveis. O Dr. Mller dizia que a neurose era uma mentira esquecida na qual aindase acredita. O complexo pode levar mais de 10 anos a desconstruir, havendo o perigode no processo se construrem outros complexos simblicos, de onde resulta ofenmeno da psicanlise interminvel.

    O sentimento maternal numa fmea animal desponta no momento em que ela se torname, mas na mulher algo que j pode se evidenciar 20 anos antes dela engravidar,alm de se adicionar toda uma valorizao social e religiosa. No existe, ento, instintomaternal, quanto muito existir um instinto filiar, de gostar instintivamente da nossame, mas que meramente passivo e receptor.

    O processo de desenvolvimento da psique

    No estamos aqui interessados em abordar estratgias para desmontar esses complexosmas apenas em esclarecer o fenmeno da psique e do seu desenvolvimento. Desde onascimento que a psique cresce e se desenvolve atravs de um processo deincorporao, seleco e re-articulao de dados. Os primeiros elementos apreendidospelo beb no so tidos por este como objectos singulares mas como smbolos de umapotncia extraordinria. A teoria aristotlica da abstraco diz que a imagem dasespcies forma-se a partir de vrios elementos singulares, mas isto uma descrio

    lgica do processo. Em termos psicolgicos, tudo o que o beb apreende sui generis.A primeira coisa apreendida o conceito geral da espcie na forma dos entessingulares que a simbolizam. A formao progressiva das espcies impossvel semter j uma estrutura da espcie, ou nem saberamos o que comparar. Ou seja, toda aestruturao do pensamento lgico possvel j est dada na experincia de apreensodos primeiros entes.

    A elaborao dos elementos pela psique d-se atravs de vrias funes psquicas, aque os escolsticos chamavam de faculdades, ou seja, facilidades, por serem algo que apsique faz naturalmente sem necessitar de aprendizagem. A primeira dessas funes a memria, que consiste na experincia de um objecto na ausncia do ente fsico cujapresena determinou esse estmulo. uma repetio atenuada e com menos nitidez,que os animais tambm tm e nem sequer psquica mas um dos pressupostos da sua

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    actividade. Desde o incio que temos a capacidade de pensar as coisas como smbolose no apenas como imagens singulares fsicas. O smbolo designa uma outra coisa semter identidade total com ela. Quando combinamos imagens, vamos seleccionar algunsaspectos e fazer abstraco de outros, pelo que a ateno entra no processo. Acombinao de vrias partes pode dar origem a um novo todo que no est acessvel experincia imediata, e assim construmos o nosso mundo imaginrio, constitudo deentes que no so necessariamente reais mas que so possveis de algum modo. Issotem utilidade logo nos primeiros tempos, quando o beb concebe algo que estausente, como a me ou a mamadeira, como estando presente e ele chora porque senteo contraste entre a situao real e a imaginada. Memria e imaginao so mais oumenos a mesma funo, mas enquanto a memria tenta conceber imagens que sejamfiis experincia invocada, a imaginao concebe imagens alteradas para conceberexperincias que no aconteceram mas podiam acontecer de algum modo.

    A razoEm cima da memria e da imaginao vai entrar mais tarde a razo. Voltamos atrspara explicar o que a razo, recorrendo ao senso da presena do ser, que algo quecontamos o tempo todo e jamais precisamos de pensar. Tal como a presena do corpo, uma das condies para a existncia da psique. O senso da presena do ser vemacompanhado do senso da unidade do ser, e por isso tudo o que apreendemos apreendido como unidade. Duns Scott dizia que o ser e a unidade so a mesma coisa, ens no apreendemos uma existncia se no captamos uma unidade.

    Mas sabemos que nenhuma dessas unidades captada uma totalidade, no a

    unidade mas uma unidade com o elemento de numerosidade. A apreenso dessasunidades problemtica e tensional. As coisas esto em mudana contnua, de estado,posio, figura, e ns percebemos a mudana de umas coisas pelo contraste com arelativa imobilidade de outras. Sabemos que a mudana tem diferentes ritmos e a razo a busca de uma equao que nos permita posicionar e orientar neste contexto. Arazo a busca da unidade subjectiva que simboliza a unidade do ser e dentro da qualpodemos, ento, catalogar os vrios seres que conhecemos e assim identificar as suasrelaes e funes. O smbolo necessariamente imperfeito e por isso vamos ao longoda vida tentar diferentes estruturaes e assim criar sempre novos mapas do mundo.

    A razo vai trabalhar no sentido oposto ao da percepo, da memria e da imaginao,pois estas vivem no mundo do permanente fluxo, que enriquece a psique com aentrada de novos elementos, e a razo tentar estabilizar isso numa figura ou esquema,o que, de certa forma, um mecanismo que empobrece a psique. Esta estabilizaoracional nunca pode dissolver o fluxo das funes psquicas e vai existir uma tensoentre ambas que, ela mesma, um dos elementos constitutivos da psique e do nossomodo de existncia. Naturalmente, a razo vai entrar no processo de sedimentao desmbolos que depois iro formar complexos que so chamados erradamente deinstintos ou impulsos irracionais.

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    O trauma da emergncia da razo

    Desde o incio que os seres humanos esto colocados no universo inteiro e no apenasnuma parcela e, por isso, no podem ser protegidos de nenhuma das complexidades davida social, afectiva, humana, histrica e assim por diante. A razo visa a produzir

    vises estabilizadas do mundo que nos do algum senso de poder e controlo, mas tudoisso se pode desmoronar como um castelo de cartas de um momento para outro. Anecessidade que temos de usar a razo como orientao no mundo pesa desde onascimento, mas a posse do uso de razo um processo longo e que necessita daassimilao de elemento lingusticos, culturais, simblicos, etc. Isso no acontece comos animais, que nascem j com uma cosmoviso que delimita logo o que eles podemconhecer. Mas no ser humano o mundo instintivo muito pobre e o no querer saberno resolve a questo, pode apenas criar camuflagens que no vo esconder anecessidade de estruturao racional da experincia.

    Como o homem um ser dotado de razo, o mundo j o trata como se ele fosse um ser

    racional completo. Em crianas podemos ser atormentados por problemas que steremos capacidade de entender aos 40 anos. E o mximo desenvolvimento da razono vai conseguir compreender todas as situaes. O trauma da emergncia da razo o descompasso entre a necessidade e a capacidade de compreenso. Esta a maiorfonte de sofrimento humano, que pesa muito mais do que qualquer instinto. Nuncateremos o domnio completo da situao mas, pelo facto de termos capacidaderacional, a situao exige que nos comportemos como se a nossa capacidade racionalfosse absoluta. Por outro lado, tudo o que se chama de instinto deriva de elaboraosimblica e racional, sendo um processo consciente que depois esquecido e quecorrespondendo formao da neurose.

    Conceber o homem como criatura estruturalmente deficiente j suficiente paraexplicar uma infinidade de condutas erradas, malignas ou perniciosas sem ter querecorrer hiptese de impulsos malignos. Para gerar crimes em massas, como os deHitler ou Mao, no preciso existir na origem uma poro de mal idntica e nem talseria possvel. Basta uma sucesso de enganos e geram-se consequncias infinitamentepiores do que o mal presente na ideia geradora. Faz parte do trauma da emergncia darazo a dificuldade que o ser humano tem em controlar e compreender asconsequncias das suas aces. Mas isto no isenta as pessoas de culpa, porque elasso responsveis pelos enganos e pelo encobrimento de pistas. O marxismo um

    sistema inteiro de camuflagens, a mentira meticulosa.

    Psique, conscincia, horizonte de conscincia e eu

    Podemos ver a conscincia como sendo a prpria psique desde que no entendamos aconscincia apenas como um foco de luz que lana ateno sobre alguma coisa, comofazi