Colóquio Docência e Diversidade Na Educação Básica_eixo 2

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    UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIADEPARTAMENTO DE EDUCAOCAMPUS I

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO DE EDUCAO E CONTEMPORANEIDADE - PPGEDUC

    ANAIS DO I COLQUIO

    ARTIGOS EIXO I

    Outubro de 2013

    Salvador - Bahia

    Brasil

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    I COLQUIO DOCNCIA E DIVERSIDADE NA EDUCAO BSICA:

    A profisso docente na contemporaneidade

    ANAIS DO I COLQUIO

    ARTIGOS EIXO II

    ISSN 2358-0151

    Salvador - BahiaBrasil

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    Universidade do Estado da Bahia

    Lourisvaldo Valentin da SilvaReitor

    Adriana dos Santos Marmori LimaVice-Reitora

    Jos Cludio RochaPr-Reitor de Pesquisa e Ensino de Ps-Graduao

    Manuela BarretoPr-Reitora de Extenso

    Marcelo Duarte Dantas de vila

    Pr-Reitoria de Gesto e Desenvolvimento de Pessoas

    Luiz Paulo Almeida NeivaPr-Reitoria de Planejamento

    Paulo James de OliveiraPr-Reitor de Assistncia Estudantil

    Antonio AmorimPr-Reitor de Ensino de Graduao

    Djalma FiuzaPr-Reitoria de Infraestrutura e InovaoProinfra

    Benjamin Ramos FilhoUnidade de Desenvolvimento Organizacional

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    SUMRIO

    SENTIDOS E SIGNIFICADOS DAS CLASSES MULTISSERIADAS: UMA PAUSA PARA AHISTRIA ORAL DE UMA PROFESSORA ........................................................................ 06

    ESCOLAS MULTISSERIADAS DO MEIO RURAL: SOBRE O DIREITO DE APRENDERDOS EDUCANDOS ...............................................................................................................22

    EXPERINCIAS DE PROFESSORAS RURAIS APOSENTADAS: DAS MEMRIAS DE SIS MEMRIAS DA DOCNCIA ............................................................................................44

    A AGROECOLOGIA E A PERMACULTURA NA CONSTRUO DA EDUCAOAMBIENTAL ................................................................................................................... ......p.051

    EDUCAO AMBIENTAL E PRTICA DOCENTE NAS ESCOLAS DO CAMPO: UMRELATO DE EXPERINCIA...................................................................................................72

    IDENTIDADE NEGRA, UMA TEMTICA DISCUTIDA SUPERFICIALMENTE DENTRO DASALA DE AULA, NA ESCOLA MUNICIPAL Dr. ABLIO FARIAS, EM UMA COMUNIDADENEGRA RURAL: REFLEXES E DIFICULDADES DE UMA BOLSISTAPIBID.......................................................................................................................................80

    EXPERINCIA DOCENTE EM CONTEXTO RURAL: DINAMIZAO DAS AULAS DEQUMICA E BIOLOGIA DO EMITEC/BA ............................................................................88

    ENSINAR E APRENDER: EXPERINCIAS DE QUEM SEMEIA A EDUCAO NO CAMPO................................................................................................................................................97

    DO QUILOMBO CIDADE: A INIVISIBILIDADE DOS ESTUDANTES CAMPESIANOS NOSANOS FINAIS DO ENSINO FUNTAMENTAL EM ESCOLAS URBANAS E SUASIMPLICAES NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM..............................................................................................................................................107

    DO SILNCIO DO OBJETO PARA A PALAVRA DO SUJEITO ENTRE O CONHECIMENTO-EMANCIPAO E O CONHECIMENTO-REGULAO: UMA EXPERINCIA DE UMEDUCADOR DA ESCOLA DO CAMPO EM BAIXA GRANDE, BAHIA.............................................................................................................................................119

    PROPOSTA CURRICULAR DA EDUCAO NO/DO CAMPO: UMA CONSTRUOCOLETIVA NO MUNICPIO DE FEIRA DESANTANA/BAHIA..................................................................................................................130

    RESDUOS SLIDOS NA CIDADE DE CAM CONSCIENTIZAO DOS ESTUDANTESQUANTO AOS IMPACTOS AMBIENTAIS NEGATIVOS CAUSADOS CIDADE E

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    IMPLEMENTAO DA COLETA SELETIVA PARARECICLAGEM.......................................................................................................................142

    O MUNDO, MEUS FILHOS, (NO) LONGE DAQUI: MODOS E MANEIRAS DE

    EXERCER A DOCNCIA EM CONTEXTOSRURAIS.................................................................................................................................160

    LEITURA DE IMAGENS: POSSIVEL LER, SEM SABER LER? UM PROJETO DEINTERAO COM CRIANAS RURAIS DO MUNICPIO DE JAGUAQUARA,BAHIA....................................................................................................................................175169

    AS NARRATIVAS AUTOBIOGRFICAS DE PROFESSORAS RURAIS: APREENDENDO APRTICA PEDAGGICA E A FORMAO......................................................................182

    FRACASSO ESCOLAR EM CLASSES MULTISSERIADAS: FATORES QUE INTERFEREMNO PROCESSO DE AQUISIO DA LEITURA E ESCRITA..............................................................................................................................................196

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    SENTIDOS E SIGNIFICADOS DAS CLASSES MULTISSERIADAS:UMA PAUSA PARA A HISTRIA ORAL DE UMA PROFESSORA

    Aline Carvalho NascimentoInstituto Chapada de Educao e Pesquisa

    RESUMO: O objetivo desse artigo refletir sobre o trabalho nas classes multisseriadas, comfoco nos aspectos voltados para a formao profissional dos professores e professoras e sua

    prtica pedaggica. Para tanto, ser levado em considerao a escuta atenta da voz de umaprofessora que atua em classes multisseriadas, como veculo de comunicao eentrelaamento com as prticas de tantos outros professores e professoras e comfundamentao terica que aborda essa questo. A aproximao das histrias de vida de

    professores e professoras de classes multisseriadas e, com isso, de suas prticas pedaggicas,seus saberes e processos de formao profissional possibilita um debruar sobre uma questoto pouco pesquisada e focalizada no cenrio nacional, muitas vezes abandonada em setratando de escolas rurais e multisseriamento.Palavras-chave: Classes multisseriadas; histria de vida; narrativa oral; formao

    profissional; prtica pedaggica

    Introduo

    O presente artigo tem como objetivo discutir sobre a formao profissional e prtica

    pedaggica nas classes multisseriadas, por meio da histria oral de uma professora. Para tanto

    alguns questionamentos so importantes: Como os docentes se percebem como profissionais

    atuando em classes multisseriadas? Como avaliam as suas prprias prticas? Como se

    sentem? Essas tm sido questes abordadas em pesquisas contemporneas (SANTOS e

    MOURA, 2012; SOUZA 2012) que buscam romper com o silenciamento dos educadores das

    escolas rurais e com o apagamento das prticas pedaggicas das classes multisseriadas na

    histria da educao brasileira. Nesse sentido Santos e Moura (2010) afirmam que:

    o abandono e o silenciamento, aliados a outros elementos, contriburamhistoricamente para a constituio de uma representao preconceituosaacerca do multisseriamento e das classes multisseriadas, vistas como ogrande responsvel pela (suposta) m qualidade da educao nas escolas docampo. (SANTOS e MOURA, 2010, p.37)

    Nossa hiptese principal que o processo de modernizao educacional,fundado na lgica da expanso de um modelo seriado, homogeneizador, esustentado numa lgica positivista de conceber o currculo, que tem

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    institucionalizado uma racionalizao do trabalho pedaggico, tem sido umdos principais elementos que contribuem para a emergncia dessasrepresentaes negativas e sua persistncia entre ns. (SANTOS e MOURA,2010, p.40)

    Tais estudos desvelam e criticam vises preconceituosas e desqualificadoras dasclasses multisseriadas, disseminadas nos discursos oficiais da histria da educao e destacam

    itinerncias da profisso e saberes dos educadores rurais.

    Nesse nterim este trabalho inscreve-se no mbito dessas produes por compreender

    que vises fabricadas da escola rural e de suas prticas pedaggicas escamoteiam o abandono

    desse territrio pelas polticas pblicas e corroboram com os ditames das polticas neoliberais

    para a educao sob a lgica das linhas abissais(SANTOS, 2007).A partir delas legitima-se o

    uso dos conceitos de centro e de periferia e a distribuio desigual de bens culturais eeconmicos, percebido pelo descaso no tratamento das escolas/classes multisseriadas com

    arquitetura inadequada, insuficincia e/ou inadequao de recursos e mobilirio escolar e

    precariedade de transporte escolar. comum ouvirmos dizer que a nomeao do profissional

    para trabalhar em classes multisseriadas, rurais, torna-se um castigo, algo temido por muitos,

    seja pelas longas distncias, seja pelas condies de trabalho precrias oferecidas.

    No mbito de aes de formao continuada de educadores realizadas em escolas

    rurais da regio da Chapada Diamantina1, foi possvel identificar experincias singulares em

    classes multisseriadas cujos professores assumem a multisseriao como alternativa

    pedaggica que favorece a aprendizagem significativa a partir da interao entre alunos de

    diferentes idades e saberes. As narrativas da professora Nelma Silva Serafim2 sobre a sua

    trajetria de vida e profisso revelam tempos e movimentos dessas prticas pedaggicas

    enquanto assinalam a emergncia de uma memria.

    Tomo como referncia as narrativas da professora Nelma Silva Serafim, que atravs

    da narrativa oral com trechos da sua trajetria de vida nos convida a refletir sobre os sentidos

    e significados das escolas rurais tendo como cerne as classes multisseriadas, bem como os

    desafios que precisamos enfrentar para a qualificao das prticas pedaggicas nesse mbito.

    A anlise dos sentidos produzidos por meio dessa narrativa, como nos traz Rios (2011) [...]

    possibilitou o contato direto com as fontes vivas, repletas de sentidos, silncios e saberes, uma

    1Atuao como formadora de educadores e coordenadora pedaggica regional no Instituto Chapada de Educaoe Pesquisa, que atua em 20 municpios da Chapada Diamantina, semi-rido baiano e em 3 municpios de

    Pernambuco.2Nelma Silva Serafim professora de classes multisseriadas h 6 anos, no municpio de Itaet-Ba, na ChapadaDiamantina. A entrevista foi realizada no dia 13 de novembro de 2012.

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    vez que as histrias de vida so unidades orais de interao social que expressam o nosso

    sentido de ser e de pertencimento....

    Para tanto, a anlise aqui realizada, ancorada nas seguintes categorias: formao

    profissional e prtica pedaggica na classe multisseriada, j que estas podem contribuir para

    uma anlise em que se entrelaam fatores relacionados aos saberes e fazeres em sala de aula,

    processos de formao e histria de vida, concordando com Souza e Santos quando destacam

    que

    Essas questes relacionadas aos saberes docentes dos professores de classesmultisseriadas construdos cotidianamente nas suas salas de aulas erelacionados com suas histrias de vida merecem ser melhores investigadaspara que se produza e sistematize um conhecimento acadmico capaz de

    influenciar na formulao e desenvolvimento de polticas pblicas (deformao de professores, de reformulao curricular, de produo demateriais didticos, etc.) que acolham, incentivem e aperfeioem o trabalhodesenvolvido nas classes multisseriadas. (SOUZA e SANTOS, p.45)

    O dilogo segue aberto - sobre as classes multisseriadas, pela tica de uma

    professora que gosta e pretende seguir ensinando em classes multisseriadas e que acredita que

    em tais classes os alunos aprendem, saindo do discurso da transformao dessas classes em

    seriadas como resoluo dos problemas de aprendizagem.

    Sentidos e significados do trabalho numa classe multisseriada relaes de

    pertencimento

    Para a professora Nelma Serafim o fato de ter nascido na localidade em que atua hoje

    e de ter estudado em escola multisseriada os anos iniciais do ensino fundamental, foi

    importante; h nela uma concepo e tratamento da multisseriao como uma possibilidade

    real e no como uma anomalia, um arremedo como muitos a veem; depois, o fato de ser da

    comunidade lhe outorga uma autoridade e respeito diante das famlias e dos prprios alunos.

    Um passo importante que precisamos dar, de forma geral, o que colocam Souza e

    Santos quando afirmam que acreditam e apostam na heterogeneidade e singularidade das

    classes multisseriadas e que h a necessidade de polticas que, dentre outras coisas, fixem os

    sujeitos nos seus territrios de origem, com dignidade, condies de vida e potencializando -

    os para a transformao dos espaos onde habitam, a partir do trabalho das escolas no

    contexto rural.

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    Com isso o fato de ter nascido na comunidade rural e l permanecer at hoje um

    ponto que aparece, com nfase, na fala da professora: Comecei com 8 anos, numa classe de

    multisseriada, fiz at a 4 srie, passei dos oito aos quatorze anos na classe multisseriada...

    Hoje ainda moro na linha Central, a gente ainda no mudou, permaneo no meu lugar de

    infncia.

    Nesse aspecto aparecem duas questes que eram comuns queles que moravam em

    localidades rurais afastadas dos povoados e da sede do municpio entrada tardia na escola

    aos oito anos de idade, e muitos anos para completar o ensino fundamental - passagem para o

    fundamental II com quatorze anos de idade.

    Porm, o fato de permanecer morando na localidade em que estudou foi mencionado

    demonstrando, de forma evidente, o orgulho em fazer parte daquela comunidade hoje como

    professora, requisitada pelos pais dos alunos, os quais confere a ela respeito e confiana.

    [...] a tinha minha irm que dava aula na classe multisseriada e semprequando tinha alguma coisa assim com ela eu ia sempre substituir ela, davaaula, dava sempre aula pra ela quando ela tinha algum imprevisto ou quandoela saa, sempre dava aula pra ela, a quando chegou o tempo a ela ficounoiva, casou e tinha que ir pra So Paulo e a ela pediu pra mim ficar n nolugar dela causa das criana que no aceitava outro professor, eu j eraconhecida l, os pais pediam e tambm uma opo assim pra ajudar minha

    famlia no oramento em casa. (NELMA)

    Com isso, o lugar aparece como um elemento importante, h destaque na

    relao desta professora com a comunidade, e isso imprime marcas em sua trajetria

    profissional, chegando a impactar em decises que tenha que tomar no curso da sua histria

    de vida, como podemos ver no trecho seguinte:

    [...] as crianas e os pais so muito apegados comigo l, foi assim umaexperincia boa, at que teve uma fala l, eu fui pra So Paulo, viajei final de

    ano e demorei de voltar e os pais foi l em casa, bastante pais atrs de mimporque (pensavam que) eu no ia ensinar mais, e que no queria outroprofessor l, se apegaram muito comigo, foi atrs de Arlete (coordenadora),de outros l, a Arlete falou: No, Nelma t voltando, a quando eu volteifez aquela festa. A esse ano eu t indo de novo, a eu falei: Vou ter queexplicar direitinho pra no fazer confuso na cabea dos meninos e nem dospais, que eu t indo mas eu volto.

    Com tudo isso, relevante pontuar sobre as relaes que so travadas no contexto

    educacional, nesse caso especificamente sobre as escolas multisseriadas rurais, at mesmo

    porque

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    [...] os novos estudos sobre as ruralidades tm possibilitado argumentar quefalar do rural no significa reportar-se apenas a um espao geogrfico, mass relaes que so desenvolvidas ali a partir de vrios elementos, comopertencimentos, deslocamentos, posicionamentos, subjetividades. (RIOS,2011, p.77)

    Trs elementos muito pertinentes colocados por Rios (2011) pertencimentos,

    deslocamentos, subjetividades todos no plural, que abrange todos os sujeitos envolvidos e

    suas variveis, que se relacionam com as identidades e alteridades nesse percurso.

    Elementos que se entrelaam e so colocados por Nelma quando ela retoma o tempo

    de estudante em que vem tona a descontinuidade das aulas devido s muitas faltas dos

    professores, pelos longos deslocamentos e problemas com transporte:

    [...] um professor assim que faltava muito porque no tinha transporte, eralonge, ele morava em Colnia (povoado) pra vir pra zona rural, a s vezesele vinha, a bicicleta furava o pneu, a voltava pra trs. A quando foi outraprofessora de Itaet, que comeou morar l prximo do prdio mesmo, naquarta srie, na quarta srie que eu fui me desenvolver um pouco.

    H para a professora uma associao ao fato de ela se desenvolver na aprendizagem

    com a frequncia/assiduidade do professor na escola, o que colocado como um fator

    determinante, e que as longas distncias percorridas acaba afetando.

    O fato de estar em contato prximo com a comunidade escolar, interagir com ela,

    contribui para que as relaes favoream um ponto muito discutido atualmente e requisitado

    em todas as esferas educacionaisno mbito rural ou urbano: a presena da famlia na escola.

    No caso especfico das escolas rurais em que os professores moram na localidade ou prximo

    a ela a possibilidade de que esse entrosamento traga ganhos para o trabalho e aprendizagem

    dos alunos.

    Minha relao com todos da comunidade, famlia dos alunos tima. Osmeninos l [...] eles respeitam mesmo a professora, os pais deles esto lmesmo, vo l, conversam comigo, [...] procuram saber como que t oaluno, como que no t, e falam: professora, qualquer coisa que elesfizer a pode mandar o recado que eu resolvo, ento eu sento, converso comeles, no meninos de eu t falando e eles t conversando no, por isso l otrabalho flui porque o silncio total, voc chega l na roda de leitura, vocfala assim essa sala no tem ningum. Outro dia o diretor chegou l de moto,ele bateu na porta e falou: Eu j ia embora, achei que no tinha ningum.(NELMA)

    Essa relao de pertencimento, por estar to prximos uns dos outros, morarem namesma localidade, a famlia ter no professor uma autoridade, pode tambm demarcar uma via

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    perigosa, em que, como coloca Rios (2011, p.14) A poltica do silncio l prevalecia,

    silncio total, marcado pela ideologia do discurso escolar, a qual se baseava em tudo dizer

    para nada ouvir... Isso traz os dois lados da moeda, o fato de o pertencimento ser um fator

    que agregue valor escola, ao estreitamento das relaes entre a professora e comunidade

    escolar, e ao mesmo tempo gerar situaes em que impere a imposio e cobrana.

    Porm, quando bem cuidada essa relao de pertencimento pode contribuir muito com

    o aprendizado, como podemos ver no trecho da fala da professora Nelma, em que considera a

    interao muito importante:

    Na hora do intervalo eu brinco com eles, no ptio, a gente brinca de roda, deamarelinha, de boleado [...] na sala a gente coloca o menino pra t lendo na

    frente, na minha turma (quando estudante) eu nunca li, eu nunca fiz umaleitura, e hoje no, hoje os meninos vai l, voc fala assim: d showmesmo, eles chega l e l sem vergonha mesmo, assim, e antes a gente notinha essa oportunidade de chegar a ler l pra classe toda. (NELMA)

    Formao profissionaltematizao da prtica como eixo central do trabalho

    importante que os professores tenham tempos e espaos destinados para refletir

    sobre a sua prtica e planejar as situaes didticas. Ass im, como bem coloca Chien [...] a

    formao enraza-se na articulao do espao pessoal com o espao socializado; progride com

    o sentido que a pessoa lhe d, tanto no campo da sua experincia de aprendizagem com o

    formador, como no quadro da totalidade da sua experincia pessoal (CHIEN apudNOVOA

    e FINGER, 2010, p.131)

    Esse sentido percebido pela professora Nelma quando ela defende que As

    formaes [...] contribuem muito para o crescimento profissional dos professores, que ali

    um momento em que rene vrios professores, um tirando a dvida do outro com a

    formadora.

    E em se tratando do trabalho nas classes multisseriadas extremamente relevante

    priorizar as formaes internas, que haja uma interao com outros profissionais dessas

    classes para trocar experincia e seguir nos planejamentos, como bem coloca a professora

    Nelma, significando esses espaos coletivos, tanto com a figura do coordenador pedaggico

    como com os colegas:

    No planejamento com a coordenadora (semanal) ela ajuda bastante, nasformaes. [...] No planejamento, no caso tem mais dois professores de

    multisseriada, a gente se junta na quinta-feira tarde pra planejar, a genteplaneja junto com Arlete (coordenadora), l tem momento pra tudo n, tem o

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    momento pra produzir sequncia junto com Arlete, tirar as dvidas, falarsobre os avanos dos meninos, pedir ajuda: Ah, fulano no t avanando, Arlete o que que eu tenho que fazer pra ajudar?, pedir ajuda pra elamesmo. , o planejamento de duas horas, mas a gente chega duas horas datarde e quando tem muita coisa pra fazer a gente fica at sete horas da noite.

    H, para a professora, uma significao do papel do coordenador pedaggico, como

    um parceiro mais experiente, bem como do espao destinado para planejamento, chamado de

    AC, e a situao colaborativa desencadeada na interao com outros professores que atuam

    em classes multisseriadas.

    As formaes (com a coordenadora, alm das ACs) acontecem todos osmeses, por ms, e na formao ajuda muito, a gente tira as nossas dvidas

    sobre os assuntos que esto sendo trabalhados,at mesmo as prticas deleitura, de escrita. Na formao, no caso as prticas de leitura, a genteaprofunda mais n nesses contedos.

    Em se tratando de formao externa, essa deve ser uma aliada da formao interna,

    contribuir para que essa se fortalea e siga contribuindo para qualificao das prticas

    profissionais dos coordenadores pedaggicos e professores. Por isso os programas de

    formao continuada no podem se ater apenas aos contedos, a uma concepo

    essencialmente intelectual, que se preocupa mais com o produto do que com o processo, haja

    vista que no percurso formativo, no caminho trilhado pelos professores que as

    aprendizagens vo se configurando. Mas quando isso no uma premissa do programa de

    formao continuada o que acontece que at consegue-se avanos no campo conceitual, no

    campo de domnio dos contedos, mas pouco se muda na prtica da sala de aula, haja vista

    que as mudanas de concepo so complexas e precisam partir de um panorama que integre

    o professor na sua inteireza, na sua complexidade do ser/existir humano (SCOZ, 2011,

    p.48).

    Esse um desafio que deve ser encarado medida que o professor reflita sobre suas

    aes, tome decises, e torne a refletir sobre as aes, o que favorece a qualificao da sua

    prtica. E nesse sentido tem lugar o dilogo e trabalho colaborativo, um lugar de destaque

    para os processos de comunicao, sendo que

    Descartar o interativo como elemento da construo conjunta doconhecimento na aula, significa desconhecer a significao do interativo forado marco atual da relao, como fonte de enriquecimento do sujeito que,alm do contato comunicativo, estimula a atividade criativa e reflexiva.(REY, 1995, p. 12-13).

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    E essa relao entre identidade e alteridade que dinmica, fluida, tambm trazida

    por Rios (2008, p.54) quando focaliza que nesse caso o centro no est no eu, nem no tu,

    mas no espao discursivo, criado entre ambos. O sujeito-professor s se completar na

    interao com o outro.

    Essa percepo de sentido em construo que Rios (2008) d nfase contribui para que

    olhemos para o estar em formao como processo de estabelecimento de relaes contnuas

    em que a mobilidade do saber no contato com o outro favorece que se descubra como um ser-

    sendo na construo dos processos identitrios.

    E nesse processo formativo o professor da classe multisseriada precisa se sentir

    ajudado no movimento de pensar a escola, e a sua sala de aula currculo, contedos,

    intervenes docentes.

    Ento, numa formao que teve l de leitura de capa de livros n, com osmeninos que to iniciando, que foi muito bom pros meninos do grupo cinco.A formadora apresentou trs livros com figuras quase iguais e que o alunotinha que descobrir onde tava escrito o nome Floresta Amaznica, em todastinha animais, mas a pro menino mostrar onde tava escrito FlorestaAmaznica, o nome, a ele poderia indicar qualquer um, mas a a professoraia intervir: Por que esse?, a depois informar Ento, Floresta comea comF, Esse ttulo desse livro comea com F? Pros meninos que tavaminiciando, foi marcante assim mesmo que eu gostei e que ajudou muito nasala de aula, que eu tava com sete meninos de grupo cinco e saram todosalfabticos. Os outros que j lia com fluncia, como a gente tava trabalhandouma sequncia de anfbios, eu dava a consigna pra eles, um texto pra elesconhecer primeiro o texto, eles tinham dez minutos pra ler o texto a depoisque lia o texto que era pra localizar informao e tambm preencher umatabela, enquanto eles iam fazer esse trabalho eu ia fazendo com os outros c.(NELMA)

    Nesse processo de formao permanente dos professores, Freire (1996) d um lugar de

    destaque ao momento da reflexo crtica sobre a prtica, abordado por ele como fundamental

    para melhoria da prpria prtica em que o aporte terico faz-se necessrio nessa reflexo

    crtica, mas de modo concreto.

    Toda essa significao da formao tambm defendida por Nvoa (2009) com a

    argumentao de que a formao docente precisa ser construda dentro da profisso, e isso

    significa que a prtica da sala de aula, da escola precisa ser e ocupar a centralidade da

    formao, haja vista que na discusso sobre os problemas da sala de aula, escola, anlise

    sobre sua prtica compartilhada com o colega, estudo, avaliao e discusso que o professor, aprofessora vai se percebendo, aprendendo a profisso, aperfeioando e inovando, pois S

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    atravs de uma reelaborao permanente de uma identidade profissional, os professores

    podero definir estratgias de ao que no podem mudar tudo, mas que podem mudar

    alguma coisa. E esta alguma coisa no coisa pouca. (NVOA, 2009, p. 35).

    Isso observado na fala da professora Nelma, quando ela d nfase a como a

    formao possibilita um olhar para a sua prpria sala de aula e como esse movimento cclico

    favorece com que ela aprenda a cada dia sobre como qualificar suas prticas profissionais.

    Na prpria escola mesmo voc vai aprendendo cada dia mais, cada dia vocdescobre coisas novas, diferentes, voc vai ter que lidar com aquilo, vaiprocurar em outros meios pra se informar. No caso quando eu entrei euaprendi vrias coisas com os meninos mesmo, , negcio de compreenso

    leitora que a gente vai ajudando os meninos a gente vai tendo maisconhecimento, projetos que eu no tinha conhecimentos de projeto,seminrios. Eu aprendi muito na sala de aula e na formao.

    Esses so conhecimentos importantes para qualquer professor, mas em se tratando de

    professor de classe multisseriada h que se ter ateno s especificidades dessas classes, at

    porque a multisseriao tem a diferena como o nico modelo de existncia (PINHO apud

    RIOS, 2011, p. 106), e considerar essas diversas identidades, essa heterogeneidade composta

    por diferentes idades e sries um grande desafio das classes multisseridas, coloco esses doisfatoresidade e srieporque nas turmas ditas seriadas tambm h heterogeneidade marcada

    por gnero, saberes, aspectos culturais e outros.

    Dessa forma, vejo que o processo de formao continuada precisa contribuir, de forma

    mais efetiva, para a atuao docente em classes multisseriadas, contribuindo com a premissa

    colocada por Nvoa (2009, p.30) de que na escola e no dilogo com os outros professores

    que se aprende a profisso. O registro das prticas, a reflexo sobre o trabalho e o exerccio da

    avaliao so elementos centrais para o aperfeioamento e a inovao. e nesse sentido a

    reflexo permanente sobre a prtica um momento fundamental.

    Isso sem perder de vista, ainda, que h que se ter aprofundamento terico-

    metodolgico, considero que temos dado passos importantes no sentido da tematizao da

    prtica, que como coloca Weisz (2002) significa retirar algo do cotidiano, fazer um recorte da

    realidade, para transform-lo em objeto de reflexo. teorizar. Esse um importante

    princpio: contribuir para que a prtica da sala de aula seja um objeto sobre o qual se discute,

    se pensa, reflete.

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    H que se considerar os aspectos legais com relao s polticas e prticas

    educacionais, tais como A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional 9394/96

    (LDBEN), que em seus Art. 23 e 28, estabelece que os sistemas de ensino devem promover

    as adaptaes necessrias para que a educao bsica seja ofertada adequadamente, indicando

    a possibilidade de definirmos o currculo, a organizao da escola, o calendrio escolar e

    metodologias considerando as necessidades dos estudantes face s especificidades do ciclo

    agrcola, das condies climticas; e do trabalho no campo. Mais especificamente h as

    Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica nas Escolas do Campo que oportunizam a

    elaborao de polticas pblicas que afirmem a diversidade cultural, poltica, econmica, de

    gnero, gerao e etnia presente no campo.

    Considero a institucionalizao desses marcos legais como um avano e contribuio

    escola em meio rural como portadoras de futuro (AMIGUINHO, 2008). Porm, h uma

    distncia entre a existncia da lei, discusso/entendimento e utilizao prtica. Digo isso

    porque muitos professores que atuam com classes multisseriadas desconhecem tal legislao.

    evidente que no basta que os professores a conheam, h que se ter polticas pblicas nas

    diversas instncias, seja no cuidado estrutura fsica, proposta pedaggica, formao

    continuada, e outras; mas ter contato com esses marcos legais fundamental para pensar

    aes mais focadas nas prticas de sala de aula.

    A formao continuada de professores e professoras precisa incluir a dimenso do

    trabalho nas classes multisseriadas, dimenso esta que no pode ser vista como um problema,

    muito pelo contrrio, como uma importante possibilidade de perceber o quanto a

    heterogeneidade ensina. Porm, algo desafiador, at porque ao mesmo tempo em que busca

    romper com a barreira da srie, as escolas multisseriadas so marcadas pela seriao e

    classificao dos alunos e alunas.

    A optimizao do potencial formativo dos contextos de trabalho passa, emtermos de formao, pela criao de dispositivos e dinmicas formativas quefacilitem a transformao das experincias vividas no quotidianoprofissional, em aprendizagens a partir de um processo autoformativo,marcado pela reflexo e a pesquisa, a nvel individual e colectivo. estaarticulao entre novos modos de organizar o trabalho e novos modos deorganizar a formao (centrada no contexto organizacional) que facilita etorna possvel a produo simultnea de mudanas individuais e colectivas.Os indivduos mudam, mudando o prprio contexto em que trabalham.(CANRIO, 2006.)

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    Prtica pedaggica na classe multisseriada centrada na interao para aprendizagem

    Ao abordar sobre prtica pedaggica, a professora Nelma Serafim faz um resgate

    histrico, relembrando da prtica pedaggica dos seus professores, quando aluna de classe

    multisseriada. Para tanto ela aborda fatores como alfabetizao tardia por falta de clareza dos

    seus professores sobre como alfabetizar em uma turma to heterognea com crianas e

    jovens misturados, muitas vezes essa tarefa de ensinar a ler e escrever era assumida pela

    famlia, no caso delaescrita do nome prprio - pelos irmos mais velhos j alfabetizados, j

    que os pais eram analfabetos.

    Na escola com oito anos no lia nem escrevia no, aprendi meu nomemesmo em casa com as minhas irms, no caso sou a mais nova, as minhas

    irms so mais velhas, a me ensinou em casa. A eu fui aprender a lermesmo na quarta srie, a ler mesmo e escrever na quarta srie j indo praColnia (povoado prximo). Ele (professor) ensinava mais a quarta srie,ento a gente via a quarta srie l lendo, mas lendo, no lia na frente no, liana carteira assim aquela lio n, tinha que dar a lio, a levava pra casa,sempre na lio. Marcante foi na minha quarta srie n quando eu aprendicom a professora que chegou l, que eu aprendi a armar a continha e efetuarque eu no sabia de jeito nenhum.

    Essa prtica era contraposta com exemplos, relatos que a professora ia trazendo sobre

    a sua prtica atual, em que coloca em ao o que aprende nas formaes externas e internas,

    por meio da articulao com o contexto de trabalho, tendo como eixo principal a sala de aula.

    Hoje mesmo, agora nesse perodo, a gente t fazendo um seminrio dosanimas peonhentos. E eu coloco os meninos pequenininhos pra t ensaiandoe eles falam to bem. um projeto pra comunidade, pros pais e com outrasescolas tambm, como todos moram na zona rural os pais conhecem bastanteesses animais que so n cobras peonhentas, os escorpies, todos aquelesque onde a gente mora tem bastante. Ento a Arlete (coordenadora) falou:Por que a gente no trabalha com animais peonhentos que j doconhecimento dos meninos?, e foi um projeto que eles aprenderambastante, foi bem legal. Porque tinha muitos mitos n e agora nesseseminrio a gente vai tratar sobre os mitos, a gente vai falar pra eles que oque os pais aprenderam so mitos, a eles vo mostrar, falar o que verdadee o que so mitos, vo mostrar tambm que pra os pais todos os animais sopeonhentos, e no, uma diferena entre animais peonhentos e nopeonhentas, serpentes peonhentas e no peonhentas, a a gente vai fazeressa diferena tambm e como se livrar da aproximao desses animais dacasa sem ter que mat-los n, atravs da cadeia alimentar. T marcado pra odia 30 de novembro. (NELMA)

    Aparece, ento, uma preocupao com as prticas sociais, em como a escolaaproximar os alunos do que eles precisam saber para interagir na sociedade, colocando-os no

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    papel de leitores desde cedo. E como fazer para que os mais novos e os mais velhos

    aprendam, sem forar demais para uns ou simplificar demais para outros? Essa uma questo

    presente no dia-a-dia dos professores de classes multisseriadas, e que a professora Nelma vai

    procurando respond-las de forma to empenhada e preocupada em favorecer com que todos

    aprendam, trazendo um ponto bem importante: trabalho com agrupamentos produtivos.

    Eu tenho de grupo cinco (Educao Infantil) ao quinto ano. Eu no achodifcil, eu j acostumei, quatro anos na sala, eu j sei assim tudo certinho,divido os meninos assim por hiptese de leitura e de escrita, que nem, eu nocoloco assim no caso segundo ano com segundo ano no, eu fao quem sabeler com fluncia, quem no sabe, quem t comeando, a fica fcil pra mimtrabalhar na sala, pra mim no difcil no.No caso um menino alfabtico senta com um silbico alfabtico pra t

    ajudando, delimitando o espao onde vai procurar a palavra numa leituraexploratria; que tambm j passou dessa fase, l no tem mais alunosassim, os alunos j sabem ler, tem alunos que j l com fluncia e essespequenininhos que t lendo assim tipo assim por pedacinho e agora nofinalzinho ela j l a palavra, essa de grupo cinco, que nem a palavra corujaela lia CO RU JA a eu falei assim: voc faz assim, voc para, pensa umpouquinho, l s com o pensamento depois voc fala, agora ela tconseguindo falar a palavra, no l mais silabando. Eu recebi um meninomesmo da sede de Colnia, ele terceiro ano, e no conhecia nem as letras eeu tenho essa mesma de grupo cinco que ela j fazia as palavrinhas; eucolocava ela pra ajudar ele, tem outros tambm l do segundo ano,

    pequenininho que tambm j ajudou bastante ele. E hoje ele j t lendo, tanto que ele falou assim: Nelma, fala com Arlete que eu vou ler em Colniapra minha turma que eu estudava l.

    Observa-se que a preocupao da professora no momento de pensar nos agrupamentos

    no est centrado na srie que cada um est, at porque numa classe multisseriada h a

    possibilidade de intercmbio entre todas as sries. A preocupao da professora est em

    mapear o que cada aluno sabe no caso especfico de leitura aqueles que ainda no fazem

    relaes quantitativas, qualitativas, aqueles leitores iniciantes e os que j leem fluentemente; a

    partir da planeja-se as duplas para que juntos possam ir avanando em suas aprendizagens,independente da srie e da idade.

    Eu dou um contedo s pra todos, mas com a consigna diferente. No casoquando a menina de grupo cinco ela no sabia ler ainda, eu tava trabalhandocom a sequncia sobre alimentao, eu pedia pra ela destacar no texto onome dos alimentos e fazer uma lista no caderno, pros outros do 2 ano praele ler e encontrar uma informao que tava explcita, pros outros pedia praler e fazer, tomar notas, a eu passava orientando nos grupos. (NELMA)

    Apesar de avanos significativos demonstrados pela prtica da professora, possvelobservar como o aspecto srie ainda forte numa sala multisseriada, at porque no nosso

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    modelo vigente isso ainda impera, seja no momento da avaliao, seja no momento de

    emisso de transferncia.

    [...] exemplo de falas muito recorrentes entre professores, apontam,

    primeiramente, que as categorias tempo e srie so estruturantes do fazerpedaggico dos professores e professoras de classes multisseriadas,revelando, assim, uma forte influncia do paradigma seriadourbanocntrico... (SANTOS e MOURA, 2010, p. 38)

    Outro fator preponderante colocado pela professora e que precisamos destacar com

    relao ao tempo didtico numa classe multisseriada, pois temos claro que

    [...] uma classe multisseriada no uma soma de sries justapostas. Paraentend-la na sua especificidade, fundamental assumi-la como uma

    totalidade una e diversa ao mesmo tempo, a fim de no dicotomiz-la [...] asclasses multisseriadas, ao mesmo tempo em que podem ser vistas como algofragmentado, so tambm coesas na sua forma particular de existir, pois estacoeso uma caracterstica das sociedades contemporneas. (PINHO eSOUZA, 2012 p.262)

    Assim, em qualquer classe, mesmo as seriadas precisam considerar a pluralidade

    dos tempos e ritmos de cada um, mas em se tratando de classes multisseriadas esses aspectos

    esto ainda mais sobressalentes.

    Todo esse envolvimento da professora, o fato de gostar de ensinar em uma sala

    multisseriada faz com que a professora se encha de orgulho ao dizer: Tenho 16 alunos (da

    Educao Infantil ao 5 ano) e to todos alfabticos.

    Consideraes Finais

    Urge contribuir para que os fatores relacionados diferena e mudana povoem o

    cenrio educacional, e especificamente as classes multisseriadas, como importantes para

    discusses anlises e sistematizaes de conhecimento aconteam. O que faz com que tenha

    sentido toda essa discusso em torno dos processos de formao e prtica pedaggica nas

    classes multisseriadas, que deve contribuir para que haja, cada vez mais, estudos voltados

    para a formao de professores das classes multisseriadas em localidades rurais, sem perder

    de vista a grande quantidade de escolas com esta configurao existente no Brasil, o que

    dissipa a ideia amplamente difundida acerca do fim das classes multisseriadas, como algo

    residual, mas pelo contrrio, nos remete a pensar em caminhos para qualificao dasprticas de ensino nessas classes.

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    Dessa forma, a aproximao dos professores e professoras que atuam em classes

    multisseriadas, atravs de entrevistas orais, um passo bem importante, pois revela um

    interesse em conhecer mais sobre a histria de vida desse sujeito/professor, seus saberes

    docentes, o que pode produzir importantes insumos para pesquisas, produo e sistematizao

    de conhecimento e materiais que possibilite influenciar polticas pblicas frente a formao de

    professores de classes multisseriadas, que impactem na qualificao das prticas pedaggicas.

    Pode-se observar que j h prticas pedaggicas preocupadas com a aprendizagem de

    todos os alunos em uma classe multisseriada, favorecendo o intercmbio entre as diferentes

    faixas etrias, a interao grupal, se constituam como uma rica fonte de aprendizagem. E por

    meio dessas prticas pode-se observar aprendizagens significativas tanto por parte da

    professora aqui mencionada nesse texto que a cada dia aprende sobre como ensinar numa

    classe em que a heterogeneidade e diversidade so as causas da sua existncia e por parte

    dos alunos. Tudo isso percebido pelo compromisso da professora em participar de todos os

    espaos de formao interna e externa, estar sempre atenta aos saberes e dificuldades de cada

    aluno, investimento em sua auto-formao; e tambm compromisso da comunidade escolar.

    Porm os desafios ainda so muitos a serem enfrentados, destacarei alguns, retirados

    do intercmbio com a histria de vida da professora Nelma Serafim, tais como escassez de

    recursos pedaggicos, acervo literrio, saber sobre como gerir uma classe multisseriada,

    organizar o currculo em todas as reas do conhecimento. Esses so alguns dos desafios que

    precisam, cada vez mais, ser encarados pelos governos nas esferas federais, estaduais e

    municipais, mas tambm os programas de formao inicial e continuada no sentido de no

    ignorarem o multisseriamento, mas tocarem, efetivamente, nessa temtica favorecendo um

    olhar para o currculo, para os projetos poltico-pedaggicos das escolas e possibilitando aos

    professores refletirem sobre suas prticas e tomarem decises sobre elas tendo em vista a

    aprendizagem significativa de todos os alunos.

    Referncias

    AMIGUINHO, A. Escola em meio rural: uma escola portadora de futuro? Educao,Revista do Centro de Educao, vol. 33, num. 1, janeiro-abril, 2008, pp. 11-32. Santa Maria-RS: Universidade Federal de Santa Maria, Brasil: disponvel em:http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/1171/117117388002.pdf

    CANRIO, Rui. A escola tem futuro? Das promessas s incertezas . Porto Alegre:Artmed, 2006.

    http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/1171/117117388002.pdfhttp://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/1171/117117388002.pdf
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    CHIEN, Adele. A narrativa de formao e a formao de formadores. Apud NVOA,Antnio; FINGER, Matthias (Org.). O mtodo (auto)biogrfico e a formao. So Paulo:Paulus, 2010.

    FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessrios prtica educativa. So

    Paulo: Paz e Terra, 1996.NVOA, A. Professores Imagens do futuro Presente . EDUCA: Lisboa, 2009.

    PINHO, Ana Sueli Teixeira de; SOUZA, Elizeu Clementino de. Tempos e ritmos nas classesmultisseriadas do meio rural: entre as imposies da modernidade e as possibilidades docontexto ps-moderno. In: SOUZA, Elizeu Clementino de (org.). Educao e Ruralidades:memrias e narrativas (auto)biogrficas.Salvador: EDUFBA, 2012.

    REY, Fernando Gonzlez. La comunicacin educativa: su importncia en el desarollointegral de la personalidad. In, REY, Fernando Gonzlez. Comunicacin, personalidad ydesarrollo. Habana: Editorial Pueblo y Educacin, 1995. P 1-27.

    RIOS, Jane Adriana Vasconcelos Pacheco. O lugar do outro na formao docente. In:GARCIA, Paulo Cesr Souza e FARIAS, Sara Oliveira. Entre-textos: narrativas, experinciase memrias. Guarapari, ES, Libris, 2008.

    RIOS, Jane Adriana Vasconcelos Pacheco. Ser e no ser da roa, eis a questo!Identidadese discursos na escola. Salvador: EDUFBA, 2011.

    SANTOS, Fbio Josu Souza; MOURA, Terciana Vidal. Polticas educacionais,modernizao pedaggica e racionalizao do trabalho docente: problematizando asrepresentaes negativas sobre as classes multisseriadas . In: ANTUNES-ROCHA, MariaIsabel; HAGE, Salomo Mufarrej (orgs.). Escola de direito: reinventando a escolamultisseriada. Belo Horizonte: Autntica, 2010. (Coleo Caminhos da Educao do Campo;v. 2), pp. 35-48.

    SANTOS, Boaventura de Sousa. Para alm do pensamento abissal: das linhas globais auma ecologia de saberes.In: Critical Review of Social Sciences, 78, October 2007: 3-46.

    SCOZ, Beatriz Judith Lima. Identidade e subjetividades de professores: sentidos doaprender e do ensinar.Petrpolis, RJ: Vozes, 2011.

    SOUZA, Elizeu Clementino de; SANTOS, Fbio Josu dos. Educao rural emultisseriao: rompendo silncios e indicando horizontes.

    WEISZ, Telma. O Dilogo entre o Ensino e a Aprendizagem . So Paulo: tica, 2002.

    ESCOLAS MULTISSERIADAS DO MEIO RURAL: SOBRE O DIREITODE APRENDER DOS EDUCANDOS

    Dayane Santos / UNEB XV

    Eunice Santana / UNEB XVJozileneAssis / UNEB XV

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    RESUMO: Este artigo discute sobre as classes multisseriadas em seu contexto histrico,socioeconmico, cultural e organizao pedaggica, retratando o silenciamento, abandono e

    preconceito nessas classes. Para tanto, procuramos fundamentar nossas reflexes e discusses

    atravs das experincias relatadas pelos alunos do meio rural em seu contexto especfico. Otexto traz discusses sobre os impactos polticos que envolvem essa modalidade de ensino,considerando que mesmo neste contexto desfavorvel onde pesam as polticascompensatrias, as classes multisseriadas resistem. Tratamos ainda nesta tessitura sobre o

    processo de aprendizagem nas classes multisseriadas, provocando reflexes, apresentandoquestionamentos a partir da viso de um novo currculo, de uma formao especfica para o

    professor dessas classes, a adequao de tempos e ritmos de acordo com a especificidade domeio rural, por meio da criao e reformulao de novas polticas que promovam mudanasnas escolas em seu contexto social. O estudo foi desenvolvido a partir de uma abordagemqualitativa optando pela pesquisa de campo.

    Palavras-Chave: Educao do campo; Educao Rural; Classe Multisseriada; Polticas Pblicas.

    Introduo

    O presente artigo surge a partir das nossas inquietaes sobre as dificuldades de

    aprendizagem encontradas pelos alunos egressos de classes multisseriadas quando adentram

    nos anos finais do ensino fundamental, nas classes seriadas. A partir desta perspectiva este

    trabalho tem como objetivo analisar o contexto da classe multisseriada do meio rural a partir

    da viso do aluno, refletindo sobre esta organizao pedaggica que busca assegurar o direito

    de aprender dos educandos.

    Destacamos tambm a falta de interesse do Estado em promover uma poltica

    educacional adequada populao do meio rural. As condies que os sujeitos do meio rural

    vivenciam para garantir o acesso e a qualidade da educao nas escolas multisseriadas, em

    grande medida, esto diretamente relacionadas ausncia e/ou ineficincia de polticas

    pblicas.

    A reflexo apresentada acima reafirma a necessidade de aprofundamento dos estudos

    das classes multisseriadas no meio rural, visto que essa situao fruto de um processo

    histrico e que permanece at os dias atuais, em uma viso baseada no silenciamento,

    abandono e preconceito. Sendo assim, mesmo precarizada, a escola multisseriada vem

    persistindo e contribudo com a educao nas comunidades rurais, oportunizando ento a

    escola para os sujeitos rurais. A partir disto, como encarar a real situao das escolas

    multisseriadas assegurando o direito de aprender dos educandos do meio rural?

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    Baseado nesse contexto, pretendemos tambm trazer discusses que sinalizem

    possveis caminhos para repensar a realidade das classes multisseriadas.

    Cabe destacar que o presente estudo foi desenvolvido a partir de uma abordagem

    qualitativa, optando pela pesquisa de campo, visto que procede observao de fatos e

    fenmenos exatamente como ocorrem no real, coleta de dados referentes aos mesmos e,

    finalmente, anlise e interpretao desses dados, com base numa fundamentao terica

    consistente, objetivando compreender e explicar o problema pesquisado. E como suporte

    terico, este trabalho dialoga com as ideias de Leite (1999); Caldart (2002); Hage (2005;

    2006; 2011; 2013); Souza (2006); Arroyo (2005; 2007; 2010); Molinari (2010); Santos &

    Moura (2010; 2012), dentre outros que discutem sobre a educao do campo.

    Para uma melhor estruturao deste trabalho optamos por dividir o desenvolvimentoem trs partes, a saber: 1. A Educao rural no contexto prtico: dilemas e dificuldades, 2.

    Classes Multisseriadas: o que so? e 3.Classes multisseriadas: construindo outros olhares.

    O primeiro tpico, A Educao rural no contexto prtico: dilemas e dificuldades,

    centra-se nas discusses sobre o contexto da educao rural, ao destacar a historicidade sobre

    esta educao e reflexes atuais sobre a educao do campo. Aprofundando tambm os

    paradigmas que abrangem a educao rural, e a educao do campo onde evidente o

    contexto no qual se manifesta, analisando a realidade do campo atravs de uma composiosociocultural e econmica e as Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica nas Escolas do

    Campo, que foi instituda pelo governo brasileiro.

    Em seguida, apresentamos em Classes Multisseriadas: o que so? A definio com

    base em Hage (2006) e nos relatos pessoais dos educandos.

    Por fim, o terceiro tpico, Escola Multisseriada: construindo outros olhares, traz

    algumas propostas sobre o processo de aprendizagem nas classes multisseriadas, provocando

    reflexes, apresentando questionamentos a partir da viso de um novo currculo para essas

    classes, bem como uma formao especfica para os professores que lecionam nessa

    modalidade, apontando ainda como trabalhar de acordo com os tempos e ritmos nas escolas

    do meio rural, e mostrando que a criao e reformulao de novas polticas pode ser um

    caminho para o processo de transformao das classes multisseriadas.

    A educao rural no contexto prtico, dilemas e dificuldades.

    A Educao Rural distinguida como as polticas advindas do Estado por meio da

    histria da educao brasileira. O ensino para a populao rural foi se crescendo

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    gradativamente, e de acordo com seu desenvolvimento, nasciam programas e projetos

    educacionais para atender a realidade da populao do campo (LEITE, 1999).

    Ao utilizarmos o termo rural, nos remetemos ao que relativo ao campo, ao sistema

    agrcola. Quando discutimos sobre educao rural, vemos um sistema composto por

    fragmentos da educao urbana introduzida no meio rural, na maioria das vezes precrio na

    sua estrutura e funcionamento. Vemos uma instituio escolar que passa valores de uma

    ideologia urbana que subordina a vida e o homem do campo.

    A abordagem principal que direcionada a educao rural concentra-se no contexto no

    qual ela se apresenta, analisando a realidade do campo a partir de aspectos socioculturais

    distantes de outra parte da sociedade. Com isso as prticas existentes no meio rural esboaram

    comportamentos especficos que em nvel educacional de transferncia e de aperfeioamento

    de experincias, reclamam tipo de atendimento diferenciado.

    Segundo Leite (1999, p. 14), pensar a escola rural pensar o homem rural, seu

    contexto, sua dimenso como cidado, sua ligao com o processo produtivo, sendo assim,

    necessrio a adequao de uma pedagogia prpria para essa realidade. Uma educao rural

    adaptada cultura e ao "homem do campo". Contudo sabemos que a educao rural no

    contempla as necessidades bsicas de uma educao de qualidade, pois ela se configuradentro de uma lgica capitalista e hegemnica, apenas visando o homem do campo para a

    produo, como um ser mercadolgico, fortalecendo as polticas de controle.

    Dentro desse contexto surge o ruralismo pedaggico tendo como objetivo a fixao

    do homem no campo, atravs de uma educao restringida e pragmtica, que atenda todas as

    necessidades do meio rural, qualificando a sua mo de obra, fazendo com que o homem do

    campo acredite que no preciso sair do campo para a cidade para ter condies de

    crescimento econmico, mas essa ideia negava-lhe o desenvolvimento intelectual.Leite (1999, p. 29), em sua obra Escola Rural: urbanizao e poltica educacionais,

    expe que o ruralismo no ensino durou at a dcada de 30, uma vez que a escolaridade estava

    ligada tradio colonial e distante das exigncias da poca. Discusses acontecidas na

    dcada de 1930 sobre a educao anteciparam as teorias que iniciaram na metade da dcada

    de 40, visto que a partir da foram realizados conferncias, debates e palestras, com intuito de

    problematizar as condies bsicas de vida das populaes do meio rural.

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    5. a ausncia de assistncia pedaggica e superviso escolar nas escolasrurais;6. o predomnio de classes multisseriadas com educao de baixa qualidade;7. a falta de atualizao das propostas pedaggicas das escolas rurais;8.baixo desempenho escolar dos alunos e elevadas taxas de distoro idade-srie;9.baixos salrios e sobrecarga de trabalho dos professores, quandocomparados com os dos que atuam na zona urbana;10.a necessidade de reavaliao das polticas de nucleao das escolas;11.a implementao de calendrio escolar adequado s necessidades do meiorural, que se adapte caracterstica da clientela, em funo dos perodos desafra. (BRASIL, 2007, p.05)

    Falar sobre esse modelo de educao nos remete a questionamentos: At onde a falta

    de vontade poltica do poder pblico, interfere na qualidade de ensino? Por que no valorizar

    a educao rural como a educao urbana? Como as polticas pblicas podero se definir damesma forma, na educao do meio rural?

    Os questionamentos nos levam a reflexes, acerca de toda essa estrutura poltica que

    tenta silenciar a luta e conquistas que foram institudas pelos movimentos sociais. Para

    garantir um novo modelo educacional, permitindo que o homem do campo, tenha acesso ao

    conhecimento e direito escolarizao.

    Mesmo com a criao de documentos direcionados educao do campo, a populao

    ainda se encontra submissa a grupos polticos influentes, desta maneira ocasionando uma

    grande migrao da parte desta populao para a zona urbana. Um dos motivos se deve ao

    fato do descaso das autoridades por no qualificar o ensino do campo, deixando sempre em

    segundo plano o processo de ensino. Por isso, pensar na escola do meio rural valorizar o

    homem do campo, respeitando seu contexto social, sua relao com o espao que vive, a

    partir de polticas que atendam as especificidades que so inerentes a essa populao.

    O fortalecimento e reivindicaes na luta pela qualificao da educao surgem das

    articulaes e mobilizaes populares histricas dos movimentos sociais, que frente ao

    processo poltico excludente, constri uma identidade prpria do sujeito rural, e aprofunda na

    reflexo sobre o papel das polticas pblicas no campo.

    O movimento inicial da Educao do Campo foi o de uma articulao poltica de

    organizaes e entidades para denncia e luta por polticas pblicas de educao no e do

    campo. A 1 Conferncia Nacional Por Uma Educao Bsica do Campo, realizada em

    1998, que foi o momento de batismo coletivo de um novo jeito de lutar e de pensar a

    educao para o povo brasileiro que trabalha e vive no e do campo. Atravs do processo de

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    construo desta conferncia pelos Movimentos Sociais do Campo, foi inaugurada uma nova

    referncia para o debate e a mobilizao popular: Educao do Campo e no mais educao

    rural ou educao para o meio rural.

    Um dos pontos essenciais que enfatiza a identidade do movimento Por Uma Educao

    do Campo a luta da populao do campo por polticas pblicas que garantam o direito

    educao e a uma educao que seja no e do campo. Neste debate, Caldart (2002) diz, No: o

    povo tem direito a ser educado no lugar onde vive; Do: o povo tem direito a uma educao

    pensada desde o seu lugar e com a sua participao, vinculada sua cultura e s suas

    necessidades humanas e sociais.

    As caractersticas que se adquam com o ensino rural so demonstradas no Art. 28 da

    LDB (lei 9394/96) que leva em conta medidas de adequao da escola vida do campo,

    definindo que:

    Na oferta da educao bsica para a populao rural, os sistemas de ensinopromovero as adaptaes necessrias a sua adequao s peculiaridades davida rural e de cada regio, especialmente nos contedos curriculares emetodologias apropriadas s reais necessidades e interesses dos alunos dazona rural, organizao escolar prpria, incluindo adequao do calendrioescolar s fases do ciclo agrcola e s condies climticas e adequao natureza do trabalho na zona rural.

    Entretanto, apesar da constituio propor orientaes a serem seguidas, a real tradio

    do ensino rural tem sido apenas reproduzir a escola urbana, de maneira precarizada. Dentre

    essas preocupaes com o ensino rural, podemos evidenciar ainda a criao das Diretrizes

    Operacionais para a Educao Bsica das Escolas do Campo, aprovadas em 2001 pelo

    Conselho Nacional de Educao, que refletem um conjunto de preocupaes conceituais e

    estruturais presentes historicamente nas reivindicaes dos movimentos sociais.

    Neste sentido, importante analisar a observao feita por Palmeiras; Guimares

    (2002, p. 339), quando afirmam que:

    [...] uma educao para o desenvolvimento local e sustentvel requerprocessos educacionais que possibilitem a formao de cidados autnomose crticos, a base para o avano individual e o consequentementedesenvolvimento social. Cidados com capacidade de enfrentar um mundoem mudanas e conflitos, que contribuam para solues e transformaes da

    realidade, porm no s sob o aspecto econmico e material como tambmlevando em conta os sentimentos e emoes, para um viver solidrio e feliz,pessoal e social.

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    Deste modo, indispensvel construir uma educao para o campo numa dimenso

    que trabalhe a diversidade cultural do cidado rural, que discuta propostas de educao para o

    cidado do campo que envolva suas especificidades culturais, sociais e econmicas.

    Ao analisar a Lei no 5.692/1971, Leite (1999) afirma que a educao rural no foi

    focalizada ou enfatizada e, sim, destituda de sua identidade. Segundo o autor, desde 1960, a

    educao rural vem seguindo programas educacionais determinados pelo Ministrio e

    Conselhos de Educao, sem, contudo, estabelecer uma filosofia e/ou uma poltica especfica

    para a escolaridade nas regies rurais.

    De acordo com Arroyo (2007), h uma idealizao da cidade como espao

    civilizatrio por excelncia, como uma expresso da dinmica poltica, cultural e educativa,

    [...] a essa idealizao da cidade corresponde uma viso negativa do campocomo lugar do atraso, do tradicionalismo cultural. Essas imagens que secomplementam inspiram as polticas pblicas, educativas e escolares einspiram a maior parte dos textos legais. O paradigma urbano a inspiraodo direito educao. A palavra adaptao, utilizada repetidas vezes naspolticas e nos ordenamentos legais, reflete que o campo lembrado como ooutro lugar, que so lembrados os povos do campo como outros cidados,que lembrada a escola e seus educadores (as) como a outra e os outros(ARROYO, 2007, p. 159).

    Por isso, a Educao do Campo, uma conquista que surge a partir da luta dos

    movimentos sociais, que teve como protagonistas desta emancipao poltica os trabalhadores

    rurais, uma luta que se revela pela superao do sistema capitalista, ao contrrio da Educao

    rural que atrelada ao poder hegemnico, refora o silenciamento, abandono e preconceito,

    limitado muito no interesse da proposta capitalista, que privilegiou os grandes latifundirios,

    sem garantir a formao para o homem do campo. Contradizendo esses fatores, a Educao

    do Campo vem legitimar o saber do homem do campo, configurando os sujeitos rurais como

    produtores de direitos, entendendo que os professores tm seus saberes construdos, busca

    oportunizar a ligao da formao escolar formao para uma postura na vida, na

    comunidade, compreendido este como espao de vida dos sujeitos do campo, sendo

    importante lembrar que a partir da Educao do campo se produziu muitas conquistas como a

    abertura para Universidades, as Diretrizes Operacionais, a garantia em espaos que se

    discutam os direitos para a melhoria na condio de vida do homem do campo, entre outros.

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    Saviani (1980, p. 197), nos indica que as escolas rurais no foram criadas para atender

    aos interesses do homem do campo, mas a escolarizao do campo se revela um fenmeno

    decorrente da expanso das relaes capitalistas no campo. Desta forma, a educao um

    direito do coletivo, ou seja, social, por isso, partimos da compreenso de que a educao

    urbana no superior rural, onde se faz necessrio distino entre essas duas realidades,

    respeitando a diversidade de cada espao. No que trata o quesito diversidade no contexto da

    educao no meio rural necessrio colocar em relevo a existncia da classe multisseriada.

    As classes multisseriadas so um tipo especfico de educao.

    E quando falamos sobre a Educao do Campo importante discutir sobre as classes

    multisseriadas, pois as mesmas ainda so consideradas a maior problemtica da Educao do

    Campo, entretanto os autores abaixo citam alguns fatores favorveis s classes multisseriadas:

    A grande vantagem das turmas multisseriadas que o educador pode mediara inter-relao entre diferentes faixas-etrias e de conhecimentos, tornando ofazer pedaggico mais dialgico, com isso fortalece-se o respeito pelo outroa valorizao das diversidades e o entendimento de que preciso partir aunidade para o todo, sabendo-se que cada um deles parte importante de umsistema que s ser melhor se tiverem, conhecimento da realidade ese apropriarem desses conhecimentos para, ento, buscarem possveissolues para os problemas impostos pela sociedade. (ROCHA e HAGE,2010, p.136).

    Sendo assim, para manter as classes multisseriadas necessrio dar condies, por

    meio de polticas educacionais especficas que garantam a efetividade do processo de ensino

    aprendizagem, atendendo os educandos do meio rural, no intuito de oferecer uma educao de

    qualidade em diferentes contextos sociais e culturais.

    Classes multisseriadas: o que so?

    Sabemos que a histria da classe Multisseriada das escolas do campo sempre foi

    negligenciada por polticas pblicas e atendida apenas por polticas compensatrias. As

    escolas multisseriadas consideradas como fragmento de um perodo em extino decorrente

    do processo acelerado de urbanizao, sendo necessrio unir em uma nica sala alunos com

    distintos nveis de aprendizagens, seriao e faixa etrias diferentes, pois a baixa densidade

    populacional nesses espaos e com nmero mnimo de alunos impossibilita a formao de

    turmas voltadas ao atendimento de classes seriadas.

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    As classes multisseriadas so turmas formadas por alunos de diversas sries, ao

    encargo de um nico professor, e o perfil desses professores, geralmente sem formao

    poltica e pedaggica para trabalhar nessas classes, e a ausncia de polticas pblicas nesta

    conjuntura, torna pior ainda esta realidade. Concordando com essa anlise, Santos & Moura

    (2010, p. 269), afirmam que tais elementos tm contribudo para gerar discursos e

    representaes negativas em torno do trabalho pedaggico em classes multisseriadas, fazendo

    emergir o preconceito em torno desta realidade.

    Para Hage (2006), as escolas multisseriadas possuem uma identidade diferenciada pela

    precarizao do modelo urbano seriado de ensino. Por isso, torna-se necessria uma

    educao que contemple a diversidade e heterogeneidade de sujeitos, ou seja, uma educao

    escolar multicultural e inclusiva. Educao que oportunize o dilogo e a convivncia entre os

    diferentes sujeitos e culturas, visando superar a realidade de excluso social e educacional que

    grupos sociais sofrem por fatores de etnia, gnero, classe, idade, entre outras.

    Buscamos fundamentar nosso artigo ouvindo relatos de alunos oriundos de classes

    multisseriadas no processo de transio para classe seriada, a fim de constatarmos o processo

    de organizao dessas classes em seu contexto geral, desde a infraestrutura s praticas

    pedaggicas. Onde ficou evidente na fala dos alunos a questo do silenciamento sobre as

    classes multisseriadas, quando questionamos o que seria essa modalidade de ensino. Apesar

    de fazer parte dessas turmas, os mesmos no souberam o seu significado, O que isso

    professora?(Aluno W), Sei no!(Aluno P), Nunca ouvir dizer.(Aluno B).

    A reflexo apresentada acima reafirma a necessidade de aprofundamento dos estudos

    das classes multisseriadas no meio rural, visto que essa situao fruto de um processo

    histrico e que permanece at os dias atuais, em uma viso baseada no silenciamento,

    abandono e preconceito.

    importante evidenciar que algumas escolas de classes multisseriadas localizadas no

    meio rural so precrias em sua estrutura fsica, pois, muitas delas no possuem prdios

    prprios, funcionando em casa do morador da regio, ou mesmo em espaos como igrejas.

    Assim, essas caractersticas intensificam a abordagem de que as escolas rurais recebem um

    ensino de m qualidade, acarretando numa formao deficiente, na evaso escolar,

    consequentemente reforando o abandono das autoridades pblicas. Hage (2005, p.48)

    ressalta,

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    De fato, estudar nessas condies desfavorveis, no estimula os professorese os estudantes a permanecerem na escola, ou sentir orgulho de estudar emsua prpria comunidade, fortalecendo ainda mais o estigma da escolarizaoempobrecida que tem sido ofertada no meio rural, e incentivando aspopulaes do campo a buscar alternativas de estudar na cidade, comosoluo dos problemas enfrentados.

    Deste modo, importante analisar a resposta de um aluno do 6 ano oriundo de uma

    classe multisseriada, onde destaca o pensamento de Hage.

    O espao da escola era pequeno, no tinha lugar para brincar, a sala eracheia, fazia muito barulho, no aprendia quase nada. As cadeiras tambmeram quebradas. Gostava mais ou menos de estudar l. (Aluno D).

    So perceptveis as dificuldades existentes no ato de ensinar e aprender numa classe

    multisseriada, e Molinari (2010) afirma que o principal problema no trabalho do multisseriado

    est na organizao do tempo didtico. E, reforando a ideia da autora supracitada, na anlise

    dos resultados na Escola Municipal Jos Andrade Soares, no qual os alunos estudaram em

    classes multisseriadas expem a dificuldade de se aprender nesta modalidade de ensino.

    Era muito (sic) baguna, a gente conversava muito, fazia muito barulho. Ela

    (professora) passava o mesmo dever que passava pra uma srie passava praoutra. A mesma atividade que passava para 3 passava pra 4. (Aluno A).

    Ela (professora) no mudava os assuntos, mudava s a atividade de casa. Aatividade de classe era a mesma para todas as turmas. (Aluno B).

    Outra problemtica das classes multisseriadas so os planejamentos. Planejar aulas

    com reas de conhecimentos separadamente para cada srie nunca foi uma estratgia bem

    utilizada pelos professores dessa modalidade de ensino, pois desempenhando planos distintos

    os educadores no conseguiriam acompanhar o desenvolvimento de cada aluno. Nesse

    sentido, alunos da escola JAS confirmaram essa prtica que era utilizada nas escolas

    multisseriadas em que estudaram o 5 ano.

    Cada um dia era uma matria, para todas as sries, e era um professor s, eramelhor. Tinha mais tempo pra entender. (Aluno C).

    Antes (classe multisseriada) era melhor pra aprender, em um dia a professoraensina a mesma matria para todos ns, exemplo: no dia de matemtica todomundo aprendia matemtica, no dia de geografia, todo mundo aprendia

    geografia, e era assim com todas as matrias. Agora (classe seriada) quandoa gente comea a entender aquele assunto a o sinal bate e j comea outraaula, a entra outro professor de outra matria. (Aluno E).

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    Minha escola era muito boa para mim, cabia todos os alunos da 1, 2, 3 e 4srie, era essas turmas todas que um professor s ensinava, ele primeiroexplicava a uma srie para depois ele ensinar a outras sries (Aluno X).

    Nas classes multisseriadas todas as turmas so colocados em uma mesma sala e o

    professor precisa dividir o tempo escolar com todos os educandos. Assim, a diversidade a

    principal realidade das classes multisseriadas, seja a partir da seriao ou faixa etria, e os

    professores tambm encontram barreiras para praticar o processo de ensino e aprendizagem,

    pois suas formaes no os permitem avanar no sentido multiculturalista, desta maneira,

    acabam utilizando sua prtica etnocntrica, deixando de trabalhar as diferenas dos aspectos

    de cada grupo.

    Seguindo esse pensamento, educandos da escola Municipal JAS relataram sobre suas

    vivncias nas classes multisseriadas em que estudaram.

    Era uma professora pra todo mundo de vrias sries, tinha uma sala s paratodas as sries, na sala que eu estudava tinha 30 alunos, e ela (professora)passava de cadeira em cadeira e ensinava. Mesmo indo de cadeira emcadeira dava pra aprender s vezes. (Aluno C).

    gente estudava a matria de matemtica, de cincia, de geografia, de

    portugus, de histria, de artes, tudo com um professor s, era muito ruimporque a gente s ficava parado porque o professor tinha que ensinar o outroaluno, por isso que era muito ruim. (Aluno F).

    Soma-se a esse fato tambm, a falta de formao docente para os professores lidar

    com esse universo e as estratgias didtico-pedaggicas que no atendem e no respeitam a

    realidade da formao multisseriada no meio rural. Alm disso, a alta rotatividade dos

    professores e os contratos temporrios por meio de perseguio poltica faz com que o

    professor no se identifique com a realidade ali encontrada, causando uma resistncia para

    atuar nessa modalidade de ensino pedindo transferncia para outro campo de atuao,resistncia essa que faz com que o professor crie no aluno um bloqueio na sua capacidade de

    aprendizagem. Geralmente so destinados para lecionar nessas turmas professores que so

    considerados inaptos para atuar nas turmas das escolas da zona urbana ou muitas vezes por

    vingana e/ou perseguio poltica. (SANTOS & MOURA, 2012, p. 268). Neste sentido,

    o aluno explicitou essa realidade que vivenciada no mbito das escolas rurais.

    Antes quando a gente estudava na classe multisseriada todo dia trocava deprofessor, quando a gente tava se acostumando com um, de uma hora pra

    outra entrava outro, a mudava tudo de novo, ai confundia tudo na mente dagente. (Aluno F).

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    A professora avisou pra gente que quando passasse para 5 srie ia ser maisdifcil. (Aluno G).

    importante falar do programa do governo que existia nas escolas multisseriadas dealguns dos alunos entrevistados, A Escola Ativa, onde segundo o documento Projeto Base

    Escola Ativa (2010), o referido programa uma estratgia metodolgica implantada para ser

    desenvolvida especificamente nas classes multisseriadas a fim de auxiliar a melhoria da

    qualidade da educao no meio rural, estimulando o desenvolvimento da aprendizagem nos

    anos iniciais do Ensino Fundamental, inserindo nas escolas recursos pedaggicos que

    incentivem a construo do conhecimento dos alunos e capacitao dos professores, como

    mdulos e livros didticos especiais, cantinhos de aprendizagens, entre outros.Com base nesses aspectos, um aluno trouxe o cantinho de aprendizagem como um

    mtodo positivo na compreenso dos assuntos trabalhados em sala na classe multisseriada em

    que estudava.

    Na escola que eu estudava era uma sala s para todas as sries, e eu faziamuita leitura. L tinha tambm o cantinho da matemtica e a professoratrabalhava com jogos, brincadeiras. Quando ela ensinava com os jogos agente gostava mais e tinha mais vontade de fazer as tarefas. (Aluno I).

    O documento intitulado Escola Ativa Aspectos Legais (2001) apresenta a PropostaPedaggica da Escola Ativa como o ensino centrado no aluno e em sua realidade social, o

    professor como facilitador, a gesto participativa da escola e avano automtico para etapas

    posteriores.

    Seguindo o enunciado acima, os relatos de alunos destacam bem a diferena do

    mtodo de avaliao utilizado na Escola Ativa para a escola tradicional que os mesmos

    estudam atualmente.

    S fazia duas provas, portugus e matemtica. Nas outras matrias aprofessora passava atividade na sala, dava visto e a gente passava, agoratem muita prova de todas as matrias. (Aluno J).

    A professora avaliava as atividades, mesmo sem corrigir a professora davaponto, mesmo se tivesse errado a professora dava a nota. Era s fazer asatividades que passava. (Aluno K).

    Levava atividade para casa e fazia tambm na escola, a a professora davanota. A gente no fazia prova. (Aluno M).

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    S tinha uma professora para vrias sries, a professora era um poucocalma, e tinha vezes que me dava pontos de graa, quando sa de l tivemuitas dificuldades. (Aluno N).

    Entretanto, Hage (2010, p.01) aponta algumas observaes sobre o Programa Escola

    Ativa - PEA, pois enquanto o Escola Ativa recomenda propostas pedaggicas e princpios

    polticos pedaggicos diretamente aplicados s especificidades do campo, o material didtico

    pedaggico que o MEC desenvolve induz a ampliao de uma s proposta pedaggica,

    curricular e metodolgica para todo o pas, visto que todas as escolas que assentirem ao

    programa adquire o mesmo apoio pedaggico, no considerando assim a heterogeneidade e o

    aspecto multicultural, caractersticas estas especificas da populao do meio rural. Isso,

    quando essa insero no programa acontece da maneira correta, pois como expressou uma

    professora de classe multisseriada,

    De um dia pra noite a escola j estava no Programa Escola Ativa. No tivenenhuma preparao, nenhuma formao. A direo chegou l com os livrose um manual e disse que tinha que aderir ao programa. Porm, no chegounenhum material, s uns livros que nem deram pra todos os alunos. No

    posso esquecer tambm dos cantinhos que obrigaram a gente a fazer. Naescola que eu lecionava no tinha nem parede direito, como eu ia fazercantinho? (Professora A).

    No documento Projeto BaseEscola Ativa (2010) o Programa Escola Ativa tem como

    objetivo melhorar a qualidade do desempenho escolar em classes multisseriadas do campo.

    Mas esse objetivo no foi obtido nas escolas rurais da cidade de Valena, pois esse programa

    foi jogado como um pacote pronto na mo do professor, que teve que aderi-lo do dia para

    noite, sem que ele tivesse nenhuma formao voltada para o PEA. Por um lado, o professor

    no convidado a sistematizar o conhecimento que produz [...] e passa a desenvolver umarelao de maior alheamento com ele; por outro, corre o risco de que o Programa no receba

    contribuies que o atualizem. (GONALVES, 2009, p.146). O professor dessa modalidade

    necessita de uma formao especfica, pois no encontra apoio e ainda se sente obrigado a

    fazer o que no est preparado para desenvolver, como relata uma professora,

    Graas a Deus que acabou. Eles jogam as coisas de qualquer jeito e nstemos que nos virar em material, em estratgias que no nos foram passadas.

    E nada que fazemos sem ter um preparo vai acontecer da maneira que temque ser. (Professor B).

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    Fica visvel que necessrio repensar questes sobre a formao docente para

    professores de escolas multisseriadas. imprescindvel valorizar os conhecimentos

    adquiridos na prpria atuao do professor e motivar discusses que gerem a troca deexperincias conjuntas, como Nvoa (2009) mostra sobre a questo da formao docente em

    um contexto especfico.

    preocupante quando ouvimos de alunos e professores que as escolas rurais

    multisseriadas so uma barreira para o aprendizado, um problema que deve ser excludo da

    educao, pois nos remete ao pensamento de (SANTOS & MOURA, 2012, p. 35) quando

    expe que tratada nas ltimas dcadas como uma anomalia do sistema, uma praga que

    deveria ser exterminada para dar lugar s classes seriadas tal qual o modelo urbano, estemodelo de organizao escolar/curricular tem resistido.

    Partindo dessa viso, Santos (2011), entende que o abandono do Estado e seu

    silenciamento so fatores que esto ligados forma preconceituosa presente atualmente em

    torno da multissrie e educao do campo. De acordo com o autor, o silenciamento se

    apresenta pela resistncia do estado em reconhecer a realidade especfica da educao do

    campo e classes multisseriadas, no investindo na mesma, evidenciando o abandono.

    Escola multisseriada: construindo outros olhares

    Os caminhos percorridos para as discusses sobre as classes multisseriadas se

    discorrem em muitas reflexes.

    A incredulidade que acontece em relao s classes multisseriadas procede, muitas

    vezes, do desconhecimento da qualidade que essas escolas podem apresentar, assim como se

    desconhece a importncia dessas escolas na cultura e na vida social das comunidades rurais.

    As condies existenciais das escolas multisseriadas intervm no trabalho dosprofessores e no desempenho dos estudantes, pois fatores como a estrutura precria das

    escolas, problemas em relao ao transporte e oferta irregular da merenda escolar induzem

    professores a buscarem outras escolas para lecionar, aumentando o rodzio de professores

    nestas escolas, fazendo com que no se criem vnculos e identidades destes para com a

    comunidade na qual atuam. Do mesmo modo, a precariedade tambm faz com que alguns pais

    busquem outras opes para educao de seus filhos, tais como matricul-los em escolas da

    zona urbana, acarretando um esvaziamento nas escolas da zona rural.

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    necessrio, reconhecer que a escola com turmas multisseriadas no se restringe a um

    ambiente formado por salas de aula recolhidas no meio rural e sim considerar uma realidade

    existente e que faz parte da educao do campo e que merece uma escola capaz de promover

    uma educao adequada, pois o ensino que ali est inserido aparentemente voltado para a

    educao rural, de fato tende a defender as conjeturas de uma educao urbana numa viso de

    homogeneizao acerca do espao rural-urbano, evidenciados pelos discursos que causam a

    perspectiva de que a escola implantada no meio rural deva ser a caracterstica escola urbana

    tradicional, com finalidades alheias ao desenvolvimento da educao, principalmente humana,

    no meio rural. indispensvel no mais se deixar influenciar pelas polticas e discursos

    silenciadores da realidade escolar multisseriada, visto que essa escola, apesar das entrelaas

    que cegam a sua vivncia no transcorrer da sua histria e apesar dos vazios intencionaiscultivados nesse caminho, uma realidade viva que sobrevive ao tempo. Sendo assim no

    deve ser negada, mas sim contar com as dignas condies fsicas infraestruturais e de

    formao de seus professores, para o seu pleno funcionamento.

    Para Arroyo (2010, p.10), as escolas multisseriadas merecem outros olhares.

    Predominam imaginrios extremamente negativos a ser desconstrudos:

    A escola multisseriada pensada na pr-histria de nosso sistema escolar;

    vista como distante do paradigma curricular moderno, urbano, seriado; vistacomo distante do padro de qualidade pelos resultados nas avaliaes, pelabaixa qualificao dos professores, pela falta de condies materiais edidticas, pela complexidade do exerccio da docncia em classemultisseriadas, pelo atraso da formao escolar do sujeito do campo emcomparao com aquele da cidade.

    preciso ter outra viso sobre a realidade que se tem do campo, para que assim se

    mude a viso sobre a educao e as escolas existentes nesse espao. Sendo uma delas, a viso

    de compreender as concepes de tempos e ritmos das classes multisseriadas do meio rural,

    analisando desta forma que o tempo dos alunos e professores dessas classes est inserido num

    contexto escolar com diversas particularidades. Dialogando com essa viso, Pinho & Souza

    (2012, p. 251):

    Se considerarmos que os acontecimentos humanos ocorrem no tempo emque as formas manifestadas em torno desse conceito variam de pessoa parapessoa e de cultura para cultura, podemos dizer que a noo de tempo, almde estar relacionada e ser uma caracterstica da cultura, a prpria cultura.Assim, compreender as diferenas concepes de tempos e ritmos nasclasses multisseriadas do meio rural pressupe considerar as diferenasculturais e individuais que do vida a esses espaos educativos.

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    Nesta compreenso, necessrio analisar que o tempo um conceito presente nas

    aes rotineiras dos sujeitos. Considerando que o tempo escolar do meio rural apresenta suas

    especificidades, o calendrio escolar no respeita as caractersticas que influenciam tanto o

    aspecto pedaggico quanto o scio econmico, como, o perodo de colheita, festas religiosas,

    questes climticas, onde, por exemplo, regies que no perodo chuvoso ficam com seu

    acesso intransitvel pelas ms condies das estradas. Deste modo, o silenciamento, abandono

    e preconceito so evidenciados por parte da escola quando apenas um grupo de alunos

    beneficiado com o planejamento pedaggico, enquanto os outros so isentos dos

    conhecimentos trabalhados nestes perodos.

    Outra viso a ser considerada, a questo do currculo, onde nas classes

    multisseriadas ele no est conectado com as especificidades do meio rural, pois os modelosde currculos inseridos nesses espaos so urbanocntricos, por isso os professores das escolas

    rurais so obrigados a aceitar as propostas curriculares pensadas para escolas urbanas,

    menosprezando os valores e culturas regionais presentes nos meios rurais, que no so

    implantados nas aes pedaggicas. Por isso, o currculo deve contemplar as propostas

    trazidas no Art. 28 da LDB 9.394/96 que visa atender as adaptaes bsicas para a populao

    rural, principalmente na organizao pedaggica atravs do calendrio escolar adequado e

    metodologias apropriadas. Nessa situao, Hage (2011, p. 101) destaca que:Os professores acabam sendo pressionados a utilizar os livros didticos quecirculam nessas escolas, muitas vezes antigos e ultrapassados, como a nicafonte para a seleo e organizao dos conhecimentos utilizados naformao dos estudantes, sem atentar para as implicaes curricularesresultantes dessa atitude, uma vez que esses manuais pedaggicos impem adefinio de um currculo deslocado da realidade, da vida e da cultura daspopulaes do campo.

    Partindo desse pressuposto, porque no pensar em um currculo voltado para as classes

    multisseriadas do meio rural? importante construir um currculo baseado nas falas e experincias da populao do

    meio rural, pois os conhecimentos vivenciados por eles que vo revelar a necessidade de

    valorizao de seu contexto scio cultural, onde esta construo deve surgir de dentro pra

    fora e no utilizar saberes distantes de sua realidade.

    De acordo com os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Ansio

    Teixeira (2007) a respeito da realidade das escolas multisseriadas no Brasil, um dos fatores

    que podem estar ligados baixa qualidade educacional das classes multisseriadas seria aausncia de uma capacitao especfica dos professores que atuam nestas condies. Com

  • 8/10/2019 Colquio Docncia e Diversidade Na Educao Bsica_eixo 2

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    isso, so necessrias polticas pblicas de formao docente que permita um dilogo e uma

    prtica dentro das particularidades nas classes multisseriadas.

    Desde o ruralismo se pensava em uma formao especifica para os professores do

    meio rural. Arroyo (2005, p. 361) debate sobre essa situao:

    Na histria do ruralismo pedaggico dos anos 1940, houve tentativas deformar professores para a especificidade das escolas rurais; porm, venceu aproposta generalista de que todo professor dever estar capacitado paradesenvolver os mesmos saberes e competncias do ensino fundamental,independentemente da diversidade de coletivos humanos.

    A formao desse professor tem que estar ligada a um currculo inovador e

    transformador, que provoque mudanas nesse processo educacional historicamente posto pelosistema. O professor precisa ter o olhar de que a escola serve como instituio que inclua o

    sujeito, sem deixar o aluno do meio rural margem do que acontece na sociedade.

    Analisando esses aspectos, deve-se valorizar a identidade cultural de cada grupo

    social, a quebra com os paradigmas de educao que tendem a homogeneizao dos contextos

    sociais, uma poltica educacional da pluralidade, que acolha aos anseios socioculturais e

    econmicos, oferecendo condies para que o aluno possa se desempenhar no espao no qual

    est inserido. Com a legitimao de uma formao especfica para o professor de classemultisseriada do meio rural, surgem novos paradigmas que venham atender, a partir das

    prticas pedaggicas as particularidades que so prprias de cada local.

    Fica evidente que a educao precisa ser reconstruda para atender as verdadeiras

    necessidades dos alunos das classes multisseriadas. preciso urgentemente se pensar em

    novos mtodos, novas polticas e novas pedagogias. preciso pensar em uma pedagogia

    prpria para as classes multisseriadas. Diante desta configurao que apontam possibilidades

    de melhoria nessas classes, faz-se necessrio citar a Pedagogia da Alternncia como umadas propostas que possa vislumbrar novos caminhos que busquem reinventar o papel das

    classes multisseriadas no processo educacional.

    Sendo assim discutir a Pedagogia da Alternncia seria uma opo para a Educao do

    campo, visto que o ensino nesse contexto no