Comentários Ao Tratado Da Verdadeira Devoção a Nossa Senhora
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Comentrios ao Tratado da Verdadeira Devoo a
Nossa Senhora
Plinio Corra de Oliveira
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Conjunto escultural na igreja dos Montfortanos em Roma
N D I C E
Introduo
Apresentao
Notas
Finalidade do "Tratado da Verdadeira Devoo"
Devoo a Nossa Senhora e preparao do reino de Cristo
Maria Santssima insuficientemente conhecida
Excelncias das faculdades da alma de Nossa Senhora: - Inteligncia incomparvel
- Vontade Herica
- Sensibilidade harmoniosa
-
Outras qualidades de Maria Santssima
Devoo a Nossa Senhora: caracterstica da santidade
Maria Santssima a Onipotncia Suplicante
Captulo I - Necessidade da devoo Santssima Virgem
Artigo I Princpios: 1 princpio: Deus quis servir-se de Maria na Encarnao Importncia da Encarnao
Papel de Nossa Senhora na Encarnao
A cooperao de Nossa Senhora com o Padre Eterno A orao de Nossa Senhora na vinda do Messias
A participao de Nossa Senhora na fecundidade do Padre Eterno
O poder da orao de Nossa Senhora e a nossa vida espiritual
A participao de Nossa Senhora na fecundidade do Padre Eterno e nossa
vida espiritual
A cooperao de Nossa Senhora com Deus Filho Nosso Senhor, formado no seio virginal de Maria Santssima
Devoo a Nossa Senhora e apostolado A intimidade entre Nosso Senhor e Nossa Senhora aplicada nossa vida
espiritual
So Joo Batista, prottipo do devoto de Nossa Senhora
As bodas de Can
A confiana total em Nossa Senhora
Um ato de apostolado que repercute depois de dezenove sculos
A cooperao de Nossa Senhora com o Esprito Santo Negar a verdade conhecida como tal
Desesperao da salvao
2 princpio: Deus quer servir-se de Maria na santificao das almas
Pressupostos que demonstram a importncia fundamental da ao de Nossa
Senhora na salvao das almas
Aplicao desse princpio s relaes de Nossa Senhora com a Santssima
Trindade
Necessidade da devoo a Nossa Senhora para a nossa salvao
Recapitulando
Aplicaes para o apostolado
Captulo I, Artigo II Consequncias Maria no mistrio da Igreja
1a.) Maria a rainha dos coraes
2a.) Maria necessria aos homens para chegarem ao seu ltimo fim
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A devoo Santssima Virgem ser especialmente necessria nesses
ltimos tempos Papel especial de Maria nos ltimos tempos
O engrandecimento da devoo a Nossa Senhora est na raiz dos ltimos
tempos
Os apstolos dos ltimos tempos e o demnio
A inimizade entre Maria e Lcifer
Maria, a mais terrvel inimiga de Lcifer
Maria cheia de graa, Maria cheia de dio
A clarividncia mariana
Maria, esmagadora e aniquiladora de Satans
Maria, mais terrvel que o prprio Deus
Os Santos dos ltimos Tempos
Nosso sinal: o "tau" ou o calcanhar?
Sero santos superiores a toda criatura
Os Apstolos dos ltimos Tempos: Sero como flechas
Sero ascetas, colados a Deus e Sua Igreja
Sero o bom odor de Jesus Cristo para os desapegados
Sero o terror do demnio
Captulo II - Verdades fundamentais da devoo Santssima Virgem
Ataques aos inimigos da Igreja
Semelhana com os dias atuais
A pretexto de no ofender a Nosso Senhor, destroem a devoo a Nossa
Senhora
Apresent-La de um modo terno, forte e persuasivo
Conjurao sistemtica contra Nossa Senhora
Como se conhecem os verdadeiros homens de Deus
Problema angustiante para So Lus Grignion
Caractersticas da escravido a Nossa Senhora
Os diversos tipos de escravido
Seremos escravos, ou de Deus ou do demnio
Algumas aplicaes dessa escravido vida espiritual
Por que ser escravo de Maria, que escrava de Deus?
Os pares de Carlos Magno para nossos modelos
A Mediao Universal de Nossa Senhora na obra de So Lus Grignion
Nosso fundo de maldade e a doutrina da mediao
Alguns fatos particulares
"Qui se extimat stare, videat ut non cadat"
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A conscincia da prpria maldade, condio indispensvel para a
santificao
O liberalismo e a doutrina montfortiana do fundo da maldade
O nosso fundo de maldade e o do prximo
Somos pigmeus em relao vocao
Captulo III - Escolha da verdadeira devoo Santssima Virgem
prprio da verdadeira devoo denunciar e combater as falsas
Os falsos devotos e as falsas devoes Santssima Virgem: Os devotos escrupulosos
Devotos exteriores
Os devotos presunosos
Os devotos inconstantes
Os devotos hipcritas
Os devotos interesseiros
Captulo IV - A perfeita devoo Santssima Virgem ou a perfeita
consagrao a Jesus Cristo
O sentido incondicional de toda verdadeira devoo
Conseqncias da Consagrao: "Nosso corpo com todos os seus membros e sentidos"
"Nossa alma com todas as suas potncias"
"Nossos bens exteriores - que chamamos de fortuna - presentes e futuros"
"Nossos bens interiores e espirituais: mritos, virtudes e boas obras"
Ao que no renunciamos
Captulo V - Motivos que nos recomendam esta devoo
Nosso Senhor o prmio da escravido a Nossa Senhora
Nosso Senhor disse de Si mesmo a Abrao: "Ego sum merces tua magna
nimis"
A devoo a Nossa Senhora aumenta nossas virtudes, unindo-nos sempre
mais a Nosso Senhor
A devoo a Nossa Senhora aumenta nossa capacidade de sofrer
A graa de possuir uma grande intimidade com Nossa senhora
Nossa Senhora, panacia para a vida espiritual
A escravido a Nossa Senhora d valor incalculvel s nossas boas obras
A maldade humana e a devoo a Nossa Senhora
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Captulo VI - Figura bblica desta perfeita devoo: Rebeca e Jac
Histria de Jac
Interpretao da histria de Jac
Esa, a figura dos rprobos
Jac, figura dos predestinados
A figura de Jac aplicada aos escravos de Maria
A propenso para ser Esa e a predestinao
"Filho, d-me o teu corao"
Apndices
So Lus Grignion de Montfort: amplitude do auxlio de Nossa Senhora aos
que sabem invoc-La
Comentrios ao "Tratado da Verdadeira Devoo Santssima Virgem":
fazer todas as coisas com Maria, em Maria e por Maria Fazer todas as aes em Maria: comentrios ao tpico 261 do "Tratado da
Verdadeira Devoo Ssma. Virgem"
Viver em Maria: comentrios aos tpicos 262 e 263 do "Tratado da
Verdadeira Devoo Ssma. Virgem"
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A D V E R T N C I A
O presente texto adaptao de transcrio de gravao de
conferncia do Prof. Plinio, em 1951, para os futuros scios-fundadores da
TFP brasileira.
Se o Prof. Plinio Corra de Oliveira estivesse entre ns, certamente
pediria que se colocasse explcita meno a sua filial disposio de retificar
qualquer discrepncia em relao ao Magistrio da Igreja. o que fazemos
aqui constar, com suas prprias palavras, como homenagem a to belo e
constante estado de esprito:
Catlico apostlico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no
entanto, por lapso, algo nele ocorra que no esteja conforme quele
ensinamento, desde j e categoricamente o rejeita. As palavras "Revoluo" e "Contra-Revoluo", so aqui
empregadas no sentido que lhes d o Prof. Plnio Corra de Oliveira em seu
livro "Revoluo e Contra-Revoluo", cuja primeira edio foi publicada
no N 100 de"Catolicismo", em abril de 1959.
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I Introduo 1951, Conferncia
Cpia da Virgen del Apocalipsis, Escuela quitenha, Equador, sec. XVI
Descoberto em meados do sculo XIX, o "Tratado da Verdadeira
Devoo Santssima Virgem", de So Lus Maria Grignion de Montfort,
exerceu e exerce ainda poderosa influncia nos meios catlicos. Julgamos,
por isso, que interessar aos que se empenham na defesa das tradies da
civilizao ocidental, o conhecimento desta obra. Esta a razo porque
difundimos os comentrios que a respeito dela fez o Prof. Plinio.
Uma vez que so inapreciveis esses comentrios referentes ao livro
marial por excelncia, formulamos nossos votos de que os leitores possam
tirar alto benefcio desse substancioso material para estudo e reflexo.
Apresentao
-
Estas conferncias foram pronunciadas em 1951 para futuros scios-
fundadores da TFP brasileira, precisamente aqueles que se reuniam ento
no n 665 da Rua Martim Francisco, em So Paulo.
Circulou, desde essa poca, um fascculo mimeografado contendo a
anotao dessas conferncias. Sob vrios aspectos, o texto que ora se
publica completa em muito o contido naquele fascculo, pelas seguintes
razes:
1) quase uma quarta parte da presente matria indita, isto , por
motivos circunstarciais no consta do fascculo mimeografado a que
aludimos acima.
2) O texto antigo no foi objeto da indispensvel adaptao da
linguagem falada para a escrita. O que ora difundimos foi cuidadosamonte
adaptado por uma equipe experimentada, que teve o especialssimo cuidado
de no ultrapassar, na reviso, o mbito da tarefa que lhe foi confiada, no
fazendo modificaes suprfluas.
* * *
No nos ser difcil atribuir uma grande importncia a esse trabalho,
de alimentarmos em ns o desejo ardente de que a devoo a Nossa
Senhora esteja sempre no foco mais central de nossa ateno; de que nossas
almas cheguem um dia a respirar Nossa Senhora como nossos corpos
respiram o ar; de que, como disse o Prof. Plinio, esta devoo seja de longe
a maior de nossas virtudes, maneira de hlice que precede o avio,
arrastando-o atrs de si.
Notas
1. Os ttulos aqui utilizados inteiramente com letras maisculas,
pertencem edio-tipo do "Tratado da verdadeira Devoo".
2. A abreviatura "top." refere-se aos tpicos do "Tratado da
Verdadeira Devoo". Esse sistema de nmeros progressivos,
correspondentes sucesso das idias, consta no s das edies em lngua
portuguesa, mas tambm da edio-tipo francesa.
3. Os negritos so nossos.
4. Os "Comentrios" intencionalmente no abrangem todos os
tpicos do "Tratado da Verdadeira Devoo". Muitas passagens foram
analisadas de maneira geral; outras no foram comentadas ou por no
apresentarem particular necessidade, ou por pertencerem ao patrimnio de
conhecimentos mariolgicos correntes. Pois h muitas passagens no livro
de So Luis Maria Grignion de Montfort que dispensam explicaes, como,
por exemplo, o modo pelo qual se deve rezar a Consagrao (Cap. VIII), as
novenas e as oraes que a devem preceder.
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5. muito conveniente, necessrio mesmo, ter em mos
o "Tratado da Verdadeira Devoo a Santssima Virgem", para ir com
ele acompanhando, pari passu, estes comentrios.
Esttua de So Lus Maria Grignion de Montfort, que se encontra na Baslica de So
Pedro, em Roma
INTRODUO
No "Tratado da Verdadeira Devoo" interessam-nos alguns aspectos
principais, que convm destacar no incio de nossos comentrios.
Em primeiro lugar, podemos notar o aspecto estritamente teolgico
da obra, na qual So Lus Maria Grignion de Montfort analisa a devoo a
Nossa Senhora, os meios de A honrarmos, de Lhe darmos graas pelos
benefcios recebidos, etc.
Em segundo lugar, podemos destacar o papel de Nossa Senhora na
luta contra o demnio e os inimigos da Igreja. So Lus Grignion adota e
enriquece a idia, j exposta por Santo Agostinho e desenvolvida
posteriormente por Mons. Henri Delassus, sobre a existncia de uma luta
entre duas cidades - a Cidade de Deus e a cidade do demnio - como sendo
o mago de toda a Histria. Em seguida apresenta o papel de Nossa
Senhora na Cidade de Deus.
No que se refere ao papel da Virgem Santssima na luta contra os
agentes da Revoluo, ele no fala explicitamente nem uma s vez. No
-
entanto, toda a teologia dessa luta encontra suas razes no livro de So Lus
Grignion. Ora, muito importante acentuar tudo isto, por ser este livro uma
confirmao da mentalidade da famlia de almas de "Catolicismo", e
portanto uma garantia de que seguindo estas idias permanecemos unidos
ao esprito e doutrina da Igreja.
Em terceiro lugar, interessa-nos a obra a ttulo histrico. Como
sabemos, So Lus Grignion viveu no tempo de Lus XIV, que, sob certos
aspectos, representa um pice da Histria, a partir do qual a Humanidade
no fez outra coisa seno descer. Ele faz uma descrio da sociedade do
seu tempo, na qual se vem j ferver os germens da Revoluo Francesa.
Vemos ento um grande santo, que foi ao mesmo tempo um grande
contra-revolucionrio, apontando, j naquela poca, a existncia da mesma
Revoluo que ento se formava nas entranhas da sociedade francesa.
O nexo entre So Lus Grignion e a Revoluo , alis, muito
interessante. Ele foi vtima de uma oposio irredutvel dos bispos
jansenistas franceses. De excomunho em excomunho, de suspenso de
ordens em suspenso de ordens, acabou reduzido a pregar apenas em duas
dioceses da Frana. Essas dioceses foram justamente aquelas em que mais
tarde no penetraria a Revoluo Francesa; em que o povo lutaria ao lado
do clero contra os insurretos; em que os catlicos marchariam de encontro
s hostes revolucionrias ao cntico de hinos religiosos, que seus
antepassados tinham ouvido de So Lus Grignion.
Pode-se assim delinear no mapa da Frana: a parte vacinada contra a
Revoluo foi a regio por ele evangelizada; na zona dominada pelos
jansenistas, que resistira sua evangelizao, a Revoluo teve livre curso.
Por ltimo, interessa-nos o "Tratado da Verdadeira Devoo" pelo
aspecto proftico que o santo lhe imprimiu. So Lus Grignion profeta no
sentido restrito que esta palavra tem depois de encerrada a Revelao
oficial, isto , as suas profecias no so oficiais e obrigatrias como as da
Escritura. Mas sem dvida ele dotado por Deus do carisma da profecia, e
isto se percebe pela leitura de seu livro. Ele profetiza acontecimentos que
fazem antever a Revoluo Francesa e a crise de nossos dias, e afirma
tambm com antecipao a imensa vitria da Igreja Catlica atravs de
uma nova era do mundo, que ser uma era marial. So Lus Maria Grignion
de Montfort previu um reino de Maria que vir, e este reino ser a plenitude
do reino de Cristo.
Entretanto, So Lus Grignion no escreveu quatro tratados sobre
estas quatro matrias, mas um s. E os tpicos referentes a estes quatro
aspectos no aparecem na ordem em que os mencionamos, mas esto
dispersos pela obra. Na medida das possibilidades, explicaremos segundo
estes quatro critrios cada captulo que formos comentando.
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Finalidade do "Tratado da Verdadeira Devoo"
Encontramos no tpico 13 do "Tratado" o fundo do pensamento
contido na sua introduo:
"Meu corao ditou tudo o que acabo de escrever com especial
alegria, para demonstrar que Maria Santssima tem sido at aqui
desconhecida, e que esta uma das razes por que Jesus Cristo no
conhecido como deve ser".
Eis a razo de ser da introduo e de todo o livro: Maria
Santssima desconhecida; Maria Santssima deve ser conhecida; e, sendo
conhecida, vir o reino de Cristo. O livro destina-se, pois, a propagar a
devoo a Nossa Senhora, para que venha o reino de Cristo. Trata-se,
portanto, de uma obra de larga viso e de alcance histrico muito
amplo, fixando-se no desejo de trazer o reino de Cristo para um mundo que
no o possui, fazendo-o preceder, em certo sentido, pelo reinado de Maria
Santssima.
A razo teolgica pela qual o reino de Cristo ser precedido pelo
reinado de Maria, So Lus Grignion a coloca no tpico 1: "Foi por
intermdio da Santssima Virgem Maria que Jesus Cristo veio ao mundo",
isto , se Maria Santssima no tivesse vindo ao mundo, Jesus Cristo no
teria vindo; "e tambm por meio d'Ela que Ele deve reinar no mundo", ou
seja, a devoo a Jesus Cristo deve vir ao mundo por intermdio de Maria
Santssima. Espalhar a devoo a Maria Santssima , pois, nesta
perspectiva, a maior obra a que um homem pode se dedicar.
Devoo a Nossa Senhora e preparao do reino de Cristo
Este objetivo de So Lus Grignion presta-se desde logo a um
comentrio. O santo profeta prope-se a preparar o futuro reino de Cristo
fazendo o que lhe parece ser o mais essencial, o mais importante, o mais
urgente, o que, na ordem concreta dos fatos, produzir quase que
automaticamente o resto: espalhar a perfeita devoo a Maria.
A derrota do esprito do mundo e a restaurao da civilizao
sobre os princpios da Igreja Catlica no se comeam, portanto, por
meio da poltica, das obras, do talento ou da cincia. Na poca mesma
de So Lus Grignion, Bossuet encantava e deslumbrava Versailles e Paris
com seus sermes; entretanto, para evitar a derrocada religiosa da Frana,
no foram decisivos. O comeo da regenerao de todas as coisas est
na piedade, no afervoramento da vida interior, est propriamente nos
fundamentos religiosos da vida de um povo. O apostolado essencial de
carter estritamente religioso: afervorar, formar na piedade, formar o
carter. O mais so conseqncias, so complementos. Importantes,
verdade, mas complementos.
E a grande lio que So Lus Maria Grignion de Montfort fixa j no
incio do "Tratado", e desenvolve mais longamente depois, a de que na
-
formao do carter condio bsica e indispensvel a devoo a
Nossa Senhora. Possuindo-se verdadeiramente esta devoo, o carter ter
todos os meios sobrenaturais necessrios para florescer, com a
correspondncia da vontade. No se formando esta devoo, o prprio
regime de expanso da graa na alma fica comprometido, e nada ser
possvel conseguir.
Portanto, a devoo a Nossa Senhora condio necessria
para tudo quanto diz respeito salvao individual, salvao da
civilizao e salvao eterna de todos quantos constituem, em dado
momento, a Igreja militante. So Lus Grignion tinha pois em mente, com
esse livro, uma obra da mais alta importncia para a renovao dos sculos
futuros. A ns cabe, portanto, ser sfregos em possuir esta devoo a
Nossa Senhora, por ele pregada. Em outros termos, fomos chamados a
uma obra definida, com objetivos definidos, e s a realizaremos se tivermos
em nosso esprito esta devoo. Se ela , como vimos, indispensvel para
que o mundo se regenere em Nosso Senhor, e se queremos trabalhar para
isso, necessrio ir em busca desta devoo.
O "Tratado da Verdadeira Devoo" no , pois, um livro
qualquer de piedade, apresentando uma devoo a algum santo, boa por
certo, mas que se pode indiferentemente ter ou no ter. A devoo a Nossa
Senhora uma devoo essencial, "conditio sine qua non" para nosso
trabalho. E s a atingiremos no mais alto grau com a forma e os
fundamentos desenvolvidos por So Lus Grignion de Montfort.
D. Chautard explana a tese de que a vida interior fundamental para
o desenvolvimento das obras, e de que o apstolo deve possu-la para que
sejam fecundas. Explica, ainda, o que a vida interior e quais os meios
para obt-la; entre estes, refere-se devoo a Nossa Senhora. So Lus
Grignion pressupe todas estas afirmaes (que j eram doutrina da Igreja,
e que seriam desenvolvidas por D. Chautard) mostrando, porm, que a
viabilidade delas est na dependncia de uma grande devoo a Nossa
Senhora. Pressupondo o essencial - a vida interior - ele toma um caminho
que de algum modo o essencialssimo: a devoo a Maria Santssima.
este o canal por onde passam todas as graas necessrias para vivificar toda
a estrutura da vida interior e da vida de apostolado.
Maria Santssima insuficientemente conhecida
Como vimos, no final da introduo So Lus Grignion diz: "Meu
corao ditou tudo o que acabo de escrever com especial alegria, para
demonstrara que Maria Santssima tem sido at aqui
desconhecida" (tpico 13).Portanto, j na introduo ele inicia esta
demonstrao, e a desenvolver depois atravs do livro. Por
-
"desconhecida" deve-se entender "muito menos conhecida do que Sua
excelncia e Seus admirveis predicados exigem".
Assim, pois, na introduo esto ditas muitas coisas que devem
causar surpresa aos leitores. Vejamos se em ns elas causam alguma
surpresa. Servir de teste para ver se conhecemos, ns tambm, a Nossa
Senhora.
Tpico 1: "Foi por intermdio da Santssima Virgem Maria que
Jesus Cristo veio ao mundo, e tambm por meio d'Ela que Ele deve
reinar no mundo".
Esta verdade, ns no a encontramos no comum dos autores hoje em
voga. E sobretudo no a encontramos afirmada com esta inciso, com esta
clareza, com esta perfeio. Ela conhecida pela maioria dos fiis, certo,
mas de modo difuso, vago e inconsistente. rarssimo que a encontremos
explicitada com esta clareza lapidar, com esta riqueza de sentido
condensada em poucas palavras. Em So Lus Grignion esta verdade um
ensinamento preciso e bsico, que ele ainda desenvolver ao longo da
obra.
Tpico 2: "Toda a sua vida Maria permaneceu oculta; por isso o
Esprito Santo e a Igreja a chamam "Alma Mater" - Me escondida e
secreta. To profunda era a sua humildade, que para Ela o atrativo mais
poderoso, mais constante, era esconder-se de si mesma e de toda criatura,
para ser conhecida somente de Deus".
Esta verdade geralmente mais conhecida.
Tpico 3: "Para atender aos pedidos que Ela Lhe fez de escond-La,
empobrec-La, Deus providenciou para que oculta Ela permanecesse em
Seu nascimento, em Sua vida, em Seus mistrios, em Sua ressurreio e
assuno, passando despercebida aos olhos de quase toda criatura
humana. Seus prprios parentes no A conheciam; e os Anjos perguntavam
muitas vezes uns aos outros: `Qu est ista? '... - Quem Esta? (Cnt. 3, 6;
8, 5), pois que o Altssimo lhas escondia; ou, se algo lhes desvendava a
respeito, muito mais, infinitamente, lhes ocultava".
No tambm uma verdade nova para muita gente. Sabemos que,
devido a uma prece de Nossa Senhora, os Santos Evangelhos quase no se
referem a Ela; e que, por sua vez, a Teologia teve que fazer um admirvel
trabalho de deduo das verdades contidas na Escritura, para formar atravs
dos sculos a Mariologia.
Tpico 4: "Deus Pai consentiu que jamais, em Sua vida, Ela fizesse
algum milagre, pelo menos um milagre visvel e retumbante, conquanto lhe
tivesse outorgado o poder de faz-los. Deus Filho consentiu que Ela no
falasse, se bem que lhe houvesse comunicado a sabedoria divina. Deus
Esprito Santo consentiu que os apstolos e evangelistas a Ela mal se
referissem, e apenas no que fosse necessrio para manifestar Jesus Cristo.
E, no entanto, Ela era a Esposa do Esprito Santo".
-
de se notar que o Esprito Santo, ao ditar os Livros Sagrados,
calou-se sobre Ela, tal a fora da prece que Nossa Senhora dirigira a Deus,
para permanecer oculta.
At aqui a doutrina no nova, por referir-se humildade de Nossa
Senhora. Ao tratar a seguir da Sua grandeza, contudo, veremos que Ela
muito menos conhecida. Deve-se isto a uma espcie de complexo que h
em acentuar sempre o aspecto humilde e pobre, mostrando apenas a sombra
e a penumbra em que Ela quis se ocultar, sem mostrar aquilo que constitui
o contraforte luminoso e muito legtimo de seu ser.
Excelncias das faculdades da alma de Nossa Senhora
Tpico 5: "Maria a obra-prima por excelncia do Altssimo".
Ao olharmos uma noite de cu estrelado, em lugar de considerarmos
apenas as grandezas de Deus - pensamento alis muito louvvel -
saberemos ns contemplar tambm Maria Santssima, incomparavelmente
maior e mais formosa do que cada um dos astros que esto no cu, e de
todos eles no seu conjunto? Sendo Ela a obra-prima da criao, toda a
beleza, toda a grandeza, toda a excelncia que Deus ps no firmamento
pequena em relao que ps n'Ela. O cu que vemos no seno uma
imagem, uma figura da grandeza de Nossa Senhora. Apesar de ser mera
criatura, tudo quanto n'Ela h excede muito, em perfeio, todas essas
belezas criadas, e isto de um modo inexprimvel.
Inteligncia incomparvel - Quando nos deparamos com um
homem muito inteligente, podemos ter o pensamento salutar de que ele,
comparado a Nossa Senhora, mais ignorante que o mais primrio
analfabeto comparado ao maior dos sbios. So Toms de Aquino,
comparado a Ela, era um ignorante, tal a plenitude e a perfeio de Seu
conhecimento.
Sua inteligncia no tem somente toda a perfeio de uma
inteligncia humana qual nada h que acrescentar, mas possui ainda o
conhecimento de todas as coisas que mais alta das criaturas dado
conhecer. Aquilo que no mundo pode haver de mais inteligente, comparado
a Nossa Senhora, zero, cisco, nada. Toda a inteligncia possvel a uma
criatura to excelsa, alargada pela plenitude das graas do Esprito Santo,
Ela a tem. algo, portanto, excelente e sumamente inconcebvel. Quando
rezamos a Ela, devemos ter presente esta excelncia que lhe prpria - a de
ter uma inteligncia incomparvel.
Assim como h dados misteriosos da natureza que escapam
totalmente ao nosso conhecimento - no sabemos, por exemplo, quantos
gros de areia existem em todas as praias da Terra - assim tambm no
temos termo algum de comparao para compreendermos a riqueza da
inteligncia de Nossa Senhora. algo que est fora do nosso alcance, e que
-
no nos possvel imaginar. Pois bem, esta uma verdade que deve estar
sempre muito presente no cabedal dos conhecimentos que sobre Ela
possumos.
Vontade Herica - Passemos s perfeies de Nossa Senhora no que
se refere Sua vontade. Tomemos alguns fatos de herica e sobrenatural
fora de vontade: 1) So Loureno, que, colocado sobre uma grelha,
suporta heroicamente o fogo at que, ao cabo de algum tempo, desafia:
"Podem virar do outro lado, pois deste j estou assado"; 2) Um mrtir da
Tebaida, que, amarrado a uma mesa, foi tentado de todas as formas por
uma mulher; e no tendo mais como resistir tentao, mordeu a prpria
lngua e cuspiu-a fora, a fim de evitar o consentimento. So fatos que
demonstram um verdadeiro e admirvel herosmo. Mas nada so,
comparados ao herosmo de Nossa Senhora, que os supera acima de
qualquer proporo. No passam de um gro de areia, comparado ao globo
terrestre.
O sofrimento que Ela teve consentindo na Paixo de Nosso Senhor,
desejando at o ltimo instante sua consumao plena e tudo sofrendo com
Ele, algo que no pode ser comparado a nada de humano, nem sequer ser
expresso em linguagem desta Terra. Perto de sua "com-Paixo", os
exemplos dados tornam-se insignificantes.
Ela no uma grande santa apenas por ser a Me de Deus. bem
verdade que este o ttulo essencial de Sua santidade, a razo pela qual
recebeu toda as graas. Mas preciso notar ainda que Ela correspondeu
graa e se tornou uma grande santa pela perfeio insondvel de sua
correspondncia, perto da qual toda a generosidade de todos os santos nada
. Santo Anselmo no-lo exprime lapidarmente: "Aquilo que todos os santos
podem conVosco, Vs o podeis s, e sem nenhum deles. Se Vs guardais o
silncio, ningum rogar por mim, ningum me ajudar, mas falai, e todos
rogaro por mim, todos se apressaro a me socorrer". Isto porque Ela a
Me de Deus, Medianeira de todas as graas, e Sua virtude transcende
numa proporo inconcebvel a de todos os demais santos.
Destas afirmaes, nem um vrgula se poder tirar. E preciso
reconhecermos que no temos disto uma noo digna; ficamos, em geral,
em figuras de retrica: "Tu, a mais bela, a mais formosa...". Embora
verdadeiras, mister aprofund-las.
Sensibilidade harmoniosa - Falamos da inteligncia e da vontade de
Nossa Senhora. Falemos da Sua sensibilidade.
Nada h de mais desregrado no homem do que a sensibilidade, como
efeito do pecado original. Sentimos, por exemplo, inclinao para muitas
coisas que moralmente no poderamos querer. Conseqentemente,
precisamos manter uma luta acesa entre a tendncia que temos para o bem
e a nossa inclinao para o mal.
-
Em Nossa Senhora, concebida sem pecado original, no havia esses
desequilbrios. Sua sensibilidade, de uma delicadeza e de uma fora
perfeitas em todas as suas vibraes e em todos os seus movimentos, era
inteiramente ajustada a tudo quanto a razo e a vontade podiam desejar. Era
um ser todo de harmonia, no qual no havia nenhuma das incontveis
misrias provocadas em ns pelo pecado original. Ela foi imaculada desde
o primeiro instante de Seu ser. As perfeies de Maria Santssima
ultrapassam a capacidade humana de conhecimento.
Retomemos o tpico 5: "Maria a obra-prima por excelncia do
Altssimo, cujo conhecimento e domnio Ele reservou para Si".
Que belssima noo! Maria Santssima to grande que o prprio
So Lus Grignion, que no seno um seu pequeno menestrel, j quase
inesgotvel quando fala d'Ela. Ele afirma ser Nossa Senhora to enorme,
to colossal - e o que so estes adjetivos, que de longe Ela transcende? -
que s Deus A conhece em toda a extenso das Suas perfeies. Ns no
podemos sequer ter disto uma plida idia. H n'Ela belezas, h
culminncias, h encantos, h perfeies, h excelncias que escapam e
sempre escaparo completamente ao nosso olhar, e que so somente por
Deus contempladas.
Imaginemos esses universos, essas constelaes imensas de estrelas,
que o homem no conhece e possivelmente jamais conhecer, e cujas
belezas ficam reservadas exclusiva contemplao de Deus. Assim Maria
Santssima. H n'Ela coisas que nunca homem nenhum conhecer,
reservadas que so ao conhecimento exclusivo de Deus Nosso Senhor.
N'Ela h esta nota de incognoscibilidade: paramos extasiados a Seus ps,
compreendendo, aps ter compreendido muito, que o mais que se
compreendeu que quase nada compreendemos. Estamos sempre no Seu
prtico, um prtico para ns demasiadamente grande, tal a Sua excelncia.
Continuemos o tpico 5: "Maria a Me admirvel do Filho, a
quem aprouve humilh-La e ocult-La durante a vida para Lhe favorecer a
humildade, tratando-A de mulher - "mulier" (Jo 2, 4; 19, 26) - como a uma
estrangeira, conquanto em Seu corao A estimasse e amasse mais que a
todos os anjos e homens". So Lus Grignion desenvolveu neste pargrafo a
idia de que, durante a vida, tambm Nosso Senhor A manteve ignorada;
apenas Ele a conhecia.
"Maria a `fonte selada' (Ct 4, 12) e a esposa fiel do Esprito Santo,
onde s Ele pode penetrar". Retorna aqui a idia de Nossa Senhora como
criatura reservada ao conhecimento de Deus.
"Maria o santurio, o repouso da Santssima Trindade, em que
Deus est mais magnfica e divinamente que em qualquer outro lugar do
universo, sem excetuar seu trono sobre os querubins e serafins". Sabemos
que os Anjos da guarda ocupam os graus inferiores na hierarquia
celeste. Tendo certa vez aparecido a uma santa o seu anjo da guarda, ela
-
ajoelhou-se, pensando estar na presena do Altssimo. A grandeza dos
anjos tal que, no Antigo Testamento, em vrias aparies, os homens
julgavam que fossem o prprio Deus. E no Cu h mirades de Anjos. Em
que assombro ficaramos, se os vssemos a todos e ao mesmo tempo! Nossa
Senhora, contudo, est acima de todos eles reunidos. Assim, diante de Sua
insondvel alma, ns nos deparamos novamente com termos imperfeitos de
comparao, e o melhor que podemos dizer que so totalmente
insuficientes.
"... e criatura alguma, pura que seja, pode a penetrar sem um
grande privilgio". Existe, pois, uma categoria de criaturas privilegiadas
que podem penetrar no conhecimento de Nossa Senhora. Essas criaturas
privilegiadas - So Lus Grignion no-lo explica - so aquelas a quem Deus
d, por liberalidade, o dom que o comum das pessoas no tm, de
conhecerem e praticarem a devoo a Nossa Senhora do modo especial por
ele ensinado. E os "apstolos dos ltimos tempos", de que ele nos fala,
tero esse dom. Por isso sero terrveis no combate ao mal e eficacssimos
na defesa do bem. Sero almas elevadssimas, que tero a graa de penetrar
neste umbral da devoo a Nossa Senhora.
Outras qualidades de Maria Santssima
Tpico 6: "Digo com os santos: Maria Santssima o paraso
terrestre do novo Ado". O paraso terrestre era de encantos, de delcias, de
perfeies. So Lus Grignion diz que Nosso Senhor estava no ventre
purssimo de Maria Santssima com a excelncia e a perfeio com que
Ado estava no paraso; Nossa Senhora, durante a concepo, era o paraso
do novo Ado, Jesus Cristo.
Quando recebemos na comunho este mesmo Jesus Cristo,
acostumado que est a tais parasos, perguntamo-nos: o que achar Ele da
nossa hospitalidade? Oferecemos-Lhe ao menos - a Ele que condescende
em descer nossa choupana - o modestssimo luxo de uma casa limpa?
"... no qual Este se encarnou por obra do Esprito Santo, para a
operar maravilhas incompreensveis". Nosso Senhor, durante a Sua vida
em Maria Santssima - e esta uma belssima idia que So Lus Grignion
desenvolver mais tarde - quando Ela era o tabernculo no qual Ele
habitava, j a operou maravilhas. So Lus Grignion comps uma orao
dirigida a Nosso Senhor enquanto vivendo em Maria Santssima: "O Iesu,
vivens in Maria".
"... o grande, o divino mundo de Deus, onde h belezas e tesouros
inefveis. a magnificncia de Deus, em que Ele escondeu, como em Seu
seio, Seu Filho nico, e n'Ele tudo que h de mais excelente e mais
precioso. Oh! Que grandes coisas escondidas Deus todo-poderoso realizou
nesta criatura admirvel, di-lo Ela mesma, como obrigada, apesar de Sua
-
humildade profunda: `Fecit mihi magna qui potens est' (Lc 1, 49) ". O
sentido inteiro deste canto do Magnificat, s o compreenderemos se
considerarmos quem Nossa Senhora. Realmente, preciso lembrarmo-
nos do poder de Deus, para compreender que Ele possa ter operado essas
maravilhas que n'Ela operou.
"... O mundo desconhece estas coisas porque inapto e indigno".
So Lus Grignion referiu-se a uma raa (no sentido teolgico, e no
biolgico) misteriosa, qual Deus concede o favor nico de poder penetrar
nos umbrais desta devoo. Ele nos fala agora de uma raa m, que por sua
maldade, por sua impureza, por sua indignidade, detesta tudo isto. o
reverso da medalha.
Devoo a Nossa Senhora: caracterstica da santidade
Tpico 7: "Os santos disseram coisas admirveis desta cidade santa
de Deus; e nunca foram to eloqentes nem mais felizes - eles o confessam
- do que ao tom-La como tema de suas palavras e de seus escritos".
Este trecho evidencia-nos uma verdade muito importante. No se
deve pensar que a devoo a Nossa Senhora um estilo de santidade
inaugurado por So Lus Grignion ou levado por ele ao ltimo grau de
intensidade. A devoo especialssima e intensssima a Nossa Senhora
caracterstica de todos os santos. Embora no se possa dizer que todos a
tenham levado ao ponto a que a levou So Lus Grignion, estudando a vida
de piedade de qualquer deles notamos sempre uma devoo ardentssima a
Ela, que a dominante logo abaixo do culto a Deus Nosso Senhor.
Essa devoo, contudo, se reveste em cada um de aspectos
particulares. raro, neste sentido, encontrar algum santo que no tenha
encontrado um aspecto novo de piedade em relao a Nossa Senhora. E no
h um s que no conhea dever intercesso d'Ela no s o seu progresso
espiritual, mas at mesmo a sua perseverana. Todos passaram por duras
provas espirituais, das quais se viram livres por uma interveno especial
d'Ela.
So Francisco de Sales, por exemplo, teve em sua juventude uma
terrvel crise, relativa ao problema de sua predestinao. Estudando o
assunto, ficou como que tragado pelo abismo do problema, e foi duramente
assediado pelo demnio, que lhe insuflava qua a predestinao no era para
ele. Isto lhe causou uma tremenda depresso. Comeou a emagrecer, a
perder a sade, nada havia que lhe restitusse a paz alma. Certo dia,
rezando diante de uma imagem de Nossa Senhora, pediu-Lhe que, ainda
que tivesse que ir para o inferno, mesmo assim lhe fosse dado no ofender
a Deus na Terra, pois o que o apavorava do inferno no era o tormento, mas
a idia de ofender eternamente a Deus. E recitava "Memorare, o piissima
Virgo Maria", que estava escrito embaixo da imagem. Ele mesmo nos
-
conta que, logo aps o trmino da orao, restabeleceu-se em sua alma uma
paz admirvel. Viu ento claramente todo o jogo do demnio, de que
estava sendo vtima, e recuperou aquela serenidade que viria a ser a nota
dominante de toda a sua vida espiritual.
Encontramos na vida de todos os santos esta constante, de uma
particular devoo a Nossa Senhora. Ela , pois, uma caracterstica segura
da verdadeira piedade, e devemos absolutamente duvidar da santidade de
algum que no a possua.
Seria sofisma dizer algo que especial para todos, por isso mesmo
no o ser para ningum. Uma me de muitos filhos tem, para com cada
um, carinho especial; e cada filho ama a prpria me de um modo
particular. Assim, devemos cada qual amar Nossa Senhora de maneira
inteiramente prpria, especial e inconfundvel. Ela, por sua vez, ter para
conosco um carinho que no ser um carinho genrico, de quem dissesse:
"toda aquela gente, eu a amo"; mas um carinho todo particular, que pousar
sobre cada um de ns, individualmente considerados, como se s ns
existssemos na face da Terra.
Maria Santssima a Onipotncia Suplicante
"...E depois, proclamam que impossvel perceber a altura dos Seus
mritos, que Ela elevou at ao trono da Divindade; que a amplitude da Sua
caridade, mais extensa que a Terra, no se pode medir; que est alm de
toda compreenso a grandeza do poder que Ela exerce sobre o prprio
Deus".
Por ser este Seu poder to grande, que se exerce at sobre o prprio
Deus, os telogos tm-Na chamado de "onipotncia suplicante". Parece
haver, primeira vista, uma contradio nos termos, pois quem suplica,
nada pode. Ela, porm, de fato a onipotncia suplicante, porque Sua
splica pode tudo sobre Aquele que onipotente. Desta maneira Ela pode,
na prtica, absolutamente tudo.
Todo o exposto nesta introduo no nos deve ficar como tiradas
piedosas e ocas. preciso que fique compreensvel, razovel, como
tudo que brota da razo com base na F. Devemos encontrar nisto
substancioso alimento; deve servir-nos de combustvel, e no apenas de
incenso.
Estas afirmaes no devem ficar no vcuo. preciso sabermos
aplic-las concretamente em nossa vida espiritual, nas dificuldades, nos
problemas, nas lutas. preciso lembrarmo-nos de que Nossa Senhora a
onipotncia suplicante, e termos n'Ela uma confiana ilimitada. Mas
nem sempre a temos to arraigada no esprito quanto desejaramos.
Imaginemos, por exemplo, que Deus aparea nossa me terrena, e
lhe d a possibilidade de nos fazer todo o bem que quiser. Ficaramos
-
radiantes, evidentemente, pois tudo conseguiramos facilmente. Ora, Nossa
Senhora nos ama imensamente mais do que todas as mes terrenas reunidas
amariam seu filho nico. Por issodeveramos ficar muito mais contentes
em saber que Ela no Cu olha para ns, do que com a idia de uma
proteo eficacssima de nossa me terrena.
-
CAPTULO I: NECESSIDADE DA DEVOO
SANTSSIMA VIRGEM
Este captulo foi escrito para demonstrar que a devoo Santssima
Virgem necessria. Procuremos explicar a tese de So Lus Grignion. Ele
quer demonstrar que, sem uma devoo a Maria Santssima - mas uma
devoo proporcionada s grandezas que acabamos de ver na introduo -
no existe vida espiritual possvel, pois a vida espiritual exige esta forma de
devoo a Maria Santssima.
Atraio a ateno para o fato de que a demonstrao que ele faz dessa
tese muito exata, mas no muito explcita primeira vista. preciso ler
o captulo com muita ateno, para se compreender onde ele quer chegar.
Para tratar da necessidade da devoo a Nossa Senhora ele faz um
prembulo, e depois desenvolve propriamente a demonstrao. Nesse
prembulo So Lus Grignion estabelece qual o alcance da palavra
necessidade. No se trata de dizer que Deus precise absolutamente de Nossa
Senhora para salvar as almas; sendo onipotente e sendo perfeito, Ele no
necessita de ningum. Assim, poderia Ele ter criado uma situao em que
Nossa Senhora no existisse e as almas tambm se salvassem, pois Ele est
acima de tudo. A necessidade de Nossa Senhora na vida espiritual de
outro gnero. Uma vez que Deus A criou, dando-lhe, por um ato librrimo
de Sua vontade, determinadas perfeies e atribuies, entre as quais a
mediao universal, a devoo a Ela necessria. Em outras palavras, a
Igreja Catlica no sustenta que Deus precise de Nossa Senhora, mas que
Deus quis que Ela fosse necessria nossa salvao. Ele liberrimamente
assim o quis, e estabeleceu uma situao em que Ela se tornou necessria.
Na demonstrao desta tese, So Lus Grignion supe uma srie de
noes que preciso lembrar, porque ele no as enuncia explicitamente.
Neste particular ele se parece com So Paulo. O Apstolo vai dizendo as
coisas umas aps as outras, deixando at algumas frases sem ligao com
as anteriores; h em suas epstolas alguns pontos que confundem o esprito.
O prprio So Pedro diz, numa de suas epstolas, que So Paulo difcil de
entender. Assim, tambm So Lus Grignion supe como conhecidos certos
pressupostos que preciso lembrar, para se ter inteiramente claro o fio de
seu raciocnio.
-
ARTIGO I: PRIMEIRO PRINCPIO: Deus quis servir-se de
Maria na Encarnao
Importncia da Encarnao
A demonstrao que So Lus Grignion faz da necessidade da
devoo a Nossa Senhora est baseada no papel que Ela teve na
Encarnao. Vamos, antes de tudo, impostar bem a questo.
A primeira tese que preciso lembrar a da suma importncia da
Encarnao na obra da Criao. Os telogos discutem entre si um ponto a
este respeito. Dizem alguns que a Encarnao no se teria dado se o
homem no tivesse pecado, e outros dizem que ela ter-se-ia dado, ainda que
o homem no tivesse pecado. Da concluem os primeiros que, embora
tendo sido um mal, o pecado original importou em uma vantagem para o
homem, e por isso que a Liturgia canta no Sbado Santo "O felix culpa" -
culpa feliz, que nos mereceu um tal Salvador. Sem o pecado original, no
teramos tido a felicidade de ter o Salvador.
De um modo ou de outro, quer se admita uma ou outra tese, devemos
reconhecer que a Encarnao do Verbo no um episdio entre outros da
Histria da Humanidade, mas , como a Redeno, um episdio
culminante. Sendo Deus Aquele que , exceo feita da gerao do Verbo e
da processo do Esprito Santo, nunca se passou nada que, de longe,
pudesse ser to importante como a Encarnao do Verbo. um fato
relacionado com a prpria natureza divina, e tudo o que diz respeito a Deus
incomparavelmente mais importante do que tudo que diga respeito ao
homem. A Encarnao de Deus transcende a tudo em importncia.
Papel de Nossa Senhora na Encarnao
Por esse motivo o papel de Nossa Senhora na Encarnao situa bem
o papel d'Ela em todos os planos divinos, e precisamente no que eles tm
de mais importante e de mais fundamental.
Achamos admirvel, por exemplo, Nosso Senhor ter escolhido
Constantino para tirar a Igreja das catacumbas. Mas o que isto, perto de
ter escolhido Nossa Senhora para n'Ela ser gerado o Salvador?
Absolutamente nada. Ns admiramos muito Anchieta, porque ele
evangelizou o Brasil. Mas o que evangelizar um pas, em comparao
com o cooperar na Encarnao do Verbo? Nada!
Digamos que se tratasse de salvar o mundo de sua crise atual e de
restabelecer o reino de Cristo, e suponhamos que Nosso Senhor escolhesse
um s homem para essa tarefa. Ns acharamos esta misso algo de
formidvel, e com razo. Mas o que seria isto, em comparao com a
misso de Nossa Senhora? Nada! Ela situa-se num plano que est fora de
-
comparao com a misso histrica de qualquer homem, inclusive com a
de So Pedro, por incrvel que parea, apesar de ter sido ele o primeiro
Papa. O papel de Maria est fora de comparao com o papel de So
Pedro.
A respeito de Nossa Senhora, sempre se obrigado a repetir a
expresso "fora de comparao", porque Ela faz estalar todo vocabulrio
humano. H uma tal desproporo entre Ela e todas as criaturas, que a
nica coisa segura que se pode dizer que fora de comparao.
Lembradas essas noes, devemos concluir que estudar a
participao de Nossa Senhora na Encarnao estudar o Seu papel no
acontecimento mais importante de todos os tempos. E qual foi esse papel?
So Lus Grignion responde, analisando a participao das trs Pessoas da
Santssima Trindade na Encarnao - o papel do Padre, do Filho e do
Esprito Santo - e depois a cooperao de Nossa Senhora com o Padre, com
o Filho e com o Esprito Santo.
A COOPERAO DE NOSSA SENHORA COM O PADRE
ETERNO
Conforme a linguagem das Escrituras, Nosso Senhor foi mandado ao
mundo pelo Padre Eterno para salvar os homens. O Antigo Testamento,
numa das suas profecias, diz de Nosso Senhor: "Eis que venho, como est
escrito de mim no rolo do livro, para fazer a Tua vontade" (Ps. XXXIX, 8-
9). Jesus Cristo fala constantemente de Seu Pai Celeste, como sendo
Aquele que O enviou, Aquele que Se manifestou sobre Ele, considerando-
O Seu Filho bem amado, Aquele a Quem Ele invocou quando entregou Seu
esprito, dizendo: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes? " (Mt.
XXVII, 46). Sendo o Padre Eterno Aquele que nos mandou Jesus Cristo,
qual foi o papel de Nossa Senhora neste ato?
A orao de Nossa Senhora na vinda do Messias - Em primeiro
lugar, devemos considerar que o mundo no era mais digno de receber a
Nosso Senhor Jesus Cristo. Em conseqncia, o Padre Eterno o enviou, no
por causa do mundo, mas por causa de Nossa Senhora. No s porque foi
Ela quem o pediu - e se Ela no tivesse pedido a vinda de Nosso Senhor,
Ele no teria vindo - mas Deus Padre O mandou a Ela, porque s Ela era
digna de O receber.
Nessa perspectiva compreende-se melhor a queixa contida no
Evangelho de So Joo: "Veio para o que era seu, e os seus no O
receberam" (Jo, I, 11). Os seus no O receberiam, mas Nossa Senhora O
receberia de modo sublime, e por isso Ele veio. Veio porque encontrou
Nossa Senhora no mundo, e se no A tivesse encontrado, no teria vindo. A
vinda d'Ele ao mundo o produto da presena e das oraes da Virgem
Santssima.
-
Dessa forma colaborou Ela com o ato do Padre Eterno pelo qual
Jesus Cristo foi mandado ao mundo.
A participao de Nossa Senhora na fecundidade do Padre
Eterno - Alm disso, o Padre Eterno comunicou a Nossa Senhora Sua
fecundidade, para que Ela pudesse gerar a Jesus Cristo. O Padre Eterno
de uma fecundidade infinita. Sua fecundidade tal, que a idia que Ele tem
de Si mesmo j uma Pessoa Divina. Pois bem, Ele comunicou a Nossa
Senhora Sua fecundidade, para que Ela gerasse a Jesus Cristo e a todos os
membros do Corpo Mstico de Cristo. Nossa Senhora , pois, Me dos
fiis, no apenas no sentido alegrico e metafrico (Ela nos quer bem como
se fosse nossa me), mas verdadeiramente nossa Me na ordem da graa.
E essa maternidade divina existe, porque o Padre Eterno lhe comunicou a
Sua fecundidade.
O poder da orao de Nossa Senhora e a nossa vida espiritual
Podemos tirar aplicaes para nossa vida espiritual, tanto do fato de a
orao de Nossa Senhora ter apressado a vinda do Messias, quanto de ter
Ela recebido do Padre Eterno sua fecundidade. Considerando Nossa
Senhora capaz de, com a sua prece, apressar a vinda do Messias, que
aplicaes podemos tirar?
Devemos primeiramente considerar a Santssima Virgem no seu zelo
pela causa de Deus. Na orao que fazia, Ela certamente considerara - isto
de F - a situao, que atingira um pice de misria moral, em que tinha
cado o povo eleito. Nessa orao, portanto, Ela desejava ardentemente que
Israel fosse reerguido sua antiga condio. Considerava ainda a
decadncia da Humanidade, sabendo melhor que ningum quantas almas
estavam se perdendo naquela era pag, e vendo a glria de Satans a
imperar sobre o mundo antigo.
Maria Santssima fez ento na Terra o papel de So Miguel Arcanjo
no Cu. Sua orao, pedindo que Deus viesse Terra, equivale ao "Quis ut
Deus? " do Arcanjo. Ela que se levanta contra esse estado de coisas, s
Ela que tem a orao bastante poderosa para desferir um golpe que tudo
transforma.
Ento, a plenitude dos tempos que se encerram: Nosso Senhor Jesus
Cristo nasce, e toda a humanidade reconstruda, regenerada, elevada e
santificada por Nossa Senhora. As almas comeam a se salvar em profuso,
as portas do Cu abrem-se, o inferno esmagado, a morte destruda, a
Igreja Catlica floresce sobre toda a face da Terra. Tudo como produto da
orao de Nossa Senhora.
No verdade que Nossa Senhora, tambm sob este aspecto, se
apresenta a ns como um verdadeiro modelo? No devemos desejar em
nossos dias a vitria de Nosso Senhor, como Maria Santssima a desejou
-
em sua poca? No h uma analogia absoluta entre o ardor com que Ela
desejou a instaurao do reino de Cristo na Terra e o ardor com que o
devemos desejar em nossos dias? No verdade que, se a orao d'Ela foi
necessria para a realizao da Encarnao, indispensvel tambm para
que consigamos em nossos dias a vitria de Jesus Cristo no mundo?
Quando nos esfalfamos na luta pela vitria de Jesus Cristo em nossos dias,
lembramo-nos de rezar a Nossa Senhora? Quando rezamos a Ela,
lembramo-nos de pedir esta graa?
No seria uma boa orao se, por exemplo, ao contemplarmos o
mistrio da Anunciao na primeira dezena do tero, tivssemos em mente
Nossa Senhora que pede a vinda do Salvador? E muito apropriado seria
pedirmos a Ela que Jesus Cristo novamente triunfe no mundo, e ainda
contemplarmos a vinda do Salvador e a futura vitria da Igreja Catlica.
No temos a uma boa aplicao desses Mistrios para a vida espiritual?
No assim que ela deve ser vista, vivida e conduzida? Isto no muito
mais slido que um arrastado murmrio piedoso? com essas verdades de
F que se alimenta a piedade. Com verdades destas h nutrimento em
quantidade para a vida espiritual.
Contemplemos Nossa Senhora apressando, com Sua orao, a vinda
do Messias. No verdade que Nosso Senhor vem a ns tambm no
momento da Comunho? No verdade que podemos e devemos pedir a
Ela, quando nos preparamos para receb-Lo, algo dos sentimentos com
que Ela O recebeu quando Ele se encarnou?
Se desejamos conseguir para algum a graa da comunho diria,
no ser til pedir a Nossa Senhora que consiga para aquela alma a vinda
quotidiana de Nosso Senhor, lembrando-A da eficcia da prece com que
obteve a vinda de Jesus Cristo para o mundo?
A participao de Nossa Senhora na fecundidade do Padre
Eterno e nossa vida espiritual
Consideremos a participao de Nossa Senhora na fecundidade do
Padre Eterno para gerar membros do Corpo Mstico de Cristo. Todo fiel
um membro deste Corpo Mstico. Quando passamos junto ao batistrio,
devemos nos lembrar de fazer uma orao rogando Santssima Virgem
que Ela nos leve, at o momento da morte, na perseverana graa que
ento recebemos, e que nos confirme nessa graa a vida inteira. Junto a
essa mesma pia batismal que nos viu entrar para o seio da Igreja Catlica,
lugar onde nascemos para a vida sobrenatural e onde, graas a uma prece
de Nossa Senhora e fecundidade de Deus Nosso Senhor, fomos gerados
membros do Corpo Mstico de Cristo, do qual Nossa Senhora Me
verdadeira.
-
Lembremo-nos de que fomos gerados para a vida da graa por Nossa
Senhora, com a participao da prpria fecundidade do Padre Eterno; e de
que recebemos essa vida por meio d'Ela, de modo inteiramente gratuito,
porque sem as oraes e sem a participao d'Ela no a teramos obtido.
Tudo isto nos permite, pois, pedir-Lhe que nos mantenha nessa graa, e que
a cumule ainda com a virtude do senso catlico - coroao dessa unio
extremamente ntima com Cristo - que recebemos pelo ministrio d'Ela.
A piedade deve consistir em formar disposies de esprito que
tenham base nessas verdades ensinadas pela Igreja e pela Teologia, e no
em meros sentimentos. Verdades como essas que produzem uma
devoo a Nossa Senhora muito boa, muito sria e muito slida. Assim
que se constri a verdadeira devoo a Nossa Senhora, e que se
alicera a verdadeira vida espiritual.
A COOPERAO DE NOSSA SENHORA COM DEUS
FILHO
Nosso Senhor, formado no seio virginal de Maria Santssima -
Em primeiro lugar, devemos considerar a Encarnao do Filho em Nossa
Senhora.
H um livro do Padre J. M. (que no se pode recomendar a qualquer
pessoa) em que ele estuda o processo da maternidade e da vida de Nosso
Senhor em Nossa Senhora: como Ela, pelo processo da maternidade, foi
gradualmente fornecendo-Lhe a sua carne e o seu sangue; como foi sendo
formado, dentro de seu seio virginal, o corpo de Nosso Senhor, unido
divindade pela unio hiposttica. A participao d'Ela no mistrio da
Encarnao imensa. Considerando que o corpo de Nosso Senhor, Sua
carne e Seu sangue, so carne da carne e sangue do sangue de Nossa
Senhora, no se pode imaginar maior intimidade com Deus. O papel de
Nossa Senhora nesse mistrio foi tal, que Deus quis que Ela antes desse o
Seu consentimento, para depois dar a Sua Carne, o Seu Sangue e, portanto,
algo de seu prprio Ser.
Como diz So Lus Grignion, foi vontade de Deus Padre que Nosso
Senhor ficasse contido n'Ela como dentro de uma arca, de um tabernculo,
em que Ele operava maravilhas de graa s por Ela conhecidas. E foi
dentro d'Ela, como dentro de um santurio, que Nosso Senhor Jesus Cristo
comeou a dar glria ao Padre Eterno. No prprio momento em que
comeou a existir a unio hiposttica, Deus recebeu de Nosso Senhor Jesus
Cristo um ato perfeito de amor, o mais perfeito que jamais se deu na Terra.
Ningum jamais prestou um ato de amor to perfeito a Deus quanto a
humanidade santssima de Nosso Senhor Jesus Cristo.
So Lus Grignion mostra ainda como Jesus Cristo, que era Senhor
onipotente, contido dentro de Nossa Senhora, deixou-Se transportar para
-
onde Ela o quis, no s pelas montanhas da Judia para visitar Santa Isabel,
como por todos os lugares pelos quais Ela o quis.
A seguir, ele desenvolve a tese de que Nossa Senhora foi incumbida
de criar Nosso Senhor e de O governar em Sua infncia. Era uma infncia
em que Ele tinha para com Ela as mesmas relaes de uma criana para
com sua me. Pois seria falso imaginar que, na presena de outros, Nosso
Senhor fazia o papel de criana, mas que, quando no havia ningum,
apresentava-se como Deus. Ele estava junto a Nossa Senhora sempre como
uma criana, e Ela sabia que Ele era Deus, e tratava aquela criana como
quem trata a um Deus.
Depois Nosso Senhor cresceu, passando trinta anos de Sua vida junto
d'Ela, e consagrando aos homens somente trs. Por fim, Ela O levou at o
alto da cruz, e do alto da cruz ofereceu-O a Deus.
So Lus Grignion resume o papel de Nossa Senhora na
Redeno: Ela gerou a vtima, Ela criou a vtima, Ela acariciou a
vtima, Ela conduziu a vtima ao altar do sacrifcio, e Ela mesma
imolou a vtima. Porque verdadeiramente Nosso Senhor morreu com o
consentimento de Nossa Senhora. Ela quis que Ele sofresse tudo o que
sofreu, e Ela quis que Ele morresse da maneira como morreu. Ela consentiu
naquela morte, estava de acordo. Ela queria que a morte de Seu Filho fosse
daquela forma.
O papel d'Ela na Encarnao e na Redeno do gnero humano um
papel imenso; um papel como maior no poderia ser.
Devoo a Nossa Senhora e apostolado
H aplicaes maravilhosas para nossa vida espiritual, a tirar destas
consideraes: Nosso Senhor vivendo trinta anos sob a dependncia de
Nossa Senhora.
Em nossa vida de piedade, por exemplo, que importncia damos,
respectivamente, nossa unio com Nossa Senhora e ao nosso
apostolado? Temos a impresso de que nosso apostolado muito mais
importante que a nossa unio com Nossa Senhora. E isso de tal modo que
temos, de um lado, nosso quarto de hora de orao a Ela, e depois nosso
"enorme" apostolado. Nosso Senhor nos d o exemplo do
contrrio. Tempo dado unio com Nossa Senhora: trinta anos; ao
apostolado: trs.
Podemos bem compreender o que representa de homenagem -
homenagem de um Deus, a palavra parece at absurda! - e de glria
para Ela o Verbo Encarnado vir ao mundo e passar trinta anos junto
d'Ela, dedicando apenas trs realizao de Sua misso. Podemos bem
compreender o que significa a graa de estar junto de Maria Santssima.
-
Assim sendo, quando vamos fazer uma visita a Nossa Senhora numa
igreja, podemos nos unir a esses sentimentos de Nosso Senhor. Convm
que interrompamos com freqncia nossas atividades, e entremos
numa igreja para fazer uma visita a Maria com esta inteno: imitar a
Nosso Senhor, que no se apressou em iniciar desde logo Sua vida
pblica, mas consagrou trinta anos a estar junto de Nossa Senhora.
Vou seguir Seu exemplo; por isso peo-Lhe que, dada a minha
impossibilidade de agradar como devo a Nossa Senhora, que Ele A agrade
por mim neste momento. Quando me coloco diante do tabernculo, devo
pedir a Nosso Senhor a graa de que, em meu nome, Ele trate Nossa
Senhora como eu gostaria de o fazer, embora eu seja incapaz.
Eis uma boa visita ao Santssimo Sacramento e a Nossa
Senhora. Com isto se constri uma vida espiritual digna desse nome.
Mas preciso que tenhamos em mente todas essas idias, esses princpios,
que eles estejam sempre presentes, para que possam ser utilizados quando
as ocasies se apresentarem.
Pelo acima exposto, vemos como seria tolo dizer que h secura ou
geometrismo na piedade, por parte de quem assim procede. O que a no se
pode desejar o vcuo, a basfia. Pois o que recomendamos no
secura nem geometrismo, mas coerncia: a inteligncia ilumina, a
vontade quer, e a sensibilidade acompanha o preito de amor da
vontade. E se acaso a sensibilidade no acompanhar, no ter maior
importncia, pois o ato de amor estar feito. O amor reside na vontade.
No se trata, portanto, de experimentar uma espcie de
consolao sensvel, de sentir o trmulo da comoo, para s ento
rezar. Trata-se, sim, de ter convico e resoluo. A F nos ensina que
Nossa Senhora imensamente bondosa, e por isso vamos a Ela com
confiana. uma considerao racional, que no nasceu da sensibilidade.
Essa atitude racional na orao, a construo de uma vida de piedade toda
ela alicerada sobre convices recebidas da F, que a razo manipula para
a vida espiritual, isso sim verdadeiramente a seriedade na vida de
piedade. E no apenas para produzir uma fasca passageira de emoo
mariana; o que desejamos produzir convices profundas e construir
uma estrutura de esprito til vida espiritual.
A intimidade entre Nosso Senhor e Nossa Senhora aplicada
nossa vida espiritual
So Lus Grignion lembra, entre outras coisas, que Nosso Senhor, no
perodo de Sua gestao, enclausurou-se dentro do ventre purssimo de
Nossa Senhora, e que a encontrou para Si um tabernculo perfeito. Para
compreendermos bem o que isto significa, interessante apelarmos para
certos conceitos subjacentes seo "Ambientes, Costumes,
-
Civilizaes", de "Catolicismo". Estando no ventre de Nossa Senhora no
perodo de Sua gestao, Nosso Senhor a encontrou todo o necessrio para
suas delcias espirituais. Havia ali um ambiente, uma atmosfera que Lhe era
perfeita, graas s virtudes excelsas de Maria Santssima. Durante esse
perodo, Nosso Senhor teve com Ela uma unio verdadeiramente
incomparvel.
J consideramos o fato de que, nesse perodo, Nossa Senhora que
vai fornecendo sua prpria carne e seu prprio sangue para a formao do
corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Havia uma atividade em extremo
ntima entre Ele e Ela, sendo preciso notar que Nosso Senhor teve o uso da
razo desde o primeiro instante do Seu ser. Ele, portanto, vivia em Nossa
Senhora dispondo j completamente de Sua inteligncia. Podemos imaginar
a intimidade entre eles, o alto grau de cada ato de amor? A cada
colaborao que Ela prestava para a formao de Seu corpo, correspondia
da parte d'Ele uma srie de graas a Ela concedidas. Durante a gestao de
Nosso Senhor havia, portanto, entre Ele e Sua Me, uma unio
verdadeiramente inexprimvel e de uma sublimidade incomparvel.
Em que sentido a considerao dessa unio nos pode ser benfica? O
homem, na Igreja Catlica, encontra-se diante de um firmamento de
verdades. Assim como, colocados diante do firmamento fsico,
contemplamos inmeras maravilhas que enriquecem a nossa alma, assim
tambm, no firmamento de verdades da Igreja Catlica, poucas maravilhas
podemos contemplar to grandes quanto a intimidade de uma alma
inteiramente humana - como era a de Nossa Senhora - com Nosso Senhor
Jesus Cristo, durante o tempo da Sua gestao.
Essa unio d-nos uma idia da intimidade que tambm ns podemos
ter com Nosso Senhor, atravs da nossa santificao. Faz-nos compreender
um pouco o que a vida da graa, e d-nos a apetncia de maior unio com
Jesus Cristo.
Estas consideraes no devem ficar no vcuo. Na vida
espiritual, devemos ter propriamente apetncia destes dons
sobrenaturais, devemos desejar a unio com Deus e os bens eternos. O
que caracteriza o catlico, diferenciando-o do no catlico, que para o
catlico o desejo destes bens sobrenaturais e eternos a dominante na
vida; sua felicidade deve nisto consistir, e no na concupiscncia dos
bens terrenos. E nesta atmosfera que podemos imaginar o que
significava a intimidade de Nosso Senhor com Nossa Senhora durante o
perodo da gestao.
So Joo Batista, prottipo do devoto de Nossa Senhora - So
Lus Grignion lembra-nos ainda outra importante passagem do Evangelho:
Nossa Senhora praticando seu primeiro milagre da graa em So Joo
Batista. algo, para ns, de muita significao. Conta o Evangelho que,
dirigindo Nossa Senhora a palavra a Santa Isabel, So Joo Batista
-
estremeceu de gozo em seu ventre, a tal ponto que ela o disse a Nossa
Senhora. Como homem predestinado que era, o Precursor estremeceu de
gozo ao ouvir a voz da Santssima Virgem.
Se considerarmos quem foi So Joo Batista, e quais os traos
caractersticos de sua alma, compreenderemos o efeito que a voz de Nossa
Senhora operou nele. Grande asceta, ele foi por excelncia o homem da
pureza, dando-nos a idia de possuir - o que uma graa de Nossa Senhora
- um domnio extremo sobre si mesmo. Em segundo lugar, So Joo Batista
o homem que leva o desassombro e o esprito de combatividade ao ltimo
ponto, tambm por graa de Nossa Senhora. Por fim, So Joo Batista o
mrtir que se deixa decapitar, para manter-se fiel sua pregao - ainda
uma graa de Nossa Senhora.
So Joo Batista , portanto, o prottipo do devoto de Nossa
Senhora, com todas as suas caractersticas.Quando rezamos a So Joo
Batista, no lhe devemos pedir graas vagas, mas pedir que tambm
ns possamos, quando ouvirmos Nossa Senhora nos falar pela voz da
graa, estremecer e imitar as virtudes que ele praticou. De outro lado, quando rezamos pela converso de algum, nada
melhor podemos fazer do que pedir a Nossa Senhora que fale a esta pessoa
palavras riqussimas em graas, analogamente ao que fez com So Joo
Batista. Devemos nos lembrar de que a converso ou o afervoramento de
algum no o produto exclusivo de raciocnios que lhe possamos
apresentar. Dizer, por exemplo, que "dei um argumento poderoso e converti
tal pessoa" uma basfia. "Dei um argumento poderoso e Deus o fecundou
com Sua graa, de tal maneira que a pessoa se converteu" - isto, sim, se
pode dizer. A converso produto da graa de Deus. Nosso argumento
nada mais que mero veculo ou ocasio da graa, e de fato a graa que
opera. Assim sendo, devemos pedir que em nossa voz jamais entrem
acentos humanos, mas que seja apenas a voz de Nossa Senhora, a voz
da graa de Deus. As palavras de Nossa Senhora formando um justo,
fazendo-o estremecer no ventre materno, devem ser um incentivo para
confiarmos n'Ela para o xito de nosso apostolado.
As bodas de Can - Como o primeiro milagre sobre a natureza,
conseguido por Nossa Senhora nas bodas de Can, j tem sido muito
tratado, no necessrio nos determos nele. H contudo um aspecto que
convm ressaltar.
O Evangelho recomenda que o verdadeiro fiel tenha uma F que
transporte montanhas. desta F que Nossa Senhora nos d a exemplo.
Colocada num momento em que Nosso Senhor deveria fazer um milagre,
no tem dvida quanto a Seu poder nem quanto ao fato de que Ele atender
sua orao. Ela se limita simplesmente a dizer queles servidores: "Fazei
tudo o que Ele vos disser" (Jo., II, 5). Ele ordena, ato contnuo, e o milagre
-
se opera. Nossa Senhora nos d, pois, exemplo dessa F que transporta
montanhas, a F atravs da qual se operam as verdadeiras maravilhas.
Por que vemos hoje to poucos milagres? Na Idade Mdia, por
exemplo, quantas manifestaes do sobrenatural! Hoje, quo poucas so as
que podemos contemplar! Por que razo havia antigamente quem
enfrentasse potentados, filsofos e reis mpios, dirigindo-lhes a palavra e
operando suas converses? So hoje - dir-se-ia - coisas impossveis.
Vamos tambm pugilos de catlicos, de cruzados, que entravam em
batalha contra milhares de inimigos da Igreja e destroavam a todos,
porque lhes aparecia Nossa Senhora e lhes dava a vitria. Ou aparecia
Nosso Senhor e dispersava os adversrios.
Batalha de Lepanto, 7 de outubro de 1571, em que os inimigos da Igreja, que eram muito
mais numerosos do que os catlicos, foram derrotados, graas milagrosa interveno de Nossa
Senhora (pintura de Veronese)
-
Por que estas coisas quase no mais acontecem? porque no se
imita a Nossa Senhora, modelo da f que transporta montanhas. O homem
no tem a convico absoluta de que, de fato, Deus est presente e vai
ajud-lo. No tem a convico de que, se pedir, Deus o atender
efetivamente. Deus para ele quase um ente de razo, perdido num cu
muito alto, no tendo com ele nenhum contacto, no intervindo, quase no
se interessando por ele. As verdades da F a respeito da Providncia
Divina, da Sua interveno na vida quotidiana e na vida da Igreja, so
verdades que se admitem, sim, mas no com esprito de F bastante para se
ter, face s dificuldades, a certeza de que Deus intervir no momento
preciso.
Dessas virtudes de Nossa Senhora, o que mais devemos guardar
que, se ao longo de nossa vida de apostolado nos encontrarmos em
situaes de apuro tal que se faa necessrio um milagre de primeira
grandeza, devemos esperar esse milagre; devemos nele confiar, como Ela
confiou diante do apuro daqueles esposos, que a gua seria transformada
em vinho. desta ordem a confiana que devemos ter em Nossa Senhora.
A confiana total em Nossa Senhora - Insisto neste ponto por
causa de uma nota caracterstica de nossa atuao: a desproporo
flagrante, cruel, entre o que queremos fazer e os meios de que dispomos.
Nosso objetivo , pura e simplesmente, a construo de uma nova
civilizao catlica, mas com tudo quanto isto significa, ou seja,
a restaurao do reinado de Jesus Cristo no mundo, de acordo com a
promessa feita por Nossa Senhora em Ftima.
Nossos meios, entretanto, so to ridiculamente insuficientes, que se
no contssemos com o sobrenatural, seria o caso de duvidarmos de nossa
sanidade mental. Quando aqui nos reunimos e nos entreolhamos, somos
tentados a achar que constitumos um grupo j numeroso, dezoito pessoas
j nos parece um grupo numeroso. Por a podemos avaliar qual a nossa
fraqueza, do ponto de vista humano. como um paraltico que quisesse
transportar o Po de Acar com o polegar, e que um dia exclamasse:
"Hoje consegui mexer-me na cama! Portanto estou a caminho de levantar-
me, e quando me levantar estarei a caminho de transportar o Po de
Acar". A desproporo de foras verdadeiramente chocante.
Por isso h momentos em que vem o desnimo. H momentos em
que tudo parece remoto, e h sobretudo ocasies em que, aps
pressentirmos que muitas coisas boas esto por acontecer, ficamos afinal
decepcionados, como se tivssemos uma srie de bilhetes de loteria em
branco na mo. como numa viagem de automvel: ao lado de momentos
agradveis, de conversa animada, h outros em que a estrada parece sem
fim, e temos a impresso de estarmos andando h vrios dias, de ainda
faltar outro tanto, e de que a viagem dever prolongar-se indefinidamente.
-
A vida de apostolado assim. H momentos em que se est animado.
Mas outros h em que tudo parece ir mal, lento e emperrado, e no
conseguimos remover os obstculos. Pois bem, esta a fase urea. Se o
Cardeal Mindszenty pudesse viver uma vida de apostolado como a que
descrevi, ele presumivelmente a acharia uma maravilha.
Passando-se anos e anos nesta vida de trabalhos, tem-se s vezes a
impresso de que se andou muito; outras vezes, de que nada se andou, ou
at de que se andou para trs, o que mais aflitivo. Nestas ocasies
difceis, e sobretudo nas de apuro e dificuldades, em que nada parece ir
adiante, devemos nos lembrar de que Nossa Senhora conseguiu de Deus
o milagre de transformar a gua em vinho. Quem sabe todos esses
nossos esforos iro, de repente, produzir um resultado inesperado, devido
s oraes de Maria Santssima?
s vezes os fatos mais imprevisveis so os que produzem
resultados de apostolado. Do que depende ele, ento? De se ter
perseverana, rezar e fazer tudo em esprito de orao at o fim, at a
ltima possibilidade, certos de que o que tentamos fazer quando tudo
parecia perdido, o que dar o resultado excepcional, acima mesmo do
esperado.
Um ato de apostolado que repercute depois de dezenove sculos -
Convm lembrar a recente descoberta de um arquivo dos essnios (grupo
judaico que viveu no sculo imediatamente anterior ao incio da era crist),
feita numa caverna nas proximidades do Mar Morto. Segundo consta, seus
membros seriam muito amigos de Nosso Senhor, de corao reto, e viviam
em luta contra os fariseus de Jerusalm. Ao que parece, devem ter passado
por alguma tremenda provao, ao fim da qual a nica coisa que puderam
fazer foi tomar todos os seus documentos, coloc-los em vasos de barro,
fech-los cuidadosamente e enterr-los numa caverna. Depois,
desapareceram na Histria.
Mais de 1.900 anos se passaram depois deste ltimo ato de
apostolado do ltimo essnio: o enterro do arquivo na gruta, onde ningum
mais deveria entrar. Ao cabo desse tempo, contudo, pastores entraram na
gruta, encontraram o arquivo e o venderam ao governo americano, que o
divulga profusamente. De acordo com notcias de jornais, h nele coisas
muito curiosas. Alm de trechos de Isaas, que provam ser cannico todo
livro que a Igreja considera como tal, porque coincide perfeitamente com
os textos encontrados, haveria muito material elucidativo a respeito da
Bblia, material este que estaria auxiliando enormemente a exegese
catlica.
Aplicando esse exemplo a ns, podemos considerar que o ltimo
essnio que guardou o arquivo era, possivelmente, um homem desanimado.
Aquele grupo parecia estar condenado ao desaparecimento, e se ele chegou
ao ponto de guardar o arquivo, foi certamente para evitar uma profanao.
-
Esse essnio dificilmente poderia imaginar que seu ltimo ato de
apostolado, seu ltimo ato de amor a uma causa que parecia morta, 1.900
anos mais tarde iria dar enorme glria a Deus.
Em todas as ocasies, pois, em que tudo parecer perdido, deve-se
sempre fazer mais alguma coisa, porqueo que se faz com confiana em
Nossa Senhora o que verdadeiramente tem mrito e o que produz
resultado.
A COOPERAO DE NOSSA SENHORA COM O ESPRITO
SANTO
Mostra-nos So Lus Grignion que a fecundidade do Padre d
origem, por uma gerao eterna, ao Filho; e do amor do Padre e do Filho
procede outra pessoa divina, o Esprito Santo. Gerado o Divino Esprito
Santo, essa fecundidade parecia extinguir-se. Ela vai, entretanto,
manifestar-se novamente em Nossa Senhora. pousando sobre Maria
Santssima, obumbrando-A, que o Esprito Santo gera a Nosso Senhor
Jesus Cristo.
Ela , pois, verdadeiramente a esposa do Esprito Santo, no no
sentido alegrico, mas no sentido estrito da palavra, porque Ele gerou um
filho n'Ela. Nosso Senhor verdadeiramente filho d'Ela, e Ela
verdadeiramente esposa do Esprito Santo. Assim, a participao d'Ela
neste acontecimento de uma sublimidade e de uma intimidade tais com
Deus, que est fora de qualquer paralelo.
Como esposa do Esprito Santo, Nossa Senhora tem ainda um ttulo
especial para a nossa piedade, pois tudo quanto diz respeito F catlica,
ortodoxia e manuteno da fidelidade Igreja, deve ser considerado
como fruto e obra do Esprito Santo em ns. E, enquanto esposa do Esprito
Santo, Nossa Senhora tem sobre Ele aquele poder que, no Antigo
Testamento, tinha Esther sobre o rei Assuero, por ser sua esposa. Assuero,
conta a Sagrada Escritura, havia decretado a morte de todos os judeus de
seu reino; e Esther, pelas simples splicas que lhe apresentou, conseguiu
que a poltica dele fosse inteiramente mudada, e os judeus poupados. Esta
ascendncia, Nossa Senhora a tem sobre o Divino Esprito Santo, podendo
conseguir-nos um tal grau de unio com Ele, uma tal abundncia de graas
das quais Ele a fonte, que, sem a Sua intercesso, ser-nos-ia inteiramente
impossvel conseguir.
A devoo ao Esprito Santo assunto pouco conhecido e pouco
tratado. Fala-se vagamente do Esprito Santo, e poucos so os que se
lembram dos pecados que contra Ele podem ser cometidos. Se tivssemos
idia de nossos deveres para com o Esprito Santo, e de como eles se
ligam diretamente nossa salvao, teramos outro estado de esprito a
respeito.
-
Falando grosso modo, os pecados contra o Esprito Santo que se
conhecem so apenas os gravssimos: negar a verdade conhecida como tal e
desesperar-se da salvao. Mas h numerosas formas midas de pecados
contra Ele - pecados que quase todos cometem - que, sem constiturem
diretamente pecados gravssimos, fazem com que contrariemos a obra do
Esprito Santo em ns. Quantas defeces e estagnaes espirituais no
tm a suas razes!
Negar a verdade conhecida como tal - Analisemos mais
detidamente o pecado de negar a verdade conhecida como tal. Ns,
catlicos, no a negamos porque, com o favor de Nossa Senhora, somos
fiis Igreja Catlica. Mas cada vez que, por amor a um preconceito, a um
capricho, a uma extravagncia da inteligncia, no aderimos a uma verdade
da Santa Igreja, ns ofendemos o Divino Esprito Santo. Cada vez que
queremos ter uma opinio particular, s pelo gosto de ser particular, no
nos preocupando em pensar como a Igreja pensa, estamos contrariando a
obra do Esprito Santo.
Cada vez que, por mania de conservarmos ntegra a nossa
individualidade, aberramos do esprito da Igreja, estamos contrariando a obra do Esprito Santo em nossas almas, a qual visa conformar-nos
inteiramente Igreja Catlica. Nessas ocasies, congelamos o progresso de
nosso senso catlico e, s vezes, at acabamos por ser um escolho para o
apostolado da Igreja e para o desenvolvimento dos interesses catlicos. Por
que? Por falta de correspondncia s graas do Esprito Santo.
Desesperao da salvao - Analisemos agora o pecado que
consiste em desesperar-se da salvao. Ele cometido de forma plena
quando uma pessoa renuncia expressamente a se salvar. Mas h outro
modo, muito freqente at, de se cair em grau menor nesse pecado.
quando nos deixamos influenciar pelo seguinte estado de esprito: "Tenho
tal defeito que jamais conseguirei vencer; alis, um defeito pequeno (por
exemplo, o ter mau gnio), de maneira que no vou combat-lo".
um pecado contra o Esprito Santo. Porque, de fato, Ele nos d
todas as graas necessrias para que possamos vencer todos os nossos
defeitos; se desesperarmos de corrigir algum, estaremos, em ponto
pequeno, fazendo o mesmo que se desesperssemos de nossa salvao. A
graa de Deus nos d foras para nos corrigirmos de todos os nossos
defeitos; se temos um defeito de que no nos corrigimos, somos
indiscutivelmente responsveis por isso.
Outros, para acobertar suas falhas, dizem: "Para uma pessoa com
mentalidade muito especial, determinada coisa pode no ser um defeito,
mas um modo de ser. Em mim, portanto, isto no defeito". Nada de mais
falso! Quando o modo de ser no est de acordo com a razo, e no se
conforma ordem natural das coisas, um modo de ser errado, e
portanto um defeito.
-
Uma pessoa que nasceu com um desvio na espinha poderia dizer:
"Aquele outro, que tinha a espinha direita e depois a entortou, um
defeituoso. Mas em mim, que nasci assim, isto no um defeito". Que
diramos dessa pessoa? Salta vista que defeito ter nascido com a espinha
torta, e que se deve procurar endireit-la. Da mesma forma, um nervoso
poderia dizer: "Em mim, ser nervoso um `tique', uma manifestao
nervosa, um cacoete at interessante; os outros que suportem um pouco.
Que culpa tenho de ser nervoso?" Ora, raciocinando-se desse jeito, poder-
se-ia perguntar que culpa tem o dono de um carro, por ele disparar ladeira a
baixo. Entretanto, se o carro no for freado, dispara mesmo, abalroa os
outros, e o dono ser culpado por todas as pernas e braos quebrados que
houver pelo caminho.
No h culpa por se ter nascido com certos defeitos
temperamentais, mas sem dvida alguma h culpa por no se ter
procurado corrigi-los. O desespero de no se corrigir desses defeitos, de
no conseguir retificar o que h de errado, uma falta de correspondncia
graa de Deus, e , em ponto muito pequeno, um defeito na linha de
desesperar da prpria salvao. De fato, se todos tm obrigao de ser
conformes razo, ningum tem o direito de no o ser, e nisto estaria
cometendo este pecado.
Como evit-lo? Por meio da orao Santssima Virgem. Nossa
Senhora, que a Medianeira universal e necessria de todas as graas, e
por meio de Quem todos os dons do Esprito Santo se conseguem,pode
obter-nos, como Esposa do Esprito Santo, todas essas graas.
enquanto Esposa do Divino Esprito Santo que devemos rezar a Ela.
SEGUNDO PRINCPIO: Deus quer servir-se de Maria na
santificao das almas
Vimos at aqui o que diz So Lus Grignion da cooperao de Nossa
Senhora na Encarnao do Verbo. Ele analisa as trs qualidades d'Ela -
Filha do Padre Eterno, Me do Filho de Deus e Esposa do Esprito Santo -
e mostra quais as relaes que, em face dessas trs qualidades, Ela teve
com a Santssima Trindade na Encarnao do Verbo. E conclui
demonstrando que essas relaes no foram to-somente muito ntimas,
profundamente ntimas, mas foram as mais ntimas das relaes, como alis
fcil conceber.
Pressupostos que demonstram a importncia fundamental da
ao de Nossa Senhora na salvao das almas
So Lus Grignion passa ento a um segundo princpio, cuja
demonstrao pede trs pressupostos:
-
a) Nossa Senhora teve uma participao imensamente ntima,
sumamente ntima, na Encarnao do Verbo;
b) verdade comum da doutrina catlica, e geralmente aceita, que a
ao de gerar o Redentor Nosso Senhor Jesus Cristo, e a de gerar as almas
para a vida da graa, so duas aes que no podem ser consideradas
separadamente.
A razo, segundo a doutrina catlica, est em que Nossa Senhora,
sendo Me de Nosso Senhor Jesus Cristo, que a cabea do Corpo Mstico,
tambm Me do Corpo Mstico de Cristo, pois quem gera a cabea gera
todo o corpo. Sendo Me de Cristo, cabea do Corpo Mstico, Nossa
Senhora necessariamente a Me do Corpo Mstico. No apenas num
sentido figurado ou analgico, Nossa Senhora Me da Igreja Catlica. Ela
o no sentido prprio da palavra, e no somente por ter para conosco certas
relaes e certo sentimento de maternidade, mais ou menos por uma
relao proporcionada, como um tio pode chamar a um sobrinho de "meu
filho". Sendo Ela Me da Cabea, Ela o de todo o Corpo Mstico de
Cristo. Sendo Me da Cabea, Ela o de todos os membros.
Pode-se compreender isto, mesmo deixando de lado qualquer outra
considerao. O Corpo Mstico de Cristo nasceu da Redeno. Ora, tendo
Nossa Senhora gerado o Redentor, compreende-se facilmente qual a ntima
relao d'Ela com a Redeno, porque Ela a geradora d'Aquele que o
prprio artfice da Redeno, d'Aquele que o prprio Redentor. A sua
relao com a Redeno est, pois, dentro da linha da maternidade, o que
Lhe atribui a maternidade sobre todos aqueles que foram gerados para a
vida da graa.
c) Por outro lado, pela prpria natureza das coisas, a converso de
uma pessoa equivale a ser gerado Nosso Senhor Jesus Cristo nela, em
tornar-se ela membro do Corpo Mstico de Cristo, um cristo. Nestas
condies, trabalhar pela extenso da obra da Redeno trabalhar pelo
nascimento de Jesus Cristo nas almas. A converso de uma alma e a
gerao de Nosso Senhor Jesus Cristo so operaes conexas.
Deus gerou Jesus Cristo em Nossa Senhora. Tendo Ela concebido
por obra de Deus, sendo Ela a Me de Deus, esta maternidade perene,
porque as coisas que Deus faz so definitivas. Tendo Ele, pois, dado a Ela
esta qualidade, tendo Ele feito esta operao n'Ela e por meio d'Ela, Ele Se
mantm nesta relao a ttulo definitivo. Portanto, a gerao das almas pela
graa feita n'Ela e por meio d'Ela, posto que as obras de Deus so
definitivas.
Compreenderemos isso melhor imaginando que, por absurdo, Deus
degradasse Nossa Senhora, fazendo que uma obra dessa natureza se
passasse fora d'Ela, apesar de estar Ela ligada com a maternidade. Essa
hiptese s seria possvel se Ela deixasse de merecer. Ns sabemos, porm,
que em sua vida terrena estava Ela confirmada em graa, e que jamais
-
deixou de merecer essa qualidade; e agora, que est no Cu, Ela tambm
no deixar de merecer a mesma qualidade. Portanto, esta relao est
estabelecida a ttulo definitivo.
Desses trs pressupostos, tira So Lus Grignion uma concluso: a
ao de Nossa Senhora na salvao das almas to importante quanto o foi
na Encarnao. Assim como foi primordial o papel d'Ela na Encarnao do
Verbo, assim tambm de suma e essencial importncia na salvao das
almas.
Aplicao desse princpio s relaes de Nossa Senhora com a
Santssima Trindade
Estabelecido esse conceito geral, So Lus Grignion faz aplicaes s
relaes de Nossa Senhora com as trs Pessoas da Santssima Trindade.
Diz ele:
a) Assim como h na ordem natural um pai e uma me, para a
gerao sobrenatural h necessidade de um pai, Deus, e de uma Me,
Maria. Por isso no tem a Deus por Pai quem no tem Maria por Me.
O Padre Eterno quis, em Nossa Senhora, gerar para Si um filho, que
Nosso Senhor Jesus Cristo. E os novos filhos que tem, segundo a graa,
Ele tambm quer ger-los em Nossa Senhora. Desta maneira, at
consumao dos sculos, os filhos de Deus sero gerados em Nossa
Senhora. Assim como a gerao natural supe um pai e uma me - pois
sem pai e me no pode haver gerao - assim tambm h na gerao
sobrenatural um Pai, que Deus, e uma Me, que Maria Santssima.
E So Lus Grignion tira da uma aplicao muito importante: "No
tem Deus por Pai, quem no tiver Maria por Me" (tpico 30). Esta a razo
por que os hereges e os cismticos no gostam de Nossa Senhora; no
querem ter Nossa Senhora por Me, e por isso no tm a Deus por Pai.
um sinal certo de se ter bom ou mau esprito o ter-se maior ou menor
propenso devoo a Maria Santssima.
b) Assim como o Verbo quis formar-se em Nossa Senhora para Sua
vida terrena, assim tambm quer faz-lo para nascer em cada um de ns. "O
desejo de Deus Filho formar-se e, por assim dizer, encarnar-se todos os
dias, por meio de Sua Me, em Seus membros" (tpico 31). Assim como
Ele quis formar-Se e encarnar-Se em Nossa Senhora para Sua vida terrena,
assim quer Ele formar-Se, encarnar-Se em Nossa Senhora para nascer em
cada um de ns.
c) Sendo Maria esposa do Esprito Santo, somente produz Seu fruto,
que Nosso Senhor, nas almas onde Ele A encontra. O Esprito Santo
real