COMISSÕES PERMANENTES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS … · e estar sempre presente, nosso amor me faz...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ JULIA DE OLIVEIRA RUGGI COMISSÕES PERMANENTES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS E LEGISLAÇÃO SOBRE GÊNERO (2011-2012) CURITIBA 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

JULIA DE OLIVEIRA RUGGI

COMISSÕES PERMANENTES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS E LEGISLAÇÃO

SOBRE GÊNERO (2011-2012)

CURITIBA

2015

JULIA DE OLIVEIRA RUGGI

COMISSÕES PERMANENTES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS E LEGISLAÇÃO

SOBRE GÊNERO (2011-2012)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Setor de Ciências Humanas da Universidade Federal do Paraná como requisito para obtenção de titulo de Mestre em Ciência Política. Orientador: Prof. Dr. Fabrício Tomio

CURITIBA

2015

TERMO DE APROVAÇÃO

JULIA DE OLIVEIRA RUGGI

COMISSÕES PERMANENTES DA CÂMARA DOS DEPUTADOS E LEGISLAÇÃO

SOBRE GÊNERO (2011-2012)

Dissertação aprovada como requisito para obtenção de titulo de Mestre em Ciência Política pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Setor de Ciências Humanas da Universidade Federal do Paraná, pela seguinte banca examinadora: Orientador: ______________________________ Prof. Dr. Fabricio Ricardo de Limas Tomio Programa de pós-graduação em Ciência Política, UFPR ______________________________ Prof. Dr. Rodrigo Rossi Horochoviski Programa de pós-graduação em Ciência Política, UFPR _______________________________ Prof. Dr. Rodrigo Luis Kanayama Programa de pós-graduação em Direito, UFPR

À minha família, que me deu raízes e asas.

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente ao meu marido, Rafael, por acreditar tanto em mim

e estar sempre presente, nosso amor me faz querer sempre ser uma pessoa melhor.

Ao meu filho, Daniel, que esperou a banca de qualificação para nascer e desde

então só tem dado mais sentido para a vida.

Agradeço aos meus pais, que colocaram a minha educação como o norte.

Vocês seguraram a minha mão enquanto eu não conseguia caminhar sozinha e

seguram até hoje porque é mais gostoso caminharmos juntos. Agradeço às minhas

irmãs, Ma e Le, minhas melhores amigas, que ajudam a manter meus pés no chão.

Sou muito grata ao meu orientador, Fabrício Tomio, pela direção,

competência e suporte. Também a todos/as os/as professores/as do programa de

Pós-Graduação em Ciência Política, em especial Rodrigo Horochovski e Sergio

Braga, pelas valiosas sugestões na banca de qualificação.

Agradeço aos colegas do mestrado, pela amizade e cumplicidade,

principalmente para as mulheres fantásticas da turma, que imprimiram um colorido

especial a esta experiência: Ana Paula, Jaqueline, Karolina, Maria Leonor, Mariana,

Nárila, Noeli, Paula e Viritiana.

Agradeço à Petrobrás, pela valorização dos/as empregados/as, e aos

queridos/as colegas de trabalho, pelo apoio e paciência durante a realização dos

créditos do mestrado.

Não posso deixar de agradecer ao meu avô João Vermelho, que ficava

realmente feliz discutindo política. E a minha avó Elza, que com todo o carinho fez a

minha vida mais doce. Agradeço também a Nicinha, que sempre torce por mim. E os

outros tantos amigos/as que me ajudaram nesse trajeto tão desgastante e

compensador.

Cabe uma reiteração de agradecimento às professoras Elza e Lennita, que

foram fundamentais na conclusão deste mestrado, revisando, incentivando e

criticando, sendo verdadeiras inspirações na vida acadêmica (e fora dela também).

Por fim, agradeço a Deus, por ter colocado tanta gente boa ao meu redor.

RESUMO

Este trabalho investiga as Comissões Permanentes na Câmara dos Deputados e

sua atividade legislativa relacionada a mulheres nos anos de 2011 e 2012. O

problema de pesquisa verifica dois pontos principais, que se complementam: a)

como se dá a distribuição de deputadas entre as comissões? b) como e em que grau

esta definição afeta o processo decisório nas propostas legislativas relacionadas a

gênero? Para tanto, averiguamos três conjuntos de dados em cinco comissões

selecionadas: 1- As deputadas e seu histórico partidário, profissional e familiar

relacionado à matéria da comissão de atuação; 2 - Propostas de emenda à

constituição e projetos de lei das deputadas que participaram das comissões; bem

como, a totalidade dos projetos votados pela rejeição ou aprovação nas comissões

estudadas; 3 - Por fim, as audiências públicas realizadas nas cinco comissões nos

anos de 2011 e 2012 e projetos de lei relacionados aos temas debatidos em

audiência. No intuito de responder as duas questões principais, trabalhamos com

modelos neoinstitucionalistas e testamos aspectos da hipótese informacional. Como

resultados da pesquisa, confirmamos a hipótese de que existe maior concentração

de mulheres em determinados temas de comissões e que as deputadas, em regra,

permanecem na mesma comissão por mais de um período legislativo. Por outro

lado, foi observado que a profissão anterior das parlamentares não guarda influência

direta com o assunto de cada comissão, e que as audiências públicas não balizam a

apresentação ou votação das proposições legislativas.

Palavras-chave: Comissões Legislativas. Legislação sobre gênero. Deputadas

Federais.

ABSTRACT

This paper investigates the Standing Committees in the House of Representatives

and its legislative activity related to women in 2011 and 2012. The research problem

verifies two main points, which complement each other: a) how is the distribution of

deputies among the commissions? b) how (and to what extent) this definition affects

the decision-making process in the legislative proposals related to gender?

Therefore, we examine three sets of data: 1 - The deputies and their party,

professional and family history related to the field of the chosen committee; 2 - Bills

proposed by female deputies that participated in commissions, as well as all the

projects that were voted for rejection or approval in the committees; 3 - Finally, the

public hearings held in the five commissions in 2011 and 2012 and bills related to the

issues debated at the reunion. In order to address the two key issues, we work with

neo-institutionalists models and test aspects of the informational hypothesis. As

results of the research, to give examples, we confirm the hypothesis that there is a

higher concentration of women in certain topics of commissions and that deputies

generally remain in the same committee for more than one legislative period. On the

other hand, it was observed that previous profession has no direct influence with the

subject of each commission and that public hearings do not affect the proposal or

vote on bills.

Key words: Legislative committees; legislation on gender; federal female deputies.

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 -

DEPUTADAS TITULARES DAS COMISSÕES PERMANENTES DA CÂMARA DE DEPUTADOS – 2012........................................

39

TABELA 2 - FORMA DE APRECIAÇÃO DOS PROJETOS DE LEI SOBRE

GÊNERO....................................................................................... 48

TABELA 3 - DEPUTADAS TITULARES DA CDHM, CSSF, CE, CLP E

CTASP EM 2011 E 2012 E OS SINDICATOS MENCIONADOS NAS BIOGRAFIAS OFICIAIS........................................................

55

TABELA 4 - DEPUTADAS TITULARES DA CDHM, CSSF, CE, CLP E

CTASP EM 2011 E 2012 E AS ASSOCIAÇÕES/ INSTITUTOS MENCIONADOS NAS BIOGRAFIAS OFICIAIS............................

56

TABELA 5 - DEPUTADAS TITULARES DA CDHM, CSSF, CE, CLP E

CTASP EM 2011 E 2012 E AS ORGANIZAÇÕES PARA MULHERES MENCIONADAS NAS BIOGRAFIAS OFICIAIS.......

57

TABELA 6 - RESUMO DAS CARACTERÍSTICAS INFORMACIONAIS........... 58 TABELA 7 - TOTAL DE PLS APRESENTADOS PELAS DEPUTADAS,

RESPECTIVOS PARTIDOS E PL RELACIONADOS A GÊNERO.......................................................................................

61

TABELA 8 - PROJETOS DE LEI SOBRE GÊNERO, DIVIDIDOS POR

TEMAS RECORRENTES.............................................................. 63

TABELA 9 - PROJETOS DE LEI SOBRE GÊNERO SEM PARECER DO

RELATOR, DIVIDIDOS POR TEMAS........................................... 68

TABELA 10 - PROJETOS ANALISADOS PELAS COMISSÕES NO ANO DE

2011............................................................................................... 69

TABELA 11 - PROJETOS ANALISADOS PELAS COMISSÕES NO ANO DE

2012............................................................................................. 69

TABELA 12 - REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIAS PÚBLICAS NAS COMISSÕES

– 2011-2012.................................................................................. 75

TABELA 13 - AUDIÊNCIAS PÚBLICAS REQUERIDAS POR DEPUTADAS –

2011-2012..................................................................................... 75

TABELA 14 - COMPARATIVO ENTRE PRESENÇA FEMININA, PROJETOS

ANALISADOS E AUDIÊNCIAS SOBRE GÊNERO....................... 76

TABELA 15 - PARTICIPAÇÃO DO EXECUTIVO NAS AUDIÊNCIAS

PÚBLICAS SOBRE GÊNERO – 2011-2012 79

LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 - ANOS DE PERMANÊNCIA NA MESMA COMISSÃO DAS DEPUTADAS TITULARES DA CDHM, CSSF, CTASP, CE E CLP................................................................................................

52

GRÁFICO 2 - TRAMITAÇÃO ATUAL DOS PROJETOS DE LEI SOBRE

GÊNERO APRESENTADOS PELAS DEPUTADAS TITULARES DA CDHM, CE, CSSF, CLP E CTASP NOS ANOS DE 2011/2012......................................................................................

66

GRÁFICO 3 - PORCENTAGEM DE MULHERES NO TOTAL DA BANCADA

DE CADA PARTIDO...................................................................... 70

GRÁFICO 4 - PLS SOBRE GÊNERO APRESENTADOS PELAS

DEPUTADAS TITULARES DA CDHM, CLP, CE, CTASP E CSSF EM 2011 E 2012, DIVIDIDOS POR PARTIDO...................

71

GRÁFICO 5 - TOTAL DE PLS APRESENTADOS PELAS DEPUTADAS

TITULARES DA CDHM, CLP, CE, CTASP E CSSF EM 2011 E 2012 E OS PL QUE POSSUEM RELAÇÃO COM GÊNERO.......

72

LISTA DE SIGLAS

CCJ Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania

CDEIC Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio

CDHM Comissão de Direitos Humanos e Minorias

CDU Comissão de Desenvolvimento Urbano

CE Comissão de Educação

CFFC Comissão de Fiscalização Financeira e Controle

CFT Comissão de Finanças e Tributação

CLP Comissão de Legislação Participativa

CREDN Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional

CSSF Comissão de Seguridade Social e Família

CTASP Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público

DEM Democratas

PCdoB Partido Comunista do Brasil

PDC Partido Democrata Cristão

PDS Partido Democrático Social

PDT Partido Democrático Trabalhista

PFL Partido da Frente Liberal

PL Partido Liberal

PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PMN Partido da Mobilização Nacional

PP Partido Progressista

PPB Partido Pacifista Brasileiro

PPR Partido Progressista Renovador

PPS Partido Popular Socialista

PR Partido Republicano

PRB Partido Republicano Brasileiro

PRP Partido Republicano Progressista

PRN Partido Republicano Nacionalista

PSC Partido Social Cristão

PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

PSB Partido Socialista Brasileiro

PSD Partido Social Democrático

PSOL Partido Socialismo e Liberdade

PSP Partido Social Progressista

PT Partidos dos Trabalhadores

PTB Partido Trabalhista Brasileiro

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................. 13

2. ASSEMBLEIA CONSTITUINTE E REVISÃO TEÓRICA: “Havendo número

regimental, declaro aberto os trabalhos.” ............................................................ 18

2.1 “NÓS, OS REPRESENTANTES DO POVO”: A Assembleia Nacional

Constituinte e o sistema de comissões permanentes. .......................................... 19

2.2 REPRESENTAÇÃO POLÍTICA FEMININA: “... um capítulo novo para a historia

do Brasil – o da collaboração feminina na politica do paiz.” .................................. 22

2.3 “REGRAS DO JOGO”: Revisão do campo teórico neoinstitucionalista sobre

comissões permanentes. ...................................................................................... 28

3. METODOLOGIA E APRESENTAÇÃO DAS HIPÓTESES: “(...) contém

disposições normativas referentes à sua estrutura política, organização e

funcionamento“. .................................................................................................... 39

4. DEPUTADAS E COMISSÕES PERMANENTES: “Homens e mulheres são

iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. ................... 47

4.1 Distribuição das deputadas entre as comissões: “A mulher paga impostos, por

que proibir sua participação em regulá-los?” ........................................................ 49

4.2 PERFIL DAS DEPUTADAS: “Mãe, profissional, esposa. Vaidosa, batalhadora,

sensível.” .............................................................................................................. 52

5. PROPOSTAS LEGISLATIVAS: “...Câmara dos Deputados um centro de

debate das questões relacionadas à igualdade de gênero e à defesa dos

direitos das mulheres no Brasil e no mundo” ..................................................... 61

6. AUDIÊNCIAS PÚBLICAS: “...não vai responder aos anseios da sociedade se

não ouvir essa sociedade.” ................................................................................... 74

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 86

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 91

13

1 INTRODUÇÃO

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos

Deputados foi objeto de grande polêmica no mês de março de 2013. O motivo da

controvérsia foi a indicação do pastor Marco Feliciano (PSC) para a presidência da

comissão, tendo em vista determinadas declarações públicas do deputado sobre

direitos dos homossexuais, das mulheres1 e questões de raça2. No dia da votação

que elegeu o presidente da comissão, os/as deputados/as Domingos Dutra (PT),

Erika Kokay (PT), Jean Wyllys (PSOL), Luiz Couto (PT) e Luiza Erundina (PSB) se

retiraram da sessão, que terminou com a eleição do pastor Marco Feliciano com

concordância de 11 deputados/as que permaneceram na reunião.

Este episódio chamou grande atenção da mídia e do público em geral para

as comissões parlamentares e seu sistema de funcionamento. O debate girou em

torno da representação ideológica conservadora dentro de uma Comissão que, em

regra, era dominada por partidos com viés de esquerda e se isso representaria

mudanças legislativas desfavoráveis a grupos que sofrem desvantagens estruturais3.

Houve preocupação em verificar a extensão da influência da CDHM na aprovação

de projetos de lei e, consequentemente, a influência do seu presidente dentro da

Câmara dos Deputados.

Este caso, um tanto quanto emblemático, ilustra o primeiro questionamento

para delimitar a presente pesquisa: quais são os parâmetros utilizados para a

composição de comissões que decidirão políticas públicas sem passar pelo

plenário? As indagações, em um primeiro momento, foram de cunho mais

abrangente, sobre o respeito à democracia e à representação política. Já em um

segundo momento, após leituras preliminares, o interesse passou a se fixar nas

1Em declaração dada em junho de 2012, em uma entrevista: “Quando você estimula uma mulher a ter os mesmos direitos do homem, ela querendo trabalhar, a sua parcela como mãe começa a ficar anulada, e, para que ela não seja mãe, só há uma maneira que se conhece: ou ela não se casa, ou mantém um casamento, um relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo, e que vão gozar dos prazeres de uma união e não vão ter filhos. Eu vejo de uma maneira sutil atingir a família; quando você estimula as pessoas a liberarem os seus instintos e conviverem com pessoas do mesmo sexo, você destrói a família, cria-se uma sociedade onde só tem homossexuais, você vê que essa sociedade tende a desaparecer porque ela não gera filhos.” Disponível em: http://oglobo.globo.com/brasil/marco-feliciano-diz-que-direitos-das-mulheres-atingem-familia-7889259#ixzz3C0hIsQqr Acesso em 30/08/2014 2O deputado utilizou a rede social Twitter para postar a seguinte frase: "Africanos descendem de ancestral amaldiçoado por Noé. Isso é fato.” A publicação ocorreu em março de 2011. 3 Optamos pela expressão utilizada por Young (1990) no lugar do termo “minorias”.

regras internas do Congresso que delegam determinadas competências e poderes

para as comissões. O interesse voltou-se também, para verificar como ocorriam as

votações dentro destes “microcosmos” da Câmara. Assim, por considerarmos que as

“regras do jogo” eram essenciais para o objeto estudado, o enfoque teórico da

pesquisa foi estabelecido com uma abordagem institucionalista.

Outro aspecto de crucial importância que motivou a presente pesquisa é a

questão da representação feminina na Câmara dos Deputados e seu impacto na

produção de legislação que verse sobre gênero. Em primeiro lugar tendo em vista a

diminuta participação de mulheres no legislativo. Segundo Teresa Sacchet (2009),

as vereadoras, deputadas e senadoras não ultrapassavam 15% das composições

legislativas no Brasil. Nas eleições de 2010, a Câmara Federal passou a contar com

43 mulheres, somando 8,7% em um universo de 513 parlamentares.

Na sequência, foi identificada a carência de pesquisas que abordem

comissões e gênero. Apesar de haver vários estudos sobre comissões de matéria,

bem como diversas pesquisas sobre representação política feminina e criação de

legislação voltada a gênero, não é tão comum encontrar trabalhos que pesquisem

esta intersecção. Assim, o esforço aqui será articular as teorias dessas duas

perspectivas da ciência política que não necessariamente dialogam entre si.

Parece igualmente relevante questionar se o grupo de mulheres eleitas

contribui de qualquer forma para a aprovação de leis com vieses feministas ou

pautas relacionadas a gênero. Em uma análise prévia (RUGGI e RUGGI, 2013) foi

possível verificar que há deputadas sem qualquer bandeira ligada aos direitos das

mulheres. O que acabou por intensificar ainda mais as dúvidas sobre como ocorrem

as decisões nos projetos de lei com políticas públicas em temas “femininos”. Quem

propõe? Quem faz a relatoria? Quem argumenta? Quem vota?

Assim, os dois principais interesses de pesquisa – comissões e gênero –

foram unidos para investigar as comissões permanentes na Câmara dos Deputados

e sua atividade legislativa relacionada a mulheres. Buscando delimitar o objeto, foi

estudado o intervalo de anos entre 2011 e 2012 em cinco comissões específicas:

Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF); Comissão de Direitos Humanos e

Minorias (CDHM); Comissão de Educação (CE); Comissão de Trabalho, de

Administração e Serviço Público (CTASP); e Comissão de Legislação Participativa

(CLP). Este recorte ocorreu por meio de critérios expostos na sessão que versa

sobre metodologia, levando em consideração a maior presença de deputadas

mulheres; bem como, a relevância nas temáticas de gênero.

O problema de pesquisa verifica dois pontos principais, que se

complementam: a) como se dá a distribuição de deputadas entre as comissões? b)

como e em que grau esta definição afeta o processo decisório nas propostas

legislativas relacionadas a gênero? No tocante ao recrutamento dos/as membros/as

das comissões, os principais questionamentos analisados são: se a experiência

anterior na comissão possui relevância nesta escolha? E, se a atividade

desempenhada anteriormente pelo/a congressista influi na decisão? Já no segundo

ponto, a intenção é avaliar o efetivo papel das comissões na Câmara dos

Deputados, se promovem debates sobre gênero, buscam informações e se detêm

poderes de mudança de status quo.

O primeiro capítulo introduz uma perspectiva histórica sobre o momento de

criação do sistema de comissões atual, partindo das atas da Assembleia Nacional

Constituinte de 1987 e 1988. Este momento inicial foi importante para localizar as

principais intenções dos/as congressistas ao estipular poderes em prol das

comissões. O que se observou é que os/as constituintes tencionavam dar mais

agilidade ao processo decisório, bem como, estabelecer uma “expertise” dos

deputados/as em determinados temas, levando a um debate mais técnico.

Após o relato sobre a constituinte, abordaremos – de forma não exaustiva –

a questão da representação política feminina. Esta fundamentação é relevante, pois,

além de ser um dos ensejos da pesquisa, delineia a perspectiva feminista da qual se

parte. Porém, frente ao amplo e profícuo debate feminista sobre representação

política, privilegiamos enfoques que consideram a democracia representativa como

um fato consumado e investigam as possibilidades de expansão da diversidade

intra-instituição política. Como é sabido, esse tema é muito amplo e rende grandes

debates; dentre as autoras dessa vertente, Iris Marion Young oferece alguns dos

mais relevantes princípios teóricos, assim, iremos nos ater às reflexões desta autora.

Ainda no primeiro capítulo, buscamos levantar as discussões teóricas mais

importantes sobre o sistema de comissões. Já se adianta que o congresso norte-

americano é o mais recorrente objeto de análise quando o assunto é comissão

parlamentar, desta feita, utilizamos muitos/as autores/as daquele país, bem como,

análises comparadas entre o caso estadunidense e brasileiro.

Na sequência é abordada a metodologia de pesquisa, explicando como se

deu a escolha das cinco comissões e, consequentemente, das 27 deputadas

estudadas, que juntas somam 58% da representação feminina na 54ª legislatura4.

No mesmo tópico, iremos apresentar as hipóteses de pesquisa. Levando em

consideração a bibliografia que ordinariamente considera que as comissões detêm

pouco poder no Congresso Brasileiro, a primeira hipótese é de que a esmagadora

maioria dos projetos de lei não seria apreciada de forma conclusiva pelas

comissões, mas sim, necessitaria da aprovação do plenário.

O terceiro capítulo apresenta dados sobre as deputadas: a qual partido

pertencem; qual era a ocupação antes de ingressar no congresso; se possuem

relação declarada com associações, sindicatos, movimento feminista, entre outros; e

se foram membras da mesma comissão por mais de ano legislativo. Nossa hipótese

é de que há concentração de mulheres em determinados temas de comissões e que

deputadas pertencentes a partidos de esquerda apresentariam um número maior de

projetos relacionados a gênero.

Após, apresentamos dados sobre os projetos de lei estudados. Optamos por

duas fontes de informações: a primeira abrange todos os projetos de lei e projetos

de emendas à constituição apresentados pelas 27 deputadas, membras titulares das

cinco comissões escolhidas, entre os anos de 2011 e 2012. A segunda fonte é

composta pelos projetos de lei votados no âmbito das cinco comissões no mesmo

período de tempo, tanto as votações pela rejeição como pela aprovação.

Nas duas fontes de dados, separamos os projetos de lei e emendas à

constituição com temática relativa a gênero e os analisamos de forma mais

detalhada, conforme se verá na sequência. Estas proposições legislativas foram

analisadas nos seguintes pontos: quem propôs; quem é o relator/a; qual é o tema;

tramitação até o ano de 2014; qual o resultado de eventuais votações.

No quinto e último capítulo, verificamos todas as audiências públicas

realizadas nas cinco comissões nos anos de 2011 e 2012, separando as que

abordam – ou teriam potencial para abordar – temáticas de gênero. Destas, foram

levantados dados sobre quem fez o requerimento, quais foram os/as participantes

convidados/as, análise do áudio dos discursos, se houve aprovação ou rejeição do

4 46 deputadas eleitas em 2010. Disponível: http://www2.camara.leg.br/a-camara/secretaria-da-mulher/coordenadoria-dos-direitos-da-mulher/a-bancada-feminina. Acesso em: 05.10.2014.

projeto de lei (para os casos em que a audiência especificava a lei em discussão); e

se houve proposta de novo projeto de lei tendo como justificativa o que foi debatido

em audiência. Buscou-se verificar se os/as convidados/as das audiências públicas

defendem o mesmo interesse do/a deputado/a propositor/a sobre determinado

projeto de lei. A nossa hipótese é que as comissões não necessariamente buscam

ampliar o debate dos projetos de lei em análise e não possuem relevância direta nas

votações e apresentação de projetos.

Com os dados apresentados no terceiro, quarto e quinto capítulos,

buscamos contribuir para testes empíricos das teorias sobre comissões e gênero. A

intersecção entre os dados e os aportes teóricos, levando às conclusões da

pesquisa será apresentada na última sessão. De qualquer forma, já se adianta que

as conclusões aqui mencionadas derrubaram determinadas pressuposições, como,

por exemplo, que partidos de esquerda seriam responsáveis pela maior produção

legal sobre gênero. Por outro lado, confirmaram outras teses como maior

concentração feminina em determinados temas. É claro que, por estudar apenas um

período de tempo e deputadas específicas, esta pesquisa não é exaustiva e deve

ser interpretada junto com outras contribuições. Bem como, ainda há muito campo

de trabalho para estudos futuros, já que, como mencionado anteriormente, a relação

entre comissões e gênero foi pouco pesquisada até o momento.

2 ASSEMBLEIA CONSTITUINTE E REVISÃO TEÓRICA: “Havendo número

regimental, declaro aberto os trabalhos.”5

A primeira escolha metodológica da presente pesquisa foi focar na atividade

legislativa desenvolvida pela Câmara dos Deputados, não adentrando o processo

decisório do Senado. Isto porque, na divisão de atribuições do Congresso Nacional,

a Câmara deve ser composta pelos "representantes do povo", eleitos por sistema

proporcional; enquanto o Senado agrega representantes dos Estados e do Distrito

Federal, eleitos por princípio majoritário (art. 45 da Constituição Federal). Como

analisamos questões que englobam representação política feminina, a Câmara é o

objeto mais lógico.

Atualmente há vinte e uma Comissões Permanentes na Câmara dos

Deputados, cujas funções incluem analisar projetos de lei para parecer prévio ou

votação final. Os/as respectivos/as membros/as são designados/as pelo presidente

da Casa, com indicação das lideranças partidárias. Fica assegurada, “tanto quanto

possível”6, a participação proporcional dos partidos ou blocos parlamentares, sendo

que a Câmara prevê a inclusão de membro/a de minoria partidária, ainda que pela

proporcionalidade não lhe caiba lugar.

Em um primeiro momento, buscamos compreender como funciona o sistema

legislativo de comissões, questionando quais seriam os motivos pelos quais o

plenário abriria mão de parte de seu poder para que frações do número total de

deputados/as tomem decisões definitivas 7 . Para tanto, vamos trabalhar uma

perspectiva histórica do momento de criação das comissões.

5 Frase com a qual normalmente se iniciam as reuniões deliberativas nas comissões estudadas na Câmara dos Deputados. 6 “Art. 23. Na constituição das Comissões assegurar-se-á, tanto quanto possível, a representação proporcional dos Partidos e dos Blocos Parlamentares que participem da Casa, incluindo-se sempre um membro da Minoria, ainda que pela proporcionalidade não lhe caiba lugar.” (Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Brasil, 1989). 7 “There are many aspects of legislative decision-making that, despite being discussed at length in the political science literature, are still not completely understood by scholarly research. One such question is why legislative bodies sometimes tie their own hands and give power to specialized committees, by granting restrictive rules to amending proposals, thereby giving committees agenda-setting power. Another open question is why many committees consist of preference outliers (members whose preferences are strongly biased, relative to the median legislator).1 Given that committees are granted some power, why would the legislature ever appoint preference outliers?” (AMBRUS, 2013, p. 2)

2.1 “NÓS, OS REPRESENTANTES DO POVO”: A Assembleia Nacional

Constituinte e o sistema de comissões permanentes.

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (BRASIL, 1988, p. 1).

Nosso primeiro esforço buscando entender o sistema de comissões no

Congresso Nacional é analisar quais as principais motivações externadas pelos/as

constituintes durante a votação da proposição e quais objetivos as citadas

comissões deveriam cumprir no estado de redemocratização. Para avaliar estes

discursos, nos ativemos ao diário da Subcomissão do Poder Legislativo, que

funcionou como parte integrante da Comissão de Organização dos Poderes e

Sistema de Governo, durante a Assembleia Constituinte.

Neste material, observou-se que os argumentos utilizados pelos/as

parlamentares para defender a criação das comissões, se agrupam em torno de

determinadas ideias apontando as comissões como forma de: a) aceleração do

processo legislativo; b) viabilizar o conhecimento técnico da matéria; e, c) equilibrar

os poderes executivo e legislativo. A emenda que deu origem ao sistema atual foi

tida como uma medida de modernização do Congresso, tornando o legislativo mais

eficiente e produtivo (FIGUEIREDO, 2001, p.43).

Os trabalhos da Subcomissão do Poder Legislativo se iniciaram com um

discurso do constituinte relator (o então deputado José Jorge, do PFL/PE)

defendendo que as comissões permanentes precisariam de determinadas

atribuições que fossem capazes de garantir maior participação política. O deputado

sugeriu que elas pudessem pedir informações, inclusive a ministros/as de Estado

(BRASIL, 1987/1988, p. 39). Disso decorreria um avanço no poder das comissões,

pois de acordo com a constituição anterior esta solicitação de informações a

ministérios de Estado só poderia ser autorizada pela mesa da Casa.

Uma vez que as comissões detivessem a função de buscar informações de

forma mais aprofundada, a faculdade de requisitar esclarecimentos seria

fundamental. Assim, o escopo de discussão da subcomissão já estava definido

desde o primeiro discurso, e, com a concordância dos participantes, foi aprovada a

emenda para sugerir que as comissões contassem com o poder de solicitar

informações a quem quer que fosse.

Ainda neste tema, a Subcomissão de Poder Legislativo convocou a Sra.

Sarah Abrão, funcionária da mesa do Congresso por quase 27 anos, para prestar

informações e dar sugestões às proposições constitucionais. Entre as colocações

feitas, a que nos interessa é a que trata da ineficácia dos debates técnicos dentro

das comissões, já que, segundo ela, os pontos mais debatidos eram de cunho muito

mais procedimental do que análise do mérito em si: “(...) as comissões não

examinam muito bem a parte técnica das matérias, ficando mais na parte política.

(...) matérias mais de regimento e não essencialmente do exame intrínseco.”

(BRASIL, 1987/1988, p. 101).

Esta preocupação com a necessidade de discussões mais técnicas também

foi levantada na fala do então ministro do Supremo Tribunal Federal, Célio Borja. Ele

defendeu a descentralização da atividade parlamentar, não apenas para dar maior

celeridade ao trabalho legislativo, mas também para que as comissões se

aprofundassem na matéria debatida. Para tanto, propôs dotá-las de poderes de

investigação. “(...) mas, na verdade, o trabalho das comissões permanentes também

exige investigação. É praticamente impossível, muitas vezes, dar parecer sobre

certos projetos sem que se tenha a possibilidade de examinar em profundidade

aquilo que é proposto.” (BRASIL, 1987/1988, p. 95).

O relator da Subcomissão do Poder Legislativo, ao final da série de debates,

resume todas as propostas apresentadas e, sobre as comissões, coloca, em

primeiro lugar, sua apreensão com o tempo de trâmite dos projetos de lei, dizendo o

seguinte:

É inquietante a realidade atual que exibe, tramitando por longo período de tempo, cerca de dez mil projetos, cuja afluência ao Plenário sobrecarrega-lhe os trabalhos, tornando-se tarefa difícil, se não inviável, a sua tempestiva apreciação. A alternativa proposta visa desobstruir os trabalhos do plenário, imprimindo maior racionalidade e agilização do processo legislativo, da Comissão, e, por via de conseqüência, do Poder Legislativo como um todo. (BRASIL, 1987/1988, p. 154).

Este conceito de tornar o procedimento legislativo mais célere durante o

processo de redemocratização do Estado chama a atenção tendo em vista

justamente os acontecimentos ligados ao cenário imediatamente anterior ao período

ditatorial, após o presidente João Goulart assumir o poder. Entre as inúmeras teorias

que buscam explicar o golpe de Estado, encontra-se a questão da crise da paralisia

decisória, formulada por Santos (2003).

Para este autor, a radicalização ideológica dentre os/as deputados/as e

senadores/as, bem como a inconstância das coalizões da maioria do Congresso,

tornavam muito difícil a aprovação de novas leis. Esta análise empírica sobre a

apresentação e aprovação de projetos de lei foi capaz de “demonstrar

quantitativamente a tendência decrescente da produção legal, que praticamente

inviabilizou a resolução de qualquer assunto importante através de negociações

parlamentares”. (FICO, 2004, p. 45).

Conforme se observou dos discursos proferidos, havia grande preocupação

da subcomissão em acelerar o processo legislativo e, ao final dos trabalhos, foi

concedida uma série de poderes aos membros das comissões, culminando na

redação do artigo 58 da Constituição Federal:

Art. 58 - O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação. §1º - Na constituição das Mesas e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa. §2º - Às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe: I - discutir e votar projeto de lei que dispensar, na forma do regimento, a competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa; II - realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil; III - convocar Ministros de Estado para prestar informações sobre assuntos inerentes a suas atribuições; IV - receber petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou omissões das autoridades ou entidades públicas; V - solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão; VI - apreciar programas de obras, planos nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento e sobre eles emitir parecer. (BRASIL, 1988).

As prerrogativas que mais interessam para o objeto da presente pesquisa

são as seguintes: a comissão poderá votar projeto de lei que dispensar a

competência do plenário (salvo no caso de recurso de um décimo dos membros da

Casa); e, tem autoridade para realização de audiências públicas e convocação de

qualquer ministro/a ou cidadã/o para prestar informações.

Frisa-se desde logo a questão da busca por informações mais precisas para

subsidiar a decisão dos/as congressistas. Como se verá no tópico próprio, existem

várias teorias que buscam explicar a distribuição de parlamentares pelas comissões,

sendo uma delas a teoria informacional que, em linhas gerais, defende a importância

de buscar o maior número possível de dados técnicos antes da tomada de decisão.

Diante do que se expôs aqui sobre o discurso dos constituintes, a informação era

fator chave na criação deste sistema. Assim, este estudo preliminar nos levou à

hipótese de que os/as deputados/as se concentram em comissões nas quais sua

expertise será útil na avaliação dos projetos de lei.

2.2 REPRESENTAÇÃO POLÍTICA FEMININA: “... um capítulo novo para a historia

do Brasil – o da collaboração feminina na politica do paiz.8”

Sem conceituar as mulheres como um grupo de alguma forma, não é possível conceituar a opressão como um processo sistemático, estruturado e institucional. (YOUNG, 1994, p.718. Tradução livre9).

O enfoque de gênero dado a esta pesquisa tem como objetivo ampliar o

debate no campo teórico que trata sobre comissões parlamentares. Entendemos

que, apesar de não ser o nosso tema principal, a discussão sobre representação

política das mulheres é corolária da legislação sobre gênero que será proposta e

aprovada dentro das comissões. Contudo, como já foi dito, há grande número de

análises sobre representação feminina, não sendo o objetivo do presente trabalho

adentrar esta seara de forma aprofundada (seria necessária uma pesquisa

específica sobre o tema). No intuito de limitar o campo, nosso exame irá partir dos

conceitos teóricos mobilizados por Iris Young, uma das principais referências sobre

representação política na teoria feminista.

Um dos pressupostos fundamentais na abordagem de Young enfatiza que a

democracia não pode ser entendida meramente como um processo comunicativo

8 Trecho do discurso de Carlota Pereira de Queirós, primeira deputada federal, proferido em 13.03.1934. Disponível: http://www2.camara.leg.br/a-camara/conheca/camara-destaca/mulheres-no-parlamento/discurso-de-carlota-pereira-de-queiroz Acesso: 21/08/2015. 9 No original: “Without conceptualizing women as a group in some sense, it is not possible to conceptualize oppression as a systematic, structured, institutional process".

com objetivo decisório. A representação, no entendimento da autora, não equivale

nem à "substituição" nem à "identificação". Trata-se, ao contrário, "de um

relacionamento diferenciado entre atores políticos engajados em um processo que

se estende no espaço e no tempo" (YOUNG, 2006, p.142). Isso implica pensar nas

dimensões de autorização e prestação de contas no relacionamento entre

representante e representados, legitimando o afastamento entre ambos como parte

natural e necessária do processo político.

[C]onceitualizar o representante puramente como um delegado com um mandato inequívoco, ou inteiramente como um fiduciário que age tão-somente de acordo com suas próprias luzes, dissolve o significado específico da atividade representativa. A representação eficaz fica entre uma coisa e outra e incorpora ambas. A responsabilidade do representante não é simplesmente expressar um mandato, mas participar das discussões e debates com outros representantes, ouvir suas questões, demandas, relatos e argumentos e com eles tentar chegar a decisões ponderadas e justas. (YOUNG, 2006, p. 154).

A autora argumenta que uma representação socialmente justa deve incluir

grupos sociais diferenciados e defende políticas da diferença para garantir essa

diversidade10. Entende, entretanto, a controvérsia estabelecida entre seu conceito de

representação não-identitário e a legitimidade da reivindicação representativa. "É

necessário que a pessoa que representa a perspectiva de um grupo social num

determinado contexto político seja um membro daquele grupo?" (YOUNG, 2006,

p.179).

Young identifica como uma das principais objeções contra políticas de

representação especial de grupos minoritários a proposição de que tais ações antes

ensejam do que reduzem as diferenças sociais. Por exigir a unificação de uma

identidade, o próprio processo representativo poderia recriar exclusões opressivas.

De fato, a história do movimento feminista é facilmente mobilizável para explicitar

que o "consenso" sobre bandeiras é muitas vezes construído em detrimento de

experiências não hegemônicas (HOOKS, 1989; BUTLER, 1999).

Para sanar esse impasse político-teórico Young elabora uma sutil, mas

crucial, distinção conceitual. Antes de mais nada, ela reconhece que grupos

desfavorecidos não compartilham interesses ou opiniões, mas seu posicionamento

10 “Por políticas de diferença ou politização de diferenças entende-se a inclusão de grupos sociais que sofrem de desvantagens estruturais na sociedade com base em fatores moralmente arbitrários, como, por exemplo, gênero, raça, na esfera pública". (cf. YOUNG, 1990, p. 42).

estrutural e compreensão situada fundamentam uma perspectiva comum, cuja

inclusão na discussão política não é irrelevante.

Interesse seria a mais comum ferramenta analítica da ciência política para

analisar representação política. O termo está relacionado àquilo que é necessário ou

desejado para fins propostos, o que afeta ou é importante para indivíduos ou

organizações. Trata-se, portanto, de metas conscientemente elaboradas como

meios para atingir determinados fins. Em contraste com interesse, opinião se refere

ao conjunto de princípios, valores e prioridades, ou seja, o que fundamenta ou

condiciona os fins que devem ser buscados. Finalmente, perspectiva é o conceito

mobilizado por Young para descrever o caráter compartilhado dentro dos grupos

sociais, que é fruto da sua posição na estrutura social.

Representar um interesse ou uma opinião geralmente envolve promover certos desdobramentos específicos no processo de tomada de decisões, ao passo que representar uma perspectiva geralmente significa promover certos pontos de partida para a discussão. A partir de uma determinada perspectiva social um representante coloca certos tipos de questões, relata certos tipos de experiência, retoma uma determinada linha de narrativa histórica ou expressa um certo modo de olhar as posições de outrem. (YOUNG, 2006, p. 167).

Assim, entendemos que o conceito de perspectiva proposto por Young

possibilita legitimar a inclusão das parlamentares em um grupo, a despeito das

divergências de interesse e opinião dentro dele. Daí porque é importante estudar o

processo legislativo partindo de uma perspectiva de gênero e é isso que buscamos

fazer neste trabalho. Passaremos a descrever algumas pesquisas anteriores que

levantaram a diferença de comportamento entre deputados e deputadas, seja no

momento da escolha da comissão ou durante os debates nas reuniões.

Em um dos raros exames que abordam a intersecção entre comissões e

gênero, focando no processo legislativo em alguns países da América Latina (não

incluindo o Brasil), concluiu-se que:

Existem preconceitos de gênero nas atribuições das comissões latino-americanas. Mulheres são atribuídas de forma desproporcional às comissões que se concentram nas questões das mulheres e questões sociais, e freqüentemente são sub-representadas em comitês de poder e em comissões que tratam de economia ou política externa.11 (HEATH, 2005, p. 432).

11 No original: “Gender bias exists in Latin American committee assignments. Women are assigned disproportionately to committees that focus on women’s issues and social issues, and they often are

A respeito da concentração de mulheres em determinados temas, há várias

pesquisas no sentido de demonstrar que as deputadas são vistas como porta-vozes

de segmentos oprimidos12, obtendo credibilidade para a participação em comissões

e políticas de caráter afirmativo. Inclusive, já na fase de campanha, as candidatas

“lançam mão de argumentos referentes a ‘qualidades femininas’ tidas como

essenciais a uma proposta de renovação do poder”. (BARREIRA e GONÇALVES,

2013, p. 9).

Em estudo sobre as audiências realizadas por comitês norte-americanos e a

influência de homens e mulheres, observou-se que os homens possuíam mais

tempo de microfone e realizavam maior número de interrupções durante os

discursos das testemunhas chamadas pelo comitê. Verificou-se que, em audiências

onde as mulheres eram presidentas, a dinâmica da fala dos/as convidados/as era

substancialmente alterada. (KATHLENE, 1994, p. 16).

Em outra pesquisa, Campos e Miguel (2008) apontam que os enfoques

feministas mais acirrados ficam fora do debate para evitar o conflito com os demais

atores, caracterizando verdadeira limitação imposta pelo próprio campo político, já

que as deputadas dependem de alianças com grupos conservadores ou da

manutenção da imagem construída durante a campanha. Os autores argumentam

que a ausência de temas como aborto ou submissão e desigualdades no mercado

de trabalho ocorrem porque as deputadas não querem assumir os riscos políticos de

entrar nestas discussões (CAMPOS e MIGUEL, 2008).

Já na pesquisa realizada por Zaikoski (2012), que analisa as propostas

legislativas sobre gênero na câmara argentina, se concluiu que do crescente número

underrepresented on power committees and committees that deal with economics or foreign affairs.” (HEATH, 2005, p. 432) 12 “Vale mencionar o trabalho de Cíntia Reis (2010) sobre o perfil das deputadas federais brasileiras (1986-2011) o qual demonstrou que as comissões permanentes que mais agregam mulheres são seguridade social e família; educação, cultura e desporto; defesa dos consumidores e direitos humanos e minorias. Também Irlys Barreira e Danyelle Gonçalves (2011), a respeito do trabalho das deputadas e senadoras no Congresso Nacional (2003-2015), afirmam que a atuação mais significativa das parlamentares ocorre nas Comissões de Educação e Cultura e Seguridade Social e Família. Conclusão similar foi apresentada por Janine Santos (2007), referente a estudo da composição da Câmara de Deputados (2003-2006), onde destacou a presença das mulheres nas comissões que apresentavam os temas: família, infância e adolescência e questões de gênero. A pesquisa de Lúcia Avelar (2001) mostrou que os temas priorizados pelas mulheres na legislatura de 1998-2002 na Câmara dos Deputados referiram-se às áreas de trabalho e previdência, saúde, violência e direitos civis, enquanto uma proporção mínima tratou de temas relacionados ao desenvolvimento, à infraestrutura e ao poder (PINHEIRO, 2007)”. (ORSATO, 2013, p.6).

de projetos sobre as problemáticas femininas, são escassos os trabalhos que

avançam em termos “qualitativos”, no sentido de conseguir instalar o enfoque de

gênero de forma consistente e coerente no trabalho parlamentar:

Se observa la reiteración y circularidade nel tratamiento de temas que afectan a las mujeres, sin que al menos se legisle un umbral de derechos sobre el cual construir a posteriori y paulatinamente más y mejores derechos de ciudadanía femenina. Los temas serían importantes como para estar em la agenda legislativa, pero no tanto como para dejar partidismos de lado y obtener consensos institucionales para la sanción de leyes. (ZAIKOSKI, 2012, p. 5).

Diante do que foi constatado pelas pesquisas citadas, parte-se da premissa

que há diferença institucionalizada no comportamento e tratamento de homens e

mulheres dentro do congresso e que esta diferença influencia a proposição de

projetos de lei com temática de gênero, bem como, influencia a discussão e

aprovação dos citados projetos dentro das comissões legislativas.

Um contraponto é apresentado por Htun e Power (2006) indicando que,

apesar da legislação continuar conservadora em muitos aspetos, a opinião dos

legisladores não é tão tradicional assim. Nesta pesquisa, deputados/as e

senadores/as foram convidados/as a responder um questionário sobre suas visões

políticas e os dados demonstraram suporte considerável de regularização do

mercado de trabalho em questões de gênero, bem como, flexibilização das leis

sobre o aborto. Isto indicaria que visões mais progressistas não são impedimento

para deputados/as serem eleitos (HTUN e POWER, 2006,p. 18).

Os escassos trabalhos que buscam dados sobre atuação feminina das

comissões corroboram o enfoque teórico de Young (1990, 1994, 2006), pois

demonstram que não necessariamente há convergência de interesses e de opiniões

entre as parlamentares mulheres. Por outro lado, a atuação de deputadas fica

condicionada a determinados padrões de comportamento feminino, seja na

indicação da comissão de matéria da qual irão fazer parte, seja na matéria legislativa

que irão propor. Assim, voltamos ao argumento do princípio, de que é necessário

conceituar mulheres como um grupo para podermos abordar o processo

institucionalizado de opressão, o que nos leva a estudar o grupo das deputadas

federais.

A ideia original do presente trabalho era pesquisar “políticas públicas para

mulheres”. Contudo, houve grande dificuldade em delimitar este conceito. Para

Farah, “Política pública pode ser entendida como um curso de ação do Estado,

orientado por determinados objetivos, refletindo ou traduzindo um jogo de

interesses.” (FARAH, 2004, p. 48). Ainda, segundo a autora, políticas públicas de

gênero, vão além da identificação de programas que atendam às mulheres.

Stromquist, por sua vez, esclarece que “políticas públicas podem assumir múltiplas

formas: legislação, recomendações oficiais em relatórios de organismos e

departamentos governamentais e resultados apurados por comissões apontadas

pelos governos.” (STROMQUIST, 1995, p. 27).

Diante disso, optamos por delimitar o estudo à legislação sobre gênero, o

que não facilitou o ônus de encontrar uma definição. Longe de constituir critério

óbvio, a rotulação de um projeto de lei como pertinente ou não à "questão feminina"

indica uma das principais dificuldades metodológicas (e epistêmicas) na averiguação

empírica da presença política feminina. A dificuldade de nomenclatura é sugestiva

da tensão conceitual que cerca a representação como possibilidade teórica e

prática. Alternamos, no presente texto, entre termos como leis sobre mulheres,

questões femininas e em relação a gênero.

Los temas de la agenda con perspectiva de género están vinculados con políticas que tomen conciencia de la desigualdad de las mujeres; que otorguen a poyos a su búsqueda de autonomía o que ratifiquen un compromisso com el cambio y mejora de su estatus social. La legislación con perspectiva de género enfrenta el desafío de revertir las inequidades y discriminaciones que sufren las mujeres en todos los ámbitos de la vida social. (ZAIKOSKI, 2012, p. 2).

Em consonância com Zaikoski e Stromquist, defendemos que legislação de

gênero trata de pautas feministas. “Os temas englobados nessas exigências são a

igualdade de status para as mulheres, a remoção da discriminação sexual, a

introdução de regulamentos contra assédio sexual e a introdução de cotas que

garantam a representatividade feminina.” (STROMQUIST, 1995, p. 28). Adicionamos

a estes itens listados por Stromquist a regulamentação da família e direitos sexuais

e reprodutivos, sejam esses projetos de lei apresentados com enfoque feminista ou

não.

Uma vez delimitado o ponto de vista que justificou a escolha do objeto,

podemos agora passar a tratar das teorias que versam sobre comissões legislativas

propriamente ditas.

2.3 “REGRAS DO JOGO13”: Revisão do campo teórico neoinstitucionalista sobre

comissões permanentes.

Com a sistemática atualmente descrita na Constituição e no regimento

interno da Câmara, os trabalhos legislativos se organizam em torno de duas ins-

tituições básicas: as comissões parlamentares e as organizações partidárias. Cada

uma dessas instituições torna possível cumprir as funções básicas da Câmara: a

representativa e a propriamente legislativa, isto é, a produção de leis que vão definir

as políticas públicas (FIGUEIREDO e LIMONGI, 2004, p. 42). Segundo o site da

Câmara, as comissões:

São órgãos técnicos criados pelo Regimento Interno da Casa e constituídos de deputados(as), com a finalidade de discutir e votar as propostas de leis que são apresentadas à Câmara. Com relação a determinadas proposições ou projetos, essas Comissões se manifestam emitindo opinião técnica sobre o assunto, por meio de pareceres, antes de o assunto ser levado ao Plenário; com relação a outras proposições elas decidem, aprovando-as ou rejeitando-as, sem a necessidade de passarem elas pelo Plenário da Casa. A composição parlamentar desses órgãos técnicos é renovada a cada ano ou sessão legislativa. Na ação fiscalizadora, as Comissões atuam como mecanismos de controle dos programas e projetos executados ou em execução, a cargo do Poder Executivo.14

Na produção acadêmica brasileira é possível encontrar estudos que

analisam o tema das comissões, seu recrutamento e fazem comparações com as

teorias norte-americanas que também serão objeto de averiguação no decorrer

desta pesquisa. Contudo, é recorrente que os/as autores/as citem a necessidade de

aprofundamento das análises e sistematização do processo legislativo no Brasil15.

13 “A perspectiva institucionalista da “escolha racional” pressupõe a construção de modelos analíticos fundamentados: na premissa que atribui aos atores uma conduta racional, auto-interessada e instrumental na perseguição de seus objetivos; e na fixação do papel das instituições enquanto constrangimentos às escolhas individuais e que, portanto, moldam as estratégias destes como “regras do jogo” que arbitram e mediam as escolhas derivadas de preferências auto-interessadas definidas fora e anteriormente ao próprio jogo (isto é, preferências formadas de maneira exógena ao processo político orientado por instituições específicas).” (TOMIO, 2007, p. 5). 14 Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes Acesso em 10/04/2014 15 “As menções ao Congresso brasileiro serão poucas. As referências serão meramente ilustrativas. No entanto, em que pese a sua ausência, este artigo foi escrito com um olho no Congresso brasileiro. Não são muitos os estudos que o tomam como objeto. Se se pretende alterar esta situação, travar conhecimento com o debate que se desenvolve entre os estudiosos do Congresso mais estudado de todo o mundo me parece um bom começo. É com esta esperança que escrevi este texto.” (LIMONGI, 1994, p. 4).

Carlos Pereira e Bernardo Muller concluem que, apesar de haver grande diferença

entre o modelo brasileiro e o norte-americano, as teorias deste país podem ser

utilizadas para exame do caso nacional, bem como, há uma vasta possibilidade de

pesquisa, que precisa ser explorada (PEREIRA e MULLER, 2000, p. 17).

E para além disso, quando o assunto engloba a questão de gênero, a

escassez de trabalhos é ainda maior, como apontam Chaquetti e Perez: “Sin

embargo, pocos estudios se han preocupado por analizar, de manera sistemática,

las dinámicas de las relaciones de género que operan en el marco de los comités,

aun dentro de las investigaciones específicas en política y género.” (2012, p. 2).

Não podemos deixar de citar as pesquisas no sentido de que as comissões

brasileiras têm seu poder de controle de agenda reduzido pelos líderes partidários

(SANTOS, 2002, p. 239) e de que não teriam um papel muito relevante diante da

concentração de prerrogativas nas mãos do Executivo. Para Silva e Araújo (2013),

da forma como foi desenhado, o sistema político brasileiro assegura um controle da

produção legal, de forma quase imperial, ao Executivo. Os autores verificaram que

pelo menos 80% das leis federais são oriundas de proposições legislativas de

autoria da Presidência da República (2013, p. 2). Por outro lado, em pesquisa

específica sobre a efetividade das comissões da Câmara dos Deputados, observou-

se uma evolução no seu poder conclusivo, já que as comissões foram responsáveis

por 43% da produção legal entre os anos de 2003 e 2007 (SANTOS, 2008, p. 70).

A abordagem norte-americana toma como relevante a organização interna

do legislativo: como ocorre a distribuição dos direitos de propor, emendar,

determinar o ritmo da tramitação das matérias e usar a informação de forma a tornar

as comissões os verdadeiros focos de poder. Este sistema é visto como a resposta

de um Legislativo autônomo, capaz de resistir e se opor ao Executivo (FIGUEIREDO

e LIMONGI, 2004, p. 49).

À luz das teorias positivas da escolha racional e das reformas no interior do

legislativo, começaram a proliferar estudos com o foco direcionado para as

estratégias individuais dos/as deputados/as e para o papel das regras institucionais

como condicionantes destas mesmas estratégias (POLSBY e SCHICKLER, 2002).

Nas pesquisas a respeito do sistema legislativo, mais especificamente sobre o

sistema de comissões, a abordagem neoinstitucionalista produziu três linhas

interpretativas: a distributivista, a informacional e a partidária. “O ponto em comum

entre elas é o peso conferido à estrutura institucional nas estratégias empreendidas

pelos membros do parlamento, mas o que as diferencia é o grau de autonomia com

que os congressistas atuam nas comissões”. (MULLER, 2009, p. 2).

A primeira linha, distributivista, leva em consideração o pressuposto de que

os membros do Congresso têm intenções individualistas, principalmente a reeleição.

Assim, buscam a aprovação do maior número possível de projetos que atendam seu

eleitorado, ou seja, o estabelecimento de leis de cunho clientelista (LIMONGI, 1994).

Por esta teoria, os próprios congressistas escolheriam de quais grupos

gostariam de participar16, com o intuito de ter maior influência na área de interesse

de seus eleitores. Com isto, teríamos que cada deputado/a ou senador/a buscaria o

maior número possível de votos que apoiem decisões de seu interesse e, diante

deste cenário, existiria a troca de votos – é o chamado logroll (troca estratégica de

votos, segundo definição de CARVALHO, 2006) – sendo que o sistema de

comissões na política norte-americana possibilitaria a estabilidade da troca de apoio

legislativo. Inclusive, há pesquisa concluindo que os candidatos brasileiros à Câmara

estruturam suas campanhas individualmente e que utilizam o Congresso como um

trampolim para cargos executivos (SAMUELS, 2003).

Em contraposição, temos a teoria partidária, que defende que os partidos

são elementos estruturadores da atividade legislativa.

Nossa visão é que os partidos na Câmara - especialmente o partido majoritário - são uma espécie de "cartel legislativo". Esses cartéis usurpam o poder, teoricamente residente na Câmara, de fazer regras que regem a estrutura e o processo de legislação. A posse deste poder de criação de regras leva a duas consequências principais. Primeiro, o processo legislativo, em geral - e do sistema de comissões em particular - é acumulado em favor dos interesses do partido majoritário. Em segundo lugar, porque os acordos centrais dos membros do partido majoritário são facilitados pelas regras do cartel e policiados por suas lideranças. (COX, 1993, p. 217).

16 “Sendo assim, legisladores sabem que pertencer à Comissão de Agricultura, para dar um exemplo, é a condição necessária para ser capaz de influenciar a política agrícola. A distribuição dos parlamentares pelas comissões é ditada pelo interesse eleitoral de cada um, com pequena ou nenhuma influência dos partidos. Assim, para continuar com o exemplo, buscam – e conseguem – fazer parte da Comissão de Agricultura os parlamentares eleitos por distritos em que estes interesses são realmente relevantes para seus eleitores. Não seria de se esperar que um deputado eleito por um distrito primordialmente urbano, digamos a cidade de Nova York, queira fazer parte da Comissão de Agricultura”. (FIGUEIREDO e LIMONGI, 2004, p. 44). 17 No original: “Our view is that parties in the House – especially the majority party – are a species of a ‘legislative cartel’. These cartels usurp the power, theoretically resident in the House, to make rules governing the structure and process of legislation. Possession of this rule-making power leads to two main consequences. First, the legislative process in general – and the committee system in particular

Por esta linha de raciocínio, o partido privilegiaria seus membros com maior

fidelidade partidária. O ponto de importância dentro da teoria partidária é que a

principal fonte de poder de um partido no legislativo é sua capacidade de dominar a

agenda decisória. Sobre este enfoque teórico, em que pese haver indícios claros de

que a Constituição de 1988 procurou fortalecer o sistema de comissões e sua

autonomia, não podemos deixar de levantar uma contradição, pois também

aumentou a “centralização dos trabalhos legislativos a partir de uma agenda

decisória acordada pelos líderes dos partidos”. (FIGUEIREDO E LIMONGI, 2004, p.

51).

No intuito de verificar o funcionamento do Congresso Nacional, Muller (2005)

realizou pesquisa sobre a composição das comissões permanentes na Câmara dos

Deputados entre 1995 e 1999. Ele utilizou comparações com a teoria partidária e

concluiu que os partidos políticos brasileiros recrutam os/as deputados/as com maior

lealdade política para as comissões em assuntos estratégicos.

Tal como ocorre no planejamento de uma batalha, em que antes do combate propriamente dito as posições são ocupadas segundo uma logística, o recrutamento inicial para as comissões foi visto como um planejamento. Nesse ‘planejamento logístico inicial’, os partidos localizam as ‘áreas estratégicas’ para atingir suas metas e enviam os melhores ‘soldados’ para lá. (MULLER, 2005, p. 10).

Sobre a questão partidária, uma pesquisa realizada por Htun e Power, com

foco no Congresso Nacional, concluiu que a grande maioria dos partidos brasileiros

incorporou pautas relacionadas a gênero. Para citar alguns exemplos, as legislações

mais rigorosas para crimes cometidos com violência doméstica e até mesmo as

cotas de mulheres nas eleições. Um apontamento interessante diz respeito ao

comportamento das lideranças partidárias em casos controversos:

Os líderes partidários tendem a não aplicar a disciplina partidária em questões controversas. Durante a votação sobre a legalização do divórcio no cone sul, por exemplo, eles aplicaram o princípio de voto de consciência, liberando cada legislador conforme seu coração e não linha do partido. (HTUN e POWER, 2006, p. 718).

– is stacked in favor of majority party interests. Second, because members of the majority party central agreements are facilitated by cartel rules and policed by cartel´s leadership”. 18 No original: “Party leaders, moreover, tend not to enforce party discipline on controversial issues. During votes on the legalization of divorce in the Southern Cone, for example, they applied the principle of voto de conciencia, freeing each legislator to vote her heart, not the party line.”

Já a teoria informacional, formulada por Krehbiel (1992), considera de

grande importância a especialidade técnica dos membros do Congresso. De acordo

com esta perspectiva, quanto mais informações os membros das comissões

passarem para o plenário, melhor será a decisão sobre determinado projeto. O ideal

é que dentro de uma mesma comissão existam opiniões divergentes, para que as

partes interessadas abram seus conhecimentos para o plenário e não apenas os

assuntos que lhes sejam favoráveis.

A teoria distributivista diverge da informacional em um ponto muito relevante,

que é o postulado da incerteza dos resultados. Para a primeira, os/as congressistas

conseguiriam ter praticamente certeza sobre os efeitos de suas proposições;

enquanto que para a informacional os/as congressistas não sabem ao certo quais

resultados irão alcançar. Levando isto em consideração, todos ganham com o maior

número possível de informações sobre quais efeitos irão atingir caso determinada

política seja a adotada. Para a teoria informacional: “uma organização será dita

eficiente se for capaz de estimular e retribuir a especialização”. (LIMONGI, 1994,

p.22).

Desde 1968, Polsby aponta que a informação é um fator chave para explicar

a organização do congresso norte-americano. Na mesma linha de raciocínio,

Krehbiel (1992) ofereceu modelo formal de tomada de decisão, investigando a

transmissão das informações dentro da estrutura hierárquica da legislatura. Exames

mais atuais para aprimorar o modelo informacional (AMBRUS e outros, 2012),

testam se o plenário utiliza as comissões para comunicações com grupos de

interesse externos. Os autores assumem que um grupo de interesse externo possui

informações relevantes para os/as deputados/as sobre determinado projeto de lei.

As comissões podem ser, assim, intermediários entre os grupos de interesse e a

legislatura. “Mais concretamente, a comissão se comunica com o lobista e então faz

uma proposta ao Legislativo”. (AMBRUS e outros, 2013, p.219).

Analisando a teoria informacional no caso brasileiro, Meireles e Muller (2014)

testaram a hipótese de que parlamentares com expertise e seniority (longa

permanência em uma mesma comissão) seriam privilegiados nas indicações para as

vagas das comissões, já que ajudariam a reduzir os custos de informações pelo

19 No original: “More concretely, the committee communicates to the lobbyist and then makes a proposal to the legislature.”

plenário20. A pesquisa verificou que as probabilidades de pertencer à Comissão de

Agricultura e Política Rural e à Comissão de Seguridade Social e Família,

associadas com ter expertise são de 86% e 95%, respectivamente; concluindo que

critérios informacionais explicam a composição das Comissões na Câmara dos

Deputados: “parlamentares com experiência profissional afim com a área de

jurisdição de sua Comissão ajudam a casa ao reduzir custos de informação e as

incertezas do plenário, ao menos de acordo com os nossos resultados”. (MEIRELES

e MULLER, 2014, p. 11).

Ainda dentro do pensamento informacional, a melhor maneira de compor

uma comissão é fazer com que ela tenha o maior número de interesses divergentes

possível, sendo um verdadeiro microcosmo do plenário. Assim, o plenário delegaria

competências às comissões sem desrespeitar o princípio majoritário. Outro ponto

relevante, que também possui convergência com a teoria informacional, é a questão

da designação de relatoria para os projetos de lei. Para Santos e Almeida (2005,

p.2), “A importância potencial do relator decorre, a nosso ver, de sua função de

agente informacional da comissão, i.e., de sua delegação para coletar e compartilhar

com seus pares informação a respeito das consequências de uma política pública

específica”. Os autores dizem ainda que um/a relator/a que seja moderadamente

contrário à proposta atuará de forma mais informativa do que se fosse favorável ou

totalmente contra.

Em artigo que pesquisa os sistemas legislativos dos países do cone sul,

Rocha e Barbosa partem de um conjunto de três tipos de variáveis para diferenciar

Argentina, Brasil, Chile e Uruguai. A primeira análise leva em conta questões de

estrutura, ou seja, o número de comissões, quantidade de membros e se há

limitação na quantidade de comissões das quais cada deputado/a poderá participar.

O conjunto de dados demonstra que, dos países pesquisados, apenas no Brasil é

estabelecido que cada parlamentar poderá participar de somente uma comissão

20 “Utilizamos como variáveis independentes a expertise, que consiste em dummies para cada tipo de profissão relacionada à alguma Comissão (e. g. advogado para a CCJ, economista para a CFT, médico para a CSSF, engenheiro para a CVT, etc.). Esta variável busca analisar a hipótese informacional de que experiência prévia não-relacionada com seniority está associada com a probabilidade de ser indicado para determinada Comissão. Sem discriminar entre deputados com experiência legislativa prévia ou não, ela permite avaliar a teoria informacional a despeito das ondas de renovação na Câmara. Em Comissões como a CAPR, ademais, ser agricultor ou fazendeiro também pode ser interpretado como indicador da teoria distributivista”. (MEIRELES e MULLER, 2014, p. 9).

como titular 21 (ROCHA e BARBOSA, 2008, p. 4). Os autores apontam que a

limitação de participação é uma forma de incentivar a especialização dos/as

congressistas e a participação nas discussões de forma mais aprofundada.

Já a segunda variável analisa o procedimento pelo qual são escolhidos os

membros das comissões, se a distribuição é de forma proporcional à participação

dos partidos na Câmara e se há atores com a prerrogativa de nomeação, bem como,

se há regras de incentivo para permanência em uma mesma comissão. Sobre esta

variável, há estudo de Pereira e Mueller (2000) demonstrando que há um alto grau

de rotatividade nas comissões brasileiras, o que dificultaria um funcionamento do

ponto de vista da teoria informacional, já que inibiria a especialização; também, não

seria viável a promoção de compromissos para realização de trocas, conforme

descrito na teoria distributivista.

Por fim, a terceira variável trata dos poderes das comissões: iniciar

legislação, emendar projetos do Executivo, poder terminativo e faculdade de

promover debates com a sociedade civil ou membros do governo para buscar

informações. Rocha e Barbosa (2008), após análise comparativa dos vários países,

concluem que não é possível estabelecer uma lógica inequívoca sobre as comissões

brasileiras. Há fatores que favorecem sua atuação, como poder conclusivo e

capacidade de convocar audiências públicas. Porém, também há questões que

dificultam o exercício pleno das funções legislativas, como o tamanho muito grande

das comissões brasileiras (entre 25 e 51 participantes) e a prerrogativa dos líderes

de partidos em pedir urgência de tramitação dos projetos de lei (ROCHA e

BARBOSA, 2008, p. 8).

Inobstante, em comparação com os demais países do cone sul, o sistema

brasileiro apresenta pontos que vão de encontro aos preceitos da teoria

informacional, como é o caso da limitação do número de comissões em que cada

parlamentar pode funcionar; mas também da teoria distributivista, como é o caso do

sistema de lista aberta22. E por fim, da teoria partidária, levando em consideração

que as regras do processo decisório dão grandes poderes aos líderes dos partidos,

21 Esta regra está estabelecida no art. 26, § 1º do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. 22 “Lista aberta: É uma variante do sistema de eleição proporcional no qual as vagas conquistadas pelo partido ou coligação partidária são ocupadas por seus candidatos mais votados, até o número de cadeiras destinadas à agremiação. A votação de cada candidato pelo eleitor é o que determina, portanto, sua posição na lista de preferência”. Disponível: http://www12.senado.leg.br/noticias/glossario-legislativo/lista-aberta. Acesso: 28.08.2015.

como é o caso da faculdade de nomear os membros das comissões (ROCHA e

BARBOSA, 2008, p. 8).

Sobre a busca por informações, não podemos deixar de abordar a questão

de grupos de interesse e lobby. Para Austen-Smith (1992), lobbying é uma forma

estratégica de transmitir informações. A política pública é o meio para um fim, uma

vez que os/as deputados/as se preocupam mais com a sua consequência, seja ela

uma consequência puramente política, como o caso da reeleição; ou técnica para a

qual autor dá o seguinte exemplo: “como a lei sobre ar puro poderá afetar a indústria

de veículos?” Quando os/as deputados/as não têm certeza sobre todas as

consequências possíveis de determinada legislação, as informações tornam-se

extremamente valiosas e quem as possui detém grande influência política.

(AUSTEN-SMITH, 1992, p.2.) Com esta colocação em mente, buscaremos, na

presente pesquisa, averiguar quais são os grupos de interesse que atuam junto às

comissões, principalmente participando de audiências públicas, conforme será

melhor explicado na seção sobre metodologia.

Retomando, no primeiro ponto do presente texto, em nossa análise realizada

sobre os discursos na constituinte, ficou bem claro a grande importância dada à

busca por debates mais técnicos dentro das comissões especializadas e a

requisição de informações de grupos externos. Assim, desde a criação do sistema

de comissões brasileiro, a “informação” é característica chave que justifica, inclusive,

a sua existência. Esta posição também é corroborada pelos estudos mais recentes

de Meireles e Muller (201423) e Rocha e Barbosa (2008), que apontam traços da

teoria informacional no sistema de comissões brasileiro.

Para Pereira e Muller (2000), os três modelos norte-americanos não são

suficientes para explicar o caso brasileiro e os autores propõem um novo modelo

para elucidar o sistema de comissões nacional, denominado de teoria da

preponderância do poder executivo. Esta leva em consideração o extenso poder

legislativo que o executivo brasileiro concentra, destacando a medida provisória, o

23 “Encontramos um primeiro esforço de importação dessas teorias americanas em Pereira e Muller (2000). Segundo os autores, pela possibilidade de editar Medidas Provisórias, solicitar Pedidos de Urgência, além do poder discricionário sobre as Emendas Parlamentares e o orçamento como um todo, as Comissões no país não são tão fortes quanto as americanas (MULLER, 2005; SANTOS, 2003). Deste modo, elas não forneceriam tantos incentivos à auto-seleção, já que cumpririam antes funções informacionais do que, por causa do poder de veto reduzido em suas áreas de jurisdição, distributivo (PEREIRA e MUELLER, 2000; RICCI e LEMOS, 2006; SANTOS e ALMEIRA, 2011).” (MEIRELES e MULLER, 2014, p. 5).

poder de veto e o pedido de urgência. Diante deste contexto, o artigo aponta que o

executivo dispõe de instrumentos para controlar a agenda do Congresso, dando

prioridade para as legislações de seu interesse e bloqueando projetos que lhe sejam

desfavoráveis (PEREIRA e MULLER, 2000, p.3).

Sobre o grande poder do executivo em questões legislativas, Limongi e

Figueiredo (2001, p.72) ressaltam que muitas regras existentes no período de

governo autoritário permanecem até hoje, no que diz respeito à relação entre o

executivo e o legislativo. Uma das consequências disto é o esvaziamento das

comissões. Para os mesmos autores, - em outra pesquisa - o legislativo brasileiro

não se aproxima de qualquer dos modelos clássicos, pois as comissões brasileiras

são mais fracas quando comparadas às comissões norte-americanas. Por outro

lado, não se pode falar em um modelo em que todo o poder de propor é

monopolizado pelo executivo, como é o caso do gabinete inglês (FIGUEIREDO e

LIMONGI, 2004, p. 54).

Em que pese estas colocações sobre o poder do executivo, nos dados

levantados durante a presente pesquisa – legislação relacionada a gênero – não foi

possível observar grande influência do executivo nas comissões. Uma explicação

possível é que leis relacionadas aos direitos das mulheres não estão elencadas no

rol de matérias regulamentáveis por decreto 24 ; nem na lista de atribuições

legislativas privativas da presidência25. Ainda, para a criação de medidas provisórias

a matéria deve ser relevante e urgente, sendo vedada a sua edição para tratar de 24 Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: VI – dispor, mediante decreto, sobre: a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos; (BRASIL, 1988). 25 Art. 61 § 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas; II - disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios; c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI; f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva. (BRASIL, 1988).

assuntos como cidadania, direitos políticos, direito penal e processo penal (art. 62,

BRASIL, 1988). Dessas proibições já ficam excluídos diversos temas de gênero,

como aborto, violência contra mulher, maior representação política feminina,

homofobia, entre outros.

O único dado relevante observado sobre a “intromissão” do poder executivo

na tomada de decisão das comissões foi a lista de participantes das audiências

públicas, onde em regra havia representante de um dos ministérios ou secretarias

ligadas à presidência. Mas isso não altera o fato de que, de acordo com os dados

levantados neste trabalho, não pareceu haver controle do executivo na tomada de

decisões sobre a legislação de gênero que foi estudada (proposta pelas deputadas

membras das comissões ou que foram votadas nos anos de 2011 e 2012).

Por fim, importante observar que as comissões podem adotar uma

prerrogativa relevante dentro do processo legislativo: o poder de fechar as portas

(gate keeping power). Os projetos de lei de assuntos relacionados à comissão serão

enviados a esta para análise. Caso a matéria abordada seja contrária aos interesses

dos membros da comissão eles podem simplesmente não analisá-la, ou rejeitá-la,

ou manter o projeto de lei em ‘banho-maria’ por longos anos. Significa dizer: uma

minoria poderia, através do controle das comissões, estender o debate

indefinidamente. Em contrapartida, há o poder de agenda, pelo o qual a maioria

conta com os meios institucionais para aprovar as medidas que prefere. “No caso

concreto do Brasil, dois mecanismos são fundamentais: o pedido de urgência e a

Medida Provisória. Recorrendo a um ou outro destes instrumentos, a maioria tem

como forçar a deliberação da matéria.” (FIGUEIREDO e LIMONGI, 2009, p. 22).

Neste ponto, ainda, há uma formulação de Krehbiel (1992) que distingue os

poderes positivos e negativos das comissões. O poder positivo seria o de alterar a

situação existente, aprovando projeto de lei que favoreça os interesses dos

membros da comissão; já o poder negativo seria no sentido de manutenção do

status quo, ou seja, barrar projetos de lei que por ventura afrontem estes mesmos

interesses. Consideramos esta análise interessantíssima, contudo, não fomos

capazes de testar empiricamente esta “não decisão”, mas isso será melhor

explicado no momento oportuno.

Tendo em mente este arcabouço teórico, passamos agora à explicação da

metodologia empregada para a coleta de dados, bem como, a apresentação das

hipóteses e variáveis que investigamos.

3 METODOLOGIA E APRESENTAÇÃO DAS HIPÓTESES: “(...) contém

disposições normativas referentes à sua estrutura política, organização e

funcionamento26“.

A etapa empírica da pesquisa começou com a escolha das cinco comissões

legislativas cujos trabalhos foram avaliados. Para a seleção de tal amostra foram

levados em consideração dois critérios básicos, o primeiro deles foi o número de

deputadas presentes em cada uma das comissões, conforme Tabela 1.

Tabela 1: Deputadas titulares das Comissões Permanentes da Câmara de Deputados - 2012

Comissões Total

membros Deputadas

titulares Representação

feminina

Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural

42 1 2%

Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática 42 6 14%

Constituição e Justiça e de Cidadania 66 2 3%

Cultura 20 1 5%

Defesa do Consumidor 21 1 4,7%

Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio 18 1 5,5%

Desenvolvimento Urbano 18 0 0%

Direitos Humanos e Minorias 18 3 17%

Educação 32 4 12,5%

Finanças e Tributação 33 1 3%

Fiscalização Financeira e Controle 20 1 5%

Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia

20 1 5%

Legislação Participativa 18 2 11%

Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável 18 2 11%

Minas e Energia 32 2 6,2%

Relações Exteriores e de Defesa Nacional 33 5 15%

Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado

20 1 5%

Seguridade Social e Família 36 8 22%

Trabalho, de Administração e Serviço Público 26 4 15%

Turismo e Desporto 21 2 9,5%

Viação e Transportes 30 1 3,3% Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 3 de julho de 2012.

Foi realizada uma análise quantitativa do número de deputadas e, dentro do

universo das oito comissões com maior número de mulheres, um segundo critério de

escolha foi aplicado: se a matéria designada para aquela comissão tem pertinência

temática com gênero. Assim, uma segunda escolha em relação ao tema deixou de

fora as seguintes comissões: Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e

Informática; Relações Exteriores e Defesa Nacional; e Meio Ambiente e

Desenvolvimento Sustentável.

26 Explicação sobre o Regimento Interno da Câmara dos Deputados (CARNEIRO, SANTOS E NÓBREGA NETTO, 2014, p. 75).

Entendeu-se que não seria possível trabalhar com as comissões de

Constituição, Justiça e Cidadania e Finanças e Tributação, tendo em vista que

ambas possuem poder terminativo para analisar a admissibilidade jurídica e

financeiro-orçamentária das proposições em geral, ou seja, recebem quase todos os

projetos de lei para análise.

Diante disso, ficou definido que as seguintes comissões serviram como

amostra para o estudo: Comissão de Seguridade Social e Família (22% de presença

feminina); Comissão de Direitos Humanos e Minorias (17%); Comissão de Educação

(12,5%); Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (15%); e

Comissão de Legislação Participativa (11%).

Sobre a Comissão de Legislação Participativa, é importante tecer algumas

observações. Ela foi criada para “facilitar a participação da sociedade no processo

de elaboração legislativa” 27 . Então, essa não é uma comissão “comum”, com

atribuições definidas por matérias legislativas. Ao contrário, a CLP pode receber

pleitos de qualquer entidade civil organizada. Em um primeiro momento,

consideramos não trabalhar com esta comissão específica. Porém, como um dos

nossos intuitos é justamente verificar a presença de grupos de interesses junto ao

Congresso, acreditamos que a análise desta comissão é fundamental. Assim,

apesar de conter diversas particularidades (que serão elucidadas nos capítulos de

apresentação de dados), optamos por manter a CLP em nosso escopo.

Para a coleta dos dados empíricos foram usadas as seguintes fontes: o

Sistema de Informações Legislativas da Câmara dos Deputados (SILEG), onde se

podem verificar informações quantitativas sobre os projetos de lei; o site da Câmara

dos Deputados, no qual constam as pautas das reuniões das comissões e seus

membros; atribuições de cada comissão; além dos ‘currículos oficiais’ dos/as

congressistas e o registro em áudio de diversas audiências públicas.

A ideia de focar em produção legislativa relacionada a questões de gênero

visa delimitar o campo de pesquisa, possibilitando uma análise mais detalhada do

processo decisório. Pelo exposto através das discussões teóricas sobre votação

27 Segundo o site da Câmara dos Deputados: Através da CLP, a sociedade, por meio de qualquer entidade civil organizada, ONGs, sindicatos, associações, órgãos de classe, apresenta à Câmara dos Deputados, suas sugestões legislativas. Essas sugestões vão desde propostas de leis complementares e ordinárias, até sugestões de emendas ao Plano Plurianual (PPA) e à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). (Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/clp/conheca-a-comissao/index.html Acesso: 14/10/2014.

parlamentar e representação feminina, foi feita uma análise dos dados empíricos

sobre as deputadas das cinco comissões escolhidas e sobre os projetos de lei com

conteúdo de gênero, possibilitando o teste das hipóteses. Selecionamos as

parlamentares que eram membras titulares das cinco comissões nos anos de 2011 e

2012, totalizando 27 deputadas, correspondente a 58% das deputadas eleitas para

da 54ª legislatura.

A primeira fonte de dados da pesquisa são os projetos de lei (PL) ou projetos

de emenda à constituição (PEC) apresentados por estas deputadas no período de

2011 e 2012. A base de dados da Câmara permite realizar busca por congressista,

tipo de proposição legal e período de tempo. Cruzando estes dados encontramos

uma listagem das ementas de todos os PL e PEC apresentados por determinada

deputada, com link para o texto da proposição e tramitação atual. Esta busca

totalizou 335 projetos de lei e 17 projetos de emendas constitucionais28.

Em regra, da simples leitura da ementa do projeto já foi possível avaliar se o

mesmo possui ou não pertinência de gênero. Por exemplo, o PL 371/2011,

apresentado pela Deputada Manuela D´Ávila (PCdoB/RS), cuja emenda é: “Prevê

punição e mecanismos de fiscalização contra a desigualdade salarial entre homens

e mulheres”29, seguramente tem pertinência para a presente pesquisa.

Em outros casos, a explicação do projeto é esclarecedora, por exemplo, o

PL 2744/2011, proposto pela Deputada Fatima Pelaes (PMDB/AP), em sua ementa

consta: “Acresce o art. 43-A à Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, visando impedir

o uso de contenção em presas nas ocasiões que especifica”30. A ementa, por si só,

deixa dúvidas quanto ao tema. Porém, após a leitura da explicação, fica claro se

tratar de uma legislação com pertinência de gênero, vejamos: “Proíbe o uso de

contenção de presas durante o trabalho de parto e logo após o nascimento”.

Apenas nos casos em que a pertinência de gênero não fosse óbvia no texto

da ementa ou da explicação, procedemos a averiguação do projeto completo, como

foi o caso do PL 3162/2012, proposto pela Deputada Celia Rocha (PTB/AL), pois

sua ementa não é autoexplicativa: “Acrescenta parágrafo ao art. 215 da Lei nº 4.737,

28Requerimentos foram desconsiderados por seu caráter pontual, e relatorias por indicarem apenas perpendicularmente a intenção legislativa das deputadas. 29 Disponível: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=491824 Acesso: 14.07.2014. 30 Disponível: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=528038 Acesso: 14.07.2014

de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral)”31. Da leitura do projeto, verificamos se

tratar de proibição de diplomação de candidato quando o mesmo tiver prisão

preventiva decretada por uma série de crimes, entre eles o estupro.

Como já foi dito, esta classificação de “ser ou não ser” projeto com

pertinência de gênero foi uma grande dificuldade metodológica. Entendemos que

qualquer classificação empregada poderá sofrer críticas, pois haverá a exclusão/

inclusão de assuntos que, a depender do entendimento do/a pesquisador/a,

guardam ou não relação com gênero. De todo o modo, foram classificadas como

"questões femininas" projetos de lei e propostas de emendas constitucionais que

nomeassem mulheres como alvo de ação ou que estivessem diretamente

relacionadas com pautas do movimento feminista. Incluímos proposições relativas (i)

à família, como regulamentação de casamento civil hetero e homossexual; (ii) ao

combate à desigualdade e violência contra mulheres, relacionadas ao

funcionamento de serviços públicos especializados ou à regulamentação de

ocupações tipicamente femininas, como empregadas domésticas e profissionais do

sexo; e (iii) a direitos sexuais e reprodutivos, com forte presença de ações relativas à

crianças e adolescentes.

Dos 335 PL e 17 PEC analisados, foram separados 32 PL com pertinência

de gênero e nenhuma PEC. Destes projetos de lei, fizemos estudo sobre quem

propôs, quem era o/a relator/a nomeado/a e qual o andamento atual do projeto. Bem

como, se a proposição terá apreciação conclusiva pelas comissões ou deverá ser

votada pelo plenário. Sobre este último ponto, levando em consideração a

bibliografia que ordinariamente considera que as comissões detêm pouco poder no

Congresso Brasileiro, nossa hipótese é de que a esmagadora maioria dos projetos

de lei não seria apreciada de forma conclusiva pelas comissões, mas sim,

necessitaria da aprovação do plenário.

Outra hipótese sobre os PL e PEC analisados é de que deputadas

pertencentes a partidos de esquerda apresentariam um número maior de projetos

relacionados a gênero. Isso porque, conforme pesquisa de Htun e Power (2006),

sobre o Congresso Nacional, as parlamentares brasileiras – assim como em outros

países – não são um grupo homogêneo. Os interesses, crenças e comportamentos

variam de forma considerável. Para os autores, uma hipótese alternativa de

31 Disponível: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=534258 Acesso: 14.07.2014

pesquisa seria não focar na política desempenhada pelas mulheres, mas sim, nos

partidos dos quais as deputadas fazem parte. “Enquanto ideologia, classe social e

etnia divide as mulheres, esses mesmos fatores frequentemente une os partidos.”

(HTUN e POWER, 2006, p. 6, tradução livre32). Assim, os partidos, principalmente os

partidos de esquerda com ideologias voltadas à igualdade de gênero, são os

maiores agentes para mudanças legislativas relacionadas a pautas femininas.

Neste mesmo trabalho, os autores verificaram que os grupos de interesse

feministas possuem mais ideologias comuns com os partidos da esquerda do que

com o conjunto total de mulheres deputadas, tendo em vista que muitas

parlamentares são conservadoras. Inclusive a pesquisa demonstra que,

particularmente na América Latina, mulheres políticas em vários casos vêm de

famílias tradicionais e não se identificam com o movimento feminista. Aponta-se

ainda que muitos deputados de esquerda podem ser mais feministas do que as

deputadas da direita. (HTUN e POWER, 2006, p. 7).

Esta questão da posição ideológica dos partidos pode gerar uma série de

polêmicas, que não são objeto da principal discussão deste trabalho. Adotamos as

tabelas comparativas de Tarouco e Madeira (2013); Codato, Costa e Cervi (2013),

também usada no trabalho de Codato e Ferreira (2014). Que classifica os partidos

da seguinte forma: na esquerda PDT, PT, PSB, PSOL, PPS, PCdoB; no centro

PMDB, PSDB, PV; e na direita DEM/PFL, PPB, PP, PRB, PDS, PRN, PDC. PL/PR,

PTB, PSC, PSP, PRP, PMN, PTdoB, PSD, PPR, PTR.

Outra fonte de dados foi o conjunto de projetos de lei votados pelas cinco

comissões nos anos de 2011 e 2012, seja com parecer pela aprovação ou pela

rejeição, um universo total de 275 projetos. Para acessar esses dados, recorremos

aos relatórios anuais de cada comissão. É importante frisar a falta de padronização

dos documentos, uma vez que há grande diferença na forma de apresentação dos

resultados de cada comissão, variando inclusive ano a ano, a depender de quem era

o/a presidente/a. Apesar disso, é possível pesquisar as votações realizadas em

determinado período e verificar se o projeto foi aceito ou rejeitado pela comissão.

O mesmo esforço de classificação das proposições com pertinência de

gênero foi empregado em relação a esta fonte de dados. Vale observar que, no caso

da Comissão de Participação Legislativa, não são aprovados ou rejeitados “projetos

32 No original: “Whereas ideology, social class, and ethnicity divide women, these same factors often unite parties."

de lei” e sim “sugestões”. Entidades da sociedade civil enviam à CLP ideias sobre

legislações e cabe à comissão analisar se isto se transformará em um projeto.

Nossa hipótese era de que, dos PL ou sugestões analisados pelas comissões, a

maioria daqueles com questões de gênero seria rejeitada.

A hipótese que se buscou testar é que o recrutamento para as comissões

estudadas parte de uma perspectiva informacional. Para tanto, analisamos os

currículos oficiais das deputadas, disponíveis no site da Câmara e verificamos a

ocupação anteriormente exercida. Bem como, se as deputadas participaram da

mesma comissão por mais de um período legislativo, no intuito de averiguar se a

regra da seniority poderia ser aplicada para o caso brasileiro. Ainda, se as

deputadas mantêm relacionamento declarado com sindicatos, associações ou

movimentos feministas em seus currículos oficiais.

Ainda sobre as deputadas, foram verificadas as relações familiares

anteriores ao cargo, buscando averiguar se as congressistas são filhas ou esposas

de agentes políticos33. As informações sobre filiação constam nas biografias oficiais

do site da Câmara, em contrapartida, não há dados sobre cônjuge, diante disso,

recorremos a fontes não governamentais, como sites e blogs pessoais. Aqui cabe

uma ressalva: há deputadas, por exemplo, Cida Borghetti34 em que a informação

sobre o cônjuge político consta no respectivo site oficial. Por outro lado, há

congressistas, como Flávia Morais35 que não especifica o casamento com atuante

na política e apenas encontramos esta informação em site elaborado por terceiros36.

De acordo com a previsão constitucional, as comissões possuem como

prerrogativa a abertura de audiências públicas, no intuito de buscarem informações

diretamente com os atores sociais. Assim, parece de vital importância averiguar se,

e como, ocorrem estas reuniões com a sociedade civil, bem como se, e como, as

informações recebidas influem no momento do voto dos/as deputados/as.

Fizemos um levantamento de todas as audiências públicas realizadas pelas

cinco comissões nos anos de 2011 e 2012, somando 233 reuniões, não importando

se quem fez o requerimento era homem ou mulher. Destas, separamos audiências

com pertinência de gênero (e mais uma vez nos remetemos ao problema dessa

classificação). Este recorte totalizou 15 debates com questões relacionadas a 33 Esta pesquisa foi realizada atendendo à valiosa contribuição da banca de qualificação. 34 Disponível: http://www.cidaborghetti.com.br/#v_trajetoria Acesso em 12.08.2015 35 Disponível: http://flaviamorais.com.br/biografia#.VdYT_WPhxVI Acesso em 12.08.2015 36 Disponível: http://www.atlaspolitico.com.br/perfil/2/230 Acesso em 12.08.2015

mulheres, que analisamos nos seguintes aspectos: quem propôs, quem foi

convidado/a, se houve posicionamento divergente e se o que foi debatido em

audiência se converteu em voto ou proposição legislativa.

O portal da Câmara dos Deputados disponibiliza um histórico das audiências

públicas realizadas. Em regra, há notas taquigráficas de tudo o que foi dito em

audiência e o respectivo áudio da reunião completa. Das 15 reuniões sobre gênero,

12 contam com transcrição dos discursos, as outras três possuem o áudio, que

também permite o estudo aprofundado.

Buscamos verificar se os/as convidados/as das audiências públicas

defendem o mesmo interesse do/a deputado/a propositor/a sobre determinado

projeto de lei. Isto porque, em artigo que analisa o congresso americano, Kollman

(1997) verificou que há uma tendência sistemática de que a ideologia dos grupos de

interesse cercando determinada comissão seja similar à ideologia dos deputados

membros daquela comissão. Para o autor, há duas explicações possíveis para este

padrão: a primeira é que os grupos de interesse escolhem fazer lobby em comitês

com preferências similares. Já a segunda, é que os deputados e os grupos de

interesse possuem, em regra, preferências similares e que essas preferências

tendem a uma polarização em relação ao público geral. (KOLLMAN, 1997, p. 22).

A primeira análise é quantitativa, com porcentagens por comissões; quantas

vezes determinada associação foi chamada a apresentar seu ponto de vista (por

exemplo, o presidente do movimento LGBTT esteve presente em X audiências); em

quantas o poder Executivo esteve representado; e em quantas foram convidados

atores que efetivamente se beneficiariam com determinada política pública.

A segunda análise é qualitativa, em relação ao nível de debate de tais

audiências, perquirindo se houve ou não posicionamentos divergentes durante a

reunião. Sobre a escolha de casos a serem estudados, Seawright e Gerring dizem

que, na seleção de caso, o pesquisador deseja ou uma amostra representativa; ou

variações úteis nas dimensões de interesse teórico (2008, p. 296). E a escolha é

orientada pela forma como esses casos estão situados na população de interesse. O

estudo de um caso típico exemplifica uma relação estável e pode ser considerado

um caso representativo. Já o estudo de um caso extremo seleciona um caso tendo

em vista seu valor na variável independente (X) ou dependente (Y), ou seja, ser um

caso totalmente incomum. (SEAWRIGHT e GERRING, 2008, p. 301). Levando isso

em consideração, colocamos no corpo do trabalho alguns trechos de audiências

públicas para indicar tanto casos típicos, como casos extremos do ocorrido nas

reuniões.

Sobre as audiências, também levantamos quantos pareceres sobre projetos

de lei abordam o que foi debatido nas respectivas audiências públicas; e quantos

novos projetos foram frutos das conclusões apontadas durante as reuniões. Neste

último dado, importante esclarecer que a nossa pesquisa apenas levou em conta os

PL apresentados pelos/as deputados/as que requereram a audiência. Por exemplo,

a Deputada Teresa Surita (PMDB/RR) propôs a realização de reunião para debater

o tema gravidez na adolescência no ano de 2011 dentro da Comissão de

Seguridade Social e Família. Fizemos pesquisa em todos os projetos de lei

apresentados pela citada deputada após a realização da audiência buscando pelos

temas “gravidez”, “adolescente” e “adolescência”.

Até aqui foi exposta a metodologia em linhas gerais, alguns outros

esclarecimentos pontuais serão feitos juntamente com a apresentação dos dados

empíricos. Os próximos dois capítulos tratarão da apresentação dos resultados: no

primeiro ponto, iremos focar nos projetos de lei e de emenda à constituição; na

sequência traremos informações sobre as deputadas e, por fim, abordaremos as

audiências públicas.

4 DEPUTADAS E COMISSÕES PERMANENTES: “Homens e mulheres são

iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição37”.

Como explicado, foi feita a escolha de trabalhar com cinco comissões

permanentes da Câmara dos Deputados: Comissão de Seguridade Social e Família

(CSSF); Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM); Comissão de

Educação (CE); Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público

(CTASP); e Comissão de Legislação Participativa (CLP). Pesquisamos todas as

deputadas que participaram como titulares das citadas comissões nos anos de 2011

e 2012, somando um total de 27 parlamentares, que representam 58% das mulheres

eleitas para a 54ª legislatura.

Os primeiros dados apresentados em relação às comissões permanentes

dizem respeito ao seu poder de promover alterações legislativas. Encontramos

estudo defendendo tanto que as comissões brasileiras não teriam um papel muito

relevante (SANTOS, 2002, p. 239); como também, pesquisa mais recente no sentido

de que as comissões foram responsáveis por 43% da produção legal entre os anos

de 2003 e 2007 (SANTOS, 2008, p. 70). Buscamos, então, verificar se as comissões

teriam poder conclusivo nas legislações que versam sobre gênero.

Nosso escopo, primeiramente, são os 32 projetos de lei (PL) envolvendo

questões de gênero apresentados pelas deputadas membras titulares das cinco

comissões, nos anos de 2011 e 2012. Realizamos uma busca no andamento de tais

PL até outubro de 2014, visando verificar se estes projetos seriam analisados

conclusivamente pelas comissões ou se a competência para votação seria do

plenário.

De acordo com o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, cabe às

comissões permanentes, em razão da matéria de sua competência, discutir e votar

projetos de lei, excetuando as matérias previstas no inciso II do seu art. 2438 e caso

37 Trecho do Art. 5°, I da CF. Na íntegra: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;” 38 Art. 24. Às Comissões Permanentes, em razão da matéria de sua competência, e às demais Comissões, no que lhes for aplicável, cabe:(...) II - discutir e votar projetos de lei, dispensada a competência do Plenário, salvo o disposto no § 2º do art. 132 e excetuados os projetos: a) de lei complementar; b) de código; c) de iniciativa popular;

não haja manifestação contrária de um décimo dos membros da Casa; nestas

situações, a competência da votação será do plenário.

Assim, um dos primeiros trâmites após o projeto de lei ser proposto é a

verificação, pela Mesa Diretora, se a proposição se enquadra na alçada de parecer

conclusivo pelas comissões. A Mesa poderá determinar apreciação por mais de uma

comissão, a depender da matéria. Por exemplo, o PL 371/201139, que prevê punição

contra desigualdade salarial entre homens e mulheres, deve receber parecer

conclusivo das seguintes comissões: Desenvolvimento Econômico, Indústria e

Comércio; Trabalho, Administração e Serviço Público; e Constituição, Justiça e

Cidadania.

Tabela 2: Forma de apreciação dos projetos de lei sobre gênero

Total de projetos sobre gênero 32 100%

Análise conclusiva pelas

comissões

14 43,7%

Análise do plenário 16 50%

Ainda não houve definição sobre

forma de apreciação

2 6,2%

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 14 de outubro de 2014.

Temos na tabela supra quase um equilíbrio entre a forma de apreciação dos

projetos de lei que versam sobre gênero: metade deles foi definida pela Mesa

Diretora como de competência do plenário e 43,7% deverão ser analisados de forma

conclusiva pelas comissões. Há dois projetos de lei sem a forma de apreciação

ainda definida. É claro que estes dados são restritos a um escopo muito pequeno:

projetos de lei sobre gênero apresentados pelas deputadas nos anos de 2011 e

2012, portanto, não têm o condão de verificar toda a atividade legislativa da Câmara.

Mas não deixa de ser interessante o fato de ser o mesmo número apresentado por

Santos (2008), que concluiu que as comissões foram responsáveis por 43% da

d) de Comissão; e) relativos a matéria que não possa ser objeto de delegação, consoante o § 1º do art. 68 da Constituição Federal; f) oriundos do Senado, ou por ele emendados, que tenham sido aprovados pelo Plenário de qualquer das Casas; g) que tenham recebido pareceres divergentes; h) em regime de urgência; (BRASIL, 1989). 39 PL 371/2011 proposto pela Deputada Manuela D´Ávila (PCdoB/RS)

produção legislativa entre os anos de 2003 e 2007. Estes dados servem para

reforçar a importância de se estudar as comissões legislativas, então vamos a elas.

4.1 Distribuição das deputadas entre as comissões: “A mulher paga impostos, por

que proibir sua participação em regulá-los?40”

Para definir quais comissões iríamos trabalhar, realizamos um apanhado de

número de mulheres por comissões de matéria. Ao analisar estes dados, chamou

atenção o fato de determinados temas não contarem com a presença de nenhuma

deputada, enquanto outras comissões somavam um número considerável de

representantes do sexo feminino. Sobre isso, retomamos a citação de Orsato

(2013), que faz um apanhado de várias pesquisas sobre a Câmara dos Deputados e

todas apontam no mesmo sentido, de que há concentração feminina nas comissões

que tratam sobre família e questões sociais como saúde e educação:

Vale mencionar o trabalho de Cíntia Reis (2010) sobre o perfil das deputadas federais brasileiras (1986-2011) o qual demonstrou que as comissões permanentes que mais agregam mulheres são seguridade social e família; educação, cultura e desporto; defesa dos consumidores e direitos humanos e minorias. Também Irlys Barreira e Danyelle Gonçalves (2011), a respeito do trabalho das deputadas e senadoras no Congresso Nacional (2003-2015), afirmam que a atuação mais significativa das parlamentares ocorre nas Comissões de Educação e Cultura e Seguridade Social e Família. Conclusão similar foi apresentada por Janine Santos (2007), referente a estudo da composição da Câmara de Deputados (2003-2006), onde destacou a presença das mulheres nas comissões que apresentavam os temas: família, infância e adolescência e questões de gênero. A pesquisa de Lúcia Avelar (2001) mostrou que os temas priorizados pelas mulheres na legislatura de 1998-2002 na Câmara dos Deputados referiram-se às áreas de trabalho e previdência, saúde, violência e direitos civis, enquanto uma proporção mínima tratou de temas relacionados ao desenvolvimento, à infraestrutura e ao poder (PINHEIRO, 2007). (ORSATO, 2013, p.6)41.

Conforme demonstrado na Tabela 1, podemos observar que há sim grandes

diferenças de concentração e distribuição feminina entre as comissões da Câmara,

durante a 54ª legislatura. A Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) é a

40 Justificativa apresentada no PL 102/1919, que pretendia estender o direito ao voto para as mulheres. Disponível http://pt.slideshare.net/Museu-Bertha/projeto-de-lei-102-1919-senador-justo-chermont Acesso em 19.08.2015. 41 Em uma primeira leitura esta citação pode levar a crer que, diferente do que foi dito anteriormente, há vários estudos sobre comissões e gênero. Contudo, cabe esclarecer que as pesquisas citadas possuem como objeto principal o perfil das mulheres nas instituições políticas e não tratam especificamente sobre comissão e gênero.

que possui maior presença de mulheres, com oito deputadas, 22% do total dos 36

membros. Por outro lado, a Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU) não

possui nenhuma mulher entre os 18 membros. O que mais chama atenção, contudo,

é a composição das três Comissões que necessariamente irão tratar de dinheiro:

Comissão de Finanças e Tributação (CFT), Comissão de Fiscalização Financeira e

Controle (CFFC) e Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio

(CDEIC), com apenas uma mulher em cada uma das comissões.

Por outro lado, há dados que surpreenderam por não comprovarem os

achados de estudos anteriores, como é o caso da representação feminina na

Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN), que conta com 15%

de mulheres. Segundo a pesquisa de Heath (2005), haveria uma sub-representação

das deputadas em comitês que tratam de política externa. Contudo, não é o que

observamos na 54ª legislatura, já que a composição da CREDN fica em 3ª lugar nas

comissões com maior porcentagem de representação feminina, empatada com a

Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTAS).

De qualquer forma, os números da CSSF vão de encontro com o que

esperávamos achar no caso brasileiro após os apontamentos das bibliografias

pesquisadas. Não só a CSSF é a comissão com maior percentual de mulheres, é

também a que mais conta com deputadas em números absolutos. Possui 8

parlamentares do sexo feminino, quase 17% das representantes eleitas na 54ª

legislatura.

Outro achado bastante expressivo é o que diz respeito à Comissão de

Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC). Como já foi dito, esta comissão não é

como as demais, pois praticamente todos os projetos de lei da Casa deverão passar

pelo seu crivo (sua competência, de acordo com o art. 32 do Regimento Interno42 é

42 Artigo 32, inciso III, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados: “a) aspectos constitucional, legal, jurídico, regimental e de técnica legislativa de projetos, emendas ou substitutivos sujeitos à apreciação da Câmara ou de suas Comissões; b) admissibilidade de proposta de emenda à Constituição; c) assunto de natureza jurídica ou constitucional que lhe seja submetido, em consulta, pelo Presidente da Câmara, pelo Plenário ou por outra Comissão, ou em razão de recurso previsto neste Regimento; d) assuntos atinentes aos direitos e garantias fundamentais, à organização do Estado, à organização dos Poderes e às funções essenciais da Justiça; e) matérias relativas a direito constitucional, eleitoral, civil, penal, penitenciário, processual, notarial; f) Partidos Políticos, mandato e representação política, sistemas eleitorais e eleições; g) registros públicos; h) desapropriações; i) nacionalidade, cidadania, naturalização, regime jurídico dos estrangeiros; emigração e imigração;

bem ampla). Além disso, é uma comissão com grande repercussão midiática,

tornando-a estratégica para os partidos (MULLER, 2005, p. 3). Sua composição

conta com 66 membros, dos quais apenas duas são mulheres. Assim, verificamos

que realmente as deputadas se concentram em temas mais “assistenciais”, com

grande atuação na CSSF e ficam de fora de comissões “poderosas”, como é o caso

da CFT e CFFC, bem como, da CCJ, comissão estratégica para os partidos.

Antes de iniciar a coleta de dados, nossa hipótese era de que as mulheres

se concentrariam em comissões na quais os assuntos relativos a gênero teriam mais

chance de ser abordados, como é o caso da CSSF e CDHM. Nossa ideia inicial era

de que as deputadas buscariam comissões onde fosse mais viável o engajamento

em pautas legislativas sobre mulheres. Acreditávamos que as deputadas,

conscientes da baixa representação política feminina, utilizariam este “diferencial”,

para tentar buscar um interesse, defender uma opinião ou determinada perspectiva.

Em outras palavras, de acordo com critérios informacionais de distribuição

entre as comissões, as deputadas seriam indicadas ou escolheriam as comissões

com maior possibilidade de tratar de questões de gênero justamente por terem

informações e perspectivas relevantes para estas matérias. Contudo, após a

verificação de que várias deputadas nem ao menos apresentaram propostas

legislativas sobre gênero (este dado será mostrado em ponto próprio), esta nossa

hipótese não parece mais ser tão defensável.

Pelo que foi observado no decorrer da pesquisa, as deputadas, em regra,

não enfatizam bandeiras feministas e não trazem pautas de gênero como sua

principal plataforma de reeleição – mais para frente iremos demonstrar esta

constatação empiricamente. Então, como explicar a concentração das deputadas

nas cinco comissões estudadas? Como já foi dito no capítulo sobre metodologia,

verificamos a) as ocupações anteriores das parlamentares; b) sua ligação com

j) intervenção federal; l) uso dos símbolos nacionais; m) criação de novos Estados e Territórios; incorporação, subdivisão ou desmembramento de áreas de Estados ou de Territórios; n) transferência temporária da sede do Governo; o) anistia; p) direitos e deveres do mandato; perda de mandato de Deputado, nas hipóteses dos incisos I, II e VI do art. 55 da Constituição Federal; pedidos de licença para incorporação de Deputados às Forças Armadas; q) redação do vencido em Plenário e redação final das proposições em geral”.

associações, sindicatos, movimentos feministas, entre outros; e c) permanência na

comissão de matéria por mais de um período legislativo.

4.2 PERFIL DAS DEPUTADAS: “Mãe, profissional, esposa. Vaidosa, batalhadora,

sensível.43”

Para buscar compreender o recrutamento das deputadas nas comissões

estudadas, iremos verificar, neste tópico, as profissões anteriores, ligações com

grupos externos e permanência nas comissões. Iniciamos detalhando por quantos

anos as deputadas mantiveram suas atuações nas cinco comissões como titulares,

para averiguar se haveria uma regra de permanência. Como já foi dito, há estudo de

Pereira e Mueller (2000) demonstrando o alto grau de rotatividade nas comissões

brasileiras. Fizemos um levantamento para as deputadas e comissões pesquisadas:

Gráfico 1: Anos de permanência na mesma comissão das deputadas titulares da CDHM, CSSF, CTASP, CE e CLP.

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 14 de outubro de 2014.

43 Trecho de uma campanha denominada “Ser Mulher” desenvolvida pela Secretaria de Comunicação da Câmara (Secom) em homenagem às servidoras do Poder Legislativo no Dia Internacional da Mulher. A campanha traz o seguinte texto, entre outras pérolas: “Depois de um dia de trabalho, a mulher arruma a casa, põe flores à mesa e faz um bolo fresquinho. Com graça e leveza, marca presença e transforma qualquer casa em um lar de verdade”. Disponível: http://www2.camara.leg.br/a-camara/conheca/camara-destaca/mulheres-no-parlamento/campanhas Acesso em 21.08.2015.

4%

12%

15%

23%

23%

23%

Anos de permanência na mesma Comissão

Menos de um ano

1 ano

2 anos

4 anos

5 anos

Mais de 5 anos

Fica claro no gráfico acima que a maioria das deputadas permanece na

mesma comissão por quatro anos 44 ou mais. Assim, para as parlamentares

estudadas, não há grande rotatividade de matérias, muito pelo contrário, a tendência

é a manutenção no mesmo tema legislativo. Esclarecemos que, na realização da

pesquisa, consideramos também os mandatos eletivos anteriores à 54ª legislatura e

as informações foram coletadas das biografias oficiais constantes do site da

Câmara.

As quatro parlamentares titulares da CTAS nos anos de 2011 e 2012 contam

com no mínimo quatro anos de experiência, sendo que duas delas (Andreia Zito –

PSDB/RJ – e Gorete Pereira – PR/CE) acumulam nove anos de participação na

mesma comissão. Também foi observada a constância de deputadas na CE, sendo

que quatro, das cinco membras, atuam na mesma matéria há, no mínimo, quatro

anos. A comissão que apresentou maior rotatividade foi a CDMH, com 50% das

deputadas permanecendo menos de quatro anos na comissão. Em seguida a CSSF,

que teve três membras alteradas antes de completar o período de um mandato. A

deputada com maior permanência em uma mesma comissão é Luiza Erundina

(PSB/SP), que se mantém na CLP há aproximadamente 12 anos como titular.

Dos dados apresentados, concluímos que a regra da permanência na

comissão escolhida é observada para as deputadas brasileiras: as parlamentares

têm tendência de continuar na mesma comissão, adquirindo mais experiência e,

possivelmente, maior conhecimento sobre os temas específicos. Isto é um indício de

explicação da distribuição das deputadas através da teoria informacional: incentivos

para o aumento da especialidade dos/as congressistas em determinados temas.

Outro dado a ser analisado é a formação acadêmica/ ocupação anterior que

cada deputada exercia antes da eleição parlamentar. Nossa hipótese inicial era de

que esta variável teria influência na escolha da comissão por tema mais pertinente à

experiência anterior; por exemplo, encontraríamos uma concentração de professoras

na CE. Contudo, não foi isso que observamos da análise dos dados.

Na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, não há nenhuma advogada

ou assistente social, mas há uma bancária (Érika Kokay – PT/DF), uma economista

(Antônia Lúcia – PSC/AC) e uma radialista (Liliam Sá – PSD/RJ). Na Comissão de

44Nos valemos desta “medida de tempo” de quatro anos, considerando o tempo de mandato dos/as deputados/as federais.

Seguridade Social e Família, encontramos duas enfermeiras, uma auxiliar de

enfermagem e uma médica45, num universo de 12 deputadas (que foram titulares da

CSSF nos anos de 2011 e 2012), significando uma concentração considerável de

profissionais da saúde. Das representantes mulheres na comissão, 33% possuem

ocupação com óbvia pertinência temática aos trabalhos desenvolvidos nesta esfera

legislativa. Entre as demais deputadas, temos duas empresárias 46 , duas

professoras47, três funcionárias públicas48 e uma do lar49.

A Comissão de Educação possui duas professoras (Fátima Bezerra – PT/RN

– e Dorinha Seabra Rezende – DEM/TO) no seu quadro total de cinco deputadas

que foram titulares nos anos de 2011 e 2012, representando 40% de profissões com

óbvia pertinência temática com o objeto da comissão. Pela CE também passou uma

farmacêutica bioquímica, uma publicitária, e uma servidora pública50.

A Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público possui uma

atribuição mais ampla e fica mais difícil de avaliar a pertinência das profissões, mas

é digno de nota o fato de que justamente na comissão que trata de serviço público,

não há nenhuma funcionária pública. Esta comissão contou com uma bacharela em

direito, uma socióloga, uma professora e uma fisioterapeuta 51 . E por fim, a

Comissão de Legislação Participativa teve uma assistente social e uma professora52.

Assim, em nenhuma das comissões estudadas, a profissão/ ocupação anterior se

mostrou como fator determinante para a indicação da matéria a ser trabalhada.

Ainda dentro do perfil das parlamentares, verificamos aquelas que possuem

ligação com associações, sindicatos e movimentos feministas – de acordo com sua

biografia oficial presente no site da Câmara. Pretendemos analisar se as deputadas

com atuação anterior em determinados setores da sociedade, buscaram ingressar

nas comissões com pertinência de matéria. Estes dados também são importantes

para verificar critério de recrutamento, levando em consideração a atuação da

comissão junto aos grupos de interesse - eles serão mais uma vez levantados

45 Benedita da Silva (PT/RJ), auxiliar de enfermagem; Camen Zanotto (PPS/SC), enfermeira; Jandira Fegali (PCdoB/RJ), enfermeira; e Celia Rocha (PTB/AL), médica. 46 Cida Borghetti (PP/PR) e Aline Corrêa (PP/SP). 47 Elcione Barbalho (PMDB/PA) e Prof. Marcivania (PT/AP) 48 Rosinha da Adefal (PTdoB/AL), Teresa Surita (PMDB/RR) e Sueli Vidigal (PDT/ES) 49 Descrito desta forma no site da Câmara. Deputada Nilda Gondim (PMDB/PB). 50 Alice Portugal (PCdoB/BA), Mara Gabrilli(PSDB/SP) e Nice Lobão (DEM/MA), respectivamente. 51 Andreia Zito (PSDB/RJ), Fátima Pelaes (PMDB/AP), Flávia Morais (PDT/GO) e Gorete Pereira (PR/CE). 52 Luiza Erundina (PSB/SP) e Dorinha Seabra Rezende (DEM/TO).

quando formos tratar das audiências públicas. Quanto às ligações sindicais, temos

os seguintes dados:

Tabela 3: Deputadas titulares da CDHM, CSSF, CE, CLP e CTASP em 2011 e 2012 e os Sindicatos mencionados nas biografias oficiais Deputada Partido Comissão Sindicato

Fátima Bezerra PT /RN CE Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Rio Grande do Norte.

Alice Portugal PCdoB/ BA CE Sindicato dos Trabalhadores em Educação Superior; CUT

Gorete Pereira PR/ CE CTASP Sindicato de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Fortaleza

Erika Kokay PT/ DF CDHM Sindicato dos Bancários DF; CUT

Janete Rocha

Pietá

PT/ SP CDHM Sindicato Metalúrgicos SP

Jandira Feghali PCdoB/ RJ CSSF Sindicato dos Médicos RJ

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 14 de outubro de 2014.

As demais deputadas não declararam ligações com sindicatos em suas

biografias oficiais. Pelos dados da tabela, há pertinência temática óbvia nos

Sindicatos das duas membras da CE. Inclusive, a presença da deputada Alice

Portugal na Comissão de Educação não guardava ligação com a sua profissão, que

é farmacêutica bioquímica. Mas pode ser explicada pela sua atuação junto ao

Sindicato dos Trabalhadores em Educação Superior. Sobre a CTASP, acreditamos

que qualquer atividade sindical garante relevância informacional nesta comissão, já

que um dos seus objetivos é discutir legislação sobre trabalho.

No caso das deputadas pertencentes à CDHM, não encontramos pertinência

temática óbvia com o Sindicato dos Metalúrgicos ou dos Bancários. Por outro lado,

há clara relevância para a CSSF a ligação da deputada Jandira Feghali com o

Sindicato dos Médicos. Outro dado que pode ser extraído desta tabela é a filiação

partidária. A única deputada que declarou ligação sindical e não pertence a partidos

de esquerda é Gorete Pereira, do Partido da República.

Seguindo adiante, vejamos as ligações das deputadas com associações ou

institutos:

Tabela 4: Deputadas titulares da CDHM, CSSF, CE, CLP e CTASP em 2011 e 2012 e as associações53/ institutos mencionados nas biografias oficiais Deputada Partido Comissão Associação / Federação / Instituto

Fátima Bezerra PT /RN CE Associação dos Orientadores Educacionais do Rio Grande do Norte; Associação dos Professores do Rio Grande do Norte

Mara Gabrilli PSDB/ SP CE Instituto Rodrigo Mendes (educação inclusiva); Instituto Asas (jovens empreendedores); Instituto Mara Gabrilli (portadores de necessidades especiais).

Rosinha da Adefal

PTdoB/ AL CSSF Associação Dos Deficientes Físicos em Alagoas

Benedita da Silva PT/ RJ CSSF Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro

Jandira Feghali PCdoB/ RJ CSSF Associação Nacional dos Médicos Residentes

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 14 de outubro de 2014.

Desta tabela, há pertinência temática óbvia entre os temas da associação/

federação/ instituto e os objetos de discussão legislativa dentro das comissões. Nos

dois casos da CE, as parlamentares participaram de organizações ligadas à

educação. A deputada Rosinha da Adefal teve como plataforma de campanha a

“defesa dos direitos das pessoas com deficiência”54. A sua conexão com um grupo

de interesse não poderia ser mais visível – ela utiliza a sigla da associação em seu

nome político e a comissão a qual pertence analisa diversas legislações sobre o

tema. Sobre a Federação de Favelas, a priori ficamos em dúvida quanto à

pertinência, mas dado que “Seguridade Social” envolve “Assistência Social”, a

ligação também parece patente.

Como foi dito, um dos nossos objetivos era analisar o número de deputadas

com atuação junto aos movimentos feministas. Contudo, tivemos grande dificuldade

em realizar esta classificação. Tendo em vista que não são todas as organizações

que se denominam “feministas”, mesmo com engajamento na luta por direitos das

mulheres 55 . Assim, optamos por adequar o termo e utilizar “organizações para

53A deputada Aline Corrêa participa da Associação Feminina Cristã, mas optamos por incluir este dado em “organizações para mulheres”. 54 Da página do facebook da deputada: https://www.facebook.com/rosinhadaadefal2?fref=nf Acesso em 22.10.14). 55 A BPW Associação de Mulheres de Negócios de Profissionais, não utiliza o termo “feminista” em seu site oficial, contudo, descreve a seguinte missão: “Ser reconhecida como um celeiro de lideranças femininas, independente de raças e credos, atraindo e mantendo personalidades femininas da comunidade, a empoderando, proporcionando trocas de experiências e aprimorando o empreendedorismo”. Disponível em 25.10.14: http://www.bpwbrasil.org/principal/50.html

mulheres”, significando qualquer associação a qual a deputada tenha declarado sua

ligação na biografia oficial e que tenha como objetivo ampliar os direitos femininos.

Tabela 5: Deputadas titulares da CDHM, CSSF, CE, CLP e CTASP em 2011 e 2012 e as organizações para mulheres mencionadas nas biografias oficiais Deputada Partido Comissão Organizações para mulheres

Fátima Pelaes PMDB/ AP CTASP Instituto FASE

Benedita da Silva PT/ RJ CSSF Conselho Nacional de Mulheres do Brasil

Cida Borghetti PP/ PR CSSF BPW Associação de Mulheres de Negócios e Profissionais

Jandira Feghali PCdoB/ RJ CSSF União Brasileira de Mulheres

Aline Corrêa PP/ SP CSSF Associação Feminina Cristã (ACF)

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 14 de outubro de 2014.

O Instituto FASE, que consta na biografia da deputada Fátima Pelaes, tem

quatro grandes causas, uma delas é a “Organização das Mulheres como Sujeitos de

Direitos”56. O conteúdo do site do Instituto apresenta um viés feminista. Uma das

bandeiras levantadas é a questão dos salários menores em virtude de gênero, com

ligação ao tema da comissão da deputada Pelaes, que integra a CTASP. Vale notar

que apenas cinco parlamentares colocam em suas biografias ligações com

organizações para mulheres. E, destas cinco, quatro são da mesma comissão:

CSSF. A associação que nos deixa um pouco na dúvida quanto à ligação com os

temas da CSSF é a BPW, pois o foco principal é o empreendedorismo feminino, que

não necessariamente tem ligação com seguridade social e família. Mas

consideramos como uma forma de explicação informacional que a deputada que

atue em uma associação de mulheres, também seja participante da comissão que

debate o maior número de pautas de gênero.

Esta análise das organizações foi bem frutífera, sendo um bom ponto de

explicação da distribuição entre as comissões: as deputadas buscam discutir

legislações com relevância para os sindicatos/ associações/ institutos/ federações

das quais fizeram parte. Apesar do baixo número de parlamentares que apontam

estas ligações externas – apenas 12 das 27 deputadas – não podemos deixar de

notar um elo entre a experiência e expertise advinda destas organizações com a

matéria das comissões.

56 Do site oficial do Instituto FASE acesso em 25.10.2014: http://fase.org.br/pt/o-que-fazemos/mulheres/

Agora, vamos resumir estes achados em uma única tabela, que irá conter o

nome das deputadas, comissões das quais fazem parte, e três outros campos: a)

seniority, que traz os dados de deputadas que contam com quatro anos ou mais de

participação na comissão; b) ocupação, correlacionando as profissões e formações

acadêmicas das parlamentares; c) organizações externas, neste campo estão

incluídos sindicatos, associações, entre outros, com ligação com a matéria da

comissão.

Tabela 6: Resumo das características informacionais

Nome da deputada Comissão Seniority Ocupação Organizações externas

Alice Portugal CE X - X

Aline Corrêa CSSF X - X

Andreia Zito CTASP X - -

Antônia Lúcia CDHM - - -

Benedita da Silva CSSF X X X

Carmen Zanotto CSSF X X -

Cida Borghetti CSSF - - X

Celia Rocha CSSF - X -

Elcione Barbalho CSSF X - -

Erika Kokay CDHM X - -

Fátima Bezerra CE X X X

Fátima Pelaes CTASP X - X

Flávia Morais CTASP X - -

Gorete Pereira CTASP X - X

Luiza Erundina CLP X - -

Liliam Sá CDHM X - -

Jandira Feghali CSSF X X X

Janete Rocha Pietá CDHM X - -

Manuela D´Ávila CDHM - - -

Mara Gabrilli CE - - X

Nice Lobão CE X - -

Nilda Gondim CSSF X - -

Profa. Dorinha Seabra Rezende

CE X X -

Profa. Marcivania CSSF - - -

Rosinha da Adefal CSSF X - X

Sueli Vidigal CSSF X - -

Teresa Surita CSSF - - -

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 3 de julho de 2014.

Conforme se depreende da tabela 6, 23 das 27 deputadas apresentam uma

ou mais características que vão de encontro com a teoria informacional: seja pelo

tempo de permanência na mesma comissão; participação em organizações com o

mesmo tema debatido nos projetos de lei que passam pelas comissões; ou

ocupação e formação acadêmica anterior. Isto nos leva a concluir que a escolha da

comissão é, em regra, dirigida pelo conhecimento acumulado das deputadas.

Por fim, realizamos pesquisa sobre as deputadas e relações familiares com

políticos 57 . Como já foi explicado, buscamos por filiação ou matrimônio nas

biografias constantes no site da Câmara e nos sites e blogs oficiais das

parlamentares. Das 27 congressistas analisadas, 10 possuem relações familiares

com homens que exerceram funções políticas, sejam prefeitos, deputados, entre

outros, somando 37% das mulheres pesquisadas.

Buscamos também averiguar se o parentesco teria maior incidência

conforme a orientação ideológica partidária. As deputadas Flávia Morais e Sueli

Vidigal possuem vínculos familiares com políticos e ambas pertencem ao PDT, que

consta na classificação utilizada como partido de esquerda, representando 16,6% do

total de 12 deputadas de esquerda. Por sua vez, os partidos do centro (PMDB e

PSDB) somam seis deputadas, sendo que quatro delas possuem relações de

parentesco, ou seja, 66,6% das congressistas desta posição ideológica. Finalmente,

há nove deputadas integrantes de partidos de direita no nosso objeto de estudo e

quatro delas com vínculos familiares, uma percentagem de 44,4%.

Através dos dados apresentados, confirmamos a hipótese de que as

deputadas se concentram em determinados temas de comissões, como seguridade

57 Acreditamos que os dados das relações familiares das deputadas só poderiam ser interpretados de

forma completa com a realização de pesquisa de parentesco dos homens congressistas pertencentes às comissões. Contudo, por fugir muito do objeto central deste trabalho, tal averiguação não foi realizada. Desta feita, não podemos precisar se há maior ocorrência de mulheres com familiares políticos. Em pesquisa anterior, SANTOS (1997, p. 90) constatou que: “Durante as oito legislaturas examinadas, a freqüência de parlamentares ligados a políticos por laços de parentesco se situou em torno de 25,8 por cento do total de deputados eleitos”. A pesquisa trata de período anterior ao estudado na presente dissertação.

social e família e concluímos que a ligação à organização externa (associação,

sindicato, entre outros) é um dado relevante para a explicação de distribuição entre

comissões. Agora, iremos analisar os projetos de lei propostos por estas deputadas,

bem como os votados no âmbito das comissões trabalhadas.

5 PROPOSTAS LEGISLATIVAS: “...Câmara dos Deputados um centro de

debate das questões relacionadas à igualdade de gênero e à defesa dos

direitos das mulheres no Brasil e no mundo”58

Conforme já foi indicado optamos por duas fontes de informações: a primeira

abrange todos os projetos de lei e projetos de emendas à constituição apresentados

pelas 27 deputadas, membras titulares das cinco comissões escolhidas, entre os

anos de 2011 e 2012. A segunda fonte é composta pelos projetos de lei votados no

âmbito das cinco comissões no mesmo período de tempo, tanto as votações pela

rejeição como pela aprovação.

Iniciaremos este capítulo apresentando os dados sobre os projetos de lei e

emendas à constituição apresentados pelas deputadas selecionas, nos mesmos

anos (2011 e 2012). Contabilizamos um total de 335 projetos de lei e emendas, das

quais apenas 32 tratam sobre questões pertinentes a gênero. Na tabela a seguir

seguem os nomes de todas as deputadas pertencentes às cinco comissões,

respectivos partidos e produção legislativa:

Tabela 7: Total de PL apresentados pelas Deputadas, respetivos partidos e PL relacionados a gênero Nome da deputada Partido/

Estado

Comissão N. total de

PL

Relacionado a

gênero

% relacionado a gênero

Alice Portugal PCdoB/ BA CE 6 0 0

Aline Corrêa PP/ SP CSSF 10 1 10%

Andreia Zito PSDB/ RJ CTASP 33 0 0

Antônia Lúcia PSC/ AC CDHM 7 0 0

Benedita da Silva PT/ RJ CSSF 9 2 22%

Carmen Zanotto PPS/ SC CSSF 13 0 0

Cida Borghetti PP/ PR CSSF 8 2 25%

Celia Rocha PTB/ AL CSSF 1 1 100%

Elcione Barbalho PMDB/ PA CSSF 8 0 0

Erika Kokay PT/ DF CDHM 54 6 11%

Fátima Bezerra PT /RN CE 9 0 0

Fátima Pelaes PMDB/ AP CTASP 8 3 37%

Flávia Morais PDT/ GO CTASP 17 1 5%

58 Trecho do art. 20-A do Regimento interno da Câmara, que instituiu a Secretaria da Mulher, em 2013. Artigo na íntegra: “A Secretaria da Mulher, composta pela Procuradoria da Mulher e pela Coordenadoria dos Direitos da Mulher, sem relação de subordinação entre elas, é um órgão político e institucional que atua em benefício da população feminina brasileira, buscando tornar a Câmara dos Deputados um centro de debate das questões relacionadas à igualdade de gênero e à defesa dos direitos das mulheres no Brasil e no mundo.” (BRASIL, 1989).

Gorete Pereira PR/ CE CTASP 10 0 0

Luiza Erundina PSB/SP CLP 10 0 0

Liliam Sá PR/ RJ CDHM 14 6 42%

Jandira Feghali PCdoB/ RJ CSSF 13 1 7%

Janete Rocha Pietá PT/ SP CDHM 12 2 16%

Manuela D´Ávila PCdoB/

RS

CDHM 15 1 6%

Mara Gabrilli PSDB/ SP CE 12 0 0

Nice Lobão PSD/ MA CE 0 0 0

Nilda Gondim PMDB/ PB CSSF 30 4 13%

Profa. Dorinha Seabra Rezende

DEM/ TO CE 18 0 0

Profa. Marcivania PT/AP CSSF 1 0 0

Rosinha da Adefal PTdoB/ AL CSSF 11 0 0

Sueli Vidigal PDT/ ES CSSF 17 1 5%

Teresa Surita PMDB/ RR CSSF 6 1 16%

Total 352 32 9%

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 3 de julho de 2014.

No que diz respeito aos projetos de emendas à Constituição, todas as

deputadas juntas apresentaram 17 PEC nos anos de 2011 e 2012. Contudo, não

houve nenhuma PEC apresentada que levantasse qualquer questão referente a

gênero. De uma primeira análise desses dados, já fica claro que uma deputada não

necessariamente irá propor projetos para mulheres ou fazer deste tipo de legislação

a sua principal bandeira. Conforme se observa da tabela, 13 das 27 deputadas

(praticamente metade do universo total estudado) não realizaram nenhuma

proposição com temática de gênero.

Também é interessante observar a concentração dos temas sobre os quais

tratam as proposições. Pelo o que foi defendido por Zaikoski “Se observa la

reiteración y circularidade nel tratamiento de temas que afectan a las mujeres, sin

que al menos se legisle un umbral de derechos sobre el cual construir a posteriori y

paulatinamente más y mejores derechos de ciudadanía femenina” (2012, p. 5).

Buscando verificar se esta questão da reiteração de temas também se aplica ao

caso brasileiro, pegamos tomamos todas as proposições sobre gênero apresentadas

pelas 27 deputadas em 2011 e 2012 e separamos por temas mais recorrentes,

chegando nos seguintes números:

Tabela 8: Projetos de Lei sobre gênero, divididos por temas recorrentes

Número de PL %

Total de PL sobre gênero 32 100%

Questões sexuais de crianças e adolescentes 12 37%

Direitos trabalhistas 7 21%

Maior representação feminina na política 3 9%

Mulheres em situação prisional 3 9%

Violência doméstica 2 6%

Prioridade no atendimento de gestantes e lactantes 2 6%

Direitos LGBTT 2 6%

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 3 de julho de 2014.

Da leitura das ementas dos projetos de lei sobre gênero, conseguimos

facilmente observar temas recorrentes. Questões ligadas à sexualidade de crianças

e adolescentes são objetos de 12 propostas legislativas, mais de 1/3 do total de

projetos sobre gênero. Neste ponto, chama especial atenção a atuação da deputada

Lilian Sá (PR/RJ), que apresentou um total de 14 PL nos anos de 2011 e 2012. Seis

projetos foram identificados como pertinentes a gênero e todos são relativos a

crianças e adolescentes59.

Na classificação dos PLs incluímos um pertinente aos direitos trabalhistas.

Aí estão englobados projetos de lei que tratam sobre desigualdade salarial em

virtude do sexo60; aumento de efetivo de policiais mulheres61; e direitos trabalhistas

59PL-2371/2011 Ementa: Cria o Sistema Nacional de Combate à Pedofilia e à Exploração Sexual Infanto-Juvenil; PL-4468/2012 Ementa: Dispõe sobre a obrigatoriedade da impressão, em todo livro didático publicado no País, de mensagem alusiva ao combate ao abuso sexual de crianças e adolescentes; PL-4469/2012 Ementa: Altera a Lei nº 11.577, de 22 de novembro de 2007, para tratar da divulgação, no transporte público, de mensagem relativa à exploração sexual e tráfico de crianças e adolescentes; PL-4754/2012 Ementa: Determina às emissoras de radiodifusão sonora e de sons e imagens a obrigatoriedade de divulgação de propagandas gratuitas de combate à pedofilia, violência e ao abuso e exploração sexual, e desaparecimento de crianças e adolescentes; PL-4756/2012 Ementa: Acrescenta o art. 394-A ao Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 para assegurar, em qualquer instância, prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais e laudos periciais, que apurem a prática de crime de pedofilia, abuso, violência e exploração sexual de criança e adolescente; PL-4858/2012 Ementa: Acrescenta inciso ao art. 8º da Lei nº 11.182, de 27 de setembro de 2005, atribuindo à ANAC competência para estabelecer normas de informação aos turistas sobre exploração e turismo sexual. 60 PL 371/2011 proposto pela deputada Manuela D´Ávila (PCdoB/RS). 61 PL 3408/2012 proposto pela deputada Erika Kokay (PT/DF).

decorrentes da maternidade/ paternidade62. Dos sete projetos de lei analisados com

temática “trabalho”, três versam sobre o aumento de tempo da licença paternidade

(incluídos aqui como questão de gênero, tendo em vista a divisão do trabalho

doméstico e cuidado com as crianças).

Há também três projetos de lei que buscam maior representação feminina na

política: o PL 3352/2012 da deputada Fatima Pelaes (PMDB/AP), que pretende

disciplinar a movimentação do percentual do Fundo Partidário destinado à promoção

da participação feminina; o PL 1699/2011, da deputada Flávia Morais (PDT/GO),

que estabelece que o eleitor votará em dois candidatos de gêneros diferentes para

cargos legislativos; e o PL 2436/2011 da deputada Benedita da Silva (PT/RJ), que

estabelece distribuição paritária entre os sexos no preenchimento de cargos nos

órgãos de direção partidários.

Outra temática que aparece como objeto de três projetos de lei são os

direitos e as garantias das mulheres em situação prisional63. Também, conforme

observado na tabela, dois projetos de lei que tratam sobre violência doméstica64; e

dois projetos de lei sobre atendimento prioritário a gestantes e lactantes65. Por fim,

dois PL que tratam de direitos LGBTT66.

Pelos dados analisados, realmente é possível observar uma reiteração de

temas nas propostas legislativas apresentadas pelas deputadas nos anos de 2011 e

2012. Não só determinados temas comuns em propostas de diversas deputadas –

como é o caso de questões sexuais de crianças e adolescentes, que foi objeto de

proposições por cinco parlamentares diferentes; como também, a mesma deputada

apresentando projetos de lei com objetos muito próximos – por exemplo, a deputada

Erika Kokay (PT/DF) que apresentou três PL sobre licença paternidade; e a

deputada Nilda Gondim (PMDB/PB) que apresentou os dois projetos sobre

atendimento prioritário.

Conforme indicado acima, Zaikoski (2012) entende que, no caso argentino,

não há construção gradual de mais direitos que garantam a cidadania feminina. Em

62 PL 879/2011, PL 901/2011 e PL 3431/2012 propostos pela deputada Erika Kokay (PT/DF); PL 125/2011 proposto pela deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ); PL 3812/2012 proposto pela deputada Teresa Surita (PMDB/RR). 63 PL 2744/2011 (Fatima Pelaes PMDB/AP); PL 1510/2011 (Erika Kokay PT/DF); e PL 1157/2011 (Cida Borghetti PP/PR) 64 PL 4155/2012 (Deputada Fátima Pelaes PMDB/AP) e 4501/2012 (Deputada Aline Corrêa PP/SP). 65 PL 579/2011e PL 628/2011 (ambos da Deputada Nilda Gondim PMDB/PB). 66PL 4241/2012 (Erika Kokay PT/DF) e o PL 2153/2011 (Janete Rocha Pietá PT/SP).

posição semelhante, Campos e Miguel (2008) apontam que os enfoques feministas

mais acirrados ficam fora do debate para evitar o conflito com os demais atores,

caracterizando verdadeira limitação imposta pelo próprio campo político, pois as

deputadas não querem assumir o risco político de adotar estas posições.

Vejamos se, através dos dados levantados, chegamos à conclusão

semelhante. O primeiro dado a ser retomado é de que mais de 1/3 das deputadas

estudadas não apresentou nenhum PL sobre mulheres. Isto indica falta de interesse

no tema, seja pela deputada ter outras plataformas de campanha – analisaremos um

caso destes na sequência – ou pelos altos custos políticos de debater gênero; de

qualquer forma, é um indicativo da existência de limitação imposta pelo campo

legislativo. Outro apontamento relevante é a questão do consenso ao redor do tema

do projeto:

Dos vinte e dois projetos que tratam de questões femininas propostos pelas deputadas que integram a CSSF e CDHM, onze abordam a exploração sexual de crianças e adolescentes. Isso significa que metade dos projetos de lei correlacionados com gênero tem como enfoque um ponto que pode ser considerado consensual – dificilmente haverá grupo de eleitores ou bancada ideológica contrário ao PL 4756 de 2012 (proposto pela deputada Liliam Sá, do PSD-RJ), que visa assegurar a prioridade na tramitação de procedimentos que apurem denúncia de crime de pedofilia, abuso ou exploração sexual de crianças e adolescentes. (RUGGI e RUGGI, 2013, p. 10).

Por esta perspectiva, a grande quantidade de projetos de lei que tratam

sobre questões sexuais de crianças e adolescentes - 37% dos PL sobre gênero - é

outro possível indicativo da limitação de temas: as deputadas propõem muitas

ementas que não levantam grandes polêmicas. Porém, neste mesmo raciocínio - de

que as parlamentares buscariam propor projetos em que haja consenso entre

bancadas e eleitores - também estariam incluídos projetos visando coibir a violência

doméstica. No entanto, foram apenas dois PL com este tema nos anos de 2011 e

2012.

Diante disso, a explicação de buscar projetos não-polêmicos não funciona

sozinha. Levando em consideração a bibliografia sobre o tema, as deputadas

tenderiam a se focar em questões voltadas para a área social: “mulheres legislam

prioritariamente a respeito das seguintes áreas: educação, saúde, lazer, transporte,

habitação, segurança pública, trabalho e previdência social e fundiária, proteção à

maternidade e à infância e assistência aos desamparados” (ORSATO, 2013, p. 11).

Tomemos o caso da deputada Rosinha da Adefal (PTdoB/AL) como

exemplo. Ela é ligada à Associação dos Deficientes Físicos de Alagoas (ADEFAL) e,

como já foi dito, teve como plataforma de campanha a “defesa dos direitos das

pessoas com deficiência”. Esta deputada apresentou um total de nove projetos de lei

e duas propostas de emenda à Constituição nos anos de 2011 e 2012. Nenhuma

destas proposições envolve gênero, mas oito PL e as duas PEC apresentadas são

sobre maior acessibilidade ou inclusão de pessoas portadoras de deficiência. Assim,

fica claro que a deputada se volta para um tema que claramente envolve defesa de

setores marginalizados.

Para buscar verificar se as pautas de gênero são escassas pela dificuldade

em aprovação destes projetos e falta de interesse da Câmara em realizar a votação

do tema, fizemos um levantamento do andamento dos citados projetos até outubro

de 2014, buscando observar se já houve votação; se foi transformado em norma

jurídica; ou se o parecer do relator é pela aprovação ou rejeição.

Gráfico 2: Tramitação atual dos projetos de lei sobre gênero apresentados pelas deputadas titulares da CDHM, CE, CSSF, CLP e CTASP nos anos de 2011/2012

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em novembro de 2014.

Vale observar que, de acordo com Departamento Intersindical de Assessoria

Parlamentar (DIAP), o tempo médio de tramitação de um Projeto de Lei é de cinco

3%10%

56%

31%

Tramitação dos PL sobre gênero

Transformados em lei

Com parecer "pela rejeição"

Com parecer "pela aprovação"

Não houve apreciação derelator

anos67. Levando isso em consideração, como os projetos por hora analisados são de

2011 e 2012, até o momento do levantamento o tempo médio não transcorrido,

então não há surpresa no fato de que a maioria destes PL ainda não teve parecer

definitivo.

Dos 32 projetos estudados, apenas um se tornou lei. O PL 2371/2011, de

autoria da Deputada Liliam Sá (PR/RJ) foi apenso ao PL 2458/2011 que, aprovado

pelo Congresso, se tornou a lei 12654/2012. Esta lei dispõe sobre a coleta de perfil

genético como forma de identificação criminal, sendo obrigatória para crimes

hediondos (aí incluído estupro e exploração sexual de crianças e adolescentes).

Do gráfico acima, observamos que a maioria dos projetos de lei sobre

gênero recebe parecer favorável das comissões de matéria para as quais foram

distribuídos. Inclusive projetos que tratam de temas com impacto na representação

feminina, como é o caso do PL 3352/2012, que disciplina a movimentação do

percentual do Fundo Partidário destinado à promoção da participação feminina.

Na pesquisa de Htun e Power (2006) há indicativos de que a opinião dos

legisladores não é tão tradicional, apesar de a legislação continuar conservadora em

muitos aspetos. Isso pode ser observado nos dados levantados sobre gênero, já que

56% das propostas possuem parecer favorável. Outro número expressivo

demonstrado no gráfico 2 é a quantidade de projetos que ainda não receberam

nenhum parecer de relator. Dentre os dez PL que se encontram aguardando o

pronunciamento do relator há duas proposições com pautas do movimento LGBTT:

o PL 4241/2012 (Erika Kokay PT/DF), que trata sobre o direito à identidade de

gênero; e o PL 2153/2011 (Janete Rocha Pietá PT/SP), que trata de adoção de

crianças por casais homoafetivos.

Conforme levantado por Krehbiel (1992), as comissões possuem o poder

negativo de manutenção do status quo, barrando projetos de lei que não atendam

seus interesses, em uma prática conhecida como gatekeeping. Uma das formas de

se atingir este objetivo é não tomar nenhuma decisão em determinado tema,

procrastinando ao máximo o processo legislativo. Ocorre que a Câmara é conhecida

pela sua morosidade, então, a “não-decisão” deliberada fica muito difícil de ser

67 Informação disponível em: http://www.diap.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=23546:balanco-da-producao-do-congresso-nacional-em-2013&catid=45&Itemid=204. Acesso em 14.10.2014.

comprovada. O que podemos afirmar com segurança, por meio dos dados

levantados, é o seguinte:

Tabela 9: Projetos de Lei sobre gênero sem parecer do relator, divididos por temas.

Total de projetos de lei sem parecer de

relator

10

Direitos LGBTT 2

Mulheres em situação prisional 2

Violência doméstica 1

Questões sexuais crianças e adolescentes 1

Maior representação feminina na política 1

Licença paternidade 3

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 3 de julho de 2014.

Como foi demonstrado na tabela 3, separamos 12 PL que tratam de

questões sexuais de crianças e adolescentes, destes, apenas um ainda não teve

parecer de relator. Por outro lado, classificamos dois PL com questões relativas a

direitos LGBTT e ambos se encontram em estado de “não-decisão”. O mesmo vale

para licença paternidade: os três projetos sobre o tema ainda não foram apreciados

por relator. Dos PL que tratam sobre mulheres em situação prisional, dois do total de

três projetos também estão parados. Apesar destes indícios de que há determinadas

matérias que concentram a morosidade legislativa, nosso universo total de PL sem

parecer de relator é muito restrito para que seja possível fazer análises conclusivas,

ficando este tema de pesquisa para ocasiões futuras.

Outros dados pesquisados dizem respeito aos projetos de lei votados pelas

cinco comissões no período de tempo analisado, independentemente de quem

propôs ou quando foi proposto. Assim como no momento anterior, pegamos o

universo total de PL votados (informações retiradas dos relatórios anuais das

comissões) e verificamos os projetos com relação de gênero. Nos anos de 2011 e

2012 as cinco comissões juntas avaliaram 1071 projetos (ou sugestões, para o caso

da Comissão de Legislação Participativa). Destes, apenas 52 projetos (ou

sugestões) tratavam de questões para mulheres.

Tabela 10: Projetos analisados pelas comissões no ano de 2011.

Comissão Total de projetos

analisados 2011

Relação com

gênero

%

Comissão de Educação 158 3 1,8%

Comissão de Legislação Participativa 75* 14 18,2%

Comissão de Trabalho, Administração e

Serviço Público

222 3 1,3%

Comissão de Direitos Humanos e Minorias 6 0 0%

Seguridade Social e Família 102 6 5,8%

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 3 de julho de 2014. * Total de sugestões apreciadas

Tabela 11: Projetos analisados pelas comissões no ano de 2012.

Comissão Total de projetos

analisados 2012

Relação com

gênero

%

Comissão de Educação 164 4 2,4%

Comissão de Legislação Participativa 27* 4 14,8%

Comissão de Trabalho, Administração e

Serviço Público

140 5 3,5%

Comissão de Direitos Humanos e Minorias 9 2 22%

Seguridade Social e Família 173 13 7,5%

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 3 de julho de 2014. * Total de sugestões apreciadas

Em 2011, a CLP foi a comissão que mais apreciou sugestões em matéria de

gênero. Esclarecemos, mais uma vez, que esta comissão tem como objetivo receber

pautas de setores organizados da sociedade civil e decidir se estas indicações

devem ou não se tornar projetos de lei. Assim, quando a CLP tem uma sugestão

aceita, isto implica na proposição de um novo PL. Dos dados da tabela 9,

observamos que, das 75 sugestões que a comissão analisou em 2011, 14 versavam

sobre gênero. Este número diminui no ano de 2012, caindo para quatro sugestões.

Em 2011 a CDHM não analisou nenhuma proposta legislativa que tivesse

qualquer pertinência com gênero. Este dado foi realmente surpreendente tendo em

vista não só a grande participação feminina nesta comissão, como também o fato de

ser historicamente considerada uma comissão dominada por partidos de esquerda.

Sobre esta questão de ideologia, a bibliografia aponta que a esquerda tem uma

atuação mais contundente em questões de gênero:

Esses dados indicam que os partidos de esquerda, além de elegerem o maior número de mulheres, são os partidos pelos quais as mulheres mais apresentaram projetos relativos a gênero na Assembleia Legislativa, das 55 proposições a respeito, tiveram procedência nesses partidos 79% do total, enquanto que os partidos de centro apresentaram 8% e, os de direita, 13% de toda a produção relativa a gênero. (ORSATO, 2013, p.10).

Primeiro, buscamos verificar se as deputadas eleitas realmente pertencem

em sua maioria aos partidos de esquerda. Como já foi explicado no capítulo de

metodologia, utilizamos classificação consagrada na bibliografia que delimita: na

esquerda PSTU, PDT, PT, PSB, PSOL, PPS, PCdoB; no centro PMDB, PSDB, PV; e

na direita DEM/PFL, PPB, PP, PRB, PDS, PRN, PDC. PL/PR, PTB, PSC, PSP, PRP,

PMN, PTdoB, PSD, PPR, PTR. Em números absolutos, a maior quantidade de

mulheres foi eleita pelo PT, com treze deputadas e pelo PMDB, nove parlamentares.

Contudo, estes também são os partidos com as maiores bancadas, 87 e 78

deputados, respectivamente. Diante disso, acreditamos que uma análise mais fiel

dos dados é através das porcentagens de mulheres no número total de

parlamentares por partido.

Gráfico 3: Porcentagem de mulheres no total da bancada de cada partido

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados,

consultada em 3 de julho de 2014.

Neste gráfico colocamos apenas os partidos que possuem representantes

mulheres, independentemente das deputadas estarem ou não no nosso escopo de

pesquisa. Dos partidos de esquerda, o único que não contou com nenhuma

deputada na 54ª legislatura foi o PSOL. No total a esquerda elegeu 177 deputados,

sendo 28 mulheres, 15% de deputadas na somatória das bancadas. O partido com

maior porcentagem de representação feminina é o PCdoB, com seis mulheres entre

os 15 eleitos.

O centro elegeu 145 deputados, sendo 14 mulheres (9,6% do número total).

Enquanto os partidos de direita juntos elegeram 191 deputados, dos quais 13 são do

sexo feminino (6,8% da bancada de direita é composta por mulheres). Tanto o PMN,

como o PTdoB possuem grande porcentagem de mulheres, mas seus números

absolutos são baixos, ambos elegeram uma mulher no universo de quatro

deputados. Assim, realmente se verifica que as mulheres eleitas concentram suas

filiações nos partidos de esquerda.

Resta saber se esta concentração feminina também implica em maior

quantidade de projetos de lei sobre gênero.

Gráfico 4: PL sobre gênero apresentados pelas deputadas titulares da CDHM, CLP, CE, CTASP e CSSF em 2011 e 2012, divididos por partido.

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 10 de agosto de 2014.

O gráfico a seguir representa os projetos de lei sobre gênero apresentados

pelas 27 deputadas estudadas nos anos de 2011 e 2012, divididos pelos partidos

das respectivas parlamentares. Nele fica claro que o PT e o PMDB foram os que

mais apresentaram propostas relacionadas a mulheres; contudo, também são os

partidos com a maior bancada e, consequentemente, com o maior número de PL

total. Assim, se formos considerar de forma proporcional, levando em conta todos os

projetos de lei apresentados pelas deputadas dos partidos, os dados são

visualizados da seguinte forma:

Gráfico 5: Total de PL apresentados pelas deputadas titulares da CDHM, CLP, CE, CTASP e CSSF em 2011 e 2012 e os PL que possuem relação com gênero.

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 10 de agosto de 2014.

Assim, em números absolutos, as deputadas dos partidos de esquerda

apresentaram a maior quantidade de projetos de lei sobre gênero. Contudo,

proporcionalmente ao total de proposições, o maior número de PL sobre mulheres

veio dos partidos da direita. O PR, por exemplo, apresentou seis PL sobre gênero

com uma representação de duas mulheres e 24 proposições legislativas sobre todos

os temas.

As deputadas dos partidos de esquerda apresentaram, no total, 164 PL,

sendo que 14 possuem relação com gênero. Isto significa que 8,5% das propostas

legislativas da esquerda envolvem questões femininas. As parlamentares estudadas

dos partidos do centro apresentaram 97 PL sobre todos os assuntos e, de gênero,

oito PL. Observamos que todas as proposições sobre mulheres vindas dos partidos

do centro são de autoria do PMDB, sendo que as duas deputadas do PSDB não

apresentaram nenhum PL com este tema e o PV não possui representantes no

nosso escopo de estudo. Isso significa que 8,2% das propostas legislativas das

deputadas com identificação ideológica de “centro” versam sobre gênero. Por fim, as

deputadas dos partidos da direita apresentaram 79 PL e destes, 10 versam sobre

gênero, assim, 12,6% das propostas da direita têm relação com mulheres.

Dos dados apresentados nesse capítulo conseguimos extrair conclusões

interessantes sobre as hipóteses previamente levantadas. Verificamos que as

deputadas não necessariamente defendem bandeiras legislativas relacionadas a

mulheres, uma vez que quase metade das congressistas analisadas não fez

nenhuma proposição relacionada a gênero no período estudado. Ainda, que há

concentração de projetos de lei sobre o mesmo tema, sendo questões ligadas à

sexualidade de crianças e adolescentes as mais recorrentes. Observamos também

que 56% dos projetos com temáticas de gênero receberam parecer favorável do

relator dentro das comissões. Um dado surpreendente, que não confirmou nossa

hipótese inicial, é de que as deputadas pertencentes aos partidos de direita

apresentaram, proporcionalmente, um número maior de projetos com temáticas de

gênero (mas, vale ressaltar, não necessariamente feministas). Agora, passaremos a

analisar as audiências públicas realizadas no âmbito das comissões.

6 AUDIÊNCIAS PÚBLICAS: “...não vai responder aos anseios da sociedade se

não ouvir essa sociedade.”68

O art. 58, §2º, inciso II da Constituição69 prevê a faculdade das comissões

realizaram audiências públicas com entidades da sociedade civil. Esta previsão,

como já foi trabalhada na seção que abordou a Assembleia Nacional Constituinte,

partiu da premissa que as comissões necessitam de informações aprofundadas e

muitas vezes técnicas para analisar os projetos de lei. Por este raciocínio, a

realização destas reuniões tem, a priori, o condão de produzir efeitos no processo de

votação de uma proposta legislativa sobre gênero.

Desta feita, para uma análise completa sobre como a distribuição das

deputadas entre as comissões impacta no processo decisório de legislação, pareceu

primordial estudar as audiências públicas realizadas nas cinco comissões nos anos

de 2011 e 2012, separando as que abordam – ou teriam potencial para abordar –

temáticas de gênero. As cinco comissões realizaram um total de 233 audiências

públicas. Os temas de tais reuniões foram verificados e identificamos quinze cujas

temáticas são relevantes para esta pesquisa.

Analisamos os áudios e notas taquigráficas destas quinze audiências,

levantando dados sobre quem fez o requerimento; quais foram os/as participantes

convidados/as; análise do conteúdo dos discursos; se houve aprovação ou rejeição

do projeto de lei (para os casos em que a audiência especificava a lei em

discussão); e se houve proposta de novo projeto de lei tendo como justificativa o que

foi debatido em audiência. Neste capítulo iremos expor dados quantitativos

levantados na pesquisa, bem como detalhar algumas audiências específicas,

escolhidas levando em conta o critério de casos representativos (SEAWRIGHT e

GERRING, 2008), por terem apresentado alguma particularidade, seja em relação

aos convidados ou em relação aos discursos.

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) realizou, entre os anos

de 2011 e 2012, um total de 48 audiências públicas, sendo que três dessas reuniões

68 Fala do Constituinte Octávio Elísio, realizada em 16/07/1987, na Subcomissão da Educação, Cultura e Esportes defendendo a realização de audiências públicas no âmbito na Assembleia Nacional Constituinte. Disponível em: http://www.senado.gov.br/publicacoes/anais/ constituinte/8a%20%20SUB.%20EDUCA%C3%87%C3%83O,%20CULTURA%20E%20ESP.pd.pdf Acesso em: 25/08/2015. 69 Art. 58 §2º - Às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe: II - realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil. (BRASIL, 1987).

possuíam temáticas relacionadas a gênero. A Comissão de Seguridade Social e

Família (CSSF), por sua vez, realizou um total de 36 audiências públicas em 2011 e

38 em 2012, com duas reuniões sobre questões femininas no primeiro ano analisado

e seis no segundo. Já a Comissão de Legislação Participativa (CLP) não realizou

nenhuma audiência pública sobre gênero em 2011 e 2012, enquanto a Comissão de

Educação (CE) apenas uma. Por fim, a Comissão de Trabalho, Administração e

Serviço Público realizou três audiências sobre gênero nos anos estudados. Estas

informações são comparadas na tabela seguinte:

Tabela 12: Realização de audiências públicas nas comissões – 2011-2012

Comissão Audiências públicas

2011 e 2012

Relação com

gênero

%

CE 38 1 2%

CLP 10 0 -

CTASP 63 3 4%

CSSF 74 8 10%

CDHM 48 3 6%

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 10 de julho de 2014.

Sobre estes dados, importante frisar que, das seis audiências públicas de

2012 na CSSF, três relacionavam o mesmo tema, ligado à atividade do profissional

de psicologia e orientação sexual, conforme será adiante explanado. Esta

quantidade baixa de reuniões sobre gênero não surpreende, ao considerar o número

de proposições legislativas (projetos de lei e emendas à constituição) dentro do

mesmo tema. Bem como, o baixo número de representantes do sexo feminino, que,

de acordo com os conceitos mobilizados por Young (2006), acaba por dificultar a

inserção da perspectiva das mulheres. Pareceu relevante observar de quem partiu a

proposição para a audiência pública, para verificar se a iniciativa era de uma

deputada:

Tabela 13: Audiências públicas sobre gênero requeridas por deputadas – 2011-2012

Comissão Relação com gênero Proposta por deputada

CE 1 1

CLP 0 0

CTASP 3 0

CSSF 8 2

CDHM 3 2

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 10 de julho de 2014.

Pelos dados da tabela, a participação feminina na proposição de audiências

públicas sobre gênero não é tão expressiva, corroborando os achados anteriores

sobre as proposições legislativas. Chama especial atenção o que foi observado na

Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público: das três audiências

realizadas com pertinência com gênero, nenhuma foi proposta por deputada, apesar

de esta comissão contar com 15% de presença feminina, uma das mais altas

representatividades proporcionais. Fizemos um comparativo entre as porcentagens

de presença feminina, os projetos de lei votados e as audiências realizadas nas

comissões em 2011 e 2012.

Tabela 14: Comparativo entre presença feminina, projetos analisados e audiências sobre gênero.

Comissão % representação feminina

% projetos analisados em 2011 e 2012 sobre gênero

% de audiências sobre gênero

CE 12,5% 2,1% 2%

CLP 11% 17%* 0%

CTASP 15% 2,2% 4%

CSSF 22% 6,9% 10%

CDHM 17% 13% 6%

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 8 de março e julho de 2014. * Total de sugestões apreciadas

Desta tabela, fica claro que estes percentuais não são correlacionados: a

CLP possui 11% de presença feminina e foi a que mais analisou sugestões sobre

gênero em 2011 e 2012, contudo, não realizou nenhuma audiência sobre o tema. No

caso da CSSF, a maior representatividade de mulheres, de 22%, caminha junto com

a maior porcentagem de audiências sobre gênero, 10%; por outro lado, é a terceira

comissão que mais apreciou projetos em questões femininas proporcionalmente,

atrás da CLP e da CDHM.

Outro dado que vai de encontro com os achados já apresentados sobre

projetos de lei é a concentração dos temas abordados nas audiências públicas. Das

15 audiências públicas sobre gênero, duas tratam de questões sexuais de crianças e

adolescentes, três tratam sobre direitos trabalhistas; e outras quatro audiências

sobre direitos LGBTT.

No âmbito da CTASP, a reunião com tema “Trabalho decente, uma questão

de gênero” foi sugerida pelo deputado Sebastião Bala Rocha (PDT/AP). Este

congressista também foi o responsável pela proposição da audiência “O trabalho

doméstico no Brasil e a convenção 189 da OIT”. As duas audiências foram

solicitadas no mesmo requerimento, n. 100 de 2012 70. Notou-se que a lista de

expositores sugeridos foi bem similar para as duas ocasiões: com representantes do

Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público, sindicatos de empregados e

empregadores e magistratura do trabalho.

Aqui cabe abrir uma observação: a Emenda à Constituição 72/2013,

conhecida como PEC das Domésticas, alterou a redação do parágrafo único do art.

7º da Constituição, estendendo direitos trabalhistas a categorias de trabalhadores

domésticos. O projeto original, com numeração 478/2010, de autoria do Deputado

Carlos Bezerra (PMDB/MT), tramitou na Câmara entre 2010 e 2012. A convenção

189 da Organização Mundial do Trabalho (OIT) ocorreu em junho de 2011 e gerou a

recomendação de que os/as empregados/as domésticos/as deveriam ter os mesmos

direitos dos/as demais trabalhadores/as. Assim, apesar da CTASP não deter

competência para parecer da PEC, o assunto “trabalho doméstico” estava em

evidência na Câmara e no cenário internacional nos anos estudados e o tema foi

proposto para debate.

A reunião ocorrida em 27/03/2012 para tratar sobre “trabalho decente”,

contou com a exposição de pontos de divergência. Os membros do Poder Executivo

que estavam presentes na reunião foram a favor da extensão dos direitos

trabalhistas. A Representante da Confederação Nacional do Comércio de Bens,

Serviços e Turismo (CNC), Sra. Lidiane Duarte Nogueira, por sua vez, se mostrou

contra a aprovação de uma PEC e defendeu aumento de incentivos fiscais para o

empregador doméstico, segundo ela:

70 Disponível: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=203CC30C 41F866A34488F75B43B681EC.proposicoesWeb2?codteor=969764&filename=REQ+100/2012+CTASP Acesso em 26/08/2015.

O parágrafo único do art. 7º, que seria restritivo com relação aos direitos dos trabalhadores domésticos, na verdade, foi ali inserido porque o trabalho doméstico é tido como um trabalho peculiar, realizado no âmbito da casa, dentro de condições que são diferentes dos outros, dentro de outras condições, diferente dos outros trabalhadores. Daí por que essa diferenciação.71

Já o representante da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho

(Anpt), Maurício Correia de Mello respondeu aos argumentos da expositora anterior

defendendo que:

Na verdade não existe, do meu ponto de vista, outra explicação para esse art. 7º, senão uma discriminação consagrada no próprio texto constitucional. Essa discriminação tem uma forte conotação de raça e gênero. Cientificamente colocado pela Previdência, a maioria dos trabalhadores domésticos são mulheres e boa parte, principalmente e historicamente, são negras. Há uma questão também que temos que considerar para que jamais fosse declarada essa inconstitucionalidade do próprio texto constitucional por conflitar com o princípio fundamental da igualdade e da não discriminação. Somos, Legisladores, membros do Ministério Público, juízes, em grande parte, empregadores domésticos.72

Em relação aos participantes, foi também convidado o presidente do portal

Doméstica Legal, cujo slogan é “O Departamento Pessoal do Empregador

Doméstico”73 e um representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT). O

primeiro defendeu que os empregadores domésticos realizem pagamentos menores

de INSS e FGTS; e a representante da CUT colocou sobre a dificuldade de

organização da categoria, bem como, da fiscalização das condições de trabalho no

interior das residências.

Sobre os/as convidados/as, o procedimento padrão é que o deputado que

faz o requerimento de audiência pública, já elenque os possíveis expositores. Do

que foi observado nas atas pesquisadas, chamou especial atenção a presença do

Poder Executivo nas audiências que tratam sobre gênero. Do total de quinze

audiências realizadas no âmbito das cinco comissões em 2011 e 2012, doze

contaram com a presença de representantes do Poder Executivo para apresentar

informações. Significa dizer que as comissões utilizam o Executivo como fonte de

subsídios.

71 Disponível: http://www.camara.leg.br/internet/ordemdodia/integras/974944.htm Acesso: 26.08.2015. 72 Disponível: http://www.camara.leg.br/internet/ordemdodia/integras/974944.htm Acesso: 26.08.2015. 73 Disponível: http://www.domesticalegal.com.br/ Acesso: 27.08.2015.

Tabela 15: Participação do executivo nas audiências públicas sobre gênero – 2011-2012

Comissão Relação com gênero Participação do Executivo %

CE 1 1 100%

CLP 0 - -

CTASP 3 3 100%

CSSF 8 6 75%

CDHM 3 2 66%

Fonte: Elaboração própria com base nos dados da página eletrônica da Câmara dos Deputados, consultada em 8 de julho de 2014.

A audiência pública para debater “políticas públicas de erradicação de

extrema pobreza, em especial seu impacto sobre as mulheres”, realizada em

24/08/2011 no âmbito da CDHM, ilustra de forma exacerbada essa presença do

Executivo. Isto porque na citada audiência foram convidadas como expositoras

apenas representantes de ministérios: Ana Medeiros da Fonseca, Secretária

Extraordinária para Superação da Extrema Pobreza do Ministério do

Desenvolvimento Social; e Iriny Lopes, Ministra de Estado da Secretaria de Políticas

para as Mulheres - sem qualquer participação da sociedade civil organizada.

Ambas as expositoras trazem a perspectiva governamental, concordando

que houve avanço na erradicação de extrema pobreza e apresentando dados dos

valores gastos pelo Governo Federal nos programas sociais. Esta audiência não

contou com pontos controvertidos ou informações que não partissem do Executivo.

Em busca feita nos projetos de lei dos deputados/as requerentes – Henrique Afonso

(PV/AC), Manuela D´Ávila (PCdoB/RS) e Janete Rocha Pietá (PT/SP) –, após a

realização da reunião, não se encontrou resultado de proposta legislativa sobre o

tema.

Interessante observar que os/as deputados/as que requereram a audiência

pertencem aos partidos PV, PCdoB e PT, que compunham a base aliada da

presidência em 2011. Como não houve debate técnico nesta reunião, nem

apresentação de opiniões divergentes, cabe levantar a dúvida da utilização de

audiências públicas como forma de propaganda para os programas federais. Como

o nosso escopo de pesquisa é reduzido, não podemos observar esta tendência de

forma completa. Mas no caso desta audiência específica, não conseguimos

visualizar outra motivação além de disseminar a informação sobre a retração dos

números de mulheres em situação de extrema pobreza como resultado dos

investimentos governamentais.

Outra audiência que merece destaque é a ocorrida em 23/08/2011 para

discutir o tema da gravidez na adolescência no âmbito da CSSF. Foi observada uma

segregação de gênero, tendo em vista que todas as expositoras eram mulheres.

Esta reunião foi requerida pela Deputada Teresa Surita (PMDB/RR) e foram

convidadas para discursar: Alice Bittencourt, Coordenadora da Convivência

Comunitária e Familiar da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da

República; Mariângela de Medeiros Barbosa, Presidente do Departamento Científico

da Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria; Raquel Barros, Diretora

Presidente da Associação de Formação e Reeducação Lua Nova; e Ana Sudário

Lemos Serra, Assessora Técnica da Coordenação da Saúde do Adolescente do

Ministério da Saúde.

A debatedora Mariângela Barbosa iniciou sua fala com a seguinte

observação: “é uma pena que, com o tema Gravidez na Adolescência, tenhamos

uma plateia quase que exclusivamente feminina”. Isso realmente chamou atenção

durante a análise da audiência pública, pois a reunião foi proposta por uma

deputada e todas as debatedoras eram mulheres. Sobre as entidades participantes,

verificou-se que a Associação Lua Nova tem como missão “Resgatar e desenvolver

a auto-estima, a cidadania, o espaço social e a auto-sustentabilidade de jovens

mães vulneráveis, facilitando sua inserção como multiplicadoras de um processo de

transformação de comunidades em risco”74. Esta associação não atua em âmbito

nacional e sim no interior de São Paulo. Outra questão sobre a participação digna de

nota é a ausência de adolescentes grávidos/as entre os/as debatedores e/ou

participantes.

No intuito de verificar se esta audiência pública rendeu algum projeto de lei,

foi realizada uma busca pelo nome da deputada Teresa Surita no site da Câmara e

não há nenhum PL de sua autoria que trate sobre o tema gravidez na adolescência.

E, ao realizar pesquisa geral por assunto “gravidez” e “adolescência” ou

“adolescentes”, encontramos apenas um projeto de lei75, que visa criar a semana

74 Disponível: http://www.luanova.org.br/br Acesso: 07/07/2014. 75 PL 1149/2011 proposta por Cida Borghetti (PP/PR)

nacional de prevenção da gravidez na adolescência. Contudo, a justificativa do

projeto não cita a audiência pública realizada em 23/08/2011.

Um dado relevante é a realização de quatro audiências públicas sobre

direitos LGBTT. Isto porque o número de audiências ultrapassa, inclusive, o número

de propostas legislativas no mesmo tema (foram dois PL sobre direitos LGBTT nos

anos de 2011 e 2012). Pelo o que foi observado nas reuniões sobre o assunto, o

debate é mais acirrado e concentra atenção midiática.

A reunião realizada em 10/11/2011 buscou “Promover o esclarecimento e

qualificar o debate sobre os possíveis impactos advindos da aprovação do PL nº

6.297/2005”. O tema por si só já é digno de nota, pois a audiência visa debater o

reconhecimento da relação homoafetiva para fins previdenciários, algo capaz de

gerar grande polêmica. Contudo, da simples leitura da pauta de audiências o tema

poderia passar despercebido a eventual interessado na questão.

Esta audiência foi solicitada e presidida pelo Deputado Pastor Marco

Feliciano (PSC/SP). Em relação aos convidados, há pertinência lógica na presença

do representante do Ministério da Previdência Social, bem como, da Associação

Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABLT, que não

compareceu). Contudo, não conseguimos vincular os dois outros convidados ao

tema da audiência, sendo eles: o chefe do setor jurídico do Conselho Federal de

Engenharia, Arquitetura e Agronomia e o Sr. Francisco Lúcio Pereira Filho, descrito

apenas como “advogado e consultor” sem vinculação declarada com qualquer órgão

oficial ou associação.

O Requerimento n. 88/2011 que deu origem a esta audiência elencava

outros convidados, porém, na reunião em que tal solicitação foi aprovada por

unanimidade, não houve qualquer discussão sobre quem seria chamado a opinar.

Assim, não há dados claros no site da Câmara sobre como ocorreu a escolha dos

participantes e os motivos que levaram a alteração dos nomes previamente

propostos no requerimento.

O primeiro debatedor, falando em nome do Ministério da Previdência tratou

sobre a portaria em vigor, que estendeu o conceito de união estável para pessoas

do mesmo gênero, baseado em um parecer da Advocacia Geral da União. O

segundo debatedor, membro do Conselho de Engenharia, também foi a favor da

aprovação do PL. O ponto controverso foi exposto pelo debatedor Sr. Francisco

Pereira Filho76.

Chamou atenção o fato de que os dois primeiros debatedores contaram com

o tempo regimental de 15 minutos, enquanto a exposição de Francisco Pereira Filho

durou 26 minutos. Dentre as pessoas que se manifestaram durante a audiência

pública, houve apenas uma mulher, Deputada Jô Moraes (PCdoB/MG) relatora do

projeto de lei debatido, que cobrou do presidente da audiência pública o respeito ao

procedimento regimental.

Sobre a tramitação da proposição, a mesa diretora da Câmara dos

Deputados declarou que este projeto de lei nº 6.297/2005 está sujeito à apreciação

conclusiva das comissões pertinentes, significa dizer que ele não passará pelo

plenário. Até o período pesquisado não houve votação do PL pela Comissão de

Seguridade Social e Família, pois foi retirado de pauta de reunião de deliberação a

pedido do Deputado Pastor Eurico (PSB/PE) em 16/05/2012. Por outro lado, já

houve deliberação na CDHM pela rejeição do projeto, com relatório do próprio

Deputado Pastor Eurico, concluindo que:

(...) b) que não haja injustiça, pois os homossexuais teriam sua mera convivência e afeto protegidas pelo Estado, apesar de os casais nunca terem tido proteção pelo simples fato de haver afeto ou mera convivência, mas o exercício de um relevante papel social; c) que não haja enriquecimento sem causa, já que das relações de mero afeto não se observam presumivelmente o ônus de criação e educação de filhos; d) que haja o reconhecimento da relevância do papel social da família, constituída pelo casamento ou por equiparação da união entre um homem e uma mulher; e) que haja observância das razões históricas e fáticas que fazem a família ser base da sociedade e digna de usufruir proteção especial do Estado conforme a CF e f) que a sociedade não seja obrigada a sustentar pessoas em idade adulta sem qualquer justificação, já que dos homossexuais e dos demais que mantém relações de mero afeto não se pode presumir o suporte do ônus na geração, educação e emancipação de novos cidadãos.

Neste relatório de deliberação não há menção à audiência pública realizada

em 10/11/2011. Isto merece destaque, levando em conta que o Deputado Pastor

Marco Feliciano, que foi quem solicitou a realização da audiência pública, também

76 “(...) não se protege afeto dos heterossexuais, não. Protege-se um ente do qual há novos cidadãos e dependentes. E outra: isso afetará sim a sustentabilidade da sociedade, um, em financiar o seu sistema previdenciário e dois você incentiva subsidiando a relação de mero afeto. Incentiva o que? Início de relação de dependência econômica entre adultos que para o estado deveriam ser produtivos, autossuficientes e dar mais para o estado do que receber”. Arquivo sonoro. Transcrição própria. Áudio: http://www.camara.leg.br/internet/ordemdodia/ordemDetalhe ReuniaoCom.asp?codReuniao=27543 Acesso 15/08/2015.

estava presente na reunião ordinária que definiu pela rejeição da relação

homoafetiva para fins previdenciários no âmbito da Comissão de Direitos Humanos.

Sobre o tema de atuação dos profissionais de psicologia e orientação

sexual, foram realizadas três audiências públicas no âmbito da CSSF, no ano de

2012. As audiências realizadas em 28/06/2012 e 27/11/2012 tinham como foco a

discussão do projeto de decreto legislativo n. 234/2011, sobre a aplicação de

normas de atuação para os psicólogos em relação à questão sexual, requeridas

pelos Deputados Roberto de Lucena e Pastor Marco Feliciano; já a audiência

realizada em 06/11/2012 visava debater o exercício profissional do psicólogo, a ética

e o respeito à homoafetividade, requerida pela Deputada Érika Kokay.

O PDL 234/2011, propõe sustar a aplicação dos seguintes artigos da

resolução do Conselho Federal de Psicologia, por entender que foi além do seu

poder regulamentador, ao restringir o trabalho dos profissionais de psicologia.

Resolução nº 1/1999

Art. 3° Parágrafo único - Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades. Art. 4º - Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação ao homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.

Durante a primeira audiência pública para tratar do tema, houve

manifestações dos presentes na plateia e a ameaça de retirar os manifestantes da

sessão. Foi ouvida uma representante do Ministério Público do Trabalho, Andréa

Lopes e Marisa Lobo, escritora e psicóloga com especialização em psicologia da

sexualidade. O Deputado Jean Wyllys e a Deputada Érika Kokay se manifestaram

contrariamente ao projeto, argumentado que não há justificativa para o Congresso

intervir na resolução do Conselho de Psicologia, bem como, acusaram o presidente

da audiência de parcialidade, inclusive citando que não seria ouvido nenhum

representante do movimento LGBTT e todos os expositores foram favoráveis a

aprovação do decreto.

Já na audiência realizada em 06/11/2012, os debatedores eram: Ana Paula

Uziel, da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de

Psicologia; Toni Reis, Presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays,

Bissexuais, Travestis e Transexuais; e Francisco Cordeiro, Consultor Nacional da

OPAS - Organização Pan-Americana da Saúde no Brasil. Nesta segunda sessão,

não houve argumento a favor do projeto de decreto legislativo.

Por fim, foi realizada audiência em 27/11/2012, onde finalmente houve

expositores das duas correntes. Foram convidados/as: Humberto Cota Verona,

Presidente do Conselho Federal de Psicologia; Marisa Lobo, escritora e psicóloga

com especialização em psicologia da sexualidade; Toni Reis, Presidente da

Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais; e

Silas Lima Malafaia, Pastor Líder da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo.

De todas as audiências públicas acompanhadas, estas foram as com maior

número de manifestações da plateia e com o debate mais acirrado entre os

presentes. Em diversas ocasiões os respectivos presidentes das sessões

ameaçaram retirar pessoas da plateia e pediram calma e respeito durante os

discursos. Também houve ampla divulgação nos veículos de comunicação77 sobre o

assunto, assim, aventamos se a realização de três audiências – uma com posição

favorável ao projeto, uma com posição contra e a terceira apresentando ambos os

posicionamentos – foi uma busca por propaganda pessoal dos/as deputados/as.

O projeto de decreto legislativo 234/2011 – sustando a aplicação da

resolução do Conselho de Psicologia - foi aprovado pela CSSF em 20/12/2012,

citando as audiências públicas em seu relatório; e aprovado pela CDHM em

18/06/2013, sem citar as audiências públicas. Em 02/07/2013 o Deputado João

Campo (PSDB/GO), que propôs o projeto de decreto, pediu sua retirada de

tramitação, justificando que: “a manifestação pública do meu Partido (PSDB),

através de nota, contrária ao projeto PDC 234/2011, inviabilizou, sumariamente, a

possibilidade de sua aprovação.”

Da pesquisa empírica e da análise das audiências públicas, é possível

observar certo padrão nas reuniões realizadas pelas Comissões nos anos de 2011 e

2012. Em primeiro lugar é importante destacar que, em regra, as informações

recebidas em audiências públicas não são citadas nas justificativas de proposições

legais ou nas justificativas de parecer favorável/desfavorável.

77 Exemplos de veiculação disponíveis em: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/06/tumulto-marca-audiencia-na-camara-sobre-cura-gay.html Acesso 28.08.2015; http://www.estadao.com.br/noticias/geral,confusao-marca-audiencia-publica-sobre-projeto-que-legaliza-a-cura-gay,893046 Acesso 28.08.2015

Isto também fica claro ao verificar que, das audiências realizadas, os sujeitos

mais beneficiados/prejudicados com a política pública/ legislação não foram

convidados para o debate – como é o caso dos/as adolescentes grávidos/as. Outro

ponto que merece destaque é a presença do Executivo, convidado para 80% das

audiências, inclusive sendo o único expositor na reunião que tratou sobre políticas

para erradicação de extrema pobreza.

Nesta mesma linha de raciocínio, foi verificada a falta de opiniões

divergentes em determinadas audiências, fato que, inclusive, gera dúvidas sobre a

motivação na convocação das reuniões. Foi levantada a possibilidade de os/as

deputados/as utilizarem as audiências públicas como forma de propaganda de

políticas públicas governamentais ou buscarem uma atenção midiática na defesa ou

ataque de temas “polêmicos” (como é o caso dos direitos LGBTT).

Do que foi analisado, é possível concluir que o/a deputado/a propositor

detém grande influência nas proposições dos nomes dos/as convidados/as. Em

regra, observamos que os discursos realizados em audiência já apresentam uma

tendência em consonância com o que é defendido pela posição ideológica do partido

propositor. Bem como, observamos que não é comum que as audiências sirvam

para debater projeto de lei específico e sim, temas mais abrangentes nos quais já

existe atenção nacional. Concluímos, por fim, que as audiências sobre gênero

realizadas nas comissões estudadas nos anos de 2011 e 2012 não lograram êxito

em municiar os/as deputados/as com informações para pareceres técnicos nas

matérias específicas.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Minha pesquisa de pós-graduação foi pensada, em um primeiro momento,

para suprir uma curiosidade pessoal de operadora do direito em relação ao processo

legislativo. É comum encontrarmos decisões judiciais que fundamentam a posição

tomada na “intenção do legislador”78. Assim, nos parece primordial entender quem

faz parte do grupo de pessoas que toma as decisões legislativas e, mais, como

ocorre esta deliberação. As comissões permanentes são um campo excelente para

buscar estas informações, por serem microcosmos do plenário, onde a análise pode

ser mais pormenorizada.

Após o ingresso no programa de pós-graduação com o intuito de estudar o

sistema de comissões, me familiarizei com as temáticas de gênero e representação

política feminina. Este arcabouço teórico gerou uma série de novos questionamentos

sobre a participação das deputadas no processo legislativo e seus efeitos. No Brasil

as mulheres representam 51%79 da população e são responsáveis por 38,7%80 dos

domicílios, contudo, a presença feminina na Câmara é de apenas 8,7%. Daí surgiu a

necessidade de aprofundar o estudo do sistema de comissões com pesquisa sobre

as deputadas e legislação sobre gênero.

Foi verificado que este campo de intersecção ainda é pouco explorado nos

estudos a respeito do Congresso Nacional, assim, a presente dissertação buscou

ampliar este debate acadêmico. O problema de pesquisa foi traçado para verificar

como ocorre a distribuição das deputadas entre as comissões e como esta definição

afeta o processo decisório nas propostas legislativas relacionadas a gênero.

O primeiro ponto levantado buscando compreender o sistema de comissões

permanentes foi o estudo da sua gênese, nos anais da Assembleia Nacional

Constituinte. O que se observou é que os/as constituintes tencionavam dar mais

agilidade ao processo decisório e incentivar debates mais técnicos, estimulando a 78 Por exemplo, o Habeas Corpus 175.816-RS julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em

20/06/2013, segundo o qual: “(...) 1. Apesar de ser desnecessária à configuração da relação íntima de

afeto a coabitação entre agente e vítima, verifica-se que a intenção do legislador, ao editar a Lei

Maria da Penha, foi de dar proteção à mulher que tenha sofrido agressão decorrente de

relacionamento amoroso, e não de ligações transitórias, passageiras.” Disponível em:

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“expertise” dos/as deputados/as em determinada área. Após este estudo

introdutório, mobilizamos conceitos da ciência política que buscam explicar

representatividade, bem como, recrutamento e funcionamento das comissões.

Entendemos, assim como defendido por Young (2006), que uma

representação socialmente justa deve abranger grupos desfavorecidos para que

seus pontos de vista não sejam excluídos do processo legislativo. As deputadas

estudadas claramente contam com interesses e opiniões bem diferentes entre si,

mas partem de uma perspectiva comum, levando certos pontos de partida para o

debate. O baixo número de mulheres nas comissões permanentes, e na Câmara de

um modo geral, impossibilita a exposição desta perspectiva.

Paralelamente, realizamos pesquisa sobre as três teorias

neoinstitucionalistas: distributivista, informacional e partidária, e buscamos

referências que comparassem estas teorias norte-americanas com o caso brasileiro.

Desta pesquisa levantamos a hipótese da distribuição das deputadas entre as

comissões ocorrer por um predicado informacional. Isto porque que há estudos

demonstrando que a Câmara privilegia a expertise e seniority dos/as deputados/as

(MEIRELES e MULLER, 2014). Bem como, consideramos a regra de funcionamento

do Congresso que incentiva a especialidade com a imposição de limitação no

número de comissões que cada deputado/a poderá participar (ROCHA e BARBOSA,

2008). O levantamento bibliográfico serviu também para alimentar a metodologia e a

delimitação dos objetivos a serem investigados.

No capítulo seguinte, foi trabalhada a metodologia da presente pesquisa,

como se deu a escolha das cinco comissões (CE, CTASP, CSSF, CDHM e CLP) e

consequentemente das 27 deputadas estudadas. Analisamos 233 audiências

públicas, 335 projetos de lei e 17 projetos de emenda à constituição. Descrevemos

também as dificuldade de classificação das proposições legislativas e audiências

públicas e sua pertinência com questões de gênero. Ainda, advertimos sobre a

limitação das conclusões elaboradas no presente trabalho ao estudo das cinco

comissões nos anos de 2011 e 2012.

A bibliografia ordinariamente considera que as comissões detêm pouco

poder no Congresso Brasileiro, o que nos levou a perquirir se a maioria dos projetos

de lei não seria apreciada de forma conclusiva pelas comissões, mas sim,

necessitaria da aprovação do plenário. O que observamos, entretanto, é quase um

equilíbrio entre a forma de apreciação dos projetos de lei que versam sobre gênero:

43,7% deverão ser analisados de forma conclusiva pelas comissões. Da pesquisa

realizada, verificamos inclusive que legislações de amplo impacto receberam aval da

Mesa para serem votados conclusivamente pelas comissões, como é o caso do PL

nº 6.297/2005 que defende relação homoafetiva para fins previdenciários. Estes

achados corroboram a importância de se estudar comissões por sua relevância no

processo legislativo.

No levantamento sobre a distribuição das deputadas entre as comissões,

constatamos uma concentração de mulheres em determinados temas,

principalmente relacionados a questões assistenciais. A Comissão de Seguridade

Social e Família (CSSF) é a que possui maior presença de mulheres, com oito

deputadas, 22% do total dos 36 membros. Por outro lado, a Comissão de

Desenvolvimento Urbano (CDU) não possui nenhuma mulher entre os 18 membros.

Chamou especial atenção a composição das três Comissões que tratam de tributos,

finanças e economia, com apenas uma mulher em cada uma delas.

Dos dados apresentados, foi possível concluir que as parlamentares, em

regra, permanecem na mesma comissão. Contudo, em nenhuma das comissões

estudadas, a profissão/ ocupação anterior se mostrou como fator determinante para

a indicação da matéria a ser trabalhada. Vale notar que apenas cinco parlamentares

colocam em suas biografias ligações com organizações para mulheres. E 12

deputadas apontam ligações com sindicatos/ associações/ institutos/ federações.

Esta ligação externa é pertinente como explicação da distribuição entre as

comissões: as deputadas parecem preferir estar em comissões em que possam

discutir legislações com relevância para a organização da qual fazem parte.

Podemos concluir que as deputadas, em regra, não enfatizam bandeiras

feministas e não trazem pautas de gênero como sua principal plataforma de

reeleição. Inclusive, 13 das 27 deputadas não realizaram nenhuma proposição com

temática de gênero. Outro apontamento relevante é a questão do consenso ao redor

do tema do projeto. Da leitura das ementas dos projetos de lei sobre gênero,

conseguimos facilmente observar temas recorrentes. Questões ligadas à

sexualidade de crianças e adolescentes são objetos de 12 propostas legislativas,

mais de 1/3 do total de projetos sobre gênero. Isto leva a crer que existe uma

limitação à atuação das deputadas, que muitas vezes dependem de alianças

conservadoras para sua reeleição.

A pesquisa também demonstrou que a maioria dos projetos de lei sobre

gênero recebe parecer favorável das comissões de matéria para as quais foram

distribuídos. Buscamos verificar se as comissões estudadas atuam barrando

projetos de lei que não atendam os seus interesses (gatekeeping) e observamos que

houve maior celeridade nos PL que tratam de questões sexuais de crianças e

adolescentes. Em contrapartida, não houve parecer do relator para questões de

direito LGBTT e legislação para aumentar a licença paternidade.

Na tentativa de avaliar se a produção legislativa sobre gênero sofria impacto

de acordo com a posição ideológica partidária, buscamos, primeiramente, averiguar

a filiação partidária das deputadas e constatamos que os partidos de esquerda são

os que mais contam com representantes do sexo feminino. Em dissonância com o

dado anterior, proporcionalmente ao total de proposições, o maior número de PL

sobre mulheres veio dos partidos da direita.

Sobre as audiências públicas, constatamos que apenas 6,4% das 233

audiências realizadas nas cinco comissões trataram de temáticas de gênero. Os

temas também se concentram em determinados assuntos, porém, há uma sensível

diferença em relação aos projetos de lei, pois nas audiências foi possível observar

uma recorrência de requerimentos em assuntos “polêmicos”, tanto é assim que

ocorreram quatro audiências sobre direitos LGBTT nos anos de 2011 e 2012.

Do que foi analisado nas atas pesquisadas, chamou especial atenção a

presença do Poder Executivo nas audiências que tratam sobre gênero. A presença

governamental em doze das quinze reuniões estudadas demonstra que as

comissões utilizam o Executivo como fonte de informações. Por outro lado, os

sujeitos mais beneficiados/prejudicados com a política pública/ legislação não foram

convidados para o debate.

Em regra, os subsídios recebidos em audiências públicas não são citados

nas justificativas de proposições legais ou nas justificativas de parecer

favorável/desfavorável. Em paralelo, não são todas as audiências que contam com

posicionamentos divergentes: houve reuniões em que todos os expositores

concordavam sobre o assunto. Assim, concluímos que a realização de audiências

possui outras motivações além da busca por subsídios para o voto. Inclusive

aventamos, com as limitações do escopo pesquisado, que os/as deputados/as

utilizam estas reuniões como forma de buscar atenção midiática.

Frente aos dados compilados na presente dissertação, uma conclusão

possível é que, as comissões, apesar de deterem grande poder nas votações

legislativas, não atuam como centralizadoras de informações técnicas e as

parlamentares presentes nas bancadas não trazem debates de gênero para a pauta,

por uma limitação imposta pelo campo. Levando em conta os dados apresentados

sobre concentração de mulheres em determinadas temáticas, números de PL em

questões femininas, convidados para audiências públicas, entre outros, resta claro

que a “intenção do legislador” não é alterar substancialmente o campo normativo de

políticas de gênero.

Por fim, esperamos que este trabalho seja uma contribuição relevante no

sentido de aprofundar os estudos sobre comissões permanentes com um viés

feminista, uma intersecção que ainda carece de exploração. Almejamos também que

os dados aqui apresentados convençam da necessidade de aumentar a

representação de mulheres na Câmara dos Deputados, na tentativa de que as

temáticas de gênero e a perspectiva feminina deixem de ser secundárias no

processo legislativo.

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