Comentários Ao Tratado Da Verdadeira Devoção a Nossa Senhora

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Comentários ao Tratado da Verdadeira Devoção a Nossa Senhora Plinio Corrêa de Oliveira

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Teologia e espiritualidade

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  • Comentrios ao Tratado da Verdadeira Devoo a

    Nossa Senhora

    Plinio Corra de Oliveira

  • Conjunto escultural na igreja dos Montfortanos em Roma

    N D I C E

    Introduo

    Apresentao

    Notas

    Finalidade do "Tratado da Verdadeira Devoo"

    Devoo a Nossa Senhora e preparao do reino de Cristo

    Maria Santssima insuficientemente conhecida

    Excelncias das faculdades da alma de Nossa Senhora: - Inteligncia incomparvel

    - Vontade Herica

    - Sensibilidade harmoniosa

  • Outras qualidades de Maria Santssima

    Devoo a Nossa Senhora: caracterstica da santidade

    Maria Santssima a Onipotncia Suplicante

    Captulo I - Necessidade da devoo Santssima Virgem

    Artigo I Princpios: 1 princpio: Deus quis servir-se de Maria na Encarnao Importncia da Encarnao

    Papel de Nossa Senhora na Encarnao

    A cooperao de Nossa Senhora com o Padre Eterno A orao de Nossa Senhora na vinda do Messias

    A participao de Nossa Senhora na fecundidade do Padre Eterno

    O poder da orao de Nossa Senhora e a nossa vida espiritual

    A participao de Nossa Senhora na fecundidade do Padre Eterno e nossa

    vida espiritual

    A cooperao de Nossa Senhora com Deus Filho Nosso Senhor, formado no seio virginal de Maria Santssima

    Devoo a Nossa Senhora e apostolado A intimidade entre Nosso Senhor e Nossa Senhora aplicada nossa vida

    espiritual

    So Joo Batista, prottipo do devoto de Nossa Senhora

    As bodas de Can

    A confiana total em Nossa Senhora

    Um ato de apostolado que repercute depois de dezenove sculos

    A cooperao de Nossa Senhora com o Esprito Santo Negar a verdade conhecida como tal

    Desesperao da salvao

    2 princpio: Deus quer servir-se de Maria na santificao das almas

    Pressupostos que demonstram a importncia fundamental da ao de Nossa

    Senhora na salvao das almas

    Aplicao desse princpio s relaes de Nossa Senhora com a Santssima

    Trindade

    Necessidade da devoo a Nossa Senhora para a nossa salvao

    Recapitulando

    Aplicaes para o apostolado

    Captulo I, Artigo II Consequncias Maria no mistrio da Igreja

    1a.) Maria a rainha dos coraes

    2a.) Maria necessria aos homens para chegarem ao seu ltimo fim

  • A devoo Santssima Virgem ser especialmente necessria nesses

    ltimos tempos Papel especial de Maria nos ltimos tempos

    O engrandecimento da devoo a Nossa Senhora est na raiz dos ltimos

    tempos

    Os apstolos dos ltimos tempos e o demnio

    A inimizade entre Maria e Lcifer

    Maria, a mais terrvel inimiga de Lcifer

    Maria cheia de graa, Maria cheia de dio

    A clarividncia mariana

    Maria, esmagadora e aniquiladora de Satans

    Maria, mais terrvel que o prprio Deus

    Os Santos dos ltimos Tempos

    Nosso sinal: o "tau" ou o calcanhar?

    Sero santos superiores a toda criatura

    Os Apstolos dos ltimos Tempos: Sero como flechas

    Sero ascetas, colados a Deus e Sua Igreja

    Sero o bom odor de Jesus Cristo para os desapegados

    Sero o terror do demnio

    Captulo II - Verdades fundamentais da devoo Santssima Virgem

    Ataques aos inimigos da Igreja

    Semelhana com os dias atuais

    A pretexto de no ofender a Nosso Senhor, destroem a devoo a Nossa

    Senhora

    Apresent-La de um modo terno, forte e persuasivo

    Conjurao sistemtica contra Nossa Senhora

    Como se conhecem os verdadeiros homens de Deus

    Problema angustiante para So Lus Grignion

    Caractersticas da escravido a Nossa Senhora

    Os diversos tipos de escravido

    Seremos escravos, ou de Deus ou do demnio

    Algumas aplicaes dessa escravido vida espiritual

    Por que ser escravo de Maria, que escrava de Deus?

    Os pares de Carlos Magno para nossos modelos

    A Mediao Universal de Nossa Senhora na obra de So Lus Grignion

    Nosso fundo de maldade e a doutrina da mediao

    Alguns fatos particulares

    "Qui se extimat stare, videat ut non cadat"

  • A conscincia da prpria maldade, condio indispensvel para a

    santificao

    O liberalismo e a doutrina montfortiana do fundo da maldade

    O nosso fundo de maldade e o do prximo

    Somos pigmeus em relao vocao

    Captulo III - Escolha da verdadeira devoo Santssima Virgem

    prprio da verdadeira devoo denunciar e combater as falsas

    Os falsos devotos e as falsas devoes Santssima Virgem: Os devotos escrupulosos

    Devotos exteriores

    Os devotos presunosos

    Os devotos inconstantes

    Os devotos hipcritas

    Os devotos interesseiros

    Captulo IV - A perfeita devoo Santssima Virgem ou a perfeita

    consagrao a Jesus Cristo

    O sentido incondicional de toda verdadeira devoo

    Conseqncias da Consagrao: "Nosso corpo com todos os seus membros e sentidos"

    "Nossa alma com todas as suas potncias"

    "Nossos bens exteriores - que chamamos de fortuna - presentes e futuros"

    "Nossos bens interiores e espirituais: mritos, virtudes e boas obras"

    Ao que no renunciamos

    Captulo V - Motivos que nos recomendam esta devoo

    Nosso Senhor o prmio da escravido a Nossa Senhora

    Nosso Senhor disse de Si mesmo a Abrao: "Ego sum merces tua magna

    nimis"

    A devoo a Nossa Senhora aumenta nossas virtudes, unindo-nos sempre

    mais a Nosso Senhor

    A devoo a Nossa Senhora aumenta nossa capacidade de sofrer

    A graa de possuir uma grande intimidade com Nossa senhora

    Nossa Senhora, panacia para a vida espiritual

    A escravido a Nossa Senhora d valor incalculvel s nossas boas obras

    A maldade humana e a devoo a Nossa Senhora

  • Captulo VI - Figura bblica desta perfeita devoo: Rebeca e Jac

    Histria de Jac

    Interpretao da histria de Jac

    Esa, a figura dos rprobos

    Jac, figura dos predestinados

    A figura de Jac aplicada aos escravos de Maria

    A propenso para ser Esa e a predestinao

    "Filho, d-me o teu corao"

    Apndices

    So Lus Grignion de Montfort: amplitude do auxlio de Nossa Senhora aos

    que sabem invoc-La

    Comentrios ao "Tratado da Verdadeira Devoo Santssima Virgem":

    fazer todas as coisas com Maria, em Maria e por Maria Fazer todas as aes em Maria: comentrios ao tpico 261 do "Tratado da

    Verdadeira Devoo Ssma. Virgem"

    Viver em Maria: comentrios aos tpicos 262 e 263 do "Tratado da

    Verdadeira Devoo Ssma. Virgem"

  • A D V E R T N C I A

    O presente texto adaptao de transcrio de gravao de

    conferncia do Prof. Plinio, em 1951, para os futuros scios-fundadores da

    TFP brasileira.

    Se o Prof. Plinio Corra de Oliveira estivesse entre ns, certamente

    pediria que se colocasse explcita meno a sua filial disposio de retificar

    qualquer discrepncia em relao ao Magistrio da Igreja. o que fazemos

    aqui constar, com suas prprias palavras, como homenagem a to belo e

    constante estado de esprito:

    Catlico apostlico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no

    entanto, por lapso, algo nele ocorra que no esteja conforme quele

    ensinamento, desde j e categoricamente o rejeita. As palavras "Revoluo" e "Contra-Revoluo", so aqui

    empregadas no sentido que lhes d o Prof. Plnio Corra de Oliveira em seu

    livro "Revoluo e Contra-Revoluo", cuja primeira edio foi publicada

    no N 100 de"Catolicismo", em abril de 1959.

  • I Introduo 1951, Conferncia

    Cpia da Virgen del Apocalipsis, Escuela quitenha, Equador, sec. XVI

    Descoberto em meados do sculo XIX, o "Tratado da Verdadeira

    Devoo Santssima Virgem", de So Lus Maria Grignion de Montfort,

    exerceu e exerce ainda poderosa influncia nos meios catlicos. Julgamos,

    por isso, que interessar aos que se empenham na defesa das tradies da

    civilizao ocidental, o conhecimento desta obra. Esta a razo porque

    difundimos os comentrios que a respeito dela fez o Prof. Plinio.

    Uma vez que so inapreciveis esses comentrios referentes ao livro

    marial por excelncia, formulamos nossos votos de que os leitores possam

    tirar alto benefcio desse substancioso material para estudo e reflexo.

    Apresentao

  • Estas conferncias foram pronunciadas em 1951 para futuros scios-

    fundadores da TFP brasileira, precisamente aqueles que se reuniam ento

    no n 665 da Rua Martim Francisco, em So Paulo.

    Circulou, desde essa poca, um fascculo mimeografado contendo a

    anotao dessas conferncias. Sob vrios aspectos, o texto que ora se

    publica completa em muito o contido naquele fascculo, pelas seguintes

    razes:

    1) quase uma quarta parte da presente matria indita, isto , por

    motivos circunstarciais no consta do fascculo mimeografado a que

    aludimos acima.

    2) O texto antigo no foi objeto da indispensvel adaptao da

    linguagem falada para a escrita. O que ora difundimos foi cuidadosamonte

    adaptado por uma equipe experimentada, que teve o especialssimo cuidado

    de no ultrapassar, na reviso, o mbito da tarefa que lhe foi confiada, no

    fazendo modificaes suprfluas.

    * * *

    No nos ser difcil atribuir uma grande importncia a esse trabalho,

    de alimentarmos em ns o desejo ardente de que a devoo a Nossa

    Senhora esteja sempre no foco mais central de nossa ateno; de que nossas

    almas cheguem um dia a respirar Nossa Senhora como nossos corpos

    respiram o ar; de que, como disse o Prof. Plinio, esta devoo seja de longe

    a maior de nossas virtudes, maneira de hlice que precede o avio,

    arrastando-o atrs de si.

    Notas

    1. Os ttulos aqui utilizados inteiramente com letras maisculas,

    pertencem edio-tipo do "Tratado da verdadeira Devoo".

    2. A abreviatura "top." refere-se aos tpicos do "Tratado da

    Verdadeira Devoo". Esse sistema de nmeros progressivos,

    correspondentes sucesso das idias, consta no s das edies em lngua

    portuguesa, mas tambm da edio-tipo francesa.

    3. Os negritos so nossos.

    4. Os "Comentrios" intencionalmente no abrangem todos os

    tpicos do "Tratado da Verdadeira Devoo". Muitas passagens foram

    analisadas de maneira geral; outras no foram comentadas ou por no

    apresentarem particular necessidade, ou por pertencerem ao patrimnio de

    conhecimentos mariolgicos correntes. Pois h muitas passagens no livro

    de So Luis Maria Grignion de Montfort que dispensam explicaes, como,

    por exemplo, o modo pelo qual se deve rezar a Consagrao (Cap. VIII), as

    novenas e as oraes que a devem preceder.

  • 5. muito conveniente, necessrio mesmo, ter em mos

    o "Tratado da Verdadeira Devoo a Santssima Virgem", para ir com

    ele acompanhando, pari passu, estes comentrios.

    Esttua de So Lus Maria Grignion de Montfort, que se encontra na Baslica de So

    Pedro, em Roma

    INTRODUO

    No "Tratado da Verdadeira Devoo" interessam-nos alguns aspectos

    principais, que convm destacar no incio de nossos comentrios.

    Em primeiro lugar, podemos notar o aspecto estritamente teolgico

    da obra, na qual So Lus Maria Grignion de Montfort analisa a devoo a

    Nossa Senhora, os meios de A honrarmos, de Lhe darmos graas pelos

    benefcios recebidos, etc.

    Em segundo lugar, podemos destacar o papel de Nossa Senhora na

    luta contra o demnio e os inimigos da Igreja. So Lus Grignion adota e

    enriquece a idia, j exposta por Santo Agostinho e desenvolvida

    posteriormente por Mons. Henri Delassus, sobre a existncia de uma luta

    entre duas cidades - a Cidade de Deus e a cidade do demnio - como sendo

    o mago de toda a Histria. Em seguida apresenta o papel de Nossa

    Senhora na Cidade de Deus.

    No que se refere ao papel da Virgem Santssima na luta contra os

    agentes da Revoluo, ele no fala explicitamente nem uma s vez. No

  • entanto, toda a teologia dessa luta encontra suas razes no livro de So Lus

    Grignion. Ora, muito importante acentuar tudo isto, por ser este livro uma

    confirmao da mentalidade da famlia de almas de "Catolicismo", e

    portanto uma garantia de que seguindo estas idias permanecemos unidos

    ao esprito e doutrina da Igreja.

    Em terceiro lugar, interessa-nos a obra a ttulo histrico. Como

    sabemos, So Lus Grignion viveu no tempo de Lus XIV, que, sob certos

    aspectos, representa um pice da Histria, a partir do qual a Humanidade

    no fez outra coisa seno descer. Ele faz uma descrio da sociedade do

    seu tempo, na qual se vem j ferver os germens da Revoluo Francesa.

    Vemos ento um grande santo, que foi ao mesmo tempo um grande

    contra-revolucionrio, apontando, j naquela poca, a existncia da mesma

    Revoluo que ento se formava nas entranhas da sociedade francesa.

    O nexo entre So Lus Grignion e a Revoluo , alis, muito

    interessante. Ele foi vtima de uma oposio irredutvel dos bispos

    jansenistas franceses. De excomunho em excomunho, de suspenso de

    ordens em suspenso de ordens, acabou reduzido a pregar apenas em duas

    dioceses da Frana. Essas dioceses foram justamente aquelas em que mais

    tarde no penetraria a Revoluo Francesa; em que o povo lutaria ao lado

    do clero contra os insurretos; em que os catlicos marchariam de encontro

    s hostes revolucionrias ao cntico de hinos religiosos, que seus

    antepassados tinham ouvido de So Lus Grignion.

    Pode-se assim delinear no mapa da Frana: a parte vacinada contra a

    Revoluo foi a regio por ele evangelizada; na zona dominada pelos

    jansenistas, que resistira sua evangelizao, a Revoluo teve livre curso.

    Por ltimo, interessa-nos o "Tratado da Verdadeira Devoo" pelo

    aspecto proftico que o santo lhe imprimiu. So Lus Grignion profeta no

    sentido restrito que esta palavra tem depois de encerrada a Revelao

    oficial, isto , as suas profecias no so oficiais e obrigatrias como as da

    Escritura. Mas sem dvida ele dotado por Deus do carisma da profecia, e

    isto se percebe pela leitura de seu livro. Ele profetiza acontecimentos que

    fazem antever a Revoluo Francesa e a crise de nossos dias, e afirma

    tambm com antecipao a imensa vitria da Igreja Catlica atravs de

    uma nova era do mundo, que ser uma era marial. So Lus Maria Grignion

    de Montfort previu um reino de Maria que vir, e este reino ser a plenitude

    do reino de Cristo.

    Entretanto, So Lus Grignion no escreveu quatro tratados sobre

    estas quatro matrias, mas um s. E os tpicos referentes a estes quatro

    aspectos no aparecem na ordem em que os mencionamos, mas esto

    dispersos pela obra. Na medida das possibilidades, explicaremos segundo

    estes quatro critrios cada captulo que formos comentando.

  • Finalidade do "Tratado da Verdadeira Devoo"

    Encontramos no tpico 13 do "Tratado" o fundo do pensamento

    contido na sua introduo:

    "Meu corao ditou tudo o que acabo de escrever com especial

    alegria, para demonstrar que Maria Santssima tem sido at aqui

    desconhecida, e que esta uma das razes por que Jesus Cristo no

    conhecido como deve ser".

    Eis a razo de ser da introduo e de todo o livro: Maria

    Santssima desconhecida; Maria Santssima deve ser conhecida; e, sendo

    conhecida, vir o reino de Cristo. O livro destina-se, pois, a propagar a

    devoo a Nossa Senhora, para que venha o reino de Cristo. Trata-se,

    portanto, de uma obra de larga viso e de alcance histrico muito

    amplo, fixando-se no desejo de trazer o reino de Cristo para um mundo que

    no o possui, fazendo-o preceder, em certo sentido, pelo reinado de Maria

    Santssima.

    A razo teolgica pela qual o reino de Cristo ser precedido pelo

    reinado de Maria, So Lus Grignion a coloca no tpico 1: "Foi por

    intermdio da Santssima Virgem Maria que Jesus Cristo veio ao mundo",

    isto , se Maria Santssima no tivesse vindo ao mundo, Jesus Cristo no

    teria vindo; "e tambm por meio d'Ela que Ele deve reinar no mundo", ou

    seja, a devoo a Jesus Cristo deve vir ao mundo por intermdio de Maria

    Santssima. Espalhar a devoo a Maria Santssima , pois, nesta

    perspectiva, a maior obra a que um homem pode se dedicar.

    Devoo a Nossa Senhora e preparao do reino de Cristo

    Este objetivo de So Lus Grignion presta-se desde logo a um

    comentrio. O santo profeta prope-se a preparar o futuro reino de Cristo

    fazendo o que lhe parece ser o mais essencial, o mais importante, o mais

    urgente, o que, na ordem concreta dos fatos, produzir quase que

    automaticamente o resto: espalhar a perfeita devoo a Maria.

    A derrota do esprito do mundo e a restaurao da civilizao

    sobre os princpios da Igreja Catlica no se comeam, portanto, por

    meio da poltica, das obras, do talento ou da cincia. Na poca mesma

    de So Lus Grignion, Bossuet encantava e deslumbrava Versailles e Paris

    com seus sermes; entretanto, para evitar a derrocada religiosa da Frana,

    no foram decisivos. O comeo da regenerao de todas as coisas est

    na piedade, no afervoramento da vida interior, est propriamente nos

    fundamentos religiosos da vida de um povo. O apostolado essencial de

    carter estritamente religioso: afervorar, formar na piedade, formar o

    carter. O mais so conseqncias, so complementos. Importantes,

    verdade, mas complementos.

    E a grande lio que So Lus Maria Grignion de Montfort fixa j no

    incio do "Tratado", e desenvolve mais longamente depois, a de que na

  • formao do carter condio bsica e indispensvel a devoo a

    Nossa Senhora. Possuindo-se verdadeiramente esta devoo, o carter ter

    todos os meios sobrenaturais necessrios para florescer, com a

    correspondncia da vontade. No se formando esta devoo, o prprio

    regime de expanso da graa na alma fica comprometido, e nada ser

    possvel conseguir.

    Portanto, a devoo a Nossa Senhora condio necessria

    para tudo quanto diz respeito salvao individual, salvao da

    civilizao e salvao eterna de todos quantos constituem, em dado

    momento, a Igreja militante. So Lus Grignion tinha pois em mente, com

    esse livro, uma obra da mais alta importncia para a renovao dos sculos

    futuros. A ns cabe, portanto, ser sfregos em possuir esta devoo a

    Nossa Senhora, por ele pregada. Em outros termos, fomos chamados a

    uma obra definida, com objetivos definidos, e s a realizaremos se tivermos

    em nosso esprito esta devoo. Se ela , como vimos, indispensvel para

    que o mundo se regenere em Nosso Senhor, e se queremos trabalhar para

    isso, necessrio ir em busca desta devoo.

    O "Tratado da Verdadeira Devoo" no , pois, um livro

    qualquer de piedade, apresentando uma devoo a algum santo, boa por

    certo, mas que se pode indiferentemente ter ou no ter. A devoo a Nossa

    Senhora uma devoo essencial, "conditio sine qua non" para nosso

    trabalho. E s a atingiremos no mais alto grau com a forma e os

    fundamentos desenvolvidos por So Lus Grignion de Montfort.

    D. Chautard explana a tese de que a vida interior fundamental para

    o desenvolvimento das obras, e de que o apstolo deve possu-la para que

    sejam fecundas. Explica, ainda, o que a vida interior e quais os meios

    para obt-la; entre estes, refere-se devoo a Nossa Senhora. So Lus

    Grignion pressupe todas estas afirmaes (que j eram doutrina da Igreja,

    e que seriam desenvolvidas por D. Chautard) mostrando, porm, que a

    viabilidade delas est na dependncia de uma grande devoo a Nossa

    Senhora. Pressupondo o essencial - a vida interior - ele toma um caminho

    que de algum modo o essencialssimo: a devoo a Maria Santssima.

    este o canal por onde passam todas as graas necessrias para vivificar toda

    a estrutura da vida interior e da vida de apostolado.

    Maria Santssima insuficientemente conhecida

    Como vimos, no final da introduo So Lus Grignion diz: "Meu

    corao ditou tudo o que acabo de escrever com especial alegria, para

    demonstrara que Maria Santssima tem sido at aqui

    desconhecida" (tpico 13).Portanto, j na introduo ele inicia esta

    demonstrao, e a desenvolver depois atravs do livro. Por

  • "desconhecida" deve-se entender "muito menos conhecida do que Sua

    excelncia e Seus admirveis predicados exigem".

    Assim, pois, na introduo esto ditas muitas coisas que devem

    causar surpresa aos leitores. Vejamos se em ns elas causam alguma

    surpresa. Servir de teste para ver se conhecemos, ns tambm, a Nossa

    Senhora.

    Tpico 1: "Foi por intermdio da Santssima Virgem Maria que

    Jesus Cristo veio ao mundo, e tambm por meio d'Ela que Ele deve

    reinar no mundo".

    Esta verdade, ns no a encontramos no comum dos autores hoje em

    voga. E sobretudo no a encontramos afirmada com esta inciso, com esta

    clareza, com esta perfeio. Ela conhecida pela maioria dos fiis, certo,

    mas de modo difuso, vago e inconsistente. rarssimo que a encontremos

    explicitada com esta clareza lapidar, com esta riqueza de sentido

    condensada em poucas palavras. Em So Lus Grignion esta verdade um

    ensinamento preciso e bsico, que ele ainda desenvolver ao longo da

    obra.

    Tpico 2: "Toda a sua vida Maria permaneceu oculta; por isso o

    Esprito Santo e a Igreja a chamam "Alma Mater" - Me escondida e

    secreta. To profunda era a sua humildade, que para Ela o atrativo mais

    poderoso, mais constante, era esconder-se de si mesma e de toda criatura,

    para ser conhecida somente de Deus".

    Esta verdade geralmente mais conhecida.

    Tpico 3: "Para atender aos pedidos que Ela Lhe fez de escond-La,

    empobrec-La, Deus providenciou para que oculta Ela permanecesse em

    Seu nascimento, em Sua vida, em Seus mistrios, em Sua ressurreio e

    assuno, passando despercebida aos olhos de quase toda criatura

    humana. Seus prprios parentes no A conheciam; e os Anjos perguntavam

    muitas vezes uns aos outros: `Qu est ista? '... - Quem Esta? (Cnt. 3, 6;

    8, 5), pois que o Altssimo lhas escondia; ou, se algo lhes desvendava a

    respeito, muito mais, infinitamente, lhes ocultava".

    No tambm uma verdade nova para muita gente. Sabemos que,

    devido a uma prece de Nossa Senhora, os Santos Evangelhos quase no se

    referem a Ela; e que, por sua vez, a Teologia teve que fazer um admirvel

    trabalho de deduo das verdades contidas na Escritura, para formar atravs

    dos sculos a Mariologia.

    Tpico 4: "Deus Pai consentiu que jamais, em Sua vida, Ela fizesse

    algum milagre, pelo menos um milagre visvel e retumbante, conquanto lhe

    tivesse outorgado o poder de faz-los. Deus Filho consentiu que Ela no

    falasse, se bem que lhe houvesse comunicado a sabedoria divina. Deus

    Esprito Santo consentiu que os apstolos e evangelistas a Ela mal se

    referissem, e apenas no que fosse necessrio para manifestar Jesus Cristo.

    E, no entanto, Ela era a Esposa do Esprito Santo".

  • de se notar que o Esprito Santo, ao ditar os Livros Sagrados,

    calou-se sobre Ela, tal a fora da prece que Nossa Senhora dirigira a Deus,

    para permanecer oculta.

    At aqui a doutrina no nova, por referir-se humildade de Nossa

    Senhora. Ao tratar a seguir da Sua grandeza, contudo, veremos que Ela

    muito menos conhecida. Deve-se isto a uma espcie de complexo que h

    em acentuar sempre o aspecto humilde e pobre, mostrando apenas a sombra

    e a penumbra em que Ela quis se ocultar, sem mostrar aquilo que constitui

    o contraforte luminoso e muito legtimo de seu ser.

    Excelncias das faculdades da alma de Nossa Senhora

    Tpico 5: "Maria a obra-prima por excelncia do Altssimo".

    Ao olharmos uma noite de cu estrelado, em lugar de considerarmos

    apenas as grandezas de Deus - pensamento alis muito louvvel -

    saberemos ns contemplar tambm Maria Santssima, incomparavelmente

    maior e mais formosa do que cada um dos astros que esto no cu, e de

    todos eles no seu conjunto? Sendo Ela a obra-prima da criao, toda a

    beleza, toda a grandeza, toda a excelncia que Deus ps no firmamento

    pequena em relao que ps n'Ela. O cu que vemos no seno uma

    imagem, uma figura da grandeza de Nossa Senhora. Apesar de ser mera

    criatura, tudo quanto n'Ela h excede muito, em perfeio, todas essas

    belezas criadas, e isto de um modo inexprimvel.

    Inteligncia incomparvel - Quando nos deparamos com um

    homem muito inteligente, podemos ter o pensamento salutar de que ele,

    comparado a Nossa Senhora, mais ignorante que o mais primrio

    analfabeto comparado ao maior dos sbios. So Toms de Aquino,

    comparado a Ela, era um ignorante, tal a plenitude e a perfeio de Seu

    conhecimento.

    Sua inteligncia no tem somente toda a perfeio de uma

    inteligncia humana qual nada h que acrescentar, mas possui ainda o

    conhecimento de todas as coisas que mais alta das criaturas dado

    conhecer. Aquilo que no mundo pode haver de mais inteligente, comparado

    a Nossa Senhora, zero, cisco, nada. Toda a inteligncia possvel a uma

    criatura to excelsa, alargada pela plenitude das graas do Esprito Santo,

    Ela a tem. algo, portanto, excelente e sumamente inconcebvel. Quando

    rezamos a Ela, devemos ter presente esta excelncia que lhe prpria - a de

    ter uma inteligncia incomparvel.

    Assim como h dados misteriosos da natureza que escapam

    totalmente ao nosso conhecimento - no sabemos, por exemplo, quantos

    gros de areia existem em todas as praias da Terra - assim tambm no

    temos termo algum de comparao para compreendermos a riqueza da

    inteligncia de Nossa Senhora. algo que est fora do nosso alcance, e que

  • no nos possvel imaginar. Pois bem, esta uma verdade que deve estar

    sempre muito presente no cabedal dos conhecimentos que sobre Ela

    possumos.

    Vontade Herica - Passemos s perfeies de Nossa Senhora no que

    se refere Sua vontade. Tomemos alguns fatos de herica e sobrenatural

    fora de vontade: 1) So Loureno, que, colocado sobre uma grelha,

    suporta heroicamente o fogo at que, ao cabo de algum tempo, desafia:

    "Podem virar do outro lado, pois deste j estou assado"; 2) Um mrtir da

    Tebaida, que, amarrado a uma mesa, foi tentado de todas as formas por

    uma mulher; e no tendo mais como resistir tentao, mordeu a prpria

    lngua e cuspiu-a fora, a fim de evitar o consentimento. So fatos que

    demonstram um verdadeiro e admirvel herosmo. Mas nada so,

    comparados ao herosmo de Nossa Senhora, que os supera acima de

    qualquer proporo. No passam de um gro de areia, comparado ao globo

    terrestre.

    O sofrimento que Ela teve consentindo na Paixo de Nosso Senhor,

    desejando at o ltimo instante sua consumao plena e tudo sofrendo com

    Ele, algo que no pode ser comparado a nada de humano, nem sequer ser

    expresso em linguagem desta Terra. Perto de sua "com-Paixo", os

    exemplos dados tornam-se insignificantes.

    Ela no uma grande santa apenas por ser a Me de Deus. bem

    verdade que este o ttulo essencial de Sua santidade, a razo pela qual

    recebeu toda as graas. Mas preciso notar ainda que Ela correspondeu

    graa e se tornou uma grande santa pela perfeio insondvel de sua

    correspondncia, perto da qual toda a generosidade de todos os santos nada

    . Santo Anselmo no-lo exprime lapidarmente: "Aquilo que todos os santos

    podem conVosco, Vs o podeis s, e sem nenhum deles. Se Vs guardais o

    silncio, ningum rogar por mim, ningum me ajudar, mas falai, e todos

    rogaro por mim, todos se apressaro a me socorrer". Isto porque Ela a

    Me de Deus, Medianeira de todas as graas, e Sua virtude transcende

    numa proporo inconcebvel a de todos os demais santos.

    Destas afirmaes, nem um vrgula se poder tirar. E preciso

    reconhecermos que no temos disto uma noo digna; ficamos, em geral,

    em figuras de retrica: "Tu, a mais bela, a mais formosa...". Embora

    verdadeiras, mister aprofund-las.

    Sensibilidade harmoniosa - Falamos da inteligncia e da vontade de

    Nossa Senhora. Falemos da Sua sensibilidade.

    Nada h de mais desregrado no homem do que a sensibilidade, como

    efeito do pecado original. Sentimos, por exemplo, inclinao para muitas

    coisas que moralmente no poderamos querer. Conseqentemente,

    precisamos manter uma luta acesa entre a tendncia que temos para o bem

    e a nossa inclinao para o mal.

  • Em Nossa Senhora, concebida sem pecado original, no havia esses

    desequilbrios. Sua sensibilidade, de uma delicadeza e de uma fora

    perfeitas em todas as suas vibraes e em todos os seus movimentos, era

    inteiramente ajustada a tudo quanto a razo e a vontade podiam desejar. Era

    um ser todo de harmonia, no qual no havia nenhuma das incontveis

    misrias provocadas em ns pelo pecado original. Ela foi imaculada desde

    o primeiro instante de Seu ser. As perfeies de Maria Santssima

    ultrapassam a capacidade humana de conhecimento.

    Retomemos o tpico 5: "Maria a obra-prima por excelncia do

    Altssimo, cujo conhecimento e domnio Ele reservou para Si".

    Que belssima noo! Maria Santssima to grande que o prprio

    So Lus Grignion, que no seno um seu pequeno menestrel, j quase

    inesgotvel quando fala d'Ela. Ele afirma ser Nossa Senhora to enorme,

    to colossal - e o que so estes adjetivos, que de longe Ela transcende? -

    que s Deus A conhece em toda a extenso das Suas perfeies. Ns no

    podemos sequer ter disto uma plida idia. H n'Ela belezas, h

    culminncias, h encantos, h perfeies, h excelncias que escapam e

    sempre escaparo completamente ao nosso olhar, e que so somente por

    Deus contempladas.

    Imaginemos esses universos, essas constelaes imensas de estrelas,

    que o homem no conhece e possivelmente jamais conhecer, e cujas

    belezas ficam reservadas exclusiva contemplao de Deus. Assim Maria

    Santssima. H n'Ela coisas que nunca homem nenhum conhecer,

    reservadas que so ao conhecimento exclusivo de Deus Nosso Senhor.

    N'Ela h esta nota de incognoscibilidade: paramos extasiados a Seus ps,

    compreendendo, aps ter compreendido muito, que o mais que se

    compreendeu que quase nada compreendemos. Estamos sempre no Seu

    prtico, um prtico para ns demasiadamente grande, tal a Sua excelncia.

    Continuemos o tpico 5: "Maria a Me admirvel do Filho, a

    quem aprouve humilh-La e ocult-La durante a vida para Lhe favorecer a

    humildade, tratando-A de mulher - "mulier" (Jo 2, 4; 19, 26) - como a uma

    estrangeira, conquanto em Seu corao A estimasse e amasse mais que a

    todos os anjos e homens". So Lus Grignion desenvolveu neste pargrafo a

    idia de que, durante a vida, tambm Nosso Senhor A manteve ignorada;

    apenas Ele a conhecia.

    "Maria a `fonte selada' (Ct 4, 12) e a esposa fiel do Esprito Santo,

    onde s Ele pode penetrar". Retorna aqui a idia de Nossa Senhora como

    criatura reservada ao conhecimento de Deus.

    "Maria o santurio, o repouso da Santssima Trindade, em que

    Deus est mais magnfica e divinamente que em qualquer outro lugar do

    universo, sem excetuar seu trono sobre os querubins e serafins". Sabemos

    que os Anjos da guarda ocupam os graus inferiores na hierarquia

    celeste. Tendo certa vez aparecido a uma santa o seu anjo da guarda, ela

  • ajoelhou-se, pensando estar na presena do Altssimo. A grandeza dos

    anjos tal que, no Antigo Testamento, em vrias aparies, os homens

    julgavam que fossem o prprio Deus. E no Cu h mirades de Anjos. Em

    que assombro ficaramos, se os vssemos a todos e ao mesmo tempo! Nossa

    Senhora, contudo, est acima de todos eles reunidos. Assim, diante de Sua

    insondvel alma, ns nos deparamos novamente com termos imperfeitos de

    comparao, e o melhor que podemos dizer que so totalmente

    insuficientes.

    "... e criatura alguma, pura que seja, pode a penetrar sem um

    grande privilgio". Existe, pois, uma categoria de criaturas privilegiadas

    que podem penetrar no conhecimento de Nossa Senhora. Essas criaturas

    privilegiadas - So Lus Grignion no-lo explica - so aquelas a quem Deus

    d, por liberalidade, o dom que o comum das pessoas no tm, de

    conhecerem e praticarem a devoo a Nossa Senhora do modo especial por

    ele ensinado. E os "apstolos dos ltimos tempos", de que ele nos fala,

    tero esse dom. Por isso sero terrveis no combate ao mal e eficacssimos

    na defesa do bem. Sero almas elevadssimas, que tero a graa de penetrar

    neste umbral da devoo a Nossa Senhora.

    Outras qualidades de Maria Santssima

    Tpico 6: "Digo com os santos: Maria Santssima o paraso

    terrestre do novo Ado". O paraso terrestre era de encantos, de delcias, de

    perfeies. So Lus Grignion diz que Nosso Senhor estava no ventre

    purssimo de Maria Santssima com a excelncia e a perfeio com que

    Ado estava no paraso; Nossa Senhora, durante a concepo, era o paraso

    do novo Ado, Jesus Cristo.

    Quando recebemos na comunho este mesmo Jesus Cristo,

    acostumado que est a tais parasos, perguntamo-nos: o que achar Ele da

    nossa hospitalidade? Oferecemos-Lhe ao menos - a Ele que condescende

    em descer nossa choupana - o modestssimo luxo de uma casa limpa?

    "... no qual Este se encarnou por obra do Esprito Santo, para a

    operar maravilhas incompreensveis". Nosso Senhor, durante a Sua vida

    em Maria Santssima - e esta uma belssima idia que So Lus Grignion

    desenvolver mais tarde - quando Ela era o tabernculo no qual Ele

    habitava, j a operou maravilhas. So Lus Grignion comps uma orao

    dirigida a Nosso Senhor enquanto vivendo em Maria Santssima: "O Iesu,

    vivens in Maria".

    "... o grande, o divino mundo de Deus, onde h belezas e tesouros

    inefveis. a magnificncia de Deus, em que Ele escondeu, como em Seu

    seio, Seu Filho nico, e n'Ele tudo que h de mais excelente e mais

    precioso. Oh! Que grandes coisas escondidas Deus todo-poderoso realizou

    nesta criatura admirvel, di-lo Ela mesma, como obrigada, apesar de Sua

  • humildade profunda: `Fecit mihi magna qui potens est' (Lc 1, 49) ". O

    sentido inteiro deste canto do Magnificat, s o compreenderemos se

    considerarmos quem Nossa Senhora. Realmente, preciso lembrarmo-

    nos do poder de Deus, para compreender que Ele possa ter operado essas

    maravilhas que n'Ela operou.

    "... O mundo desconhece estas coisas porque inapto e indigno".

    So Lus Grignion referiu-se a uma raa (no sentido teolgico, e no

    biolgico) misteriosa, qual Deus concede o favor nico de poder penetrar

    nos umbrais desta devoo. Ele nos fala agora de uma raa m, que por sua

    maldade, por sua impureza, por sua indignidade, detesta tudo isto. o

    reverso da medalha.

    Devoo a Nossa Senhora: caracterstica da santidade

    Tpico 7: "Os santos disseram coisas admirveis desta cidade santa

    de Deus; e nunca foram to eloqentes nem mais felizes - eles o confessam

    - do que ao tom-La como tema de suas palavras e de seus escritos".

    Este trecho evidencia-nos uma verdade muito importante. No se

    deve pensar que a devoo a Nossa Senhora um estilo de santidade

    inaugurado por So Lus Grignion ou levado por ele ao ltimo grau de

    intensidade. A devoo especialssima e intensssima a Nossa Senhora

    caracterstica de todos os santos. Embora no se possa dizer que todos a

    tenham levado ao ponto a que a levou So Lus Grignion, estudando a vida

    de piedade de qualquer deles notamos sempre uma devoo ardentssima a

    Ela, que a dominante logo abaixo do culto a Deus Nosso Senhor.

    Essa devoo, contudo, se reveste em cada um de aspectos

    particulares. raro, neste sentido, encontrar algum santo que no tenha

    encontrado um aspecto novo de piedade em relao a Nossa Senhora. E no

    h um s que no conhea dever intercesso d'Ela no s o seu progresso

    espiritual, mas at mesmo a sua perseverana. Todos passaram por duras

    provas espirituais, das quais se viram livres por uma interveno especial

    d'Ela.

    So Francisco de Sales, por exemplo, teve em sua juventude uma

    terrvel crise, relativa ao problema de sua predestinao. Estudando o

    assunto, ficou como que tragado pelo abismo do problema, e foi duramente

    assediado pelo demnio, que lhe insuflava qua a predestinao no era para

    ele. Isto lhe causou uma tremenda depresso. Comeou a emagrecer, a

    perder a sade, nada havia que lhe restitusse a paz alma. Certo dia,

    rezando diante de uma imagem de Nossa Senhora, pediu-Lhe que, ainda

    que tivesse que ir para o inferno, mesmo assim lhe fosse dado no ofender

    a Deus na Terra, pois o que o apavorava do inferno no era o tormento, mas

    a idia de ofender eternamente a Deus. E recitava "Memorare, o piissima

    Virgo Maria", que estava escrito embaixo da imagem. Ele mesmo nos

  • conta que, logo aps o trmino da orao, restabeleceu-se em sua alma uma

    paz admirvel. Viu ento claramente todo o jogo do demnio, de que

    estava sendo vtima, e recuperou aquela serenidade que viria a ser a nota

    dominante de toda a sua vida espiritual.

    Encontramos na vida de todos os santos esta constante, de uma

    particular devoo a Nossa Senhora. Ela , pois, uma caracterstica segura

    da verdadeira piedade, e devemos absolutamente duvidar da santidade de

    algum que no a possua.

    Seria sofisma dizer algo que especial para todos, por isso mesmo

    no o ser para ningum. Uma me de muitos filhos tem, para com cada

    um, carinho especial; e cada filho ama a prpria me de um modo

    particular. Assim, devemos cada qual amar Nossa Senhora de maneira

    inteiramente prpria, especial e inconfundvel. Ela, por sua vez, ter para

    conosco um carinho que no ser um carinho genrico, de quem dissesse:

    "toda aquela gente, eu a amo"; mas um carinho todo particular, que pousar

    sobre cada um de ns, individualmente considerados, como se s ns

    existssemos na face da Terra.

    Maria Santssima a Onipotncia Suplicante

    "...E depois, proclamam que impossvel perceber a altura dos Seus

    mritos, que Ela elevou at ao trono da Divindade; que a amplitude da Sua

    caridade, mais extensa que a Terra, no se pode medir; que est alm de

    toda compreenso a grandeza do poder que Ela exerce sobre o prprio

    Deus".

    Por ser este Seu poder to grande, que se exerce at sobre o prprio

    Deus, os telogos tm-Na chamado de "onipotncia suplicante". Parece

    haver, primeira vista, uma contradio nos termos, pois quem suplica,

    nada pode. Ela, porm, de fato a onipotncia suplicante, porque Sua

    splica pode tudo sobre Aquele que onipotente. Desta maneira Ela pode,

    na prtica, absolutamente tudo.

    Todo o exposto nesta introduo no nos deve ficar como tiradas

    piedosas e ocas. preciso que fique compreensvel, razovel, como

    tudo que brota da razo com base na F. Devemos encontrar nisto

    substancioso alimento; deve servir-nos de combustvel, e no apenas de

    incenso.

    Estas afirmaes no devem ficar no vcuo. preciso sabermos

    aplic-las concretamente em nossa vida espiritual, nas dificuldades, nos

    problemas, nas lutas. preciso lembrarmo-nos de que Nossa Senhora a

    onipotncia suplicante, e termos n'Ela uma confiana ilimitada. Mas

    nem sempre a temos to arraigada no esprito quanto desejaramos.

    Imaginemos, por exemplo, que Deus aparea nossa me terrena, e

    lhe d a possibilidade de nos fazer todo o bem que quiser. Ficaramos

  • radiantes, evidentemente, pois tudo conseguiramos facilmente. Ora, Nossa

    Senhora nos ama imensamente mais do que todas as mes terrenas reunidas

    amariam seu filho nico. Por issodeveramos ficar muito mais contentes

    em saber que Ela no Cu olha para ns, do que com a idia de uma

    proteo eficacssima de nossa me terrena.

  • CAPTULO I: NECESSIDADE DA DEVOO

    SANTSSIMA VIRGEM

    Este captulo foi escrito para demonstrar que a devoo Santssima

    Virgem necessria. Procuremos explicar a tese de So Lus Grignion. Ele

    quer demonstrar que, sem uma devoo a Maria Santssima - mas uma

    devoo proporcionada s grandezas que acabamos de ver na introduo -

    no existe vida espiritual possvel, pois a vida espiritual exige esta forma de

    devoo a Maria Santssima.

    Atraio a ateno para o fato de que a demonstrao que ele faz dessa

    tese muito exata, mas no muito explcita primeira vista. preciso ler

    o captulo com muita ateno, para se compreender onde ele quer chegar.

    Para tratar da necessidade da devoo a Nossa Senhora ele faz um

    prembulo, e depois desenvolve propriamente a demonstrao. Nesse

    prembulo So Lus Grignion estabelece qual o alcance da palavra

    necessidade. No se trata de dizer que Deus precise absolutamente de Nossa

    Senhora para salvar as almas; sendo onipotente e sendo perfeito, Ele no

    necessita de ningum. Assim, poderia Ele ter criado uma situao em que

    Nossa Senhora no existisse e as almas tambm se salvassem, pois Ele est

    acima de tudo. A necessidade de Nossa Senhora na vida espiritual de

    outro gnero. Uma vez que Deus A criou, dando-lhe, por um ato librrimo

    de Sua vontade, determinadas perfeies e atribuies, entre as quais a

    mediao universal, a devoo a Ela necessria. Em outras palavras, a

    Igreja Catlica no sustenta que Deus precise de Nossa Senhora, mas que

    Deus quis que Ela fosse necessria nossa salvao. Ele liberrimamente

    assim o quis, e estabeleceu uma situao em que Ela se tornou necessria.

    Na demonstrao desta tese, So Lus Grignion supe uma srie de

    noes que preciso lembrar, porque ele no as enuncia explicitamente.

    Neste particular ele se parece com So Paulo. O Apstolo vai dizendo as

    coisas umas aps as outras, deixando at algumas frases sem ligao com

    as anteriores; h em suas epstolas alguns pontos que confundem o esprito.

    O prprio So Pedro diz, numa de suas epstolas, que So Paulo difcil de

    entender. Assim, tambm So Lus Grignion supe como conhecidos certos

    pressupostos que preciso lembrar, para se ter inteiramente claro o fio de

    seu raciocnio.

  • ARTIGO I: PRIMEIRO PRINCPIO: Deus quis servir-se de

    Maria na Encarnao

    Importncia da Encarnao

    A demonstrao que So Lus Grignion faz da necessidade da

    devoo a Nossa Senhora est baseada no papel que Ela teve na

    Encarnao. Vamos, antes de tudo, impostar bem a questo.

    A primeira tese que preciso lembrar a da suma importncia da

    Encarnao na obra da Criao. Os telogos discutem entre si um ponto a

    este respeito. Dizem alguns que a Encarnao no se teria dado se o

    homem no tivesse pecado, e outros dizem que ela ter-se-ia dado, ainda que

    o homem no tivesse pecado. Da concluem os primeiros que, embora

    tendo sido um mal, o pecado original importou em uma vantagem para o

    homem, e por isso que a Liturgia canta no Sbado Santo "O felix culpa" -

    culpa feliz, que nos mereceu um tal Salvador. Sem o pecado original, no

    teramos tido a felicidade de ter o Salvador.

    De um modo ou de outro, quer se admita uma ou outra tese, devemos

    reconhecer que a Encarnao do Verbo no um episdio entre outros da

    Histria da Humanidade, mas , como a Redeno, um episdio

    culminante. Sendo Deus Aquele que , exceo feita da gerao do Verbo e

    da processo do Esprito Santo, nunca se passou nada que, de longe,

    pudesse ser to importante como a Encarnao do Verbo. um fato

    relacionado com a prpria natureza divina, e tudo o que diz respeito a Deus

    incomparavelmente mais importante do que tudo que diga respeito ao

    homem. A Encarnao de Deus transcende a tudo em importncia.

    Papel de Nossa Senhora na Encarnao

    Por esse motivo o papel de Nossa Senhora na Encarnao situa bem

    o papel d'Ela em todos os planos divinos, e precisamente no que eles tm

    de mais importante e de mais fundamental.

    Achamos admirvel, por exemplo, Nosso Senhor ter escolhido

    Constantino para tirar a Igreja das catacumbas. Mas o que isto, perto de

    ter escolhido Nossa Senhora para n'Ela ser gerado o Salvador?

    Absolutamente nada. Ns admiramos muito Anchieta, porque ele

    evangelizou o Brasil. Mas o que evangelizar um pas, em comparao

    com o cooperar na Encarnao do Verbo? Nada!

    Digamos que se tratasse de salvar o mundo de sua crise atual e de

    restabelecer o reino de Cristo, e suponhamos que Nosso Senhor escolhesse

    um s homem para essa tarefa. Ns acharamos esta misso algo de

    formidvel, e com razo. Mas o que seria isto, em comparao com a

    misso de Nossa Senhora? Nada! Ela situa-se num plano que est fora de

  • comparao com a misso histrica de qualquer homem, inclusive com a

    de So Pedro, por incrvel que parea, apesar de ter sido ele o primeiro

    Papa. O papel de Maria est fora de comparao com o papel de So

    Pedro.

    A respeito de Nossa Senhora, sempre se obrigado a repetir a

    expresso "fora de comparao", porque Ela faz estalar todo vocabulrio

    humano. H uma tal desproporo entre Ela e todas as criaturas, que a

    nica coisa segura que se pode dizer que fora de comparao.

    Lembradas essas noes, devemos concluir que estudar a

    participao de Nossa Senhora na Encarnao estudar o Seu papel no

    acontecimento mais importante de todos os tempos. E qual foi esse papel?

    So Lus Grignion responde, analisando a participao das trs Pessoas da

    Santssima Trindade na Encarnao - o papel do Padre, do Filho e do

    Esprito Santo - e depois a cooperao de Nossa Senhora com o Padre, com

    o Filho e com o Esprito Santo.

    A COOPERAO DE NOSSA SENHORA COM O PADRE

    ETERNO

    Conforme a linguagem das Escrituras, Nosso Senhor foi mandado ao

    mundo pelo Padre Eterno para salvar os homens. O Antigo Testamento,

    numa das suas profecias, diz de Nosso Senhor: "Eis que venho, como est

    escrito de mim no rolo do livro, para fazer a Tua vontade" (Ps. XXXIX, 8-

    9). Jesus Cristo fala constantemente de Seu Pai Celeste, como sendo

    Aquele que O enviou, Aquele que Se manifestou sobre Ele, considerando-

    O Seu Filho bem amado, Aquele a Quem Ele invocou quando entregou Seu

    esprito, dizendo: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes? " (Mt.

    XXVII, 46). Sendo o Padre Eterno Aquele que nos mandou Jesus Cristo,

    qual foi o papel de Nossa Senhora neste ato?

    A orao de Nossa Senhora na vinda do Messias - Em primeiro

    lugar, devemos considerar que o mundo no era mais digno de receber a

    Nosso Senhor Jesus Cristo. Em conseqncia, o Padre Eterno o enviou, no

    por causa do mundo, mas por causa de Nossa Senhora. No s porque foi

    Ela quem o pediu - e se Ela no tivesse pedido a vinda de Nosso Senhor,

    Ele no teria vindo - mas Deus Padre O mandou a Ela, porque s Ela era

    digna de O receber.

    Nessa perspectiva compreende-se melhor a queixa contida no

    Evangelho de So Joo: "Veio para o que era seu, e os seus no O

    receberam" (Jo, I, 11). Os seus no O receberiam, mas Nossa Senhora O

    receberia de modo sublime, e por isso Ele veio. Veio porque encontrou

    Nossa Senhora no mundo, e se no A tivesse encontrado, no teria vindo. A

    vinda d'Ele ao mundo o produto da presena e das oraes da Virgem

    Santssima.

  • Dessa forma colaborou Ela com o ato do Padre Eterno pelo qual

    Jesus Cristo foi mandado ao mundo.

    A participao de Nossa Senhora na fecundidade do Padre

    Eterno - Alm disso, o Padre Eterno comunicou a Nossa Senhora Sua

    fecundidade, para que Ela pudesse gerar a Jesus Cristo. O Padre Eterno

    de uma fecundidade infinita. Sua fecundidade tal, que a idia que Ele tem

    de Si mesmo j uma Pessoa Divina. Pois bem, Ele comunicou a Nossa

    Senhora Sua fecundidade, para que Ela gerasse a Jesus Cristo e a todos os

    membros do Corpo Mstico de Cristo. Nossa Senhora , pois, Me dos

    fiis, no apenas no sentido alegrico e metafrico (Ela nos quer bem como

    se fosse nossa me), mas verdadeiramente nossa Me na ordem da graa.

    E essa maternidade divina existe, porque o Padre Eterno lhe comunicou a

    Sua fecundidade.

    O poder da orao de Nossa Senhora e a nossa vida espiritual

    Podemos tirar aplicaes para nossa vida espiritual, tanto do fato de a

    orao de Nossa Senhora ter apressado a vinda do Messias, quanto de ter

    Ela recebido do Padre Eterno sua fecundidade. Considerando Nossa

    Senhora capaz de, com a sua prece, apressar a vinda do Messias, que

    aplicaes podemos tirar?

    Devemos primeiramente considerar a Santssima Virgem no seu zelo

    pela causa de Deus. Na orao que fazia, Ela certamente considerara - isto

    de F - a situao, que atingira um pice de misria moral, em que tinha

    cado o povo eleito. Nessa orao, portanto, Ela desejava ardentemente que

    Israel fosse reerguido sua antiga condio. Considerava ainda a

    decadncia da Humanidade, sabendo melhor que ningum quantas almas

    estavam se perdendo naquela era pag, e vendo a glria de Satans a

    imperar sobre o mundo antigo.

    Maria Santssima fez ento na Terra o papel de So Miguel Arcanjo

    no Cu. Sua orao, pedindo que Deus viesse Terra, equivale ao "Quis ut

    Deus? " do Arcanjo. Ela que se levanta contra esse estado de coisas, s

    Ela que tem a orao bastante poderosa para desferir um golpe que tudo

    transforma.

    Ento, a plenitude dos tempos que se encerram: Nosso Senhor Jesus

    Cristo nasce, e toda a humanidade reconstruda, regenerada, elevada e

    santificada por Nossa Senhora. As almas comeam a se salvar em profuso,

    as portas do Cu abrem-se, o inferno esmagado, a morte destruda, a

    Igreja Catlica floresce sobre toda a face da Terra. Tudo como produto da

    orao de Nossa Senhora.

    No verdade que Nossa Senhora, tambm sob este aspecto, se

    apresenta a ns como um verdadeiro modelo? No devemos desejar em

    nossos dias a vitria de Nosso Senhor, como Maria Santssima a desejou

  • em sua poca? No h uma analogia absoluta entre o ardor com que Ela

    desejou a instaurao do reino de Cristo na Terra e o ardor com que o

    devemos desejar em nossos dias? No verdade que, se a orao d'Ela foi

    necessria para a realizao da Encarnao, indispensvel tambm para

    que consigamos em nossos dias a vitria de Jesus Cristo no mundo?

    Quando nos esfalfamos na luta pela vitria de Jesus Cristo em nossos dias,

    lembramo-nos de rezar a Nossa Senhora? Quando rezamos a Ela,

    lembramo-nos de pedir esta graa?

    No seria uma boa orao se, por exemplo, ao contemplarmos o

    mistrio da Anunciao na primeira dezena do tero, tivssemos em mente

    Nossa Senhora que pede a vinda do Salvador? E muito apropriado seria

    pedirmos a Ela que Jesus Cristo novamente triunfe no mundo, e ainda

    contemplarmos a vinda do Salvador e a futura vitria da Igreja Catlica.

    No temos a uma boa aplicao desses Mistrios para a vida espiritual?

    No assim que ela deve ser vista, vivida e conduzida? Isto no muito

    mais slido que um arrastado murmrio piedoso? com essas verdades de

    F que se alimenta a piedade. Com verdades destas h nutrimento em

    quantidade para a vida espiritual.

    Contemplemos Nossa Senhora apressando, com Sua orao, a vinda

    do Messias. No verdade que Nosso Senhor vem a ns tambm no

    momento da Comunho? No verdade que podemos e devemos pedir a

    Ela, quando nos preparamos para receb-Lo, algo dos sentimentos com

    que Ela O recebeu quando Ele se encarnou?

    Se desejamos conseguir para algum a graa da comunho diria,

    no ser til pedir a Nossa Senhora que consiga para aquela alma a vinda

    quotidiana de Nosso Senhor, lembrando-A da eficcia da prece com que

    obteve a vinda de Jesus Cristo para o mundo?

    A participao de Nossa Senhora na fecundidade do Padre

    Eterno e nossa vida espiritual

    Consideremos a participao de Nossa Senhora na fecundidade do

    Padre Eterno para gerar membros do Corpo Mstico de Cristo. Todo fiel

    um membro deste Corpo Mstico. Quando passamos junto ao batistrio,

    devemos nos lembrar de fazer uma orao rogando Santssima Virgem

    que Ela nos leve, at o momento da morte, na perseverana graa que

    ento recebemos, e que nos confirme nessa graa a vida inteira. Junto a

    essa mesma pia batismal que nos viu entrar para o seio da Igreja Catlica,

    lugar onde nascemos para a vida sobrenatural e onde, graas a uma prece

    de Nossa Senhora e fecundidade de Deus Nosso Senhor, fomos gerados

    membros do Corpo Mstico de Cristo, do qual Nossa Senhora Me

    verdadeira.

  • Lembremo-nos de que fomos gerados para a vida da graa por Nossa

    Senhora, com a participao da prpria fecundidade do Padre Eterno; e de

    que recebemos essa vida por meio d'Ela, de modo inteiramente gratuito,

    porque sem as oraes e sem a participao d'Ela no a teramos obtido.

    Tudo isto nos permite, pois, pedir-Lhe que nos mantenha nessa graa, e que

    a cumule ainda com a virtude do senso catlico - coroao dessa unio

    extremamente ntima com Cristo - que recebemos pelo ministrio d'Ela.

    A piedade deve consistir em formar disposies de esprito que

    tenham base nessas verdades ensinadas pela Igreja e pela Teologia, e no

    em meros sentimentos. Verdades como essas que produzem uma

    devoo a Nossa Senhora muito boa, muito sria e muito slida. Assim

    que se constri a verdadeira devoo a Nossa Senhora, e que se

    alicera a verdadeira vida espiritual.

    A COOPERAO DE NOSSA SENHORA COM DEUS

    FILHO

    Nosso Senhor, formado no seio virginal de Maria Santssima -

    Em primeiro lugar, devemos considerar a Encarnao do Filho em Nossa

    Senhora.

    H um livro do Padre J. M. (que no se pode recomendar a qualquer

    pessoa) em que ele estuda o processo da maternidade e da vida de Nosso

    Senhor em Nossa Senhora: como Ela, pelo processo da maternidade, foi

    gradualmente fornecendo-Lhe a sua carne e o seu sangue; como foi sendo

    formado, dentro de seu seio virginal, o corpo de Nosso Senhor, unido

    divindade pela unio hiposttica. A participao d'Ela no mistrio da

    Encarnao imensa. Considerando que o corpo de Nosso Senhor, Sua

    carne e Seu sangue, so carne da carne e sangue do sangue de Nossa

    Senhora, no se pode imaginar maior intimidade com Deus. O papel de

    Nossa Senhora nesse mistrio foi tal, que Deus quis que Ela antes desse o

    Seu consentimento, para depois dar a Sua Carne, o Seu Sangue e, portanto,

    algo de seu prprio Ser.

    Como diz So Lus Grignion, foi vontade de Deus Padre que Nosso

    Senhor ficasse contido n'Ela como dentro de uma arca, de um tabernculo,

    em que Ele operava maravilhas de graa s por Ela conhecidas. E foi

    dentro d'Ela, como dentro de um santurio, que Nosso Senhor Jesus Cristo

    comeou a dar glria ao Padre Eterno. No prprio momento em que

    comeou a existir a unio hiposttica, Deus recebeu de Nosso Senhor Jesus

    Cristo um ato perfeito de amor, o mais perfeito que jamais se deu na Terra.

    Ningum jamais prestou um ato de amor to perfeito a Deus quanto a

    humanidade santssima de Nosso Senhor Jesus Cristo.

    So Lus Grignion mostra ainda como Jesus Cristo, que era Senhor

    onipotente, contido dentro de Nossa Senhora, deixou-Se transportar para

  • onde Ela o quis, no s pelas montanhas da Judia para visitar Santa Isabel,

    como por todos os lugares pelos quais Ela o quis.

    A seguir, ele desenvolve a tese de que Nossa Senhora foi incumbida

    de criar Nosso Senhor e de O governar em Sua infncia. Era uma infncia

    em que Ele tinha para com Ela as mesmas relaes de uma criana para

    com sua me. Pois seria falso imaginar que, na presena de outros, Nosso

    Senhor fazia o papel de criana, mas que, quando no havia ningum,

    apresentava-se como Deus. Ele estava junto a Nossa Senhora sempre como

    uma criana, e Ela sabia que Ele era Deus, e tratava aquela criana como

    quem trata a um Deus.

    Depois Nosso Senhor cresceu, passando trinta anos de Sua vida junto

    d'Ela, e consagrando aos homens somente trs. Por fim, Ela O levou at o

    alto da cruz, e do alto da cruz ofereceu-O a Deus.

    So Lus Grignion resume o papel de Nossa Senhora na

    Redeno: Ela gerou a vtima, Ela criou a vtima, Ela acariciou a

    vtima, Ela conduziu a vtima ao altar do sacrifcio, e Ela mesma

    imolou a vtima. Porque verdadeiramente Nosso Senhor morreu com o

    consentimento de Nossa Senhora. Ela quis que Ele sofresse tudo o que

    sofreu, e Ela quis que Ele morresse da maneira como morreu. Ela consentiu

    naquela morte, estava de acordo. Ela queria que a morte de Seu Filho fosse

    daquela forma.

    O papel d'Ela na Encarnao e na Redeno do gnero humano um

    papel imenso; um papel como maior no poderia ser.

    Devoo a Nossa Senhora e apostolado

    H aplicaes maravilhosas para nossa vida espiritual, a tirar destas

    consideraes: Nosso Senhor vivendo trinta anos sob a dependncia de

    Nossa Senhora.

    Em nossa vida de piedade, por exemplo, que importncia damos,

    respectivamente, nossa unio com Nossa Senhora e ao nosso

    apostolado? Temos a impresso de que nosso apostolado muito mais

    importante que a nossa unio com Nossa Senhora. E isso de tal modo que

    temos, de um lado, nosso quarto de hora de orao a Ela, e depois nosso

    "enorme" apostolado. Nosso Senhor nos d o exemplo do

    contrrio. Tempo dado unio com Nossa Senhora: trinta anos; ao

    apostolado: trs.

    Podemos bem compreender o que representa de homenagem -

    homenagem de um Deus, a palavra parece at absurda! - e de glria

    para Ela o Verbo Encarnado vir ao mundo e passar trinta anos junto

    d'Ela, dedicando apenas trs realizao de Sua misso. Podemos bem

    compreender o que significa a graa de estar junto de Maria Santssima.

  • Assim sendo, quando vamos fazer uma visita a Nossa Senhora numa

    igreja, podemos nos unir a esses sentimentos de Nosso Senhor. Convm

    que interrompamos com freqncia nossas atividades, e entremos

    numa igreja para fazer uma visita a Maria com esta inteno: imitar a

    Nosso Senhor, que no se apressou em iniciar desde logo Sua vida

    pblica, mas consagrou trinta anos a estar junto de Nossa Senhora.

    Vou seguir Seu exemplo; por isso peo-Lhe que, dada a minha

    impossibilidade de agradar como devo a Nossa Senhora, que Ele A agrade

    por mim neste momento. Quando me coloco diante do tabernculo, devo

    pedir a Nosso Senhor a graa de que, em meu nome, Ele trate Nossa

    Senhora como eu gostaria de o fazer, embora eu seja incapaz.

    Eis uma boa visita ao Santssimo Sacramento e a Nossa

    Senhora. Com isto se constri uma vida espiritual digna desse nome.

    Mas preciso que tenhamos em mente todas essas idias, esses princpios,

    que eles estejam sempre presentes, para que possam ser utilizados quando

    as ocasies se apresentarem.

    Pelo acima exposto, vemos como seria tolo dizer que h secura ou

    geometrismo na piedade, por parte de quem assim procede. O que a no se

    pode desejar o vcuo, a basfia. Pois o que recomendamos no

    secura nem geometrismo, mas coerncia: a inteligncia ilumina, a

    vontade quer, e a sensibilidade acompanha o preito de amor da

    vontade. E se acaso a sensibilidade no acompanhar, no ter maior

    importncia, pois o ato de amor estar feito. O amor reside na vontade.

    No se trata, portanto, de experimentar uma espcie de

    consolao sensvel, de sentir o trmulo da comoo, para s ento

    rezar. Trata-se, sim, de ter convico e resoluo. A F nos ensina que

    Nossa Senhora imensamente bondosa, e por isso vamos a Ela com

    confiana. uma considerao racional, que no nasceu da sensibilidade.

    Essa atitude racional na orao, a construo de uma vida de piedade toda

    ela alicerada sobre convices recebidas da F, que a razo manipula para

    a vida espiritual, isso sim verdadeiramente a seriedade na vida de

    piedade. E no apenas para produzir uma fasca passageira de emoo

    mariana; o que desejamos produzir convices profundas e construir

    uma estrutura de esprito til vida espiritual.

    A intimidade entre Nosso Senhor e Nossa Senhora aplicada

    nossa vida espiritual

    So Lus Grignion lembra, entre outras coisas, que Nosso Senhor, no

    perodo de Sua gestao, enclausurou-se dentro do ventre purssimo de

    Nossa Senhora, e que a encontrou para Si um tabernculo perfeito. Para

    compreendermos bem o que isto significa, interessante apelarmos para

    certos conceitos subjacentes seo "Ambientes, Costumes,

  • Civilizaes", de "Catolicismo". Estando no ventre de Nossa Senhora no

    perodo de Sua gestao, Nosso Senhor a encontrou todo o necessrio para

    suas delcias espirituais. Havia ali um ambiente, uma atmosfera que Lhe era

    perfeita, graas s virtudes excelsas de Maria Santssima. Durante esse

    perodo, Nosso Senhor teve com Ela uma unio verdadeiramente

    incomparvel.

    J consideramos o fato de que, nesse perodo, Nossa Senhora que

    vai fornecendo sua prpria carne e seu prprio sangue para a formao do

    corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Havia uma atividade em extremo

    ntima entre Ele e Ela, sendo preciso notar que Nosso Senhor teve o uso da

    razo desde o primeiro instante do Seu ser. Ele, portanto, vivia em Nossa

    Senhora dispondo j completamente de Sua inteligncia. Podemos imaginar

    a intimidade entre eles, o alto grau de cada ato de amor? A cada

    colaborao que Ela prestava para a formao de Seu corpo, correspondia

    da parte d'Ele uma srie de graas a Ela concedidas. Durante a gestao de

    Nosso Senhor havia, portanto, entre Ele e Sua Me, uma unio

    verdadeiramente inexprimvel e de uma sublimidade incomparvel.

    Em que sentido a considerao dessa unio nos pode ser benfica? O

    homem, na Igreja Catlica, encontra-se diante de um firmamento de

    verdades. Assim como, colocados diante do firmamento fsico,

    contemplamos inmeras maravilhas que enriquecem a nossa alma, assim

    tambm, no firmamento de verdades da Igreja Catlica, poucas maravilhas

    podemos contemplar to grandes quanto a intimidade de uma alma

    inteiramente humana - como era a de Nossa Senhora - com Nosso Senhor

    Jesus Cristo, durante o tempo da Sua gestao.

    Essa unio d-nos uma idia da intimidade que tambm ns podemos

    ter com Nosso Senhor, atravs da nossa santificao. Faz-nos compreender

    um pouco o que a vida da graa, e d-nos a apetncia de maior unio com

    Jesus Cristo.

    Estas consideraes no devem ficar no vcuo. Na vida

    espiritual, devemos ter propriamente apetncia destes dons

    sobrenaturais, devemos desejar a unio com Deus e os bens eternos. O

    que caracteriza o catlico, diferenciando-o do no catlico, que para o

    catlico o desejo destes bens sobrenaturais e eternos a dominante na

    vida; sua felicidade deve nisto consistir, e no na concupiscncia dos

    bens terrenos. E nesta atmosfera que podemos imaginar o que

    significava a intimidade de Nosso Senhor com Nossa Senhora durante o

    perodo da gestao.

    So Joo Batista, prottipo do devoto de Nossa Senhora - So

    Lus Grignion lembra-nos ainda outra importante passagem do Evangelho:

    Nossa Senhora praticando seu primeiro milagre da graa em So Joo

    Batista. algo, para ns, de muita significao. Conta o Evangelho que,

    dirigindo Nossa Senhora a palavra a Santa Isabel, So Joo Batista

  • estremeceu de gozo em seu ventre, a tal ponto que ela o disse a Nossa

    Senhora. Como homem predestinado que era, o Precursor estremeceu de

    gozo ao ouvir a voz da Santssima Virgem.

    Se considerarmos quem foi So Joo Batista, e quais os traos

    caractersticos de sua alma, compreenderemos o efeito que a voz de Nossa

    Senhora operou nele. Grande asceta, ele foi por excelncia o homem da

    pureza, dando-nos a idia de possuir - o que uma graa de Nossa Senhora

    - um domnio extremo sobre si mesmo. Em segundo lugar, So Joo Batista

    o homem que leva o desassombro e o esprito de combatividade ao ltimo

    ponto, tambm por graa de Nossa Senhora. Por fim, So Joo Batista o

    mrtir que se deixa decapitar, para manter-se fiel sua pregao - ainda

    uma graa de Nossa Senhora.

    So Joo Batista , portanto, o prottipo do devoto de Nossa

    Senhora, com todas as suas caractersticas.Quando rezamos a So Joo

    Batista, no lhe devemos pedir graas vagas, mas pedir que tambm

    ns possamos, quando ouvirmos Nossa Senhora nos falar pela voz da

    graa, estremecer e imitar as virtudes que ele praticou. De outro lado, quando rezamos pela converso de algum, nada

    melhor podemos fazer do que pedir a Nossa Senhora que fale a esta pessoa

    palavras riqussimas em graas, analogamente ao que fez com So Joo

    Batista. Devemos nos lembrar de que a converso ou o afervoramento de

    algum no o produto exclusivo de raciocnios que lhe possamos

    apresentar. Dizer, por exemplo, que "dei um argumento poderoso e converti

    tal pessoa" uma basfia. "Dei um argumento poderoso e Deus o fecundou

    com Sua graa, de tal maneira que a pessoa se converteu" - isto, sim, se

    pode dizer. A converso produto da graa de Deus. Nosso argumento

    nada mais que mero veculo ou ocasio da graa, e de fato a graa que

    opera. Assim sendo, devemos pedir que em nossa voz jamais entrem

    acentos humanos, mas que seja apenas a voz de Nossa Senhora, a voz

    da graa de Deus. As palavras de Nossa Senhora formando um justo,

    fazendo-o estremecer no ventre materno, devem ser um incentivo para

    confiarmos n'Ela para o xito de nosso apostolado.

    As bodas de Can - Como o primeiro milagre sobre a natureza,

    conseguido por Nossa Senhora nas bodas de Can, j tem sido muito

    tratado, no necessrio nos determos nele. H contudo um aspecto que

    convm ressaltar.

    O Evangelho recomenda que o verdadeiro fiel tenha uma F que

    transporte montanhas. desta F que Nossa Senhora nos d a exemplo.

    Colocada num momento em que Nosso Senhor deveria fazer um milagre,

    no tem dvida quanto a Seu poder nem quanto ao fato de que Ele atender

    sua orao. Ela se limita simplesmente a dizer queles servidores: "Fazei

    tudo o que Ele vos disser" (Jo., II, 5). Ele ordena, ato contnuo, e o milagre

  • se opera. Nossa Senhora nos d, pois, exemplo dessa F que transporta

    montanhas, a F atravs da qual se operam as verdadeiras maravilhas.

    Por que vemos hoje to poucos milagres? Na Idade Mdia, por

    exemplo, quantas manifestaes do sobrenatural! Hoje, quo poucas so as

    que podemos contemplar! Por que razo havia antigamente quem

    enfrentasse potentados, filsofos e reis mpios, dirigindo-lhes a palavra e

    operando suas converses? So hoje - dir-se-ia - coisas impossveis.

    Vamos tambm pugilos de catlicos, de cruzados, que entravam em

    batalha contra milhares de inimigos da Igreja e destroavam a todos,

    porque lhes aparecia Nossa Senhora e lhes dava a vitria. Ou aparecia

    Nosso Senhor e dispersava os adversrios.

    Batalha de Lepanto, 7 de outubro de 1571, em que os inimigos da Igreja, que eram muito

    mais numerosos do que os catlicos, foram derrotados, graas milagrosa interveno de Nossa

    Senhora (pintura de Veronese)

  • Por que estas coisas quase no mais acontecem? porque no se

    imita a Nossa Senhora, modelo da f que transporta montanhas. O homem

    no tem a convico absoluta de que, de fato, Deus est presente e vai

    ajud-lo. No tem a convico de que, se pedir, Deus o atender

    efetivamente. Deus para ele quase um ente de razo, perdido num cu

    muito alto, no tendo com ele nenhum contacto, no intervindo, quase no

    se interessando por ele. As verdades da F a respeito da Providncia

    Divina, da Sua interveno na vida quotidiana e na vida da Igreja, so

    verdades que se admitem, sim, mas no com esprito de F bastante para se

    ter, face s dificuldades, a certeza de que Deus intervir no momento

    preciso.

    Dessas virtudes de Nossa Senhora, o que mais devemos guardar

    que, se ao longo de nossa vida de apostolado nos encontrarmos em

    situaes de apuro tal que se faa necessrio um milagre de primeira

    grandeza, devemos esperar esse milagre; devemos nele confiar, como Ela

    confiou diante do apuro daqueles esposos, que a gua seria transformada

    em vinho. desta ordem a confiana que devemos ter em Nossa Senhora.

    A confiana total em Nossa Senhora - Insisto neste ponto por

    causa de uma nota caracterstica de nossa atuao: a desproporo

    flagrante, cruel, entre o que queremos fazer e os meios de que dispomos.

    Nosso objetivo , pura e simplesmente, a construo de uma nova

    civilizao catlica, mas com tudo quanto isto significa, ou seja,

    a restaurao do reinado de Jesus Cristo no mundo, de acordo com a

    promessa feita por Nossa Senhora em Ftima.

    Nossos meios, entretanto, so to ridiculamente insuficientes, que se

    no contssemos com o sobrenatural, seria o caso de duvidarmos de nossa

    sanidade mental. Quando aqui nos reunimos e nos entreolhamos, somos

    tentados a achar que constitumos um grupo j numeroso, dezoito pessoas

    j nos parece um grupo numeroso. Por a podemos avaliar qual a nossa

    fraqueza, do ponto de vista humano. como um paraltico que quisesse

    transportar o Po de Acar com o polegar, e que um dia exclamasse:

    "Hoje consegui mexer-me na cama! Portanto estou a caminho de levantar-

    me, e quando me levantar estarei a caminho de transportar o Po de

    Acar". A desproporo de foras verdadeiramente chocante.

    Por isso h momentos em que vem o desnimo. H momentos em

    que tudo parece remoto, e h sobretudo ocasies em que, aps

    pressentirmos que muitas coisas boas esto por acontecer, ficamos afinal

    decepcionados, como se tivssemos uma srie de bilhetes de loteria em

    branco na mo. como numa viagem de automvel: ao lado de momentos

    agradveis, de conversa animada, h outros em que a estrada parece sem

    fim, e temos a impresso de estarmos andando h vrios dias, de ainda

    faltar outro tanto, e de que a viagem dever prolongar-se indefinidamente.

  • A vida de apostolado assim. H momentos em que se est animado.

    Mas outros h em que tudo parece ir mal, lento e emperrado, e no

    conseguimos remover os obstculos. Pois bem, esta a fase urea. Se o

    Cardeal Mindszenty pudesse viver uma vida de apostolado como a que

    descrevi, ele presumivelmente a acharia uma maravilha.

    Passando-se anos e anos nesta vida de trabalhos, tem-se s vezes a

    impresso de que se andou muito; outras vezes, de que nada se andou, ou

    at de que se andou para trs, o que mais aflitivo. Nestas ocasies

    difceis, e sobretudo nas de apuro e dificuldades, em que nada parece ir

    adiante, devemos nos lembrar de que Nossa Senhora conseguiu de Deus

    o milagre de transformar a gua em vinho. Quem sabe todos esses

    nossos esforos iro, de repente, produzir um resultado inesperado, devido

    s oraes de Maria Santssima?

    s vezes os fatos mais imprevisveis so os que produzem

    resultados de apostolado. Do que depende ele, ento? De se ter

    perseverana, rezar e fazer tudo em esprito de orao at o fim, at a

    ltima possibilidade, certos de que o que tentamos fazer quando tudo

    parecia perdido, o que dar o resultado excepcional, acima mesmo do

    esperado.

    Um ato de apostolado que repercute depois de dezenove sculos -

    Convm lembrar a recente descoberta de um arquivo dos essnios (grupo

    judaico que viveu no sculo imediatamente anterior ao incio da era crist),

    feita numa caverna nas proximidades do Mar Morto. Segundo consta, seus

    membros seriam muito amigos de Nosso Senhor, de corao reto, e viviam

    em luta contra os fariseus de Jerusalm. Ao que parece, devem ter passado

    por alguma tremenda provao, ao fim da qual a nica coisa que puderam

    fazer foi tomar todos os seus documentos, coloc-los em vasos de barro,

    fech-los cuidadosamente e enterr-los numa caverna. Depois,

    desapareceram na Histria.

    Mais de 1.900 anos se passaram depois deste ltimo ato de

    apostolado do ltimo essnio: o enterro do arquivo na gruta, onde ningum

    mais deveria entrar. Ao cabo desse tempo, contudo, pastores entraram na

    gruta, encontraram o arquivo e o venderam ao governo americano, que o

    divulga profusamente. De acordo com notcias de jornais, h nele coisas

    muito curiosas. Alm de trechos de Isaas, que provam ser cannico todo

    livro que a Igreja considera como tal, porque coincide perfeitamente com

    os textos encontrados, haveria muito material elucidativo a respeito da

    Bblia, material este que estaria auxiliando enormemente a exegese

    catlica.

    Aplicando esse exemplo a ns, podemos considerar que o ltimo

    essnio que guardou o arquivo era, possivelmente, um homem desanimado.

    Aquele grupo parecia estar condenado ao desaparecimento, e se ele chegou

    ao ponto de guardar o arquivo, foi certamente para evitar uma profanao.

  • Esse essnio dificilmente poderia imaginar que seu ltimo ato de

    apostolado, seu ltimo ato de amor a uma causa que parecia morta, 1.900

    anos mais tarde iria dar enorme glria a Deus.

    Em todas as ocasies, pois, em que tudo parecer perdido, deve-se

    sempre fazer mais alguma coisa, porqueo que se faz com confiana em

    Nossa Senhora o que verdadeiramente tem mrito e o que produz

    resultado.

    A COOPERAO DE NOSSA SENHORA COM O ESPRITO

    SANTO

    Mostra-nos So Lus Grignion que a fecundidade do Padre d

    origem, por uma gerao eterna, ao Filho; e do amor do Padre e do Filho

    procede outra pessoa divina, o Esprito Santo. Gerado o Divino Esprito

    Santo, essa fecundidade parecia extinguir-se. Ela vai, entretanto,

    manifestar-se novamente em Nossa Senhora. pousando sobre Maria

    Santssima, obumbrando-A, que o Esprito Santo gera a Nosso Senhor

    Jesus Cristo.

    Ela , pois, verdadeiramente a esposa do Esprito Santo, no no

    sentido alegrico, mas no sentido estrito da palavra, porque Ele gerou um

    filho n'Ela. Nosso Senhor verdadeiramente filho d'Ela, e Ela

    verdadeiramente esposa do Esprito Santo. Assim, a participao d'Ela

    neste acontecimento de uma sublimidade e de uma intimidade tais com

    Deus, que est fora de qualquer paralelo.

    Como esposa do Esprito Santo, Nossa Senhora tem ainda um ttulo

    especial para a nossa piedade, pois tudo quanto diz respeito F catlica,

    ortodoxia e manuteno da fidelidade Igreja, deve ser considerado

    como fruto e obra do Esprito Santo em ns. E, enquanto esposa do Esprito

    Santo, Nossa Senhora tem sobre Ele aquele poder que, no Antigo

    Testamento, tinha Esther sobre o rei Assuero, por ser sua esposa. Assuero,

    conta a Sagrada Escritura, havia decretado a morte de todos os judeus de

    seu reino; e Esther, pelas simples splicas que lhe apresentou, conseguiu

    que a poltica dele fosse inteiramente mudada, e os judeus poupados. Esta

    ascendncia, Nossa Senhora a tem sobre o Divino Esprito Santo, podendo

    conseguir-nos um tal grau de unio com Ele, uma tal abundncia de graas

    das quais Ele a fonte, que, sem a Sua intercesso, ser-nos-ia inteiramente

    impossvel conseguir.

    A devoo ao Esprito Santo assunto pouco conhecido e pouco

    tratado. Fala-se vagamente do Esprito Santo, e poucos so os que se

    lembram dos pecados que contra Ele podem ser cometidos. Se tivssemos

    idia de nossos deveres para com o Esprito Santo, e de como eles se

    ligam diretamente nossa salvao, teramos outro estado de esprito a

    respeito.

  • Falando grosso modo, os pecados contra o Esprito Santo que se

    conhecem so apenas os gravssimos: negar a verdade conhecida como tal e

    desesperar-se da salvao. Mas h numerosas formas midas de pecados

    contra Ele - pecados que quase todos cometem - que, sem constiturem

    diretamente pecados gravssimos, fazem com que contrariemos a obra do

    Esprito Santo em ns. Quantas defeces e estagnaes espirituais no

    tm a suas razes!

    Negar a verdade conhecida como tal - Analisemos mais

    detidamente o pecado de negar a verdade conhecida como tal. Ns,

    catlicos, no a negamos porque, com o favor de Nossa Senhora, somos

    fiis Igreja Catlica. Mas cada vez que, por amor a um preconceito, a um

    capricho, a uma extravagncia da inteligncia, no aderimos a uma verdade

    da Santa Igreja, ns ofendemos o Divino Esprito Santo. Cada vez que

    queremos ter uma opinio particular, s pelo gosto de ser particular, no

    nos preocupando em pensar como a Igreja pensa, estamos contrariando a

    obra do Esprito Santo.

    Cada vez que, por mania de conservarmos ntegra a nossa

    individualidade, aberramos do esprito da Igreja, estamos contrariando a obra do Esprito Santo em nossas almas, a qual visa conformar-nos

    inteiramente Igreja Catlica. Nessas ocasies, congelamos o progresso de

    nosso senso catlico e, s vezes, at acabamos por ser um escolho para o

    apostolado da Igreja e para o desenvolvimento dos interesses catlicos. Por

    que? Por falta de correspondncia s graas do Esprito Santo.

    Desesperao da salvao - Analisemos agora o pecado que

    consiste em desesperar-se da salvao. Ele cometido de forma plena

    quando uma pessoa renuncia expressamente a se salvar. Mas h outro

    modo, muito freqente at, de se cair em grau menor nesse pecado.

    quando nos deixamos influenciar pelo seguinte estado de esprito: "Tenho

    tal defeito que jamais conseguirei vencer; alis, um defeito pequeno (por

    exemplo, o ter mau gnio), de maneira que no vou combat-lo".

    um pecado contra o Esprito Santo. Porque, de fato, Ele nos d

    todas as graas necessrias para que possamos vencer todos os nossos

    defeitos; se desesperarmos de corrigir algum, estaremos, em ponto

    pequeno, fazendo o mesmo que se desesperssemos de nossa salvao. A

    graa de Deus nos d foras para nos corrigirmos de todos os nossos

    defeitos; se temos um defeito de que no nos corrigimos, somos

    indiscutivelmente responsveis por isso.

    Outros, para acobertar suas falhas, dizem: "Para uma pessoa com

    mentalidade muito especial, determinada coisa pode no ser um defeito,

    mas um modo de ser. Em mim, portanto, isto no defeito". Nada de mais

    falso! Quando o modo de ser no est de acordo com a razo, e no se

    conforma ordem natural das coisas, um modo de ser errado, e

    portanto um defeito.

  • Uma pessoa que nasceu com um desvio na espinha poderia dizer:

    "Aquele outro, que tinha a espinha direita e depois a entortou, um

    defeituoso. Mas em mim, que nasci assim, isto no um defeito". Que

    diramos dessa pessoa? Salta vista que defeito ter nascido com a espinha

    torta, e que se deve procurar endireit-la. Da mesma forma, um nervoso

    poderia dizer: "Em mim, ser nervoso um `tique', uma manifestao

    nervosa, um cacoete at interessante; os outros que suportem um pouco.

    Que culpa tenho de ser nervoso?" Ora, raciocinando-se desse jeito, poder-

    se-ia perguntar que culpa tem o dono de um carro, por ele disparar ladeira a

    baixo. Entretanto, se o carro no for freado, dispara mesmo, abalroa os

    outros, e o dono ser culpado por todas as pernas e braos quebrados que

    houver pelo caminho.

    No h culpa por se ter nascido com certos defeitos

    temperamentais, mas sem dvida alguma h culpa por no se ter

    procurado corrigi-los. O desespero de no se corrigir desses defeitos, de

    no conseguir retificar o que h de errado, uma falta de correspondncia

    graa de Deus, e , em ponto muito pequeno, um defeito na linha de

    desesperar da prpria salvao. De fato, se todos tm obrigao de ser

    conformes razo, ningum tem o direito de no o ser, e nisto estaria

    cometendo este pecado.

    Como evit-lo? Por meio da orao Santssima Virgem. Nossa

    Senhora, que a Medianeira universal e necessria de todas as graas, e

    por meio de Quem todos os dons do Esprito Santo se conseguem,pode

    obter-nos, como Esposa do Esprito Santo, todas essas graas.

    enquanto Esposa do Divino Esprito Santo que devemos rezar a Ela.

    SEGUNDO PRINCPIO: Deus quer servir-se de Maria na

    santificao das almas

    Vimos at aqui o que diz So Lus Grignion da cooperao de Nossa

    Senhora na Encarnao do Verbo. Ele analisa as trs qualidades d'Ela -

    Filha do Padre Eterno, Me do Filho de Deus e Esposa do Esprito Santo -

    e mostra quais as relaes que, em face dessas trs qualidades, Ela teve

    com a Santssima Trindade na Encarnao do Verbo. E conclui

    demonstrando que essas relaes no foram to-somente muito ntimas,

    profundamente ntimas, mas foram as mais ntimas das relaes, como alis

    fcil conceber.

    Pressupostos que demonstram a importncia fundamental da

    ao de Nossa Senhora na salvao das almas

    So Lus Grignion passa ento a um segundo princpio, cuja

    demonstrao pede trs pressupostos:

  • a) Nossa Senhora teve uma participao imensamente ntima,

    sumamente ntima, na Encarnao do Verbo;

    b) verdade comum da doutrina catlica, e geralmente aceita, que a

    ao de gerar o Redentor Nosso Senhor Jesus Cristo, e a de gerar as almas

    para a vida da graa, so duas aes que no podem ser consideradas

    separadamente.

    A razo, segundo a doutrina catlica, est em que Nossa Senhora,

    sendo Me de Nosso Senhor Jesus Cristo, que a cabea do Corpo Mstico,

    tambm Me do Corpo Mstico de Cristo, pois quem gera a cabea gera

    todo o corpo. Sendo Me de Cristo, cabea do Corpo Mstico, Nossa

    Senhora necessariamente a Me do Corpo Mstico. No apenas num

    sentido figurado ou analgico, Nossa Senhora Me da Igreja Catlica. Ela

    o no sentido prprio da palavra, e no somente por ter para conosco certas

    relaes e certo sentimento de maternidade, mais ou menos por uma

    relao proporcionada, como um tio pode chamar a um sobrinho de "meu

    filho". Sendo Ela Me da Cabea, Ela o de todo o Corpo Mstico de

    Cristo. Sendo Me da Cabea, Ela o de todos os membros.

    Pode-se compreender isto, mesmo deixando de lado qualquer outra

    considerao. O Corpo Mstico de Cristo nasceu da Redeno. Ora, tendo

    Nossa Senhora gerado o Redentor, compreende-se facilmente qual a ntima

    relao d'Ela com a Redeno, porque Ela a geradora d'Aquele que o

    prprio artfice da Redeno, d'Aquele que o prprio Redentor. A sua

    relao com a Redeno est, pois, dentro da linha da maternidade, o que

    Lhe atribui a maternidade sobre todos aqueles que foram gerados para a

    vida da graa.

    c) Por outro lado, pela prpria natureza das coisas, a converso de

    uma pessoa equivale a ser gerado Nosso Senhor Jesus Cristo nela, em

    tornar-se ela membro do Corpo Mstico de Cristo, um cristo. Nestas

    condies, trabalhar pela extenso da obra da Redeno trabalhar pelo

    nascimento de Jesus Cristo nas almas. A converso de uma alma e a

    gerao de Nosso Senhor Jesus Cristo so operaes conexas.

    Deus gerou Jesus Cristo em Nossa Senhora. Tendo Ela concebido

    por obra de Deus, sendo Ela a Me de Deus, esta maternidade perene,

    porque as coisas que Deus faz so definitivas. Tendo Ele, pois, dado a Ela

    esta qualidade, tendo Ele feito esta operao n'Ela e por meio d'Ela, Ele Se

    mantm nesta relao a ttulo definitivo. Portanto, a gerao das almas pela

    graa feita n'Ela e por meio d'Ela, posto que as obras de Deus so

    definitivas.

    Compreenderemos isso melhor imaginando que, por absurdo, Deus

    degradasse Nossa Senhora, fazendo que uma obra dessa natureza se

    passasse fora d'Ela, apesar de estar Ela ligada com a maternidade. Essa

    hiptese s seria possvel se Ela deixasse de merecer. Ns sabemos, porm,

    que em sua vida terrena estava Ela confirmada em graa, e que jamais

  • deixou de merecer essa qualidade; e agora, que est no Cu, Ela tambm

    no deixar de merecer a mesma qualidade. Portanto, esta relao est

    estabelecida a ttulo definitivo.

    Desses trs pressupostos, tira So Lus Grignion uma concluso: a

    ao de Nossa Senhora na salvao das almas to importante quanto o foi

    na Encarnao. Assim como foi primordial o papel d'Ela na Encarnao do

    Verbo, assim tambm de suma e essencial importncia na salvao das

    almas.

    Aplicao desse princpio s relaes de Nossa Senhora com a

    Santssima Trindade

    Estabelecido esse conceito geral, So Lus Grignion faz aplicaes s

    relaes de Nossa Senhora com as trs Pessoas da Santssima Trindade.

    Diz ele:

    a) Assim como h na ordem natural um pai e uma me, para a

    gerao sobrenatural h necessidade de um pai, Deus, e de uma Me,

    Maria. Por isso no tem a Deus por Pai quem no tem Maria por Me.

    O Padre Eterno quis, em Nossa Senhora, gerar para Si um filho, que

    Nosso Senhor Jesus Cristo. E os novos filhos que tem, segundo a graa,

    Ele tambm quer ger-los em Nossa Senhora. Desta maneira, at

    consumao dos sculos, os filhos de Deus sero gerados em Nossa

    Senhora. Assim como a gerao natural supe um pai e uma me - pois

    sem pai e me no pode haver gerao - assim tambm h na gerao

    sobrenatural um Pai, que Deus, e uma Me, que Maria Santssima.

    E So Lus Grignion tira da uma aplicao muito importante: "No

    tem Deus por Pai, quem no tiver Maria por Me" (tpico 30). Esta a razo

    por que os hereges e os cismticos no gostam de Nossa Senhora; no

    querem ter Nossa Senhora por Me, e por isso no tm a Deus por Pai.

    um sinal certo de se ter bom ou mau esprito o ter-se maior ou menor

    propenso devoo a Maria Santssima.

    b) Assim como o Verbo quis formar-se em Nossa Senhora para Sua

    vida terrena, assim tambm quer faz-lo para nascer em cada um de ns. "O

    desejo de Deus Filho formar-se e, por assim dizer, encarnar-se todos os

    dias, por meio de Sua Me, em Seus membros" (tpico 31). Assim como

    Ele quis formar-Se e encarnar-Se em Nossa Senhora para Sua vida terrena,

    assim quer Ele formar-Se, encarnar-Se em Nossa Senhora para nascer em

    cada um de ns.

    c) Sendo Maria esposa do Esprito Santo, somente produz Seu fruto,

    que Nosso Senhor, nas almas onde Ele A encontra. O Esprito Santo

    real