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ESTADO DE GOIÁS Ministério Público PARECER CÍVEL : 2/1029/10 COMARCA : GOIÂNIA AGRAVO DE INSTRUMENTO : 514075-49.2009.809.0000 (200995140758) AGRAVANTES : LEANDRO MOREIRA FREIRE, BRENNO DEMORAES ROCHA CABRAL, CARLOS ADRIANI DE SOUZA e DAVID FERREIRA DE CASTRO NETO AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO CÂMARA : QUARTA CÂMARA CÍVEL RELATOR : Des. ALMEIDA BRANCO PROCURADORA DE JUSTIÇA : LAURA MARIA FERREIRA BUENO Colenda Câmara Cível, Eminente Relator. Nos presentes autos, LEANDRO MOREIRA FREIRE, BRENNO DE MORAES ROCHA CABRAL, CARLOS ADRIANI DE SOUZA e DAVID FERREIRA DE CASTRO NETO interpõem recurso de Agravo de Instrumento, com pedido de efeito suspensivo, inconformados com a decisão do Juiz de Direito da Vara Especializada da Infância e Juventude de Goiânia que, em autos de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, recebeu a ação e determinou o afastamento liminar dos réus. 1 1

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ESTADO DE GOIÁSMinistério Público

PARECER CÍVEL : 2/1029/10

COMARCA : GOIÂNIA

AGRAVO DE INSTRUMENTO : 514075-49.2009.809.0000 (200995140758)

AGRAVANTES : LEANDRO MOREIRA FREIRE,

BRENNO DEMORAES ROCHA CABRAL,

CARLOS ADRIANI DE SOUZA e

DAVID FERREIRA DE CASTRO NETO

AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO

CÂMARA : QUARTA CÂMARA CÍVEL

RELATOR : Des. ALMEIDA BRANCO

PROCURADORA DE JUSTIÇA : LAURA MARIA FERREIRA BUENO

Colenda Câmara Cível,

Eminente Relator.

Nos presentes autos, LEANDRO MOREIRA FREIRE,

BRENNO DE MORAES ROCHA CABRAL, CARLOS ADRIANI DE SOUZA e DAVID

FERREIRA DE CASTRO NETO interpõem recurso de Agravo de Instrumento, com pedido

de efeito suspensivo, inconformados com a decisão do Juiz de Direito da Vara Especializada

da Infância e Juventude de Goiânia que, em autos de ação civil pública por ato de

improbidade administrativa, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, recebeu a ação e

determinou o afastamento liminar dos réus.

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Os agravantes historiam que o Ministério Público ajuizou

a referida ação civil pública por ato de improbidade administrava em face dos agravantes e

dos réus nominados na inicial, sendo que os agravantes e o primeiro réu, AMILTON DOS

SANTOS CARNEIRO, são policiais militares, e os demais, professores da rede estadual de

ensino.

Aduzem que a ação civil pública visa, sobretudo, apurar

irregularidades em procedimento de busca pessoal realizada pela Equipe do Batalhão

Escolar de Goiânia, em alunos/adolescentes do Colégio Estadual Albert Sabin, diante de um

furto de dinheiro que estava em poder de uma aluna do 9º ano naquela unidade

educacional.

Asseveram que o Ministério Público requereu, na inicial, a

notificação dos réus para defenderem a inadmissibilidade da ação civil pública, a concessão

da liminar para o afastamento dos réus das funções públicas e, por derradeiro, a aplicação

das sanções previstas no art. 12, III, da 8.429/92, contudo, ao contrário do requerido pelo

Parquet, o Magistrado a quo deixou de notificar o réu para o exercício do juízo de

prelibação, deferiu a liminar pleiteada para afastar os réus das funções, reservando a eles

funções meramente administrativas, citando-os para responderem à medida judicial.

No tocante ao mérito, apontam a incompetência do juízo

da infância e juventude para processar e julgar a referida ação, afirmando que, embora a

ação vise demonstrar interesse difuso e coletivo afeto à criança e adolescente, a ação civil

pública por ato de improbidade administrativa possui natureza jurídico-administrativa e visa

aplicar, dentre outras, sanções com aspecto disciplinar.

Assim sendo, dizem, a prática de conduta ligada a função

policial militar atrai, indiscutivelmente, a competência para a Justiça Militar, em razão de

determinação constitucional, pelo que pugnam pela revogação imediata da decisão

recorrida, por ter sido proferida por juízo absolutamente incompetente.

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Asseveram que outro fator de nulidade da relação

processual e que implica na revogação imediata da medida liminar é a ausência do juízo de

prelibação. Esclarecem tratar-se de um juízo prévio, uma oportunidade a mais de defesa,

não se tratando de uma faculdade do Juiz e, sim, de uma norma cogente e imperativa e sua

inobservância implica na violação dos princípios da ampla defesa e contraditório.

Aduzem que a inexistência de notificação dos réus para

exercerem o juízo de prelibação e a inércia do Magistrado a quo em proceder a prévia

admissibilidade da ação tornam os atos subsequentes nulos, portanto, a revogação da

decisão liminar por vício antecedente é medida que se impõe.

Sustentam que, se a peça inicial tivesse passado pelo

crivo do juízo de admissibilidade, certamente não teria sido admitida, conquanto, ausentes

os requisitos elementares para a sua propositura.

Observam que o § 8º, do art. 17, da Lei 8.429/92 confere

ao Juiz o poder de rejeitar a ação quando for convencido da inexistência de ocorrência de

ato de improbidade administrativa, da improcedência da ação ou da inadequação da via

eleita, situações que, em seu entender, permeiam a presente ação.

Asseguram inexistir no presente caso ato de improbidade

administrativa, eis que o elemento essencial desta ação é a vontade do agente em praticar

lesão ao patrimônio público e, no caso, não há dolo, nem lesão, o que desconfigura o ato

ímprobo.

Aduzem que o tipo legal citado na peça vestibular,

mormente no artigo 11, I, não se subsume às condutas relatadas, haja vista que a

abordagem policial não feriu a moralidade e a probidade administrativa, contudo, caso

tenham violado normas regulamentares ou dispositivos legais, deverão sofrer reprimenda

adequada, por meio de processo administrativo disciplinar e ação penal.

Consideram que a decisão monocrática deverá ser

reformada e declarada a improcedência da ação, bem como da via eleita, eis que

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desconfigurado o ato de improbidade administrativa, devendo ser declarada a extinção da

medida judicial liminar.

Asseveram que houve ofensa aos princípios da

razoabilidade e da proporcionalidade quando da concessão da medida liminar que afastou-

os de suas funções de policiais-militares, contudo, em razão de suas condutas, não houve

qualquer apontamento acerca de ocorrência de lesão ao patrimônio público, ou a moralidade

administrativa.

Por derradeiro, pugnam pela atribuição de efeito

suspensivo ao recurso, para que seja determinado o retorno de suas respectivas funções.

Pugnam, ainda, pelo provimento do agravo, para que seja declarada a incompetência do

juízo monocrático ou a nulidade da decisão, em razão da ausência de notificação dos

agravantes para responderem a ação a respeito de sua admissibilidade ou a extinção da

mesma por inadmissibilidade (fls. 02/19).

Acostam documentação à peça recursal (fls. 20/429).

Guia de recolhimento de preparo (fls. 430).

O ilustre Desembargador Relator indeferiu o pedido de

antecipação do efeito suspensivo. Nesta ocasião, determinou as intimações e notificações

de praxe (fls. 433/437).

O Magistrado a quo prestou informações (fls. 73/74).

Em contrarrazões, o agravado/MINISTÉRIO PÚBLICO

aponta a inadmissibilidade do recurso de agravo de instrumento, afirmando que é o agravo

retido o correto, eis que os agravantes permanecem ocupando cargo público, recebendo

remuneração e foram, tão-somente, afastados da atividade fim, o que desconfigura os

requisitos de perigo da lesão e de difícil reparação que justifique a interposição de agravo de

instrumento.

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Sustenta que o juízo da infância e juventude é o

competente para processar e julgar a presente ação, haja vista que o ato dos agravantes

não constitui apenas atos indisciplinares, mas, sim, atos de improbidade administrativa que

atentam contra os princípios da Administração Pública, portanto, não guardam qualquer

correspondência com a Justiça Militar.

Ressalta que a Vara da infância e juventude dispõe de

competência absoluta em razão da matéria, situação que se sobrepõe à competência em

razão da qualidade das partes.

Quanto à alegação de ausência do juízo de

admissibilidade, aduz que o deferimento da liminar não provocou prejuízo a esta fase

processual, que poderá ser realizada independentemente da utilização do poder de cautela

do Magistrado, que, por seu turno, ao se deparar com os requisitos legais do fumus boni

iuris e do periculum in mora, tem o poder-dever de conceder a medida inaudita altera pars.

Assegura que, pelo princípio da instrumentalidade das

formas, reputar-se-ão válidos os atos e termos processuais que não dependem de forma e

alcancem a finalidade que a lei atribuir, sem causar prejuízo. Assim, considera que o

referido princípio da instrumentalidade das formas está em sintonia com o devido processo

legal e não há, no presente caso, violação da ampla defesa e do contraditório.

Aduz que o juízo de admissibilidade na ação de

improbidade administrativa não se destina à formação de convicção definitiva e exauriente

do Magistrado sobre a causa, não havendo qualquer previsão legal que iniba o deferimento

da medida liminar no transcorrer dessa fase.

Ressalta que os princípios da provisoriedade e da

revogabilidade norteiam as decisões cautelares, sendo que, a qualquer tempo, havendo

constatação do desaparecimento de um ou de ambos os requisitos que a sustentam, poderá

haver sua revogação.

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Rebate a alegação de inexistência de ato ímprobo

praticado pelos agravantes, afirmando que os atos que configuram improbidade

administrativa vêm descritos taxativamente nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92, tendo os

recorrentes praticado atos de improbidade previsto no art. 11, I, da referida Lei.

Ressalta que tal dispositivo legal não menciona a

necessidade de existência de dano ao erário ou enriquecimento ilícito, ao contrário do

entendimento esposado pelos agravantes.

Sustenta que a conduta dos agravantes, além de revelar

desprezo para com os direitos fundamentais dos adolescentes, configura ato ímprobo, pois

agiram eles em total desrespeito aos princípios que regem a conduta dos agentes públicos,

mormente em relação à lealdade à instituição que integram e, ainda, em relação ao direito

ao respeito e dignidade assegurado a todas as crianças e adolescentes.

Reitera que os adolescentes revistados tiveram seus

direitos violados, sendo que os responsáveis por esta violação deverão ser punidos nos

termos do art. 12, III, da Lei 8.429/92.

Ao final, pugna pelo conhecimento e improvimento do

presente recurso, para que a decisão monocrática seja mantida (fls. 442/456).

Os autos foram remetidos a esta Procuradoria de Justiça

(fls. 459).

É o relatório.

O recurso é próprio, tempestivo e apresenta-se

devidamente instruído, em conformidade com os requisitos exigidos pelos artigos 524 e 525

do Código de Processo Civil Brasileiro. Há legitimidade e interesse recursal, portanto,

impende conhecimento.

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Cuida-se de agravo de instrumento interposto por

LEANDRO MOREIRA FREIRE, BRENNO DE MORAES ROCHA CABRAL, CARLOS

ADRIANI DE SOUZA e DAVID FERREIRA DE CASTRO NETO, buscando a reforma da

decisão do Juiz de Direito da Vara Especializada da Infância e Juventude de Goiânia que,

em autos de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, proposta pelo

MINISTÉRIO PÚBLICO, recebeu a ação e determinou o afastamento liminar dos

réus/agravantes.

Do estudo dos autos, vê-se que o MINISTÉRIO PÚBLICO

ajuizou uma ação civil pública por ato de improbidade administrativa em face dos agravantes

e de outros servidores públicos, em virtude de irregularidades em procedimento de revista

pessoal realizada pela EQUIPE DO BATALHÃO ESCOLAR DE GOIÂNIA, em

alunos/adolescentes do COLÉGIO ESTADUAL ALBERT SABIN, em Goiânia, diante da

notícia de um furto de dinheiro que estava em poder de uma aluna do 9º ano naquela

unidade educacional.

Segundo se depreende dos autos, o Magistrado a quo,

atuante perante a Vara da Infância e Juventude de Goiânia, deferiu liminarmente o pedido

formulado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, determinando o afastamento dos agravantes do

exercício de seus cargos ou empregos, sem prejuízo da remuneração, ressalvando que

fossem eles aproveitados em outras funções nos seus órgãos, que não a atividade fim.

Dessa decisão é que os agravantes recorrem, apontando

as seguintes questões: a) o juízo da infância e juventude é incompetente para processar e

julgar a presente ação, sendo que a Justiça Militar é que detém a competência para o

julgamento da presente demanda; b) ausência do juízo de delibação em flagrante violação

do art. 17, §§ 7º e 8º, da Lei 8.429/92; c) inadmissibilidade da ação civil pública por ato de

improbidade administrativa, por ausência de caracterização de ato ímprobo na conduta dos

agentes; d) violação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, haja vista terem os

agravantes agido dentro do Procedimento Operacional Padrão da Polícia Militar.

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Já o MINISTÉRIO PÚBLICO, em contrarrazões, aduz

prefacialmente que o presente agravo de instrumento deverá ser convertido em agravo

retido.

No caso em tela, é de se concluir, diferentemente do

apontado pelo ilustre representante ministerial atuante em primeiro grau de jurisdição, que a

presente questão reclama discussão em sede de agravo de instrumento, haja vista que a

conversão em agravo retido, cuja apreciação se dará tão-somente quando da interposição

do recurso de apelação, poderá causar às partes lesão grave e de difícil reparação, tendo

em vista que foram os agravantes afastados de suas atividades.

O recurso de agravo de instrumento é um recurso

secundum eventum litis, limitando-se à análise do acerto ou desacerto da decisão agravada,

sendo vedada a abordagem, pelo Tribunal, de matéria que não tenha sido apreciada pelo

Magistrado na instância singela, sob pena de supressão de um grau de jurisdição.

Assim, de início, cumpre analisar a primeira alegação dos

recorrentes, onde afirmam que o juízo da infância e juventude é incompetente para

processar e julgar a presente ação, pois seria da Justiça Militar a competência para a

análise da referida causa.

Razão não assiste aos recorrentes.

Consideram os agravantes que, por se tratar de ação civil

pública por ato de improbidade administrativa, que visa a aplicação de sanções com

aspectos disciplinares, mesmo que a presente ação busque tutelar interesse difuso e

coletivo afeto à criança e ao adolescente, nos termos do § 4º, do art. 125, da Constituição

Federal, a presente ação deve tramitar perante a Justiça Militar.

O texto constitucional que delimita a atuação da Justiça

Militar tem a seguinte redação:

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Art. 125 - Os Estados organizarão sua Justiça, observados os

princípios estabelecidos nesta Constituição.

(...)

§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os

militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais

contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima

for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da

patente dos oficiais e da graduação das praças.

O presente caso não se refere à crimes militares

definidos em lei e sim a questão cível, tanto que a ação civil pública por ato de improbidade

administrativa é o instrumento processual adequado conferido ao MINISTÉRIO PÚBLICO

para o exercício do controle popular sobre os atos dos poderes públicos, quanto à aplicação

das sanções do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, previstas aos agentes públicos,

quanto à sua conduta irregular.

Nos termos da Lei de Improbidade (Lei nº 8.429/92),

considera-se agente público todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem

remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de

investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no

artigo anterior (art. 2º, caput).

É certo que, após o devido processo legal, a presente

ação poderá importar, como sanção, em suspensão dos direitos políticos; perda da função

pública; indisponibilidade dos bens e, por derradeiro, o ressarcimento ao erário, sem prejuízo da ação penal cabível, contudo, como já dito, a presente ação tem contorno cível,

não criminal, o que afasta a competência da Justiça Militar, no caso, deslocando-a para a

Justiça Especializada da Infância e Juventude.

Cumpre ressaltar que a fundamentação da ação na Lei

de Improbidade Administrativa e o processamento dessa em observância às normas

procedimentais da Lei da Ação Civil Pública é perfeitamente possível.

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Outrossim, sobre a competência da Justiça Especializada

da Infância e Juventude, cumpre observar que o Estatuto da Criança e do Adolescente é

claro ao estabelecer as regras de competência da Vara Especializada, quando define:

“Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente

para:

(...)

IV - conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o

disposto no art. 209;”

Com efeito, o referido art. 209 a que faz alusão o texto

legal supramencionado trata justamente da Proteção Judicial dos Interesses Individuais,

Difusos e Coletivos da criança e do adolescente, e possui a seguinte redação:

“Art. 209. As ações previstas neste Capítulo serão propostas no foro do local onde ocorreu ou deva ocorrer a ação ou omissão, cujo

juízo terá competência absoluta para processar a causa, ressalvadas a competência da Justiça Federal e a competência originária dos Tribunais

Superiores.” (Grifo não original)

Tratando-se de competência absoluta, eis que fixada

em lei em razão da matéria, tem-se que esta deve prevalecer, por ser especial em relação à

regra geral de fixação de competência.

Sobre o tema, o insigne doutrinador WILSON DONIZETI

LIBERATI, comentando o artigo 148 do ECA, ensina:

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“As ações civis fundadas em interesses individuais, difusos e

coletivos afetos à criança e ao adolescente serão de competência absoluta da Justiça

Especializada (inc. IV) que processará a causa, ressalvadas a competência da Justiça

Federal e a competência originária dos Tribunais Superiores.“ 1

Assim, por se tratar a presente demanda de matéria

referente a interesses difusos latu sensu, envolvendo crianças e adolescentes, as regras

processuais muitas das vezes são alteradas, justamente em virtude do caráter de

especialidade impresso a essa população infanto-juvenil, sendo que a pretensão pleiteada

visa resguardar os interesses metaindividuais dos sujeitos de direito que o ECA ampara (art.

148, IV), sendo a competência de ordem absoluta (art. 209).

Logo, a ação civil pública por ato de improbidade

administrativa com fundamento no Estatuto da Criança e do Adolescente tem juízo certo, no

presente caso, a Vara da Infância e Juventude de Goiânia, eis que excluída, conforme

estabelece o texto legal (art. 209, ECA) a competência da Justiça Federal e a competência

originária dos Tribunais Superiores.

No caso em apreço, o MINISTÉRIO PÚBLICO, ao

intentar a citada ação civil pública com a finalidade de afastar os agravantes/policiais

militares da atividade fim, por terem eles, em tese, praticado ato de improbidade

administrativa no desempenho de seu múnus, objetivou tutelar o adequado funcionamento e

a regular composição daquela Equipe do Batalhão Escolar de Goiânia, eis que tais

profissionais, ora agravantes, eram os responsáveis pela vigília e segurança dos alunos

daquela unidade escolar, conforme estabelecido no Convênio de Cooperação (fls. 76/81) e

termo da Diretriz nº 007/08 expedidos pela Polícia Militar (fls. 82/87).

Os interesses referentes às crianças e adolescentes são

essencialmente difusos, consequentemente, sua tutela é regida pelo sistema de proteção

dos interesses coletivos, que inclui não somente a Lei de Improbidade Administrativa, como

também a Lei da Ação Civil Pública, as normas processuais do Código de Defesa do 1 Na obra, Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, 6ª edição, Malheiros Editores, 2002, p. 130.

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Consumidor e, quando for o caso, a Lei da Ação Popular. Cuida-se de um sistema

integrado, de mútua complementariedade.

Analisando todos os dispositivos acima citados à luz da

doutrina da proteção integral adotada pelo ECA vê-se que o legislador pretendeu

disponibilizar uma justiça especializada para criança ou adolescente quando seus direitos

fundamentais estiverem sendo ameaçados e violados, na busca de uma imediata reparação,

considerando a celeridade e especificidade da prestação jurisdicional das Varas da Infância

e da Juventude.

A esse respeito, o insigne Doutrinador JOSÉ DE FARIAS

TAVARES ensina:

“O mesmo se dá no inciso IV quanto às causas da natureza

cível afetar às crianças e aos adolescentes, tendo-se em conta a competência do foro

(art. 209). Observem-se as expressas menções a interesses: individuais, difusos ou

coletivos. Os primeiros decorrem da natureza mesma dos direitos privados. Os

interesses difusos são os que dizem respeito ao público em geral que ultrapassam os

clássicos limites do art. 6º, do Código de Processo Civil. Assim, a Ação Civil Pública,

insitituída pela Lei nº 7.347, de 24.07.1985 (recepcionada e ampliada na Constituição de

1988, art. 129, inciso III), e que visa a defender bens como o meio ambiente, o

patrimônio cultural, a proteção do consumidor. Quando afetar interesses das crianças e adolescentes, indiscriminadamente será proposta no Juizado da Infância e da

Juventude. Competência extravagante, e legitimidade extravagante de parte

processual, evidentemente.” (Grifo não original).2

Em conclusão, tendo os recorrentes com suas condutas

violado em tese os interesses difusos e coletivos das crianças e adolescentes daquela

unidade educacional, para a qual foram especialmente destinados, com o fim de

desenvolver ações que garantam aos docentes, discentes e corpo administrativo a

segurança pública necessária para o desenvolvimento de suas atividades cotidianas,

melhorando a qualidade de vida no ambiente escolar (fls. 77), à presente ação civil pública

2 Na obra,Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, 5ª ed., Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2005, p. 157/158.

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por ato de improbidade administrativa deve ser aplicada a regra de fixação de competência

da Justiça Especializada da Infância e Juventude, nos termos dos arts. 148 e 209, da Lei

8.069/90.

Nesse ponto, cumpre trazer à colação as seguintes

decisões:

“AGRAVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – INTERESSES DAS

CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES – COMPETÊNCIA DA VARA ESPECIALIZADA –

LIMINAR – PRESENÇA DOS REQUISITOS – DEFERIMENTO. Reconhece-se a

competência da Vara da Infância e da Juventude para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa, ajuizada com fulcro no art. 148, IV, da Lei 8.069/90,

pois a causa de pedir diz respeito à conduta funcional omissiva dos agravantes, membros do Conselho Tutelar da Região Leste. Perfeitamente caracterizados, na

espécie, os pressupostos legais da medida, merece confirmação a decisão concessiva da liminar requerida na inicial.” 3

O Superior Tribunal de Justiça, em caso análogo, já

decidiu:

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CASSAÇÃO

DE MANDATO DE MEMBRO DE CONSELHO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA

CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. COMPETÊNCIA. JUÍZO DA INFÂNCIA E DA

JUVENTUDE. ART. 148, INCISO IV, DO ECA.

1. Ao intentar ação civil pública com o fito de cassar o mandato de Conselheiro Municipal

dos Direitos da Criança e do Adolescente, suspeito da prática de atos de improbidade no

desempenho de seu múnus, o Parquet estadual objetivou tutelar o adequado

funcionamento e a regular composição do órgão municipal que - previsto no art. 88,

inciso II, do ECA - é responsável pelo estabelecimento da política de atendimento aos

direitos das crianças e adolescentes.

3 TJMG – 1ª Câmara Cível, Ag. Inst. n. 3527678-45.2000.8.13.0000, p. em 02.12.2003, Des. Rel. Francisco Lopes de

Albuquerque.

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2. Afetando os interesses difusos e coletivos das crianças e adolescentes do

Município de Santos/SP, à presente ação civil pública é de se aplicar a regra encartada no art. 148, inciso IV, do ECA. Precedente: REsp 47.104/PR, Rel. Min.

Eliana Calmon, DJ de 5.6.00.3. Recurso especial provido.” 4 (Grifos não originais)

No tocante a alegação dos agravantes de que a decisão

monocrática deve ser reformada por ausência de juízo de prelibação, em flagrante violação

dos §§ 7º e 8º, art. 17, da Lei 8.429/92, de igual forma não merece guarida.

Insta observar que a notificação prévia a que o § 7º, da

LIA faz alusão se faz necessária para que o Magistrado, após a análise da manifestação

preliminar do requerido, admita ou não o processamento da ação, de forma a evitar

demandas temerárias e injustas. Tal providência, porém, torna-se despicienda quando a

ação for antecedida pelo inquérito civil ou, como no caso em tela, por procedimento

administrativo, já que este tem por fim justamente evitar o ajuizamento de ações destituídas

de base razoável.

A instauração do referido procedimento administrativo,

outrossim, evita a surpresa da ação, uma vez que, como regra, os investigados são ouvidos

naquele procedimento.

No mesmo sentido, é a posição dos renomados

doutrinadores EMERSON GARCIA e ROGÉRIO PACHECO ALVES:

“Assim, a partir da ratio subjacente a toda norma que exige o

estabelecimento de um contraditório preliminar, pensamos que a notificação prévia do

réu para o oferecimento de resposta só será exigível em se tratando de ações instruídas

por 'documentos ou justificação', o que significa dizer que lastreando-se a inicial em

inquérito civil ou em procedimentos administrativos regularmente instaurados pela própria administração ou por órgãos externos de controle, tal como ocorre

4 2ª Turma, REsp 557.117/SP, julgado em 04/05/2006, DJ 17/05/2006, p. 114, Rel. Min. CASTRO MEIRA.

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relativamente ao Tribunal de Contas e às Comissões Parlamentares de Inquérito,

não incidirá a regra do § 7°. Isto porque o inquérito civil e os procedimentos

administrativos prévios – enfatize-se – já cumprem o papel de evitar o ajuizamento de

ações temerárias, justamente o que se buscou coibir com a instituição da defesa prévia,

merecendo ser ressaltado que este vem sendo o entendimento do STF e do STJ na

seara processual penal quando aos chamados 'crimes funcionais'.”5 (Grifo não original).

Vale citar:

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE

- AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA - NULIDADE NÃO CONFIGURADA –

ALEGADO EXCESSO NA IMPOSIÇÃO DE SANÇÃO - DECISÃO ACERTADA -

HONORÁRIOS EM FAVOR DO MP - ADMISSIBILIDADE - REDUÇÃO DOS

HONORÁRIOS FIXADOS EM FAVOR DOS PROCURADORES MUNICIPAIS QUE SE

IMPÕE. PRIMEIRO APELO PROVIDO PARCIALMENTE E O SEGUNDO

DESPROVIDO. 1. Não há que se falar em nulidade pela ausência de notificação prévia para manifestação dos requeridos em ação civil pública por ato de

improbidade, eis que não é momento para ser exercido direito de defesa, mas tão somente, para evitar o mau uso do mecanismo pelo ente público; presentes provas

documentais exaradas do próprio Tribunal de Contas do Estado, que não poderiam ser

elididas por qualquer outro documento, não se apresenta nenhum prejuízo aos

recorrentes pelo processamento da ação, mesmo porque, a posteriori, o fato tornou-se

incontroverso. 2. ....” 6

“IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. Agravo de instrumento em

face de decisão que determinou o seqüestro de bens dos Réus na ação de improbidade

administrativo, tornando indisponíveis seus bens. Possibilidade da concessão

antecipando os efeitos da tutela inaudita altera pars, sendo dispensável a notificação prévia dos réus prevista na Lei n. 8429/92, em virtude do pedido inicial

vir instruído com o procedimento administrativo previamente instaurado apontando as irregularidades.” 7 (Grifo não original).

5 Garcia, Emerson e Alves, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa, 3ª ed., Lumen Juris Editora, Rio de Janeiro, 2006, p. 727.6 (TJPR, Apelação Cível n.0177462-1, Rel. Des. Prestes Mattar, Julgamento:25/10/2005).7 (TJRJ. AGRAVO DE INSTRUMENTO N. 2002.002.05944, REL. DES. WALTER D AGOSTINO - Julgamento: 14/10/2003 - DÉCIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL)

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Para arrematar tal discussão, assim já decidiu esse Egré-

gio Tribunal de Justiça:

"ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO.

CONTRATAÇÃO SUPERFATURADA DE MÃO-DE-OBRA. PREJUÍZO AO ERÁRIO.

SANÇÕES ELENCADAS NA LEI 8.429/92. DOSIMETRIA DAS PENAS. PRINCIPIO DA

PROPORCIONALIDADE. 1 - A notificação prévia para oferecimento de resposta só

será exigível em se tratando de ações instruídas apenas com documentos ou justificações (art. 17, parágrafo 6, da lei n. 8.429/92), significando que se amparada

a inicial da ação civil pública em competente inquérito civil, não incidirá a regra do parágrafo 7 do art. 17 da lei citada porque o inquérito civil cumpre o papel de evitar

o ajuizamento de ações temerárias, justamente o que se buscou coibir com a instituição da notificação prévia. 2 - A extensão do dano causado à administração

pública não se restringe ao meramente patrimonial, porquanto o objetivo da lei é também

coibir afronta à moralidade administrativa - artigo 11 da lei 8.429/92. 3 - As sanções a

serem aplicadas atendem ao princípio da proporcionalidade contido no artigo 12,

parágrafo único a mesma norma sem, no entanto, descuidar de sua finalidade punitiva.

já o artigo 37, parágrafo 4 da constituição federal, deixa ao legislador infraconstitucional

os critérios de gradação das sanções aplicáveis ao agente ímprobo. 4 - Apelo conhecido

e improvido."8

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO DE

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DO PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL.

PRELIMINARES AFASTADAS. COBRANÇA DE PROPINA. PRATICÁVEL. PROCESSO

LICITATÓRIO FANTASIOSO NÃO DEMONSTRADO. DESPESAS PÚBLICAS. DESVIO

DE FINALIDADE PÚBLICA E SEM OBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES LEGAIS. 1 -

Notificação prévia, com efeito de o juiz, após a análise da resposta do requerido, admitir ou não o processamento da ação, de forma a evitar demandas temerárias e

injustas, se faz necessária, via de regra, quando esta não for precedida do inquérito civil, já que este tem por fim justamente evitar o ajuizamento de ações

destituídas de base razoável. 2 - O inquérito civil é um procedimento administrativo

inquisitorial, destinado a apuração de fato a viabilizar a ação civil pública, daí porque

8 APELAÇÃO CÍVEL n.º 95982-0/188, REL. DES. BEATRIZ FIGUEIREDO FRANCO, 4ª CC. FONTE.: DJ 14883 de 22/11/2006.

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prescindível a figura do advogado do indiciado (...) Apelo conhecido e parcialmente

provido."9

De tal forma, é imperioso reconhecer que não há

nenhuma eiva na ausência de defesa preliminar quando a inicial estiver acostada com

procedimento administrativo, devidamente instruído. Ademais, não há qualquer prejuízo aos

agravantes, que irão se defender dos fatos durante a instrução processual, sendo observado

o devido processo legal.

No tocante à alegação de afronta ao § 8º, do art. 17, da

LIA, cumpre observar que, ao teor do que dispõe a Lei 8.429/92, e por força da Medida

Provisória n. 2.180-35, de 24.08.2001, o Julgador de instância primeira, em juízo de

prelibação, vislumbrando os requisitos necessários sobre o cabimento da ação civil por ato

de improbidade, deverá determinar a citação do requerido para apresentar contestação no

prazo legal. É o que estabelece os parágrafos 9º e 10 do art. 17 da LIA.

Caso entendesse o contrário, poderia o Magistrado

rejeitar a ação civil pública, diante da inexistência de ato de improbidade ou da inadequação

da via eleita, ao teor do citado parágrafo 8º, do referido art. 17, da LIA.

É o que orienta a doutrina e jurisprudência dominante. O

insigne doutrinador MARINO PAZZAGLINI FILHO ensina:

“Com efeito, o Magistrado, julgando, nesse momento

processual, que há nos autos elementos probatórios idôneos sobre a ocorrência

(verossímil) do ato de improbidade administrativa imputado ao requerido, recebe a petição inicial e determina a citação do requerido para apresentar contestação. E

dessa decisão cabe agravo de instrumento (§§ 9º e 10 do art. 17).

Ao contrário, convencido o Magistrado da inexistência do

ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita, em

decisão fundamentada, rejeitará a ação (§ 8º, art. 17). Esta decisão, que põe termo ao

9 APELAÇÃO CÍVEL n.º 89191-1/188, REL. DES. ALAN S. DE SENA CONCEIÇÃO, 2ª CC. FONTE.: 14841 de 18/09/2006.

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processo de conhecimento, extinguindo a ação civil de improbidade, é apelável (art. 513,

CPC).” 10 (Grifos originais).

No presente caso, o Magistrado, na decisão agravada,

determinou a citação dos réus, não apresentando qualquer fundamentação, uma vez que tal

providência não lhe era exigida.

Conforme já dito, para rejeitar a ação, exige

expressamente a LIA que o Julgador apresente uma decisão fundamentada (art. 17, § 8º).

Para receber a inicial, contudo, não exige a referida Lei qualquer manifestação mais

minuciosa, determinando, apenas que: recebida a petição inicial, será o réu citado para

apresentar contestação (art. 17, § 9º).

Conforme já ressaltado, o procedimento preliminar

previsto nas ações por ato de improbidade administrativa tem por escopo evitar e impedir o

acesso de ações temerárias, desarrazoadas ou sem fundamento. O recebimento da ação,

portanto, não significará um prejulgamento de mérito.

As particularidades do caso deverão desdobrar-se no

bojo do trâmite processual normal, em procedimento ordinário, a ser imprimido com a mais

ampla dilação probatória possível.

Assim, escorado em procedimento administrativo, o

MINISTÉRIO PÚBLICO trouxe aos autos indícios e elementos suficientes da prática de ato

de improbidade administrativa por parte dos agravantes, não restando ao Magistrado outra

alternativa senão dar prosseguimento a ação, determinando a citação dos requeridos.

Nesta fase incide o princípio do in dubio pro societate,

logo, inexistindo elementos nos autos que possam afastar qualquer dúvida razoável, o feito

será processado para, mediante cognição exauriente, apurar-se a verdade dos fatos.

10 Na obra Lei de Improbidade Administrativa Comentada, Ed. Atlas, São Paulo, 3ª ed., p. 203.

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Neste sentido, cumpre registrar a lição dos já citados

Professores EMERSON GARCIA e ROGÉRIO PACHECO ALVES:

“Relembre-se, mais uma vez, que o momento preambular,

antecedente ao recebimento da inicial, não se volta a um exame aprofundado da causa

petendi exposta pelo autor em sua vestibular, servindo precipuamente, como já dito,

como instrumento de defesa da própria jurisdição, evitando lides temerárias. Poderíamos

afirmar, sem medo, que, tal como se verifica na seara processual penal, deve o

Magistrado, neste momento, servir-se do princípio in dubio pro societate, não coartando,

de forma perigosa, a possibilidade de êxito do autor em comprovar, durante o processo,

o alegado na inicial”11

No caso presente, portanto, quando o Julgador

determinou a citação dos requeridos para apresentarem as suas contestações o fez por não

ter se convencido da inexistência do ato de improbidade, não exigindo a Lei de Improbidade

Administrativa que externasse as razões de seu convencimento.

Neste sentido, cumpre citar decisão do Tribunal de

Justiça do Rio Grande do Sul exatamente sobre o tema em questão:

“AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRELIMINAR

DE NULIDADE. INOCORRÊNCIA. Alegação de nulidade, por ausência de

fundamentação, da decisão que recebeu a petição inicial e determinou a citação do

acusado em ação de improbidade administrativa. A manifestação prévia dos réus,

anterior ao recebimento da inicial, é dirigida ao juízo, que pode acolhê-la para rejeitá-la

por ausência de justiça causa. Na hipótese de recebimento da inicial, não há

necessidade de fundamentação, relegando-se a análise das alegações das duas partes

para o julgamento final. Correta ainda a decisão que recebeu a inicial, pois, em tese, a

conduta imputada ao réu é ímproba por ofensa ao princípio da legalidade, em face da

11 Garcia, Emerson e Alves, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa, 3ª ed., Lumen Juris Editora, Rio de Janeiro, 2006, p. 729.

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realização de convênio entre municípios sem autorização legal. Interpretação do art. 17,

§§ 8º, 10º e 11º, da Lei 8.429/92. Decisão Mantida. Agravo de Instrumento desprovido”12.

Do mesmo modo, sobre o recebimento da inicial por ato

de improbidade administrativa, esse Egrégio Tribunal de Justiça tem se manifestado:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO CIVIL PUBLICA POR

ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DEFESA PRELIMINAR CITAÇÃO DO

REQUERIDO. I - Ao teor do que dispõe a lei 8.429/92, e por força da medida

provisória n. 2.180-35, mostra-se correto o recebimento da inicial da ação civil pública determinando-se a citação do requerido posto que instruída com indícios e

elementos suficientes da prática de ato de improbidade administrativa apurados em inquérito civil. II. - O recebimento da ação não significa prejulgamento da causa

mas processamento visando completa análise dos fatos litigiosos e mais precisamente da conduta do agente na gestão do patrimônio público. Agravo

conhecido e improvido." 13

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR

ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ILEGITIMIDADE DO JUÍZO SINGULAR.

INOCORRÊNCIA. COMPETE AO JUIZ SINGULAR O JULGAMENTO DO AGENTE

PÚBLICO NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA RELATIVA A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.

ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA INVESTIGAR. INOCORRÊNCIA. O

Ministério Público está, nos termos do texto constitucional, legitimado a instaurar e

presidir o inquérito civil público como procedimento preparatório de ações destinadas a

responsabilização de agentes públicos por atos de improbidade, não havendo, pois, falar

em ilegitimidade do parquet para investigar. Recebimento da inicial. mostra-se correta a decisão do julgador de primeira instância, que na ação civil pública por ato de

improbidade administrativa, recebe a petição inicial, estando esta devidamente instruída, mormente se embasada em inquérito civil público, visando a uma

completa análise dos fatos litigiosos e mais precisamente da conduta do agente na gestão do patrimônio público. Agravo conhecido e desprovido, a unanimidade de

votos." 14

12 TJRS, AI nº 70024247942, 3ª CC, Rel. Des. Paulo de Tarso Vieira Samseverino, j. 19.06.2008.13 1ª Câmara Cível, Ag. Inst. n. 52222-3/180, DJ 15099 de 05/10/2007, Rel. Des. ABRÃO RODRIGUES FARIA.14 2ª Câmara Cível, Ag. Inst. n. 46587-6/180, DJ 14711 de 06/03/2006, Rel. Des. ALFREDO ABINAGEM.

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"AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR

ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. Recebimento da inicial. Mostra-se

correta a decisão do julgador de primeira instância, que na ação civil pública por ato de improbidade administrativa, recebe a petição inicial, quando esta vier

instruída com documentos anexados pelo Ministério Público, visto que é necessário

a completa análise dos fatos litigiosos e mais precisamente da conduta na gestão da

coisa pública.” 15 (Grifos não originais)

Com efeito, o Magistrado a quo recebeu a petição inicial

(art. 17, §§ 8º e 9º, da Lei 8.429/92) porque foi convencido da existência de atos que podem

levar à caracterização da improbidade administrativa, entendendo, diante dos indícios de

prova, que a inicial não deveria ser rejeitada de plano, ante a gravidade dos fatos narrados,

a complexidade da matéria posta em debate e a necessidade de análise de provas, à luz do

contraditório, no devido processo legal, com sentido de justa composição da lide em

considerando-se o interesse público, que deve pairar acima de tudo.

De se ressaltar que, na fase procedimental em que a

ação se encontra, não é necessário que haja uma perfeita análise dos fatos que suportam a

pretensão inicial, mesmo porque a finalidade do juízo de admissibilidade é apenas aferir a mínima plausibilidade da imputação de improbidade antes do desencadeamento formal da ação, sendo que a ampla defesa será exercida com a contestação e demais atos

instrutórios.

Ademais, cumpre ressaltar que, mesmo tendo os

agravantes sido afastados de suas funções, continuam eles atuando em outras funções nos

seus órgãos, que não sejam da atividade fim, sem prejuízo de suas remunerações.

Por oportuno, insta salientar que as medidas cautelares

possuem um caráter de provisoriedade, eis que poderão ser revistas a qualquer momento,

haja vista que são regidas pelos princípios da provisoriedade e o da revogabilidade.

15 4ª Câmara Cível, Ag. Inst. n. 37419-5/180, DJ 14389 de 10/11/2004, Rel. Des. CARLOS ESCHER.

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Nesse ponto, cumpre trazer a lição do ilustre Professor

HUMBERTO THEODORO JÚNIOR:

“Toda medida cautelar é caracterizada pela provisoriedade, no

sentido de que a situação preservada ou constituída mediante o provimento cautelar não

se reveste de caráter definitivo, e, ao contrário, se destina a durar por um espaço de

tempo delimitado. De tal sorte, a medida cautelar, a medida cautelar já surge com a

previsão de seu fim.

Significa essa provisoriedade, mais precisamente, que as

medidas cautelares têm duração temporal limitada àquele período de tempo que deverá

transcorrer entre a sua decretação e a superveniência do provimento principal ou

definitivo. Por sua natureza, estão destinadas a ser absorvidas ou substituídas pela

solução definitiva do mérito.” 16

Certo é que as particularidades do caso deverão

desdobrar-se no bojo do trâmite processual normal, em procedimento ordinário, a ser

imprimido com a mais ampla dilação probatória possível.

Assim, escorado em procedimento administrativo

promovido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, que trouxe indícios e elementos suficientes da

prática de ato de improbidade administrativa por parte dos agravantes (fls. 49/255), outra

alternativa não havia ao ilustre Julgador senão receber a exordial e conceder a liminar

pleiteada (fls. 384/385).

Desse modo, não se verifica a existência de qualquer

infração a elemento do devido processo legal constitucional, inclusive os princípios do

contraditório e da ampla defesa, o que torna a prova juntada no bojo do procedimento

administrativo lícita, crível e verossímil para demonstrar a pretensão objeto destes autos.

Por derradeiro, quanto às alegações dos recorrentes de

inadmissibilidade da ação civil pública por ato de improbidade administrativa por ausência

16 Na obra, Curso de Direito Processual Civil, vol. II, Rio de Janeiro, 41ª edição, Editora Forense, 2007, p. 541.

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de caracterização de ato ímprobo na conduta dos agentes e violação dos princípios da

razoabilidade e proporcionalidade, cuida-se de matéria referente ao mérito da ação, que

deverão ser analisadas no momento oportuno, sob pena de supressão de instância.

Ante todo o exposto, manifesta este órgão pelo

conhecimento e improvimento do presente recurso, mantendo-se a decisão agravada em

sua totalidade.

Goiânia, 16 de março de 2010.

LAURA MARIA FERREIRA BUENOProcuradora de Justiça

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